GUIA DE FISIOPATOLOGIA GASTROINTESTINAL DO CÃO E DO … · 2017-10-06 · -2-O Guia de...

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Parte 1 Funcionamento e estrutura do sistema gastrointestinal GUIA DE FISIOPATOLOGIA GASTROINTESTINAL DO CÃO E DO GATO Marge Chandler

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Parte 1Funcionamento e estrutura do sistema gastrointestinal

GUIA DE FISIOPATOLOGIA GASTROINTESTINAL DO CÃO E DO GATO

Marge Chandler

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O Guia de Fisiopatologia Gastrointestinal do Cão e do Gato pretende ser um suporte de informação atualizado sobre os aspetos mais relevantes da patologia gastrointestinal canina e  felina. O  seu conteúdo é estruturado em 3 partes:

Parte 1:

Parte 2:

Parte 3:

FUNCIONAMENTO E ESTRUTURA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL

PATOLOGIAS RELACIONADAS COM A DIETA

ENTEROPATIAS CRÓNICAS

1. Fisiologia gastrointestinal do cão e do gato

2. Fibra dietética

5. Síndrome do intestino irritável

3. Probióticos e prebióticos

6. Doença inflamatória intestinal no cão e no gato

4. Reações adversas aos alimentos

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Parte 1

INTRODUÇÃO pág. 4

ESTRUTURA E FUNÇÕES BÁSICAS pág. 4A deglutição pág. 4O estômago pág. 5 O intestino delgado e o pâncreas pág. 10A microflora intestinal pág. 12Absorção das vitaminas pág. 13

SECÇÕES HISTOLÓGICAS DO SISTEMA GASTROINTESTINAL pág. 14

Índice

FUNCIONAMENTO E ESTRUTURA DO SISTEMA GASTROINTESTINAL

1. Fisiologia gastrointestinal do cão e do gato p.4

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INTRODUÇÃOAs estatísticas indicam que as consultas devido a  problemas gastrointestinais são a  prática mais realizada em pequenos animais nas clínicas veterinárias. Inseridas nestas consultas estão diferentes manifestações como vómitos, diarreias, prisão de ventre, inflamação do sistema gastrointestinal, alergias e intolerâncias alimentares.

É necessário ter em conta que a fisiologia gastrointestinal não é um tema simples de ser tratado, já que o processo digestivo é complexo e existem diferentes fatores que causam esta complexidade, nomeadamente genéticos, alérgicos, infeciosos ou parasitários, entre outros.

ESTRUTURA E FUNÇÕES BÁSICAS A principal função do sistema digestivo é desfazer os componentes dos alimentos e assimilar os seus nutrientes. Este processo inicia-se na boca, que segrega saliva durante a mastigação dos alimentos. Tanto o  gato como o  cão possuem quatro pares de glândulas salivares: as parótidas, situadas em frente de cada orelha, as sublinguais, localizadas debaixo da língua, as submandibulares, que se encontram debaixo da mandíbula inferior e  as zigomáticas, situadas sobre a  mandíbula superior, debaixo do olho. A saliva lubrifica os alimentos de modo a facilitar a sua passagem e, no cão, também o refresca pela evaporação quando este está ofegante. Ao contrário dos humanos, os cães e os gatos carecem da enzima α-amilase (alfa-amilase), que inicia o processo de decomposição do amido.

A deglutiçãoO reflexo de engolir a comida é complexo porque nele participam os músculos da língua e da cabeça, a faringe e o esófago. Depois de formado, o bolo alimentar dirige-se à orofaringe, onde se dão as contrações da faringe, responsáveis pela deslocação do bolo até à hipofaringe. O orifício situado entre a orofaringe e a nasofaringe fecha-se como reflexo ao elevar-se o palato mole e ao fecharem-se as dobras palatofaríngeas. A abertura da traqueia é protegida pelo fecho da glote e pelo movimento da epiglote, que impede que os alimentos passem para a traqueia. Os alimentos sólidos estimulam os recetores da faringe de forma mais eficaz do que os líquidos. O óleo não estimula a deglutição e por essa razão é habitual o óleo mineral administrado por via oral ser aspirado para a traqueia.

