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V. 9 1979

DISTRITO FEDERAL

REVISTADO

TRIBUNAL DE CONTASDO

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SUMÁRIO

I - DOUTRINA _______________________________________________________________ 4

PERSPECTIVA DO ORÇAMENTO-PROGRAMA APÓS SENOP______________________ 5PARSIFAL BARROSO _________________________________________________________________ 5

DISTRITO FEDERAL. PERSPECTIVA HISTÓRICA. CONSOLIDAÇÃO DE BRASÌLIA__ 16RAUL SOARES DA SILVEIRA _________________________________________________________ 16

CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO __________________________________________ 36ADERSON DUTRA __________________________________________________________________ 36

AS FUNDAÇÕES DE DIREITO PlOBLICO E O CONTROLE DE SUAS ATIVIDADES____ 47JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARALHO_______________________________________________ 47

A SEPARAÇÃO DOS PODERES NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA _________________ 70Carlos Ayres Britto ___________________________________________________________________ 70

SOCIEDADES ANÔNIMAS SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ___________________ 83Antônio Carlos Cintra do Amaral_________________________________________________________ 83

LEGITIMIDADE DAS DESPESAS PÚBLICAS____________________________________ 97FERNANDO JORGE SCHNEIDER ______________________________________________________ 97

PROPOSIÇÕES EM TORNO DO JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS A LEI Nº.6.223 ____________________________________________________________________ 106

José Luiz de Anhaia Mello _____________________________________________________________ 106

CRIAÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO A MAIS NOVA CAUSA PROVÁVELDE ESVAZIAMENTO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS ____________________________ 116

JOSÉ BORBA PEDREIRA LAPA _______________________________________________________ 116

O EDITAL NAS LICITAÇÕES _______________________________________________ 120CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO ______________________________________________ 120

CONTROLE DAS EMPRESAS ESTATAIS (*) ___________________________________ 134ROBERTO ROSAS__________________________________________________________________ 135

II – VOTOS E PARECERES __________________________________________________ 158

APOSENTADORIA Proventos proporcionais. Valor inferior ao salário mínimo. Atualização 159Conselheiro HERACLIO SALLES _______________________________________________________ 159

DELEGAÇAO DE COMPETÊNCIA ___________________________________________ 165RAIMUNDO DE MENEZES VIEIRA ____________________________________________________ 165

A LEI ORGANICA DA MAGISTRATURA E O TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITOFEDERAL________________________________________________________________ 168

LINCOLN TELXEIRA MENDES PINTO DA LUZ _________________________________________ 168

TEMPO DE SERVIÇO LBA E FUNDAÇOES DO DF. _____________________________ 175LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 175

TEMPO DE SERVIÇO CONTAGEM RECÌPROCA ______________________________ 178LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 178

APOSENTADORIA DE SERVIDORA Critério fixado pela Constituição________________ 181LYCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ___________________________________________ 181

REAJUSTAMENTO. ÍNDICE ________________________________________________ 185

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LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ __________________________________________ 185

III - NOTICIÁRIO __________________________________________________________ 189

CANCELAMENTO DE PENSÃO. NOVO CASAMENTO___________________________ 190

TEMPO DE SERVIÇO. JUSTIFICAÇÃO EM PROCEDIMENTO ORDINÁRIO APELAÇÃOCÍVEL N° 50.380 - MINAS GERAIS ___________________________________________ 195

PODER DISCIPLINAR. PRAZO DE DEFESA ACÓRDÃO DO TFR APELAÇÃO EMMANDADO DE SEGURANÇA N° 82.753 - PARANÁ ______________________________ 198

TCU - TEMPO DE SERVIÇO EM SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA _____________ 201

DIRETOR DE EMPRESA DIREITO A FRIAS ___________________________________ 208

IV – NOTICIÁRIO DO TCDF _________________________________________________ 216

NIVELAMENTO DE CARGOS EM COMISSÃO _________________________________ 217JOMAR MACIEL PIRES Diretor-Geral de Administração ____________________________________ 217

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I - DOUTRINA

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PERSPECTIVA DO ORÇAMENTO-PROGRAMA APÓSSENOP

PARSIFAL BARROSO

1ª PARTE

I. Durante os vários anos em que estive a serviço dos Poderes Legislativo eExecutivo, nos Planos estadual e federal, fui me tornando um adepto fervoroso doesquecido princípio da continuidade administrativa, a ponto de ser fiel á suaobservância, quando devo abordar assuntos e temas de ordem administrativa, comoora acontece em relação à problemática do Orçamento-Programa.

II. Preferi abordar suas perspectivas atuais, tomando como base as conclusõesfirmadas em abril do ano passado, ao ensejo do IV Seminário Nacional sobreOrçamento Público, realizado em Porto Alegre, sob os auspícios da Secretaria dePlanejamento da Presidência da República.

Ill. Constituiu o tema do IV Painel do importante Seminário, oOrçamento-Programa como Instrumento de Administração, exposto pelo painelista Dr.Reinhold Stephanes, ex-Presidente do INPS, tendo sua palestra suscitado acaloradosdebates pela corajosa desenvoltura que lhe imprimiu.

IV. Parece-me que as perspectivas deverão ser situadas em função dasconclusões a que chegou a Equipe de Síntese, providencialmente criada para cadaPainel, como forma e meio de se fixar um pensamento médio sobre a matéria debatida.

V . Embora o expositor, Dr. Reinhold Stephanes não houvesse concorrido para ofortalecimento do Orçamento-Programa como instrumento de administração, asconclusões firmadas muito bem permitem fixar as perspectivas que situam o problema,tal como o deixou o IV SENOP.

VI. Com efeito, as conclusões da Equipe de Síntese, aprovadas pelo Plenário,através das suas dez Considerações Preliminares e de suas Recomendações Finais,

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necessitam de ser aqui reproduzidas, a fim de poderem ser melhor apreciadas, atravésde uma visão-de-conjunto. Além disso, essa. reprodução facilitará o estabelecimentofinal das perspectivas:

SÍNTESE

As manifestações verificadas ao longo da exposição e debates do tema relativo aeste painel, ensejaram à equipe de síntese a possibilidade de tecer as seguintesconsiderações:

a. o papel do orçamento no exercício da democracia é de indiscutível relevânciaao permitir a fiscalização, pelo Legislativo, dos "gastos" e do "poder de tributação" doExecutivo. Embora não se omita o entendimento de que o documento possa retirarrelativa flexibilidade requerida ao administrador por uma atualidade que sofre cada vezmais rápidas e profundas mutações; a verdade é que não a tolhe de forma a negar-lhea condição de instrumento para a administração;

b. os programas, projetos e atividades são bastante genéricas, não permitindouma fácil mensuração em termos físicos, dificultando dessa forma a apreciação peloadministrador de seu desempenho;

c. granule dificuldade de Estados e Municípios menos desenvolvidos é a exigênciade vinculação de receitas originárias de transferências da União a Despesas de Capital,obrigando as respectivas administrações a investirem acima de sua capacidade depoupança, resultando daí, a conclusão de determinadas obras que tendem a ficarociosas por falta de disponibilidade financeira para mantê-las;

d. o excessivo e complexo formalismo e documentalismo prejudicam a ação doadministrador no manuseio e interpretação do documento orçamentário vindo portransformá-lo em um objetivo em si mesmo;

e. o Orçamento-Programa tem uma importância que varia segundo a função ou onível de Governo. Assim, nas menores unidades administrativas - pequenos municípios,por exemplo - o orçamento poderá ser o único instrumento dessa administração;

f . atualmente, as competência. gerenciais existentes na administração públicabrasileira apresentam um nível aquém do desejado em função das necessidades doPaís. Nossos administradores públicos devem aumentar sua capacidade de obterresultados;

g. existe uma defasagem entre as soluções técnicas e decisões administrativas ea capacidade gerencial de implementá-las;

h . há ambigüidade e conflitos de papéis entre os diversos tipos de pessoas queparticipam do processo decisório na administração pública. Essa situação éconseqüência da atribuição de maior ênfase nas lealdade. profissionais dos indivíduo..envolvidos - o que cria obstáculos à necessária integração entre órgãos, funções e/ousistemas. Exemplo: comportamentos diferenciados de planejadores, administradores,políticos e técnicos de orçamento;

i. como decorrência, o Orçamento-Programa é entendido e percebido dediferentes maneiras sendo que a importância a ele atribuída em seu nível de utilizaçãovariam de acordo com o papel que o indivíduo desempenha na administração pública;

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j. o administrador público deve ser capa. de captar influências do meio ambiente eadaptar sua ação gerencial de maneira compatível. Entre outras, a variável políticaconstitui-se em importante fator no processo decisório.

CONCLUSÕES

O documento orçamentário deve assegurar ao administrador, sem prejuízo daação fiscalizadora do legislativo, suficiente flexibilidade para o exercício de suasatividades com suporte institucional adequado.

Em orçamento, a mensuração física nem sempre é totalmente relevante. Noentanto, em todos os corsos onde se torne possível, ela deverá se constituir emelemento indispensável.

A vinculação de receitas originárias de transferências da União deverá sofrer umareadequação nos percentuais estabelecidos para as categorias econômicas observadasas peculiaridades regionais, econômicas e .sociais dos Estados e Municípios a .seremcontemplados.

A complexidade de formalismo deverá se abrandar mediante uma simplificação dedocumentação no Orçamento-Programa em determinadas esferas de Governo.

Os membros do painel - incluindo manifestações do plenário - através decolocações, foram categóricas em considerar o Orçamento-Programa como umimportante instrumento da administração, ressaltando-se que outros devem compor oconjunto de recursos técnicos disponíveis ao administrador.

O Orçamento-Programa é, atualmente, carente de aperfeiçoamento mas, aliado auma melhor preparação do administrador, poderá tornar-se um meio mais eficaz para odesempenho de suas tarefas, voltadas para o atingimento de resultados.

Faz se necessária uma mudança de mentalidade do administrador público de umperfil com características burocráticas, tradicionais e estáticas para outro comcaracterísticas modernas, dinâmicas e em constante renovação.

Os administradores públicos devem ter consciência de que as necessidades dedesenvolvimento do País requerem, de sua parte, um contínuo processo deaprendizado no trabalho e em situações formais de treinamento.

O aumento da eficácia do Orçamento-Programa, como instrumento deadministração, está diretamente relacionado com o nível de capacitação gerencial dosadministradores públicos.

Há necessidade da aplicação de métodos de integração da ação deadministradores públicos que exercem papéis diferentes porém complementares.

A capacidade de coordenação do administrador público deve .ser maisdesenvolvida.

Os processos de seleção de administradores públicos devem .ser modernos,impessoais e voltados para a escolha de indivíduos que apresentem as melhoresqualificações necessárias ao bom desempenho do cargo.

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O Setor Público deve definir uma política clara de investimentos na formação eaperfeiçoamento dos administradores públicos.

A política de Formação e Aperfeiçoamento de Administradores Públicos deveestar voltada para o desenvolvimento de sita eficiência e eficácia.

Além da competência técnica, o ,administrador público deve ter possibilidade dedesenvolver competências de liderança, motivação, integração, solução de conflitos eoutras da área comportamental.

Os resultados a serem obtidos pelos administradores públicos, no desempenho desuas funções, devem estar enquadrados dentro das prioridades c objetivosestabelecidos pelo sistema de planejamento.

RECOMENDAÇÕES

Aprofundamento de estudos que possam conduzir à elaboração de um documentoá ser apreciado e aprovado pelo Legislativo, e de outro que contenha os princípiosnorteadores das decisões e ações administrativas.

Esse segundo documento poderia ser dimensionado de forma a evidenciarinformações adicionais que pudessem, inclusive, retratar mensurações físicas.

Reestudo dos critérios de vinculação de recursos orçamentários, aos Estados eMunicípios, observados seus suportes institucionais, tendo em vista a possibilidade demanutenção, pelos Fundos Financiadores de obras dos custeios gerados a partir dosrespectivos investimentos.

A complexidade de formulários deve também, merecer estudo, procurandoadequá-los às realidades das menores esferas de Governo, considerando parti isto,critérios como: População, Receita, Área do Município, Região, etc.

Que sejam desenvolvidos estudos conclusivos que objetivem facilitar oaperfeiçoamento do Orçamento-Programa contemplando, inclusive, a adaptação eintrodução de métodos e técnicas já disponíveis c ainda não utilizadas no Brasil(exemplo: Planos Operativos Anuais).

Devem ser promovidos estudos no .sentido do estabelecimento de uma política deseleção, formação e desenvolvimento de administradores públicos, visando a aumentarsua capacidade de obtenção de resultados. Tal política deverá considerar:

1. a. necessidade de compatibilização entre as técnicas de Orçamento-Programae as modernas técnicas de gerência;

2. a necessidade do desenvolvimento de habilidades técnicas paralelamente como desenvolvimento de competências comportamentais adequadas à Gerência Moderna;

3. o desenvolvimento da capacidade de gerenciar processos planejados demudança organizacional, econômica e social.

Deve se providenciar um estudo para viabilizar a introdução de um processo deplanejamento negociado entre os vários níveis da hierarquia da organização.

VII. Antes de proceder à análise dessas considerações, conclusões erecomendações do IV SENOP sobre o Orçamento-Programa como Instrumento de

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Administração, permito-me acentuar que, após o Seminário de Porto Alegre, houve emBrasília a 1- Reunião Nacional sobre Classificação da Despes, destinada cr reformular oesquema oriundo da Lei n° 4.320, de 17-3-1964, e a nova forma constante da Portarian° 038, de 5-6-1978, do Sr. Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Planejamento daPresidência da República, não somente simplificou a execução do Orçamento, comotambém fortaleceu a política do Orçamento-Programa.

VIII. Vale ressaltar, portanto, os efeitos positivos desse único fato novo, ocorridoapós o término do IV SENOP. Na síntese dos principais aspectos abordados nó IVSENOP, não há negar que dos três requisitos básicos do Orçamento-Programa -estruturação programática, exercício da técnica de programação e metodologia dotrabalho - merece destaque a necessidade da existência de tini elo que compatibilize oorçamento com o planejamento, e de um tratamento diferenciado para o Orçamento-Programa, nos três níveis de Governo. Como tornar, de fato, validamente efetiva, aligação entre o planejamento e o orçamento?

IX. Permito-me considerar difícil essa interligação dos dois termos desse binômio,não só à falta de uma estrutura administrativa adequada, mas também em virtude doque vem ocorrendo negativamente na evolução do planejamento nacional. Emmagistral exposição apresentada no Encontro de Secretários de Planejamento,promovido pela SAREM em João Pessoa, o provecto Presidente do Banco do Nordestedo Brasil, Prof. Nilson Holanda, assim se expressou sobre os obstáculos aoplanejamento:

"Enquanto não dispusermos de um sistema de planejamento que assegure pelomenos esse tipo de racionalização da política governamental, continuaremos adefrontar-nos com os mesmos conflitos entre objetivos econômicos e sociais e com asmesmas perplexidades que resultam do crescente distanciamento entre aspirações eresultados.

Lamentavelmente vivemos uma época em que o planejamento saiu de moda,perdeu o charme, por assim dizer, estagnou e em algumas áreas até involuiu. Em umpaís de perdulários e imprevidentes, fala-se de excesso de planejamento e do seu altocusto. Confunde-se planejamento com estatização, quando o avanço da empresaestatal pode ter resultado das próprias deficiências do sistema de planejamento quenão propiciou uma orientação segura para a expansão e o fortalecimento da empresaprivada.

Essa atitude negativa em relação ao planejamento pode ser consideradacompreensível se levarmos em conta a natureza complexa, difícil e delicada das tarefasde planejamento e os muitos obstáculos que se antepõem à sua execução.

Em primeiro lugar, o planejamento está sempre ameaçado de ser confundido -ingênua ou deliberadamente - com adivinhação e futurologia, quando a funçãoplanejamento nada mais é que a elementar atividade (exercida por pessoas, empresas,instituições, etc.) de formular hipóteses plausíveis sobre a evolução de certas variáveisno faturo, e daí deduzir, de forma lógica e consistente, linhas de ação, políticasgovernamentais e normas de comportamento.

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Todavia, por mais sofisticado que seja o sistema de planejamento ele sempreenvolve algumas hipóteses básicas sobre o futuro e aí está o seu calcanhar de Aquiles.Por isso, não existe sistema perfeito de planejamento (da mesma forma por que, comodiria Churchill, não existe sistema perfeito de governo) e o exercício dessa atividadeenvolve sempre muito bom senso e ponderação para encontrar soluções decompromisso e fórmulas de um equilíbrio precário que assegurem um "trade-off"razoável entre as vantagens e desvantagens das alternativas consideradas.

Em .segundo lugar, a ação planejada constitui uma alternativa racional quesubstitui o arbítrio administrativo, exige ordem e disciplina e define, de forma clara,responsabilidades e obrigações; por isso - tanto a nível de uni, nação, como no âmbitode nina empresa - o planejamento enfrenta sempre a reação daqueles administradoresque preferem ter liberdade total de ação (inclusive para cometer erros e enganos, parepossam ser convenientemente ocultados)."

2ª PARTE

X . No mesmo Encontro de João Pessoa, mas através de outros ângulos deenfoque, o competente Secretário de Planejamento da Paraíba focalizou o execesso decentralização do Planejamento no âmbito do Governo Federal, em detrimento dascoletividades secundárias, somente tendo havido articulação satisfatória doplanejamento federal com o planejamento estadual, ainda assim em níveis precários,no que tange aos aspectos institucionais e de funcionamento. Aias, em suasconclusões finais, o notável Secretário Dr. Francisco Cartaxo Mim, cai de encontro drealidade, expressando-as em dois itens: "Enquanto não se implante o SistemaNacional de Planejamento, é de toda conveniência melhorar a "performance" daadministração pública, por meio de providências menores e formas de conduta, aexemplo da "audiência" prévia aos Estados, quando da formulação de programas, decaráter especial ou não, que os beneficiem. Como decorrência da sugestão anterior ecomplementando-a, impõe-se que haja mais confiança nas entidades estaduais deplanejamento, por parte dos órgãos federais, minimizando, assim, efeitos desfavoráveisdo "planejamento negociativo"."

XI. Verifica-se, portanto, que todos esses pontos negativos, bem expressosnesses dois pronunciamentos colhidos no Encontro de Secretários de Planejamento,promovido pela SAREM, evidenciam que inexiste ainda um condicionamento favorávelao estabelecimento desse elo entre o orçamento-programa e o planejamento, em quepese a correlação existente entre os dois. Justamente, à falta dessa ligação e daestrutura administrativa adequada, a evolução do orçamento-programa não se vemfazendo e nem operando, da forma para o fundo e da aparência para a substância, oque não deixa de repercutir, negativamente, na evolução geral da PolíticaOrçamentária.

XII. É que, sem dúvida alguma, não se vem processando gradativa e validamente,a integração do Orçamento no Sistema Nacional de Planejamento, de modo a .se podercontar com o condicionamento favorável à evolução do Orçamento-Programa. Ocorre,por outro lado, que se não se conseguiu tornar ainda efetiva essa interligação, resta oapelo a que se facilite o entendimento entre os objetivos nacionais, regionais e locais,de modo que na execução orçamentária possa ser identificada a compatibilidade entre

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as ações específicas e os objetivos hierarquicamente superiores. Ante essa irrecusávelevidência, cumpre aos executivos e administradores buscar e encontrar outrasperspectivas que permitam ir superando os impasses que se antepõem a essa naturalinterligação, cuja necessidade cada vez mais se impõe.

XIII. Se a implantação e o desenvolvimento do Orçamento-Programa devem tercomo base fundamental o município, pois sua evolução se fará de baixo para cima,urge que a estrutura administrativa desse Sistema de Planejamento leve em conta essaespecificidade, obrigando a SEPLAN a cada Secretaria de Planejamento dos Estadosao estabelecimento gradual de um Programa que supra a carência de recursoshumanos e de sua estruturação operacional, de modo a ser admitido como útil e valiosoinstrumento da administração municipal, o Orçamento-Programa.

XIV. Não há dúvida, por outro lado, que essa metodologia de trabalho orasugerida, além de outras que possam ser justificadas, visa a criar .esse dever paratodas as SEPLANs do Pais, pois sem esse instrumento novo de ação pedagógica, osMunicípios não saberão exercitar, gradualmente, a técnica de programação, perdendo oapego às práticas orçamentárias tradicionais.

XV. Cuido não incidir em erro ao sustentar a tese de que ao invés de seremcriados órgãos nacionais, regionais e estaduais, para a execução de um ProgramaNacional de Treinamento de Recursos Humanos, será mais rápida, prática e válida autilização desse instrumento indutor, através da vasta rede das Secretarias dePlanejamento. Cabe e compete ainda ao órgão competente da SEPLAN estabelecer,quanto antes, exigências diferenciadas para a elaboração do Orçamento-Programa nosMunicípios.

XVI. Cumpre ser também facilitada a conexão entre os objetivos locais, regionais enacionais, de modo que em todos os orçamentos possa .ser identificada acompatibilidade entre as ações específicas e os objetivos hierarquicamente superiores.Mas, se o Orçamento-Programa é um instrumento eficaz de planejamentoeconômico-financeiro que expressa, anualmente, a etapa de uma ação de mais longoprazo, encaminhada ao cumprimento de objetivos que levem ao desenvolvimento,deverá não apenas utilizar os recursos financeiros já prefixados, mas enunciar osobjetivos amplos e as metas que o Governo está perseguindo nesse contexto temporale administrativo, em que se integra cada parte de sua participação ativa..

XVII. Dentro dessa conceituação, o Orçamento deixa de ser somente tinainstrumento de alocação de recursos, a "`Lei de Meios" anual, para indicar também aação não rotineira que deve se vincular ao marco maior de programas, projetos eatividades, que se traduzem em produtos finais. Mas não há dúvida de que a ação nãorotineira está dirigida a promover modificações, seja na quantidade ou na qualidade dosresultados finais da ação pública, e sempre reflete uma intenção nova, originada poruma decisão de sentido político-administrativo, que se inclui num contexto maior,através do setor ao qual se refere conforme a Classificação Funcional Programática.

XVIII. Dentro dessa ordem de idéias, poder-se-ia através do conceito de marcomaior, estabelecer e executar um Programa de interesse geral, para os três níveis deGoverno, que se estruturasse de baixo para cima, para o Orçamento-Programa ir setornando uma atividade de máximo interesse municipal? Julgo absolutamente

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imprescindível que essa parte final dessa despretensiosa tese, seja desenvolvida apóso término dos estudos que venho processando, com o intuito de submeter minhasugestão do estabelecimento desse marco maior ao ajuizamento dos técnicos mais c mcontato com a prática do Orçamento-Programa. E como ainda não disponho desseacervo dos juízos críticos já pedidos, permito-me solicitar ao eminente e ilustre Relatorque se digne de admitir a entrega dessa parte final, até o fim da primeira semana dedezembro, no máximo, quando já teria firmado comigo essas conclusões.

XIX. Poderia exemplificar a tese tomando por base a implantação gradual econtinua do sistema nacional das escolas de I° Grau, em todos os municípios, levandoem conta que o cumprimento dessa obrigação nacional interessa e toca aos três níveisde Governo. Mas julgo mais prudente aguardar essa participação de ajuizamentos devalor inestimável. Confio, portanto, com toda confiança, na compreensiva e toleranteajuda do ilustre Relator, ainda por mim desconhecido, eis que o Egrégio Tribunal deContas de Alagoas procederá ao sorteio dos Relatores, após o recebimento das teses.

ORÇAMENTO-PROGRAMA

3ª PARTE

XX. Conclusas que foram as observações solicitadas sobre a mais adequadaforma de ser fortalecido o sistema do Orçamento-Programa, na .sua. atual fase deevolução, e colhidos os ajuizamentos técnicos ao nosso alcance, sentimo-nos emcondições de poder afirmar que o orçamento operativo, de natureza gerencial, pode edeve ser utilizado como o mais adequado instrumento para a validade de suaexecução. São ternos inseparáveis de um binômio orçamentário, tio processo deimplantação gradativa do Orçamento-Programa, e através desse orçamento gerencial, oSistema Orçamentário pode alcançar as soluções de ajustamento, que sejamcompatíveis com a própria indeterminação que o caracteriza, enquanto não se firma odelineamento da configuração do seu modelo ideal, ainda de longínqua perspectiva.Dentro da atual perspectiva, por outro lado, essa f orna gerencial do orçamentooperativo, a cada ano, não é incompatível com a sugestão preconizada ao fim dasegunda parte dessa tese, de utilização de funções e programas que correspondam àprestação de um dever e a realização de uma meta, da responsabilidade conjunta dostrês níveis de Governo, a exemplo da implantação contínua e gradativa da estrutura doensino fundamental.

XXI. Ter-se-ia, não há negar, a fixação prévia dessa prioridade, para a garantiadesse programa de trabalho anual e unificado, quanto à .sua finalidadepolítico-administrativa, sendo por outro lado indiscutível a magnitude dessa prioridade,dada a natureza do bem ou serviço que se queira e deva realizar, em favor do maissentido anseio da comunidade nacional. Trata-se, indiscutivelmente, da garantia deexecução do essencial de um plano de desenvolvimento ou de uma políticaadministrativa, através da manutenção de uma constância estável, mas flexível, numprograma sempre sujeito aos riscos da descontinuidade administrativa. Assim como oSistema de Planejamento vem se configurando com uma feição operativa, oOrçamento-Programa já admite também desdobramentos da feição dó orçamentooperativo e gerencial, que aliás se presta melhor ao acompanhamento físico-financeirode sua execução. O Orçamento-Programa, embora apresente deficiências em sua

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execução, na parte de programação, gerência, controle e avaliação, já admite portantouma evolução através de desdobramentos que o fortaleçam, crescentemente, tantonum sentido de unificação, pela prioridade de um programa essencial, a cargo dos trêsníveis de governo, como no sentido de uma maior flexibilidade em sua execução, apartir de medidas de simplificação, como a do novo esquema de discriminação dadespesa por elemento, Já mencionado ao fim da segunda parte desse trabalho.

XXII. Firma-se uma perspectiva de desdobramentos constantes, na área deexecução do Orçamento-Programa, e dentro dela se poderá reconhecer, por exemplo,que os gestores das unidades orçamentarias ainda se defrontam com a rigidez nomelhor aproveitamento das dotações orçamentárias, em virtude de não poderemremanejar as provisões ociosas de "um elemento de despesa" para outro, sem que paratanto seja necessário o apelo à via da autorização legislativa, que concede acompetente suplementação.

XXIII. O Orçamento-Programa poderia ser dinamizado, se os elementos eledespesa integrantes de uma mesma subcategoria econômica. pudessem comunicar-seentre si, por intermédio do simples remanejamento, à semelhança dos procedimentosefetuados entre subelementos de despesa, integrantes de um elemento pelos própriosgestores administrativos. A revogação parcial da Lei n° 4.320/64, na parte relativa àsuplementação de dotações carentes de recursos e dentro desse critério que agora foijustificado, fortaleceria, sem dúvida, o Sistema do Orçamento-Programa.

XXIV. Acredito que essas sugestões não venham afetar o princípio daProgramação, que deve ser preservado, porquanto a sugestão visa também a corrigir atendência ao entendimento do Orçamento-Programa, de modos diferentes depercepção, através de maneiras diversas de utilização de funções e programas.Considero-a uma tentativa válida de se admitir uma forma de aproximação entre essesmodos diversos de entendimento do Orçamento-Programa, enquanto vão se.desenvolvendo essas outras formas de natureza operativa, a exemplo do orçamentogerencial das operações a serem realizadas a cada ano, como de fato vem secaracterizando o orçamento operativo, numa etapa principal e válida do seu processogradativo de implantação evolutiva. Assim como o sistema gerencial de execução dosProgramas Especiais da SEPLAN já vem se complementando com o acompanhamentofísico-financeiro, o Orçamento-Programa deve ter como meta o orçamentooperativo-gerencial, ?por ser a melhor forma de alcançar seu contínuo fortalecimento.

XXV. Vale ressaltar um outro aspecto favorável à adoção dessa diretriz deintegração do Planejamento com o Orçamento, por intermédio dessa forma deexecução do Orçamento-Programa, que é o de irem sendo reduzidos os princípiostradicionais da execução orçamentária, enquanto irá aumentando o fornecimento deinformações confiáveis, que permitam quantificar os objetivos e as operações a seremdesenvolvidas, através de meios reais, voltados para a consecução de resultados e ocontrole das realizações físico-financeiras. E como o Plano Nacional deDesenvolvimento estabeleceu uma estrutura integrada de planos nacionais, regionais eestaduais que condicionam a estrutura dos planos municipais e locais, parece-me que asugestão da tentativa de se sintonizarem esses planos por intermédio de uma meta oude um marco maiores, como o da implantação da rede nacional de ensino fundamental,não afeta a Classificação Nacional Programática, não perde o vinculo com os

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programas de médio prazo, enquanto assegura o essencial da substânciaprogramática, em termos de prioridades, objetivos e etapas do Orçamento-Programa.Permito-me exemplificar essa .sugestão já proposta e justificada, por intermédio doseguinte esquema:

Função Programa Subprograma Projeto

Educação Ensino Fundamental Implantação da RedeEscolar de 1° Grau

Construção e Equipamentodas Unidades Escolares do1° Grau

XXVI. Se é verdade que não se devem aplicar normas comuns a realidadesexcessivamente distantes e diferentes, sob pena de condená-las a uma inevitávelinobservância, também é certo e verdadeiro que elas poderão vir a ser aceitas eobservadas desde que se adote e implante um trabalho anual, constante e unificado,como a execução de um plano e de uma política, da responsabilidade dos três níveis degoverno e que vem ao encontro de uma necessidade vital do nosso carente e sofridopovo. Desde que se compare o Orçamento-Programa com o tradicional, observar-se-áfacilmente que este, quanto à finalidade, se preocupava com os insumos utilizados,enquanto que no Orçamento-Programa é atribuído maior ênfase dos objetivos doGoverno e nos recursos do contribuinte empregados. O Orçamento-Programaconstitui-se num instrumento de planejamento, dos meeis vitais e importantes,principalmente nos períodos em que a programação tem que ser encarada como umaopção do Governo, como agora vem ocorrendo com as metas político-administrativas,de implantação da rede nacional de unidades escolares do ensino fundamental. Asbases para a elaboração dos Orçamentos-Programas já vão se modificando, porquetêm de ser ajustados às diretrizes e prioridades do Governo, mas de âmbito e deinteresse nacionais.

CONCLUSÕES

a. O Orçamento-Programa é um .singular e útil instrumento de planejamento eprogramação, cujas deficiências são suscetíveis de correção, através da própriaevolução de desdobramentos que ele vai suscitando, como o orçamentooperativo-gerencial; que o complementa.

b. Do ponto de vista prático, a evolução do Orçamento-Programa bem pode serviabilizada e fortalecida através dos níveis de programação que permitamconsolidações, tanto no sentido vertical quanto no horizontal, dentro do esquema daPortaria Ministerial n° 09/74, como por intermédio de programas unificados, com aresponsabilidade dos três níveis de Governo e de interesse nacional, e também aindaatravés da adoção de formas que facilitem sua viabilização, e tornem mais prática suaexecução orçamentária.

c . Como exemplos das indicações sugeridas no item anterior, são apresentadasao ajuizamento dos congressistas as propostas de fortalecimento do Orçamento peloreconhecimento da prioridade essencial que se configura na implantação gradativa darede nacional de unidades escolares para o ensino fundamental, e pela necessidadeinadiável de ser modificada a Lei nº 4.320/64, na parte relativa à suplementação dedotações carentes de recursos, conforme passamos a expor:

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Permito-me submeter ao Ilustre Relator o anteprojeto de lei, que visa a corrigir acitada Lei n° 4.320/64, para a matéria ser melhor entendida, e também surja aoportunidade de algum congressista conseguir sim apresentação no CongressoNacional.

LEI Nº 4.320/64

Acrescente-se

Título VI

Da Execução do Orçamento

Capítulo I

Da Programação da Despesa

Art. 49. .......................................................

§ 1º Os órgãos dos Poderes Legislativo e judiciário, tanto da área Federal,Estadual e Municipal poderão efetuar os remanejamentos de suas dotações, a fim deadequá-las às, necessidades dos programas de trabalho, exclusive as relativas aProjetos, salvo autorização legal.

Justificativa

De há muito se faz necessário a dinamização dos orçamentos dos órgãosintegrantes dos Poderes Legislativo e judiciário.

O orçamento nacional, tendo em vista os vícios de origem da nossa própriaformação administrativa, ficou tremendamente rígido.

Por isso, os gestores das unidades orçamentárias se vêem a braços comproblemas vários; quando certo "elemento de despesa" está com a sua provisão ociosa,outro está carente, não podendo ser alterada a situação.

Tendo em vista a atual Lei n° 4.320/64, a suplementação de uma dotação comprovisão insuficiente só poderá ser suprida (suplementada) mediante a aberturaautorizada por lei e complementada pelo Executivo, via de decreto (v. art. 42, da Leicitada).

Acreditamos que a melhor solução seria conferir aos gestores das unidadesorçamentárias dos Poderes Legislativo e judiciário autonomia para a reciclagem dosseus orçamentos, no exercício da execução, desde que ouvidos os respectivosPlenários ou Comissões, conforme alterações que seriam introduzidas em cadaregimento interno dos mesmos.

Depois de muitos anos de atividade na área de orçamento, verificamos serimpróprio o uso do termo "suplementar", quando se trata de remanejar uma dotaçãopara outra., dentro da própria unidade orçamentária. Suplementar dotação orçamentáriasó faz sentido quando o recurso for alocado de uma unidade para outra, ou outra formade reforço que não o do próprio ente orçamentário.

Por fim, examinada a Emenda Constitucional nº 1/69, nos seus arts. 60 "usque"69, nada consta que obste a consecução desse desiderato há muito acalentado pelos

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gestores: maior autonomia no remanejamento dos recursos orçamentários, no tocante amanutenção das atividades do órgão.

Brasília, 24 de janeiro de 1979.

DISTRITO FEDERAL. PERSPECTIVA HISTÓRICA.CONSOLIDAÇÃO DE BRASÌLIA

RAUL SOARES DA SILVEIRA

INTRODUÇÃO

Dando cumprimento ao disposto no art. 3º, § 2° do Ato Regimental n° 5, de 30 denovembro de 1971, deste Tribunal, desempenha esta Corte mais uma vez, na sessãode hoje, a sua função de maior importância e relevo, ao dar Parecer Prévio sobre asContas que o Governo do Distrito Federal, nos termos da Constituição, deve,anualmente, prestar ao Senado Federal.

Honrado pelos dignos companheiros de colegiado com nossa escolha paraelaborar o Parecer sobre as contas referentes ao exercício de 1978, bem como oRelatório do Tribunal sobre a administração financeira no mesmo período, nãosubestimamos a responsabilidade que nos foi atribuída.

Tem sido praxe nesta Casa que o Relator das Contas, à margem do desempenhode sua tarefa, a seu critério, abra ou encerre o Relatório do exercício financeiro comestudos, interpretações de dispositivos legais, ou anotações de ordem teórica, semprecom vistas a contribuir para o aprimoramento de normas e procedimentos.

Foram temas de valiosíssimos trabalhos dos ilustrados companheiros que nosantecederam na nobre tarefa de relatar as contas do Governo as modificaçõesprofundas introduzidas no sistema orçamentário pela Lei nº 4.320, de 7 de março de1964; as disposições constitucionais sobre a administração financeira do País e a novadisciplina constitucional dos Tribunais de Contas; as normas financeiras e

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orçamentárias implantadas pelo Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, queexigiram e originaram, conseqüentemente, a Lei Orgânica deste Tribunal - Lei nº 5.538,de 23 de novembro de 1968 - a qual, em cumprimento aos postulados da ConstituiçãoBrasileira de 1967, lhe reformula a estrutura orgânica, o campo de competência e astécnicas de ação.

Desviando-se um pouco dessa clássica linha de procedimento, mas coerente coma tradição, nosso trabalho introdutório versará alguns aspectos da colonização do BrasilCentral, a consolidação de Brasília e sua influência no desenvolvimento dos Estados deGoiás e Mato Grosso e as características do programa especial da RegiãoGeoeconômica de Brasília e do Convênio SEPLAN/GDF.

Ao abordar esses temas, que julgamos de interesse e oportunidade para omomento, pretendemos reavivar informações sobre as fases do desbravamento donosso interior remoto, que tiveram por objetivo a integração da Região Centro-Oeste naeconomia do País.

Por outro lado, pretendemos também, evidenciar o esforço do Governo Federal edos Governos dos Estados de Goiás e Mato Grosso e do Distrito Federal em colocar talRegião no mesmo compasso de desenvolvimento dos Estados do Centro-Sul daNação.

Com o advento da reforma administrativa, a função do Tribunal de Contas,conseqüentemente, "vai além de simplesmente fazer cumprir os aspectos formais dasdespesas. No atual sistema, além de revisar a eficiência com que são gastos osrecursos públicos, se reserva o Tribunal a tarefa magna de verificar se foramalcançados os resultados esperados, partindo para a análise do custo-benefício", comobem acentuou o eminente Ministro Glauco Lessa, do TCU, na palestra proferida naEscola Superior de Administração Fazendária - ESAF - em 19-8-77.

O término do mandato do Governador Elmo Serejo Farias, em 29 de março.último, merece que, a par da verificação das demonstrações contábeis, se faça umaavaliação do desempenho da sua administração, analisando os gastos e os principaisresultados alcançados no período de 1974 a 1978.

De acordo com o exposto, nosso trabalho se distribuiu por quatro partes a saber:

I PARTE

- Anotações sobre o desbravamento e a integração da região Centro-Oeste naeconomia do País.

- A consolidação de Brasília e sua influência no desenvolvimento dos Estados deGoiás e Mato Grosso.

- Características do Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília e doConvênio SEPLAN/GDF.

II PARTE

- Análise das Contas de 1978 como exigência constitucional.

III PARTE

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- Análise retrospectiva da administração financeira do GDF e dos principaisresultados alcançados no período de 1974 a 1978.

IV PARTE

- Considerações finais e projeto de Parecer Prévio.

O que deve ser levado à responsabilidade do Tribunal está contido na II e IVpartes do Relatório.

Os assuntos que compõem a I e III partes são da responsabilidade exclusiva doRelator.

Confiamos sejam relevadas as deficiências que, certamente, se encontrarão nestetrabalho, resultantes das falhas pessoais do Relator, que espera vê-Ias, em parte,compensadas por seu esforço e dedicação no cumprimento da relevante tarefa que lhefoi atribuída.

I PARTE

1. Contribuição Introdutória

1.1 - Anotações sobre o desbravamento e a integração da regiãoCentro-Oeste na economia do País.

1.2 - A consolidação de Brasília e sua influência no desenvolvimento dosEstados de Goiás e Mato Grosso.

1.3 - Características do Programa Especial da Região Geoeconômica deBrasília e do Convênio SEPLAN/GDF.

1.4 - Conclusão da I Parte.

1.1 - ANOTAÇOES SOBRE O DESBRAVAMENTO. E A INTEGRAÇÃO DAREGIÃO CENTRO-OESTE NA ECONOMIA DO PAIS

1.1 - Anotações sobre o desbravamento e a integração da Região Centro-Oestena economia do Pais

Ocupar e povoar o nosso sertão remoto, incorporando; sem mais tardança, asimensas áreas à economia nacional ("esse vácuo que se formou entre a costa povoadae as linhas demarcadoras de outras soberanias"), que é o Brasil Central e a Amazônia,tornou-se no nosso entender, meta prioritária e desafiadora para a capacidade derealização dos nossos governantes de hoje.

A construção de Brasília foi acompanhada de grandes empreendimentosparalelos, destinados a complementar, os esforços pela integração nacional. Ao mesmotempo em que se erguiam gigantes de concreto na Nova Capital, verdadeiros exércitosde homens e máquinas rasgavam extensas estradas destinadas a fazer de Brasília oeixo de grandes tentáculos rodoviários ligando os quatro cantos do País:Belém-Brasília, Belo Horizonte - Brasília, Fortaleza-Brasília e Acre-Brasília.

No Centro-Oeste, onde está situada a Nova Capital da República, estão osEstados de Goiás e Mato Grosso, cobrindo 1.879.455 km2, o que significa 22,8% dasuperfície do Brasil. A Região constitui-se, ainda, num grande vazio onde existe uma

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população de, aproximadamente, 7 milhões e 200 mil habitantes, irregularmentedistribuídos e concentrados nas principais cidade, não representando mais de 6,2% dapopulação atual do País, estimada em 116.393.100 habitantes (Fonte: IBGE - AnuárioEstatístico do Brasil - 1977).

Consideramos que essa região é uma opção imperiosa para a próxima etapa dodesenvolvimento nacional, seja pela prodigalidade do suporte natural que possui, sejaainda pela proximidade física dos centros já desenvolvidos, o que facilita a irradiaçãodos estímulos desenvolvimentistas.

Desde 1972 o .Governo Federal vem investindo vultosas somas nodesenvolvimento do Centro-Oeste, através dos Programas Especiais, definidos no I e IIPlano Nacional de Desenvolvimento(PND), conforme será informado na seqüênciadeste trabalho.

O desbravamento e a colonização do interior remoto do Brasil é um velhoprograma que se vinha protelando de ano para ano.

Desde que os primeiros bandeirantes romperam a demarcação do Tratado deTordesilhas, o problema da exploração do hinterland brasileiro foi formulado e exigiusolução.

Retrocedendo nas páginas da História, vamos encontrar, por essa Região,. aspassadas da bandeira de Domingos Rodrigues em terras goianas, por volta de 1597;depois, Garcia Tavares deixa vestígios de suas botas pelas terras de Goiás e hiatoGrosso; e, entre outros bandeirantes que palmilharam o sertão brasileiro, destaca-seBartolomeu Bueno da Silva, o Velho, em 1682 e, mais tarde, o Moço, em 1722, quepercorreram léguas e léguas da região goiana, sem esquecer .Campos Bicudo, querealizou 24 viagens em Goiás e Mato Grosso, fundador de garimpos e arraiais, -fincando aí os primeiros marcos da conquista da terra.

Esses heróicos bandeirantes, Borba Gato, Fernão Dias Pais Leme, e outros nãomencionados, legaram á nossa geração a mais preciosa de todas as heranças e,simultaneamente, a que maiores responsabilidades nos impõe: um Brasil grande eunido.

As bandeiras em si, embora tivessem produzido resultados políticos apreciáveis,consubstanciados em última análise na configuração territorial do Brasil de hoje, nãocriaram do ponto de vista econômico uma riqueza permanente e nem sequer legaramadequado conhecimento ,de todo o nosso vasto e remoto sertão. Os trabalhosposteriores de exploração geralmente com interesse apenas administrativo e raramentecomercial, seguindo as linhas fáceis de penetração dos grandes rios, foramempreendimentos isolados que não visaram a um trabalho conjunto; no entanto, foi nociclo do ouro, dos fins do século XVII e por mais da metade do século XVIII, com acolaboração preciosa das Missões jesuíticas e, depois, com expedições científicas doséculo XIX, que se revelaram as riquezas potenciais desse novo mundo, que era oBrasil Central.

A partir do século XIX, dado o grande interesse pelas ciências naturais e apresença no País de uma série de viajantes e cientistas, eminentes, foram realizadas,em zonas várias, explorações, estudos e pesquisas que constituem, ainda hoje, uma

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base para o desenvolvimento e o aproveitamento eventual do nosso interior sob todosos aspectos, climático, geológico, geográfico, antropológico e social.

Os trabalhos voltados para o aproveitamento -em conjunto desse interior,entretanto, só se iniciaram tardiamente.

Ressalvados alguns esforços isolados e, notadamente, a tenacidade de Couto deMagalhães em prol da navegação do Rio Araguaia - que aliás não logrou seus objetivosem virtude da deficiência dos meios de que dispunha - além dos trabalhos eexplorações levados a efeito em todas as direções pela Comissão Rondon econtinuados, posteriormente; pelo Serviço Nacional de Proteção aos Índios, anos eanos se passaram sem que o coração do Brasil recebesse o influxo da civilização,norteada por um planejamento técnico-educacional, com o objetivo do aproveitamentode todo seu vasto potencial de riquezas.

Assim ficou o panorama genérico do aproveitamento econômico do nosso interioraté o momento em que o Presidente Getúlio Vargas lançou a "Marcha para o Oeste"com o objetivo de atrair o interesse dos brasileiros do litoral para o desbravamento epovoamento do interior do País.

As incalculáveis riquezas do solo americano, principalmente do Brasil,espicaçavam a cobiça de poderosos grupos mundiais.

Em 1937, em Genebra, o representante japonês junto à Sociedade das Nações,Barão Shudo, apresentou em. nome do seu Governo a idéia de que as nações quedispusessem de áreas inexploradas e não se utilizassem das matérias-primas nelascontidas deveriam ser compelidas a permitir seu racional aproveitamento por naçõescapazes de explorá-las para o bem comum dos povos do mundo.

Sob os auspícios do nazi-facismo, triunfante então na Alemanha e na Itália,ganhava corpo e se constituía no principal fundamento e pretexto ideológico da maior emais sangrenta guerra da História a doutrina da necessidade do "espaço-vital", o tãocelebrado Lebensraum da delirante propaganda nazista, que no fundo, era o mesmoponto de vista proclamado mais claramente pelo diplomata nipônico.

Ora; o perigo para o Brasil de uma doutrina dessa natureza era imensa 93,4% danossa população se achavam distribuídos por 35,7% do nosso território, segundoestatística da época; 2/3 da área do Brasil, compreendendo todo o Norte e oCentro-Oeste, tinham uma densidade oscilando de 3/4 a menos de 1/2 habitante porkm2.

Não é necessário tecer longos comentários sobre o assunto. A posição defraqueza geopolítica do Brasil era, e ainda é, tremenda sob este ponto de vista. E aárea contínua de 8,5 milhões - de km2, que é nossa - força e cuja conquista nos foireconhecida no século XVII pela aplicação do princípio do uti possidetis pelos tratadosde Madrid e Santo Idelfonso, que nos tornaram o único país sul-americano emcondições de ser uma grande potência no mundo moderno, só poderá ser mantidaíntegra e brasileira se efetivamente ocupada, isto é, povoada e explorada. Enquantonão o for, estaremos sempre à mercê de vicissitudes históricas e à aplicação daquelaperigosa doutrina à nossa custa.

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A "Marcha para o Oeste", preconizada com tanto ardor e sabedoria por GetúlioVargas, deixou de ser apenas uma diretriz grandiosa para converter-se em imperativoimediato de segurança .e soberania nacional.

Deflagrada a Segunda Guerra Mundial, mobilizaram-se as Democracias paracombater e rechaçar as potências do Eixo, que, desfraldando a bandeira doexpansionismo, ameaçavam subjugar a humanidade.

A neutralidade a princípio firmada pelo Brasil não foi respeitada pelas potências doEixo, notadamente a Alemanha, que, repetidamente; enviava submarinos à costabrasileira.

O interesse de Hitler em nosso País ficara claro a partir dos mapas geopolíticosalemães, nos quais, o Estado de Santa Catarina figurava com destaque e de onde,segundo alguns historiadores, deveria começar a germanização do Brasil, tendo comoponto de partida a grande emigração germânica que, então, se dirigia para aquelaregião.

Logo após o afundamento de vários navios mercantes nacionais por submarinosalemães, o Brasil, a 29:, de agosto de 1942, declarava guerra aos governosnazi-facistas. Estavam em jogo as mais altas conquistas da civilização: a liberdade e acultura, os Direitos do Homem e a independência dos povos.

O perigo de invasão do território brasileira pelas forças alemãs procedentes daÁfrica desapareceu em novembro de 1942, quando os aliados ocuparam o Norte daÁfrica. No mesmo ano o nosso governo decidiu organizar uma força expedicionáriadestinada a combater fora do continente.

Enquanto nos -campos da Itália os gloriosos pracinhas da FEB e da FAB,integrando as forças Aliadas, davam rude combate ao inimigo e nossa brava Marinhade Guerra cumpria a dura tarefa de patrulhar o Atlântico e zelar pela integridade dolitoral, atuava na frente interna do País a Coordenação da Mobilização Econômica, soba direção do Ministro João Alberto Lins de Barros, para reforçar a retaguarda das forçasem luta.

Como um dos objetivos da Coordenação surgiu a idéia, em pleno esforço deguerra, de despertar a consciência nacional sobre mais de dois terços ainda desertosdo território brasileiro.

Por motivos de segurança e vendo que o problema requeria solução imediata,como bem preconizou o Presidente Vargas - "eliminar os espaços potencialmente ricose desocupados que despertam apetites perigosos num mundo de crescentes pressõesdemográficas" -, obteve o Ministro João Alberto autorização do Presidente para darinício à laboriosa tarefa de desbravamento do Brasil Central e Ocidental.

As dificuldades que se apresentavam para levar avante a honrosa missão eram,sem dúvida, incalculáveis. Tudo haveria de começar do nada. Desde os preparativosiniciais necessários à exploração até o aproveitamento racional e eficiente das grandesregiões desocupadas do cobiçado, Centro-Oeste.

Foi, então, pela Portaria nº 77, de 3 de junho de 1943, do Coordenador daMobilização Econômica, organizada a Expedição Roncador-Xingu, a qual, cerca de três

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meses depois, foi considerada de interesse militar, pelo Decreto-lei n° 5.801, de 8 desetembro de 1943.

O passo inicial era, evidentemente, o desbravamento. Nas regiões centrais doBrasil ele podia dar-se segundo vários eixos: no sentido da bacia doTocantins-Araguaia; no rumo do Oeste, em direção ao então Território do Acre, aolongo do vale amazônico; ou na diagonal ligando o centro industrial do País a Manaus.

Sem abandonar a possibilidade das duas primeiras linhas, a rota em direção aManaus se apresentava como a mais interessante. Com efeito, não somente corta omaciço central do Brasil em sua maior extensão, atravessando o grande planalto, naépoca completamente desconhecido, como também representa o traçado geral maiscurto da linha de comunicações aéreas e terrestres entre o Rio de janeiro ou São Pauloe os Estados Unidos da América do Norte. O valor dessas linhas de comunicação aéreapara o desenvolvimento posterior do País nunca será bastante enaltecido. ,

Como ponto de partida da Expedição desbravadora, criada para materializar a"Marcha para o Oeste", foi tomada a confluência dos Rios Araguaia e Garças. Esteponto, a bem da verdade, não foi escolhido a esmo. Originou-se de cuidadosa pesquisaao longo do primeiro desses rios.

Assim estava iniciado o desbravamento, deixando-se para uma segunda fase aconsolidação das linhas de comunicação, de povoamento e de colonização das áreasatravessadas.

Tão positivos e promissores foram os primeiros resultados da Expedição, que, emseguida, decidia o Presidente Vargas confiar ao Coordenador da MobilizaçãoEconômica, Ministro João Alberto, a incumbência de formular o programa de colonizar,as áreas desbravadas.

O binômio desbravamento-colonização traduzia, dentro das condições concretasdo Brasil Central, numerosas e delicadas questões de Estado, variando desde as decaráter humano e social, até as de natureza política e estratégica, nas quais se incluíamas de comunicações, transportes ( terrestres, aéreas e fluviais, as médico-sanitaristas,as de produção vegetal, animal e mineral, as de, comércio e distribuição, as de estudoe resguardo de nossas riquezas minerais, florestais e faunísticas).

Sem dúvida que a iniciativa particular jamais se sentiria despertada para este tipode empreendimento, que era obra de abnegação e pioneirismo.