O movimento peristáltico que se inicia na faringe continua no esófago por meio do esfíncter gastroesofágico, que é o  principal movimento peristáltico da deglutição. Se os alimentos ou os líquidos não alcançam o estômago com este movimento, gera-se um segundo movimento peristáltico devido à  presença da distensão esofágica dos alimentos. No cão, a  velocidade de deglutição dos líquidos oscila entre os 80 e os 100 cm3 por segundo, enquanto que no gato é apenas de entre 1 a

Fisiologia gastrointestinal do cão e do gato

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2 cm3 por segundo. Porventura isso explique a tendência que os gatos têm de desenvolver esofagite quando lhe são administrados comprimidos por via oral sem água, já que se demonstrou que os comprimidos habitualmente permanecem no esófago.

O esófago do cão contém dois músculos oblíquos com estrias que o  percorrem em todo o  seu comprimento. No caso do gato, a camada muscular consiste num músculo com estrias, mas a secção abdominal e torácica caudal possui uma quantidade progressivamente mais elevada de músculo liso, até aos últimos 2 ou 3 cm do esófago, que são apenas de músculo liso. É possível que este facto explique as diferenças entre as suas respetivas deglutições.

O estômagoO esfíncter gastroesofágico (EGE) é importante para manter uma zona de alta pressão entre o esófago e o estômago, de modo a evitar que se produza um refluxo do conteúdo gástrico na direção do esófago. O  tipo de alimento ingerido afeta a  pressão do EGE. Os alimentos proteicos provocam uma subida da pressão, provavelmente devido ao aumento da gastrina. As gorduras provocam a diminuição da pressão do EGE devido ao aumento da estimulação da colecistocinina e à inibição do aumento produzida pela gastrina.

Anatomia das glândulas salivares no cão.

Glândula parótida Ducto parotídeo

Glândula sublingual

Glândula zigomática

Orifício do ducto zigomático maior

Glândula parótida

Orifício do ducto sublingual

Orifício do ducto mandibular

Glândula mandibular

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O EGE relaxa-se temporariamente para permitir a  erupção dos gases; durante este processo de relaxamento também pode ocorrer um refluxo dos fluidos na direção do esófago. É um processo normal, mas que em alguns cães pode ocorrer de forma excessiva, podendo também dar-se um atraso no ritmo de eliminação do ácido do esófago, o que origina uma esofagite.

O estômago está situado à esquerda do plano médio do corpo. Quando se encontra vazio, o estômago situa-se dentro do arco costal e não pode ser apalpado por meio de um exame físico. Inclusive quando está cheio, é possível que o examinador tenha de introduzir os dedos por debaixo do arco costal para poder apalpar um estômago normal.

Anatomicamente, o  estômago divide-se em quatro regiões: cárdia, fundo, corpo, antro e  piloro. Fisiologicamente, o estômago possui uma parte proximal que armazena os alimentos temporariamente e uma parte distal que regula a libertação de ácido clorídrico, tritura as partículas de comida e controla o esvaziamento do estômago. O fundo dilata-se como resposta à entrada de alimentos, relaxando-se para os receber, o que origina um decréscimo da atividade motora e da pressão fúndica.

Visão endoscópica do esófago de um gato. Características: estrias circulares da musculatura lisa com vasos sanguíneos destacados na submucosa. Foto cortesia do Dr. D. Gunn-Moore.

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É habitual os cães alimentarem-se à base de grandes porções de comida, enquanto que os gatos costumam ingerir quantidades mais pequenas mas com mais frequência. Por esta razão, no caso do cão a  capacidade de armazenamento do estômago adquire provavelmente uma maior importância.

O estômago intervém nas fases iniciais da digestão mediante a  secreção de ácido clorídrico e  de pepsinogénios. Os músculos do antro trituram as partículas alimentares e o movimento peristáltico move-se do corpo do estômago para o antro, em direção ao piloro, que costuma estar parcialmente fechado. De seguida, um forte movimento retrógrado move os alimentos de novo para o antro proximal, no qual são triturados até se tornarem partículas suficientemente pequenas para passar pelo piloro.

Descrição do movimento peristáltico do estômago.(Adaptado de Guilford, Strombeck, 1996, p 239, Saunders)

Microestrutura da parede do estômago

Mucosa

Submucosa(contém plexo submucoso

Camada mus-cular externa(contém plexo mioentérico

EpitéliolaminarLâminaprópriaCamadamuscular mucosa

CamadaoblíquaCamadacircularCamadalongitudinal

Serosa

PAREDE DO ESTÔMAGO

Glândulas gástricas

Preg

a gá

stri

caPr

egas

gás

tric

as

Célula endócrina

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Imagem comparativa do sistema gastrointestinal do cão e do gato.