Atribuir a missão aos Estados beneficiados com o desbravamento difícil tambémseria, não só pela falta de recursos materiais e financeiros, mas também pela rigidez desuas normas burocráticas.

Desse modo, somente uma entidade que não fosse repartição pública ouautarquia teria condições de cumprir a missão, sob pena de não só ferir a autonomiaestadual onde fosse operar, pela própria natureza de suas atribuições, como tambémficar sujeita, na esfera administrativa, à observância de normas e obrigaçõesburocráticas que poderiam peiar sua ação pioneira.

Diante de tais circunstâncias, o Governo Federal, pelo Decreto-lei n° .3.878, de 4de outubro de 1943, autorizou a instituição da Fundação Brasil Central, órgão

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diretamente subordinado à Presidência da República, com a atribuição de desbravar ecolonizar as zonas compreendidas nos altos rios Araguaia e Xingu, e no Brasil Central eOcidental, sendo a ela incorporado o acervo da Expedição Roncador-Xingu.

O ponto politicamente mais delicado que se apresentou à Fundação foi o das suasrelações com as autoridades estaduais e municipais, constituídas nas zonas ondeoperou.

Os Estados do Norte e Centro-Oeste, sendo pobres e não podendo investir osrecursos necessários ao desenvolvimento adequado das suas áreas desertas einaproveitadas, eram, talvez por essa razão, extremamente ciosos de suasprerrogativas, quer na órbita estadual, quer na municipal. Conseqüentemente, fazia-seindispensável que a Fundação realizasse sua obra de forma tal que jamais gerasseatritos com as autoridades locais.

Duas causas fundamentais contribuíram para o êxito da tarefa. A primeira, o fatoda Fundação ser uma organização de direito privado e, portanto, sem a menorpreocupação de autoridade política. A outra, por ter desenvolvido suas atividades emterras devolutas que lhe foram cedidas pelos Estados de Mato Grosso, Pará eAmazonas.

O Decreto-lei do Governo Federal, n° 7.561, de 18 de maio de 1945, dispensou aexigência do art. 35, parágrafo único, do Decreto-lei nº 1.202, de 8 de maio de 1939,para que os Estados de Goiás, Mato Grosso, Pará e Amazonas fizessem concessõesou cessões de terras devolutas à Fundação, nos termos previstos no art. 5° de seusEstatutos, aprovados pelo Decreto nº 17.244, de 30 de novembro de 1944.

Com base nesse diploma legal, o Estado de Mato Grosso, pelo Decreto-lei n° 700,de 30-11-45, o Estado do Pará, pelo Decreto-lei nº 4.785, de 9-7-45 e o Estado doAmazonas, pelo Decreto-lei n° 1.531, de 17-11-45, cederam à Fundação terrasdevolutas que somaram uma área mínima de 264.320 km2, maior que qualquer dosTerritórios Federais fronteiriços, e intermediária entre as superfícies dos Estados deSão Paulo e Rio Grande do Sul, conforme se pode verificar no quadro adiante:

Circunscrição Área (km2)

Território do Acre 153.170

Território do Amapá 133.796

Território do Guaporé 254.163

Território do Rio Branco 214.318

Estado de São Paulo 247.239

Estado do Rio Grande do Sul 285.289

Fundação Brasil Central 284.320 (mínima)

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Sobre a destinação dessas áreas, depois de nelas executados os planos gerais dedesbravamento, colonização, exploração econômica e abertas as vias de comunicação,o art. 23 dos Estatutos da Fundação assim dispôs:

"Art. 23. Entregas das áreas colonizadas ao Governo Federal. Sem prejuízodo disposto no art. 8°, dez anos depois de julgados pelo Governo Federalexecutados os planos a que se refere o artigo anterior, a Fundação transferirá,sem qualquer indenização ou compensação, aos órgãos do Poder Público poraquele indicados, a administração das áreas desbravadas e colonizadas comtodas as benfeitorias e os materiais existentes".

Os recursos financeiros, para o custeio da Fundação e de seus programas detrabalho, provinham, no fundamental, de subvenções orçamentárias que ocupavamcapítulo destacado na verba do então Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

Evidentemente, para fazer face às despesas com a execução do vasto programade que fora incumbida, a Fundação necessitaria de recursos suficientes, sob pena denão poder realizá-lo, senão em parte, ou interromper serviços já em andamento, comtodos os prejuízos daí decorrentes.

Foram porfiadas as lutas da Fundação para a obtenção desses recursos, sempreescassos, chegando tardiamente as mais das vezes e forçando a administração aconstantes ginásticas para manter em andamento a obra.

Em resumo, as subvenções com que contou a Fundação, no período de 1944 a1960, foram as seguintes:

EXERCÍCIO NCr$ SUBVENÇÕES

1944 9.000,00

1945 15.000,00

1946 20.000,00

1947 15.000,00

1948 10.000,00

1949 8.000,00

1950 10.000,00

1951 10.000,00

1952 10.000,00

1953 20.000,00

1954 25.000,00

1955 25.000,00

1956 30.000,00

1957 60.000,00

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1958 60.000,00

1959 60.000,00

1960 60.000,00

FONTE: Orçamento da União.

Tais subvenções sempre sofriam cortes. Em 1950 a Fundação recebeu um créditoespecial de NCr$ 23.000,00, que acabou totalmente absorvido na regularização dagrave crise financeira em que se encontrava na época. Depois voltou ao "status"anterior. A penúria financeira da Fundação era rotina.

Diga-se de passagem que a Fundação, anualmente, submetia suas contas (Relatório e Balanços) a exame do TCU.

As realizações da entidade, no período de 1943 a 1960, publicadas em revista porela editada em 1962, podem ser assim resumidas:

I - DESBRAVAMENTO: Pacificando nações indígenas arredias e até ferozes, semjamais com elas entrarem em choque, tendo sempre em mira as diretrizes de Rondon;atacados pelas moléstias tropicais e as feras, sofrendo, muitas vezes, fome e sede;rompendo o emaranhado das florestas; cruzando rios caudalosos, montanhas, campose cerrados - os pioneiros da Fundação penetraram fundo território adentro. Ao longo dapicada, em cada etapa vencida, eram instalados postos de contato e abastecimento,plantadas roças; campos de pouso eram abertos, fazendo-se o levantamentotopográfico e estabelecendo-se a locação de futuras rodovias.

Nessa heróica arrancada em pontos praticamente inacessíveis foi decisiva acolaboração da Força Aérea Brasileira, conduzindo víveres, agasalhos, ferramentas emedicamentos muitas vezes lançados de pára-quedas sobre a selva.

II - COLONIZAÇÃO: Nas picadas abertas não tardaram a surgir pequenosgrupamentos humanos. Numerosos colonos foram estimulados pela Fundação a selançarem à conquista da selva. Cultivando e humanizando a terra, dando-lhe sentidoeconômico e social, os colonos foram plantando as primeiras sementes de futurascidades.

Pequenas vilas, muitas delas, hoje municípios, nasceram e se desenvolveram soba influência criadora da Fundação. No sudoeste de Goiás, cabe citar, entre outros, osde Santa Helena, Piranhas, Bom jardim de Goiás e Aragarças, cidade esta onde aFundação teve o primeiro posto avançado e manteve, posteriormente, um centro deatividades. Outros municípios da mesma região receberam o influxo progressista daFundação, sobressaindo os de Rio Verde, Jataí, Caiapônia e Baliza.

No Estado de Mato Grosso foram grandemente beneficiados pelas atividades daFundação o Município de Barra do Garças e seus Distritos, notadamente São Félix,Mato Verde e Cocalinho. A Fundação criou, ainda, no Município de Barra do Garças, osCentros de Atividades de Vale dos Sonhos, Xavantina e Carapu, que estão em fase dedesenvolvimento e futuramente se converterão em sedes municipais.

No Estado do Pará foram beneficiados os Municípios de Tueurui e Jatobal,extremos da Estrada de Ferro Tocantins, que esteve sob a administração da Fundação

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desde 1945 e tinha recursos orçamentários consignados através do então Ministério daViação e Obras Públicas. Ainda nesse Estado a Fundação contribuiu para o progressode Santarém, abriu as pistas de pouso de Jacareacanga, Cabroá, Creputiá e Cachimbo.Jacareacanga e Cachimbo são hoje sede de dois aeródromos mantidos pela FAB e queconstituem os principais pontos de apoio da rota aérea Manaus-Miami.

Apesar da estagnação a que muitas dessas comunidades tem sido submetidas,devido, entre outros fatores, à falta ou precariedade de transportes, são elas o germede grandes cidades. Hão de florescer e darão seus frutos quando lá chegar, no futuro, aavalancha emancipadora do progresso.

Onde o caboclo não tinha as condições mínimas de sobrevivência, minado emsuas energias pela pobreza e as moléstias tropicais, surgiram os Postos de Saúde e osserviços médicos aéreos da Fundação. Depois foram construídos modernos hospitais.

Onde outrora viviam em plena Idade da Pedra milhares de silvícolas e, em estadode grande atraso, os colonos pioneiros, a Fundação criou escolas primárias e igrejas edeu início ao ensino profissional e militar (Tiro de Guerra de Aragarças, mais tardeextinto) .

Onde as habitações eram pobres palhoças, apareceram casas de alvenaria e demadeira, graças à presença da Fundação que construiu olarias e cerâmicas, serrarias ecarpintarias, explorando, inclusive, pedreiras e caieiras.

Onde só se podia viajar em lombo de burro e canoas foram construídas; estradas,pontes, balsas, estaleiros e campos de pouso, originando-se daí, emboramodestamente, transportes rodoviários, fluviais e aéreos.

Onde produzir além das necessidades de consumo era antiecon8mico; aFundação procurou proteger os interesses dos lavradores, ainda que lutando com faltade recursos.

Se as atividades agropecuárias eram primitivas, incipientes, a Fundação, hamedida de suas forças, procurou prestar assistência técnica.

Entrepostos comerciais, usinas. de açúcar, cooperativas, empresas de transportechegaram a ser criadas, visando a garantir o abastecimento das populações pioneiras.

Algumas pesquisas científicas realizadas pela Fundação permitiram vislumbrarmuitas das fabulosas riquezas do centro do País: jazidas de ferro, carvão, pedras emetais preciosos, madeiras de lei, plantas medicinais e oleaginosas. Trabalhos detaxidermia efetuados pela Fundação mostraram a exuberância e a enorme variedadeda fauna terrestre e aquática do coração do País.

Muitos dos empreendimentos não lograram chegar a bom termo. Outros; depoisde auspicioso êxito, caíram em declínio e acabaram por ser liquidados. Muitos dos quevingaram e de início tiveram verdadeiro auge, declinaram depois e ainda padecem deuma existência cheia de sacrifício.

Tais fenômenos produziram reflexos negativos para os planos de trabalho daFundação e resultaram em sério golpe contra o desenvolvimento da iniciativa privadanas regiões desbravadas.

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Duas causas fundamentais, de ordem administrativa, estão na raiz dessesfenômenos: de um lado, a política financeira adotada, nos anos de 1947 a 1949 e nosanos da década de 50, para o Centro do País, expressa pelos recursos atribuídos àFundação; de. outro, a falta de iniciativa, de parte a parte, objetivando uma colaboraçãoefetiva e duradoura entre a Fundação Brasil Central e os órgãos das AdministraçõesFederal e Estadual, nos diferentes campos de ação pública.

As finalidades precípuas da Fundação, como vimos, se resumiram no binômiodesbravamento-colonização. Efetuadas as penetrações, abertas estradas pioneiras econstruídos campos de pouso, o órgão se empenhou em obras destinadas a propiciar afixação e sobrevivência dos colonos: postos de saúde, assistência médica e hospitalar,escolar, social, etc.

Ora, por sua própria índole, a Fundação, necessariamente, prosseguiu nessasatividades ao longo de suas rotas. Isso subentenderia um progressivo reforço de suaverba. Mas o que ocorreu foi diverso. A subvenção que lhe era atribuída anualmentesofria oscilações para mais e para menos, como ficou anteriormente demonstrado.Além disso, a inflação tendeu a lhe diminuir o valor real. A manutenção dos serviçospassou a onerar progressivamente seus cofres, sem que lhe viessem em socorro, namedida necessária, os órgãos da administração pública.

Foi sendo, por isso, forçada a encampar obrigações que, normalmente, caberiama Ministérios e Governos Estaduais, em detrimento de seus objetivos específicos: novosempreendimentos de desbravamento e colonização.

Não obstante, a Fundação foi a ponta de lança de uma bandeira civilizadora e querepresentou uma usina-piloto, onde se forjou o início da industrializaçãotécnico-científica e educacional que se irradiaria pelo sertão brasileiro.

Até o início da obra da Fundação, o nosso hinterland, como vimos no decorrerdesta exposição, não tinha sido objeto de um programa sistemático da parte dosnossos governantes. Suas necessidades, a dos homens e a da terra, João Alberto assentiu em todas as suas fibras, por ocasião da epopéia da quase olvidada ColunaPrestes. Desde aquela época, tomou a deliberação inflexível de, se um dia pudesse,realizar qualquer trabalho de civilização e amparo em nosso vastíssimo interior.

Queremos, por um dever de justiça, reafirmar que a concepção, a idealização, amola mestra da realização da obra que era a Fundação foi João Alberto, que lheconsagrou toda a energia, a operosidade e o patriotismo que possuía em alto grau.Dando-lhe corpo e alma, soube ainda infundir no pequeno pugilo de brasileiros que oauxiliaram na tarefa gigantesca o amor extremado que lhe devotava e que deleirradiava constantemente.

Ao concluirmos o relato das atividades da Fundação, patenteia-se que realizouobra de grande brasilidade. Foi brasileira na concepção, pelos métodos, nos fins e sódesejou servir ao Brasil.

Além da instituição da Fundação Brasil Central, o Governo Federal criou, namesma época (década de 40 ), vários organismos regionais com o fito de apressar aocupação e o povoamento de outras áreas do Brasil Central e da extensa linhafronteira.

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Não seria, evidentemente, possível pensar, sequer, em desbravar, ocupar, povoare desenvolver, no espaço de uma geração, alguns milhões de quilômetros quadradosde território completamente virgem, entretanto, não se poderia mais retardar o processode ocupação dessas áreas, sob o risco de ver aplicada em nosso País a célebredoutrina do "espaço vital", a que já nos referimos anteriormente.

Sabemos perfeitamente que a política internacional não tem entranhas. Poramizade tradicional e por motivos geopolíticos inelutáveis, estamos na órbita dosEstados Unidos da América do Norte, mas isto nunca significou proteção para nossasáreas de fronteira e nem nos impede que aspiremos nós próprios a ser uma grandepotência, cumprindo, assim, o destino que a história nos traçou, concedendo-nos aúnica base admissível para representar esse papel, que é a nossa notável extensãoterritorial contínua. Entretanto, aquilo que era suficiente no século XVII para defender emanter íntegro esse imenso território, quando se defrontavam as soberanias dePortugal e de Castela e bastavam fortificações espalhadas ao longo das fronteiraspolíticas, como o Forte Príncipe da Beira, tornou-se inadequado para a época em quevivemos. Portugal se exauriu defendendo a soberania bragantina em nossa extensalinha lindeira e, para mantê-la com a pobreza de recursos humanos e materiais de quedispunha, teve de criar um vácuo entre a costa povoada e as linhas demarcadoras deoutras soberanias.

Tendo em consideração esses fatos e o perigo das conseqüências que poderiamadvir para o Brasil com os acontecimentos que resultaram na Segunda Grande GuerraMundial, possivelmente, uma das mais fortes razões que levaram o Governo Feral, nosprimeiros anos da década de 40, a demonstrar seu firme propósito de ocupar e povoar,sem mais tardança, as imensas áreas virgens da zona fronteiriça e do Brasil Central,não só por meio da Fundação Brasil Central, mas, também, pela implantação dosTerritórios Federais com partes desmembradas dos Estados do Pará, do Amazonas, deMato Grosso, do Paraná e de Santa Catarina, criados pelo Decreto-lei n° 5.812, de 13de setembro de 1943, pela Colônia Agrícola Nacional de Goiás, criada pelo Decreto-leinº 6.882, de 19 de fevereiro de 1941, em terras doadas pelo Governo do mesmo Estadono Município de Goiás e pela Colônia Agrícola Nacional de "Dourados", em MatoGrosso, criada pelo Decreto-lei n° 5.941, de 28 de outubro de 1943.

Os Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco (hoje Roraima), do Guaporé (hoje Rondônia), de Ponta Porá e do Iguassu (já extintos), ao serem criados, tinham porcompetência:

a ) o desenvolvimento econômico, social, político e administrativo, com vistas àcriação de condições que possibilitassem sua ascensão à categoria de Estados;

b ) a ocupação efetiva do território, notadamente dos espaços vazios e zonas defronteiras, mediante o povoamento orientado e a colonização;

c) a integração sócio-econômica e cultural à comunidade nacional;

d) o levantamento sistemático dos recursos naturais, para o aproveitamentoracional das suas possibilidades econômicas;

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e) proporcionar incentivos à agricultura, à pecuária, à silvicultura, à piscicultura e àindustrialização, através de planos integrados com os órgãos de desenvolvimentoregional nas áreas respectivas;

f) dar garantia a autonomia dos Municípios que os integram e assistência técnicaàs respectivas administrações;

g) cuidar da preservação das riquezas naturais, do patrimônio e das áreasespecialmente protegidas por lei federal.

Não cabe aqui expor as realizações dos Territórios Federais. Desde quandocriados, vêm eles contribuindo decisivamente para a colonização e o aproveitamentoeconômico das regiões onde situados. Dado o estágio de desenvolvimento político,social e econômico em que se encontram, caminham para serem elevados à categoriade Estado, a exemplo do Território Federal do Acre, que, como sabemos, foi organizadopelo Decreto nº 5.188, de 7 de abril de 1904, no Governo Rodrigues Alves, depois devencidas as lutas e as divergências de ordem jurídica por sua posse, iniciada em fins doséculo XIX, quando ainda era zona de litígio entre o Brasil, o Peru e a Bolívia.Consideramos que a transformação desses Territórios em Estado não será providênciavantajosa. A região lucrará muito mais m permanecer sob a tutela da União, até essesTerritórios serem, na realidade, auto-suficientes econômica e socialmente.

A Colônia Agrícola Nacional de Goiás contribuiu para o desenvolvimento dosMunicípios de Anápolis, Ceres e Rialma. Declarada emancipada pelo Decreto nº37.388, de 23 de maio de 1955, do Governo Federal, foi sendo aos poucos extinta e asáreas de terras onde atuava são hoje, em maioria, prósperas fazendas de propriedadeparticular. Suas atividades foram também fator de influência no desenvolvimento detodo o fértil Vale de São Patrício, no mesmo Estado.

Quanto à Colônia Nacional "Dourados", suas atividades contribuíramdecisivamente para colonizar e desenvolver grande parte da regiãosul-mato-grossense.

O ciclo da cultura intensiva de cereais iniciou-se em Mato Grosso, em 1943, apósa criação dessa Colônia Agrícola, experiência que obteve os melhores resultados emtoda a história da colonização federal.

Ocupando ao sul de Mato Grosso uma área de 84.000 Km2, que correspondia a6,83% do território do Estado (antes do desmembramento), a região de Dourados, deestrutura eminentemente pecuarista, foi aos poucos se transformando na maior regiãoagrícola mato-grossense e numa das maiores do Brasil. Tal fato se deve às riquezas doseu solo, às modernas técnicas de plantio e à mecanização da lavoura. Hoje, aparticipação da região na receita do ICM responde por cerca de 40% da economiaestadual, constituindo a agricultura o principal setor na formação do produto (cerca de47% da arrecadação regional), seguida da pecuária (cerca de 23%).

Enquanto se dinamizam na região as atividades agrícolas, já com mais de 7.100propriedades cadastradas, vem também a pecuária oferecendo melhores perspectivasde desenvolvimento. Somente no Município de Dourados existem mais de 300 milcabeças de gado bovino, caracterizando-se o rebanho pela alta qualidade e pelaexcelência das pastagens artificiais das fazendas.

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Expandem-se igualmente o comércio e a indústria, favorecidos por um sistema devias de comunicação que, assegurando a integração regional, possibilita, ao mesmotempo, maior proximidade com os grandes mercados vizinhos do Sul do País.

No período compreendido entre os anos de 1946 a 1955, consideramos que otrabalho de maior relevância realizado pelo Governo Federal na região Centro-Oeste ,além, naturalmente, das atividades desenvolvidas pela Fundação Brasil Central e pelasColônias Agrícolas de Goiás e Dourados, já referidas, foi o das Comissões criadas nosGovernos do Presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, e do Presidente GetúlioVargas, em 1953, para determinar o local da nova Capital do Brasil, em cumprimento aodisposto na Constituição de 1946.

O princípio mudancista da Capital da República foi consolidado na Constituição de1946, ratificando e consagrando o que dispunham as Constituições de 1891 e 1934.

A primeira atitude realmente propugnadora da interiorização da Capital do Brasilocorreu por iniciativa dos Inconfidentes Mineiros, no final do século XVIII.

A par de se constituir um ideal nativista, teve a manifestação dos Inconfidentes deMinas, em 1789, repercussão quer no Brasil quer em Portugal.

Tiradentes, o Alferes Joaquim da Silva Xavier, reconhecido como a maior figura daconspiração patriótica, foi, igualmente, o principal responsável pelo projeto de mudar aCapital para São João Del Rei, no interior de Minas Gerais.

Se em Tiradentes encontramos a figura precursora do ideal de mudança einteriorização da Capital do Brasil, vamos ter, logo após ele, na pessoa do jornalistaHipólito José da Costa, o primeiro paladino desse ideal.

As atividades de Hipólito, através das seus escritos patrióticos no jornal "CorreioBraziliense", editado em Londres, logo no início do século XIX, marcaram, na História,sua presença pelas admiráveis teses e campanhas que levantou dentro do melhorespírito pátrio, destacando-se a grandiosa concepção da transferência da Capital doBrasil para o interior, onde seriam lançados "os fundamentos do mais extenso, ligado,bem defendido, e poderoso império que é possível exista na superfície do globo".

Apontou a situação da Nova Capital, no interior do Brasil, e a definiu, no PlanaltoCentral, com a "descrição do paraíso terreal".

O ideal de Tiradentes e as pregações de Hipólito tiveram em José Bonifácio deAndrada e Silva o primeiro homem executivo a incorporar a idéia e lutar para dar-lhe aforma de decisão nacional.

José Bonifácio de Andrada e Silva, que no Brasil Colônia assumira decididaatitude com relação ao propósito de mudança da Capital para o interior, teve, noprimeiro momento do Brasil império, o significativo papel de apresentar, à AssembléiaConstituinte de 1823, uma Memória sobre "a necessidade e meios de se edificar nointerior do Brasil uma nova Capital para assento da Corte, da Assembléia Legislativa edos Tribunais Superiores". Nessa Memória, Bonifácio sugeriu que a nova Capitalficasse plantada a 15 graus da latitude e que tivesse o nome de Petrópolis de Brasília.Localizou-a em Paracatu, Minas Gerais.

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Ao longo dos setenta e sete anos do Brasil Império, o ideal de interiorização daCapital do Brasil teve em três figuras nacionais os seus paladinos: José Bonifácio,Francisco Adolfo de Varnhagen e Holanda Cavalcanti. Desta trilogia, porém, destaca-seo espírito perseverante de Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, que comas luzes de sua inteligência emprestou à causa da interiorização uma contribuiçãoinestimável e cujos ensinamentos repercutiram, sobremaneira, entre os seuscontemporâneos, influenciando o pensamento nacional dos primeiros tempos do BrasilRepública.

Concomitantemente, destaca-se o Sonho Profético de Dom Bosco. Este santohomem, devotado aos sublimes mistérios dos ensinamentos cristãos, teve, no ano de1883, em Turim, na Itália, uma visão, extraordinariamente profética, na qual, em sonho,viu e apontou o surgimento de uma "nova civilização" entre os paralelos 15 e 20, numaenseada bastante extensa, que partia de um ponto onde se formava um lago.

Interliga-se, hoje, o Sonho-Visão de Dom Bosco, em 1883, ao pensamento de trêsbrasileiros que haviam preconizado a transferência da Capital do Brasil para o interiorcentral, mais ou menos em 15 graus.

Hipólito José da Costa, de 1813 a 1822, sustentou, no seu "Correio Braziliense", asugestão de transferência da Capital para o interior central (15 a 20 graus), de "ondeseriam lançados os fundamentos do mais extenso, ligado, bem defendido e poderosoimpério, que é possível exista na superfície do globo". A região que propunha, Hipólitochamou-a de "paraíso terreal".

José Bonifácio, em 1823, propunha a criação de "uma cidade central no interior doBrasil", localizando-a "em 15 graus de latitude" ... "para assento da Regência".

Francisco Adolfo Vernhagem, no seu "Memorial Orgânico", e na "História Geral doBrasil" (1849 e 1857 ), defendeu a construção da nova Capital do Brasil, no PlanaltoCentral, no paralelo 15, ou seja, "no triângulo formado pelas três lagoas, Formosa, Feiae Mestre d'Armas, donde se interligam os três grandes vales do Amazonas, do Prata edo São Francisco".

Revelado somente no século atual, o Sonho-Visão de Dom Bosco ratifica o queHipólito, Bonifácio e Vernhagen - seus contemporâneos do Século XIX - haviamimaginado como local para sede da nova Capital do Brasil.

Com a Proclamação da República, em 1889, o ideal de interiorização da Capitaltransformou-se num imperativo constitucional, consubstanciando tudo quanto durante operíodo colonial e ao longo do Brasil Império representara apenas sonho nativista,conjecturas e propostas.

O primeiro ato do Governo, chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca,considerando a cidade do Rio de janeiro "provisoriamente sede do Poder Federal", foi,sem dúvida, a primeira manifestação do espírito republicano em prol da criação de umanova Capital. E, dentro deste espírito, nortearam-se os juristas redatores do Anteprojetode Constituição e, por fim, os constituintes republicanos de 1890/1891, queconsagraram, no texto constitucional, o princípio da mudança e interiorização da Capital.

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Ao propor à Constituinte o Projeto de Constituição, o Governo Deodoro deu àquelaAssembléia a competência de decidir sobre a mudança da Capital, mas não deixou de,no mesmo Projeto, estabelecer sugestões de medidas, caso viesse a ocorrer taldecisão de mudar a sede do Poder Central.

Fixando a "mudança da Capital" para o "Planalto Central da República" ereservando nele "uma zona de 14.400 km2", que oportunamente seria demarcada, osconstituintes da República fundiram em letra constitucional o imperativo da mudança einteriorização da Capital Brasileira. O fato, ocorrido em 1891, marcava, por igual, apassagem de um século da primeira manifestação favorável à mudança e interiorizaçãoda sede da União, que teve em Tiradentes o seu primeiro idealizador.

Os brasileiros do final do século passado deixaram, em herança, aos patrícios doséculo XX um dos fatos mais marcantes da História de Brasília e do Brasil, aoassinalarem no mapa nacional o lugar onde deveria ser plantada a nova Capital.

Com base na decisão dos primeiros constituintes da República, que consagraramo princípio mudancista no artigo terceiro de nossa primeira Carta Magna, a clarividênciade um Deputado piauiense, Nogueira Paranaguá, proporcionou, através de um projetode lei, os meios ao Poder Executivo para dar cumprimento ao preceito da LeiFundamental.

Paranaguá propôs e viu aprovada a idéia da formação de uma comissão paraexplorar e demarcar, no Planalto Central, uma superfície de 14.400 quilômetrosquadrados, conforme dispunha a Constituição, para nela estabelecer-se a futura CapitalFederal.

O Marechal Floriano Vieira Peixoto - Vice-Presidente, que havia assumido aPresidência do Governo da República, em 23 de novembro de 1891, pela renúncia doPresidente Marechal Deodoro - logo na sua primeira mensagem ao Congresso, reputa"de necessidade inadiável a mudança da Capital", ao mesmo tempo que anuncia, emrespeito ao comando constitucional e à decisão legislativa ideada por Paranaguá, aformação de comissão de alto nível para proceder, no Planalto Central, à demarcaçãoda área e fazer sobre a zona os indispensáveis estudos.

Nasceu, então, de imediato a este anúncio do Presidente Floriano Peixoto, anomeação da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, criada, por suadeterminação, pela Portaria 119-A, de 17 de maio de 1892, sob a chefia do astrônomoLuiz Cruls, cientista de grande reputação no Brasil e no exterior.

Chefiando a Comissão Exploradora, Cruls pesquisou, ao longo de vinte e seismeses, a melhor área do Planalto Central e demarcou nela um quadrilátero para servirde território ao "novo Distrito Federal".

Nasceu daí, em 1893, o primeiro mapa do Brasil em que figurava o novo DistritoFederal.

Satisfeito com os resultados da primeira Missão Cruls, Floriano confia a Luiz Crulsuma segunda missão, qual seja a de, na qualidade de Chefe da Comissão de Estudosda nova Capital da União, escolher melhores condições para a localização e edificaçãoda cidade-Capital.

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Surge, como resultado, em 1895, o primeiro mapa do novo Distrito Federal.

De ambas as "comissões, chefiadas pelo astrônomo Luiz Cruls, resultaramimportantes estudos e observações sobre a região, que só meio século depois serviude berço a Brasília de hoje".

Durante a fase republicana do Brasil, o período em que o ideal de interiorização daCapital permaneceu mais relegado foi o dos onze anos que medeiam entre aConstituição de 34 e o momento da deposição de Getúlio Vargas, em 1945.

Durante este período nenhum passo é dado pelo Governo no tocante ao ideal delevar a Capital para o interior, embora Getúlio visse no Planalto Central Goiano "omiradouro do Brasil" e reconheceste que se tornava "imperioso localizar no centrogeográfico do País poderosas forças capazes de irradiar e garantir a nossa expansãofutura", lançando, inclusive, a "Marcha para o Oeste", a que já aludimos, sem,entretanto, vincular a tal pensamento a idéia de interiorizar a Capital.

Promulgada a Constituição de 1946, sessenta dias após, o Presidente EuricoGaspar Dutra, em cumprimento ao disposto no parágrafo primeiro do artigo 49 do "Atodas Disposições Constitucionais Transitórias", nomeia uma Comissão de Técnicos dereconhecido valor para, sob a presidência do General Djalma Polli Coelho, então Diretordo Serviço Geográfico do Exército, efetuar estudos sobre a localização da nova Capital.Após quase dois anos de estudos, pesquisas e debates, a Comissão conclui pelasolução preconizada por Luiz Cruls no final do século XIX e favorável ao 1oc.a ldemarcado no Planalto Goiano, que ficou conhecido como "Quadrilátero Cruls".

Uma semana após ter recebido as conclusões da Comissão de Estudos para aLocalização da Nova Capital do Brasil, o Presidente Eurico Gaspar Dutra enviamensagem ao Poder Legislativo encaminhando aqueles estudos à apreciação dosCongressistas. A mensagem de Dutra é assinada na cidade de Corumbá, Estado deMato Grosso, onde se encontrava no dia 21 de agosto de 1948. Dutra justifica edefende o imperativo da mudança da Capital como "relevante imposição da Lei Magna"e também como "exigência dos superiores interesses da Nação brasileira".

Depois de cinco anos de debates, no Congresso, em torno da Mensagem deDutra, propondo as conclusões da Missão Polli Coelho sobre a localização da CapitalFederal no Planalto, é o Presidente da República autorizado, no início de 1953, arealizar "estudos definitivos" para a "escolha do sítio para a nova, Capital".

A lei, que autorizou tais estudos, fixou o prazo de três anos para a sua conclusão.Essa lei, sancionada já no Governo Vargas, em janeiro de 1953, recebeu o número de1.803.

Adveio daí a necessidade de criação de nova Comissão para tratar do mesmoassunto já, anteriormente, exaustivamente estudado pela Comissão Gruis, sessentaanos antes, e pela Comissão Polli Coelho, no final da década de quarenta.

A Comissão de Localização da Capital, criada no Governo Vargas, teveinicialmente como dirigente o General Aguinaldo Caiado de Castro, e, depois, já noGoverno Café Filho, o Marechal José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

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No curto espaço de dois anos, agilizando técnicas as mais modernas paraposicionar "o sítio" mais conveniente à instalação da Nova Capital, a Comissão deLocalização chega, cientificamente, a conclusões idênticas ás propostas por Cruls ePolli Coelho, apontando, inclusive, o exato local onde deveria erguer-se a novacidade-Capital e a área geográfica em derredor que lhe serviria de território.

Em sua primeira mensagem ao Congresso Nacional, o Presidente JuscelinoKubitschek se refere à "necessidade da Constituição da Nova Capital do Brasil noPlanalto". Um mês depois, em abril de 1956, Juscelino assina, em Anápolis, Goiás,Mensagem ao Congresso submetendo á apreciação das duas Casas a delimitação daárea para o novo Distrito Federal, ao mesmo tempo que instituía a CompanhiaUrbanizadora da Nova Capital - NOVACAP.

Meses mais tarde, em setembro de 1956, o Congresso transformava em Lei o"desejo de gerações e gerações de brasileiros".

Afinal, o ideal de Tiradentes, a antevisão de Hipólito da Costa e José Bonifácio, ostemas de estudos de Adolfo Vernhagem e de tantos outros brasileiros eminentes nãomencionados neste trabalho, o sonho profético de Dom Bosco, a proposta dosconstituintes republicanos e as aspirações de toda a nacionalidade, se fazia realidadepela força de vontade e espírito público do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira,que inaugurou a Nova Capital no dia 21 de abril de 1960, depois de uma epopéia detrabalho ininterrupto em que, sob a sua liderança, técnicos, candangos e máquinas, aolongo de uma faixa de cerca de mil dias, concretizaram um sonho de tantas geraçõesde brasileiros, ao implantar no interior central do País a nova Capital do Brasil.

A firme determinação do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira emtransmudar para o Planalto Central a Capital do Brasil significou, antes de tudo, acerteza de que essa transferência importaria na precipitação do processo dedesbravamento do imenso Brasil desconhecido, que ainda é o Centro-Oeste e aAmazônia.

A construção da Nova Capital, a abertura de novas estradas e outras medidasparalelas, adotadas no Governo do Presidente Juscelino, no período de 1957 a 1960,despertaram a iniciativa privada e descortinaram novos horizontes para odesenvolvimento dessas vastas regiões.

O aproveitamento da região Centro-Oeste passou a ocupar uma posição básicanos planos do Governo Federal, como veremos no próximo segmento.

Fazemos, porém, antes de concluirmos este item, breve registro do crescimentoda população na região Centro-Oeste no pendo de 1940 a 1980, como também dareceita orçamentária, nos exercícios de 1950 a 1959.

Conforme dados estatísticos do IBGE ( Anuário Estatístico do Brasil - 1977), apopulação de Goiás e Mato Grosso era a seguinte:

POPULAÇÃO

CENTRO-OESTE 1940 1950 1960

- Goiás 828.414 1.214.921 1.913.289

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- Mato Grosso 432.285 522.044 889.539

- Distrito Federal - - 140.184

TOTAL 1.258.879 1.738.985 2.942.992

A população da região Centro-Oeste, em 1960, representava 4,20% da populaçãodo Brasil, que era de 70.070.457 ( Anuário Estatístico do Brasil - 1977 ). A densidadedemográfica ( hab./km2 ) era de 1,57.

Nos exercícios de 1950 a 1959, Goiás e Mato Grosso arrecadaram (receitaorçamentária) a importância total de NCr$ 8.186.247,00, sendo que NCr$ 5.739.550,00de Goiás e NCr$ 2.446.697,00 de Mato Grosso.

A contribuição da região Centro-Oeste, para a receita orçamentária da União,totalizou a importância de NCr$ 2.386.105,00, ou seja, 0,37% do total arrecadado peloBrasil no mesmo período - 1950/ 1959 -, na importância de NCr$ 647. 722. 524,00.

A região em que a União menos arrecadou nesse decênio foi a do Centro-0este,conforme se demonstra no quadro ao final deste item.

Os percentuais de crescimento, ano a ano, da receita orçamentária arrecadadapela União nos Estados do Brasil, por Região, foram os seguintes:

Regiões 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959

Norte 35,04 23,22 19,04 14,85 35,08 39,37 41,95 24,77 33,14

Nordeste 34,88 12,67 11,59 19,99 23,96 25,84 17,84 19,35 26,01

Sudeste 43,74 10,30 21,66 26,05 17,40 33,60 14,62 41,19 33,23

Centro-Oeste 31,15 31,16 33,60 3,19 28,93 31,63 12,23 25,94 64,63

Sul 30,39 29,71 20,00 28,83 32,30 34,99 19,74 22,46 27,08

Analisando o quadro acima, verifica-se que a Região Centro-Oeste, no exercíciode 1959, foi a que, proporcionalmente, apresentou o maior índice de crescimento dareceita arrecadada pela União - 64,83%, mas, na realidade, como vimos, foi a quemenos contribuiu no decênio.

Ao concluir este item, podemos afirmar, com convicção, que, a partir de 1960,tanto as autoridades governamentais, como as classes políticas e empresariais do Paísestão mais conscientizadas da necessidade de ocupar e explorar economicamente osgrandes espaços vazios existentes no Centro-Oeste e na Amazônia. Mas não se podedeixar de ressaltar o sentimento de perigo, ainda latente, para o Brasil, da idéiaapresentada pelo representante do Governo japonês à Sociedade das Nações, em1937, sobre a qual já nos referimos anteriormente, "de que as nações que dispusessemde áreas inexploradas e não se utilizassem das matérias-primas nelas contidasdeveriam ser compelidas a permitir seu racional aproveitamento por nações capazes deexplorá-las para o bem comum dos povos do mundo". O tema sob outros disfarces, éverdade, tem voltado ao terreno das discussões. A idéia da Hiléia Amazônica, porexemplo, que o UNESCO propôs e esteve na ordem do dia, na imprensa e nosconcertos internacionais, foi, em nossa opinião, uma revivescência daquela perigosa

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concepção doutrinária, não obstante suas características culturais e aparente afinidade,sob outros aspectos, com os melhores desígnios e interesses nacionais.

No Brasil da atualidade, a hipótese da ocupação territorial por forças externas estáafastada, mas o perigo pode se apresentar sob a forma da ocupação por exploraçãoeconômica e contra ela é que devemos nos precaver, sem entretanto, impedir a entradado capital estrangeiro. Entendemos que essa participação financeira, resguardados osaltos interesses da Nação, é necessária e deve ser bem recebida pelo Brasil paracolaborar no aproveitamento das grandes possibilidades que oferecem as áreasinexploradas do Planalto Central e da fabulosa Amazônia.

CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

ADERSON DUTRA(*)

Como se sabe, dois são os sistemas de controle da atividade administrativa doEstado: o do contencioso administrativo e o da jurisdição única. A existência de umaterceira opção, a chamada jurisdição mista, fundada na articulação das instânciasadministrativa e judiciária, é contestada por Seabra Fagundes, ao afirmar que, "hoje emdia, nenhum país aplica um sistema de controle puro, seja através do Poder judiciário,seja através de tribunais administrativos. O que se dá em todas as organizaçõespolíticas mais conhecidas, prossegue o ilustre publicista, "é a adoção dum tipo misto,com a prevalência ora de um, ora de outro desses órgãos" (1).

É o que também assevera Hely Lopes Meirelles, para quem "o que caracteriza osistema é a predominância da jurisdição comum ou da especial, e não a exclusividadede qualquer delas, para o deslinde contencioso das questões afetas à Administração"(1).

(*)- Professor Catedrático de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UF do Amazonas. Ex-Reitor.Procurador Geral da justiça do Amazonas.

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O contencioso administrativo francês é o paradigma do primeiro sistema, enquantoque o modelo judiciarista anglo-americano caracteriza o segundo sistema.

Nenhum deles, porém, é aplicado em sua pureza, pois o Conselho de Estado nãoconhece de demandas que envolvam litígios decorrentes de atividades públicas comcaráter privado, bem como daqueles que compreendam questões de estado ecapacidade das pessoas e de repressão penal, e, finalmente, das pendências que serefiram à propriedade privada. Isto resulta da distinção feita pelo Conselho de Estado, apartir de 1934, entre serviços públicos industriais e os demais serviços públicos,inerentes ao Estado como poder público (3) .

Na Inglaterra, berço do judiciarismo, as coisas não se passam de modo diverso,pois que também lá proliferam os tribunais administrativos com funções quase-judiciais,postos de permeio entre a Administração ativa e o Poder judiciário, atuando como filtroda matéria técnica que os litígios geralmente encerram, razão por que os estudos alirealizados com vistas à reforma do sistema de controle jurisdicional, não têmdescartado a participação desses tribunais administrativos. Importa assinalar que, naInglaterra, a despeito da forte e vigorosa tradição judiciarista, expressiva corrente,liderada pelo Prof. William Robson, tem sustentado a definitividade das decisões dostribunais administrativos, solução sem dúvida calcada no modelo francês.

Outra não é a realidade nos Estados Unidos da América, país de tradiçãojudiciarista, mas onde também vicejam as chamadas Comissões Reguladoras, comfunções normativas, fiscalizadoras e judicantes, cujas decisões, em princípio, podemser revistas pelos Tribunais Federais. Tais Comissões, exercendo atividade quasejudicial, caracterizam como de caráter misto o sistema de controle jurisdicional daAdministração. Importa referir, a este respeito, a singular posição da Court of Claims,tribunal administrativo de grande prestígio nos Estados Unidos, cuja função,inicialmente de caráter consultivo, opinativo, nos casos de reclamações pecuniáriasapresentadas ao governo, assumiram mais tarde feição jurisdicional.

É que, como assinala Fézas Vital, "às suas decisões faltavam as característicasdas verdadeiras sentenças: eram meros pareceres, meras conculcas, simples projetosque, para se tornarem executórios, necessitavam de ser confirmados pelo Congresso,titular único do poder de decisão". A partir de 1866, porém, a lei atribuiu à Court ofClaims jurisdição própria, o que levou a Suprema Corte, "que a princípio se haviarecusado a admitir os recursos interpostos das suas decisões, com o fundamento denão serem definitivas, a receber as apelações interpostas contra elas, integrando-a nahierarquia judiciária" (4).

O fato suscitou a seguinte observação do Ministro Castro Nunes:

"Como nós, também os Estados Unidos, continuando a tradição inglesa,não reconheciam a administração judicante. Mas estão se rendendo àsnecessidades práticas de um mecanismo mais flexível às peculiaridades dosproblemas econ8micos, sociais, fiscais, etc., que demandam especialização deconhecimentos alheios à educação estritamente jurídica do magistrado"(5).

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É a consagração da chamada jurisdição mista, fruto da articulação das instânciasadministrativa e judicial, que tão bons resultados tem produzido nos países que a têmadotado.

Vemos, pois, que países de tradição judiciarista, como a Inglaterra e os EstadosUnidos da América, vêm abrindo ensanchas à atuação dos tribunais administrativos,cuja idoneidade técnica em muito contribui para o acerto das decisões dos órgãos doPoder Judiciário.

II

O Brasil, em estágios diferentes de sua História Política, se filiou às duascorrentes em choque. Assim é que, sob o Império, ao influxo da concepção francesa doprincípio da divisão dos poderes, criou o seu contencioso administrativo, exercidobasicamente por dois órgãos: o Tribunal do Tesouro e o Conselho de Estado,"decidindo aquele contenciosamente sobre os negócios que interessavam ao Fisco ou àFazenda Nacional e elaborando estes pareceres ou consultas sobre que o Imperadordecidiria definitivamente"(6).

Pedro Lessa, declarado opositor do contencioso administrativo, admitiu a suaexistência sob o Império, assim se manifestando:

"Sob o regime imperial havia um certo número de questões, em que erainteressada a Fazenda Pública, para cujo processo e julgamento se outorgavacompetência à própria administração. Tínhamos o contencioso administrativo,mais ou menos organizado de acordo com os princípios respectivos do direitofrancês"(7).

A verdade, porém, relativamente à atuação e competência do Conselho deEstado, a verdade é que não chegou a exercer atividade propriamente jurisdicional,tendo sido, ao revés, de caráter opinativo as funções que lhe couberam no concertoadministrativo do passado regime.

Ao nosso Conselho de Estado, com efeito, ao longo de sua vicissitudináriaexistência, não parece haver sido deferido o poder de, conclusivamente, conhecer docontencioso administrativo.

Que o nosso Conselho de Estado não chegou a exercer função propriamentejurisdicional, no-lo dizem publicistas do maior destaque, a começar pelo clássicoUruguay, o qual, após longas considerações sobre a matéria, arremata:

"Do que tenho exposto se verifica que, segundo a organização e a naturezaque a nossa lei do Conselho de Estado deu a essa corporação, é ela meramenteconsultiva e não tem jurisdição própria" (9).

Não é outra a opinião de Viveiros de Castro, que aborda o assunto em váriospassos de seu conhecido Tratado, assim concluindo:

"O Conselho de Estado, cujos pareceres são monumentos de erudição ealto senso jurídico, era principalmente o auxiliar, o conselheiro do Governo e ocoadjuvador de suas tarefas, na frase de Pimenta Bueno. Não era um tribunaladministrativo propriamente dito, porquanto, mesmo nos processos contenciosos,

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não proferia decisões e sim proferia pareceres sujeitos à Imperial Resolução"(10).

...................................................................................................................................

...................................................................................................................................

"Nós nunca tivemos um contencioso administrativo devidamenteorganizado" (11).

Bilac Pinto, em notável estudo sobre a moderna tendência à outorga de funçõesjurisdicionais a tribunais administrativos, também conclui pela inexistência de jurisdiçãoadministrativa à época imperial, assim se externando:

"O Império, porém, não teve efetivamente o seu tribunal para o contenciosoadministrativo, uma vez que o Conselho de Estado, ao qual se atribuíramalgumas funções jurisdicionais, não chegou a exercer, realmente, atribuições decaráter contencioso"(12).

Prosseguindo em sua análise, Bilac Pinto, em tópico assaz esclarecedor, logo aseguir atribui o fato à circunstância de, ao tempo, não havermos criado os órgãos outribunais a que ficasse afeto o julgamento do contencioso administrativo, dissoresultando não apenas "uma deformação do esquema francês que necessariamentepressupõe tais organismos", senão também deixou ao desamparo os direitos dosadministrados em face da Administração".

Do mesmo sentir é Themístocles Cavalcanti, que empreendeu cuidadosa pesquisasobre a gênese e evolução do nosso Conselho de Estado, através da qual nos leva aconhecer as vicissitudes por que passou o referido órgão, atacado por opugnadorestenazes, que não permitiram germinasse no Brasil a semente que tão excelentes frutosproduziu na velha Gália. Eis como conclui o festejado mestre:

"Sob o ponto de vista administrativo, duvidosa foi a eficiência do Conselhode Estado na Monarquia. O contencioso administrativo, ou melhor, a jurisdiçãoadministrativa, praticamente não tinha existência, faltando-lhe os elementosindispensáveis ao funcionamento normal e obrigatório dos órgãos jurisdicionaisinerentes àquele sistema" (13 ).

É o que também afiança Hermes Lima, em preciosa monografia, onde sustentaque "o contencioso administrativo no Império nunca esteve organizado com clareza -não passou de um simples ensaio, na frase de Amaro Cavalcanti" (14).

O caráter meramente consultivo dos tribunais administrativos, aliás, parececonstituir a etapa inicial de sua natural evolução, pois que tal aconteceu com oConselho de Estado, em França, quando ao Chefe do Estado cabia a função judicante -justice reteres - restando ao primeiro funções de aconselhamento e de consulta

A esse como determinismo não escapou a Court of CLaims dos norte-americanos,a qual, quando instituía em 1855, não detinha função jurisdicional, poder que só lhe foideferido em 1866, cingindo-se a sua tarefa, inicialmente, ao mister de receber, estudar

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e encaminhar ao Congresso as peças e provas oferecidas pelos que pleiteassemindenização de fundo contratual. (15)

Mas, se é certo, como asseguram os autores citados, que não tivemos jurisdiçãoadministrativa modelada em caráter orgânico, força é admitir, todavia, que, sob oImpério, restrições foram impostas à competência da justiça Comum, ainda que semcunho de sistema.

Uma dessas restrições, relacionada com a responsabilidade civil do Estado, foiditada pelas sucessivas condenações impostas ao Tesouro, o que levou a AssembléiaGeral a condicionar a execução dessas sentenças ao plact legislativo, providênciaemergente do art. 31, da Lei de 24 de outubro de 1832.

Onde, porém, a função jurisdicional da Administração aparece com maior nitidez,é no Decreto n° 2.343, de 29 de janeiro de 1859, o qual, na expressão de PortoCarreiro, "desenvolveu e alargou o contencioso administrativo da Fazenda", ao pontode declarar, no art. 25, "que as decisões dos chefes das repartições de Fazenda, doTribunal do Tesouro e do Ministro da Fazenda, nas matérias de sua competência, denatureza contenciosa, teriam autoridades e a força de sentença dos Tribunais dejustiça". (11)

Como quer que fosse, força é reconhecer que, sob o Império, a despeito dasimperfeições geralmente apontadas, funcionou entre nós a jurisdição administrativa,não exercida pelo Conselho de Estado, mas por entidades menores, particularidade aque se refere o Prof. J. Guilherme de Aragão, no seguinte passo:

"Em outras palavras, o Tribunal do Tesouro e as Tesourarias provinciaistinham competência para decidir definitivamente, ao passo que nunca ficouesclarecido se o Conselho de Estado teria simplesmente atribuições consultivasou se estas seriam jurisdicionais. O Tribunal do Tesouro e as Tesourariasresolviam, além disso, verdadeiros litígios entre a administração e particulares".

Apesar de tudo, o Conselho de Estado brasileiro nos legou apreciável material deconsulta, fruto de suas pesquisas no campo do Direito Público, particularmente doDireito Administrativo, verdade posta em relevo de Viveiros de Castro, que qualificou osseus pareceres de "monumentos e erudição e alto senso jurídico".

É o que também reconhece Themístocles Cavalcanti, o qual, após admitir omalogro do Conselho de Estado no campo jurisdicional, para logo adverte daimportância do trabalho desenvolvido no plano dos grandes temas administrativos. Sãosuas estas palavras:

"O mesmo, entretanto, não ocorreu nos demais setores, especialmente noexercício da função normativa e regulamentar, bem como no estudo dos nossosgrandes problemas administrativos. Aí foi o seu trabalho da maior importância, enele se encontra a base do nosso direito administrativo. Sem o Conselho deEstado muito pouco nos teria legado o Império". (18)

Tal contribuição, oferecida por um tribunal que as circunstâncias não permitiramgalgasse a posição que lhe competia no mecanismo político-jurídico do Império, tallegado, repetimos, diz bem do quanto poderia e pode fazer, em prol do

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desenvolvimento do Direito Administrativo, o labor jurisprudencial de um órgão dotadode poderes pretorianos.

III

A República trouxe consigo o atestado de óbito do incipiente contenciosoadministrativo brasileiro, sabido que a Constituição de 1891, em seus arts. 59/80,assegurou ao Poder judiciário o monopólio da atividade jurisdicional, fato proclamadopor Rui Barbosa.

Durante o período da Primeira República, não se cogitou do restabelecimento docontencioso administrativo formal, centrando-se as atenções em medidas queconcorressem para descongestionar o Supremo Tribunal Federal, cuja crise mais emais se acentuava.

Nesse sentido o Congresso Nacional, pelo Decreto n° 4.381, de 5 de dezembro de1921, autorizou o Executivo a instalar três Tribunais Regionais, um no Distrito Federal,outro em São Paulo, e um terceiro em Pernambuco, com alçada para o julgamento dosrecursos de valor até Cr$ 50.000,00, com o que se aliviaria de muito a tarefa daSuprema Corte.

Um fato singular, porém, relatado por Castro Nunes, frustrou a execução damedida. É que, quando ainda em elaboração o Decreto Legislativo, o SupremoTribunal, contra os votos de apenas dois Ministros, aprovou emenda ao seu Regimento,declarando, clara e peremptoriamente, ser ele o único órgão competente paraconhecer, em segunda e última instância, das questões solucionadas pelos juízes etribunais, federais. (19 )

Com a reforma de 1926 a questão voltou a ser agitada, "até que o Congresso, emfunção constituinte, autorizou a criação de tribunais intermediários mediante o critériode alçada a ser estabelecido". (20)

Dessa faculdade, entretanto, não se serviu, ou melhor, a esse imperativo nãoatendeu o Congresso Nacional, até que sobreveio a Revolução de 1930, prejudicandoqualquer providência nesse sentido.

IV

Ocorrência digna de nota, no limiar da nova ordem, foi a criação do TribunalMarítimo Administrativo, hoje Tribunal Marítimo, de cujas decisões estava previstorecurso direto para o Supremo Tribunal, inovação que não logrou prosperar, uma vezque a Suprema Corte acolhendo parecer do Procurador-Geral da República, concluiupela sua inconstitucionalidade. (21)

Mais expressivo, ou melhor, mais arrojado exemplo nos deu a Câmara deReajustamento Econômico, extinta pela Lei n° 2.825, de 17 de julho de 1956, cujasdecisões a lei declarou imunes à revisão judicial, pretensão também fulminada peloSupremo Tribunal. (22)

Outra tentativa, também mal-sucedida, veio com a criação da Comissão Executivado Instituto do Açúcar e do Álcool, a respeito da qual assim se manifestou o Prof. SáFilho:

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"No caso da Comissão Executiva do Instituto do Açúcar e do Álcool, a leiquis emprestar virtudes jurisdicionais às suas decisões, chegando a declarar, deforma contraditória, que elas teriam a autoridade de coisa julgada, se não fossemmodificadas pelo Judiciário."

"Pedro Batista Martins e Hahneman Guimarães recusaram-lhe aquelasvirtudes, em face do monopólio constitucional de jurisdição mas em brilhanteestudo, Bilac Pinto demonstra a tendência para a jurisdicionalização de certosórgãos administrativos". (23)

Reagiu o Supremo Tribunal, por igual, à vigência do art. 94, in fine, do Decreto-leinº 25, de 30 de novembro de 1937, que declarava não caber recurso das decisões .doConselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, concluindoa Suprema Corte, ao julgar o caso do Arco do Telles, pela inconstitucionalidade docitado preceito. (24)

Temos aí quatro significativos exemplos das tentativas orientadas no sentido depermitir, ora a articulação direta das instâncias administrativa e judiciária (caso doTribunal Marítimo), ora a conclusividade das decisões de colegiados administrativos(Câmara de Reajustamento Econômico/Conselho Consultivo do Serviço do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional).

A Constituição de 1934, buscando institucionalizar o sistema de jurisdição mista,criou um tribunal inominado para controlar, no plano jurisdicional, a atividadeadministrativa do Estado, assim dispondo em seu art. 79:

Art. 79. É criado um tribunal, cuja denominação e organização a lei estabelecerácomposto de juízes nomeados pelo Presidente da República, na forma e com osrequisitos no art. 74.

Parágrafo único - Competirá a esse tribunal, nos termos que a lei estabelecer,julgar privativa e definitivamente, salvo recurso voluntário para a Corte Suprema nasespécies que envolverem matéria constitucional:

1°) os recursos de atos e decisões definitivas do Poder Executivo, e dassentenças dos juízes' federais nos litígios em que a União for parte, com tanto que unse outros digam respeito ao funcionamento de serviços públicos, ou se rejam, no todo ouem parte, pelo direito administrativo.

2°) os litígios entre a União e os seus credores, derivados de contratos públicos.

O traço característico da nova corporação jurídica na admissibilidade, a todos osrespeitos louvável, de articulação direta entre as instâncias administrativa e judiciária,ou seja a chamada jurisdição mista, de há muito preconizada por Castro Nunes. (25)

Infelizmente, porém, o tribunal não chegou a ser instalado, perdendo-se, com oadvento da Constituição de 1937, não só a conquista de ordem constitucional, senãotambém o esforço envidado por Levi Carneiro, que, em 1936, apresentou projeto de leiorgânica do novo tribunal.

VI

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A Constituição de 1946, ao criar o Tribunal Federal de Recursos, como órgão desegunda instância para as causas da União, deu solução ao problema docongestionamento do Supremo Tribunal Federal. Ao TFR, todavia, não conferiu aConstituição o poder revisional direto das decisões definitivas dos tribunaisadministrativos, como o fizera a Carta de 1934.

O monopólio jurisdicional a cargo do Poder judiciário, na Carta de 1946, foiexplicitado pela disposição do art. 141, § 4°, segundo o qual - "A lei não poderá excluirda apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual".

A Constituição de 1967, em matéria de controle jurisdicional da atividadeadministrativa do Estado, nada inovou, mas a Emenda n° 1/69, adotou uma série deinovações de monta, ao introduzir os seguintes artigos no texto básico:

Art. 110. Os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidorescom a União, inclusive as autarquias e as empresas públicas federais, qualquerque seja o seu regime jurídico, processar-se-ão e julgar-se-ão perante os juízesfederais, devendo ser interposto recurso, se couber para o Tribunal Federal deRecursos.

Art. 111. A lei poderá criar contencioso administrativo e atribuir-lhecompetência para o julgamento das causas mencionadas no artigo anterior.

Pela primeira vez, observa Cretella Júnior, em nosso regime republicano, aparece,num texto constitucional a expressão contencioso administrativo.

Falando pela Comissão Especial designada pelo Prof. Alfredo Buzaid, entãoMinistro da justiça, para estudar a viabilidade da criação do contencioso administrativoentre nós, Cretella Júnior alinha, dentre outras, as seguintes conclusões:

1ª ) a expressão contencioso administrativo, usada pelo legislador de 1969,não foi empregada em seu sentido técnico, de acordo com o que preceituam adoutrina e a prática administrativa;

...................................................................................................................................

4ª ) Em nenhum país do mundo, o contencioso administrativo podesubordinar-se ao Poder judiciário, porque, se o fosse, estaria negada a própriarazão de ser do instituto, fundamentado na independência da justiçaAdministrativa, relativamente ao judiciário;

...................................................................................................................................

10ª ) O instituto previsto no artigo 111 da emenda, denominadoimpropriamente de contencioso administrativo, nada mais seria do que umajustiça Administrativa Trabalhista, subordinada ao Poder judiciário, a quemcaberia resolver os litígios decorrentes da relação de emprego, na órbita federal,sendo partes da relação processual, de um lado, a União, ou autarquia federal,ou empresa pública federal, de outro lado o servidor vinculado a uma dessasentidades.

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Hely Meirelles, dissentindo de Pontes de Miranda e Manoel Gonçalves FerreiraFilho, entende que -

"Se vier a ser criado e instalado o contencioso administrativo, nos moldesdo art. 111, da Constituição da República, suas decisões finais terão força decoisa julgada e serão irrevisíveis pelo Poder judiciário, por provirem de um órgãoconstitucionalmente nivelado aos da justiça comum, para as causas de suajurisdição e competência". (28)

Os que se opõem a essa tese, argumentam com o principio do art. 153, § 4°, daConstituição, segundo o qual "a lei não poderá excluir da apreciação do Poder judiciárioqualquer lesão de direito individual".

Arruda Alvim, acorde com a tese de Hely Meirelles, sustenta que o art. 153, § 4º,da Constituição, se refere à lei ordinária, e não ao próprio texto constitucional,aceitando, em conseqüência, a definitividade das decisões do tribunal previsto no art.111, da Constituição. (29)

Sucede que o art. 205, da Constituição, introduzido pela Emenda nº 7/77, declaraque -

"A lei poderá permitir que a parte vencida na instância administrativa(artigos 111. e 203.) requeira diretamente ao Tribunal competente a revisão dadecisão nela proferida".

A expressa referência ao art. 111. deixa claro que as decisões do tribunal neleprevisto, poderão ser revistas pela justiça comum, desde que a lei ordinária o permita.

Não conseguimos atinar com a necessidade da criação de um tribunal para,conclusivamente, julgar a matéria referida no art. 111, da Constituição, sabido que aUnião dispõe de justiça própria, de primeiro e segundo graus, para o julgamento dasquestões de seu interesse, razão por que, decorridos dez anos da edição Emenda n°1/69, não se cogitou da instalação do contencioso administrativo.

Merece registro a nova redação do art. 153, § 4°, da Constituição, trazida pelaEmenda n° 7/77, que consagra o princípio da exaustão da instância administrativa,como condição para o ingresso em juízo, como se vê:

§ 4° A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão dedireito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exaurampreviamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nemultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido.

A semente foi lançada em terreno fertilizado pela jurisprudência do SupremoTribunal, que há muito concluiu pela constitucionalidade dos preceitos legais quecondicionavam o ingresso de funcionários públicos em juízo, à prévia exaustão das viasadministrativas, entendimento que contou com a franca adesão de Caio Tácito. (30)

Mais recentemente, em matéria acidentária, a tese voltou a ser sufragada peloPretório Excelso, passando a integrar o elenco de sua jurisprudência predominante(Súmula 552) .

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Avançando no sentido da institucionalização da jurisdição mista, a Emenda n°7/77, fez obra de relevância ao introduzir no texto constitucional o art. 204, assimredigido:

"Poderão ser criados contenciosos administrativos, federais e estaduais,sem poder jurisdicional, para a decisão de questões fiscais e previdenciárias,inclusive relativas a acidentes do trabalho (art. 153, § 4°) ".

Eis o veio precioso a ser explorado pelo legislador ordinário, com vistas à efetivaimplantação da jurisdição mista, cuja grande virtude, reconhecida por Castro Nunes,consiste em "dispensar a propositura de ação, em que se renova a discussão do casonas instâncias judiciárias com perda de tempo e maiores despesas para a parte que,mediante recurso direto, obteria logo a solução definitiva do litígio.(31)

A Emenda n° 7/77 deveria ter sido mais ambiciosa, autorizando a extensão docontencioso administrativo aos casos de competência do Tribunal Marítimo. E por quenão cogitar-se da criação de um contencioso agrário, para, na esfera administrativa, darpronta e correta solução aos conflitos de terras que se multiplicam por este imensopaís? E por que não cogitar-se de um contencioso administrativo para a repressão aoabuso do poder econômico, emprestando maior autoridade às decisões do ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica (CADE), cujo peso, nos dias que correm, nãocorresponde à magnitude e complexidade da tarefa que lhe foi confiada?

Merece referido, finalmente, o preceito do art. 206, da Constituição, tambémintroduzido pela Emenda n° 7/77, assim:

"As questões entre a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios erespectivas autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, ouentre umas e outras, serão decididas pela autoridade administrativa, na forma dalei, ressalvado ao acionista procedimento anulatório dessa decisão".

Trata-se de dispositivo inspirado na jurisprudência do Tribunal Federal deRecursos, o qual, ao julgar litígio entre o Instituto do Açúcar e do Álcool e a UniãoFederal, em 1971, repeliu a demanda, sob o fundamento de que "a personalidadejurídica das autarquias, diante da administração federal, existe, mas apenas em relaçãoa terceiros, nunca, porém, contra a União que é quem tem o poder de tutela". (32)

Estas as idéias que oferecemos à reflexão dos estudiosos, com vistas àdinamização da jurisdição administrativa, emendando-se a Constituição, se necessário,de modo a serem atendidas as reais necessidades da sociedade brasileira, mesmoporque, como pondera Seabra Fagundes,

"No campo das instituições políticas o que vale primordialmente é afuncionalidade, é a eficiência, é a utilidade das fórmulas na sua transplantação àrealidade ambiente, e não a harmonia das regras com modelos teóricos".

...................................................................................................................................

"Uma Constituição é, sobretudo, um instrumento de ação para o bemcomum de determinado povo; não vale pelo apego a fórmulas abstratas e fimpela correspondência entre os seus preceitos e as necessidades do povo a cujo

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governo se destina. É preciso, por isto, ter a coragem de romper com velhoscânones e de inovar segundo as condições do ambiente". (33)

Brasília, 21 de junho de 1979.

BIBLIOGRAFIA

1) M. SEABRA FAGUNDES, O Controle dos Atos Administrativos pelo Poderjudiciário, 4.a edição, 1967, pág. 117.

2) HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, 6.ª Edição, EditoraRevista dos Tribunais, 1978, págs. 29/30.

3 ) JORGE TRISTAN BOSCH, Tribunales Judiciales o Tríbunales Administrativospara Juzgar a Ia Administración Pública, Buenos Aires, 1951, pág. 180 - HELY LOPESMEIRELLES, op. cit., pág. 29/30.

4 ) FÉZAS VITAL, Garantias Jurisdicionais da Legalidade na AdministraçãoPública, Coimbra, 1938, págs. 82/83.

5) CASTRO NUNES, Da Fazenda Pública em juízo, Rio, 1950, pág. 28.

6 ) FÉZAS VITAL, op. cit., pág. 166.

7 ) PEDRO LESSA, Do Poder Judiciário, 1915, pág. 143.

8) THEMISTOCLES CAVALCANTI, O Nosso Conselho de Estado, RDA, Vol. 24/2.

9 ) VISCONDE DO URUGUAY, Ensaio Sobre o Direito Administrativo, 1862, pág.301.

10) VIVEIROS DE CASTRO, Tratado de Ciência da Administração e DireitoAdministrativo, 1914, pág. X.

11) VIVEIROS DE CASTRO, op. cit., pág. 673.

12) BILAC PINTO, Estudos de Direito Bíblico, 1953, págs. 245/246.

13) THEMISTOCLES CAVALCANTI, O Nosso Conselho de Estado, RDA, Vol.24/6.

14) HERMES LIMA, Atividade Administrativa do Estado, 1927, pág. 28.

15) RUY BARBOSA, "O Direito do Amazonas ao Acre Setentrional", 1910, Vol. I,pág. 17 - FÉZAS VITAL, op. cit., pág. 62.

16) CARLOS PORTO CARREIRO, Lições de Direito Administrativo, 1918, pág.269.

17) J. GUILHERME DE ARAGAO, Dualidade e Unidade de Jurisdição no Brasil,Revista do Serviço Público, Vol. 66/127.

18) THEMISTOCLES CAVALCANTI, RDA, Vol. 24/7.

19) CASTRO NUNES, op. cit., pág. 20.

20) CASTRO NUNES, op. cit. pág. 21.

21) CARLOS MEDEIROS SILVA, RDA, Vol. II - Fase. II, págs. 948/952.

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22) TULIO ASCARELLI, RUBENS GOMES DE SOUSA e JOÃO BATISTAPEREIRA DE ALMEIDA FILHO, Lucros Extraordinários e Imposto de Renda, SãoPaulo, 1944, pág. 299, Nota 19.

23) FRANCISCO SÁ FILHO, Relações entre os Poderes do Estado, 1959, pág.261.

24) FRANCISCO SÁ FILHO, Ibidem, pág. 261.

25) CASTRO NUNES, Da Fazenda Pública em juízo, 1950, pág. 25.

26) CASTRO NUNES, Ibidem, pág. 32.

27) CRETELLA JUNIOR, RDA. Vol. 104/47.

28) HELY MEIRELLES, op. cit., pág. 36.

29) ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual, 1979, Vol. I, Parte Geral, pág.83.

30) RDA, Vol. 41, págs. 256/265.

31) CASTRO NUNES, op. cit., pág. 26.

32) CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, edição de 29-6-71.

33) M. SEABRA FAGUNDES, RDA. Vol. 42/12.

AS FUNDAÇÕES DE DIREITO PLOBLICO E OCONTROLE DE SUAS ATIVIDADES

JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARALHO(*)

(*)- Diretor da Faculdade de Direito da UFMG.

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1. INTRODUÇÃO

A participação do Estado na Economia, com a conseqüente ampliação da açãoestatal, objetivada através dos processos de intervenção no domínio econômico, tempropiciado diversos estudos que procuram delinear as diferentes nuanças do papel aser desempenhado pelo Estado, por meio de múltiplas formas de intervenção indireta.Esta atuação e3é,Vla-nos a reflexões sobre as instituições clássicas da Administração,em uma época em que as maneiras de descentralização e das próprias tarefaspertinentes ao Estado passam a ser questionadas.

A intervenção do Estado na ordem econômica leva a indagações em torno dascausas que motivaram o intervencionismo, bem como os limites e as formas desseprocedimento, ao lado dos levantamentos em torno dos regimes jurídicos a que estãosubmetidos, tendo em vista as reservas constitucionais. Examina-se o controle dalegalidade, e às vezes, da legitimidade da ação intervencionista do Estado,precisando-se as formas de fiscalização, realizadas pelos órgãos por ele criados. Emcerto sentido, como modalidades de intervenção podem ser apontadas: as de disciplinae controle e as de intervenção direta do Estado.

O Estado atua diretamente ou através de entes da administração descentralizadaou surge como agente do processo econômico, sendo que em certas oportunidades,por via indireta, usa seu poder normativo, disciplinando e controlando os agenteseconômicos. Intervindo de maneira supletiva. ou corretiva, procura o Estado realizar osobjetivos da justiça social, ao mesmo tempo que alcança o aprimoramento e o equilíbriodo sistema econômico, contribuindo, em certas ocasiões, para o fortalecimento dopoder político, especialmente do executivo e dos organismos administrativos.

O Estado contemporâneo, com tarefas cada vez mais amplas e complexas,acarretou sensíveis modificações na Administração Pública, que determinaram novatécnica de organização dos serviços públicos, que permite retirar do poder centralcertos serviços e institucionalizá-los. Os encargos remetidos ao Estado levaram aimportantes modificações nos mecanismos da Administração, que além da hierarquiacentralizada, passou a perceber a necessidade de constituir entidades que, colocadasao lado da administração geral, ganharam personalidade e patrimônio, com o objetivode atender às conveniências e os interesses públicos.

Além de prestar maior número de serviços públicos, com a transferência dediversas atividades, que até então eram entregues ao setor privado da economia e deexercer com profundidade o poder de polícia, o Estado viu-se obrigado a participar,efetivamente, de múltiplos setores, por via de formas de descentralização as maisvariadas, circunstância que acarretou a procura de novas modalidades de regimesjurídicos para institucionalização de uma variada gama de entidades.

2. FORMAS DESCENTRALIZADAS DA ADMINISTRAÇÃO ESTATAL

A descentralização é um dos capítulos mais ricos da moderna organizaçãoadministrativa. Em conseqüência dessa tendência, a Administração Indireta ouDescentralizada constituída de pessoas jurídico-administrativas criadas pelo Estado,passa a determinar fórmulas para transferência de certas atividades administrativas.

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Mostra Alberto Venâncio Filho que a intervenção do Estado iria acarretar oaparecimento de novas pessoas jurídicas de direito público, para atender adescentralização dos serviços, desde que a organização administrativa clássica nãosuportaria a flexibilidade exigida pelas questões econômicas. (1)

O intervencionismo estatal está bem presente na importância que vem sendo dadaàs Empresas Públicas no Direito Comparado, quando se examina a participação dospoderes públicos nas atividades econômicas.

O Estado contemporâneo, ao lado de suas atividades político-administrativas,exerce outras atividades dirigidas à produção e intercâmbio de bens e serviços. Emmuitos casos, o intervencionismo do Estado, em matéria econômica, realiza-se atravésde planificação, que se opera por meio do setor público fortemente constituído, ondemerece destaque às Empresas Públicas.

O desenvolvimento crescente do papel do Estado, no domínio de atividadestradicionalmente tidas como próprias dos sujeitos privados, bem como a diversificaçãodos procedimentos utilizados para a realização de uma política econômica, contribuiupara novas modalidades de descentralização e desconcentração.

A Empresa Pública é tida como parte integrante do intervencionismo estatal,assentada em um processo econômico que se caracteriza pela coexistência dainiciativa, com um setor do intervencionismo público.

A doutrina francesa, italiana e espanhola dedicam estudos a questões dos fins daempresa pública, ao mesmo tempo que salientam as suas múltiplas tendências:empresas públicas para gerir serviços públicos, com finalidades sociais, redistributivas eeconômicas; empresas que operam para contribuir com o desenvolvimento econômicodo Estado, atuando nos setores produtivos, estratégicos e propulsivos, a fim de evitarestrangulamento no desenvolvimento econômico; empresas que regulam a estrutura domercado econômico, evitando formações monopolíticas ou oligipolíticas ouestabilização do mecanismo dos preços; empresas com finalidades político-sociais;empresas que procuram estabelecer equilíbrio de bens e serviços em diferentes regiõese para conferir a elevação das condições econômicas de áreas em depressão.

A Empresa Pública, em todas as suas; modalidades, visa satisfazer asnecessidades da coletividade, mas nem sempre desenvolveu as mesmas funções, poisatendem a diversos setores da intervenção. Como estão ligados à economia pública,não têm autonomia de que goza a empresa privada, além de ter metas e fins gerais,mais amplos e complexos. A titularidade de uma empresa pelo Estado ou outro entepúblico só é Justificável quando persegue finalidades de interesse geral. Apesar deestar submetida às normas de Direito Privado, está vinculada às exigências conexascom os fins públicos. Os fins do interesse coletivo é que justificam, a nívelconstitucional, o surgimento de Empresas Públicas.

As diferentes finalidades das Empresas Públicas no Ocidente são apontadas emcertos autores como: execução de projetos que pela sua grandeza e risco econômico,ou por razão de segurança, não podem ser assumidas pelo capital privado; gestão demonopólios naturais; luta contra monopólios naturais; luta contra monopóliosestrangeiros; ampliação da produção, quando a empresa privaria não é atraída para

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novas atividades; empresas que surgem em decorrência da planificação. Comoinstrumento de execução da planificação econômica, as Empresas Públicas têm grandeimportância, pois participam na elaboração e execução do plano.

Qualquer que seja a forma jurídica sob a qual apresenta a Empresa Pública, acaracterística comum de todas elas é ser instrumento para o Estado conseguir seusfins. O Estado reconhece às Empresas gestionadas direta ou indiretamente por ele, anecessidade de comportar-se como a empresa privada, no que toca a sua formajurídica ou conduta econômica, não significa que exista identidade de fins entre os doismodelos empresariais. Entende-se aí que o controle e fiscalização não devem anular acapacidade de iniciativa e a liberdade de ação da Empresa Pública. As críticas aomodelo organizativo societário, utilizado pelas empresas privadas, com certo desvio quea sociedade anônima acarreta na Administração Pública, quando o patrimônio públicosurge com o privado, com fins coletivos, levam à defesa de um estatuto organizativo deDireito Público. A utilização do Direito Privado é de forma instrumental e tática, mas asatividades são substancialmente públicas, visam a satisfação dos interesses coletivos.Nesse sentido, a doutrina italiana distingue uma atividade administrativa de DireitoPúblico, uma atividade administrativa de Direito Privado e uma atividade privada daAdministração.

A cooperação Estado-Empresa é tida como uma das condições que pode produziramplos benefícios na elaboração do plano, na estruturação setorial e no processosocial. Este processo de colaboração opõe-se à forma estatal e autoritária dos planoseconômicos dos Estados Comunistas, com a aceitação de planejamentos empresariaisdescentralizados.

A Empresa Pública, seus fatores, fins e funções, sendo esta vista como fontecentral do desenvolvimento do intervencionismo estatal e seus aspectos políticos einstitucionais, constituem aspectos constantes de recentes estudos.

As maneiras de atuação do Estado são responsáveis pelo crescimento demúltiplas fórmulas que visam dinamizar a atuação do mesmo, acarretando o que J.Cretella Júnior denomina de o processo descentralizante do Estado Moderno. (3 )

As denominações de Entidades Paraestatais vêm demonstrar a variedade deinstituições que se encarregam de agilizar o processo de atuação do EstadoContemporâneo. A fixação do contrato e das características dessas entidades, parte doentendimento de que elas são dotadas de pessoa. jurídica de direito privado, cujacriação é autorizada por lei, com patrimônio público ou mistos, para a realização deatividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas de controle do Estado,não se confundem com autarquia, nem se identificam com entidade estatal. Paraestatalquer dizer paralelamente ao Estado, com finalidade de executar atividades de interessedo Estado, mas que não são privativas do Estado. Ao passo que as atividadesefetuadas pelas autarquias são consideradas como atividades públicas típicas, asentidades paraestatais executam atividades atípicas do Poder Público, mas de utilidadejurídica, de interesse da coletividade, incentivados pelo Estado, que permite osurgimento de pessoas jurídicas com personalidade privada, para realizar tarefasapoiadas oficialmente. (4)

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Os exames das sociedades de economia mista, das empresas públicas, dosserviços sociais autônomos, dos estabelecimentos públicos de caráter industrial ecomercial, das Empresas do Estado, Empresas nacionalizadas, autarquias e fundaçõesmerecem exames detalhados, quando se pretende racionalizar as formas e osprocedimentos de atualização do Estado, em uma época em que aumenta a suaatuação na economia, as reações frente às crises internacionais, os contornos dasdeficiências de escassez de capitais, a crise do petróleo, os anseios de industrialização,os motivos de segurança, os planejamentos e a ocupação dos espaços vazios deixadospela iniciativa privada. (5)

3. FUNDAÇÕES. CONCEITO. ESPÉCIES.

O artigo 16, I, do Código Civil Brasileiro enumera entre as pessoas jurídicas dedireito privado as fundações, que são consideradas como um tipo especial de pessoajurídica, que não associam pessoas, mas assentam-se num conjunto de bens, a que seatribui finalidade. Nesse sentido, as fundações não possuem membros, mas órgãos,são "universitates bonorum".

Formados de bens destinados a certo fim, constituem-se em um conjuntopersonalizado de bens, que visa conseguir certo objetivo. Três são os elementos quelhe dão configuração própria: complexo de bens, personalização e finalidade. Suaestrutura jurídica repousa num complexo patrimonial, desde que este elemento constituiexigência legal e conceitual do ente fundacional. Conforme determina o artigo 25 doCódigo Civil, sem patrimônio não existe fundação, pois quando este é insuficiente par aconstituí-Ia, os bens doados serão convertidos em títulos da dívida pública, se de outracoisa não dispuser o instituidor, até que, aumentados os rendimentos ou novasdotações que perfaçam capital bastante.

O patrimônio da fundação é fornecido pelo instituído, que tanto pode ser umparticular como o Estado. Os órgãos da instituição são servistes, suas decisões ficamadstritas aos limites delineados pelo instituidor. Formada por um complexo de bensdestinados a um fim específico, de caráter permanente, é uma universalidade de benspersonalizados, em atenção ao fim, que lhe dá unidade.

Como pessoa jurídica de direito privado, é constituída por dois atos essenciais:um, o de fundação, que pode ser por escritura pública. ou testamento, pelo qual oinstituidor cria a entidade; e o segundo, o de dotação, que fixa o conjunto de benslivres, os fins a que se destina e a forma que serão administrados. A existência surgecom a inscrição de seus atos constitutivos no registro público.

Apesar de sua origem privatística, com o correr do tempo surgiram duas espéciesde fundações:

a) fundações de direito privado, reconhecidas pelo Direito Civil e que têm nessasnormas as suas regras de estruturação;

b) fundações de direito público, aceitas pelo Direito Administrativo.

Ferrara classifica as pessoas jurídicas quanto à estrutura em corporativas efundacionais. No que toca à capacidade classifica as fundações em públicas e privadas.No que se refere à nacionalidade, em nacionais e estrangeiras. (6)

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As fundações de direito privado têm características que lhe são peculiares. OMinistério Público é responsável pela fiscalização institucional, desde que se trata deadministração pública de interesse privado. Nos termos do Código Civil, em seu art. 26,o Ministério Público velará pelas fundações do Estado onde estão situadas. Já oanteprojeto do Código Civil, artigo 64, parágrafo único, transfere para o MinistérioPúblico Federal os encargos de velar pela fundação que estende sua atividade a maisde um Estado.

As atribuições do Ministério Público são bem amplas, incidem sobre todos osmomentos de funcionamento dessas entidades. O Supremo Tribunal Federal, ao definiresta fiscalização institucional afirma que tal procedimento significa exercer todaatividade fiscalizadora de modo efetivo e eficiente, pelo que deve velar pela defesa dafinalidade das fundações e de seus patrimônios, em decisões que considere prejudiciaisàs fundações, fica obrigado a recorrer das mesmas.

No que toca à inalienabilidade do patrimônio fundacional, não se pode esquecerque o complexo patrimonial está vinculado a um fim determinado e preestabelecido porocasião de sua instituição. Este elemento patrimonial, sendo essencial ao conceito defundação, reflete no que toca a questão da inalienabilidade dos bens. Em regra geral opatrimônio fundacional é inalienável, não pode ser desviado de seu destino. Deveatender a concretização de fins preestabelecidos pelos instituidores, não podendo osadministradores alterar os seus fins. Aceita-se, entretanto, a relativa inalienabilidadedos bens fundacionais, pois, desde que sejam vendidas permite-se que os resultadosdevem ser aplicados na aquisição de bens que atendem ao mesmo fim para o qual foiproposta a fundação.

Conclui-se, à primeira vista, que são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis desub-rogação os bens vinculados à finalidade da fundação ou clausulados no mesmosentido, apenas não sofrem estas limitações os bens destinados à realização de meiosadequados aos objetivos da fundação.

Afetados por uma finalidade, a condição jurídica dos bens integrantes dopatrimônio da fundação, não podem ser desviados de seu destino. A inalienabilidade éabsoluta, em regra, apenas em relação aos bens diretamente vinculados aos fins dafundação. Os bens destinados a propiciar meios para a execução de seus objetivos sãoperfeitamente alienáveis.

Outra discussão que surge em torno do assunto é a que se refere à revogabilidadedo negócio jurídico fundacional, instituído por escritura pública ou mediante testamento.

As considerações acima expostas são aplicáveis às fundações privadas; no quetoca às fundações públicas surgem diversas particularidades.

4. TENDÊNCIAS REFERENTES ÀS FUNDAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO

As fundações de direito público passaram a ganhar relevo, ultimamente, àproporção que o Estado ampliou as suas fórmulas de atuação. Muitos juristas resistemao reconhecimento destes entes, pelo que aparecem diversas interpretações sobre anatureza jurídica e o regime legal das mesmas.

Marcelo Caetano conclui que a fundação pública surge quando a lei individualizaum patrimônio a partir de bens de uma pessoa jurídica de direito público e o afete, à

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realização de um fim administrativo e o dote de organização adequada: "O que há deessencial na fundação é a afetação de um patrimônio à realização de um certo fimduradouro, mas essa afetação só toma corpo no mundo jurídico e se torna suscetívelde personalização quando disponha de organização suficiente para administrar opatrimônio e aplicá-lo segundo a intenção dos instituidores. Sé, portanto, a lei autorizaum patrimônio de entre o conjunto dos bens da Administração e o confia a umaorganização própria para que esta realize permanentemente um fim administrativo,poderemos admitir que há uma fundação pública: esse caráter resulta da criação eorganização por lei, da natureza dos bens patrimoniais e do fim a realizar.

Repare-se na diferença que existe entre a fundação pública e a autarquia dotadade autonomia financeira". (7)

José Cretella Júnior mostra que o instituto da fundação é realidade tradicional eestruturada no campo do direito privado, mas assinala que a figura jurídica paralela -fundação pública ou fundação de direito público - não é bem recebida por certosautores, o que para este administrativista é resquício do preconceito privatístico.

Ao afirmar que a fundação pública surge no começo do presente século, comprecedência à noção de autarquia, mostra que os italianos compuseram a doutrina noque toca a estruturação dos dois conceitos. A fundação é considerada como origináriade um conceito da Ciência do Direito, ao passo que a fundação privada e a fundaçãopública decorrem de uma segunda etapa.

Dentro desta metodologia, parte do exame do instituto da fundação, pública ouprivada, para chegar às notas típicas, que levam à categoria fundação, como gênero,que não se confunde com as espécies, modalidades diversificadas, que atendem àsparticularidades inerentes ao Direito Civil e ao Direito Administrativo: "Toda fundação,pública ou privada, é tipificada por três atributos, a fundação, simplesmente, não existe.Assim, genericamente, fundação é (a) patrimônio, (b) personalizado, (c) afetado oudirigido a um fim. Eis a fundação definida como categoria jurídica. Com esta definição, afundação não é ainda pública nem privada: é simplesmente fundação. Com ela podetrabalhar o direito civil e, neste caso, temos a fundação privada ou a fundação de direitoprivado; com ela também pode trabalhar o direito administrativo; é neste caso, fundaçãopública ou fundação de direito público. (8)

A fundação pública, entidade que considera mais nova e discutida, em relação àfundação privada, é estruturada pelo Direito Administrativo, com patrimônio público,personalizado no momento da publicação da lei que lhe dá nascimento e afetação adeterminado fim: "a fundação de direito público pode ser definida como "a pessoajurídica de direito público interno, de índole exclusivamente administrativa, criada peloEstado, constituída de substrato patrimonial, instituído pela entidade de matriz criadorapara que o novo ente persiga os fins específicos que tem em mira, informada porprincípios publicísticos, derrogatórios e exorbitantes do direito comum" (9)

No entender de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, ao classificar as entidadesautônomas a que se atribuem personalidade privada, as fundações surgem ao lado dasempresas públicas, as primeiras surgem pelo reconhecimento específico. Pelo que emrazão do ato instituidor, o Poder

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Público ao criá-las, deverá conceder poderes necessários à atuação discricionária,decorrente da personalidade jurídica.

Para Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, depois das autarquias, passada a febredas sociedades de economia mista, surgem as fundações, na área da administração edo direito administrativo, como o acontecimento mais importante de descentralização edesconcentração, desde que as considera como a iniciativa legal mais apropriada paraa execução de certas obrigações estatais e públicas: "Separados fingi., discriminada afinalidade, adotado o processo privado de personificação jurídica, a posição dasfundações como das empresas públicas no quadro da administração institucional é amesma, irrelevantes que se tornam as formas e os tipos casuísticos, ou as correlaçõescom a organização administrativa".

Para este publicista, a função do fim fundacional no regime jurídico das fundações,apesar da estrutura das mesmas, não se conflita com a idéia de empresa, desde que opatrimônio esteja destinado à efetivação dos resultados econômicos e comprometidocom a intenção do fundador no ato da instituição. Neste sentido é que o conceito atualde fundação não se equivale ao tradicional, superadas que foram as finalidadesclássicas, temo em vista a expansão do interesse público em setores entregues. Éantes à iniciativa particular, em que o Estado fiscalizava e não tutelava.

As fundações, como afirma, não se classificam tão-somente como culturais,caritativas, beneficentes ou religiosas. Surgem com a intervenção direta do poderpúblico, quando o Estado procura atender setores diversos, surgindo como fundador deentes que prestam serviços públicos: "Em resumo: quer as empresas públicas quer asfundações atendendo à peculiar personalidade jurídica, constituem-se através deatender a estatal, personalizado sob a forma de pessoa de direito priva, criados por leipara gerir interesses públicos afetados a fins econômicos, sociais, assistenciais oueducacionais, sempre um serviço público". (10)

Este publicista salienta que as fundações podem tomar forma liar de entesadministrativos, pois nada impede o Estado em organizá-las dentro e fora daAdministração: "Não foi tão feliz o legislador de 1969, com o evento do Decreto-lei n°900, revogando o § 2° do art. 4º com respeito às fundações instituídas em virtude de leifederal e de cujos recursos participasse a União, quaisquer que fossem as suasfinalidades. Estava correta a posição anterior. Nada impedia que as fundações ficassemequiparadas às empresas públicas. Os inúmeros exemplos fundacionais aí estão parajustificar as excelências do regime jurídico para certas espécies de fins públicos nãoeconômicos. Precisamente quando a figura da fundação-empresa assumecaracterísticas próprias, no Brasil se tomou uma posição antagônica aos fatos.

Não há porque não possa a fundação, caso isto seja aconselhável, trazer na suaestrutura, a forma empresarial. E a recíproca também é verdadeira. Nãonecessariamente, está claro. Quem sabe, o que impressionou o reformista de 1969,tenha sido o verbo equiparar, porquanto, a "equiparação" tenha sido focada para os"efeitos desta lei", não para os demais efeitos de natureza jurídica. Não se pretendia,pela redação do § 2º, comparar formações diferentes, mas trazer a fundação acolaborar na prestação de serviços públicos". (12 )

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Ao fixar os atuais instrumentos operacionais da administração, Manoel de OliveiraFranco Sobrinho não aceita que ocorre uma crise administrativa nos sistemas jurídicos,por falta de alguns modos que possibilitassem o exercício mais completo das funçõesestatais ou administrativas, mas conclui que os argumentos valem para as autarquias,para as sociedades de economia mista, as empresas públicas e as fundações. Noentanto, no que toca as fundações, salienta: "Com as fundações o ato criador,instituidor, ou de vontade explícita, não requer indagações subjetivas. Sendo umapeculiar modalidade institucional reflete-se organicamente e na sua exteriorização, emfunção do que diz a lei e o regime jurídico. Não cabem, portanto, quanto a elas sutilezasteóricas que se inclinem contra padrões clássicos ou tragam o veso de confundir osmeios jurídicos com os fins administrativos". (12)

Como agentes da Administração, as fundações públicas, descentralizando,serviços, têm papel importante para o Estado, devido os objetivos que na organizaçãoadministrativa estatal correspondem a interesses Públicos qualificados.

Ao tratar da problemática da Administração Indireta no Brasil, Manoel de OliveiraFranco Sobrinho volta às fundações, após referir-se a autarquias, empresa pública esociedade de economia mista: "As fundações, como:

- entidades que, apesar de poderem ser instituídas pelo poder público, guardamos requintes estabelecidos na legislação pertinente (artigos 24 e seguintes do CódigoCivil), submetidos à supervisão tutelar ministerial (artigos 19 a 26 do Decreto-lei n°200), pessoa pública quanto aos fins, privada quanto a personalização jurídica.Panoramicamente, desde que aí está o Decreto-lei n° 900, complementando oDecreto-lei nº 200, ambos os diplomas fazendo regime jurídico administrativo, todas asquatro entidades nomeadas desde que instituídas em virtude de lei, passam de plano aintegrar a Administração estatal. O que valem são as características que assingularizam, que as tornam distintas uma das outras, diferentes no serviço público queprestam". (13 )

As fundações pondera, ainda, apesar da alteração de posição no plano do regimeadministrativo, situam-se quando instituídas pelo Estado como pessoas administrativas,na área da administração indireta. A exclusão das fundações da categoria dasentidades que compreendem a administração indireta, todas dotadas de personalidadejurídica própria, não impede que as pessoas fundacionais exercitem propósitos deprestação de serviços. Nesta situação, aceita que as fundações integram aadministração indireta, por que pelo art. 2° do Decreto-lei n° 900, presentes osrequisitos e condições, podem ser instituídas pelo poder púbico e submetidas aocontrole da supervisão ministerial: "A remissão aos arts. 19 e 26 do Decreto-lei nº 200pelo que se contém no art. 3° do Decreto-lei n° 900, veio para assegurar a efetivaçãodos objetivos fixados nos atos de constituição e para colocar as fundações públicasentre os órgãos da administração federal, embora a expressão órgão surja aqui nosentido de pessoa jurídica autonomizada. Difícil, no posicionamento legal, outro melhorentendimento.

No momento em que o art. 3º do Decreto-lei nº 900 impôs a observância do art. 26do Decreto-lei nº 200, textualmente falando "no que se refere a administração indireta","ipso facto" em função do disposto legal categórico, está sem dúvida, dentro de uma

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sensível lógica hermenêutica, remetendo as fundações governamentais à esfera deuma atividade que indiretamente corresponde ao Estado". (14)

Celso Antônio Bandeira de Mello, salienta que aos doutrinadores estrangeirosjamais passou desapercebida a categoria "fundação pública". (15)

Ao examinar as Fundações governamentais e seu regime jurídico, conclui CelsoAntônio Bandeira & Mello: "Contudo, assim como o Estado pode criar pessoas (queretratem o modelo jurídico "fundação" )com capacidade de direito público - e seriam,então, autarquias - também pode, como é notório, criar pessoas de direito privado cujofigurino jurídico seja o de fundação. Eis, pois, que da vontade estatal tanto podemnascer fundações de direito público como fundações de direito privado". (18)

Ao apreciar fundação de direito público ou governamental, dotada depersonalidade de direito público, aceita, também, que se trata de pessoa autárquicacomo outra qualquer, pelo que deve submeter-se ao regime comum das autarquias:

a) no que toca à relação com o Poder Público, deve partir-se de sua criação eextinção. Como são pessoas de direito público, só podem ser criadas e extintas por lei;

b) no que concerne ao controle, submetem-se à tutela administrativa e financeira,de mérito ou de legitimidade, conveniência, oportunidade, lisura jurídica dos atos, demaneira preventiva ou repressiva;

c) quanto à situação tributária, as fundações como pessoa de direito público,beneficiam-se de imunidade de impostos relativos ao patrimônio, renda e serviçosvinculados às suas finalidades essenciais;

d) o regime jurídico do pessoal fixa adstrito aqueles que existem no direitobrasileiro. (17 )

Este autor examina, também, o regime jurídico das fundações governamentais dedireito privado, criados pelo Poder Público, submetidos às regras do Código Civil, quepelo fato de surgirem da vontade estatal ou terem patrimônio constituído, mesmo queparcialmente, por recursos públicos ou subvencionados por cofres governamentais,delineiam efeitos peculiares em seus regimes.

O controle das fundações privadas criadas por lei federal, além de comportarcomo qualquer outra fundação privada, a fiscalização do Ministério Público, está sujeitaà supervisão ministerial fixada nos arts. 19 e 26 do Decreto-lei n° 200, desde querecebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, de acordo como art. 3° do Decreto-lei nº 900.

O Decreto-lei nº 900, em seu art. 2° passou a exigir, sob pena de não sereminstituídas pelo Poder Público novas fundações, a satisfação cumulativa dos requisitose condições seguintes:

a) dotação específica de patrimônio, gerido pelos órgãos de direção da fundaçãosegundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criação;

b) participação de recursos privados no patrimônio e nos dispêndios correntes dafundação, equivalentes a, no mínimo, 1/3 (um terço) do total;

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c) objetivos não lucrativos e que, por sua natureza, não possam sersatisfatoriamente executados por órgãos da Administração Federal, direta ou indireta;

d) demais requisitos estabelecidos na legislação pertinente a fundações (arts. 24 eseguintes do Código Civil).

Heli Lopes Meirelles não atribui às fundações personalidade jurídica própria,reconhece-os como típicos de direito privado. São órgãos que se colocam ao lado doEstado, não dentro dele, não estão incorporados ao sistema estatal. Considera-oscomo órgãos paraestatais que possuem personalidade jurídica privada, como ocorrecom as fundações educacionais, oficiais ou públicas: "As fundações como "universidadede bens personalizada, em atenção ao fim, que lhe dá unidade "ou como" umpatrim8nio transfigurado pela idéia, que o põe ao serviço de um fim determinado",sempre estiveram nos domínios do direito civil, sendo consideradas pessoas jurídicasde direito privado.

Ultimamente, porém, pelo fato de o Poder Público vir instituindo fundações paraprossecução de objetivos de interesse coletivo - educação, ensino, pesquisa,assistência social, etc. - com a personificação de bens públicos, e, em alguns casos,fornecendo subsídios orçamentários para sua manutenção, passou-se a atribuir,erroneamente, personalidade pública". (18)

Aceita que as fundações não perdem a personalidade privada, nem se estatizam aponto de serem consideradas órgãos autônomos estatais, ou entidades públicas.Continuam como pessoas jurídicas de direito privado, sujeitas as normas civis dasfundações, com o fim de realizar atividades de interesse público, com amparo e controlepermanente do Estado. Vê o controle na linha institucional e governamental, em umafundação que surge a serviço do Estado, mas que não perde a característica deinstituição privada, que se coloca como ente auxiliar do Poder Público e receberecursos para a consecução de seus fins estatutários. (18)

A posição das fundações na organização administrativa brasileira é vista, porvários autores, como espécie do gênero autárquico. Para Sérgio D'Andréa Ferreira, aadministração indireta aparece através da instituição pelo Estado, de outras pessoasadministrativas de direito privado, por meio do emprego de instituição de direito civil oucomercial, de estrutura comparativa ou fundacional, distinta da figura autárquica. Daísurgem, no seu entender, entidades paraestatais, como pessoas jurídicas de direitoprivado criadas pelo Estado. Estas entidades paraestatais contrapõem-se à noçãoorgânica de serviço público, desde que não organismos de direito público ou estatais,mas serviço público virtual em gestão privada de serviços públicos. Dentro desteraciocínio, a Administração Indireta, no processo da descentralização institucional,abrange as fundações privadas instituída pelo Poder Público: "As fundações de direitoprivado instituídas pelo Poder Público, no Brasil, antecedem, as autarquias, e assim, asfundações públicas, como forma de personificação de serviços públicos, tendo sido asua fonte". (19)

Nos diversos estudos sobre as fundações públicas no Brasil, merece referência aafirmação de Miguel Reale ao estudar a natureza jurídica da Fundação de Amparo àPesquisa do Estado de São Paulo, que é apresentada como uma pessoa jurídica dedireito público, embora de tipo ou modelo privado, não sujeita às normas do Código

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Civil, mas à lei e aos regulamentos baixados pelo Estado. No mesmo sentido, aceitaque apesar de obedecida as formalidades civis, a fundação não é uma entidade civil.Para exemplificar, enumera a Fundação da Universidade de Brasília, instituída peloDecreto n° 500, que diz expressamente tratar-se de órgão "não governamental". Mesmoassim, entende que não é possível retirar dessa fundação o caráter de pessoa dedireito publico. É nesse sentido que apresenta as sociedades de economia mista, asempresas públicas e as "fundações oficiais" formam uma classe a "se" das autarquias,a das "autarquias de tipo privado" ou "de estrutura privada".

Entende-se que o conceito de fundação é muito menos a estruturação de suanoção pertencer ao direito público ou privado. A Teoria Geral do Direito poderá fornecerelementos para sua definição, com o surgimento de uma noção aceita pelos doiscampos. As fundações, patrimoniais personalizadas dirigidas a um fim, pode satisfazeras exigências de direito civil ou de direito administrativo, daí as fundações particulares eas fundações públicas:

a) o conceito genérico de fundação, pelos dados de uma teoria geral do direito,aproveita elemento do Direito Civil e do Direito Administrativo, aceitando-se as notastípicas de um ou de outro ramo;

b ) a fundação de direito público, como afetação por uma pessoa pública de umpatrimônio a um serviço público personalizado, criado por pessoa pública, com regimejurídico próprio, baseado em princípios de direito público, configura este tipo defundação.

São vários os que entendem que mesmo criada pelo Estado, a fundação éentidade de direito privado, não pode ser considerada espécie do gênero autarquia,mas que por imperativo de moral administrativa, havendo aplicação sistemática dedinheiros públicos, está obrigada à prestação de contas ao órgão público específico.(20)

Em um apanhado sobre o florescimento das fundações no Brasil, mostra SérgioD'Andréa Ferreira que a partir de 1940 surgiram novas fundações: Decreto-lei n° 5.780,criou a Fundação Abrigo do Cristo Redentor, em 19-8-1943; Decreto n° 5.878,Fundação Brasil Central, de 4-10-1943; Fundação Getúlio Vargas, 1944; FundaçãoRádio Mauá, 1945; Fundação da Casa Popular, 1946; Fundação de Assistência aosGarimpeiros, 1957; Fundação Serviço Especial de Saúde Pública e das PioneirasSociais, 1980; .após 1961, época da criação da Fundação da Universidade de Brasíliaforam instituídas pelo Governo Federal muitas fundações de ensino e culturais; aFundação Nacional do Bem-Estar do Menor, 1984; Fundação Nacional do Índio, 1987.

São denominados no trabalho acima referido como "Fundações de direito privadoinstituídas pelo Poder Público", desde que a expressão "Fundações Públicas" foiutilizada para designar "autarquias fundacionais". Reconhece, ainda, que a expressãofundações públicas é utilizada como sinônimo de "fundações instituídas pelo PoderPúblico", inclusive as de direito privado.

O Estado, como instituidor ou co-instituidor, destas fundações, utiliza paraformalizar o negócio funcional a escritura pública ou o decreto executivo, após préviaautorização legislativa.

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O Decreto-lei nº 200, de 1967, no § 2º do art. 42, fixara: "Equiparam-se aEmpresas Públicas, para os efeitos desta lei, as Fundações instituídas em virtude de leifederal e de cujos recursos participe a União, quaisquer que sejam suas finalidades".

Com o Decreto-lei n° 900, de 1989, ocorreram modificações no regime jurídico dasfundações privadas estabelecidas pelo Poder Público Federal:

"O Decreto-lei n° 900, de 29 de setembro de 1989, introduziu, pois, um novoregime no que concerne às fundações de direito privado instituídas pela União. Asdisposições do artigo 3º abrangem todas as fundações privadas federais, quer decriação anterior, quer de instituição posterior à vigência do citado diploma legal: taisfundações não integram a Administração Indireta da União, não estando,conseqüentemente, inclusive, sujeitas à tutela administrativa, salvo especificamente (artigos 19 e 26 do ' Decreto-lei n° 200, .de 1967 ), quando se tratar de entidades querecebam subvenções ou transferências à conta do orçamento federal. Asdeterminações do artigo 2° do mesmo Decreto-lei dizem respeito às novas fundações aserem instituídas cem base em lei federal, e que têm de obedecer aos requisitosestabelecidos pela citada norma.

Excluídas da Administração Descentralizada, as fundações de direito privadoinstituídas pela União passaram a enquadrar-se na categoria dos entes de cooperação,ou seja, passaram a integrar a descentralização em regime de cooperação". (21)

Mostra Themístocles Cavalcanti a existência de certas entidades que fogem àestrutura geral dos órgãos da administração. Por serem organizações privadas, apesarde criadas por leis e que gozam de certas prerrogativas, que lhes atribuem proximidadecom os serviços públicos, não se confundem com eles, no que toca à estrutura esubordinação aos órgãos hierarquizados da administração, apesar de se aproximaremdos mesmos pelos seus objetivos e finalidades. Configura-os como dentro de zonacinzenta que é influenciada pelo Direito Administrativo, embora privado, pela natureza eorigem jurídicas.

Convém salientar as críticas formuladas ao Decreto-lei nº 900, de 1989, que nãofoi bem aceito na prática legislativa e administrativa local. Como ponto crítico,salienta-se que preservou o diploma legal a prática da criação pelo Poder Público, defundações governamentais, que apesar da exclusão da Administração Indireta, mantéma supervisão administrativa: "A evolução da legislação e da prática administrativabrasileiras evidenciaram a manutenção, na realidade, da identificação das fundaçõesgovernamentais com os organismos da Administração Indireta".

Como outros, Sérgio D'Andréa Ferreira conclui que as fundações governamentaissão de direito privado, apesar de instituídas pelos Poderes Públicos, sendo quesomente as considera públicas pela sua origem. Não aceita a fundação de direitopúblico como oposta às autarquias e às fundações privadas governamentais: "O queocorre, muitas vezes, é que a própria legislação ( e a Lei Federal nº 5. 540, de 23 denovembro de 1968, sobre a organização e o funcionamento do ensino superior, comete,em seu artigo 4°, esse pecado) usa, inadvertidamente, a denominação fundações dedireito público, quando quer referir-se às fundações governamentais, isto é, de direitoprivado instituídas pilo Poder Público e, nessa medida, fundações públicas".