Cão (Canis familiaris)Comprimento corporal: 90 cm

Gato (Felis catus)Comprimento corporal: 50 cm

Microestrutura da parede do estômago.

Enterócitos

Lácteo

Células caliciformes

Vasos capilares sanguíneos

Vilosidades

Submucosa

Microvilosidades

Absorvente

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As principais enzimas digestivas do estômago do cão são a pepsina e a lipase. A pepsina inicia a  digestão das proteínas e  converte-as em péptidos, levando a  cabo as suas funções em ótimas condições quando o pH é de 2,0 e diminuindo as suas tarefas quando os alimentos alcançam o intestino delgado.

ALIMENTO ENZIMA(S) E FONTE LOCAL DE AÇÃO VIA DE ABSORÇÃO

ALIMENTO

Amido e dissacarídeos

Oligossacarídeos e dissacarídeos

Maltose

Glicose

Sacarose

Frutose

Lactose

Galactose

Amilase salivarAmilase pancreática

Boca Os monossacarídeos glicose e galactose são absorvidos através do co-transporte com iões de sódio; a frutose penetra por difusão facilitada. Todos os monossacarídeos penetram no sangue capilar das vilosidades e chegam ao fígado através da veia portal hepática.

Enzimas do rebordo em escova do intestino delgado (dextrinase, glicoamilase, lactase, maltase e sacarase)

Intestino delgado

ALIMENTO

Pepsina (glândulas do estômago) na presença de HCI

Estômago Os aminoácidos são absorvidos por meio do co-transporte com iões de sódio; penetram no sangue capilar das vilosidades e chegam ao fígado através da veia portal hepática.

Enzimas pancreáticas (tripsina, quimiotripsina, carboxipeptidase)

Intestino delgado

Enzimas do rebordo em escova (aminopeptidase, carboxipeptidase e dipeptidase)

Intestino delgado

ALIMENTO

Emulsionadas pela ação detergente dos sais biliares canalizados do fígado

Intestino delgado

Os ácidos gordos e os monoglicéridos entram nas células intestinais por difusão. Combinam-se com proteínas no interior das células e os quilomícrones resultantes são expulsos. Penetram nos vasos quilíferos das vilosidades e transferem-se para a circulação sistémica através da linfa do ducto torácico (a glicerina e os ácidos gordos de cadeia curta/média são absorvidos no sangue capilar das vilosidades e chegam ao fígado através da veia portal hepática).

Lipase pancreática Intestino delgado

ALIMENTO

Ribonuclease e desoxirribonuclease pancreáticas

Intestino delgado

Transporte ativo através de operadores da membrana: são absorvidos no sangue capilar das vilosidades e chegam ao fígado através da veia portal hepática.

Enzimas do rebordo em escova (nucleotidase e fosfatase)

Intestino delgado

Esquema da digestão e da absorção química dos alimentos.

Proteínas

Polipéptidos maiores

Polipéptidos menores, péptidos menores

Aminoácidos (alguns dipéptidos e tripéptidos)

Gorduras não emulsionadas

Monoglicéridos e ácidos gordos

Glicerina e ácidos gordos

Ácidos nucleicos

Açúcares pentose, bases que contêm N, iões fosfato

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A sua atividade é mais importante na digestão das proteínas da carne do que nas vegetais. Assim, e dada a alimentação do cão, a pepsina é mais importante para o gato do que para o cão.

A lipase gástrica contribui para a  decomposição dos ácidos gordos de cadeia longa mas, quando comparada à lipase pancreática, a sua contribuição torna-se muito menor.

O piloro e o antro funcionam como uma só unidade que regula o esvaziamento dos alimentos sólidos. No caso do cão, as partículas alimentares medem habitualmente menos de 2 mm, antes de passarem pelo piloro. As partículas maiores e mais difíceis de digerir não saem do estômago até que o período interdigestivo seja finalizado (depois de a digestão estar completa). Nos cães submetidos ao jejum, um complexo motor interdigestivo (complexo motor migratório) move-se pelo estômago e  pelos intestinos para eliminar estas partículas de maior tamanho (e, por vezes, também corpos estranhos), e para as conduzir aos intestinos. Este processo é também conhecido por «movimento de limpeza doméstica». O impulso elétrico dos gatos é diferente do dos cães: o movimento é estimulado por um complexo migratório de pontos capazes de realizar a mesma função.