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Além das fundações de cooperação, surgem aquelas da descentralização porcolaboração, quando o Estado delega a entes privados, particulares determinadosencargos públicos ou reconhece o interesse publico dessas atividades. Isto ocorreucom fundações civis, com participação do Poder Público, nos casos da FundaçãoCesgranrio, Centro de Seleção dos Candidatos ao Vestibular do Grande Rio e aFundação Centro de Estudos do Comércio Exterior ou a Fundação Eletrobrás deSeguridade Social (ELETROS ). A Fundação Ataulpho de Paiva é outro exemplo deentidade de colaboração com os Poderes Públicos.

No exame das fundações percebe-se, em muitos casos, uma maior vinculação aoPoder Público, tanto no ato fundacional como após o mesmo.

Mesmo que a constituição da fundação seja proveniente de um ato de iniciativaprivada, reconhece-se que ela seja uma pessoa jurídica de direito público, desde quefoi instituída pelo Estado, com o fim de interesse público. Sady Cardoso de Gusmãoaceita que as fundações da União escapam à fiscalização do Ministério PúblicoEstadual, mas não do Ministério Público Federal. Este mesmo autor ao classificá-las,apresenta os seguintes tipos: fundações de direito público externo ou interno, asprimeiras de Direito Internacional e as segundas de Direito Administrativo e emfundação de Direito Privado.

As fundações de direito público, criadas por lei, por ato administrativo ou decretosque façam configurar a natureza de direito público, podem ter tanto um patrimôniodestinado pelo Estado ou uma dotação particular. Convém salientar que elas recebemas características orgânicas da lei que autoriza a instituição: "Para Miguel Reale (RDA,vol. 72/412), as fundações criadas por lei não se subordinam aos preceitos aplicáveis afundações civis "quer quanto às formalidades de constituição, quer quanto. ao processode sua fiscalização.

Ainda, Miguel Reale aponta como exemplo de fundação de direito público aFaculdade de Direito da Universidade de São Paulo, segundo parecer do Prof. HonórioMonteiro".

Várias são as fundações de direito público instituídas pela União, pelos Estados epelos Municípios, muitas delas fizemos referência acima. A Fundação Educacional deBrasília, que surgiu com o Decreto nº 47.832-A, de 4-3-1960, é tida como fundação dedireito público, com os estatutos aprovados pelo Ministro da Educação e Cultura, émantida pela União e seus dirigentes designados pelo Presidente da República. MostraMiguel Reale que a expressão não governamental inserida no art. 49 do Decreto nº500, não é suficiente para lhe retirar a finalidade de pessoa de direito público.Acrescenta, ainda, que as fundações de direito público não precisam de inscrição noRegistro Civil de Pessoas jurídicas, pois a personalidade decorre da própria lei, no quetoca às contas, como pessoas jurídicas de direito púbico fogem ao controle doMinistério Público.

Entidades como a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa, instituída pela LeiFederal nº 5.198, de 3-1-1967; a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística, pelo Decreto-lei Federal n° 161, de 13-2-1967; a Fundação Interestadualpara o Desenvolvimento dos. Vales do Tocantins-Araguaia e Paraguai-Cuiabá, peloDecreto-lei n° 179, de. 16-2-1967; a Fundação Instituto de Pesquisa Econômico-Social

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Aplicada (IPEA), autorizada pelo artigo 190 do Decreto-lei n° 200, de 25-2-1967;Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho, instituídapela Lei Federal n° 5.161, de 21-10-1966; Fundação Movimento Brasileiro deAlfabetização ( MOBRAL ), criada no art. 4º, da Lei Federal n° 5.379, de 15-12-1967,com estatutos aprovados pelo Decreto Federal n° 62.454, de 22-3-1968, vêmdemonstrar a constante utilização desta, figura jurídica (22) .

A insegurança do legislador em definir as fundações instituídas pelo poder públicotem sido assinalada: "No que diz respeito ao tema das fundações públicas, aconcepção germânica, de certo modo, favorece a opinião de quantos crêem, no ato decriação, de um simples ato administrativo, à margem do sistema do Código Civil; é quea realidade das fundações instituídas pelo Poder Público, no Brasil, revela muitas quesão instituídas por lei, têm o seu estatuto aprovado por Decreto, designados osocupantes de seus órgãos de administração, tudo por ato da administração pública eefetivamente iniciam o funcionamento segundo os seus fins definidos nas respectivasleis de criação; podem até ter os seus atos constitutivos devidamente inscritos noRegistro Civil de Pessoas jurídicas, e o patrimônio permanece aguardando os atos queconfigurem uma transferência efetiva do Estado instituídos para a entidade que sepretenda seja uma fundação. Muitas fundações criadas em virtude de leis estaduais emunicipais, especialmente as que se destinam a fins educacionais, enquadram-senesta situação; isso se explica antes pelo desconhecimento das normas quedisciplinam a matéria do que por uma deliberada tendência ao estabelecimento de umtipo especial.

O fato é que, no panorama atual do Direito Brasileiro, coexistem dois tipos defundações: as particulares, instituídas nos termos do Código Civil e sujeitas ao controlee fiscalização do Ministério Público, e as públicas, instituídas por ato do Poder Público,com ou sem a observância dos requisitos preconizados pelo Código Civil, sujeitas ounão ao efetivo controle do Ministério Público e, as mais das vezes, sujeitas ao controlee fiscalização do Tribunal de Contas. A controvérsia emergente vincula-se àcaracterização destas como pessoas jurídicas de direito público, de um tipo diverso dasfundações privadas, embora configurada a personificação jurídica de um patrimônio oude interesses de utilidade pública" (23).

A doutrina não é pacífica no que toca ao reconhecimento da Fundação Pública,mesmo aquelas instituídas pelo Poder Público, para exercer atividade própria do Estadonão perdem a característica de. pessoa jurídica de direito privado, nos termos doCódigo Civil: "Tendo em vista a origem do instituto, muitos e eminentes juristas têmdefendido a natureza privada das fundações, mesmo que o seu ente instituidor tenhasido 0 Poder Público". (24) .

Entretanto, este mesmo autor mostra as posições doutrinárias daqueles queadmitem a existência de fundações públicas ou de direito público: "Estabelecida acontrovérsia e colocadas as pospões doutrinárias antagônicas, serãoconseqüentemente diversos, em função de uma ou de outra posição que se venha aadotar, os entendimentos aplicáveis à vida e funcionamento das fundações criadas peloPoder Público, tanto no que concerne à sua criação, como no que diz com o seurelacionamento externo frente ao Estado e terceiros e, ainda, no que se refere ao seu

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relacionamento interno, relativamente ao regime de pessoal aplicável ao seu quadrofuncional".

Após examinar a criação das Fundações de Direito Privada pelo Poder Público (ato legislativo formal, instituição, patrimônio, tutela administrativa e controle), SérgioD'Andréa Ferreira faz referência às Fundações Paraestatais: "Quando se trata defundações paraestatais, tem aplicação o art. 62 da Constituição Federal, quandoestabelece que "o orçamento anual compreenderá obrigatoriamente as despesas ereceitas relativas a todos os Poderes, órgãos e fundos, tanto da administração diretaquanto da indireta, excluídas apenas as entidades que não recebam subvenções outransferências à conta do orçamento". Também incide o § 1º, segundo o qual "ainclusão, no orçamento anual, da despesa e da receita das órgão da administraçãoindireta será feita em dotações globais e não lhes prejudicará a autonomia na gestãolegal de seus recursos" (25).

Dedicando-se ao exame da tutela administrativa e controle das fundações dedireito privado instituídas pelo Estado, acrescenta o autor acima referido:

a) cabe ao Ministério Público local a fiscalização das fundações privadas;

b ) a fiscalização, pelo Ministério Público, das fundações paraestatais, édesnecessária, desde que a tutela administrativa dá ao Ministério este poder;

c) as fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público têm órgãosinternos de controle da entidade, Conselho Diretor e Conselho Fiscal;

d) critica-se a precariedade do controle das empresas estatais;

e ) o controle externo é exercido pelas Assembléias Políticas, com o auxílio dosTribunais de Contas, no campo da fiscalização financeira e orçamentária, sendo queeste abrange as fundações de direito privado instituídas pelo Poder Público, na medidaque compreende nos termos do § 1º do art. 70 da Constituição Federal, o julgamentodas contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos;

f ) o Decreto-lei n° 199, de 25-2-67, Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União,dispõe em seus artigos 33 e 34, II e IV, que ele tem jurisdição própria e privativa sobreas pessoas e matérias sujeitas à sua competência, que abrange todo aquele quearrecadar ou gerir dinheiros, valores e bens da União ou pelos quais esta responda,bem como, quando houver expressa disposição legal, os administradores das entidadesda Administração Indireta ou de outras entidades;

g ) no que se refere a licitações e contratos administrativos nada impede, pornorma expressa, que sejam aplicados os preceitos do Decreto-lei n° 200 e suasulteriores modificações, às fundações instituídas pelo Poder Público;

h) às leis autorizadoras da instituição de fundações pelo Poder Público, que sãoinstituições de educação, renda e assistência social, aplica-se o art. 19, III, C, daConstituição Federal

i ) o regime do pessoal das fundações civis instituídas pelo Poder Público é o dalegislação trabalhista, sendo discutível a aplicação dos princípios da acumulação decargos.

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Através de exame de trabalho de Sérgio D'Andréa Ferreira, podemos perceber asdúvidas que surgem no que toca às fundações, quando passam a examinar a nossalegislação: "Outrossim, o novo Código Penal (Decreto-lei nº 1. 004, de 21-10-69, com asalterações da Lei nº 6. 018, de 31-12-73) em dois dispositivos equipara as fundaçõesinstituídas pelo Poder Público às pessoas administrativas da Administração Direta eIndireta no art. 182, § 2º (aprovação de pena, em estelionato, quando "cometido emdetrimento de entidade de direito público, de empresa pública, autarquia, sociedade deeconomia mista ou fundação instituída pelo Poder Público") e no art. 364, parágrafoúnico ( "Conceito de funcionário público por equiparação": "equipara-se a funcionáriopúblico quem exerce cargo, emprego, ou função em empresa pública, autarquia,sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público").

As leis orçamentárias, por seu turno, colocaram, lado a lado, a AdministraçãoIndireta e as fundações instituídas pelo Poder Público, como se lê nos arts. 19 e 39 daLei nº 6.187, de 16-12-74, que estimou a receita e fixa a despesa da União para oexercício financeiro de 1975.

A recente Lei n° 6.184, de 11-12-74, deu o mesmo tratamento á integração defuncionários públicos nos quadros da sociedade de economia mista, empresa pública efundações resultantes de transformação de órgãos da Administração Federal Direta eAutarquias". (28)

A tendência de integração das fundações, com vínculos governamentais, naAdministração Indireta ganha terreno. Do mesmo modo, o crescimento dasmodalidades de fundações, tem gerado as mais variadas denominações: "Relevante éa caracterização da fundação de direito privado instituída pelo Poder Público, afundação privada governamental, a fundação privada administrativa (ou, simplesmente,fundação governamental ou administrativa), como instrumento de descentralizaçãoadministrativa".

Outro setor em que surgem novos dados para a caracterização desses modelosde fundações, é o que se refere ao Controle do Tribunal de Contas, como temosacentuado. A Lei Federal n° 6.223, de 14-7-75, ao dispor sobre a fiscalização financeirae orçamentária da União pelo Congresso Nacional, nó art. 8° afirma que se aplicam ospreceitos do diploma normativo, no que couber às fundações instituídas ou mantidaspelo Poder Público.

Mesmo assim, várias dúvidas ocorrem: "A adoção de certos princípios de direitoadministrativo, com vistas a um efetivo controle pelo Estado das atividades de suasassociações, corporações e fundações, não lhes tira a característica fundamental deentidade privada na sua gênese histórico-jurídica e princípios básicos de organização efundamento.

Assim, atribuir aos Tribunais de Contas a competência para exercer o controle dasatividades econômicas de órgãos da administração indireta, sujeitá-los á supervisãodos Ministérios ou Secretarias de Estado, padronizar-lhes a elaboração e controle deorçamentos e balanças segundo princípios vigentes para o Estado e suas autarquias,não lhes destrói a natureza jurídica eminentemente privada, dimanada do fato de teremsido instituídas sob forma de organização vinculada ao direito privado.

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Isto vale tanto para as empresas quanto para as fundações instituídas pelo PoderPúblico.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista continuam a serpessoas jurídicas de direito privado, a despeito da intensidade cada vez maisacentuada com que o Estado as dirige e controla. Por que, então, considerar de direitopúblico às Universidades Federais e Estaduais organizadas sob a forma de fundação?"( 28 )

Em trabalho que realiza detalhado exame das Fundações no campo educacional,Homero Senna e Clóvis Zobaran Monteiro salientam o crescimento das FundaçõesPúblicas, com referência à Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, no seu art. 81,que determina que as universidades oficiais seriam constituídas sob a forma deautarquias ou fundações: "Ademais, já tem sido algumas Universidades brasileirastransformadas em fundação (como a do Amazonas, do Maranhão, de Sergipe, daGuanabara e de Brasília) nem por isso as grandes empresas (nacionais e estrangeiras)se apressaram em contribuir para a sua manutenção, a fim de poderem influir nafixação dos respectivos currículos, de acordo com seus interesses particulares ocultos.Ao contrário continuam essas Universidades a lutar com dificuldades financeiras detoda ordem e a obedecer, na elaboração de seus programas e planos de ensino, àsintenções emanadas do MEC, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional. (29)

A controvérsia doutrinária é bem ampla, pelo que, entre os concorrenteslevantados por estes autores, surge aquela que emprega o "gênero estatal", no qualdistingue-se as espécies: a) sociedades de economia mista; b) empresa pública; c)serviços sociais autônomos; d) fundações culturais; e e) outras entidades congêneres.

Para Hely Lopes Meirelles, as fundações com finalidade cultural educação, ensino,pesquisa - apresentam, ultimamente, sensíveis transformações na sua estrutura,constituição, patrimônio e composição dos dirigentes. Aproximam-se do Poder Público,com delegações para realização de serviços de interesse coletivo, contribuiçõesparafiscais, com o objetivo de mantê-las, pelo que seriam nova espécie de gêneroparaestatal.

A aproximação das fundações culturais com os entes paraestatais procuraconciliar o caráter privado da instituição com as atividades de interesse público que lhesão deferida, na pesquisa, na educação e no ensino.

A aceitação de fundações públicas e privadas entre as criadas pelo Poder Públicoé sempre consignada: "No Brasil, estamos diante desta realidade: o legislador, nãoraro, cria ou autoriza que se crie uma fundação, que classifica como pessoa jurídica dedireito privado, porém, de seguida, lhe confere estrutura, capacidade jurídica,características que a fazem uma fundação de direito público. (30)

Carlos Roberto Ramos aponta as limitações legais imposta às fundaçõesinstituídas pelo Poder Público, ocasião em que mostra não poder ocorrer alteração doestatuto da Fundação, se a mesma contraria a fim previsto pelo instituidor, orientaçãoque amplia até à Fundação instituída pelo Poder Público.

5. O CONTROLE DAS ATIVIDADES DESCENTRALIZADAS AS FUNDAÇÕES

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O contrato das entidades descentralizadas da administração pública vem muitasvezes acompanhado de estudos sobre os contornos dos diversos entes estatais quetem surgido.

A Lei nº 6.223, em seu art. 79, dispõe: "As entidades públicas com personalidadejurídica de direito privado, cujo capital pertença, exclusiva majoritariamente, à União, aoEstado, ao Distrito Federal, ao Município ou a qualquer entidade da respectivaadministração indireta, ficam submetida à fiscalização financeira do Tribunal de Contascompetente, sem prejuízo do controle exercido pelo Poder Executivo".

A fiscalização dos Tribunais de Contas ocorrem mediante:

"I - desempenho da auditoria financeira e orçamentária sobre as contas dasentidades;

II - a julgamento da prestação de contas anuais, com base nos seguintesdocumentos.

a) relatório anual e os balanços da entidade;

b ) parecer dos órgãos interessados que devem dar seu pronunciamento sobre ascontas;

c) certificado de auditoria sobre a exatidão do balanço, emitido pelo órgão decontrole interno do Ministério a que se vincula a entidade, acompanhado, do respectivorelatório;

d) pronunciamento do Ministro de Estado ou autoridade delegada".

A projeção das Cortes de Contas é salientada por Seabra Fagundes, que em certaparte de seu trabalho conclui: "Sim, porque pela concentração crescentes dasatividades administrativas, mediante apelo a entes com estrutura, de direito privado,apelo por vezes abusivo (como o feito ao descaracterizado instituto da fundação,freqüentemente descaracterizado na sua essência pela criação de órgão semauto-suficiência patrimonial), abriram-se compostas perigosas à disposição dosrecursos públicos. A gestão em moldes privados pode tornar-se ensejo fácil paraliberalidades e leviandades na aplicação de recursos, que o controle de órgãosespecializados e independentes, como os Tribunais de Contas, poderá evitar oureprimir". (33)

Roberto Rosas, em exame de controle da administração indireta, no que toca aoTribunal de Contas, explica: "Dentre as normas da administração financeira e decontabilidade fixadas na reforma administrativa está o dever da administração federal,lato senso, logo direta e indireta, de prestar ao Tribunal de Contas os informes relativosà administração dos créditos orçamentários e facilitam a realização de inspeções decontrole ( Decreto-lei n° 200, art. 75 ) .

Daqui já entrevemos os contratos que sofre a administração do ponto de vistafinanceiro e orçamentária. O primeiro já identificado é o controle técnico, feito peloTribunal de Contas. Cabe a este o exame da legalidade e da regularidade dos gastosque envolvem bens e valores públicos. Não cabe ao Tribunal de Contas examinar daconveniência ou oportunidade desses atas, e sim que nas práticas sejam embasadasem aspectos legais e de regularidade institucional. (34)

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A apreciação da regularidade das contas dos responsáveis ocorre peloslevantamentos contábeis; dos certificados, de auditoria e dos pronunciamentos deautoridades administrativas. A extensão, profundeza e imparcialidade deste controle éde grande importância: "Desde o início, transpôs o Tribunal a verificação meramentearitmética da exatidão das contas. Partindo dos balanços e das notas explicativas, cujodetalhamento e particularização para finalidades específicas passou a recomendar,entrou na análise dos elementos complementares fornecidos pelos órgãos de controleinternos ou requisitados às entidades, e ingressa após prudente e gradativamenteetapa das inspeções, principiada depois de ministrado curso especial de auditoria,destinado ao adestramento e atualização dos Técnicos de Inspetoria-Geralcompetente". (35)

A fiscalização ou controle da administração pública tem obtido váriosquestionamentos! "Teria a expressão usada procurado distinguir, para o efeito docontrole financeiro, as fundações oficiais com personalidade jurídica de direito privado,das outras, reconhecidas por alguns estudiosos como autarquias fundacionais oufundação de direito público.

Ou teria visado diferenciar as fundações mantidas com recursos exclusivos dopoder público, das que recebem apenas subvenção ou transferência à conta doorçamento". (36)

' Certas indagações apontam ainda aspectos duvidosos no que toca ao controledas fundações: "Teria a expressão usada procurado distinguir, para o efeito do controlefinanceiro, as fundações oficiais, com personalidade jurídica de direito privado, da outra,reconhecida por alguns estudiosos como autarquias fundacionais ou fundação dedireito público? (37)

As várias utilizações do sistema de fundações, quando o Estado ampliar o seucampo de atuação, levará a importantes; modificações na estrutura tradicional dafundação.

BIBLIOGRAFIA

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(5) NOGUEIRA, ROSA MARIA ESTEVES, Empresa Pública no Brasil - aEMBRAPA, Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, julho/setembro, vol. 12,n.º 3, 1978, pág. 58.

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(6) FERRARA, FRANCISCO, Teoria de ias Personas jurídicas, Madrid, 1929, trad.esp.

(7) MARCELO CAETANO, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo,Forense, Rio, 1977, 1ª ed. págs. 74 e 75.

(8) CRETELLA JÚNIOR, JOSÉ, Fundações de Direito Público, Forense, 1978, 1ªed., págs. 21/22.

(9) CRETELLA JÚNIOR, JOSÉ, Fundações de Direito Público, ob. cit., págs.30/31.

(10) FRANCO SOBRINHO, MANOEL DE OLIVEIRA Regime jurídico dasEmpresas Públicas no Brasil, Revista de Direito Público, abril/junho, n.º 12, 1970, págs.14 e seguintes;

Idem, Fundação Pública e Empresa Pública, Revista de Direito Administrativo, vol.108, abril/junho, 1972, págs. 1 e seguintes.

(11) FRANCO SOBRINHO, MANOEL DE OLIVEIRA Comentários à ReformaAdministrativa Federal, Edição Saraiva, 1975, págs. 65/88.

(12) FRANCO SOBRINHO, MANOEL DE OLIVEIRA, Empresas Públicas no Brasil.Ação Internacional, Editora Resenha Universitária. São Paulo, 1975, p. 5;

idem Curso de Direito Administrativo, Edição Saraiva, 1979, págs. 82/83.

(13) FRANCO SOBRINHO, MANOEL DE OLIVEIRA, A Problemática daAdministração Indireta no Brasil, em Estudos jurídicos em Homenagem a Vicente Ráo.Editora Resenha Universitária, São Paulo, 1978, p. 274.

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(14 ) FRANCO SOBRINHO, MANOEL DE OLIVEIRA, A Problemática da ... ob. cit.pág. 285.

(15) MELLO, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE, Natureza e Regime jurídico dasAutarquias, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1988, pp. 363 e ss.

(16) MELLO, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE, Prestação de Serviços Públicos eAdministração Indireta, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1973, p. 147 e ss.

(17) MELLO, CELSO ANTONIO BANDEIRA DE, Prestação de Serviços... ob. cit.,págs. 181 a 185; Medauar, Odete. Controle Administrativo das Autarquias, JoséBuskatsky Editor, São Paulo, 1978.

(18) MEIRELLES, HELY LOPES, Direito Administrativo Brasileiro, Editora Revistados Tribunais, São Paulo, 1975, págs. 334/335.

(19) FERREIRA, SÉRGIO D'ANDRÊA, As Fundações na OrganizaçãoAdministrativa Brasileira, "Justitia", vol. 98, São Paulo, 1977, págs. 39 e seguintes.

(20) MEINBERG, GUIDO HENRIQUE, Da natureza jurídica das fundações,"justiça", V. 72, São Paulo, 1971, págs. 83 e seguintes; Reale, Miguel, "Justiça'', vol. 40,pág. 87.

(21) FERREIRA, SÉRGIO D'ANDRÊA, As Fundações na Organização .Administrativa Brasileira, ob. cit., págs. 39 e seguintes.

(22) BITTENCOURT, MÃRIO DINEY CORRÊA, Fundação de Direito Público,Revista de Direito Público, jan./março, n.º 11, 1970, págs. 140 e seguintes.

(23 ) COELHO, LUIZ FERNANDO, Da Natureza jurídica das Fundações Instituídaspelo Poder Público, Arquivo do Ministério da justiça, A. 33, n.° 139, jul./set., 1978, págs.107 e seguintes .

(24) SZNICK, VALDIR, Fundação Pública - Uma contradição, Justitia, São Paulo,v. 85, 1974, págs. 275 e seguintes; Eick, Amo Leo, As Fundações Criadas pelo PoderPúblico - Sua Natureza jurídica, Estudos jurídicos, Revista do Centro de Ciênciasjurídicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, vol. VI, n.º 17, págs.35 e seguintes.

(25) FERREIRA, SÉRGIO D'ANDRÊA, As Fundações de Direito PrivadoInstituídos pelo Estado, Editora Rio, Rio de janeiro, 1973, pág. 108.

(26) FERREIRA, SÉRGIO D'ANDRÊA, Fundações Privadas Governamentais:Entidades da Administração Indireta? Arquivos do Ministério da justiça, A. 33, n.º 141,137, jan./março, 1978, págs. 73/74; Fundação Pública, Revista e Direito Público,abril/junho, 1970, n.º 12, pág. 105.

(27) FERREIRA, SÉRGIO D'ANDRÊA, As Fundações na OrganizaçãoAdministrativa Municipal, Arquivo do Ministério da justiça, A. 34, n .O 141, jan./março,1977, pág. 78.

(28) COELHO, LUIZ FERNANDO, Fundações Públicas, Forense, Rio de Janeiro,1978, 1.ª ed., pág. 102.

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(29) SENNA, HOMERO, MONTEIRO, CLOVIS ZOBARAN, Fundações no Direito,Na Administração, Fundação Getúlio Vargas, Rio de janeiro, 1970, págs. 173/4.

(30) LIMA, THEREZA HELENA S. DE MIRANDA, Fundações criadas pelo PoderPúblico - Natureza Jurídica - Posição da Doutrina - Conclusões, Revista do Tribunal deContas da União, junho de 1977, Brasília, 15, pág. 12.

(31) RAMOS, CARLOS ROBERTO, Natureza Jurídica das FundaçõesEducacionais Instituídas pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal e que destesrecebem recursos, monografia publicada na Revista jurídica Lemi, 1978, pág. 19.

(32) CAMPOS, WAGNER ESTELITA, O Controle das Entidades DescentraIizadas'da Administração Pública, Revista do Tribunal de Contas da União, dezembro de 1977,n° 16, pág. 5.

(33) FAGUNDES, M. SEABRA, Posição Institucional dos Tribunais de Contas,Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, dezembro de 1975, n.° 12, pág. 7.

(34) ROSAS, ROBERTO, Controle da administração indireta, Revista deInformação Legislativa, jan./março, 1978, n.º 57, pág. 62.

(35) GALLOTTI, LUIZ OTÁVIO. O Tribunal de Contas da União e a Prática de SuaCompetência Constitucional, Revista de Direito Administrativo, vol. 131, janeiro/marçode 1978, págs. 1 e seguintes.

(36) BARROS JÚNIOR, CARLOS S. DE, A Fiscalização ou Controle daAdministração Pública. O Controle Financeiro da Administração Descentralizada,Revista de Direito Administrativo, vol. 131, jan./março, 1978, Rio de janeiro, págs. 23 eseguintes.

(37) BARROS JÚNIOR, CARLOS S. DE. A Fiscalização ou Controle daAdministração Pública. O Controle Financeiro da Administração Descentralizada,Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n.º 11, dez./1977, pág. 32.

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A SEPARAÇÃO DOS PODERES NA CONSTITUIÇÃOBRASILEIRA

Carlos Ayres Britto(*)

SUMÁRIO

1. Os Sentidos da Palavra "Poder" na Constituição Brasileira- 1.1. Precedentes Doutrinários. - 1.2. Os Quatro Sentidos doVocábulo no Direito Constitucional Legislado. - 2. Os Poderes doEstado e a Teoria da Separação. - 2.1. Origem e Importância daTeoria da Separação dos Poderes. - 2.2. As TécnicasAssecuratórias da Harmonia e independência dos Poderes. - 3. OInter-relacionamento dos Poderes do Estado no Brasil. - 3.1. OExercício das Três Funções Básicas no Âmbito de Cada Poder,como Técnica de Independência Política. - 3.2.- A Participação deMais de Um Poder no Processo de Investidura de DeterminadosAgentes Públicos. A Colaboração Forçada como Fator deHarmonia. - 3.3. A Participação de Mais de Um Poder no Exercícioda mesma Função ou na Prática do mesmo Ato. - 3.4. OMecanismo Especial da Contenção de um Poder por Outro. - 3.5.Síntese dos Mecanismos Constitucionais de Independência eHarmonia dos Poderes. - 4. Considerações Finais.

1. OS SENTIDOS DA PALAVRA "PODER" NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

1.1. Precedentes Doutrinários

Numerosas e de boa qualidade são as teorias que a doutrina constitucionalistabrasileira tem formulado a respeito da significação do vocábulo "poder". Entretanto,todas as que são do nosso conhecimento pessoal expressam opiniões subjetivas dosautores, num plano meramente doutrinário, ou teórico puro, seira a pretensão de revelara vontade das normas constitucionais positivas do nosso ordenamento jurídico.

Assim é que os tratados, manuais didáticos, monografias, ensaios e simplesartigos de Direito Constitucional, têm ministrado explicações para o significado daslocuções "poder político", "poderes do Estado", "poder governamental" e expressõesassemelhadas, mas sob referencial teórico a ser universalmente aceito, porque

(*)Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Sergipe. Procurador doTribunal de Contas do Estado de Sergipe. Ex-Professor de Direito Constitucional daFaculdade de Direito de Sergipe. Ex-Consultor-Geral do Estado.

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não-destinado a revelar, especificamente, o sentido em que a palavra "poder" éutilizada no texto magno brasileiro.

Em suma, não. é do nosso próprio saber qualquer estudo sistematizado dovocábulo, a partir do tratamento. constitucional positivo brasileiro.

1.2 Os Quatro Sentidos do Vocábulo no Direito Constitucional Legislado.

Pois bem, a nosso ver é possível especular sobre o poder à luz das normasinsculpidas no lastro formal da vigente Constituição do País, valendo este breve ensaio,em sua parte inicial, como uma tentativa de revelação da "mens constitucionis", arespeito do tema. E, para logo, podemos antecipar que são quatro os sentidos que a LeiMaior empresta ao vocábulo, todos perfeitamente caracterizados e distintos uns dosoutros.

São eles:

a) Poder Nacional ou Poder Constituinte

A vez primeira que a Magna Carta cuida da matéria é logo no § 1º do seu artigoinicial, para dizer que "todo poder emana do povo e em seu nome é exercido". Aqui,sem dúvida, não se trata de "poder estatal", "poder público" ou "poder do Estado",porque referente a uma realidade anterior à organização do próprio Estado. Trata-se,isto sim, do poder que é expressão da soberania popular e que, em razão disto.Podemos identificar como "poder nacional" ou, mais tecnicamente, "poder constituinte".

No citado dispositivo, a "Lex Maxima" solenemente declara que o povo brasileiro étitular do poder político que se contém na soberania. E que, sem alienação dessatitularidade, o exercício dele se fará em nome do povo, segundo o princípio darepresentatividade política, ou da democracia representativa.

Cuida-se, pois, da soberania, que é apanágio dessa realidade histórica e humanaa que chamamos Nação e cuja expressão mais eminente é o "poder constituinte'. Ouseja, o poder que tem a Nação para constituir a pessoa política que vai jurisdicioná-la -o Estado - e para dispor sobre a regência do seu próprio destino, elegendo seussuperiores objetivos de vida e escolhendo os meios que entender necessários ouconvenientes ao alcance deles.

Por via de conseqüência, o primeiro significado da palavra poder é a como "poderconstituinte", cuja expressão formal mais importante e definitiva é a própria Constituiçãodo País.

Evidente que esse poder constituinte é o originário ou inicial, porque anterior esuperior àquele que assiste ao Parlamento Nacional, enquanto poder simplesmente"constituído". Este poder parlamentar é o que poderíamos chamar de poder estatal ou"poderes do Estado". Aquele, titularizado pelo povo brasileiro, é o "poder constituinteoriginário" ou poder da Nação.

b) "Poder", enquanto órgão do Estado, ou Sistema de órgão Estatal.

"Poderes do Estado".

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A vez segunda que o texto magno fala de "poder" é no artigo 69, sob a seguinteroupagem vocabular: "são poderes da União, independentes e harmônicos, oLegislativo, o Executivo e o judiciário".

Agora, é patente que se trata de um poder já "constituído", como órgão integranteda pessoa jurídica "União". União que é o próprio Estado Federal do Brasil, no planoexterno, e, no plano interno, uma das várias pessoas políticas de base territorial,integrantes da federação brasileira.

Aqui, portanto, "poder" não é sinônimo de Poder Nacional ou Poder Constituinte,mas de "órgão do Estado", "órgão Estatal", "Poder Governamental", "PoderConstituído", ou, numa palavra, "poder do Estado". Melhor dizendo, a realidade jurídicacompreendida no vocábulo é o sistema de órgãos em que o Legislativo, o judiciário e oExecutivo se constituem, como partes estruturais .ou necessariamente componenciaisda, pessoa jurídica União. Logo, Poderes do Estado e não "Poder da Nação, conformeocorre na dicção do § 19 do art. 1°, já comentado.

Como sabido, toda pessoa jurídico-política de base territorial é organizada àimagem e semelhança das pessoas físicas. E assim como a pessoa natural é um feixede órgãos que lhe são interiores, somente existindo como parcela do seu próprio ser, aspessoas jurídicas são também um conjunto de órgãos dispostos na sua estruturaíntima, como partes essenciais do todo personalizado em que elas consistem.

Isoladamente, nenhum desses órgãos ou "poder" possui personalidade jurídica,porque a personalidade é atributo do ser global em cuja estrutura interior cada um delesse sedia. Daí por que os atos de qualquer órgão são imputados à pessoa jurídica emque ele se integra, fatalmente, porque o órgão não é distinto da pessoa, mas elementoestrutural da mesma.

Se é verdade que a pessoa jurídica só pode pensar, querer e agir por intermédiodos seus órgãos - que são autênticos centros de formação e manifestação da vontadedo ente personalizado de que eles fazem parte também é certo asseverar que osórgãos só existem como peça da engrenagem em que a pessoa consiste, não podendoagir senão como parcela despersonalizada do ser jurídico inteiriço a que elespertencem.

Dá-se aqui o fenômeno ou a técnica da desconcentração política, que não passade uma repartição de competências entre órgãos da mesma pessoa jurídica. É anecessária "desconcentração da autoridade política", processada por esseeminentíssimo instrumento de distribuição de competências decisórias, que é aConstituição do País.

Nesse mesmo sentido é que a Magna Carta fala, por exemplo, em "livre exercíciode qualquer dos Poderes Estaduais" (artigo 10, inciso IV); em "garantias do Poderjudiciário" (mesmo artigo, inciso VII, alínea "V); em "competência do Poder Executivo"para a iniciativa das leis orçamentárias" (art. 65 ), e em "garantia dos poderesconstituídos" (art. 91), como destinação institucional das Forças Armadas.

c) "Poder", como Sinônimo de Competência ou Faculdade de Ação.

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Já, no § 1º do artigo 13, o Código Político Nacional diz que "aos Estados sãoconferidos todos os poderes que, explicita ou implicitamente, não lhes sejam vedadospor esta Constituição". '

Neste passo, em que sentido ou acepção técnica foi empregada a palavra"Poderes"? A resposta é simples: poder, como faculdade de ação, potencialidade ouaptidão para se auto-organizar e auto-reger-se, respeitadas as vedações explícitas ouimplícitas da "Lex Fundamentalis". Logo, poder enquanto competência para atuar numafaixa própria de atribuições, segundo o princípio constitucional dos poderesremanescentes, ou residuais, que assistem aos Estados-membros da federaçãobrasileira.

É o caso, por igual, do art. 27 da nossa Lei Maior, quando diz que "o PoderLegislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dosDeputados e do Senado Federal". Esse "poder legislativo" deve ser entendido nãonaquela acepção subjetiva de órgão da pessoa União, mas no sentido objetivo deparcela, ou fração de competência política, de caráter legiferante. É dizer: acompetência para legislar assiste ao Congresso Brasileiro; ou, ainda: o poder delegislar é conferido ao Parlamento Nacional, que é o órgão Legislativo da União.

O mesmo sucede com o artigo 73, ao prescrever que "o poder executivo éexercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado", e com oartigo 112 da Constituição, ao falar que o "poder judiciário" é exercido pelos órgãosJudicantes que, a seguir, menciona.

Trata-se, destarte, de um terceiro significado da palavra "poder", visto que nãoidentificado nem com o poder constituinte da Nação nem com os poderes orgânicos doEstado. Mas, tão-somente, como simples faculdade ou competência para agir emdeterminada faixa de atividade jurídica. Faculdade ou competência, já se vê, que a "LexMaxima" atribui originariamente á pessoa política União, em bloco, e depois a repassa,em fatias, para os órgãos ou poderes governamentais dessa mesma pessoa jurídica(Executivo, Legislativo e judiciário).

Assim é que podemos dizer que o "órgão-Poder" exerce o "poder-competência",dado que a palavra "poder" tanto pode referir-se a qualquer dos três órgãos estruturaisdo Estado, quanto à capacidade ou "facultas agendi" de cada um deles.

É neste último sentido, aliás, que o substantivo "poder" é utilizado maisfreqüentemente no direito administrativo, mormente no estudo dos elementosestruturais do ato administrativo, que começa, necessariamente, pela "competência" doagente responsável pela expedição do ato. d) Poder, no Sentido de "Estado", ouPessoa Pública Política

Por derradeiro, é de se registrar que o substantivo poder, sobretudo quandoseguido do adjetivo "público", de modo a formar a locução "poder público", é tambémusado pela Constituição como sinônimo de Estado. Estado, diga-se, de modocompreensivo de qualquer um dos entes federativos, neles incluídos os municípios ocaso do artigo 175, que assegura á instituição da família a proteção dos "poderespúblicos". Também, assim, o parágrafo único do artigo 179, que obriga o "poderpúblico" a incentivar a pesquisa e o ensino científico e tecnológico.

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Ora, salta à evidência que a locução "poder público", nos citados dispositivos, nãoassume nenhum dos três sentidos anteriormente expressos neste ensaio, porém umaacepção inteiramente nova, que somente se compadece com a figura mesma daspessoas políticas territoriais.

Poder Público, neste passo, são a União, os Estados-membros, os Municípios, oDistrito Federal e os Territórios, que têm o inafastável dever de amparar a famílialegalmente constituída (art. 175), ministrar o ensino nos diferentes graus (§ 1° do art.176 ), incentivar a iniciativa privada na mesma área (§ 29 do art. 176) , proteger osdocumentos, as obras e os locais de valor histórico ou artístico (art. 180, parágrafoúnico) e tantas outras instituições ou atividades sócio-culturais.

É certo que nem sempre a Constituição fala de poder público como sinônimo deEstado. Mas, nos dispositivos citados, a sinonímia chega a ser transparente, porquerealmente diz respeito a cada uma das organizações estatais personalizadas dafederação nacional.

e) Síntese dos Vários Significados do Substantivo "Poder".

Em resumo, as quatro acepções da palavra poder, na Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, são:

- Poder Nacional, ou Poder Constituinte, que é titularizado pela Nação e, por issomesmo, anterior e superior aos "Poderes do Estado";

- Poder Estatal, ou Poderes do Estado, que são os três órgãos básicos,elementares e supremos da pessoa jurídica União, independentes e harmônicos entresi, de acordo com a dicção expressa no art. 6° da Carta Magna Federal;

- Competência política, ou faculdade de ação jurídica, nos campos da legislação,da execução e da jurisdição; e r

- Pessoa Pública Política, ou simplesmente "Estado", que tanto pode ser a União,quanto as demais pessoas políticas de base territorial (abstração feita da consideraçãode serem os Territórios pessoas políticas, ou; simples autarquias federais).

2. OS PODERES DO ESTADO E A TEORIA DA SEPARAÇÃO

2.1. Origem e Importância da Teoria da Separação dos Poderes.

Assente que a locução "Poderes do Estado" diz respeito aos três órgãoselementares e supremos da União - Executivo, Legislativo e judiciário -, releva dizerque, entre os temas de direito constitucional mais importantes, é induvidoso que ateoria da separação dos poderes se posiciona com acentuado e merecido realce.

É que, a partir dos estudos do filósofo inglês John Locke, no final do século XVII, opensamento jurídico universal se abriu definitivamente para a compreensão de que nãohá liberdades políticas, nem governos moderados, nem respeito aos direitos naturais dapessoa humana, se as funções básicas do Estado não estão distribuídas entrediferentes órgãos públicos, a cada um deles correspondendo uma daquelas funções.

Não convém, dizia LOCKE, que o poder legislativo e o poder executivo seconcentrem em um mesmo órgão, porque "seria provocar uma tentação muito forte

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para a fragilidade humana, tão sujeita à ambição"(4). E não há maior poder de atraçãoque a atração do poder, acrescentamos nós, ao ver o triste espetáculo de políticos eassessores burocráticos tocados pela mosca azul da notoriedade pessoal, inebriadoscom o perfume estonteante da onipotência.

E quase um século depois, nos luminosos escritos do pensador francêsMONTESQUIEU, a teoria da separação dos poderes foi sistematizada de modo maiscompleto e refinado, pois ao entendimento de que o poder político não deve ficarenfeixado nas mãos de um só governante, ou órgão público, mas distribuir-se porórgãos distintos e igualmente independentes, em número de três, a cada um delecorrespondendo, em princípio, uma das funções essenciais do Estado, o notávelpensador gaulês adicionou a técnica da "contenção do Poder pelo Poder". Isto é, asatribuições do Estado seriam, repartidas entre os seus três Poderes Orgânicos, demaneira que nenhum deles pudesse usurpar as funções outros e cada qual tivesse foçasuficiente para conter os demais nos rigorosos limites da própria esfera de ação...

Somente assim, doutrinava Montesquieu, haveria governos moderados, respeito àordem legal pré-constituída e intocabilidade dos direitos fundamentais da pessoahumana, pois a contenção de um Poder por outro evitaria a formação de governosarbitrários, onipotentes, violadores daquela esfera intangível dos direitos humanos, quesão, em última análise, a própria razão de ser do Estado.

Essa teoria liberal, consubstanciada no ideário de uma convivência mais justaentre governantes e governados, ganhou tanta projeção no pensamento político doséculo XVIII, que a própria Revolução Francesa fez inscrever, na sua "Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão", que a sociedade que não consagrasse a técnica daseparação dos poderes, nem declarasse os direitos fundamentais da pessoa humana,não teria Constituição. É falar: a fórmula da separação foi aceita e proclamada comopenhor de regime constitucional, ao lado da declaração dos direitos. públicossubjetivos, numa concepção tão bem formulada e conscientemente valorada, que aindahoje se mantém com força axiomática; pois,. contemporaneamente, nos dias que fluem,regime constitucional é, sobretudo, técnica de repartição de competências entre órgãospúblicos independentes uns dos outros e, de par com isto, solene declaração dosdireitos fundamentais da pessoa humana, com suas indispensáveis garantias derealizabilidade.

2.2. As Técnicas Assecuratórias da Harmonia e Independência dos Poderes

Que o poder político deve distribuir-se pelos órgãos estruturais do Estado, é teseque não encontra rejeição no subjetivismo de nenhum povo livre e de formaçãodemocrática. Que os poderes orgânicos do Estado devem funcionar de modoequilibrado, harmoniosa e independentemente, é, por idêntico, entendimentocristalizado na doutrina dos juristas e nas Constituições de traço liberal. O grandeproblema é saber quais as técnicas ou os mecanismos institucionais mais adequados àconcretização de tão elevado desiderato, notadamente numa época, como a atual,marcada pela tendência ao fortalecimento por vezes exagerado do Poder Executivo,sob a alegação de que nele é que o Estado mais diretamente se apóia, para enfrentar

(4) "In Direito Constitucional vol. I, pág. 234, Editora Forense, do emérito publicista português MARCELO CAETANO.

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os mais graves fatores de deterioração da vida social, entre os quais avultam asubversão ideológica, a perversão dos costumes e o terrorismo de todos os matizes.

Historicamente, muito mais na teoria que na prática, conceberam-se três modelosou mecanismos de equilíbrio entre os poderes governamentais, no rastro luminoso dopensamento jurídico-liberal dos séculos XVII e XVIII, na Europa e nos Estados Unidosda América.

São eles:

a) atribuição de cada função básica do Estado a um único órgão, que seespecializaria no exercício dela, sem possibilidade de exercer função paralela.Exemplificando, a função legiferante seria confiada ao Poder Legislativo, comexclusividade, ficando ele proibido de desempenhar atividades administrativas oujurisdicionais;

b) atribuição das três clássicas funções estatais a cada poder governamental,sendo que uma em caráter principal, finalístico, e duas em caráter secundário,instrumental. Assim, "verbi gratia", o Poder judiciário teria por função preponderante eespecífica o julgamento dos litígios entre as pessoas físicas ou jurídicas, e, num planoacessório e inespecífico, o desempenho das atividades administrativas e legislativas. OExecutivo operaria na faixa da execução das leis, "ex officio", de modo principal.Secundariamente, atuaria no campo da legislação e da jurisdição. E o PoderLegislativo, na esteira dessa orientação, legislaria como atividade especificamente suae, subsidiariamente, faria breves incursões nos domínios da jurisdição e daadministração;

c) a mesma fórmula indicada na letra "b", "supra", mas complementada com umarefinada técnica de atribuição de uma função relevante do Estado, não a um órgãoisoladamente, porém a dois deles ou até mesmo a todos em conjunto. Isto é, para aprática de determinado ato, ou exercício de certa função, tornar-se-ia necessária aparticipação de mais de um Poder, numa espécie de colaboração forçada. E para efeitode contenção de cada Poder nas fronteiras da sua competência constitucional, todosdisporiam de meios eficientes para impedir a usurpação de funções e fazer refluir oórgão exorbitante para os limites daquele espaço em que a atuação dele seria legítima.

É estreme de vacilações que a última fórmula é a mais completa e a quecorresponde, em tese, tanto ao modelo norte-americano quanto ao brasileiro. E sobreela foi que JEFFERSON definiu o sistema dos freios e contrapesos ("checks andbalances") como "aquele em que os poderes estão de tal forma repartidos eequilibrados, entre os diferentes órgãos, que nenhum deles pode ultrapassar os limitesestabelecidos pela Constituição, sem ser eficazmente detido e contido pelos outros".(2)

É a matéria de que se nutrem as especulações que passamos a desenvolver, noparágrafo que segue.

3. O INTER-RELACIONAMENTO DOS PODERES DO ESTADO NO BRASIL

3.1. O Exercício das Três Funções Básicas, no Âmbito de Cada Poder comoTécnica de Independência Política. (2) MARCELO CAETANO, obra citada, pág. 237.

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Ficou dito, linhas atrás, que a Magna Carta brasileira opera como técnica dedistribuição de competências, repassando todas as atribuições da União para os seusórgãos estruturais ou poderes orgânicos. Nesse transpasse de atribuições, aConstituição dispõe no sentido de que a cada órgão corresponda uma função principal,finalística, sem embargo da possibilidade do exercício das demais, num planosecundário e instrumental. E mais ainda, estatui no sentido de tornar exclusivas decada Poder aquelas funções que estão de tal sorte ligadas à natureza e fisiologia doórgão, que condicionam sua própria independência institucional.

Esta a razão pela qual o Poder Legislativo, a par da função que lhe empresta onome, administra os serviços da sua própria Mesa e Secretaria, nomeia e demite osservidores dos seus quadros funcionais, decide sobre os pedidos desses funcionários eaté das solicitações pessoais dos Deputados e Senadores. Sem falar que se inclui noâmbito da sua competência decisória o julgamento do Presidente da República, noscrimes de responsabilidade, e os Ministros de Estado em crimes da mesma natureza,conexos com aqueles. Também assim, o julgamento das contas do Presidente daRepública, administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos,mediante os sistemas de controle externo.

A seu turno, o Poder judiciário, de parelha com a jurisdição contenciosa, praticaatos tipicamente administrativos, quando os Tribunais organizam os seus serviçosauxiliares, concedem licença e férias aos seus membros e serventuários que lhe foremimediatamente subordinados, abrem procedimentos licitatórios e realizam concursospúblicos para , provimento dos seus cargos, etc. E também se investe em função denatureza legiferante quando os Tribunais discutem, votam e promulgam seusregimentos internos (art. 115, inciso III) e propõe ao Poder Legislativo a criação ou aextinção de cargos, assim como a fixação dos respectivos vencimentos (mesmo artigo,inciso II).

Por fim, o Poder Executivo, cuja função precípua é aplicar a lei no campo - dasatividades tipicamente administrativas, também partilha da legislação e da jurisdição,quando, no primeiro caso, expede regulamentos e instruções normativas e, nosegundo, decide das causas administrativamente instauradas por seus servidores oucontra eles, sem falar nos processos fiscais, previdenciários e trabalhistas, incluídos noimpropriamente chamado contencioso administrativo.

Em verdade, essa possibilidade do exercício das três funções, na esfera de cadaPoder Orgânico, opera como fator de independência institucional de todos eles; poisque, se assim não fosse, cada Poder interferiria nos. negócios internos dos demais, apretexto de exercer sua função específica. É o que preleciona o sempre elegante epreciso constitucionalista CELSO RIBEIRO BASTOS, nesta síntese feliz: "assim, afunção típica do Legislativo é legislar, a do Executivo administrar a do Judiciário,exercer a jurisdição. Ao lado, contudo, de sua função típica, os Poderes exercemsempre, em pequena proporção, função que originariamente pertenceria a outro. E istose dá com vistas a dois objetivos. Em primeiro lugar, assegurar a própria autonomiainstitucional, que ficaria prejudicada. caso o Executivo, a pretexto de lhe ser própria afunção administrativa, quisesse administrar o próprio Poder judiciário ou o Legislativo

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(...) De outra parte, almeja-se que um Poder exerça, em última instância, um controlesobre o outro, para evitar o arbítrio e o desmando"(3).

Essa preocupação autonomista da Lei Maior é reforçada com o acionamento deoutro dispositivo institucional, que é a monopolização de um pequeno número defunções, pelo Poder a que elas, exclusivamente, ou mais diretamente, dizem respeito,como, por exemplo:

a) resolver sobre a mudança temporária da sede do Parlamento Nacional, cujacompetência é exclusiva do Poder Legislativo (art. 44, inciso VI);

b) dirigir superiormente a Administração Federal, que é função privativa. doPresidente da República (art. 81, item I );

c) eleger os .presidentes e demais titulares dos órgãos diretivos dos TribunaisJudiciários, que é competência sediada nas atribuições privativas de cada Tribunalinteressado (art. 115, inciso I ).

São estes, entre muitos outros, os dispositivos acionados pelo Código Político daRepública, no sentido de assegurar a cada Poder Orgânico ás necessárias condiçõesde independência funcional.

3.2. A Participação de Mais de Um Poder, no Processo de Investidura deDeterminados Agentes Públicos. A Colaboração Forçada, Como Fator de Harmonia.

Ocorre, porém, que o desejado equilíbrio entre os órgãos supremos do Estado nãose obtém, apenas, com a autonomia funcional de cada um deles. É igualmenteimperioso assegurar condições de funcionamento harmônico, integrado, concertado,porque todos não passam de elementos estruturais da mesma Pessoa jurídica. Daí,impõe-se também a formalização de meios que levem àquela atuação concertada, paramelhor desempenho de cada Poder e sobrevivência equilibrada da União.

A Constituição Federal é pródiga na institucionalização de tais mecanismos, quese expressam, ora na participação de mais de um Poder na nomeação ou designaçãode agentes públicos para cargos ou missões, ora na colaboração de dois ou maisórgãos para o desempenho da mesma função ou prática do mesmo ato.

Ë o caso, inicialmente, das seguintes nomeações e designações:

a) de Juízes Federais, por ato do Presidente da República, após indicação, emlista tríplice, do Tribunal Federal de Recursos (art. 123);

b) de Ministro dos Tribunais judiciários e do Tribunal de Contas da União, por atodo Executivo e aprovação antecipada do Seriado Federal (artigo 42, inciso III);

c) de Governador do Distrito Federal e Chefes de missão diplomática de caráterpermanente, segundo a mecânica indicada na letra "b", "supra" (art. 42, inciso III);

d) de Deputado ou Senador, ara desempenho de missão temporária, de caráterdiplomático ou cultura mediante prévia designação do Poder Executivo e concessão delicença da Câmara a que pertencer o parlamentar (art. 30, parágrafo único, alínea "g") .

(3) "Inº Curso de Direito Constitucional, SARAIVA 1978, pág. 142.

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Merecem lembradas, ainda, nessa mesma linha de atuação em regime decolaboração, as seguintes normas entalhadas na moldura de nossa Lei Fundamental:

a) o artigo 36, permissivo da investidura de parlamentar federal nos cargos deMinistro de Estado, Secretário de Estado e Prefeito de Capital;

b) o art. 38, § 2°, que faculta o comparecimento de Ministro de Estado perante asComissões ou o Plenário de qualquer das casas do Congresso Brasileiro, para discutirprojetos relacionados com o Ministério sob a sua direção;

c) o artigo 159, que dota o Conselho Constitucional de uma composição eclética,formada por membro do Poder Executivo e do Poder Legislativo (Presidente eVice-Presidente da República, Ministro da justiça e um Ministro representante dasForças Armadas, conjuntamente com os Presidentes do Senado Federal e da Câmarados Deputados);

d) o artigo 52, que possibilita ao Executivo o desempenho da função legislativa,por delegação do Parlamento (sabido que o legislativo, quase sempre, não legislaativo).

3.3. A Participarão de Mais de Um Poder, no Exercício da Mesma Função, ou naPrática do Mesmo Ato.

Como antecipado no parágrafo anterior, em muitas outras passagens do seu texto,a "Lex Maxima" dispõe no sentido de submeter o exercício de uma mesma função, deimportância capital na vida do Estado, à participação conjunta de dois ou mais Poderes.Isto, naturalmente, para tornar mais efetivos os mecanismos de harmonia e deinterdependência dos órgãos do Estado, impedindo, ao mesmo tempo, o gigantismo dequalquer deles em particular.

É o que sucede, "verbi gratia", com as seguintes matérias:

a) Intervenção Federal, veiculada por decreto presidencial, mas obrigatoriamentesubmetida à aprovação ou rejeição do Congresso Brasileiro (art. 12). Sem falar que, emdeterminados casos, o ato interventivo é necessariamente precedido de requisição doSupremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral, e, vezes até, de solicitação doPoder Legislativo (art. 11, § 1°, alíneas "a" e "b") ;

b) fixação de limites globais para o montante da divida consolidada dos Estados eMunicípios, que é feita por Resolução do Senado Federal, após proposta do Presidenteda República (art. 42, inciso VI);

c) suspensão, mediante Resolução do Senado Federal, de lei ou decreto que oSupremo Tribunal vier a declarar inconstitucionais, por decisão definitiva (art. 42, incisoVII);

d) incorporação, ao direito brasileiro, dos tratados, convenções e atosinternacionais, celebrados pelo Presidente da República e aprovados pelo ParlamentoBrasileiro (art. 44, inciso I);

e) declaração de guerra e celebração de paz, com autorização prévia ou "adreferendum" do Congresso Nacional (artigo 44, inciso II, e 81, incisos XI e XII);

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f) todas as matérias arroladas no artigo 57 da Constituição Federal, que são objetode lei do Congresso, mas cuja iniciativa se inclui na esfera de competência privativa doChefe do Poder Executivo Federal;

g) a declaração do Estado de Sítio ou do Estado de Emergência, que serásubmetida pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, no prazo de cincodias, sendo que a instauração formal do último ainda depende de audiência prévia doConselho Constitucional.

Em todas estas hipóteses, a função ou o ato reclama a manifestação da vontadede mais de um Poder, configurando, destarte, mais uma técnica de atuação harmônicaou - de interdependência dos órgão,. estruturais da União.

3.4. O Mecanismo Especial da Contenção de Um Poder Por Outra.

Finalmente, importante é consignar que o nosso Estatuto Político abriganumerosas regras de contenção de um Poder pelo outro, de molde a impedir ausurpação de competência e, de certa forma, recolocar o Po. der exorbitante nosquadrantes da sua área de atuação legal.

A título ilustrativo, merecem elencadas as seguintes normas:

a) artigos 40 e 42, que dispõem sobre o processo e julgamento do Presidente daRepública e dos Ministros de Estado, pelas duas Casas do Congresso (uma paraprocessar e outra para julgar), com poderes para a aplicação da pena. de perda docargo, com inabilitação do apenado, por cinco anos, para o desempenho de funçãopública;

b) artigo 42, ainda, no que toca à competência do Senado da República paraprocessar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral daRepública, nos crimes de responsabilidade, e no que pertine ao poder para estancar osefeitos de decreto presidencial, depois que a inconstitucionalidade deste forreconhecida em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

c) artigo 70, que determina a fiscalização financeira e orçamentaria dos atos doPoder Executivo, pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União;

d) artigo 76, que dispõe sobre a declaração de vacância, pelo ParlamentoNacional, dos cargos de Presidente e de Vice-Presidente da República, se estes nãoassumirem os respectivos cargos, no prazo de 10 dias (salvo motivo justificado);

e) artigo 51, que permite ao Poder Executivo assinar prazo para que o Legislativodelibere sobre projeto de lei de iniciativa daquele;

f) artigo 59, que possibilita a aposição de veto presidencial aos projetos de leiaprovados pelo Congresso Brasileiro, por motivo de inconstitucionalidade ou decontrariedade ao interesse publico;

g) artigo 81, inciso XXII, que da poderes ao Presidente da República paraconceder indulto e comutar pena, alterando, assim, decisões judiciais transitadas emjulgado;

h) artigo 116, que confere poderes aos Tribunais judiciários para declararem ainconstitucionalidade de lei, ou ato normativo do Poder Público;

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i) o artigo 153, § 12, que obriga as autoridades administrativas, civis ou militares, acomunicarem, ao juiz competente, a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

j) o artigo 153, § 4°, que proíbe o Legislativo de excluir da apreciação do Poderjudiciário qualquer lesão de direito individual (vedação implícita, naturalmente).

De lembrar, em remate, que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido aoPoder Executivo competência para recusar aplicação a lei manifestamenteinconstitucional e que, sobremais, as clássicas garantias da Magistratura operam comomedida de restrição aos abusos, tanto do Poder Legislativo, quanto do Executivo, emreferência ao Poder Judiciário.

Trata-se, por conseguinte, de trazer para os domínios do pragmatismo a genialconcepção de Montesquieu, pois este entendia que a cada órgão ou sistema de órgãosdeveria ser atribuída, não só a faculdade de decidir ou estatuir em certo domínio daatividade estadual, mas também a faculdade de refrear ou impedir os abusos deautoridade dos órgãos que atuassem noutros domínios. Os diversos poderes, haviam,pois, de atuar concertadamente, em regime de permanente e harmoniosacolaboração".(4)

3.5. Síntese dos Mecanismos Constitucionais de Independência e Harmonia dosPoderes.

Como visto, variados são os dispositivos engatilhados pela Constituição daRepública, na busca do necessário equilíbrio entre os Poderes do Estado, de sorte quetodos possam atuar com autonomia, mas em regime de contínua e harmoniosacooperação. Tais mecanismos são, em síntese:

a) exclusividade ou monopolização de competência sobre as matérias deeconomia doméstica de cada Poder;

b) exercício simultâneo das três funções básicas, no âmbito de cada Poder, umade modo preponderante e duas em caráter secundário;

c) a participação obrigatória de mais de um Poder, nos atos de nomeação paradeterminados cargos públicos ou designação para funções estatais relevantes;

d) o regime de colaboração forçada de dois ou mais Poderes, para o desempenhoda mesma função ou a prática do mesmo ato, qualificados pela lei Maior como deimportância capital na vidada do Estado;

e) a outorga de competências especificamente direcionadas para a contenção decada Poder nos estritos limites da sua competência constitucional.

Com defeitos e virtudes que não nos cabe comentar neste aligeirado estudo, sãoesses os mecanismos institucionais que presidem ao relacionamento entre os Poderesdo Estado, presentemente. Mecanismos ou dispositivos especificamente brasileiros,porque ressaídos do direito constitucional legislado do nosso País.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

(4) MARCELO CAETANO, obra citada, pág. 245.

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Foram estes os juízos de realidade que nos pareceram dignos de menção, emtorno do inter-relacionamento dos órgãos supremos do Estado. E por taisespeculações, fácil é perceber que existe entre eles, pragmaticamente, muito mais umainterdependência que mesmo uma rigorosa independência.

A título de conclusão, cumpre-nos reafirmar o prestígio de que desfruta omecanismo da separação dos poderes, no direito constitucional contemporâneo. Nãoapenas por conduzir à especialização de funções, à desconcentração da autoridade e àcolaboração interorgânica, mas, principalmente, por ser ela a primeira e mais efetivagarantia de respeito aos direitos imprescritíveis, inalienáveis e impostergáveis da ressoahumana.

Não é a divisão de poderes o fim último da Constituição, porque o objetivo final daConstituição é proteger e promover o ser humano. Mas, sem o mecanismo darepartição, o Estado jamais teria força de vontade para controlar a vontade da força. Esem disciplina da força os direitos fundamentais do homem não passariam de simplesornamento gráfico, na tessitura formal das constituições.

Aracaju, 6 de junho de 1979.

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SAMPAIO, NÉLSON DE SOUZA - Prólogo à Teoria do Estado - São Paulo-Forense, 1960 - 2ª Edição.

SILVA, JOSÉ AFONSO DE - Aplicabilidade das Normas Constitucionais - SãoPaulo - Editora da Revista dos Tribunais - 1968 - Curso de Direito ConstitucionalPositivo - São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1976.

SOCIEDADES ANÔNIMAS SOCIEDADE DEECONOMIA MISTA

Antônio Carlos Cintra do Amaral(*)

Quero inicialmente dizer que é uma satisfação muito grande estar aqui em Brasíliaparticipando de um ciclo de estudos promovido pelo Centro dirigido pelo professorRoberto Rosas e agradecer a honra que representou para mim a formulação de umconvite para vir aqui fazer uma palestra neste ciclo de estudos. Quero dizer, ainda, quetalvez eu traga mais dúvidas do que soluções. Disse o professor Roberto Rosas que anova Lei das Sociedades Anônimas já deixou de ser nova, mas, apesar de implantadajá há algum tempo, esse algum tempo ainda é bastante pouco para eliminar as dúvidasque ela trouxe, na medida em que se rompeu com o esquema do Decreto-lei n° 2.627,que era extremamente formal e em que se levava em consideração, fundamentalmente,a forma da sociedade, mais do que propriamente a atividade que se exercia. já se disse- e vários autores realçaram - que a Lei n° 6.404, de 1976, é uma lei que se volta pararegular as atividades econômicas exercidas pelas sociedades por ações e nãopropriamente sua forma societária. É dentro dessa lei que se coloca o capítulo XIX, que

(*)Professor de Direito Administrativo da PUC/SP.

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se refere às sociedades de economia mista e que apresenta problemas extremamenterelevantes, a começar pela própria abrangência desse capítulo.

O que são sociedades de economia mista para os efeitos da Lei nº 6.404?

Colocam-se inicialmente três questões básicas.

As sociedades de economia mista são tanto as controladas pela União quanto ascontroladas por Estado-membro ou por Município? Essa é uma primeira questãoreferente à abrangência das normas desse capítulo XIX da Lei nº 6.404.

Uma segunda questão extremamente relevante é que nós sabemos que associedades de economia mista podem ser de primeiro grau, ou primeira geração, namedida em que o controle acionário é exercido diretamente pela pessoa jurídica dedireito público interno, ou de segundo ou terceiro grau, na medida em que sãocontroladas indiretamente pela pessoa jurídica de direito público interno, através deoutra sociedade de economia mista da qual é subsidiária, que é o exemplo concretodas subsidiárias da PETROBRÁS. A PETROBRÁS é uma sociedade de economiamista de primeiro grau e suas subsidiárias são sociedades de economia mista desegundo grau. As sociedades de economia mista de segundo ou terceiro grau sãoabrangidas pelo capítulo XIX da Lei n° 6.404?

Uma terceira questão, ainda no que se refere à abrangência do capítulo XIX da Lein° 6.404, é a que se refere ao tipo de atividade que é exercido pela sociedade. Seráque as exceções contidas nesse capítulo XIX aplicam-se indistintamente a todas associedades sob controle do Poder Público, independentemente da atividade a que sevoltam e dos objetivos chie perseguem, ou será que atingem apenas a algumassociedades controladas pelo Poder Público, em função de determinadas atividades queexercem e de determinados objetivos que perseguem? Na prática - e não apenas nateoria - parece-me que se colocam aí fundamentalmente três tipos de empresasestatais, em função da atividade que exercem. Há a empresa que exerce atividadeeconômica, seja em caráter monopolista, de acordo com o artigo 163 da Constituição,seja em caráter suplementar, facultado pelo § 1Q do artigo 170 da Constituição Federal.Um segundo tipo de empresa estatal é aquele tipo de empresa que exerce serviçopúblico, geralmente sob o regime de concessão. O Poder Público, titular do serviço,concede o serviço a uma empresa, que em regra é criada por ele próprio, Poder Públicotitular do serviço. Eventualmente, há casos como, por exemplo, no Estado de SãoPaulo, a Viação Aérea São Paulo S. A. - VASP, ou a Companhia Energética d° SãoPaulo -CESP, que são empresas estatais sob controle de um Estado-membro e queexercem, sob regime de concessão, serviço público federal previsto no artigo 8°, itemXV, da Constituição Federal. E um terceiro tipo que existe na realidade é o daquelasempresas que são criadas para exercerem atividade de suporte da AdministraçãoPública e que na verdade são meras descentralizações administrativas. Aqui emBrasília mesmo eu conheço o exemplo da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária -EMBRAPA, que resultou da descentralização de um órgão do Ministérioda Agricultura e são vários os exemplos, tanto a nível federal quanto a nível estadual oumunicipal, de empresas que são criadas não para invadir a esfera econômica, não paraatuar na ordem econômica ou para exercer sob regime de concessão um serviçopúblico, mas para privatizar um determinado órgão da Administração Pública. \a

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verdade, na medida em que surgem necessidades novas que a Administração PúblicaDireta não consegue enfrentar adequadamente, em razão sobretudo das normasexcessivamente rígidas chie a regem, e que a solução das autarquias foi evidentementefrustrada, surgiu a idéia de descentralizar órgãos da Administração Direta não mediantecriação de autarquias, como até há pouco tempo ocorria, mas mediante adoção dafórmula empresarial. O Estado utiliza o instrumento empresarial para desenvolveratividade que anteriormente era exercida dentro da Administração Direta ou - quemsabe? - talvez até sob a forma de autarquia, já totalmente vinculada às mesmas normasque regem as atividades da Administração Direta.

De modo que essas questões são colocadas hoje tanto na teoria quanto na práticae há teses desenvolvidas em relação à primeira questão da abrangência do capítuloXIX da Lei n° 6.404, que é a de saber se há sociedades de economia mista estaduais emunicipais. Há três teses fundamentais bem colocadas sobre essa questão.

Uma primeira tese é a que considera que os requisitos para caracterização deuma sociedade de economia mista são iguais para todas as sociedades e que oimportante é a maioria do capital com direito a voto pertencer ao Poder Público,indistintamente se esse Poder Público é a União, Estado ou Município. Essa tese ésustentada por vários autores, inclusive pelo professor Hely Lopes Meirelles, e tem sidopredominantemente aceita na doutrina jurídica administrativa.

Uma segunda tese sustentada por exemplo pelo professor Celso Antônio Bandeirade Mello, da Universidade Católica de São Paulo, é de que só há sociedade deeconomia mista estadual ou municipal para exercício de serviço público, na medida emque ele considera que a exploração de atividade econômica constitui modalidade deintervenção do Poder Público na ordem econômica, vedada pela Constituição aEstados e Municípios.

Fundamenta o professor Celso Antônio Bandeira de Mello sua tese considerandoque o exercício da atividade econômica pelo Poder Público, tanto no caso do artigo 163- que é o exercício de atividade em caráter monopolista - quanto no caso do artigo 170,§ 1°, da Constituição - que prevê o exercício de atividade econômica em carátersuplementar da iniciativa privada - constitui sempre modalidade de intervenção doPoder Público na ordem econômica, facultada apenas à União.

Parece-me questionável essa tese na medida em que entendo que a intervençãoé apenas uma das modalidades de atuação do Poder Público na ordem econômica e oPoder Público pode atuar na ordem econômica sob três modalidades possíveis: umaque é a intervenção, prevista no artigo 163 da Constituição; outra que é o exercício daatividade econômica em caráter monopolista, também prevista no artigo 163 daConstituição, mas distinta da modalidade de intervenção na ordem econômica namedida em que intervenção na ordem econômica significa como controle pelo PoderPúblico das atividades da iniciativa privada, controle exercido com vista a compatibilizartais atividades com o interesse público do qual o Poder Público é guardião; uma terceiramodalidade é o exercício da atividade econômica em caráter suplementar, prevista no §1º do artigo 170 da Constituição.

E uma terceira tese, que tem sido por exemplo predominante hoje no Estado deSão Paulo, se bem que em outros Estados não tem existido essa predominância, é a de

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que não há sociedades de economia mista estaduais ou municipais porque o quecaracterizaria a sociedade de economia mista seria a possibilidade de estar elaexcepcionada do regime jurídico das sociedades anônimas em geral. Se a sociedadede economia mista seria aquela que poderia ser excepcionada do regime geralprevalente para as sociedades anônimas em geral, só existiria sociedade de economiamista federal, na medida em que compete à União legislar sobre direito comercial,inclusive sobre sociedade anônima.

Parece-me que se colocam aí três posições que têm vantagens e desvantagens,têm argumentos a favor, mas também têm argumentos contrários.

Em relação à primeira tese (a de que indiferentemente ou indistintamente de quemé o controlador do capital na sociedade, se é a União, o Estado, ou o Município, secaracteriza sempre uma sociedade de economia mista, na medida em que houvesse ocontrole acionário e anais um requisito, que seria a criação por lei, ou autorização paracriação por lei), parece-me que ela não esgota totalmente o assunto, na medida em quenão distingue entre empresas estatais que exercem atividades dessemelhantes, ouseja, atividade econômica, serviço público e suporte da Administração Pública.

Em relação à segunda tese (a de que só existiria sociedade de economia mistacriada por Estado-membro quando voltada para o exercício de serviço público, porque ainterpretação do artigo 170, § 1°, seria no sentido de que constituiria modalidade deintervenção e sendo modalidade de intervenção só por lei federal é que se poderia criara sociedade), parece-me que ela esbarra em duas dificuldades.

Uma é a de que o artigo 170 dispõe expressamente que "o Estado deve estimulare apoiar a iniciativa privada" e o § 1° desse artigo dispõe no sentido de que apenas emcaráter suplementar da iniciativa privada "o Estado" organizará e explorará diretamentea atividade econômica; enquanto o artigo 163 fala expressamente em "lei federal"quando diz que são facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio dedeterminada indústria ou atividade mediante "lei federal" quando indispensável pormotivo de segurança nacional para organizar setor que não possa ser desenvolvidocom eficácia no regime de competição e liberdade de iniciativa. Então nós vemos que oartigo 163 condiciona o exercício da atividade monopolista expressamente a uma leifederal, mas no artigo 170 fala-se genericamente no "Estado" tanto no "caput" do artigo170, quando diz "Às empresas privadas compete preferencialmente, com estímulo eapoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas", quanto no § 1° dessemesmo artigo 170, quando diz que "Apenas em caráter suplementar da iniciativaprivada o Estado organizará e explorará diretamente a atividade econômica". Eu nãoposso abstrair as palavras, quer da Constituição, quer da lei, para interpretá-las.Evidentemente não sou defensor da interpretação literal. Parece-me extremamenteperigosa a interpretação literal, na medida em que pode conduzir a equívocos terríveisna sua aplicação, mas também não posso abstrair as palavras da fórmula da normaconstitucional ou da fórmula da norma legal. Quando procuro interpretá-las, tenho quepartir exatamente dos termos, das palavras em que a norma está expressa. Toda vez,toda vez - e isto inclusive é curioso porque esse estudo foi feito pelo professor OsvaldoAranha Bandeira de Mello, pai do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, quedefende exatamente essa segunda tese - toda vez que a Constituição menciona

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"Estado" no seu texto está a referir-se a Poder Público em geral, indistintamente União,Estado e Município.

Não bastasse isso parece-me que haveria outro argumento, fundamental, paraentender esse artigo 170 como se referindo ao Poder Público em geral, quer União,Estado ou Município. Quando me defronto com uma norma que diz "Estado" e quandovejo que toda vez que a Constituição fala em "Estado" está a referir-se a Poder Públicoem geral, seja União, Estados-membros ou Municípios, tenho que interpretar essanorma como se referindo a essas pessoas jurídicas de direito público interno, todaselas, inclusive porque me parece que uma interpretação noutro sentido seria uniarestrição ao princípio da Federação que é expressamente consagrado na Constituição.Suponhamos, por exemplo, que um Estado-membro tivesse num determinado momentoa necessidade de suprir uma determinada atividade econômica em que a iniciativaprivada não fosse suficientemente capaz para exercer. O interesse do Estado-membroem suprir ou suplementar aquela atividade estaria exatamente no fato de que esseinteresse estaria circunscrito a seus limites territoriais e por conseqüência seriainteresse tipicamente estadual. A admitir-se a tese de que no caso da atividadesuplementar o Estado-membro não poderia criar uma sociedade para exercer essaatividade, nós chegaríamos à conclusão de que para atender a um interessetipicamente estadual o Estado-membro teria que recorrer à União para produzir uma leifederal e dessa lei federal resultar a criação de uma empresa para a satisfação daqueleinteresse tipicamente estadual, contrariando, assim, o princípio geral da Federação. Demodo que me parecem argumentos importantes, contrários a essa segunda tese, queeu não coloco como definitivos na medida em que são interpretações plausíveis e nósdevemos estar sempre alertas às interpretações divergentes, inclusive admitindosempre a revisão dos próprios conceitos.

Quanto à terceira tese, que diz só ser sociedade de economia mista aquela quetem algum traço distintivo das sociedades anônimas em geral, como, por exemplo, umasociedade em que o Presidente seja nomeado pelo Presidente da República - comoocorre em vários casos concretos -ou em que o Conselho de Administração - comotambém ocorre em vários casos concretos de sociedades ou de empresas federais -tem por lei atribuições diversas daquelas contidas no artigo 142 da Lei n° 6.424,parece-me, salvo engano, difícil de sustentar. Porque se a União, ao criar umasociedade, não a excepcionar do regime aplicável às sociedades anônimas em geral,essa sociedade, de acordo com essa tese, não será uma sociedade de economia mista.E por quê? Porque lhe faltaria um traço distintivo em relação às sociedades anônimasem geral. Mas aí nós entenderíamos que não seria ela sociedade de economia mistaapesar de o Decreto-lei n° 200/67, no seu artigo 5°, inciso III, não dizer que sociedadede economia mista é aquela que deve ter um traço distintivo em relação às sociedadesanônimas em geral. Todos sabem que o artigo 5°, inciso 111, do Decreto-lei n° 200,com a nova redação do Decreto-lei n Q 900, conceitua a sociedade de economia mistacomo aquela criada por lei (ou que tenha sua criação autorizada por lei), que exerceatividade econômica, com personalidade jurídica de direito privado e que tem a maioriado seu capital votante pertencente à União ou entidade da Administração Indireta.Então nós teríamos uma sociedade criada pela União exatamente igual às sociedadesanônimas em geral e que seria uma sociedade de economia mista, de acordo com umconceito com o qual nós não podemos brigar, pois não é um conceito lógico-jurídico ou,

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um conceito doutrinário formulado a partir da interpretação do ordenamento jurídico,mas um conceito jurídico-positivo, um conceito expresso na legislação em vigor. Essasociedade seria tipicamente uma sociedade de economia mista federal, apesar de nãoter nenhum traço distintivo em relação às sociedades anônimas em geral.

Eu me colocaria numa quarta posição, que seria a de verificar que quando aConstituição se refere às sociedades de economia mista ela o faz no artigo 170,especificamente quando trata de exercício de atividade econômica pelo Poder Público,isto no § 2°, que diz: "Na exploração pelo Estado da atividade econômica as empresaspúblicas e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis àsempresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ar das obrigações".Parece-me, então, que as sociedades de economia mista se caracterizam por sereminstrumentos do Estado, do Poder Público, para o exercício de atividade econômica.Nesse sentido, especialmente levando em consideração que a Lei n° 6.404 tem porobjetivo, tem por finalidade -e isso já foi acentuado por vários de seus comentadores -tem por finalidade regular a atividade econômica exercida pelas sociedades anônimas enão a forma jurídica de que elas se revestem, parece-me que sociedade de economiamista, para os efeitos da Lei n° 6.404, pelo menos para esses efeitos, seria a sociedadeinstrumento do Poder Público, seja federal, estadual ou municipal, no exercício daatividade econômica, excluindo-se assim aquelas sociedades que exercem serviçopúblico sob o regime de concessão, submetidas a um regime jurídico constitucionalespecífico, que é o do artigo 167, regime esse que não distingue entre sociedadescontroladas pelo Poder Público e sociedades controladas pela iniciativa privada.Parece-me - repito - que sociedades de economia mista são instrumentos de exercício,pelo Poder Público, da atividade econômica, o que condiz, inclusive, com o conceito doDecreto-lei n° 200. Aliás, o Decreto-lei n° 200 tem sido extremamente criticado, muitasvezes inclusive em relação a esse conceito, por se considerar que ele não ésuficientemente abrangente. É possível que muitos se recordem de que o Decreto-lei n°200 distinguia empresa pública e sociedade de economia mista, na sua redaçãooriginal, dizendo que a empresa pública deveria ser criada para exercer atividade denatureza empresarial, enquanto a sociedade de economia mista seria aquela criadapara exercer atividade mercantil. Depois, o Decreto-lei n° 900 uniformizou, pelo menosnesse aspecto, os dois conceitos e tanto a empresa pública quanto a sociedade deeconomia mista são entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado queexercem atividade econômica, o que me parece um conceito que já em 1969, com oDecreto-lei nº 900, se colocava adequadamente, apesar de na época as noçõesestarem mais fluidas do que hoje.

De modo que essa é a colocação em relação às teses quanto à existência ou nãode sociedades de economia mista estaduais ou municipais. Urna outra questãoreferente à abrangência do capítulo XIX da Lei nº 6.404 é aquela do grau do controle -sociedade de primeiro grau ou sociedade de segundo grau. Se nós analisarmos o artigo235, § 2°, da Lei n° 6.404, diz ele: "As companhias de que participarem, majoritária ouminoritariamente, as sociedades de economia mista estão sujeitas ao disposto nesta leisem as exceções previstas neste Capítulo." Quer dizer: as exceções aplicáveis àssociedades de economia mista, contidas no capítulo XIX da Lei n° 6.404, não seaplicam, de acordo com o § 2° do artigo 235, às companhias de que participaremmajoritária ou minoritariamente sociedades de economia mista.

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À primeira vista, parece óbvio que o entendimento é no sentido de que aschamadas sociedades de economia mista de segundo grau, ou seja, aquelas sobcontrole indireto de pessoas jurídicas do direito público interno e sob controle direto deoutra sociedade de economia mista, não seriam abrangidas por essas exceções docapítulo XIX. Houve, no entanto, uma posição firmada pelo Consultor-Geral daRepública, no Parecer 3.644, publicado em 26-7-77, em que defendia a tese de quenão se deveria interpretar esse § 2° do artigo 235 isoladamente do sistema jurídico.Entendia ele que esse § 2° do artigo 235 deveria ser interpretado de modo sistemático,levando-se em consideração inclusive a necessidade de harmonizá-lo com o conceitode sociedade de economia mista expresso no Decreto-lei n° 200. E como o Decreto-lein° 200 diz que sociedade de economia mista é aquela sob controle majoritário da Uniãoou entidade da Administração Indireta, abrangendo por conseqüência inclusive associedades de segundo grau, a maneira que o Consultor-Geral da República entendeude harmonizar esse preceito do § 2° do artigo 235 da Lei n Q 6.404 com o conceito, anível da Administração Federal, expresso no Decreto-lei n° 200, foi a de considerar queesse § 2° se referia àquelas companhias que não tinham tido sua criação autorizadapor lei, faltando-lhes, assim, um requisito essencial para sua caracterização comosociedades de economia mista, requisito esse que está tanto no Decreto-lei n° 200quanto no artigo 236 da Lei n° 6.404.

Essa posição realmente é respeitável. Data vênia, porém, parece-me que ainterpretação sistemática a nível jurídico deve ter um certo limite. O sistema jurídico écomposto de subsistemas. Existe o subsistema do Decreto-lei n° 200, voltado paraorganização, estruturação e disciplina da Administração Federal Direta e indireta, comoexiste um outro subsistema, que é o da Lei n° 6.404, que se volta especificamente paraa disciplina das sociedades por ações. Temos que convir que não é a mesma coisaregular sociedades de economia mista para os efeitos da organização da AdministraçãoDireta e Indireta Federal e regular as sociedades de economia mista, por exemplo, paraefeitos tributários. Quando essa Lei nº 6.404 foi publicada, houve um seminário em SãoPaulo de que participaram professores de Direito de várias disciplinas e se procurouentender o conceito de sociedade de economia mista para uniformizá-lo. Nesseseminário, o professor Alcides Jorge Costa, eminente tributarista, disse: "Bom, eu nãotenho dúvidas, porque em termos de direito tributário sociedades de economia mistasão tantas as federais quanto as estaduais e as municipais."

Por isso é que me parece que o conceito de sociedade de economia mista, comoqualquer outro conceito jurídico, tem que ser colocado dentro de seu contexto. Há umconceito de sociedade de economia mista no contexto do Decreto-lei n° 200; há umconceito de sociedade de economia mista no contexto da legislação tributária, maisespecificamente da legislação de imposto de renda; e há um conceito de sociedade deeconomia mista para os efeitos da Lei nº 6.404. Nesse sentido considero que odispositivo do § 2º do artigo 235 seria inócuo se não se referisse exatamente àssociedades de economia mista de segundo grau, porque se ele não se referisse àssociedades de economia mista de segundo grau e simplesmente àquelas que nãoteriam sua criação autorizada por lei -como entendeu o Consultor-Geral da República -não haveria necessidade dele, na medida em que só é sociedade de economia mista,de acordo com o artigo 236 da Lei n° 6.404, aquela cuja criação tenha sido autorizada

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por lei. Em outras palavras: o artigo 236 já exclui as sociedades cuja criação não éautorizada por lei, pelo que inócuo seria o dispositivo do § 2° do artigo 235.

Em relação, pois, à abrangência do capítulo XIX da Lei n° 6.404, posso chegar aalgumas conclusões preliminares. A primeira delas é a de que as normas dessecapítulo XIX se aplicam apenas às sociedades sob controle do Poder Público queexercem atividade econômica. Nesse sentido eu excluiria aquelas que exercematividade de suporte da Administração Pública - e eu citei como exemplo o caso daEMBRAPA. É curioso o caso da EMBRAPA. Ela é uma empresa federal, empresapública federal, que tem por objetivo efetuar pesquisas para fornecer insumos àiniciativa privada que exerce a produção agropecuária. Então, a EMBRAPA é aomesmo tempo uma empresa de suporte da Administração Pública Federal e umaentidade de suporte da própria iniciativa privada, na medida em que o resultado de suaatividade se volta não para a utilização pelo Poder Público, mas sim para a iniciativaprivada do setor de produção agropecuária. Excluiria as empresas que exercem serviçopúblico, submetidas ao regime do artigo 167 da Constituição.

Uma segunda conclusão é a de que as normas do capítulo XIX da Lei n° 6.404não se aplicam às sociedades sob controle indireto do Poder Público. Porconseqüência, não se aplicam às sociedades de economia mista chamadas desegundo ou terceiro graus e sim apenas às de primeiro grau. Ressalto, porém, que sãorelevantes as razões colocadas no referido parecer do Consultor-Geral da República,parecer esse que é vinculante para a Administração Federal.

E uma terceira conclusão é a de que, para os efeitos do capítulo XIX da Lei nº6.404, não importa se a sociedade está sob controle acionário da União, do Estado oudo Município. As normas desse capítulo se aplicam às sociedades que exercematividade econômica, independentemente de quem é o acionista controlador, se é aUnião, Estado-membro ou Município.

Colocadas essas noções, eu poderia dizer, seguindo de certo modo a ordem dosartigos da Lei n° 6.404, que um primeiro aspecto das exceções contidas nesse capítuloXIX se refere à tipificação da sociedade de economia mista. Há uma tipificaçãooriginária e uma tipificação superveniente.

Eu chamaria de tipificação originária a constituição autorizada por lei, como dizexpressamente o artigo 236. A constituição de sociedade de economia mista dependede prévia autorização legislativa, no que aliás está exatamente de acordo com oDecreto-lei n° 200, se bem que mais apropriadamente porque o Decreto-lei n° 200 dizque sociedade de economia mista é a "criada por lei" e aqui se fala em "préviaautorização legislativa". Eu pessoalmente só conheço um exemplo de empresa - que,aliás, não é sociedade de economia mista e sim empresa pública - que foi criada por lei:é a EMBRATUR. O Decreto-lei n° 55 criou a EMBRATUR, mas é o único caso queconheço. Se bem que não vejo nenhum inconveniente em uma lei federal criar umasociedade por lei, seja uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista, namedida em que a lei federal pode excepcionar o regime normal de constituição desociedades. Já a lei municipal ou a lei estadual não poderia fazer isso. Mas, semdúvida, que a fórmula do artigo 236 é mais apropriada do que a do Decreto-lei n° 200.

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A tipificação superveniente me parece que está contida no parágrafo único doartigo 236, quando diz que sempre que pessoa jurídica de direito público adquirir pordesapropriação o controle de companhia em funcionamento, os acionistas terão direitode pedir, dentro de 60 dias da publicação da ata da primeira Assembléia Geral,realizada após a aquisição do controle, o reembolso das suas ações, salvo se acompanhia já se achava sob o controle direto ou indireto de outra pessoa jurídica dedireito público, ou no caso de concessionária de serviço público. Parece-me, se bemque o parágrafo único do artigo 236 não esteja redigido adequadamente, parece-meque esse parágrafo único assegura ao acionista minoritário o direito ao reembolso desuas ações exatamente na medida em que a desapropriação do controle acionário decompanhias em funcionamento importa numa tipificação superveniente de sociedadede economia mista. Em outras palavras: uma sociedade que não era de economiamista passa a ser de economia mista pela fato de o Poder Público haver desapropriadoo controle acionário. E aí se coloca uma questão curiosa: e a aquisição por compra docontrole acionário, como estaria regulada? O acionista teria direito ao reembolso? Aaquisição do controle acionário por compra importaria numa modificação do tipo desociedade? Parece-me que sim, se bem que o parágrafo único do artigo 236 nãocontempla a hipótese e a meu ver seria ousadia, já que no parágrafo único seassegurou o reembolso das ações dos acionistas minoritários apenas no caso dedesapropriação, seria ousadia incluir uma outra hipótese, que não foi contemplada nalei, por via da interpretação doutrinária. De qualquer modo, mesmo reconhecendo quedificilmente seria possível defender o direito do acionista minoritário de obter oreembolso de suas ações na hipótese da aquisição por compra do controle acionáriopelo Poder Público, com bate nesse dispositivo legal, parece-me que mesmo assim asociedade de economia mista estaria caracterizada pela aquisição por compraautorizada por lei e essa caracterização seria superveniente.

Eu conheço um caso concreto que posso exemplificar, que é o caso daSIDERBRÁS, que assumiu o controle acionário da Companhia Siderúrgica PaulistaCOSIPA. A SIDERBRÁS foi constituída por lei federal e um dos dispositivos dessa leiautorizava-a a adquirir controle acionário de empresas siderúrgicas. A SIDERBRÁS,com fundamento nesse dispositivo legal, adquiriu o controle acionário da COSIPA. Ofato da COSIPA não ter sido criada por lei, ou não ter tido sua criação autorizada porlei, parece-me que foi suprido pelo fato de que a aquisição do controle acionário peloPoder Público se verificou com fundamento em lei, embora posterior. Isso a meu vercaracteriza a COSIPA como uma sociedade de economia mista de segundo grau,subsidiária da SIDERBRÁS, que seria sociedade de economia mista de primeiro grau.

Outro aspecto referente ao capítulo XIX que me parece deva ser acentuado é o davinculação da sociedade de economia mista à lei. Essa vinculação da sociedade deeconomia mista à lei já é explícita em relação a sua criação, tanto no Decreto-lei n° 200,quanto no artigo 236 da Lei n° 6.404, e implícita em termos de tipificação de sociedadede economia mista, como no caso de aquisição de controle acionário, em que énecessária uma lei que autorize a aquisição do controle acionário para que secaracterize uma sociedade como de economia mista.

Também o artigo 237 da Lei nº 6.404, excepciona a regra geral de que asociedade anônima pode exercer qualquer atividade pertinente ao seu objeto e

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participar de empresas ou de outras sociedades, desde que isso não a desvie de seuobjeto social (§ 3° do artigo 2°). O artigo 237 dispõe que a companhia de economiamista somente poderá explorar os empreendimentos ou exercer as atividades previstasna lei que autorizou a sua constituição. Quer dizer: a sociedade de economia mista,diferentemente das sociedades anônimas em geral, só poderá exercer osempreendimentos ou atividades previstas na lei que autorizou sua constituição. Aqui meparece tranqüilo que houve um cochilo do legislador quando se referiu a atividadesprevistas na lei que autorizou sua constituição. Porque não se pode obviamente impedirque uma lei posterior àquela que autorizou sua criação venha a disciplinar de maneiradiferente o exercício de empreendimentos ou de atividades dentro do objeto social desociedade já criada. Quando essa parte final do artigo 237 diz "prevista na lei queautorizou sua constituição", deve ser entendida como "prevista na lei", seja aquela queautorizou sua constituição, seja outra que estenda o âmbito de atuação da sociedadede economia mista, embora não prevista originariamente.

Uma outra vinculação da sociedade de economia mista à lei é a vedação departicipação em outras sociedades, que está no § 1° do artigo 237, quando se dispõeque a companhia de economia mista somente poderá participar de outras sociedadesquando autorizada por lei ou no exercício de opção legal para aplicar imposto de rendaem investimento para o desenvolvimento regional ou setorial. já o § 2° dispõe que asinstituições financeiras de economia mista poderão participar entre outras sociedades,observadas as normas estabelecidas pelo Banco Central do Brasil. As sociedades deeconomia mista só podem, portanto, participar de outras sociedades quandoautorizadas por lei. Vale notar que o parecer do Consultor-Geral da República a que mereferi apreciava exatamente a hipótese de participação em empreendimentos conjuntoscom a iniciativa privada, no Rio Grande do Sul, através de participação no capital deempresas privadas. Entendeu o Consultor-Geral da República, como vimos, que essassubsidiárias, apesar de serem sociedades de economia mista de segundo grau,estavam incluídas nas exceções do capítulo XIX da Lei n° 6.404 e por esse motivohaveria necessidade de uma lei que autorizasse na participação em empresas privadas.

Há aí um problema curioso. O § 6° do artigo 296 da Lei n° 6.404, que é umadisposição transitória, ao referir-se a essas participações das sociedades de economiamista no capital de outras sociedades dispôs que os § § 1º e 2° do artigo 237 não seaplicavam às participações existentes na data da publicação da Lei. Reconhece, assim,as participações que existiam na data em que a lei foi publicada. O problema que secoloca na prática, freqüentemente, é o de saber se as participações existentes na datade publicação da Lei nº 6.404 podem ser aumentadas. Inclusive, freqüentemente elassão aumentadas através de mecanismos automáticos, como a distribuição doschamados "filhotes" de ações. É uma dúvida curiosa, que me parece deva ser analisadacaso a caso, para verificar se essas participações foram automáticas - e nessa hipóteseme parece que elas podem ser aumentadas - ou se resultam em novos aportes decapital - hipótese que me parece não se agasalhar na interpretação do § 6° do artigo296.

Um outro aspecto que me parece interessante ressaltar é o da posição doacionista da sociedade de economia mista. O artigo 233 dispõe que a pessoa jurídicaque controla a sociedade de economia mista tem os deveres e responsabilidades do

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acionista controlador e se refere, ou remete, para os artigos 116 e 117. Os artigos 116 e117 da Lei n° 6.404 tratam do acionista controlador. Diz o 116: "Entende-se poracionista controlador a pessoa natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadaspor acordo de voto ou sob controle comum, que: a) é titular de direito de sócio que lheassegure de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações da AssembléiaGeral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usaefetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dosórgãos da companhia." Então se coloca ainda hoje uma dúvida. É a de como entenderadequadamente esse artigo 116. Porque, na verdade, quem é titular de direitos desócio que lhe assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações daAssembléia Geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia enão usa efetivamente seu poder para dirigir as; atividades sociais ou orientar ofuncionamento dos órgãos da companhia me parece ser um caso patológico digno deinternação. Obviamente, quem tem o poder exerce-o, de modo que esse "e" atrapalhabastante, na medida em que as duas condições, cumulativas, parecem umaredundância. O entendimento lógico seria trocar esse "e" por um "ou" e o "ou" entãofacilitaria bastante porque o acionista controlador seria aquele que é o titular da maioriadas ações com direito a voto em caráter permanente e tem o poder de elegera maioriados administradores "ou" o que uca efetivamente seu poder para dirigir as atividadessociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Mas me parece muitoarriscado substituir o "e" por um "ou". Na interpretação da norma legal, é preferíveladmitir-se que a lei estabeleceu uma conjugação de condições inócuas - porque quemsatisfaz um requisito automaticamente satisfaz o outro - do que admitir-se oentendimento da alternativa "ou", que significaria o que o professor ModestoCarvalhosa, em seus "Comentários à Lei das Sociedades Anônimas", considera omodelo de controle externo que é usado na legislação estrangeira, mas que não foiadotado, segundo ele, analisando exatamente esse artigo, pela lei brasileira, que ficouapenas com o controle interno.

Suponhamos, por exemplo, uma instituição financeira, que é regulada por normasdo Banco Central. O Banco Central, se substituído nesse dispositivo do artigo 116 o "e"pelo "ou", o Banco Central poderia, ao aprovar as normas reguladoras das instituiçõesfinanceiras, chegar ao ponto de usar efetivamente seu poder para dirigir as atividadessociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia e isso o caracterizariacomo acionista controlador. Uma outra hipótese de controle extenuo seria, por exemplo,o do regime de concessão de serviço público. O concessionário muitas vezes é atingidopor decisões do Poder concedente e se se admitisse a tese do controle externochegaríamos ao ponto de considerar o Poder concedente como acionista controlador dasociedade concessionária, na medida em que poderia usar efetivamente seu poderpara dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia,mesmo sem ter a titularidade da maioria das ações com direito a voto.

Um outro aspecto desse artigo 238 e que tem ensejado uma séria controvérsia é oda Cláusula adversativa final. Diz o artigo 238: a pessoa jurídica que controla acompanhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionistacontrolador, mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender aointeresse público que justificou a sua criação. Pode, então, o acionista controlador desociedade de economia mista agir às vezes em detrimento da própria sociedade, e por

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conseqüência vir até a prejudicar os acionistas minoritários, especialmente no caso desociedades de economia mista abertas, através de decisões que podem vir a prejudicarno momento a empresa e mais especialmente os acionistas minoritários queadquiriram, por exemplo, ações em bolsa e que esperam dividendos maiores na medidaem que atenda ao interesse público que justificou sua criação. Aqui se coloca umexemplo prático que é o da PETROBRAS. Podem ser tomadas decisões visando aointeresse público e que podem, eventualmente, trazer prejuízos aos acionistas daPETROBRÁS que investem em bolsa. Isso é facultado pelo artigo 238. Só que esseartigo 238 também contemplou uma visão estática. Porque diz ele: "ao interesse públicoque justificou a sua criação". É o mesmo erro de técnica legislativa que está no artigo237 quando diz "na lei que autorizou a sua constituição". Obviamente o interessepúblico que justificou a criação de uma sociedade de economia mista pode nem sequermais existir; o interesse público é dinâmico. Os casos se vão sucedendo diariamenteem modos diversos e o interesse público que autorizou a criação de uma sociedade deeconomia mista pode não ser mais o interesse público que justifica hoje a existência e amanutenção dessa sociedade de economia mista. Então o que me parece é que apessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista poderá, de acordo com oartigo 238, orientar as atividades da companhia de modo a atender o interesse público,mas não necessariamente aquele que justificou a sua criação e sim ao interessepúblico atual, real, existente hoje, que pode ou não ser exatamente aquele queautorizou a sua criação.

Mais uma característica específica das sociedades de economia mista na lei dassociedades anônimas se refere ao Conselho de Administração. Todos sabem que oConselho de Administração é um órgão de existência obrigatória, de acordo com a Leinº 6.404, em três tipos de sociedades: as companhias abertas, as sociedades de capitalautorizado e as sociedades de economia mista. Nas sociedades de economia mista há,portanto, a obrigatoriedade da existência do Conselho de Administração. Mais ainda: oartigo 239, que diz que essas companhias terão obrigatoriamente Conselho deAdministração, expressamente assegura á minoria o direito de eleger um dosconselheiros se maior número não lhe couber pelo process;) de voto múltiplo. Oprocesso de voto múltiplo é regulado pelo artigo 141 da Lei n° 6.404, pode serrequerido por acionistas que detenham, no mínimo, 10% do capital e pode, através deum esquema matemático extremamente complexo, que multiplica o número de votospelo número de conselheiros, pode assegurar a uma minoria o direito de eleger pel9menos um conselheiro de administração. Ressalva, pois, o artigo 239: "se maiornúmero não lhe couber pelo processo de voto múltiplo". É urna exceção à regra, porquea regra é no sentido de que só quando há uma minoria qualificada pode esta eleger umconselheiro de administração e o artigo 239 diz que qualquer minoria pode eleger umconselheiro da administração.

Isso me faz lembrar um caso concreto que ocorreu com um amigo meu. Certa vez,logo que essa lei entrou em vigor, ele estava em casa e recebeu um telefonemainterestadual. Era um conhecido seu e dizia: "Olha, você pode me ceder sua ação nocapital da companhia X?" Era uma companhia que foi criada há 20 anos e ele nem selembrava mais que era acionista dessa sociedade. Porque no tempo do Decreto-lei n°2.627 todos nós sabemos que era muito comum a constituição de sociedade deeconomia mista com sete acionistas, porque o mínimo de sete era exigência legal.

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Então era muito comum fazer-se o seguinte: constituía-se uma sociedade de economiamista, reunia-se aquele pessoal, aqueles vários profissionais que tinham participado doprocesso de constituição, sobretudo o advogado que tinha redigido os instrumentosnecessários, e fazia-se daquelas pessoas, em número de seis, os acionistascomplementares ao Poder Público para satisfazer o mínimo exigido pela lei dassociedades anônimas antiga. Hoje, a Lei n° 6.404 já não exige mais essas ginásticas,na medida em que o mínimo atual é o de dois acionistas. Mas ele recebeu o telefonemae ficou surpreso, porque tinha uma ação dessa sociedade e estava sendo solicitado aceder sua ação a esse conhecido, uma sociedade da qual ele nem sequer se lembravaque era acionista. Depois, ele chegou a perceber exatamente qual era o significado dasolicitação. É que em 20 anos os acionistas se dispersaram e era bem provável quequem tivesse uma ação poderia comparecer à Assembléia Geral que iria eleger oConselho de Administração e, com fundamento no artigo 239, dizer: a maioria vaieleger um conselheiro e como a Lei n° 6.404 diz que os membros do Conselho deAdministração têm que ser acionistas, o candidato da minoria sou eu, na qualidade deúnico minoritário a participar da Assembléia. Então ele, com uma ação, uma única açãoque praticamente não representava nada, juridicamente, formalmente, poderiaauto-eleger-se, na qualidade de representante da minoria, membro do Conselho deAdministração. Esse fato, inclusive, acentua uma característica muito específica dassociedades de economia mista brasileiras - nem todas logicamente - que é a de ocapital ser misto apenas formalmente. Há sociedades de economia mista por aí,espalhadas por todo o Brasil, com 99,999% de capital público e uma minoriainsignificante de capital particular, só para caracterizar aquela sociedade como sendode economia mista, quando na verdade a participação do capital privado na sociedadeé irrelevante e ela só existe, como tal, de um ponto de vista estritamente formal.

Aliás, em São Paulo, tivemos um problema prático na aplicação de um dispositivoreferente ao Conselho de Administração que diz que seus membros serão pessoasfísicas (artigo 146). O projeto de lei que resultou na Lei n° 6.404, o projeto que foienviado ao Congresso, admitia a possibilidade de pessoas jurídicas serem membros doConselho de Administração. Isso foi objeto de emenda no Congresso e não passouesse dispositivo, restringindo-se o acesso ao Conselho de Administração às pessoasnaturais. Bom, ocorre que se constituem freqüentemente na prática, pelo menos noEstado de São Paulo, sociedades sob a forma de sociedade anônima em que o capitalé todo ele, por expressa disposição legal, ou do Estado-membro ou de autarquiasestaduais ou de empresas sob controle estadual. Em outras palavras, o capital é todoele de pessoas jurídicas, de direito público interno ou por estas controladas. Ora, comoé que se iria satisfazer na medida em que só pessoas físicas podem ser conselheiros enão pode haver acionistas pessoas físicas? Partiu-se, então, para uma fórmula que euconsidero, do ponto de vista jurídico, absurda, porque feria flagrantemente a legislaçãoestadual. Era uma escapatória, que consistia em fazer contratos de compra e venda deações, com pessoas físicas, com cláusula de retrovenda na hipótese de a pessoa físicadeixar de ser conselheiro. Nesse aspecto, eu considero a posição de José WashingtonCoelho, expressa num livro seu muito interessante, "Aspectos Polêmicos da Nova Leidas Sociedades Anônimas", muito mais lúcida. Ele entende que se deve admitir quenesses casos excepcionais as pessoas jurídica; poderão ser membros do Conselho deAdministração.

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Um outro problema curiosíssimo é que há sociedades anônimas sob controleacionário do Poder Público que têm apenas dois acionistas. Uma delas, por exemplo,criada recentemente como entidade do sistema nacional dos transportes urbanos, queé a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S.A. - EMTU/SP temcomo acionistas o Estado de São Paulo e o Município de São Paulo. Coloca-se, então,um problema curioso. A lei permite que as sociedades anônimas se constituam comdois acionistas, ao mesmo tempo que, em determinadas sociedades, como associedades de economia mista, exige Conselho de Administração, com um mínimo detrês membros. Ora, se a Lei n° 6.404 exige que para ser membro do Conselho deAdministração tem que ser acionista, como cumprir o dispositivo da própria Lei nº 6.404que diz que o Conselho de Administração tem de ter, no mínimo, três membros quandoa sociedade tenha apenas dois acionistas?

Uma fórmula que foi aventada - e que me parece correta - é a de fazer as pessoasjurídicas se representarem através de pessoas físicas e constituir o Conselho deAdministração, nessas hipóteses, com pessoas físicas indicadas pelos acionistas,pessoas jurídicas. Assim se poderia cumprir os dois dispositivos ao mesmo tempo.

Em relação ao Conselho Fiscal das sociedades de economia mista, este temcomo característica específica, de acordo com o artigo 240, o funcionamentopermanente (todos sabem que o Conselho Fiscal pode ter funcionamento permanenteou não). Uma outra característica em retratacão ao Conselho Fiscal nessas sociedadesé a de que a eleição de um de seus membros e respectivo suplente se faz pelas açõesordinárias -obviamente ações ordinárias nominativas porque o artigo 112 exclui dodireito de voto as ações ao portador - e um outro membro do Conselho Fiscal e seurespectivo suplente pelas ações preferenciais, se houver. Então, na hipótese de umasociedade de economia mista em que haja ações ordinárias minoritárias e também hajaações preferenciais minoritárias o Poder Público majoritário teria a rigor, de acordo como artigo 240, para assegurar sua maioria no Conselho Fiscal, que constituir este comum mínimo de cinco membros.