O intestino delgado e o pâncreasA maior parte da digestão enzimática dos alimentos é produzida no intestino delgado, que é dividido em duodeno, jejuno e íleo, ainda que esta divisão não represente nenhuma distinção anatómica entre as partes constituintes. O intestino delgado do cão apresenta um comprimento que oscila entre os 1,8 e os 4,8 m, enquanto que o do gato mede aproximadamente 1,3 m. Tal como o esófago e o estômago, o intestino contém camadas mucosas, submucosas e musculares. As mucosas consistem numa única camada de células epiteliais, situadas debaixo da lâmina própria. As células caliciformes, que produzem mucosidade, encontram-se repartidas por todas as células epiteliais. A superfície do lúmen consiste num rebordo em forma de escova, composto por microvilosidades que ampliam a superfície de digestão e  absorção. Dispõem de mecanismos especiais para transportar monossacarídeos e  aminoenzimas e contêm enzimas destinadas a digerir os dissacarídeos, oligossacarídeos e alguns péptidos menores. As microvilosidades intestinais contêm igualmente proteínas que transportam outras substâncias como o cálcio, ferro e cobalamina.

Entre as vilosidades estão as criptas de Lieberkühn (ou criptas intestinais), que contêm células imaturas ou células-mãe que ao amadurecerem transformam as vilosidades em células epiteliais com vilosidades, completamente diferentes. A migração dura cerca de 2 dias e considera-se que as células estão maduras quando um terço ou metade da migração estiver completa. Uma elevada quantidade de bactérias, um trauma físico ou um trauma químico podem encurtar a sobrevivência celular epitelial e provocar a atrofia das vilosidades. Os medicamentos que interferem na multiplicação das células (por ex.: muitos medicamentos de quimioterapia) impedem a  normal renovação celular, tal como o jejum. Um défice de vitamina B12 (cobalamina) ou de folatos também provoca a atrofia das mucosas. A preservação da camada mucosa é vital para a  função protetora do intestino, por evitar que bactérias ou outros agentes prejudiciais apareçam de forma sistémica no intestino. Os alimentos que alcançam o intestino, sobretudo os componentes de fibra e glutamina, mantêm em bom estado esta barreira protetora.

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A mobilidade do intestino delgado mistura e abranda a passagem do conteúdo, movimentando-o na direção aboral. As contrações rítmicas abrandam o movimento, enquanto que o movimento peristáltico empurra o conteúdo na direção aboral, existindo desta forma uma coordenação de efeitos «de rotura e  aceleração». A duração da transmissão dos alimentos ao intestino delgado no cão aparenta oscilar entre uma e duas horas, enquanto que no gato dura entre duas e três horas.

O pâncreas segrega enzimas essenciais para a digestão dos hidratos de carbono, das proteínas e dos lípidos. Muitos deles são segregados sob a forma de precursores inativos como a tripsina, a quimiotripsina e  a carboxipeptidase, que são ativados no interior do intestino delgado. A α-amilase pancreática decompõe o amido na ligação 1,4-alfa de modo a produzir maltose e maltotriose. É incapaz de digerir as ligações 1,6 das amilopectinas de algumas fontes de fibra. A hidrólise final dos hidratos de carbono é realizada pelas enzimas do rebordo em escova e produz glicose, que é absorvida pelo enterócitos.

Detalhe do processo de digestão dos lípidos.Abreviações: CL colesterol, TAG triacilglicerol, BS Sais biliares, PL Fosfolípidos, MAG monoacilglicerol, FA ácidos gordos, LPA ácido lisofosfatídico, DAG diacilglicerol, GPAT 1-acil-glicerol-3-fosfato aciltransferase, MGAT monoacilglicerol aciltransferase, ACAT acil-CoA: colesterol aciltransferase, PA ácido fosfatídico, DGAT diacilglicerol aciltransferase, ApoB apolipoproteína B, MTP proteínas microssomais transferentes de triglicéridos, CM quilomícrones.