Afinal, encerrando o rol dos dispositivos da Lei nº 6.404 especificamente voltadospara as sociedades de economia mista, temos o artigo 242, que tem sido extremamentediscutido, se bem que me parece com pouco rendimento prático. Diz o artigo 242 queas sociedades de economia mista não estão sujeitas à falência mas os Seus bens sãopenhoráveis e executáveis e a pessoa Jurídica que a controla respondesubsidiariamente pelas suas obrigações. Ora, essa colocação do artigo 242, na medidaem que faz da pessoa jurídica controladora da sociedade de economia mistaresponsável subsidiariamente pelas suas obrigações, aproxima-as, como ressaltou oprofessor Rubens Requião, das sociedades em comandita por ações, que sãoreguladas pelos artigo; 250 e seguintes da Lei n° 6.404. O artigo 281 diz que ficamilimitada e solidariamente responsáveis pelas obrigações sociais os que por seusnomes figurarem na firma ou razão social. Quer dizer: aproxima-se realmente dasociedade de economia mista, na medida em que a responsabilidade passa a serilimitada, excepcionando a regra geral da responsabilidade limitada à participação doacionista no capital da sociedade. Esse artigo 242 tem sido calorosamente discutido emcursos, seminários, mesas-redondas, etc., se é constitucional ou no, se fere ou não o §2° do artigo 170. Eu vou tomar a liberdade de não discutir essa constitucionalidade

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porque me parece do ponto de vista prático não ter nenhuma relevância. jamais visociedade de economia mista, mesmo sem esse dispositivo do artigo 242, entrar emregime falimentar. Obviamente, o artigo 242 veio assegurar uma responsabilidadeilimitada do Poder Público controlador e aqueles que defendem a tese dainconstitucionalidade desse artigo na verdade não atentaram para o fato de que issocoloca o credor da 4ociedade de economia mista numa posição privilegiada em relaçãoao credor de uma sociedade anônima sob controle da iniciativa privada e porconseqüência não fere o § 2° do artigo 170 da Constituição, que diz estarem associedades de economia mista submetidas ao mesmo regime jurídico aplicável àsempresas privadas.

Com estas colocações, que me parecem menos conclusivas e mais exatamenteterem o objetivo de levantar questões para reflexão daqueles que possam levar avanteeste trabalho de interpretação da Lei n° 6.404, parece-me que se esgota a exposição.

Quero apenas salientar que para mim foi, sem dúvida, uma oportunidade ímpar euma honra muito grande a de estar aqui no Tribunal de Contas do Distrito Federallevantando, modestamente, algumas questões com o intuito único e exclusivo deconvidar todos os presentes a uma reflexão conjunta que é exatamente aquela reflexãonecessária a um esforço válido de interpretação das normas legais.

Muito obrigado.

LEGITIMIDADE DAS DESPESAS PÚBLICAS

FERNANDO JORGE SCHNEIDER(*)

O SR. CONFERENCISTA PROFESSOR SCHNEIDER - Exmo. Sr. ConselheiroJosé Wamberto, digníssimo Presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal,Exmo. Sr. Professor Roberto Rosas, Srs. Conselheiros deste Tribunal de Contas.

(*)Diretor da Faculdade de Direito da UFRGS.

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Inicialmente, devo agradecer, não por um exagero de virtudes que o Prof. RobertoRosas soube enfatizar, mas pelos defeitos que S. Exa soube esconder. Em segundolugar, devo agradecer o privilégio de poder tratar de um tema eminentemente perigoso,diante de Conselheiros de um Tribunal de Contas, que tem, como função precípua,exatamente examinar o bom emprego das verbas, o bom e o melhor emprego dosdinheiros públicos.

A palestra que escolhi - e que, prometo, será curta - prende-se ao títuloLEGITIMIDADE DAS DESPESAS PÚBLICAS. O termo "legitimidade", evidentemente,significa uma adequação de soluções a determinados fins. Quando se diz que umadespesa é legítima, ela o 'é, em determinado Estado, quando em consonância com osfins desse Estado. Sabemos, pela Teoria Geral dos Estados, que pode ganhar maior oumenor relevância, em determinados períodos históricos, esse ou aquele setor. Mas,normalmente, a finalidade do Estado se resume no bem comum.

Então, em termos de esquematizar as condições de legitimidade das despesaspúblicas, nós apresentaremos apenas uma classificação, que, como toda classificação,tem valor meramente relativo, formal, instrumental. Ela vale por uma verdade lógica enão, necessariamente, ontológica. Há virtude num esquema ou numa classificação,quando ela guarda proximidade, nas suas conclusões, com as premissas do raciocínio,mas, evidentemente, não está adstrita à verdade histórica, nem à verdade científica dosfenômenos.

Assim apresentada, podemos, esquematicamente, como quem desenha sobre umvidro, dizer que podem classificar-se as despesas públicas sob três aspectos: o político,o jurídico e o econômico.

Sob o aspecto político - e eu, inicialmente, faria apenas a designação dos setoresdesse esquema - avulta, em primeiro lugar, o consentimento da Nação. Parece óbvioque aqueles que vão suportar o ônus dos ser viços públicos, serviços custeados com osdinheiros carreados da massa da população, é que devem consentir na destinaçãodesses dinheiros que lhe foram amputados de seus orçamentos domésticos. Emsegundo lugar - e aqui é perigoso falar diante de um Tribunal de Contas - á. condiçãopolítica surge a fiscalização, porque é o consentâneo do consentimento. Se não sefiscaliza aquilo que se consente, não se garante que o cumpridor do consentimentoesteja agindo de conformidade com aquilo que lhe foi permitido, ou dentro dos limitesdaquilo que lhe foi traçado.

Finalmente, a última condição política é a da publicidade dos gastos públicos. Jádisse alguém que os dinheiros públicos devem guardar-se em cofres de vidro. Apublicidade é absolutamente necessária, porque através dela é que se pode fazer a boafiscalização e atingir maior ou menor credibilidade a situação econômico-financeira doPaís.

Uma segunda divisão de condições de legitimidade das despesas pertine ao setorjurídico. Do ponto de vista jurídico avulta, primeiramente, a legalidade da despesapública. Em segundo lugar, que a despesa pública se expresse através de um serviçode interesse geral; em terceiro lugar, deve haver uma proporção entre o gasto e o

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benefício, e em quarto lugar, é através da legalidade que se delimitam campos setoriaisdas despesas, o que explicaremos logo em seguida.

Como condições econômicas, por último, de legitimidade dos gastos públicos,cabe advertir que há despesa pública, que é o conjunto dos gastos públicos, e existeuma despesa pública que, em clássica definição, é o emprego de uma soma denumerário gasta por agentes públicos, e por conta do Estado, no atendimento de umanecessidade pública.

A primeira condição econômica que legitima um gasto público é que ele sejaproporcional à potencialidade econômica da Nação. Em segundo lugar, é necessárioque haja uma igualação entre os custos e os benefícios sociais .marginais da despesapública. Em terceiro lugar, é necessário, ou aconselhável, que se atendamprimacialmente ás necessidades coletivas de caráter mais intenso. Por último, devebalizar-se o pensamento sempre pela premissa de que a despesa não se regula pelareceita, e sim a receita é que obedece à despesa.

Assim traçado esse esquema, como um desenho sobre o vidro, vai valer essaclassificação para um determinado Estado e para uma determinada época, de acordocom a sua adequação, a solução do Direito Positivo, as inclinações do povo, emdeterminado momento, a filosofia UM no Estado, enfim, a relatividade da classificaçãosalta aos olhos.

Voltemos, então, ao início: "Condições de legitimidade política", "Consentimentoda Nação". E óbvio, repito, que quem entrega o dinheiro, quem é sacrificado, tem odireito de consentir, tem esse direito de consentimento expressado, exatamente, noemprego daquele dinheiro que lhe foi retirado. Esse princípio, embora guarde estrita equase indissociável unidade com o princípio do consentimento da receita pública, não éhistoricamente uma decorrência imediata.

Sabem os Srs. que o princípio do consentimento para a tributação, embora játivesse antecedentes, aparece em 1215, com a Carta Magna. Durante toda a IdadeMédia, até 1688, quando aparece, na Inglaterra, o princípio do consentimento para oemprego dos gastos, é que se corporifica e se cristaliza o princípio do consentimento daNação.

Na nossa Constituição atual, esse princípio está no art. 1°, § 1°: "Todo poderemana do povo e em seu nome será exercido." O consentimento da Nação,evidentemente, sofre exceções, que veremos, principalmente, sob o aspecto jurídico,mas politicamente é indiscutível. Um povo politicamente organizado tem o direito e odever de consentir na despesa pública. Entretanto, não basta que a despesa sejaconcedida. Preciso é que ela seja fiscalizada, preciso é que se verifique se há umcontrole do procedimento do Poder que executa as ordens do Poder Executivo, dentrodos lindes daquele consentimento. Isso se faz, então, através da fiscalização.

Essa fiscalização, tradicionalmente, se tripartia em fiscalização legislativa, judiciale administrativa. A legislativa, ou seja, aquele mesmo Poder que autoriza a despesatem direito e dever de fiscalizar se estão sendo cumpridas as ordens ou se não estãosendo ultrapassados os limites concedidos. A fiscalização judicial, em que o Poderjudiciário intervém, em certos casos, para proclamar irregularidades no emprego dos

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dinheiros públicos. Essa intervenção do Poder judiciário, que não é muito comum, podeexercer-se pelo reconhecimento de que cabe ao judiciário apreciar a legalidade dosatos administrativos, mas pode extrapolar-se para qualquer um dos membros dapopulação, através da ação popular, prevista no art. 153, § 31, da Constituição, parapromovera anulação de qualquer ato de Estado lesivo ao patrimônio público.Finalmente, existe a fiscalização administrativa, ou seja, o próprio executor da despesa,o ordenador, aquele que lida com as verbas que foram consentidas realiza a chamadafiscalização administrativa, que se pode dizer uma fiscalização vertical, em que ossuperiores verificam a exação do comportamento dos seus subordinados.

Entretanto, sempre se reconheceu que não bastavam as três fiscalizaçõespertinentes a cada um dos três Poderes da divisão clássica de Montesquieu. Eranecessário que houvesse um organismo desvinculado, independente de qualquer umdos outros, que poderia considerar-se um longa manu do Poder Legislativo sobre oPoder Executivo, mas cuja marca foi e é o da independência e, principalmente, acapacidade para bem julgar as contas públicas. Esse organismo é o Tribunal deContas. Em algumas classificações, ele é colocado como uma fiscalização judicial. Nãopreciso estar dizendo aos Srs. quais sejam, pois estaria vendendo corujas em Atenas,se lhes dissesse que o Tribunal de Contas exerce funções da mais alta relevância,atuando principalmente, através de pareceres relativos às contas da Presidência daRepública, dos Chefes de Estado, dos Governadores.

Finalmente, quanto às condições políticas, podemos assinalar a publicidade. Ascontas públicas constantes do orçamento estão publicadas, necessariamente, atravésdessa lei-ano orçamentária, que por ser lei deve ser publicada no Diário Oficial e, comotal, gera absoluta presunção do seu conhecimento. Embora reconhecida,implicitamente, essa condição de publicidade, e não conste, expressamente, nasConstituições, ela aparece no Decreto-lei n° 200, que explicita, no seu art. 70, se nãome engano, a necessidade da publicação, não apenas do orçamento, como também deeditais de compras que se fazem dentro de processos de licitações.

Esse esquema de fiscalização não é, exatamente, o que corresponde a soluçãobrasileira atual. Desde a Lei n° 4.320, temos, no Brasil, o chamado controle externo é ocontrole interno. O controle externo, exercido pelo Legislativo e pelo Tribunal deContas; o controle interno, pela própria administração.

Nas condições jurídicas de legitimidade das despesas públicas avulta,evidentemente, a da legalidade, no sentido de que as despesas públicas devem estarautorizadas, não apenas por um ato formal do Poder Legislativo, mas,substancialmente, por emanação do Poder Legislativo, através do produto desse Poder,que é a lei. Se é verdade que esse princípio é reconhecido universalmente, tambémnão deixa de ser certo que, à medida que a Teoria de Keynes, trazendo amacroeconomia à consideração dos homens públicos, fazendo cumprir o gasto público,fosse considerada dentro da realidade nacional, envolvendo como despesa nacionaltodos os setores privados e públicos, vem se hipertrofiando o Poder Executivo, nadeterminação dessas intervenções, na ação de correição, de estrangulamento daestrutura ou da conjuntura.

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No Brasil, o princípio da legalidade aparece, na Constituição, quando se afirmaque ha lei-ano orçamentária e que do orçamento constarão todas as despesas. Mas anossa atual Constituição tem dispositivos que, de certa forma, entorpecem ou quaseanulam o princípio da legalidade. Atribui-se ao Poder Executivo a iniciativa de autorizardespesas atinentes a pessoal e outras, constituindo-se isso numa contradição aoprincípio da legalidade. E não se permite ao Poder Legislativo, ao receber a propostaorçamentária, apresentar emendas que representem aumento da despesa pública. Ora,com isso, evidentemente, enfraquece-se muito o princípio da legalidade, cuja tibieza secompleta com a atribuição que a Constituição dá ao Presidente da República, no art.55, § 2°, para, através de decreto-lei, determinar despesas públicas de variadanatureza. Ainda a propósito da legalidade das despesas públicas, quero assinalar que,se as dotações estão previstas no orçamento, ocorre, várias vezes, que algumas semostram insuficientes, algumas não estão previstas e outras surgem como decorrênciade circunstâncias excepcionais, constituindo os chamados créditos adicionais, em queos suplementares completam a previsão insuficiente de fundos; os especiais se dirigema serviços que não estavam previstos, porém esses dois precisam do consentimentoparlamentar prévio, e finalmente, as despesas extraordinárias, que surgem,,principalmente, em caso de guerra ou comoção intestina, cuja iniciativa dedeterminação é da Presidência da República, com a subseqüente aprovação do PoderLegislativo.

Urna segunda condição jurídica clássica é de que a despesa deve dirigir-se ouexpressar-se no atendimento de uma necessidade coletiva, que ela deve se dirigir a umserviço de interesse geral. Isso parece uma obviedade, mas muitas vezes, muitasmesmo, há um desvirtuamento desse principio. Historicamente, sabemos que houvemomento em que a despesa do príncipe era despesa do Estado, era despesa púbica.Hoje, principalmente no Estado democrático, não se concebe que as despesas seorientem no sentido do favorecimento pessoal, não no sentido dos subsídios que sedavam aos reis, mas as despesas não podem favorecer discriminadamente este ouaquele grupo afastado de um contexto de interesse geral.

Muito importante, como condição de legitimidade jurídica, é a proporção entre ogasto e o benefício. Isto é, o benefício deve justificar o gasto que é realizado peloEstado.

Já lhes disse, inicialmente, que parece tudo muito simples, quando se opõeesquematicamente, mas como se decompõe essa exigência de legitimidade, queproporção entre o gasto e o benefício é razoável? juridicamente, ela é asseverada pelaproteção que a lei dá, através de instrumentos próprios, para que não haja gastodesnecessário em obras e serviços que não tragam os benefícios em simetria com osgastos.

E como se consegue alcançar objetivamente essa finalidade? Principalmente,através do sistema das licitações, enfatizado, no Brasil, pelo Decreto-lei nº 200, emborajá constasse do Código de Contabilidade da União, no qual era conhecido comoconcorrência pública, abrangente também das tomadas de preço.

A licitação é, realmente, obrigatória para as compras, obras e serviços, e faz comque o Estado gaste o menos possível, obtendo o maior proveito coletivo. Mas houve

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uma transformação da filosofia da concorrência anterior ao Decreto-lei n.° 200. O quese pretendeu com essa reforma administrativa? Antigamente, em nosso País, o tabunas concorrências era o menor preço. Oferecido o menor preço, desaparecia toda equalquer contenda ou cotejo entre os concorrentes. Por quê? Porque se entendia que,através da fiscalização ou através de condições contratuais especiais, seassegurassem todas as vantagens e se evitassem todos os prejuízos na realização deuma determinada obra pública. Ora, esse princípio caiu, pela própria evidência dosfatos, porque o menor preço se atingia, quando menos, com o sacrifício da qualidadeda obra, ou, quando muito, com o conluio dos concorrentes, em que se estabelecia,previamente, uma combinação e o menor preço representava um prêmio, afinal, paratodos os possíveis concorrentes e não havia, realmente, a concorrência.

Hoje, repito, a concorrência pública não está adstrita ao menor preço. Tem duasfases: uma fase de habilitação preliminar, em que se examina a idoneidadetécnico-financeira e a personalidade jurídica do concorrente, e a fase da classificaçãopropriamente dita. Entendem alguns que essa fase preliminar, essa prévia qualificação,uma vez ultrapassada, iguala todos os concorrentes. No Rio Grande do Sul, mesmo,têm surgido mandados de segurança contra decisões, em matéria de concorrênciapública, em que se classifica, em primeiro lugar, o concorrente que ofereceu o preçomaior, em detrimento de outros que, oferecendo preço menor, também haviam vencidoa primeira etapa da pré-qualificação, sustentando que, uma vez ultrapassada aquelafase, havia uma perfeita, inquestionável igualdade jurídica, financeira e econômica entretodos os concorrentes. Dado isso, não restava senão entregar a obra àquele que sepropunha a realizá-la pelo menor preço. No entanto, há disposição, no próprioDecreto-lei n° 200 e manifestações da jurisprudência brasileira, no sentido de que não éo menor preço que determina a adjudicação de uma obra, e sim o melhor preço, quevem a ser a somatória de uma série de requisitos e qualidades.

Completando, a obtenção da proporção entre o gasto e o benefício pode serobtido através da prática da chamada concentração das compras e da chamadapadronização de mercadorias. Isso tem sido feito na órbita federal e também nas órbitasestaduais.

Devemos dizer, ainda, que, nas condições jurídicas, há uma delimitação setorial. AConstituição vai delimitar as despesas atinentes à União, aos Estados-Membros e aosMunicípios, que se relacionam aos interesses próprios de cada uma dessas unidadesgovernamentais expressas nos arts. 8°, 13 e 15 da Constituição Federal. Isto é, à Uniãodeve ou deveria caber a realização de obras e tudo aquilo que o art. 8° diz que é daestrita competência da União. Aos Municípios, as obras do seu peculiar interesse local.E, aos Estados, a competência residual para realizar as obras que não se encontramem nenhuma dessa outras competências.

A solução é meramente formal. Na prática, o que vemos é uma duplicação, àsvezes uma triplicação, de serviço, visando a um mesmo fim. Vivemos, no Sul do País,por exemplo, momentos de grande dramaticidade, com a chamada peste africana, queestá abatendo todo o rebanho suíno, não existindo outra solução senão o extermíniodos animais afetados. Pois bem, nota-se um jogo de empurra, se me permitem aexpressão, entre setores estaduais e federais, sobre a quem cabe a competência para

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realizar as obras necessárias ao impedimento da praga, de um lado, e aresponsabilidade para extirpá-la, de outro.

Outra delimitação é aquela em que se estabelece o que cabe ao setor público e oque cabe ao setor privado, porque só a lei é que pode obstar que as pessoas ou asempresas realizem determinadas atividades mistas. A Constituição lhes assegura oexercício de qualquer profissão, qualquer atividade empresarial. Quando o Estado vaise hipertrofiando e alcança um determinado setor, antes da iniciativa privada - exemplomunicipal é o serviço de cemitérios - é através de lei que se transfere do setor privado omonopólio do serviço para o setor público. Aí, também, obedece-se ao princípio dadiscriminação setorial e ao princípio jurídico de legitimidade das despesas públicas.

Por derradeiro, podemos apresentar condições econômicas que legitimam adespesa pública. A primeira delas é que as despesas devem ser proporcionais àpotencialidade econômica da Nação. Ora, quando se reconheceu, pela primeira vez,esse requisito, vivia-se o Estado de economia liberal, vivia-se o Estado-gendarme, de1776, em que o Estado deveria intervir o menos possível na economia nacional, porqueos particulares, as pessoas ou as empresas, sabem dar melhor emprego às riquezas doque o próprio Estado. que é um mau empresário. Com a macroeconomia, que surgecom Lorde Keynes, na Teoria Geral de 1936, é que se torna cada vez maior aintervenção do Estado no campo econômico. Cada vez mais o Estado empolga setoreshistoricamente considerados de pura realização particular.

Quando se admitia, por exemplo, antes da II Grande Guerra, que não era possívelo Estado captar ou arrecadar parcela do Produto Nacional Bruto acima de 73%, hoje étranqüilo que, em tempos de paz, o Estado já amputa dos orçamentos particularespercentuais de 30-40%. já na 2ª Guerra Mundial, esse percentual foi bastante superado,dada a intensidade das necessidades da guerra. Entretanto, hoje, a limitação está emtorno de 30-40%. Se ultrapassado, em período normal, vai-se ferir as fontes daprodução da riqueza, ou, na linguagem comum, vai-se matar a galinha dos ovos deouro. Os gastos públicos devem expandir-se, mas não em termos de exigir tantasreceitas, que venham sufocar, estagnar, mutilar ou matar a iniciativa privada. Nospaíses democráticos, em que os meios da produção se encontram em poder do setorprivado, não se pode admitir que os gastos ultrapassem a potencialidade econômica danação.

Em segundo lugar, como decorrência dessa mesma condição, é apontada aigualação dos custos é benefícios sociais marginais. Aqui, é preciso ter presente ateoria da utilidade marginal, da escola austríaca, em que se verifica que os indivíduos,as famílias ou as empresas, nas riquezas que possuem, até um determinado limite, elassão absolutamente necessárias; acima daquele limite, são relativamente necessárias; e,mais além de um determinado limite, elas são quase desnecessárias às pessoas, àsfamílias ou às empresas. Então, o cálculo desses limites é que permite que o Estado,validamente, sem ferir a condição econômica da despesa pública, vá retirar do setorprivado esse capital marginal, para o empregar nos serviços públicos, ou seja, naexpressão concreta do processo da despesa pública. É claro que a utilidade marginal' édecorrência de um pensamento matemático. Estamos diante de despesas públicas, deprogramas de Ciências das Finanças, de Direito Financeiro, em que o homem surgecomo fator intercorrente entre causas e efeitos, de maneira que não há uma aplicação

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inelutável entre o que sejam os limites da utilidade do capital de cada um. Variaconforme a concepção do Estado seja mais liberal, mais coletivista. Ainda nesseaspecto, convém referir que a igualdade dos benefícios sociais marginais é conseguida,porque o processo da despesa pública vai propiciar a chamada redistribuição da rendanacional, através da qual cria empregos, propicia o consumo e, com isso, consegueuma igualação entre os gastos e os benefícios sociais da despesa pública.

Um quarto e penúltimo requisito que se costuma apontar é de que as despesas sedevem fazer de acordo com as necessidades mais intensas, dentro de uma prioridadeadstrita à intensidade das necessidades coletivas. Teoricamente, ou logicamente, éirrefutável essa condição, mas, historicamente, na prática, o que é que se verifica? Que,a rigor, a necessidade mais intensa é aquela sentida pela classe dominante. Ela é quedetermina o processo de escolha das despesas a serem realizadas. Aqui, como no tododa despesa pública, é predominante o caráter político do processo. É sempre umaeleição fundamentalmente política a escolha de necessidades coletivas, que vãotornar-se públicas pelo processo de serviço público. E esse grau de intensidade, naprática, tem um valor bastante relativo. O econômico e o político entram em conflito.Exemplos que apontam o descumprimento desse requisito são vícios de governantes,como a "monumentomania", para a qual alertava Francisco D'Auria. Há governantesque não podem trilhar todo o seu mandato, sem deixar um marco, nos sentidos própriosda palavra, da sua presença física no comando e no poder.

Por outro lado, ainda em decorrência das teorias de Lorde Keynes, admite-se,hoje, a despesa pública como grande fator capaz de corrigir distorções conjunturais.Quando elas atingem determinado estágio, Lord Keynes chegava a aconselhar seaproveitassem velhas minas abandonadas, se enterrassem garrafas com dinheirodentro e, posteriormente, se recobrissem essas minas e se concedesse o privilégio deas explorar e buscar aqueles dinheiros enterrados a determinadas empresas. Por quê?Não havia necessidade alguma disso, aparentemente, do ponto de vista econômico,mas, frente ao pleno emprego, isso iria propiciar emprego, melhorar o mercado detrabalho e, ao mesmo tempo, ampliar o mercado de consumo.

Finalmente, costuma-se dizer que a despesa não se regula pela receita, aocontrário do particular. Em tese, o particular deve gastar de conformidade com o queganha. Felizmente, para os Bancos, é assim. O particular primeiro verifica qual a suaremuneração, para, depois, adequar os seus gastos - os necessários, os úteis, até osfundiários - àquela previsão de receita da qual ele tem certeza, ou, pelo menos, altaprobabilidade. O Estado não, o Estado verifica o contingente enorme de necessidadescoletivas, escolhe, por um processo político, a quais vai atender através do processo deserviço público, que torna essa necessidade coletiva em necessidade pública, e sódepois disso calcula o montante dessa despesa pública e vai exercer seu poder detributar, porque ele é juiz de sua própria capacidade de ganho, através da tributação.Vai aumentar impostos, criar novos tributos, enfim, vai, inclusive, intervir em setores daeconomia privada, para lá buscar mais dinheiro, maiores meios para o atendimentodaquelas necessidades.

Queria lembrar, mais uma vez, que é um esquema da mais absoluta singelezaesse da legitimidade das despesas públicas. Aliomar Baleeiro, por exemplo, dá outro,bem mais simples. Foca, apenas, o aspecto político e o aspecto técnico da despesa

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pública. Mostra que toda despesa pública é, inelutavelmente, a resultante de umprocesso de manifestação de supremacia política ou de arbítrio por indiscrição política.E, tecnicamente, a despesa pública deve buscar, com um mínimo de dispêndio, ummáximo de proveito ou bem-estar social. Outros, ainda, apresentam condições delegitimidade, dentro das técnicas orçamentárias, da unidade ou universalidade, todas asdespesas devem estar num só documento. Anteontem, ilustre Ministro do Tribunal deContas da União mostrou que, através do que os americanos chamam evasão, asfalhas das malhas da lei, as fugas através dela, não a sonegação, mas a evasão lícita,se avoluma em nosso País, buscando fugir ao atendimento de condições,principalmente jurídicas, de legitimidade das despesas públicas.

Poderão reparar os Srs. que o Decreto-lei nº 200 estabelece obrigatoriedade doprocesso de licitação para a administração centralizada e para as autarquias, quandoele mesmo acentua que a administração indireta e descentralizada é constituída dasautarquias, das sociedades de economia mista e das empresas públicas. Assim sendo,as empresas públicas e as sociedades de economia mista, que crescem numaproporção geométrica, estão se afastando, cada vez mais, da fiscalização, através doprocesso da licitação. Mas, a advertência que faz esse eminente Ministro do Tribunal deContas da União é de que se vai tornando praxe o estabelecimento daquilo que sechama Fundo ou Convênio, e mostra que existem, no Brasil, dezenas de Fundos comorganização administrativa, com sistemas de pessoal quase idênticos aos dos órgãospúblicos permanentes. Não obstante, permanecem totalmente afastados de qualquerprocesso de fiscalização da gestão dos dinheiros públicos. Se. não me engano,existem, atualmente, no Brasil, cerca de 100 desses Fundes, que funcionam em termosquase de organismos públicos administrativos de caráter permanente. O maisimportante deles talvez seja o FAS, Fundo de Assistência Social, cujos recursos sãooriundos de parcelas advindas das cadernetas de poupanças, da Loteria Federal e daLoteria Esportiva, e cujo emprego, este ano, possivelmente irá aos 10 bilhões decruzeiros. Pelo fato de ser um Fundo é afastado do atendimento aos mínimos requisitosque se podem exigir para que uma despesa pública seja legítima.

Peço escusas por ter tomado, por tanto tempo, a atenção dos Srs. e agradeço abondade que tiveram para com a minha presença nesta Tribuna. Agradeço a honra depoder falar diante de tão eminentes professores e colegas e, por hoje, esta é a minhamensagem.

(*) Notas gravadas sem revisão do autor.

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PROPOSIÇÕES EM TORNO DO JULGAMENTO DOSTRIBUNAIS DE CONTAS A LEI Nº. 6.223

José Luiz de Anhaia Mello

I - A discussão em torno do diploma legal que enaltece o governo da revoluçãocontinua acesa e provocando opiniões múltiplas e díspares.

A guisa de contribuição alinham-se aqui mais algumas razões, além daquelas jáexaminadas em outra oportunidade e que mereceram publicação do Tribunal,juntamente com trabalho do Conselheiro Aécio Mennucci. (Anexo.)

II - Sempre foi da sistemática dos Tribunais de Contas a emissão de pareceressobre contas das pessoas jurídicas de direito público interno - a União, os Estados eMunicípios.

Para nós, deveria ser sempre julgamento, e por isso mesmo, fora da órbita deapreciação das mesmas contas pelo Legislativo.

Nunca entendemos parecer técnico poder ser revisto por instância política e, aísim, com caráter de julgamento.

Doutrinariamente, e por vezes várias, já defendemos uma posição nova para osTribunais, ou seja, o seu engajamento no judiciário como forma de resolver esseestranho processo, descrito acima.

julgamento de contas e apelo para instâncias superiores para tanto criadas.

Uma verdadeira justiça de Contas com suas peculiaridades e singularidades àbase das outras justiças, como a Eleitoral, a Militar, a Trabalhista.

Ficaria o Legislativo com as conseqüências políticas dos julgamentos emcontrário.

Essa a sua importantíssima tarefa.

III - Andávamos como andamos com essas perquirições e elucubrações, quandosurgiu no cenário jurídico-institucional do País, a Lei nº 6.223, de 14-7-75.

A Lei n° 6.223 é para nós básica e deve ser tida como a manifestação maispromissora da Revolução no sentido de confiança e exaltação dos Tribunais de Contas.

De fato, não tivemos muita ressonância quando da edição de normasconstitucionais.

O Tribunal baixou na consideração dos titulares do Poder.

A Lei n° 6.223 redime em parte essa orientação que em nada nos aproveitava.

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Temos assim que usar a Lei n° 6.223 na sua maior amplitude e dar-lhe contornosbem elásticos para que possamos prosseguir na nossa caminhada sempre íngreme ereferta de percalços.

Pois bem, esse diploma legal estabeleceu nos seus arts. 7° e 10 o seguinte:

"Art. 7° As entidades públicas com personalidade jurídica de direito privado,cujo capital pertença exclusiva ou majoritariamente à União, a Estado, ao DistritoFederal, a Município ou a qualquer entidade da respectiva administração indireta,ficam submetidas à fiscalização financeira do Tribunal de Contas competente,sem prejuízo do controle exercido pelo Poder Executivo.

§ 1° A fiscalização prevista neste artigo respeitará as peculiaridades defuncionamento da entidade, limitando-se a verificar a exatidão das contas e alegitimidade dos atos, e levará em conta os seus objetivos, natureza empresariale operações segundo os métodos do setor privado da economia.

§ 2° É vedada a imposição de normas não previstas na legislação geral ouespecífica.

Art. 10. No julgamento das contas, os Tribunais de Contas tomarão porbase o relatório anual, os balancetes relativos ao encerramento do exercício,assim como, os certificados de auditoria e o parecer dos órgãos que devempronunciar-se sobre as contas."

Pelo transcrito, podemos concluir o que se segue:

a) as entidades públicas descritas no diploma legal são submetidas à fiscalizaçãodos Tribunais;

b) essa fiscalização se cingirá à exatidão das contas e à legitimidade dos atospraticados;

c) as peculiaridades das empresas serão levadas em consideração;

d) os Tribunais, no exercício dessa fiscalização, julgarão as contas.

Exatamente, nesse item "d", é que surge a base para, segundo nossoentendimento, interessante análise.

Senão vejamos: é a vez primeira que num diploma legal de alçada federal se falaem julgamento e não em parecer.

Logo, somos obrigados a entender que o legislador desejou mudar, avançandopara metas até agora ignotas em nosso sistema fiscalizador.

Desejou aproximar mais os Tribunais de sua função jurisdicional.

Queiram ou não, os Tribunais caminharam e muito nessa direção.

É claro, que é julgamento original; mas de julgamento se trata, mesmo porqueemitido é inapelável no setor contas, admitindo-se apenas recurso ao judiciário comum,em havendo atentado a direitos individuais ou desrespeito a formalidades prescritas emlei.

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Não há o tradicional e estranho apelo ao Legislativo comum em nossas decisõestomadas à base de parecer.

IV - Ora, julgamento importa sempre em obrigação de fazer ou não fazer algumacoisa, de pagar algo, de responder por atos, de responsabilizar alguém, numaafirmação exemplificativa.

O nosso julgamento implica o quê?

É a indagação fundamental.

Parece-nos que o quadro onde surgirá a nossa decisão está completo.

Temos as partes, temos o direito a aplicar e, em nosso entendimento, o processoa seguir.

A Lei n° 6.2,23 nos soa como auto-executável.

Se o julgamento for favorável às contas, "tollitur questio", nada mais a fazer.

E se o julgamento for contrário?

Podem advir conseqüências no plano doméstico das empresas adstritas à Lei dasS/A, mais particularmente, arts. 116, 158 e 159, e efeitos públicos que extravasam essecampo.

No julgamento de ditas contas não pode o Tribunal terminar a sua ação noestático de uma decisão.

Há que se dar a ela um efeito executório que faça com que prevaleça a vontadedo juiz na aplicação do Direito.

Essa a regra que se encaixa no leque dos princípios gerais de direito que devempresidir a tudo.

Assim, em tendo o Tribunal se manifestado contrariamente à aprovação decontas, deve o julgado ser encaminhado à assembléia dos acionistas para ciência docontrolador acionário, no caso o Estado, para previdências decorrentes.

Deve ser cientificado o Governador do Estado, o Ministro de Estado ou o Prefeito,conforme a área de governo responsável.

Caso a assembléia de acionistas não delibere a respeito parece-nos caso de aautoridade executiva dever demitir a Diretoria por descumprimento de decisão.

Caso nada ocorra, ainda assim, nos parece ser caso de aplicação, às autoridadesimplicadas, das penas compendiadas na lei de responsabilidade, a 1.079, de 10-4-50, eno caso dos prefeitos, o Decreto nº 201, de 27-2-67, para efeito de impedimento dasmesmas.

Só assim o nosso julgamento será hábil, perfeito e acabado.

Só assim teremos força, "ex vi legis", e na base da interpretação do texto.

É claro que tudo isso ficaria melhor posto na lei, daí a necessidade por que jáclamam os juristas de um Estatuto das Empresas Públicas onde tudo se definisse maisclaramente.

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Contudo, não podem os Tribunais aguardar em silêncio a vinda de legislaçãocomplementar.

Por enquanto, em não havendo entraves, como não os há em São Paulo, deve afiscalização prosseguir e devem os julgamentos ter efeitos, mesmo porque, parodiando,a todo direito corresponde uma ação que o assegura.

Essa a orientação que preconizamos.

Primeiramente, uma atitude perante os acionistas, em seguida, uma provocação àautoridade executiva responsável e, por último, a notícia ao poder político responsávelpara a aplicação de sanção, no tocante às responsabilidades.

De outra forma, o nosso julgamento seria moral, no plano da ética, sem maioresconseqüências.

V - A experiência paulista no tocante à aplicação da Lei n° 6.223, tem sidointeressante e prenhe de ensinamentos.

Na verdade em São Paulo tudo se encontra facilitado, mercê da colaboração dasEmpresas que acabaram por incorporar a seus Estatutos as regras expostas numfamoso Decreto-lei Complementar, o de n° 7, de 1969, e que estabelece regras para asentidades descentralizadas.

Dizemos "famoso" por entendermos dito diploma inconstitucional, operando comoopera em órbitas de alçada eminente e exclusiva da União.

Mas, a autoridade executiva, o Governador, determinou que as Empresas onde ocapital público é majoritário a ele se adaptassem.

Assim, deu-se uma auto-submissão que colocou as coisas sob outro enfoque.

Temos agido em São Paulo sob a luz e a inspiração dos dois conceitos básicos daLei n° 6.223: a exatidão das contas, controle financeiro-contábil; e legitimidade dosatos, controle jurídico-administrativo.

Nesse controle jurídico-administrativo também reside problema de duvidosacolocação.

Na verdade, dificilmente se poderá entender como análise de legitimidade de ato oproceder-se a um contrato sem licitação ou sem respeito aos inúmeros degraus a quedevem se ater as pessoas jurídicas de direito público.

Essa uma controvérsia que coloca os juristas em situação complexa e decomplicado desate.

É claro que a nossa interpretação deve ser sempre ampliativa.

Não vamos ser nós a diminuir o alcance de nossa Lei.

Duvidamos, contudo, qual a posição do judiciário, caso o Executivo a ele entendade recorrer.

Mas como já se afirmou, São Paulo não pode ser tido como paradigma, poiscircunstâncias especiais cercam o seu cenário no particular.

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Aliás, "en passant" e como o assunto é correlato, em São Paulo também surgiudiploma legal que contraria a sistemática da Lei n° 6.223.

Trata-se da Lei n° 1.481, de 1"-12-77, e que estabelece no seu art. 4°, que o"Tribunal de Contas enviará relatório de suas atividades fiscalizadoras à AssembléiaLegislativa, do qual constará, obrigatoriamente, cópia dos documentos informativos dasentidades".

Ora, essas entidades referidas são as públicas com personalidade jurídica dedireito privado.

A Lei n° 6.223 estabeleceu que o Tribunal julga as contas dessas entidades enada mais.

Não pode lei estadual criar condições novas que contrariem dispositivos de leifederal.

O Sr. Governador vetou o projeto mas a Assembléia Legislativa derrubou o veto e,até agora, se enseja celeuma jurídica em torno da notícia ou não por parte do Executivopara que o Procurador da República represente ao Supremo Tribunal Federal acerca daconstitucionalidade do diploma legal.

CONCLUSÃO

Com base nas razões expostas entendemos seria lícito ao Congresso deTribunais de Contas, reunido em Maceió, deliberar sobre as seguintes proposições:

1 - Propugnar por uma reforma constitucional que desse os lineamentos de umajustiça de Contas.

2 - Definir bem o campo de ação dos Tribunais no tocante às entidades públicascom personalidade jurídica de direito privado, com referência ao contido nasexpressões: legitimidade dos atos e exatidão das contas.

3 - Apelar a quem de direito para a elaboração de um Estatuto das EmpresasPúblicas.

4 - Manifestar, por enquanto, apoio ao entendimento esposado aqui, no que dizrespeito ao "processus" a ser seguido quando da não-aprovação de contas.

5 - Pugnar para que medidas como a Lei n° 1.481 não proliferem para se manterintangível a posição dos Tribunais.

ANEXO

A FISCALIZAÇÃO DA EMPRESA PÚBLICA

I - O Estado intervencionista é uma realidade.

Tanto nas Democracias como nos Estados totalitários a regra é uma maior oumenor intervenção.

Toda essa filosofia política é uma tentativa de realização do bem comum de formatotal e integrada.

"Welfare State", Estado providência, Estado total, são expressões do mesmodesejo - propiciar mais à sociedade humana.

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Cada tipo de Estado atua à sua maneira, é bem verdade, e com resultadosrelativos que vão de um total fracasso, a algo realizado, ainda que com o sacrifício dealgumas liberdades.

Dentre as formas de intervenção na ordem econômica está o Estado empresárioque através de instituições roubadas ao Direito Privado age como se fosse particular,ainda que com investimentos de natureza pública.

O Estado pois investe e penetra no mercado nos mais variados setores.

Se em 1808 havia o Banco do Brasil com esses aspectos, claro, falando-se"grosso modo", hoje as empresas públicas, as sociedades de economia mista, asfundações proliferam e chegam com seus orçamentos a atingir grandes somas doorçamento total.

Esse problema é que vem preocupando em geral a opinião pública.

Se o dinheiro desses investimentos é público deve e precisa ser fiscalizado.

II - Os documentos públicos de natureza constitucional que nos regem, aConstituição de 1967 e Emenda de 69, ambas de natureza privatística, disciplinam essetipo de atividade estatal em termos que não ensejam dúvidas.

"Art. 170. As empresas privadas compete, preferencialmente, com oestímulo e o apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.

§ 1° .................................................

§ 2° Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresaspúblicas e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveisàs empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e ao dasobrigações.

§ 3° ................................................."

Estamos pois, "ex vi legis", com empresas "privadas-públicas".

Privadas no tocante às normas constitutivas; públicas no que diz respeito aocapital.

Como fiscalizar esse dinheiro público?

Não é de hoje a celeuma, e o Tribunal de Contas de São Paulo tem sido ovanguardeiro no sentido de pugnar por essa fiscalização necessária e, sobretudo,profundamente democrática.

Quando da elaboração da Constituição de 67 já vozes autorizadas porfiavam pelafiscalização. Contudo, o controle ficou apenas estatuído para a Administração Direta eAutarquias.

Recentemente, esforçamo-nos para, através de emenda constitucional, seestender a fiscalização financeira dos artigos 70 e seguintes da Constituição àsempresas públicas e às sociedades de economia mista de que o Estado participasse.

Em nível de Constituição nada sucedeu.

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Despontaram, no plano estadual, o Decreto-lei Complementar n° 7, de 69, e emnível federal, a Lei n° 6.223, de 1975.

O primeiro diploma citado é evidente e flagrantemente inconstitucional porquedisciplina matéria estranha à competência estadual. Temos, aliás, voto com essaorientação no Tribunal de Contas de São Paulo.

Na verdade, não pode lei estadual disciplinar entes jurídicos que têm a dirigi-loslegislação federal específica - a Lei de Sociedades por Ações.

A Lei n° 6.223/75 firma a fiscalização das empresas públicas pelos Tribunais deContas Estaduais.

Contudo, fá-lo de forma tímida e que dá margem a inúmeras considerações.

A primeira é no tocante à sua própria constitucionalidade, levando-se em conta oartigo constitucional já transcrito, que de certa forma se indispõe com a norma federal.

Mas em matéria de inconstitucionalidade, e sobretudo de norma federal, deve-selevar em conta o princípio de que a mesma não se presume e que só se deveenveredar por seu tortuoso e íngreme caminho movido por uma "clear and strongconviction", "beyond all reasonable doubt", ou seja, em termos nacionais, por umaconvicção fora de dúvidas.

A lei federal é em parte constitutiva e estabeleceu uma nova sistemática defiscalização. Teria ultrapassado os limites impostos pela Constituição?

Não nos abalançamos a uma afirmação positiva.

É legislação federal estatuindo sobre assunto de competência exclusiva da Uniãoe de hierarquia igual à lei que modifica, ou seja, a lei de Sociedades por Ações.

E seria realmente demais o perquirir-se de uma possível impossibilidade de aUnião criar uma fiscalização pública a entidades "soi disant" privadas, porque aConstituição as entendeu como vivas, à moda privada.

A rigor a lei federal complementando a Constituição criou condições novas decontrole externo, ainda que mantendo o controle interno na forma privatística comum.

Entendemos que melhor será deixarmos essa ingrata tarefa ao Procurador Geralda República que nos termos da Constituição deve representar ao Supremo TribunalFederal para efeito de declaração de inconstitucionalidade de lei federal (artigo 119, I,letra l, da Constituição Federal) ou então o mesmo Supremo Tribunal em julgamento derecurso extraordinário (artigo 119, III, a e b da Constituição Federal).

Preferimos ficar com a interpretação de que a Lei n° 6.223 surgiu em formaordinária, para disciplinar o artigo 45 da Constituição Federal, estabelecendo oprocesso de fiscalização dos atos da administração indireta do Estado.

E poderia fazê-lo nos termos do citado artigo que reza:

"Artigo 45. A lei regulará o processo de fiscalização, pela Câmara dos Deputadose pelo Senado Federal, dos atos do Poder Executivo, inclusive os da administraçãoindireta."

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Administração indireta, entendida nos termos do Decreto-lei n° 200/67, que adefine:

"Artigo 4°

I - .......................................................

II - a administração indireta, que compreende as seguintes categorias deentidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) autarquias;

b) empresas públicas;

c) sociedades de economia mista."

São de Pontes de Miranda os seguintes conceitos no que toca ao citado artigo 45da Constituição Federal:

"A Constituição de 1967 referiu-se, em muitos pontos, à fiscalização que há deexercer, quanto aos atos do Poder Executivo, o Congresso Nacional. No artigo 45 hápasso adiante: deixou-se a lei - que não é lei complementar - regular o processo defiscalização pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, ou por aquela, ou poresse, dos atos do Poder Executivo e da administração descentralizada. <-1 falta defiscalização da administração descentralizada tem sido um dos grandes males doBrasil. É de importância frisar-se que a permissão da edição de lei que regule afiscalização põe nas mãos dos deputados ou dos senadores ou daqueles e dessespoderes que podem evitar a tumultuosa e calamitosa feitura de portarias e deinstruções, a ausência, por parte do Poder Executivo, de exames e vigilância do que sepassa com as obras públicas, principalmente nas administrações descentralizadas,como a das reitorias e das autarquias." (Comentários à Constituição de 1967 - Tomo III-pág. 122) .

Assim temos Constituição contra Constituição, ou seja, artigo 45 e artigo 170, § 2°.

Esse último, na verdade, um dispositivo programático estabelecendo um princípiosegundo o qual a empresa pública deve ser entendida como se fosse particular, nãoostentando e levando nenhum privilégio ou benefício pelo fato de ser pública.

Esse é o que nos parecer o real sentido do dispositivo.

Se algum incréu ainda assim não aceitasse a posição poderíamos repetir com oProf. Gelhorn da Universidade de Columbia:

"When the words of the Constitution are not given precision by context andusage or by history by binding precedents, not from reading the Constitution butfrom reading life."

Em nossos termos, bastaria ler e ouvir a opinião pública.

III - E foi assim que o Tribunal iniciou a sua caminhada.

Das fiscalizações havidas muito bom resultado se tem obtido e já a nossaatividade trouxe frutos altamente positivos à sociedade.

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Até Diretores de Empresas Públicas já caíram em função de atividadefiscalizadora.

Ninguém, na verdade, nega valor a essa atribuição, nem governo, nem juristas doporte de um Frederico Marques e Caio Tácito, e nem a opinião pública.

Todos a "una voce" desejam a fiscalização e se dispõem a defendê-la contra osataques, mais formais que propriamente de profundidade, e que são desfechados pelosque entendem que qualquer atividade por parte dos Tribunais de Contas desvirtuaria afinalidade das descentralizações pretendidas pelo Estado.

O Tribunal, como já se afirmou, partiu para sua ação coadjuvado, diga-se depassagem, pelo Sr. Governador do Estado, que não titubeou um só instante na aberturatotal por parte das Empresas, no sentido da permissibilidade no que tange àfiscalização.

Essa fiscalização se restringe nos termos da lei "a exatidão das contas e alegitimidade dos atos".

Esse um conceito que pode ser restringido tanto quanto alargado pelo intérprete.Os que desejam maior fiscalização aumentam o enfoque e fazem a exegese ampliativaentendendo por legitimidade dos atos, tudo, inclusive processos licitatórios e seleção depessoal pela via do concurso e provas.

Entendemos que não há lei explícita a respeito e não se pode dar essa amplidãoao estabelecido, mesmo porque no particular a própria Constituição ressalva a posiçãodas empresas (vide comentário anterior).

No caso de São Paulo contudo não há essa problemática, mesmo porque asEmpresas já incorporaram nos seus estatutos sociais os dispositivos do Decreto-leiComplementar n° 7, incriminado por nós.

Assim não se cuida de cumprirmos um decreto inexistente, por inconstitucional,mas sim. de agir porque as empresas, por seus estatutos, se autolimitaram e o Governoque também se autolimitou garante e admite essa competência do Tribunal.

IV - O que realmente está faltando é um estatuto das empresas públicas onde seassentassem as bases constitutivas, operacionais e fiscalizadoras das mesmas.

Tal documento poria fim às querelas e às dúvidas que ainda alguns espíritossuscitam.

De sua parte, o Tribunal vai realizando a sua tarefa, convencido de que atua nosentido moral, jurídico e sobretudo na defesa de um bem mais alto, a Democracia.

Ainda recentemente aprovou as instruções que seguem transcritas nos seustópicos mais importantes:

"I - Para fins de julgamento de suas contas e legitimidade dos atos praticados, asempresas públicas e as sociedades anônimas em que o Estado, por sua administraçãodireta ou indireta, tenha participação majoritária, remeterão ao Tribunal de Contas, 10dias após a realização de suas Assembléias Gerais Ordinárias:

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a) relatório da diretoria sobre a marcha dos negócios sociais no exercício findo eos principais fatos administrativos;

b) cópia do balanço geral, da conta de lucros e perdas e das demaisdemonstrações contábeis necessárias à análise aquelas peças;

c) parecer do conselho fiscal;

d) certificados de auditoria;

e) lista dos acionistas que ainda não integralizaram as ações e o número destas; e

f) cópia da ata da Assembléia Geral Ordinária.

II - As mesmas entidades deverão ainda remeter ao Tribunal de Contas cópia dasatas das assembléias gerais de seus acionistas, bem como dos elementos relacionadoscom sua convocação, dentro de 5 (cinco) dias úteis contados da realização do ato,independentemente de seu registro na junta Comercial do Estado.

III - O Tribunal de Contas, por sua auditoria, exercerá "in loco" a fiscalizaçãofinanceira das entidades, de conformidade com os artigos 7° e 9° da Lei Federal n°6.223, de 14 de julho de 1975, e nos moldes das Ordens da Serviço a seremexpedidas.

IV - Para efeito dessa fiscalização financeira e para seu convencimento na ocasiãodo julgamento, o Tribunal de Contas poderá ainda solicitar das entidades de que tratamas presentes instruções outros elementos ou informações específicas que conceituemfatos isolados."

Não custa assinalar que a Lei das S.A. n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, nãomodifica em nada as nossas assertivas. Lá se encontra o artigo 235 que reza:

"As sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta lei, semprejuízo das disposições especiais de lei federal."

V - CONCLUSÃO - O Estado, na sua faina de dar mais de si, chegou aprivatizar-se conciliando capital público com interesse público, em forma privada.

Desse complexo aparentemente contraditório nasceu a empresa pública nasvariadas formulações legais.

De outra parte, como não poderia deixar de ser, o dinheiro público é fiscalizadopor dois tipos de controle: o menor, interno; o maior, externo.

A legislação a respeito aí está e as polêmicas em torno dela se resumem nasrazões apresentadas.

O importante é o seu aperfeiçoamento em função da vontade geral que é pelomaior controle, para maior garantia do bom emprego do dinheiro público.

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CRIAÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO AMAIS NOVA CAUSA PROVÁVEL DE ESVAZIAMENTO

DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

JOSÉ BORBA PEDREIRA LAPA(*)

1 - Sob a feliz inspiração de Ruy Barbosa, merecidamente considerado o patronodos Tribunais de Contas do Brasil, é que veio o País a ter um órgão de Contas paracontrolar a receita e despesa públicas.

2 - Nos albores da República, a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, artigo 89,instituiu o Tribunal de Contas da União sob o título DAS DISPOSIÇÕES GERAIS, coma finalidade de liquidar as contas da receita e despesa públicas e verificar sualegalidade antes de serem prestadas ao Congresso.

3 - Com essa feição, permaneceu nas subseqüentes Constituições Federais,inclusive na de 19,37, integrado no Poder Executivo, quando foi extinto, só retomando ocaráter ostentado nas Constituições de 1891 e 1934 - de órgão Fiscalizador daExecução Orçamentária e da Gestão Financeira em Geral - na Constituição de 1946,quando despontou como íntimo do Congresso Nacional por suas afinidades maisestreitas com este (parágrafos 3° e 4º, art. 77) .

4 - Após o Movimento Revolucionário de 31 de Março de 1964, a nova CartaMagna de 1967, a que se sucedeu a Emenda nº 1/69, o controle externo do CongressoNacional é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União... (parágrafo 1°, art.70), tal como visto na precedente disposição do parágrafo primeiro do artigo 71 daConstituição de 1977.

5 - Embora dispondo a Constituição que o Tribunal de Contas é um órgão auxiliardo Poder Legislativo, tanto não significa que não goze de autonomia e seja sobranceiroà própria Administração.

6 - Para uns, é Tribunal sui generis, corpo de magistratura intermediária àAdministração e à Legislatura, que colocado em posição autônoma, com atribuições derevisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, exerce funçõesvitais no organismo constitucional (Dados coligidos e ordenados por Homero Pires, vol.VI, págs. 425 e 451, Comentários à Constituição Brasileira); Para outros, é órgãoESPECIAL - instituto posto de permeio entre os poderes políticos da República, oLegislativo e o Executivo, sem sujeição porém a qualquer deles (Castro Nunes, Teoria ePrática do Poder judiciário, 1943, pág. 25 ).

7 - Em certo sentido, o Tribunal de Contas é uma jurisdição administrativa, semconfusão possível, entretanto, com as instâncias administrativas, órgãos de

(*)Auditor jurídico do Tribunal de Contas da Bahia.

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funcionamento subordinados ao Poder Executivo. Os seus atos, assim, não podem serinvalidados pela Administração Pública, imperativas e cogentes são as suas decisõespara tais entidades.

8 - É sabido que o Tribunal de Contas desempenha atribuiçõesjurisdicionais-administrativas, relacionadas com a fiscalização da execuçãoorçamentária, com aplicação dos dinheiros públicos, com a legalidade dos contratos,aposentadorias, pensões, sem embargo de suas atribuições opinativas, verificadoras eassessoradoras. Como diria Castro Nunes, não se reveste das característicasjudiciárias, é apenas a mais alta jurisdição administrativa da República.

9 - No passado, todavia, pela revogada Lei n° 392, de 8-10-1896, o Tribunal deContas já funcionara "como Tribunal DE JUSTIÇA, COM JURISDIÇÃO CONTENCIOSAE GRACIOSA" (art. 29, parágrafo 19, II ), mediante processo em estilo judicial (arts. 3º e4º), no julgamento e revisão EM ÚNICA INSTÃNCIA DAS CONTAS DE TODAS ASREPARTIÇÕES, EMPREGADOS E QUAISQUER RESPONSÁVEIS POR DINHEIROSPÚBLICOS E VALORES (sic) sem prejuízo de sua atuação como "FISCAL DAADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA" (art. 2º, parágrafo 1º, I) .

10 - Com a Constituição Federal de 1967, a filosofia revolucionária que o inspirouevidenciou o propósito de restabelecer o fortalecimento dos Tribunais de Contas.

11 - Todavia, contraditoriamente porém, com a Emenda Constitucional de 1969, §1º, segunda parte, art. 16, houve uma regressão surpreendente ao desobrigá-lo dafiscalização financeira e orçamentária dos municípios pelos Tribunais de Contas dosEstados, apesar de, paradoxalmente, haver alentado (com obrigatória criação deTribunais de Contas) princípios constitucionais que eles, os Estados, deverão observar(art. 13, IV) e com o PODER DE INSPEÇÃO conferido ao Tribunal parâmetro (art. 70, §§ 3° e 4º) .

12 - Assim é que os Tribunais de Contas, com a faculdade da criação dosConselhos de Contas dos Municípios enfraqueceram-se nos Estados em que ditosConselhos foram criados, como no Estado da Bahia, em que perdeu uma de suascompetências. Prova disso é que só pode apreciar as contas via de recurso interpostopelo Prefeito ou pelo Presidente da Câmara -Municipal quando houverem sidodesaprovadas, obedecido o quorum legal.

13 - O VIII Congresso de Tribunais de Contas, realizado na Paraíba, em vãoreconheceu essa realidade ao aprovar tese por nós apresentada sugerindo emenda àConstituição no sentido de extinguir os Conselhos de Contas dos Municípios porrevidenciarem "Um Retrocesso Político-Constitucional no Processo Evolutivo doControle Externo pelos Tribunais de Contas", tal como intitulamos a nossa citada tese.

14 - E como que a subseqüenciar a contradição daquela filosofia, a EmendaConstitucional nº 7/77, introduzindo dois novos artigos na Constituição Federal de 1967,autorizou ao Legislador Federal e Estadual a instituição de ContenciososAdministrativos, sem poder jurisdicional, para decidir questões fiscais, previdenciárias erelativas a acidentes de trabalho (art. 203) e permitir à parte vencida na instânciaadministrativa requerer diretamente ao Tribunal competente a revisão da decisãoproferida (art. 204) .

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15 - Por sua vez, mesmo a ampliação de competência, de êxito duvidoso, fruto daLei n° 6.223/75 -julgamento das contas de Sociedade Anônima de Economia Mista -veio de ser reduzida com a Lei nº 525/78, aos casos em que o Estado detiver o controleacionário da empresa.

16 - Ora, tendo os Tribunais de Contas, como o do Estado da Bahia, no elencodas suas competências constitucionais, a de julgar, via de recurso, matéria fiscal eprevidenciária, a vir tornar-se efetiva a criação do Contencioso Administrativo, resultaráque:

n) O Tribunal de Contas perderá as competências constitucionais em matériasfiscal e previdenciária, enfraquecendo-se cada vez mais;

b) Se ditas competências não lhe forem expungidas, sofrerá, sem dúvida, maisuma "capitis diminutio", eis que o Contencioso Administrativo se vislumbra como umainstância superior, embora intermédia, entre o Tribunal de Contas e o judiciário, a quesó poderá recorrer o interessado, segundo o mandamento constitucional, após opronunciamento do Contencioso, como última instância administrativa.

17 - Entretanto, os antecedentes históricos são indicativos, não só de deverem serfortalecidos os Tribunais de Contas, como da necessidade de sua manutenção comatribuições de competências cada vez mais amplas e não o inverso, como se estáverificando, em face da última Emenda Constitucional n° 7/77, antes comentada.

18 - Nem de outro modo é de conceber-se, por ser o Tribunal de Contas, de modoinduvidoso, um órgão altamente qualificado não apenas pela missão fiscalizadora quelhe incumbe a Constituição, como pelos requisitos de investidura e garantia de seusmembros (Emenda nº 1/69, art. 72, § 3°) .

19 - Não por outra razão, consignamos em nossa tese já citada, que a doutrina e aexperiência, de modo preponderante, reconhecem a vantagem desse órgãoespecializado, cuja fiscalização é inegavelmente mais eficiente do que as executadaspelos parlamentos. Daí Ruy, ao criá-lo, no início do período republicano, a ele ter-sereferido como das mais importantes providências do Governo provisório, indispensávela uma sociedade política. E Alberto Torres, sociólogo e estudioso dos nossosproblemas fundamentais, o considerava "Uma das raras conquistas da república" (Cfr.Fiscalização Financeira. O Orçamento. Tribunal de Contas. Artigo de Doutrina do Prof.Carlos S. de Barros Júnior).

20 - A concretizar-se, pois, a criação dos Contenciosos Administrativos, nosEstados que acharem por bem exercer a faculdade constitucional emergente daEmenda nº 7/77, os Tribunais de Contas desses Estados sofrerão mais umesvaziamento das suas competências, minando-lhes a estrutura sob a qual repousam,comprometendo-lhe o prestígio. Isso para criar-se, ainda fora de oportunidade, um novoórgão que além de altamente oneroso para o Erário, se nos afigura supérfluo, e que sóinovaria em matéria de acidentes de trabalho.

21 - Não basta, como se sente, insistir-se na tecla surrada da exaltação doutrináriado valor histórico e social dos Tribunais de Contas. A todos já se antolha inadiável, comurgência, urgentíssima, somar esforços e viabilizar providências de naturezapolítico-administrativas capazes de tornarem os Tribunais de Contas aptos a

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desempenhar, plenamente, a sua maior conquista constitucional - o PODER DEINSPEÇÃO. Equivale dizer instrumentalizá-lo para o combate real e efetivo aosmalversores de bens, dinheiros e valores públicos, a nível do atual desenvolvimentotecnológico e das imposições incoartáveis de um verdadeiro e próprio ESTADO DEDIREITO:

"A corrupção e o favoritismo que degradam os quadros da vida públicapoderão ser contidos, independentemente de Revolução, mediante umalegislação que possibilite o controle financeiro de caráter coativo. Para arealização desse mister é evidente, torna-se indispensável reestruturar-se oTribunal de Contas, mantido o órgão com independência e eqüidistância dos trêsPoderes do Estado. Preconiza-se uma dúctil descentralização funcional docontrole, na mesma medida com que se descentraliza a Administração Financeirada União, dos Estados-Membros e dos Municípios" (João Lyra Filho)... "... Nãobasta instituir ou manter um Tribunal de Contas. É indispensável que esse órgão,por suas atribuições e condições de independência, esteja a salvo de qualquerpressão das autoridades sujeitas constitucionalmente à sua inspeção. Necessitade atribuições que o tornem uma verdade e não, uma formalidade vã" (AliomarBaleeiro, apud RP 846-RJ, formulada pilo então Procurador-Geral da Repúblicadepois Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Carlos Moreira Alves)."

Esta a tese que submetemos à criteriosa e prudente, quanto sábia apreciação edeliberação do X Congresso de Tribunais de Contas, visualizando, de logo, aincorporação no elenco daquelas medidas inadiáveis, em prol do fortalecimento dosTribunais de Contas, emenda à Constituição, extintiva da faculdade de criar-se, nosEstados, o Contencioso Administrativo.

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O EDITAL NAS LICITAÇÕES

CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO(*)

1. Introdução. 2. Os princípios da licitação. 3. A licitaçãocomo procedimento administrativo. 4. Edital. 5. Publicidade doedital. 6. Identificação do objeto licitado e delimitação do universodas propostas. 7. Circunscrição do universo de proponentes. 8.Critérios para análise e avaliação de proponentes e propostas. 9.Fixação dos atos e termos do procedimento. 10. Fixação decláusulas do contrato. 11. Vícios do edital.

1. INTRODUÇÃO

1. A análise da figura jurídica denominada edital requer, para mais cômoda e claraabordagem do tema, brevíssimo discurso prévio sobre as noções de "licitação" e"procedimento", pois é mediante edital que se abre, para terceiros, o procedimentolicitatório.

1.2 Licitação é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoagovernamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços,segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados naapresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente emfunção de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.

Este proceder visa garantir duplo objetivo: de um lado, proporciona às entidadesgovernamentais possibilidade de realizarem o negócio mais vantajoso; de outro,assegura aos administrados ensejo de disputarem entre si a participação nos negóciosque as pessoas administrativas entendam de realizar com os particulares.

Assim atende-se a três exigências públicas impostergáveis: proteção aosinteresses públicos e recursos governamentais - ao se procurar a oferta maissatisfatória; respeito ao princípio da isonomia - com abertura de disputa no certame e,finalmente, obediência aos reclamos de probidade administrativa.

1.3 A licitação, para bem cumprir os escopos em função dos quais é concebida eatender a exigências jurídicas inadversáveis, deve acatamento a certos princípiosbásicos que, normalmente, estão transfundidos nas ordenações positivas, sendo, assazde vezes, deduzíveis dos diplomas constitucionais.

2. OS PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO

(*)Professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da PUC/SP.

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2.1 Os doutrinadores não afinam a uma só voz no que pertine ao número deles,mas, freqüentemente o desacordo é apenas terminológico. Afora o dissídio concernenteà nomenclatura, pode suceder e sucede -o que é irrelevante para os fins em causa -que se apartem no desdobrar princípios ou, inversamente, no aglutiná-los debaixo deuma só enunciação, havida como suficientemente compreensiva. Tais circunstâncias,longe de os colocarem em peleja, os congregam em amistosa concórdia. Semembargo, impende convir que nem todos assistem em um mesmo campo.

2.2 Assim, Sayagués Laso enuncia dois princípios como de máximo relevo: o daigualdade de todos os licitantes frente à administração e o estrito cumprimento doedital.1 Adilson Dallari arrola os preceitos da igualdade, da publicidade e da rigorosaobservância das condições do edital.2 José Roberto Dromi também enuncia trêsprincípios, a saber: possibilidade de oposição ou concorrência entre os ofertantes,publicidade do ato e igualdade entre os disputantes.3 Mais recentemente, emmonografia sobre o tema, condensou-os em dois: "Livre concorrência e igualdade entreos ofertantes"; isto, contudo, por considerar que o princípio da publicidade encontra-seimplícito na livre concorrência e, por isso mesmo, nele albergado, sendo despiciendodesdobrá-los.4 Hely Lopes Meirelles é pródigo no arrolamento de princípios; daírelacionar os seguintes: procedimento formal, publicidade, igualdade entre osdisputantes, sigilo na apresentação das propostas, vinculação aos termos do ato deabertura da licitação, julgamento objetivo e adjudicação compulsória.5

2.3 Quanto a nós, rejeitando, de logo, à força aberta, o último dos princípiosenunciados - posto que não nos parece obrigatória a adjudicação - consideramossuficientes os seguintes: a) isonomia; b) publicidade; c) respeito às condiçõesprefixadas no edital; d) possibilidade de o disputante fiscalizar o atendimento dosprincípios anteriores. Sem embargo, julgamos que todos descendem do primeiro, poissão requisitos necessários à sua existência ou à fiscalização de sua real ocorrência.

2.4 Parece-nos que os preceitos em causa informam obrigatoriamente toda equalquer licitação, pois lhe residem na essência e delineiam seu perfil, quando menosno direito positivo brasileiro. Admite-se, tão-só, que podem sofrer contemperamentos,especialmente em vista de operações que envolvam recursos de menor monta,comportando publicidade restrita e disputa em círculo eventualmente limitado deconcorrentes.

Afinal, o acatamento aos princípios mencione dos empece - ou ao menos forcejapor empecer - conluios inadmissíveis entre agentes governamentais e terceiros, no quese defende a atividade administrativa contra negócios desfavoráveis, levantando-se,ainda, óbice a favoritismo ou perseguições, inconviventes com o princípio da igualdade.

3. A LICITAÇÃO COMO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

3.1 A licitação é um procedimento, administrativo, a dizer, uma sucessão itineráriae encadeada de atos sucessivos que, embora tenha cada um finalidade específica,

1 Laso, Sayagués. La licitación publica. Montevideo, Pena, 1940, pág. 52-3.2 Dallari, .Adilson. Aspectos jurídicos da licitação. São Paulo, Juriscredi, pág. 33.3 Dromi, José Roberto. Institucones de derecho administrativo. Buenos Aires, Astrea, 1973, págs. 388-9.4 ___________. La licitación publica. Buenos Aires, Astrea, 1975.5 Meirelles, Heli, Lopes. Licitação e contrato administrativo. Revista dos Tribunais, 1975, pág. 11.

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tendem todos a um resultado final e conclusivo em função do qual se entrosam eharmonizam.

Sem prejuízo do significado e finalidade inerentes a cada um dos atos, todospartilham do objetivo comum que é o de desembocarem no ato derradeiro doprocedimento: a seleção da proposta adequada ou -se frustrada sua finalidade - aconclusão de que nenhuma delas satisfaz, ou de que não há condições jurídicas paraaceitá-las.

3.2 Cada ato do procedimento tem função específica, a qual, todavia, só seexplica logicamente ao lume de sua função contextual, que é a de condicionar eproporcionar a irrupção do e dos atos subseqüentes, até que possa surgir o atoderradeiro, em vista do qual estão preordenados todos eles.

3.3 Não há confundir as finalidades dos atos do procedimento (as específicas e asgenéricas) com a finalidade do próprio procedimento. A finalidade genérica dos atoscontidos no interior do procedimento é a geração do ato final: determinação da propostasatisfatória, salvo insucesso, por vício jurídico ou inconveniência das propostas emgeral. já a finalidade do procedimento, concebido como uma unidade, é a realização deum contrato.

Por conseguinte, os atos procedimentais visam criar um último ato unilateral, quese inclui dentro do próprio procedimento. Diferentemente, o procedimento licitatório,como um todo, visa proporcionar o nascimento de um ato bilateral, externo aoprocedimento, conquanto condicionado por ele: o contrato.

3.4 A conclusão do procedimento licitatório é condição para que a entidadegovernamental possa contratar - e desde que o faça com o ofertante da propostavencedora - mas não gera para o poder público obrigação de com ele travar o contrato.Em outras palavras: pode desistir da obra ou da aquisição do objeto licitado. Sãorealidades independentes a licitação e o contrato.

3.5 A licitação se instaura com o edital, que é o primeiro ato do procedimento, e seencerra com a acolhida da melhor proposta (se esta se revelar satisfatória) e que é oúltimo ato do procedimento. Sem embargo, o edital influi não só sobre todo oprocedimento, mas também sobre o ato externo a ele, que é o contrato, caso estevenha a ser travado entre a administração e o proponente vencedor da licitação.

4. EDITAL

4.1 No direito brasileiro designa-se por edital de licitação o ato que envolve tanto apublicidade dela como as condições em que se efetivará. Daí poder-se defini-lo daseguinte forma: edital é o ato por cujo meio a administração faz público seu propósitode licitar um objeto determinado, estabelece os requisitos exigidos dos proponentes edas propostas, regula os termos segundo os quais os avaliará e fixa cláusulas doeventual contrato a ser travado.

Consiste, portanto, no documento fundamental da licitação. Habitualmente seafirma, em observação feliz, que é sua "lei interna". Com efeito, abaixo da legislaçãopertinente à matéria, é o edital que estabelece as regras específicas de cada licitação,de tal sorte que as questões porventura surgidas decidem-se na conformidade de seustermos. Suas disposições são vinculantes tanto para a administração quanto para os

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que disputam o certame. Embora não seja exaustivo, pois normas anteriores esuperiores o complementam, ainda que não reproduzidas em seu texto, como bem odiz Hely Lopes Meirelles, o edital é "a matriz da licitação e do contrato"; daí não sepoder "exigir ou decidir além ou aquém do edital".6

Por meio do edital, a administração explicita aos interessados o que deseja e oselucida sobre como, onde e quando deverão oferecer suas propostas. Esclarece, ainda,tanto a maneira pela qual examinará a qualificação dos proponentes como os critériosque presidirão a escolha da melhor proposta, bem como as condições em que pretendecontratar.

4.2 Sem embargo de todas estas especificações, nele não se traduz umapromessa de contrato, mas simplesmente uma convocação de interessados, a fim deque a administração pública decida ulteriormente se quer ou não contratar com oofertante da proposta mais vantajosa. Em outras palavras: pelo edital e mesmo ao caboda licitação, a administração não se obriga a vir a contratar com dos proponentes.Reversamente, os ofertantes, ao fazerem suas propostas, obrigam-se a mantê-las peloprazo assinado em lei ou no próprio instrumento de abertura. Do exposto não decorre,entretanto, que a administração possa arbitrariamente deixar de contratar com quemhaja feito proposta satisfatória, mas, tão-só, que é um direito seu, atendendo a razõesde interesse público esquivar-se a fazê-lo, pois não se obrigou a tanto, ao proceder alicitação, vez que o implemento do contrato subordina-se a razões de interesse público.

4.3 A ausência de obrigação aludida não exime a administração de acatar fiel erigorosamente os termos estabelecidos no edital. Pelo contrário, sua sujeição a eles éconcebida em teor tão estrito que gera, inclusive, a conseqüência denominada"imutabilidade do edital". Isto significa que, iniciada a licitação, as regras fixadas setornam imodificáveis durante todo o transcurso do certame. Não cabem alterações que,se existentes desde o princípio, teriam atraído para a licitação o interesse de outroseventuais participantes ou removido obstáculos jurídicos à afluência de terceiros.Igualmente descabem, como é natural, modificações suscetíveis de causar algumprejuízo a qualquer dos que já sejam proponentes, encarados de per se, oureciprocamente considerados. Do mesmo modo e por iguais razões não são toleráveisalterações que modifiquem as cláusulas do contrato, quer durante a licitação, quer apóso encerramento dela, por ocasião da lavratura da avença.

Daí não se deve inferir, todavia, a impossibilidade de correções ou retificações noedital, desde sua publicação e antes de eclodirem as fases ulteriores do procedimento."Estas poderão ser feitas - anotou com propriedade Lúcia Vale Figueiredo - desde queo prazo mínimo estipulado em lei para a publicidade da licitação seja respeitado". já ascorreções, "se forem de pequena monta e irrelevantes quanto ao seu conteúdo, nãoimplicam necessariamente que o prazo seja devolvido".7

Em face do que se expôs e do conceito de edital inicialmente formulado, pode-seafirmar que este desempenha uma sêxtupla função, a saber:

a) dá publicidade à licitação; 6 Id. ibid. pág. 119.7 Figueiredo, Lúcia Valle. Direitos dos licitantes e prerrogativas da administração. São Paulo, Editora da UniversidadeCatólica de São Paulo/Editora Resenha Universitária, 1977, pág. 34.

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b) identifica o objeto licitado e delimita o universo das propostas; c) circunscreve ouniverso de proponentes;

d) estabelece os critérios para análise e avaliação dos proponentes e propostas;

e) regula atos e termos processuais do procedimento;

f) fixa cláusulas do futuro contrato.

Impede examinar sucintamente cada um destes itens e exigências quecomportam.

5. PUBLICIDADE DO EDITAL

5.1 A forma pela qual se realiza a divulgação do edital é variável. Assim, tantopode ser publicado na íntegra como em resumo do qual conste indicação sucinta doobjeto licitado, identificação da entidade ou órgão promotor do certame, local e horárioem que se poderá obter seu texto completo.

No Brasil há três modalidades de licitação para aquisição de bens, obras ouserviços. Em duas delas (a concorrência, destinada a contratos de vulto, e a tomada depreços, quando envolver operações menos dispendiosas) exige-se publicação de edital.A terceira, que visa bens ou serviços de valor ainda menor, dispensa um editalpropriamente. Seu procedimento é muito simples. Basta o envio de carta-convite a pelomenos três empresas do ramo pertinente ao objeto licitado, convocando-as a fazerempropostas dentro de condições singelas especificadas no convite.

A publicidade do edital tem importância transcedente porque interfere de mododecisivo nas duas finalidades básicas da licitação: a proteção aos interessesgovernamentais de obter a proposta mais vantajosa e a abertura de possibilidades aosadministrados para que participem dos contratos que a administração entenda de firmarcom os particulares. Quanto maior for sua publicidade, melhores serão as condições deatendimento aos objetivos mencionados. Daí que a violação aos preceitos legais que aexijam ou o desatendimento às formalidades a que deve obedecer constituem víciojurídico de extrema gravidade porque tornam enferma a licitação em aspectos capitais.

6. IDENTIFICAÇÃO DO OBJETO LICITADO E DELIMITAÇÃO DO UNIVERSODAS PROPOSTAS

6.1 A clara e precisa identificação do objeto é requisito insuprimível do edital, poissó a partir dela são possíveis ofertas que respondam ao que a administraçãoefetivamente pretende. Demais disso, sem atendimento rigoroso desta exigência ou osinteressados não saberão exatamente o que propor ou as propostas não serãocotejáveis com o mínimo de objetividade capaz de garantir tratamento isonômico aosconcorrentes. A indicação confusa ou imprecisa do bem licitado proporcionaria aapresentação de ofertas muito heterogêneas, orientadas em vista de objetos decaracterísticas distintas e, por isso mesmo, inequiparáveis entre si, o que aumentariadesnecessariamente o teor de subjetivismo do julgamento, tornando por isso viciado oedital.

6.2 Só se licitam coisas homogêneas, intercambiáveis, porque só com relação aelas podem ser aplicadas pautas valoradoras embasadas em um mínimo de

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uniformidade, capaz de afiançar decisão calçada em critérios aplicáveisequivalentemente a todas as ofertas.

Os pontos aludidos colocam-nos diante de duas questões que, embora distintas,possuem íntimos pontos de contato, a saber: o problema da clareza na identificação doobjeto e do grau de especificação do objeto pretendido.

6.3 O primeiro pertine ao esclarecimento exato, aos eventuais proponentes, sobreo que se quer. Diz com a comunicação nítida, precisa, que elucidará sobre o bemlicitado, arredando dubiedades que produziriam, no espírito dos possíveis ofertantes edepois no dos julgadores, equívocos ou dúvidas quanto àquilo que validamente poderiaser proposto.

6.4 O segundo refere-se ao grau de discricionariedade administrativa quanto àespecificação do objeto. Pertine ao mínimo de especificações necessárias para quesurjam propostas comparáveis ante um critério de julgamento objetivamente operativopara todas, e ao máximo de especificação admissível, para além do qual ter-se-ásingularização viciosa do objeto, excludente de uma verdadeira licitação, ou, quandomenos, um "edital dirigido", isto é, preparado a favor de alguns apaniguados.

6.5 Quanto à clareza e precisão no identificar o objeto, compreende-se que onecessário é proporcionar aos interessados ciência exata das características do bemlicitado, suficientemente nítidas para que estes possam saber, com segurança, oquadro de alternativas existentes para o cabimento de suas ofertas. Neste passo, nãoestá em pauta a maior ou menor liberdade para variação das propostas, deferida peloedital em vista da configuração do objeto, mas simplesmente o perfeito esclarecimentosobre o âmbito por ele comportado. Desde que os interessados possam saberinequivocamente tudo o que se inclui na significação caracterizada do objeto (e,reversamente, o que se exclui), estará atendido o requisito aludido. A falta dele, o editalé imprestável e, portanto, juridicamente viciado.

6.6 Questão diversa, porém conexa em um de seus extremos, é a da margem deliberdade ou discricionariedade que assiste à administração para especificar o bempretendido. É intuitivo que faltando um mínimo de especificação, nem ao menos serápossível identificá-lo. Pode-se desprezar esta hipótese absolutamente radical. Semembargo, há um mínimo de especificação necessário - não à identificação do objeto -mas para que as propostas concernentes a ele sejam cotejáveis razoavelmente.

Para que possa haver licitação, é preciso que os bens a serem licitados sejamequivalentes, intercambiáveis, homogêneos. Não se licitam coisas desiguais. Épressuposto lógico do instituto que os bens a serem adquiridos ou os serviços a seremcontratados não possuam uma individualidade tal que os torne únicos na espécie ouinsuscetíveis de substituição por equivalente perfeito. De outro lado, igualmente serequer não sejam tão dessemelhados entre si, que a comparação entre eles se reveledesarrazoada ante os objetivos da licitação ou torne inócuos os critérios estabelecidospara o julgamento das vantagens de uma proposta em relação a outra.

6.7 Por isso, a licitação só tem lugar, quando a administração almeja obter bensde natureza e características confrontáveis. Se possuírem uma individualidade tal que

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os torne únicos na espécie, não há licitação possível. Se forem, inversamente, muitodistintos entre si, não comportam confronto em uma mesma licitação.

Não teria sentido um cotejo entre mesas de cristal e mesas de pinho. Nuncaconcorreriam em uma mesma licitação máquinas de calcular e máquinas de escrever,papéis de ofício e papéis-carbono, por terem natureza e destinações diferentes.

6.8 Entretanto, poderiam ser licitados no mesmo certame cadeiras escolares, dediferentes materiais e formatos (por exemplo: com ou sem apoio lateral para escrever,com apoio escamoteável ou não-escamoteável), se à administração fossem indiferentestais características, em vista do peso habitual a que as aplicaria.

Com as hipóteses agora figuradas, deseja-se realçar que estes diferentes objetos,conquanto individualizáveis, por caracterizarem tipos de um mesmo gênero, paraefeitos de licitação poderiam ou não concorrer juntos. O que os tornaria conjuntamentelicitáveis - ou não-licitáveis conjuntamente - seria um elemento externo, a saber: airrelevância ou relevância, a juízo da administração, da obtenção de um ou outro tipo,dada a utilização que lhes daria.

6.9 Pretende-se exalçar a idéia de que a individualidade de um objeto não é umdado absoluto, mas se decline através do contemperamento entre as característicasgenéricas dele e o critério administrativo - região discricionária - fixador do grau deespecificidade requerido para satisfação de uma necessidade da administração.

6.10 A interferência do critério administrativo especificador do objeto, obviamente,tem um limite mínimo, sem o qual não há condições para um confronto resolúvel emface de pautas preestabelecidas e operativas para valorar eqüitativamente aspropostas. Tem, outrossim, um limite máximo, isto é, a elasticidade da ingerência docritério administrativo não é determinada unicamente pela vontade ou juízo doadministrativo, pena de arbitrariedade. A dizer: não cabem especificações despojadasde pertinência lógica com a necessidade pública a ser satisfeita.

6.11 Um edital pode, portanto, especificar ou mais ou menos as características doobjeto e, ao fazê-lo, delimitará o universo das propostas. O grau de liberdadeadministrativa no teor das especificações será variável em função do direito positivo decada país. Inobstante, sempre terá que conter um mínimo de especificação do bempretendido, à falta do que a licitação será uma farsa. Outrossim, não poderá o editaldescer a especificações tão minuciosas que singularizem um objeto que não sejasingular.

6.12 O princípio da isonomia na licitação não se manifesta apenas durante otranscurso dela, mas também quando de sua instauração. Edital que não circunscrevasuficientemente o objeto rende ensejo a ofertas tão díspares que o critério dejulgamento se esvazia de qualquer teor de objetividade, impedindo tratamento paritário.Edital que circunscreva excessiva e desnecessariamente o objeto alija do certamequem poderia disputar a licitação trazendo propostas suscetíveis de atenderem aointeresse administrativo. Neste caso, também seria adversado o preceito da isonomia.

Cabe, portanto, insurgência dos eventuais interessados contra edital que incidanum dentre os dois vícios referidos. Descabe, aqui, aprofundamento maior sobre amatéria, pois exigiria digressão teórica demorada sobre os temas "limites da

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discricionariedade", "conteúdo jurídico do princípio da isonomia" e "qualificação doobjeto não-licitável", o que desbordaria em muito as perspectivas deste trabalho.

Assinale-se, tão-só, que sendo licitáveis apenas objetos equivalentes e resultandoa equivalência de um contemperamento entre o gênero do bem e o critérioadministrativo especificados, a especificação do objeto é legítima e necessária, peloque deve constar do edital. O campo de interferência do critério administrativolocaliza-se no intervalo contido entre dois extremos. O mínimo de especificação, a partirdo gênero do bem é o que seja suficiente para submeter todas as propostas a umcritério de avaliação uniforme, suscetível de ser haurido em suportes objetivos; omáximo de especificações coincide com o limite cuja ultrapassagem singulariza bensnão-singulares ou exclui do procedimento licitatório possíveis ofertas que atenderiam domesmo modo a necessidade a ser satisfeita.

É impossível indicar em abstrato, e com satisfatória .precisão, quando se configuradesrespeito aos limites mínimos ou superação dos limites máximos. A matéria só éresolúvel pelo exame casuístico das situações. Nada obstante, é forçoso reconhecerque há barreiras intransponíveis exigidas pelo princípio da isonomia, donde aconveniência de colocar em realce o problema mencionado, cuja resolução in concretose decide, fundamentalmente, na busca de existência ou inexistência de correlaçãológica com a necessidade administrativa que a administração haja-se proposto apreencher com a licitação.

A lisura do edital perante o princípio da igualdade, no que se refere à identificaçãodo objeto e delimitação do universo de propostas admissíveis, depende da existênciada pertinência lógica especificadora a que se aludiu.

7. CIRCUNSCRIÇÃO DO UNIVERSO DE PROPONENTES

7.1 Do edital constam indicações concernentes aos requisitos exigidos dos quepretendam participar do certame. Isto é, compete à administração estabelecer ascondições para que alguém possa disputar uma licitação. São exigências relativas aossujeito, e não às propostas. Normalmente, referem-se à habilitação jurídica, técnica efinanceira do eventual proponente, as quais irão dizer sobre suas idoneidades paraoferecerem propostas sérias e pelas quais possam responder.

7.2 Compreende-se a necessidade de que exista nos interessados capacitação: a)jurídica, para obrigarem-se de direito; b) técnica, para enfrentarem os encargosoperacionais; c) financeira para suportarem os compromissos econômicos de umeventual contrato.

Com efeito, interessa, como é lógico, cifrar a disputa a quem tenha realmentecondições de vir a cumprir o pretendido pelo poder público. À administração nãoconvém atirar-se em negócios aleatórios. Não pode envolver-se em riscos que tragamincerteza quanto ao efetivo cumprimento dos encargos que poderão incidir sobre aparte .vencedora.

O interesse público, a continuidade do serviço não se compadecem com álea quederivaria de avença travada com quem pudesse comprometer, por insuficiênciaeconômica ou técnica, a satisfação dos superiores interesses curados pelo poderpúblico. Menos ainda poderia vincular-se a quem não tivesse aptidão jurídica para

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tanto. Destarte, uma empresa de recursos financeiros ou técnicos modestos não poderáenvolver-se em operações de vulto, que excedam, pelos compromissos a elesinerentes, a normal e demonstrada capacidade de enfrentar situações análogas e deequivalente porte. É óbvio que ao poder público não assenta, mediante o instituto dalicitação, propiciar a expansão econômica de organizações de porte menor.

7.3 Portanto, é inquestionável assistir ao promotor do certame licitatório certamargem de liberdade para estabelecer, no edital, padrões mínimos de idoneidadefinanceira e técnica, condicionais ao ingresso no certame e à disputa do objeto licitado.Sem dúvida, quadra-lhe fixar os parâmetros necessários, a bem da firmeza e segurançaque devem presidir a relação jurídica ulterior a ser firmada com o vitorioso.

Este asserto não pode ser posto em causa. É induvidoso que a matéria comportajuízo discricionário para gabaritar o nível de exigências.

Não há, nem pode haver, algum padrão que permita aferir, antecipadamente, comrigor de discrímen capilar, um limite exatíssimo para decidir quem deve serconsiderado, pelo edital, como incluído ou excluído da licitação, por força dascapacitações financeira e técnica. Porém, de todo modo, estas pautas devem serestabelecidas no instrumento de abertura.

Por conseguinte, pelo edital circunscreve-se, liminarmente, o universo dosofertantes admissíveis.

7.4 Ocorre, todavia, que é necessário conciliar esta restrição com o princípio daisonomia, de tal sorte que as limitações estatuídas não ultrapassem o necessário àgarantia dos interesses que as justificam.

Consoante já se averbou, importa notar que o princípio da igualdade manifesta-senão apenas por ocasião do transcurso do certame, mas comparece mesmo antes dele.Deve, pois, estampar-se nos preceitos do edital, pena de se dissolver toda suasignificação e se aniquilar seu préstimo.

Com efeito, de que valeria um edital formalmente completo, uma publicidadeamplíssima, uma habilitação exata, um julgamento objetivo, se, de antemão, apossibilidade de afluir ao certame houvesse sido reservada a alguns poucosfavorecidos, com exclusão da torrencial maioria capaz de oferecer o bem ou o serviçoposto em disputa?

Que significaria toda tramitação solene e formalística, se ao bem licitado sópudesse concorrer número ínfimo de interessados a quem adrede se reservasse talbenefício, mediante requisitos de capacitação viciosos?

7.5 Nota-se então, com evidência solar, que a positividade do princípio isonômicodescansa sobretudo nos critérios que presidem a admissibilidade ao certame, pois afalta de justeza neles compromete tudo que lhe seja subseqüente.

O apostilado nos conduz a um campo de indagações extremamente fértil emdúvidas e incertezas, pois atina com os confins da discricionariedade. No entanto, amatéria não fica desassistida de algumas pautas e critérios capazes de dissipar ou pelomenos reduzir-lhe a nebulosidade.

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7.6 Em direito, toda liberdade, toda discricionariedade, por ser e para ser tal, temnecessária e obrigatoriamente limites. Se não os tivesse deixaria de ser comportamentointrajurídico, isto é, deixaria de ser discricionariedade, convertendo-se em arbítrio.Segue-se que suas fronteiras têm algum campo de demarcação, delimitam-se porreferenciais aferíveis, sem o que jurídico e injurídico se confundiriam. O mesmo é poderilimitado - extrajurídico - que poder incontrastável.

Surge, pois, o problema de se saber quais os parâmetros que balizam o juízodiscricionário. No âmbito deste estudo não é possível ir além de certas observaçõessingelas, cifradas, ainda, à questão que nos ocupa.

7.7 Cumpre, dizer que há, pelo menos, dois evidentes limites à discricionariedade:a) o primeiro é o respeito à finalidade jurídica que justifica e dá escoro ao poderdesfrutado pela autoridade competente em abstrato; b) o segundo é a necessidade deque o uso da discrição administrativa, pela estrita pertinência lógica da decisão com oobjeto dela, em nada ultrapasse o que for rigorosamente necessário para atendimentodo interesse jurídico a ser legitimamente tutelado.

Esclarecendo melhor: se a finalidade que justifica certa decisão discricionária ésatisfazer adequadamente um dado interesse, este, e só ele, pode servir como critériopara adoção da medida. De outro lado, a decisão tomada não pode ir além do que forindispensável para alcançar o resultado ou interesse que legitima a liberdade decisória.Esta adequação rigorosa só existe quando a medida tomada pelo administrador guardaestrita congruência lógica com as razões de decidir. Em suma, a liberdade na escolhade alguma medida só vai até o ponto indispensável para se alcançar o bem jurídico cujaproteção deu ansa à discrição.

7.8 Resulta disto que não há discricionariedade, mas ilegitimidade, quando aprovidência adotada, pelo alcance que tenha, ultrapassa o quantum necessário paraatingir o valor defendido pela ordem jurídica.

7.9 Feitas estas considerações breves, pode-se aplicá-las ao problema em pauta,tendo em vista os seguintes pontos ligados à matéria sub examine: a) não pode haverlicitação sem obediência à isonomia; b) não pode haver isonomia sem afluência domaior número possível de licitantes cujas condições não comprometam a viabilidadesubjetiva de mantença das propostas. Daí serem cabíveis as seguintes conclusões: 1.O critério de capacidade dos licitantes há de cifrar-se à exclusão dos que sabidamentenão possam arrostar com os compromissos do objeto a ser licitado. Por isso os índicesde capacitação têm que estar proporcionados aos encargos envolvidos. 2. A entidadelicitadora, para atender às razões finalísticas que alimentam seu poder de fixar ospadrões pertinentes, necessita compor critérios e limites cingidos à obtenção destaespecífica certeza: obstar apenas e tão-somente o afluxo dos que, por ocasião dalicitação, sejam baldos de meios para responder com segurança aos encargos doobjeto posto em certame.

7.10 Com efeito, se as razões que determinam o estabelecimento dos índices decapacitação técnica e financeira descansam exata e precisamente na necessidade desubtrair a obra dos riscos ligados à incapacidade técnica ou financeira, não pode seradotado um critério ou mecanismos de exclusão antecipada que vá além doestritamente necessário para garantir a segurança que se pretende.

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Ora, esta segurança e tranqüilidade quanto à capacidade de alguém paraenfrentar tal compromisso está relacionada, de um lado, com o vulto doempreendimento e, de outro, com o momento em que o interessado se apresenta (nãocom época pretérica).

Em suma, a capacidade para assumir a obra - fator justificativo dos critérios dehabilitação - determina-se por um potencial correlato aos encargos pedidos. Demaisdisso, determina-se por um potencial atual, e não por um potencial anterior.

Como a liberdade discricionária não pode ser exercida para fora da razão que ajustifica, há de se entender que não se estende até o ponto de fixar índices decapacitação divorciados do montante dos compromissos previstos. Também não sealarga ao ponto de escolher um momento de aferição de capacidade descoincidentecom a época em que esta seja irrelevante para garantia do interesse em nome do qualfoi outorgada ai discrição.

Também afronta à escala vista os interesses e finalidades que devem nortear alicitação, pois reduz inutilmente o número de possibilidades de um negócio vantajosopara a promotora do certame.

7.11 Assim, por exemplo, a fixação de um capital mínimo integralizado, à guisa dedemonstrativo da capacidade financeira para um dado pleito, relaciona-se com omomento do certame e não com ocasiões anteriores.

Com efeito, remetê-la a um instante pretérito é demasia inútil, pois conduz a umúnico resultado jurídico - antagônico à finalidade da licitação - qual seja, excluir dadisputa interessados que poderiam enfrentar os encargos da obra sem riscos.

Pretender que este requisito já deva estar preenchido em data prévia, anterior aomomento estabelecido para comprovação da idoneidade financeira, - verbi gratia, seismeses antes do edital, ou à época do edital -é decisão gratuita que não se relacionalogicamente com a necessidade a ser satisfeita.

Com isto nenhuma segurança se agrega além daquela que poderia ser obtida pelaaferição da idoneidade em momento contemporâneo ao instante da comprovação dahabilitação. E, reversamente, causa-se um duplo desproveito: à promotora do certame,que contará com afluência menor e aos interessados em licitar, que ficarãomarginalizados, sem que concorra causa substante para justificar esta eliminação.

Estes resultados, porque agressivos à isonomia e desbordantes dadiscricionariedade, na medida em que desconhecem a finalidade que a alimenta,desembocam em situação desamparada de fomento jurídico.

8. CRITÉRIOS PARA ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE PROPONENTES EPROPOSTAS

8.1 Do edital devem constar os critérios em função dos quais a administraçãoapurará a habilitação dos concorrentes e fará o julgamento das propostas.

Neste tópico não se cogita da previsão dos requisitos de idoneidade, mas dosmeios pelos quais serão aferidos. Do mesmo modo não se trata do que pode serproposto, mas do que determinará a supremacia de uma oferta sobre outra.

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É indispensável que o edital aponte os critérios a serem adotados, se a legislaçãopertinente for omissa ao respeito. Uma vez estabelecidos dentro do campo de liberdadepermitido pela lei, nenhuma decisão poderá ser tomada aquém ou além de suasestipulações. Vale dizer: a administração não poderá ser mais benevolente ou maisestrita, na apreciação da idoneidade dos licitantes do que lhe permitam os critériosfixados no edital. Assim, também, ao julgar as propostas, em nada poderá se afastardos termos ali prescritos, de tal sorte que qualquer vantagem porventura constante dealguma oferta, mas não prevista como admissível pelo teor do edital, obrigatoriamenteserá desconsiderada.

8.2 O edital deverá estabelecer, para a apuração da capacidade dos proponentes,critérios objetivos, poisa matéria dispensa totalmente apreciações dependentes desubjetivismo. Este conforme já anotado, pode existir, em alguma escala, na fixação dosíndices ou fatos que a revelarão. Decididos, contudo, o edital terá que estabelecê-losem termos que configurem vinculação acentuada, pois inexiste razão para desenhá-losem moldes propiciatórios de liberdade ensanchadora de agravos à isonomia.

Com efeito, averiguação de idoneidade financeira resolve-se facilmente pelafixação de índices numéricos, por exemplo, com relação a capital, balanço, faturamento,atestados bancários, etc. Nada há que impeça a estatuição de índices ou limites,previamente aclarados, quanto ao comprometimento dos recursos da empresa. Deixarliberdade administrativa para apreciação da capacidade financeira não proporcionavantagem alguma ao poder público e, de revés, pode servir apenas para inclusões ouexclusões indevidas.

8.3 O mesmo se diga quanto à capacitação técnica, que também é suscetível deser montada em critérios rígidos, plenamente aptos a identificá-la. Atestados de anteriordesempenho de atividade pertinente e compatível, em quantidades e prazos, com oobjeto da licitação, equipamentos e respectivas especificações, equipe técnica e seucurrículo, são igualmente, embora de modo menos estrito que na hipótese anterior,suscetíveis de serem decididos por critérios de alto teor de objetividade.

8.4 O edital poderá evidentemente quando a lei facultar esta opção, tomar comopadrão de julgamento das propostas, exclusivamente, o preço mais baixo, ou levar emconsideração vantagens outras, tais como a qualidade, o rendimento, os prazos, aforma de pagamento. Nesta segunda hipótese é evidente que a margem de discriçãodecisória que remanescerá para os julgadores será muito maior do que na simplesconsideração do preço. Inobstante, justifica-se plenamente e é meio de aferição maiscompleto e capaz de colher a oferta realmente melhor, pois sopesa um conjunto deelementos relevantes ao invés de se ater apenas ao preço ofertado. De todo medo, ocampo de discrição existente para o julgamento ficará sempre contido no interior doslimites firmados no edital.

8.5 Critério é pauta que orienta decisão. Pode, por isso, ser mais ou menos estrito,ensanchando, por conseguinte, algum subjetivismo inevitável em tema de julgamentode propostas, salvo quando estabelece obrigatoriedade de conferir vitória à oferta depreço mais baixo. Portanto, não será viciado o edital cujos critérios impliquem certaliberdade na avaliação das propostas. Vício haverá apenas quando deles não se puderextrair trilhas determinadas orientadoras do julgamento, segundo padrões

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razoavelmente concludentes. Neste caso sim, existiria ofensa à legitimidade, pois ospróprios ofertantes ficariam impedidos de orientarem as respectivas ofertas em funçãode um resultado pretendido, além de falecer-lhes, então, por completo, meios defiscalizarem a eqüanimidade do julgamento.

9. FIXAÇÃO DOS ATOS E TERMOS DO PROCEDIMENTO

9.1 O edital regula, ainda, os atos c termos do procedimento licitatório. Abaixo dalegislação e dentro das balizas nela fixadas, cabe-lhe disciplinar a seqüência e asformalidades dos atos próprios de uma dada licitação. Assim, o tempo para a prática decada qual, as solenidades que os cercarão, os direitos e deveres exercitáveis duranteseu transcurso pelos proponentes e pelos órgãos administrativos que a conduzamconstam do instrumento de abertura e têm que ser estritamente respeitados.

Apresentam especial importância as disposições que regulam a sucessão dasfases do procedimento e prevêem os recursos cabíveis, pois sem a exaustão de umadelas não é lícito passar-se à subseqüente.

A matéria, contudo, dispensa qualquer digressão maior, pois o direito positivohabitualmente prevê, com bastante minúcia, os trâmites da licitação, pouco restandoaos editais para acréscimos de relevo. Ainda assim, cabe dizer que serão viciadas asdisposições que impeçam os concorrentes de fiscalizar a lisura dos vários atos e termosprocessuais.

10. FIXAÇÃO DE CLÁUSULAS DO CONTRATO

10.1 Além de regular a licitação, propriamente, o edital estabelece as normas dofuturo contrato. Aliás, nem poderia ser de outra forma. Com efeito, ninguém teriapossibilidade de apresentar à administração alguma oferta séria e responsável sedesconhecesse os termos do engajamento a que se compromete. Decorre disto que ascláusulas contratuais são elemento fundamental do ato instaurador da licitação econdicionam o próprio teor das ofertas, pois é, em função das regras contratuais quealguém constitui sua proposta. Em conseqüência, as cláusulas do contrato previstas noedital, têm que ser mantidas quando da assinatura dele. Deveras, condições diferentesgeram propostas diferentes. Por isso, alterações das cláusulas, pela influência que nasofertas poderiam ter tido, estariam desequilibrando os proponentes.

11. VÍCIOS DO EDITAL

11.1 Os vícios que afetariam a lisura jurídica do edital já foram apontados porocasião do exame de cada uma das funções cumpridas. pelo documento de aberturada licitação. Nada mais resta senão resumi-los:

a) violação do dever de publicidade - por divulgá-lo de modo insuficiente quanto àforma ou ao prazo legalmente previstos. Haverá violação indireta deste dever seocorrerem alterações no edital e este não for republicado, restaurando-se o prazocompleto, salvo a hipótese de simples correções de pequena monta;

b) indicação defeituosa do objeto ou delimitação incorreta do universo depropostas - por ser imprecisa e obscura a identificação do objeto, impedindo seu exa toreconhecimento ou por inadequada especificação dele. Isto ocorrerá quando aespecificação for insuficiente, tornando incotejáveis as propostas ou quando for

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excessiva, de molde a alijar discriminatoriamente concorrentes em benefício de algunsou de algum interessado.

Nestes últimos casos haverá defeito na delimitação do universo de propostasadmissíveis;

c) impropriedade na delimitação do universo de proponentes -

pelo estabelecimento de índices ou fatores de capacitação desproporcionados aosencargos envolvidos na licitação ou por exigir que já estejam atendidos em épocadescoincidente com aquela na qual teriam relevo para a segurança das propostas;

d) caráter aleatório ou discriminatório dos critérios de avaliação de proponentes epropostas - por objeti vos discriminatórios ou por vacuidade dos critérios,proporcionando subjetivismo desnecessário na avaliação da idoneidade ou mesmo porestabelecerem pautas insuficientes para se ajuizar sobre a lisura do julgamento;

e) estabelecimento de trâmites processuais cerceadores da liberdade de fiscalizara lisura do procedimento - por retirarem dos licitantes a possibilidade de acompanhar alicitude do certame e a isonomia no tratamento dos ofertantes;

f) ausência de cláusulas disciplinadoras do futuro contrato - por obstar aformulação de propostas sérias e responsáveis.

11.2 Não se pretende que a relação de vícios apontada seja exaustiva. Desdelogo, por ser óbvio que qualquer disposição do edital que contrarie a legislação, variávelde país para país, acarretará sua ilicitude. Pretendeu-se apenas apontar vícios queprocedem diretamente da oposição aos princípios que presidem a licitação ou seincompatibilizam com traços nucleares do instituto.

Entende-se por princípio a disposição, expressa ou implícita, de naturezacategorial em um sistema, que informa o sentido das normas implantadas em uma dadaordenação jurídico-positiva. Vale dizer: mandamento nuclear de um sistema, verdadeiroalicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas,compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligênciadelas, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo,conferindo-lhe a tônica que lhe outorga sentido harmônico.