EMULSÃO

DIGESTÃO

MICELA MISTA

ABSORÇÃO (Enterócito)

LINFA

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As enzimas do rebordo em escova são afetadas pela dieta, pelas doenças e pela idade. À medida que o animal envelhece, a quantidade de lactase diminui, dando origem à possibilidade de os animais adultos não tolerarem a  lactase dissacarídea do leite. Quando a  dieta é modificada, as enzimas demoram uns dias a  adaptar-se à  mudança (enquanto que as células epiteliais migram para as vilosidades) e as mudanças dietéticas súbitas podem originar um aumento dos hidratos de carbono não digeridos, que causariam uma diarreia osmótica prévia à adaptação. As enterites derivadas de qualquer causa podem ter como consequência uma perda de atividade enzimática e provocar diarreia. Nos animais com um grande número de bactérias intestinais, os sais biliares podem desfragmentar-se em quantidades suficientemente grandes para danificar as microvilosidades. O jejum também provoca a diminuição das enzimas no rebordo em escova e por isso o recomeço da alimentação deve ser feito de forma gradual para permitir o aumento da atividade enzimática.

As proteínas devem ser hidrolisadas em forma de péptidos ou aminoácidos antes de serem absorvidas. Este processo começa no estômago com a pepsina e termina, de grosso modo, no intestino delgado proximal com as enzimas pancreáticas tripsina, quimiotripsina, elastase e  carboxipeptidase. As enzimas pancreáticas são mais importantes para a digestão do que a pepsina gástrica. O ritmo de produção e de libertação das enzimas pancreáticas depende das proteínas contidas na dieta.

A digestão dos lípidos requer lipase pancreática e ácidos biliares. A lipase hidrolisa os ácidos gordos dos triglicéridos, mas não os monoglicéridos, que conseguem interagir com os ácidos biliares e formar micelas. As micelas também contêm vitaminas lipossolúveis e colesterol. Dado que a parte não polar dos ácidos biliares se mistura com lípidos no centro da micela e que a superfície externa é polar, é mais provável que penetrem através das membranas celulares do rebordo em escova. Sem lipase nem ácidos biliares, apenas 50% da gordura pode ser absorvida. Os triglicéridos de cadeias mais longas reformam-se dentro da célula, incorporam-se nos quilomícrones e movem-se através dos vasos linfáticos. Os ácidos gordos de cadeia mais curta conseguem aceder diretamente à circulação portal hepática.

Para além de assimilar os nutrientes, o intestino desempenha um importante papel na secreção de fluidos e eletrólitos. Num animal de 20 kg, podem entrar e sair entre 8 e 10 litros de fluidos todos os dias. Se tiver problemas de absorção ou se a secreção for excessiva, poderá sofrer de diarreia.

A quantidade de bactérias no intestino delgado de um cão é inferior a 104/l, diferentemente do íleo distal, onde pode ultrapassar os 106/l. Os estreptococos e  os lactobacilos são predominantes no duodeno e no jejuno, enquanto que as bactérias anaeróbicas e a Escherichia coli proliferam em maior quantidade no íleo. No gato, o cálculo de bactérias duodenais é muito mais elevado, oscilando entre as 2,2 x 105 e as 1,6 x 108 unidades formadoras de colónias/litro. As bactérias mais frequentes no gato são a aeróbica Pasturella e as anaeróbicas Bacteroides, Eubactéria e Fusobactéria.

O intestino grosso é composto pelo cólon, pelo cego e pelo reto. O de um cão de tamanho médio tem um comprimento de 0,6 metros e o do gato adulto cerca de 0,4 m. A função principal do cólon é a de absorver eletrólitos e  água, bem como a  fermentação bacteriana dos nutrientes que não foram absorvidos. Ainda que o cólon não possua vilosidades, contém criptas de Lieberkühn, que segregam uma mucosidade alcalina. Os alimentos não digeridos permanecem cerca de 12 horas no intestino grosso do cão e do gato, dependendo da composição dos alimentos, da quantidade e do tipo de fibra. Nos gatos, o cólon ascendente é esvaziado bastante rapidamente e o cólon transversal é a zona mais importante quando se trata de misturar, armazenar e secar os alimentos ingeridos. O cólon transversal do gato apresenta uma quantidade considerável de peristaltismo inverso, que reage à  sua função misturadora.

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A microbiota intestinalO intestino grosso contém uma grande quantidade de bactérias de diferentes espécies, a maioria delas anaeróbicas. Os géneros mais abundantes são Streptococcus, Lactobacillus, Bacteroides e Clostridium.

Nos ingredientes dietéticos encontramos prebióticos, que podem afetar a composição da população bacteriana. As bactérias do cólon fermentam os nutrientes não absorvidos, que incluem os amidos resistentes, a fibra dietética e algumas proteínas. Os principais produtos resultantes da fermentação são os ácidos gordos de cadeia curta (AGCCs) (acetato, propionato e butirato), lactato, dióxido de carbono, amoníaco, hidrogénio, sulfureto de hidrogénio, metano, ácidos gordos de cadeia ramificada, amina, fenóis e  indóis. O  butirato desempenha um importante papel como fonte de energia para os colonócitos e constatou-se que os colonócitos caninos oxidam o butirato 4,5 vezes mais rápido do que a glicose.

Os AGCCs também estimulam a  proliferação de colonócitos; esta melhoria no crescimento da mucosa reforça a função protetora e faz com que a transladação bacteriana diminua. Outra das funções dos AGCCs é a de estimular a absorção de água e de sódio.

Absorção das vitaminasAlém da assimilação de macronutrientes, o intestino também regula a absorção das vitaminas. As vitaminas lipossolúveis A, D e E são absorvidas com os lípidos da mesma forma que a vitamina K. Esta vitamina também é produzida pelas bactérias do intestino delgado. As vitaminas hidrossolúveis são absorvidas por difusão, com raras exceções. A  absorção da cobalamina (vitamina B12) é realizada através de um processo mais complexo.

A absorção de cobalamina é realizada em combinação com o  fator intrínseco (FI). No cão, o pâncreas é o principal produtor de FI e no gato o pâncreas é o único produtor de FI. O FI liberta a cobalamina quando entra no enterócito. Ainda que se pensasse que a maior parte da absorção de cobalamina é realizada no íleo, alguns estudos demonstram que também existe absorção no jejuno do cão e  do gato. Os cães com enteropatias e  os gatos com enteropatias, colangite, angiocolite ou transtornos pancreáticos possuem risco de sofrer de deficiência de cobalamina, já que a  absorção é menor. As bactérias intestinais consomem cobalamina e  pensa-se que uma quantidade excessiva de bactérias provoca uma deficiência desta vitamina. Existem casos clínicos, nos quais erros congénitos do metabolismo nos cães e  gatos provocaram uma deficiência de cobalamina.

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Fotografias da secção de Histologia cedidas pelo Departamento de Histologia e Anatomia Patológica da Faculdade de Veterinária da Universidade Autónoma de Barcelona.

SECÇÕES HISTOLÓGICASDO SISTEMA GASTROINTESTINAL

Glândulas salivares

Língua

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Esófago

Estômago

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Fígado

Intestino delgado

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Bibliografia recomendada

• Ad Hoc Committee on dog and cat nutrition, National Research Council (2006). Comparative digestive physiology of dogs and cats. The National Academies Press, Washington DC. Págs. 5-21.

• Ad Hoc Committee on dog and cat nutrition, National Research Council (2006). Vitamins. The National Academies Press, Washington DC. Págs.193-245.

• Johnston K, Lamport A, and Batt RM (1993) An unexpected bacterial flora in the proximal small intestine of normal cats. Vet Rec 132: 362-363.

• Maskell IE and Johnson JV (1993) Digestion and absorption. The Waltham Book of Companion Animal Nutrition. I Burger, editor. Pergammon Press. Págs. 25-44.

• Ruaux CG, Steiner JM, Williams DA (2001) Metabolism of amino acids in cats with severe cobalamin deficiency. Am J Vet Res. 62: 1852-1858.

• Strombeck DR (1996) Small and large intestine. In Guilford WG, Center SA, Strombeck DR, Williams DA and Meyer DJ editors, Strombeck’s Small Animal Gastroenterology. Philadelphia, WB Saunders.Pp 318-350.

• Strombeck DR and Guilford WG. (1996) Gastric structure and function. In Guilford WG, Center SA, Strombeck DR, Williams DA and Meyer DJ editors, Strombeck’s Small Animal Gastroenterology. Philadelphia, WB Saunders. Págs. 239-255.

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Pâncreas

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