Como superiormente observou Augustin Gordillo: "La norma es limite y contenido.La norma da a Ia ley facultad de interpreterla o aplicarla en más de un sentido, y el actoadministrativo Ia facultad de interpretar Ia ley en más de un sentido; pero el principioestablece una dirección estimativa, un sentido axiológico, de valoración, de espíritu. Elprincipio exige que tanto Ia ley como el acto administrativo repeten sus limites y ademástengan su misma contenido, sigan su misma dirección, realicen su mismo espíritu".8

Portanto, violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. Adesatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um mandamento obrigatório, masa todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegitimidade porquerepresenta insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

8 Gordillo, Augustin. Introducción al derecho administrativo. 2.a ed. Abeledo-Perrot, 1966, págs. 176-7.

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11.3 Não é difícil perceber, no arrolamento feito, que os vícios apontados maculamo edital por colocarem em risco ou por agravarem o princípio da insonia e suasderivações específicas em matéria de licitação. Em suma: atentam contra o que JoséRoberto Dromi, em sua preciosa monografia sobre a matéria, denominou de "ratio jurisde Ia licitación y de los demás procedimentos de selección del cocontratante", a saber,a livre concorrència e a igualdade entre os ofertantes".9

9 Dromi, José Roberto, op. cit. pág. 131.

CONTROLE DAS EMPRESAS ESTATAIS (*)

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ROBERTO ROSAS(*)

Senhor Presidente do Tribunal de Contas da Bahia, Conselheiro Joel MunizFerreira, Sr. Procurador Chefe da Procuradoria junto a esta Casa, Prof. Luiz Navarro deBrito, que tenho o grande prazer de rever, depois de tantos anos de conhecimento e deadmiração pela sua atuação científica, cultural e editorial, como Professor, jurista ehomem público; Sr. Dr. Nilson Sepúlveda, ilustre Procurador-Geral do Estado da Bahia;Cons. Osvaldo Gordilho, que tenho a grande honra de conhecer e satisfação de sergrande amigo de seu ilustre filho que mora em Brasília; Srs. Conselheiros desteTribunal, a todos presto a minha homenagem e, em particular, singularizo estahomenagem na pessoa do Eminente Cons. José Medrado. Singularizo porque, semdemérito dos .demais que trazem a sua grande contribuição a esta Corte de Contas, S.Exª . com quem tenho convivido mais de perto nos Congressos dos Tribunais deContas, lá tenho visto sua dedicação, seu zelo e sua grande participação, honrando oTribunal de Contas da Bahia, que é um dos mais destacado, nesses prélios culturais eintelectuais relativos às Cortes de Contas.

A bancada do Tribunal de Contas da Bahia faz grande figura nos Congressos dosTribunais de Contas porque leva a sua contribuição de um dos Tribunais mais antigosdeste País e, por isso, com sua dinâmica, com seu conhecimento, com sua experiênciade Tribunal de Contas. Lá, dentre eles, está sempre o Cons. José Medrado, pronto aaceitar qualquer serviço: a presidir, a relatar, a participar de comissões, procurandoserviço. Ele tem um destaque. Tive a felicidade de acompanhá-lo em três Congressose, nesta situação tão interessante, de participar ativamente com ele naquelasatividades.

Agradeço, também, a presença dos nobres colegas Procuradores, Advogados, aoDr. Pedreira Lapa e Otávio Machado. Aos ilustres Conselheiros Aposentados destaCorte; aos Srs. Diretores, Funcionários, enfim, a todos aqueles aqui presentes nestahora, para mim, de grande felicidade. Felicidade dupla. Em 1° lugar, por estar nesteTribunal de Contas, no seio de tão ilustre personalidades, amigos e pessoasinteressadas nestas atividades. Em 2° lugar, por estar na Bahia, pois, nada melhor paraum carioca, fora do Rio de janeiro, do que estar na Bahia, porque exatamente estádentro da sua Casa, e a Bahia e o Rio de janeiro são um irmandade em comum,carioca e baiano estão integrados numa alma só, histórica, por laços infinitos deigualdade, identidade, não fazendo diferença muito grande entre o Rio de janeiro eBahia.

Venho aqui procurar conversar com os Senhores sobre assunto dos maisinteressantes, dos mais empolgantes hoje na Administração e para as Tribunais deContas: o problema da Administração indireta, que, na realidade, nós vamos destacar.Não a Administração indireta como autarquia, porque já é um assunto muito falado, enão há necessidade de muita explanação. Mas a Administração Indireta, comosociedade de economia mista e empresa pública, que são duas novas instituições naAdministração brasileira, e, como novidade na Administração, sempre trazem algo de

(*)- Conferência no Tribunal de Contas da Bahia, no dia 31-5-79. Notas taquigráficas.

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perplexidade para saber quais são os limites destas Instituições e, ao mesmo tempo,saber como elas se estruturam juridicamente.

No Brasil, nós, numa felicidade muito grande, com o desenvolvimento daAdministração, passamos do sistema integrado direto a autarquia. já foi um grandepasso administrativo, no Brasil, sairmos da administração integrada para criarmos aautarquia. A autarquia, como a sua palavra está dizendo e, etimologicamente, jásignificaria governo próprio. Então, os juristas brasileiros, os administradoresencontraram, no sistema italiano, um instituto que, realmente, atendesse àquilo que sepretendia, ou seja, afetar determinadas atividades a uma estrutura mais ágil, maisdinâmica e, assim, a administração ficasse mais operosa dentro daquele rumo. Dessemodo o Brasil partiu para a autarquia, e atrás dele os famosos IAPs, institutos deaposentadoria e outros institutos que se integraram como autarquia. Nessadescentralização administrativa a criação de autarquia, que foi uma grande novidade noBrasil, rapidamente hipertrofiou-se, e ao mesmo tempo ela ficou englobada àadministração direta e autárquica, e nenhuma novidade passou-se a verificar entreautarquia e administração indireta, tais as inferências e interferências que a autarquiapassou a sofrer em virtude de vários defeitos e problemas que a própria autarquia criou.Vamos dizer, até, dos descalabros administrativos que impuseram uma série de regraspara entravar a administração, o autocontrole da autarquia, e dai ela passou a ser umaintegrante da Administração Indireta. Então, a autarquia não atendia aodesenvolvimento da administração brasileira, não atendeu plenamente àdescentralização administrativa.

Com a Reforma Administrativa de 1966, com o decreto famoso, Decreto-lei n° 200,deu-se ênfase muito grande à sociedade de economia mista, que já existia, e umafigura legislativa para a empresa pública. trazendo uma certa perplexidade ao jurista dasociedade com um acionista só, como seria o caso pelo Decreto-lei n° 200, isto é: aUnião como acionista única da empresa pública. Então, foi o grande "abre-te, Sésamo!"da Administração brasileira, a criação das empresas públicas e o incentivo dassociedades de economia mista.

A sociedade de economia mista, como os Senhores sabem, tem umapredominância de capital do poder público. A sociedade de economia mista, jádisseram os economistas e juristas, foi uma grande invenção econômica e jurídica,numa ligação entre o Direito e a Economia, para mostrar o desenvolvimento dassociedades, isto é: compartilhar os capitais privados com os capitais públicos,permitindo a pequenos capitais privados, ou ínfimos até, uma participação muito grandeem grande; empreendimentos, com grandes atividades públicas, que o indivíduo, comaquele seu capital ínfimo, com aquela sua parcela insignificante de dinheiro, nãopoderia ter, absolutamente, a veleidade de participação. Então, foi uma simbioseeconômico-jurídica, permitindo um desenvolvimento muito grande da sociedade deeconomia mista.

No Brasil, a sociedade de economia mista prosperou muito. A sociedade deeconomia mista desenvolveu-se. Na sociedade de economia mista, evidentemente, elatem aqueles controles internos que são aqueles controles que já começam nasassembléias ordinárias e extraordinárias, onde um acionista poderá participar,dependendo de sua qualificação. Mas verificou-se, também, que a sociedade de

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economia mista, com esse controle interno das suas assembléias, não atendiaplenamente, em termos de controle e verificação, pois que, se pegarmos as grandessociedades de economia mista no plano federal, por exemplo o Banco do Brasil,verificaremos que ninguém vai à assembléia do Banco do Brasil, nunca ninguém foi, anão ser a Oposição, em priscas. eras, que pretendia impugnar determinadas decisõesda Diretoria do Banco do Brasil. Então, comparecia mais para impugnar e protestar doque propriamente para decidir, porque a maioria já decidia através do representante daUnião. Então, este controle interno da economia mista praticamente não funcionava, enão funcionará porque o acionista controlador, o acionista majoritário decide ecomparece. Eu mesmo participei de assembléias de uma determinada instituiçãopública, porque era advogado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.Então, já ia tudo esquematizado e, até, o Presidente da Assembléia, que era oPresidente desta instituição, pedia para o seu Secretário botar um papel na frente comos tópicos: "vai falar o Sr. Fulano; fale o Sr. Presidente; fale o Secretário; isto aprovaisto; aprova o Conselho Fiscal; aprova honorários do Conselho Fiscal; Diretoria, e tinhauma tabela, e nós íamos acompanhando aquilo ali e chegávamos ao final e dizíamos: -e a ata? E o Secretário dizia: - eu peço que suspenda a sessão por alguns minutos paraque nós possamos lavrar a ata. A ata já estava lavrada. Só faltava um pedacinho,referente aos honorários, mas já estava tudo pronto, não precisava nem uns: 10minutos para a datilografia funcionar. Este controle interno. realmente, não funcionapara as sociedades de economia mista. Agora, em relação à empresa pública,realmente, como era o capital único do poder público, o sentido era este, do capitalúnico do poder público e, portanto, criando outro tipo de sociedade. A empresa públicaficava com o controle interno único do seu instituidor e do poder público. Pior ainda quea sociedade de economia mista, porque lá não haveria nem protesto de algum acionistaque quisesse impugnar determinadas decisões, ainda que seu voto não prevalecesse enão tivesse nenhuma eficácia, em termos de impugnação. Agora, tudo isso, através doDecreto-lei nº 200, foi imposto aos Estados e ao Distrito Federal através do AtoInstitucional nº 8, e todos os Estados passaram a adotar essa reforma administrativa e,no peculiar, em relação a uma pessoa pública e à sociedade de economia mista.

Realmente, a empresa pública, a meu ver, é o grande problema no momento, emtermos de controle, fiscalização e administração, e as empresas públicas estão aí: oBanco Nacional da Habitação, a Caixa Econômica Federal, o Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico. São dois terços (2/3) dos recurso, públicos, federais eestaduais, ligados a estas atividades. Então, vejo que a grande parcela do orçamento edos dinheiros públicos é destinada a estas instituições. Não é simplesmente problemaque o Tribunal de Contas da Bahia está preocupado, também o Tribunal de Contas daUnião. Não é problema somente de Tribunal de Contas. É de todos os indivíduos quese interessam pela administração pública, porque o vulto de recursos de interesse é tãogrande que há a necessidade de discutirmos, debatermos, encontrarmos, sempre,novas soluções e discutirmos os problemas positivos e negativos que podem surgir.Então, o primeiro problema surgido em relação à empresa pública e à sociedade de:economia mista era saber até onde o poder público poderia interferir na economia, paraque o poder público pudesse, através da empresa pública principalmente, intervir nodomínio econômico. A Constituição Federal de 1967 veio resolver, em parte, esteproblema, porque, realmente, a Constituição de 1967, como veio logo depois do

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Decreto-lei nº 200, atendeu constitucionalmente este problema, no famoso artigo 170,artigo que é Bíblia para os Tribunais de Contas e para a administração, porque ali vãocomeçar os problemas em relação à Administração Indireta. O art. 170, repito, instituiuo setor privado e a atividade privada, a empresa privada, como primordial no setoreconômico. Ressalta a Constituição, portanto, o incentivo e a primazia da empresaprivada e do setor privado em termos econômicos. Agora, o próprio art. 170 consideraque o Estado, em caráter suplementar da iniciativa privada, poderá organizardeterminada atividade econômica, mas ele vai começar a restringir essa possibilidadeda intervenção e interferir suplementarmente. Aí é que vem, exatamente, onde nósqueremos e nos interessa para discutirmos a nossa matéria.

Na exploração pelo Estado da atividade econômica, as empresas públicas e associedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicadas às empresasprivadas. Muito bem! Este é o 1º problema, que já o Cons. Medrado situou, ali, nas suaspalavras iniciais. Quer dizer: - a natureza privada destas instituições. Agora, nós temosque partir deste aspecto privado que a sociedade de economia mista e a empresapública têm, também, para nós enquadrarmos qual a diretriz legislativa e qual o controleque deve existir. Se nós partirmos de que, realmente, o setor privado e a empresaprivada têm todas as aberturas e têm todas as garantias e devem, dentro da livreiniciativa, se conduzir à sua maneira e aplicar isso à empresa pública e à sociedade deeconomia mista, então, zero em relação a controle. Não há controle algum. Não precisase verificar mais nada. Mas ocorre, no entanto, que a própria Constituição, e aí nóstemos que fazer uma interpretação sistemática, evidentemente a própria Constituiçãovolta a insistir, no art. 62, nesse aspecto relativo à natureza da administração indireta,quando, no capítulo da fiscalização financeira, a Constituição diz: - "realmente, a receitae as dotações para a administração indireta podem ser feitas globalmente, mas nãolhes prejudicará a autonomia na gestão legal dos seus recursos". Ora, isso é evidente!Se a Constituição está dando à empresa pública e à sociedade de economia mistacaráter de empresa pública e reger-se-ão pelas normas referentes à empresa privada, éevidente que tudo aquilo que concerne à empresa privada terá que ser obedecido. Masnós não ficamos neste ponto, porque a própria Constituição, e aí é que vem adificuldade de um intérprete e uma interpretação sistemática, nessa colcha de retalhos,que está em vários lugares da Constituição, em capítulos diversos. E aqui está ummestre de Direito Constitucional, Navarro de Brito, que conhece este assunto melhor doque nós, na dificuldade de uma interpretação sistemática. Então, é aquela velhainterpretação: -"onde a Constituição realmente dá, ela não pode tirar em outro lugar".Acima disso tudo e para nós, o que nos interessa, é o art. 45, da Constituição, quando oart. 45 institui o controle da Administração Indireta. Essa é que é a base central, paraque, realmente, os Tribunais; de Contas possam, de fato, exercer a sua fiscalizaçãoorçamentária e financeira sobre a Administração Indireta. Friso que nós estamos aindana autarquia, na empresa pública e na sociedade de economia mista. Mas a autarquiajá estava inserida, há muito tempo, como controle, quer dizer, o que faltava, realmente,era a sociedade de economia mista e a empresa pública. Finalmente, veio a Lei n°6.223, a famosa Lei n° 6.223, mas esta Lei veio como a Lei do Divórcio veio, ninguémacreditava e, em verdade, ela não diz bem o que deveria dizer, ou seja, tudo, para sereficaz em termos de controle da Administração Indireta. Como ninguém acreditava queviesse uma lei para dispor sobre o controle da Administração Indireta, que era uma

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postulação antiga dos Tribunais de Contas, e eis que, um belo dia, o Governo resolveuencampar esse pleito dos Tribunais de Contas, e inúmeros projetos percorreram oCongresso Nacional sobre isto, até que veio, afinal, a Lei n° 6.223. Veio, mas ela nãosurgiu explícita, segura, de forma sistemática a dar ao Tribunal de Contas uma garantiapara o controle da Administração Indireta. Ocorre o seguinte, em matéria de empresapública e sociedade de economia mista: como a grande tábua das empresas públicas éa sua urgência, como se fosse empresa privada, todo administrador que não é jurista enão é ligado ao Direito é administrador simplesmente. Ele pega o art. 170 e diz: istoaqui é urna empresa privada. E ele não se interessa em ler o restante do artigo, o quediz, inclusive, quando é Direito do Trabalho, ou das Obrigações. Tem alguns que têmaté a coragem de dizer que é contrato administrativo e outros institutos do DireitoAdministrativo, quando a própria Constituição manda aplicar, também, à empresapública, o Direito das Obrigações. Então, o que ocorre? - e eu senti isso plenamente,porque pertenci a uma autarquia que se transformou em empresa pública: o que é bom,é autarquia; o que não interessa, é empresa pública. O que é agilidade, é empresapública; o que é exatamente para não cumprir, é autarquia. Então, ficamos nessasimbiose e nesse hermafroditismo de autarquia e de empresa pública, porque o queacontece é isso: - quando se diz, por exemplo, "tem que pagar Imposto de Renda", éempresa privada? Não se aplica o Direito Tributário, também, à empresa pública?Então, pagaria Imposto de Renda; fica sujeito às imposições tributárias. Ah, não, masacontece que "isso aqui" não pode ser, é Governo. Se dizemos é Governo, portanto,nós estamos excluindo da tributação. Começam, nesse ponto, em relação ao servidor,aos empregados, começam a trazer uma série de restrições e de resistências, porquenós somos do governo, e o indivíduo é funcionário. Ele não é funcionário, ele lá éempregado tanto que ele se rege pelo Direito do Trabalho, e não pelo DireitoAdministrativo. Mas, de qualquer maneira, procura enquadrar e fugir a estes padrões.Isso é evidente que é um mal, um sintoma, ainda, de uma transição entre a autarquia ea empresa pública, que, com o tempo, vai apagar. É evidente. Verifica-se que aempresa pública e a sociedade de economia mista, apesar de todos os controles e detodas as dificuldades que possam acusar e atribuir aos Tribunais de Contas esseexcessivo controle, elas têm dado resultado. E como resultados operacionais, deagilidade, de dinâmica e de atividades, isso tem sido interessante, e todos aplaudemem relação a empresas públicas e a sociedades de economia mista.

Ocorre para provar que a Lei n° 6.223 não veio às completas, logo depois veio aLei n° 6.525 que trouxe alterações. Entre parêntesis, ela a 6.525, alterou a anterior,porque, na realidade, determinados segmentos. . . Aliás, é uma expressão que está namoda agora: segmentos, segmentos da sociedade, segmentos populacionais,segmentos do poder público, segmentos não sei de que... Espalharam essa expressão,e todo mundo está usando. É, segmento para tudo. Horrível, não? Porque segmentoparece coisa de mecânica.) Bom, mas determinados segmentos do poder públicopassaram a ser controlados como empresas públicas e sociedades de economia mista,principalmente sociedades de economia mista, com capital minoritário, uma parcelaminoritária, ao contrário daquele conceito que sempre se estabeleceu de sociedade deeconomia mista, com capital majoritário do poder público. Então, uma determinadasociedade de economia mista, onde o poder público detinha uma parcela pequena, eoutras instituições, até subsidiárias do Governo, participavam. Quer dizer, somando-se

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as subsidiárias e somando-se o poder público o capital, na realidade, era majoritário.Mas o poder público diz: - "Não, eu tenho 30%. O resto, é 10% no banco tal, do dali,10% dali, 10% dali". Possuía 70%, mas ele dizia: - "Eu só tenho 30. Portanto, souminoritário e não posso ser abrangido". O Tribunal de Contas discutiu muito estamatéria, e a Corte partiu de um postulado, absoluto para o .Tribunal de Contas: - "Ondehá dinheiro público, há verificação, há prestação de contas. Um tostão é um milhão". Senós partirmos, "aqui tem pouco e, lealmente, não vamos fiscalizar, não vamoscontrolar", então o Tribunal de Contas passa a ser Tribunal de controle dos milionários,dos grandes assuntos, e o restante fica na periferia. E somando isto, às vezes, é muitomais milionário do que um só. O Tribunal de Contas partiu desse postulado, que é umabandeira para os Tribunais de Contas. Na realidade, isso é a razão da existência dosTribunais de Contas, e é a grande razão de controlar os gastos e os dinheiros públicos:Esse é o grande ponto. Se uma determinada empresa pública, uma sociedade deeconomia mista tem um capital mínimo, ainda que seja do poder público, estásubmetido ao controle do Tribunal de Contas. Que ocorre? Essa "estória" de dizer-seque é capital mínimo tem a seguinte conotação: ele é mínimo no papel, mas ele podeser mínimo em 10%, e pode ser uma fortuna, dependendo do empreendimento, daatividade. Então, essa "estória" de "é mínimo ou minoritário" é secundária, em relaçãoao montante. Portanto, não serve como bandeira, não serve como exclusão de controle.Veio a Lei n° 6.525, que, na realidade, procurou alterar isto, para excluir do controle doTribunal de Contas aquelas empresas onde o capital público fosse minoritário.Acontece, no entanto, que, a meu ver, data venta, não sei quem disse ao contrário, mastenho a impressão de que, se foi alguém; deve sustentar, porque senão a Lei n° 6.525não teria vindo. Acho inconstitucional o dispositivo que limita neste ponto... Achoinconstitucional porque o art. 70, que é a pedra de toque para os Tribunais de Contas,aquela que prevê a fiscalização financeira e orçamentária, que impõe a fiscalizaçãofinanceira e orçamentária a todos os dinheiros públicos não exclui minoritário oumajoritário, ou parcial, ínfimo, ou de ande monta. Absolutamente. 0 art. 70 é toda umaestrutura no sentido e que o Tribunal de Contas exerça a fiscalização financeira eorçamentária sobre todos os dinheiros públicos. já não se fala mais; em AdministraçãoDireta ou Indireta, mas todos os dinheiros públicos. Logo, uma instituição de caridadeX, que recebe uma dotação orçamentária, presta contas ao Tribunal de Contas. SejamCr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros), mil cruzeiros, etc. Assim, o dinheiro público que éentregue a uma determinada Instituição e lá há uma participação e lá há o interessepúblico imenso nessa participação - fica excluído do controle? Hoje, vejo nos jornais,por exemplo, que uma sociedade de economia mista, Cia. Vale do Rio Doce, tem umasubsidiária internacional, "Rio Doce International Finance", que mantém, em Londres,um depósito fixo de 17 milhões de dólares. O Tribunal de Contas da União anteontem,quis saber que se fez com os 17 milhões de dólares. Bom, a subsidiária vai alegar quenão, pois acontece que isto aqui é um capital mínimo da União em relação à Vale doRio Doce, porque os capitais privados, aqui, estão acima dos capitais públicos. Então,nesse momento, nós não precisamos prestar contas ao Tribunal de Contas. Ora! 17milhões de dólares! Multiplique por 25 para ver quanto vai dar em cruzeiros... É essalimitação quanto ao problema do capital, a participação e o controle. Então diz a Lei n°6.525, no que interessa aos Srs. e aos Estados: "As Entidades com personalidadejurídica em Direito Privado, de cujo capital o Estado ou qualquer entidade de respectiva

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administração indireta seja detentor da totalidade ou da maioria das ações; ordinárias.Então, já entra aqui um grande problema nesta Lei, que é o problema da caracterizaçãodo tipo de ação, o problema da ação ordinária. Que ação ordinária? Que ação é esta?Se tem voto ou não tem voto? E aquelas sociedades que na realidade, não têm açãoordinária, como é a sociedade por cota de responsabilidade limitada? O Distrito Federaltem uma sociedade por cota que é a sociedade SHIS, Sociedade de Habitações deInteresse Social: -casa popular. Se é uma sociedade por cota de responsabilidadelimitada, está fora disto aqui, segundo a Lei, e, na realidade, detém um patrimôniofabuloso no Distrito Federal. Um orçamento fabuloso. Constrói milhares de casas noDistrito Federal e, portanto, estaria, segundo esta lei, fora do enquadramento. Ela nãotem ação ordinária.

Este é o primeiro problema que vai desafiar a argúcia dos juristas dos Tribunais deContas. No primeiro momento, vai surgir este problema. Então, a minha idéia inicial éde que a limitação se contrapõe à Constituição, que impõe a fiscalização financeira eorçamentária de todos os dinheiros públicos. Então, em qualquer situação, em qualquerempresa, em qualquer sociedade haverá, evidentemente, este controle. Aindadescendo à Lei n° 6.525, já aproveitando quais são os limites que esta Lei pretendeudar à fiscalização da administração indireta, já dizia a 6.223 e diz a 6.525: "afiscalização respeitará as peculiaridades de funcionamento da Entidade". Então, vem o1º problema aqui, evidente que "respeitará as peculiaridades de funcionamento daEntidade", é uma expressão vaga e difícil de se limitar, a não ser que a limitação sejadada em grandes pinceladas. Se é uma sociedade para habitação popular,evidentemente vai construir casta popular, não vai construir edifício suntuoso. não vaiconstruir mansões. Então, é uma das peculiaridades. Ela vai funcionar para atender apessoas em tais circunstâncias. O seu funcionamento tem uma determinadapeculiaridade. Esta instituição deve ter uma finalidade para a construção civil dentrodestas características, ou determinadas peculiaridade. Agora, determinadaspeculiaridades não quer dizer que a administração da empresa ou sociedade vá dizerque aquela atitude, aquela decisão, aquela orientação está dentro das suaspeculiaridades, para excluir. Isso aqui não é bandeira não. Apenas é uma norma, quedeve ser adequada em cada circunstância, limitando-se a verificar a exatidão dascontas. Ah! não. Quem vê conta hoje é máquina de somar, não é conselheiro, não éauditor, não é procurador. O Tribunal de Contas recebe aquilo e hoje estamosfuncionando muito bem, mas o computador está funcionando melhor do que todos nósjuntos, porque a exatidão das contas sai dentro daqueles padrões, e, portanto, éafirmativa. Exatidão das contas não é somar e nem se está tudo certo. Isto é elementar.Se não fecha, é evidente que há algum erro. Se realmente a exatidão das contas, querdo ponto de visa contábil ou até de uma exatidão quanto a numerologia, isso é umproblema que não tem grande importância para os Tribunais de Contas, apesar donome.

A legitimidade dos atos. Aí já começa a interessar o assunto. A legitimidade dosatos. Há até alguns autores que dizem que, em relação à administração direta como àadministração indireta, não segue aquela legitimidade o paradigma do DireitoAdministrativo, nem segue o paradigma da Administração Pública, e sim, deve seguiraquelas linhas da atividade privada. A legitimidade ou a legalidade dos seus atos nãoestá adstrita como estão aqueles atos da administração pública regida pelo Direito

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Administrativo. Aquela velha regra: - "o particular faz o que a lei não proíbe, e aadministração só faz aquilo que a lei permite". Bom, mas nós temos que temperar defato, para a empresa pública e a sociedade de economia mista esse postulado. Querdizer, a legitimidade dos atos da empresa pública, da sociedade de economia mista.Agora, quando se fala da legitimidade dos atos, é legitimidade dos atos de qualquerpessoa, até dê, pessoa privada, que, naturalmente, deve ter determinados padrõeslegais e jurídicos, para o seu comportamento. A própria administração também deve sepautar. Agora, ela não pode, também, sofrer uma restrição tão grande que, de fato, várestringi-Ia e impedir que a sua administração atenda àquelas finalidades privadas.Agora, quem é que diz isso? Diz a lei? Não, diz a Constituição. Então, a interpretaçãoda expref:~3ão legitimidade dos atos é uma expressão que deve ser feita comparcimônia e dentro de determinados limites, para mostrar que, de fato, a legitimidadedos atos é a legitimidade segundo os seus estatutos, segundo a sua lei criadora,segundo o seu regimento, e segundo as regras inerentes àquela determinada atividade,porque um postulado que existe para a Administração Pública em geral e para asempresas públicas e sociedades de economia mista é o princípio da moralidadeadministrativa.

Princípio da moralidade administrativa não quer dizer que todo mundo anda bemvestido, de gravata e terno. Não, é em relação ao bom senso, à isenção, à naturalidadedas atividades do administrador, à correção. Isso tudo compõe e chega à legitimidadedos 'atos. Agora, o Cons. José Medrado situou um ponto interessante. Basta verificar seo ato da administração está conforme o Estatuto da empresa, da sociedade, o seuRegimento. Muito tempero nisto aí, porque nós já tivemos um caso no Distrito Federal,onde o Tribunal de Contas começou apertando uma determinada empresa naquelesfamosos problemas de participação nos lucros dos diretores, e nesse momento fizeramuma reforma estatutária e incluíram a participação nos lucros, e, ainda, para complicarmais a coisa para nós, que não gostamos dos números, fizeram uma fórmula que nemo computador da NASA consegue destrinchar, porque é um N/K. É soma daqui, é somadali, dá tanto... Acho que ninguém ainda se aventurou a fazer aquela fórmula, porque,realmente, ela não é para ser feita. Então, ,0 problema estatutário tem que serencarado com uma certa cautela, porque não é o fato da própria instituição, através dasua assembléia, que dita o estatuto, e este estatuto vai reger a atividade. Se esteestatuto foi atentatório à legitimidade de todos os atos da administração, à legalidade eà moralidade administrativa, eles não podem vingar. Então, ainda que o Estatutoestabeleça, aí é que nós vamos ver o problema do aranzel administrativo da empresapública, da sociedade de economia mista. É uma res inter alios acta, todo mundoaceitando ali: o acionista majoritário, aprova tudo, de cabeça; essa é a verdade; esse éo problema... Temos que ver que um estatuto seria justamente uma filigranaadministrativa. Realmente o estatuto é a lei da empresa, da sociedade. Portanto, issovai reger, e nós temos que respeitar. Está no estatuto, portanto está no mundo e vale, eo Tribunal não poderá se insurgir. Não, essa é a regra, quer dizer, o controle, parte dalegitimidade, segundo o estatuto da empresa. Agora, em segundo ponto, vamosverificar se, realmente, essa norma estatutária, está em lugar de .legitimidade. Se ela.está dentro dos padrões de moralidade administrativa., Portanto, aí, pode-se darvalidade, porque uma lei ordinária. Ela pode ser inconstitucional, apesar de ser uma lei.Portanto, não é o fato de dizer-se que o estatuto é a lei da empresa, da instituição que

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ele vai valer de qualquer maneira e erga omnes, sem qualquer contestação, semnenhuma contradita.

Continuando ainda sobre qual é a orientação que o Tribunal deve tomar, diz a lei:"e levará em conta os seus objetivos", pois está ligado ao problema do funcionamentoda entidade. Quanto aos objetivos, nós vemos partir de onde? Dos estatutos. Osobjetivos da empresa são esses, mas o que vemos na administração é, muitas vezes,um delírio, em matéria de objetivos, e essa história de objetivo o Dante Alighieri já dissemuito melhor do que nós: "de boas intenções o inferno está cheio de cabeças". Omundo está cheio, também, de gente bem intencionada e, na realidade, todoadministrador está bem intencionado, e está sempre dentro dos objetivos, o que éevidente, a menos que seja um delirante, que não vai sair dos objetivos. Mas, em tese,ele sempre vai procurar enquadrar as suas atividades, os seus atos dentro dosobjetivos da empresa ou sociedade .de economia mista. Então, aí é que os objetivostêm que ser observados.

Natureza Empresarial - Bem, isto está na Constituição. Mas natureza empresarialnão dizer que a empresa pública pode fazer tudo aquilo que a empresa privada faz. Émentira, heim!

Na empresa privada dão muitas vantagens, porque é salário indireto, quer dizer,fraude ao Imposto de Renda. O indivíduo ganha X, mais carro, apartamento,supermercado, etc .... Como na empresa pública não vai poder dizer que estápretendendo fazer isso, na sociedade de economia mista é lesado o poder público, osinteresses. Então, esta natureza empresarial que deriva da própria Constituição,quando impõe para a empresa pública e a sociedade de economia mista uma naturezaprivada e, portanto, privada e empresarial, quer dizer que a empresa plica é asociedade de economia mista devem ter uma feição, uma diretriz idêntica ouassemelhada à atividade empresarial comum. Agora, isso com as cautelas de estilo, enão acharam, evidentemente, como muita gente acha, que deve ter o gasto excessivo,como se fosse a empresa privada, porque, realmente, as grandes empresas privadasque eu conheço, pelo contrário, . elas são é duras. Não há tostão ali que saia alémdaqueles limites. Não é assim como se diz.

Natureza Empresarial e operação, segundo os métodos do setor privado eeconomia. - É evidente, se ela tem característica empresarial, empresa .privada. Devese reger pelos métodos do setor privado a economia para a suas contratações,atividades, aquisições, operações em geral. Não teria sentido que ela ficasse com asmesmas limitações, .com as mesmas peias que tem a administração direta. Então, aíacabaria tudo, virava tudo administração indireta, porque a tendência está sendo cadavez mais galopante de enfeixar a empresa pública e a sociedade de economia mista.

Muitas vezes os Tribunais de Contas são criticados, e o Tribunal de Contas fazjustiça. É a velha história - "não julgueis, para não serdes julgados". Então, todo juiz ésempre acusado e atacado. E o Tribunal de Contas é sempre um agente do Todo-Poderoso Estado, que, por sua vez, por ser agente do poderoso Estado, acha que estáimune de qualquer chamada, de qualquer observação, de qualquer deslize. Tudo aquiloque ele faz, faz a bem do serviço. E realmente, graças "a Deus" a grande maioria daadministração pública brasileira se esforça, trabalha. Há um interesse muito grande

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para acertar, senão não haveria Tribunal de Contas do Brasil que desse conta de tantoproblema que surgiria. Então, é esse esforço comum. Mas de qualquer maneira, acrítica que se faz ao Tribunal de Contas, nesse setor, é de que as limitações do controlevão atrofiar e vão impedir o dinamismo dessas empresas públicas e das sociedades deeconomia mista. Mas isto é um ledo engano, porque as ofertas das empresas públicase das sociedades de economia mista não são competitivas para as atividades privadas,no Brasil, no setor econômico brasileiro. Essa é que é a grande verdade. Quem podecompetir, por exemplo, com o BNH, com o Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico, com a Casa da Moeda, com a PORTOBRAS, com a Caixa EconômicaFederal, naquelas suas atividades? Ninguém tem condições de ofertar melhoressituações do que essas empresas e, portanto, as atividades delas ficam, até, nãocompetitivas, e são até perigosamente competitivas para o setor privado, que é o setorque tem a primazia pela Constituição. A livre iniciativa. No momento em que a empresapública pudesse competir livremente com as empresas privadas, que têm uma série depercalços econômicos, para a sua manutenção, nesse momento, a livre iniciativa, noBrasil, estaria morta, porque a empresa pública tinha dominado esse mercado privado.Então, essa atividade e essas atitudes do Tribunal de Contas, trazendo uma série delimitações, vêm, até, em. proveito do setor econômico.

Quem reclama das restrições, das limitações do Tribunal de Contas é a própriaadministração pública, porque o setor privado, consciente das suas finalidades, da suamissão e da sua participação, sabe muito bem que não pode enfrentar o setor público -referente à empresa pública e à sociedade de economia mista - que não é competitivo,porque, realmente, elas têm condições de oferecer aquilo que as empresas não têm.

Ainda continuando - apenas voltando á Lei nº 6.223 - este diploma dizia maisainda do que foi dito: "Os Tribunais de Contas, no exercício da fiscalização, nãointerferirão na política adotada pela entidade para a consecução dos objetivosestatutários e contratuais". Não é nem uma norma programática. É uma norma fluida evaga, dançando no ar, porque o que se estipula, aqui, é ela, praticamente, impedir queo Tribunal de Contas exerça um controle, porque no momento em que o Tribunal deContas interferir na política adotada pela entidade - o que é que é política adotada pelaentidade?; que é que é política adotada por um governo?, a não ser aquilo que está nalei ou num programa, ou dentro e uma estrutura orçamentária, ou dentro de umprograma?... Então a política adotada pela entidade, para a consecução dos seusobjetivos estatutários, é, realmente, um sino sem badalo, porque quer dizer muito, mas,na realidade, não diz nada, quis dizer, na realidade, ao Tribunal de Contas, que ele nãodeveria interferir nas atividades privadas, e não limitar a empresa pública e a sociedadede economia mista, para que essas entidades pudes3em exercer as suas atividadesestatutárias e contratuais. Agora, estatutárias e contratuais, diz a Lei. Mas ascontratuais são feitas pelo administrador. As estatutárias têm, até, a participação doacionista majoritário. Mas, também, as contratuais que são feitas em casoindividualmente, separadamente? Não, aí o Tribunal não está impedido, evidentemente,de verificar os objetivos contratuais, os objetivos estatutários, e examinar, em cadacaso, se, realmente, os objetivos foram atendidos ou não. Então, atendimento aosobjetivos estatutários e objetivos contratuais está no limite em que o Tribunal não fiqueimpedido de examinar todos os casos. Agora, quando se fala em impedir, o Tribunalexamina tudo. Essa é que é a regra: desde a legitimidade, desde os objetivos, desde a

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consecução dos objetivos contratuais ou estatutários, enfim todas as atividades daadministração indireta. Agora, dentro do seu controle, da sua verificação, é que vai teras cautelas suficientes para não atingir e impedir essa consecução. Mas não estáimpedido, a priori, de fazer esse exame, essa verificação, para saber se é ou nãoconsecução de um objetivo, q não um administrador mandar uma tabela ao Tribunal,dizendo: "Olhe; isso aqui é consecução dos objetivos. Está fora. Isto aqui é o que vocêspodem examinar". Então, passa a administração a dirigir o Tribunal, e não o Tribunal averificar o que é da, sua competência. A Lei nº 6.223, a Lei nº 6.525, como nóstínhamos frisado, ela, na realidade, pretendeu ter grandes objetivos. Ainda não foinesse momento, porque houve um retrocesso, um avanço muito grande. No Congressoda Paraíba, inclusive, com grandes festividades sobre a Lei nº 6.223 (o Congresso foirealizado em 75), quando saiu a lei, com grandes festividades, grandes moções, emrealidade, verificaram que, paulatinamente, esses problemas foram surgindo e aAdministração procurando recuar. Mas a base e o momento para verificar o controledessas administrações estão no controle dos dinheiros públicos. Agora mesmo oTribunal de Contas está com um problema. já resolveu o problema? Então, não é maisproblema. Problema referente à Itaipu binacional, capital brasileiro e capital paraguaio.E metade brasileiro e metade paraguaio. Portanto, será ou não? Mas nisso aí nós nãosomos abrangidos pela Lei nº 6.525. De mais a mais é uma instituição binacional e,portanto, escapa ao controle, porque os Srs. não vão controlar os gastos do governoparaguaio. Portanto, não há sentido, mas o Tribunal enfrentou o problema, partindodeste pressuposto: seja 50% ou 1 cruzeiro até que o Brasil tenha e o governo brasileiroco-participante dessa empresa binacional, há um controle do Tribunal de Contas naparte referente à intervenção brasileira e à participação brasileira. E isto o Tribunalafirmou e está afirmando e está publicado, porque se o Tribunal de Contas não adotaruma orientação, e ficar dentro dessa "estória", que nem da ópera La Dona é Mobile,uma hora tem majoritário, é minoritário; parcela pequena, parcela maior; interesse ounão interesse começam a restringir e, realmente, começam as fugas, e eu não sei, até,se a Lei nº 6.525, quando botou genericamente a totalidade das ações ordinárias, quisescapar por algum lado, por outro tipo de ação, ou se não sabia que existiam outrostipos de ações que, em verdade, caracterizam o capital do poder público, o dinheiropúblico e, portanto, não podem ficar afastadas de qualquer controle.

Agora, em pequenos detalhes, ainda, sobre esta matéria, porque eu vim 'aqui paraconversar com os Srs., e nós estamos aqui num monólogo, só a atenção dos ouvintes,durante 5 minutos, já bastaria para eu sair vitorioso. Mas, uma grande vitória dosTribunais de Contas, em termos constitucionais, foi a famosa inspeção in loco. Eu nãosei se toda administração sabe o que é in loco, mas, pelo menos, quando o inspetorchega lá, no local, ele vai saber que até pode não ser conveniente a presença doindivíduo. Mas na inspeção dn loco, ela trouxe um dinamismo muito grande para asatividades dos Tribunais. E daí vem um problema muito interessante; já em relação àobjeção feita pelo Cons. José Medrado. O problema das instituições financeiras e dosBancos. Eu não sei se, na Bahia, há algum problema, porque eu fui advogado de umBanco que, quando fez a Lei, transformando em empresa pública, inseriu lá: "o Bancoprestará contas... e tal... à administração, ao Tribunal de Contas da União. A primeiraLei que criou empresa pública das grandes foi o Decreto-lei nº 899, com a CaixaEconômica. Depois da Caixa Econômica, veio o BNDE, Casa da Moeda, por ai afora, e

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todos os diplomas legais inseriram a obrigatoriedade de... Bom... Mas como instituiçãofinanceira, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, que não é umainstituição de crédito popular, de crédito ao público, mas sim de investimentos públicosdo Governo, mas tem características .próprias e, evidentemente, o problema poderiaentrar onde nós vamos chegar. Mas o problema das autarquias, como é o caso doBanco Central; como é o problema do BNH, que tem .outra conotação diferente; doBNDE; e os Bancos estaduais, em nosso caso, no Distrito Federal - Banco Regional deBrasília -. Eu nunca vi problema algum em relação ao Banco Regional de Brasília,porque é o Banco Estadual. O único problema que realmente eles invocam é oproblema do sigilo bancário. Segundo a Lei nº 4.595, que é a Lei da Reforma Bancáriade 1964, e que é o estatuto dos Bancos no Brasil, está prevista a fiscalização de todo osistema bancário de todas as instituições financeiras, não somente Bancos, mas,também:, as financeiras, pelo Banco Central. Acabou com a famosa SUMOC, que eraantiga, e passou tudo para o Banco Central. Bom, então o Banco Central... Aí é que nóstemos de delimitar o que é fiscalização do Banco Central para as atividades financeirase atividades bancárias, operações bancárias e financeiras propriamente ditas, diáriasconstantes, e aquelas atividades que dizem com os objetivos estatutários e contratuaisda empresa pública ou da sociedade de economia mista. Quer dizer, não convém aoTribunal de Contas, nem interessa, e ele não tem condições, esta é que é a verdade,em verificar pequenos detalhes das operações, porque o Banco Central, inclusive, temmais condições até de fiscalizar estas operações do que propriamente o Tribunal deContas. Agora, na consecução dos objetivos estatutários e contratuais, aí sim, que o.Tribunal de Contas entra. Eu me lembro até que o Banco Regional de Brasília levantouuma questão se ele deveria mandar ao Tribunal de Contas todos os contratos para queo Tribunal de Contas apreciasse. Inclusive, tive oportunidade de dar um parecer arespeito, excluindo. O que o Tribunal de Contas tem que ver, em primeiro lugar, é oproblema orçamentário da instituição financeira; 2º, a consecução dos seus objetivos;3º, naquelas atividades contratuais, operacionais que derivem do cotidiano, (aí é que éo problema todo) que saiam dos padrões normais. Aí sim, que o Tribunal de Contas temque interferir e verificar se aquilo foi atendido, porque, também, o Buo Central obedeceàquelas regras da instituição financeira. Mas o. Banco Central não interfereprofundamente em saber se, de fato, aquela operação financeira está atendendo ounão ao Estatuto. Mas, em relação ao problema das instituições financeiras, este é umproblema muito delicado. Não acho que o problema do sigilo bancário, (porque oTribunal de Contas não vai investigar as fichas ou cadastros bancários de A, B ou C,isto não interessa). Isso aí é que é com o Banco Central, porque, se o indivíduocontratou com o Banco, fez uma operação bancária sem ter lastro, sem ter condições,sem cadastro, saldo médio, enfim sem atender àquelas diretrizes do Banco Central, dapolítica bancária e financeira do Governo. Aí é o problema de instituição com o BancoCentral. Não interessa, e não pode, o Banco Central entrar nesta parte. Agora, aquiloque é orçamentário, aquilo que é estatutário, aquilo que diz com as grandes atividadesda própria instituição financeira, aí sim, é do Tribunal de Contas e, portanto, não hácomo fugir.

Um problema, ainda, que poderia ser observado, porque está na Lei nº 6.223, é oproblema das Fundações. A Constituição falava na Administração Indireta. Veio oDecreto-lei n° 200 e inseriu as fundações, assemelhadas às Empresas Públicas. Então,

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disseram: - se é assemelhado e se rege como as Empresas Públicas, isto é: se éparecido, logo é igual, pronto! Fundação é igual a Empresa Pública. Isso deu umaconfusão muito grande principalmente nas Fundações Universitárias, onde osprofessores iam desacumular, iam ficar impedidos, e houve até um parecer doConsultor Geral da República dizendo que, realmente, não era aquilo, se bem que, naverdade, era. Daí que veio o Decreto-lei n° 900 e afastou completamente asFundações. Agora, vem a Lei nº 6.223 e diz que se aplicam os preceitos desta Lei noque couber s Fundações instituídas ou mantidas pelo poder público. Começou oretrocesso. E aqueles que gostam de discutir a natureza jurídica da fundação, se ela éprivada? Se ela é pública? Se ela é pessoa jurídica de Direito Privado ou é pessoajurídica de Direito Público? Muita gente já fez até viagem à Europa discutindo estasfiligranas. Tem que haver um cuidado muito especial em relação às Fundações, porque,como a Lei nº 6.223, aplicam-se essas coisas, e o Cons. Tourinho Dantas e o Cons.Heitor Dias, que foram dois grandes legisladores federais, conhecem esse problema:insere aqui, insere ali; bota mais um parágrafo, bota mais um artigo; inclui isso aqui... esai a Lei e, na realidade, ela vinha para atingir a empresa pública e a sociedade deeconomia mista e outras fundações, e a coisa começa apertando. Então, como asintérprete cabe fazer uma distinção que não cause prejuízo, é preciso haver muitocuidado em relação às fundações, porque todo o sentido da criação das fundações, noBrasil, aquela idéia que vem desde o Código Civil de 1916, que a Fundação é umapessoa jurídica de Direito Privado, constituída por uma dotação do patrimônio privado,para uma determinada finalidade educacional, filantrópica, social, e parte está sendodirigida para essa finalidade, principalmente de referência às fundações universitárias.Agora, é preciso uma certa cautela, e aí é que começa delirando em relação a outrasfundações. Por exemplo: determinadas instituições federais já criaram, até, fundaçõesde amparo previdenciário, uma previdência social paralela, uma receita própria, dentrodaquilo que ela pode, principalmente as Universidades, que são sempre deficitáriaspara atender a estes objetivos e a este dinamismo, porque se a fundação entrar nomesmo ritmo da Administração Direta, vai desaparecer a fundação, e desaparecemaquelas finalidades. Agora, o que é que se verifica em relação à fundação? Ela entra ounão entra na Administração Indireta para este controle? Ela fica ou não fica naAdministração Direta para o controle direitíssimo que existe lá? É difícil dar-se umaresposta, porque, se nós lançarmos as fundações dentro dessas restrições, elas vãoacabar na Administração Indireta, e esse deslocamento vai causar um grande prejuízoem relação às fundações. Agora, excluir-se o controle das fundações aos Tribunais deContas, não. Essas fundações, porque são deficitárias, elas entram com uma grandeparcela e vivem com os dinheiros públicos, orçamento público. Só uma ou outra é queconsegue, através dos seus convênios, através de pequenas atividades, um orçamentorazoável, e ficam sem condição de sobrevivência. Então o dinheiro público está lá eparticipa ativamente.

Vamos agora ao problema da licitação em relação à Administração Indireta. Não aautarquia. A empresa pública e a Sociedade de Economia Mista: A autarquia já estádito: - é um princípio legal; então, não há problema. O Decreto-lei n° 200 não impôs àsEmpresas Públicas e à Sociedade de Economia Mista os princípios licitatórios. Frisouque se aplica à Administração Direta e às Autarquias. A verdade tem que ser dita, maso problema de Empresa Pública `e da Sociedade de Economia Mista, nascendo com o

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Decreto-lei nº 200, dar-lhe uma característica privada e, portanto, sem aquelascomplicações de uma licitação. Diriam que as duas instituições ficariam livres dalicitação. A evolução da empresa e da Sociedade demonstrou que, realmente, hoje aempresa privada está adotando o princípio de licitação. O que é que acontece? Nósnão podemos dizer que toda a Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista têmque obedecer aos princípios licitatórios. Mas ela deve obedecer, antes de mais rada,aos princípios de moralidade administrativa. E um desses princípios é a isenção. Se eudou a A, e não dou a B, tenho que dizer porquê. Então, a licitação não é um cavalo debatalha. Não é um fato que torna impossível. Há, inclusive, a famosa e notóriaespecialização que permite uma dinamização para a licitação. Portanto, a licitação nãovai causar um impedimento muito grande. Lembro-me que, quando o Banco Nacional.do Desenvolvimento transformou-se em empresa pública, queriam vender uma Kombivelha, e como faziam licitação para tudo, queriam fazer para vender a Kombi. Eu disse:- mas o Decreto-lei não impõe isso. Mas eu acabei presidindo a licitação, e fiz de umaforma um pouco arbitrária, diferente, porque, realmente, vender um automóvel velho,apenas para obrigar uma licitação, é um caso perfeito de dispensa, não por notóriaespecialização; mas porque não atende aos interesses da própria instituição. As vezes,gasta-se mais no edital do que se ganha na venda.

Um último probleminha que eu gostaria de suscitar com os Senhores é a relaçãoda Sociedade de Economia Mista com a Lei das Sociedades Anônimas. Como aSociedade de Economia Mista vai ser regrada também pela Lei das SociedadesAnônimas? Vamos suscitar aqui a situação e a responsabilidade dos Diretores daSociedade de Economia Mista. Primeiro, o diretor que tem toda a sua gestão aprovadapela Assembléia segundo, o diretor que tem restrições do acionista majoritário e aqueleque têm as suas contas rejeitadas pela Assembléia.

Vamos analisar o primeiro ponto, que, a meu ver, é o mais complicado para oTribunal de Contas. A Assembléia aprova, com louvores, e remete ao Tribunal deContas. O Tribunal não aprova. Então, qual á situação do diretor que já teve aaprovação das suas contas perante a Administração e de fato, perante a Assembléiaque delibere, afinal de contas, e impugnada pelo Tribunal de Contas? O que nós temosque verificar aí, é que os controles interno e externo compõem um ato complexo. Elevive em razão das duas manifestações: do controle dos órgãos internos e do controleexterno do Poder Legislativo com o Tribunal de Contas. Enquanto o Tribunal de Contasnão verificar e declarar encerrado, e o Poder Legislativo der a sua chancela políticapara aquela gestão, continua de pé, ainda, o controle. Não basta a Assembléia aprovar- o que é muito louvável -, mas sem que o Tribunal de Contas aprove, essa matéria nãopassou ainda e não está intangível.

O segundo ponto, que é menor para o Tribunal de Contas, é o acionista majoritárioressalvar ou, então, a Assembléia rejeitar as contas. Aí, evidente que já piorou asituação do diretor. Em relação à responsabilidade civil e penal do diretor, que hoje aLei trata, como já tratava a Lei anterior, a Lei das Sociedades Anônimas. Ela é muitoextensa, porque a responsabilidade civil, quer dizer, a sociedade é a credora daquelasobrigações. Credora em relação a quem? Credora em relação ao diretor que praticouatos ilegais, ilegítimos. Então, a sociedade continua ainda como credora dessasdeterminadas obrigações. Obrigação de fazer, obrigação de cumprir os estatutos,

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obrigação de cumprir os princípios contratuais e legais que gerem aquela determinadaatividade. Então, para o Tribunal de Contas, naquela área que circunscreve ao Tribunalda responsabilidade contábil, a responsabilidade de administração, perante o Tribunal,e não a responsabilidade civil e penal, que ai é um desdobramento, aí sim, que adecisão do Tribunal é muito importante. Aliás, hoje há um grande interesse dosTribunais de Contas em fortalecer as suas atividades; fortalecer as conseqüências dosseus atos; fortalecer a missão do Tribunal de Contas. Então, os Conselheiros que foramao Congresso dos Tribunais de Contas em Maceió viram as discussões e colaborações,trazidas ou levadas mais diversos Tribunais do Pais. Então, o que há em concreto é odesejo desse fortalecimento, e isso vem exatamente das conseqüências de decisão doTribunal de Contas em relação aos diretores da sociedade de economia mista ou daempresa pública, que já teve a sua gestão aprovada pelo Poder Público com o seuacionista controlador, majoritário, e o Tribunal de Contas desaprova. E qual é aconseqüência? Qual é o desdobramento desta decisão do Tribunal que diz que esseadministrador não foi correto, lato senso? Então, dentro da idéia do fortalecimento, estáaí um ponto que tem que ser repensado dentro de uma decisão do Tribunal de Contas,e que possa ter projeções civis e penais. A decisão do Tribunal tem que ter um caráterda mais alta executoriedade, sem o qual o Tribunal, que faz um exame técnico, fica como seu trabalho inválido. Essa decisão tem que ser a mais expedita, a mais precisa, para,que, realmente, o Tribunal afora aquela sua missão, que não é uma missão judiciária,não é uma missão de Ministério Público, mas possa possibilitar à justiça uma execuçãoperfeita daquela sua decisão. A propósito deste problema, nós do Tribunal de Contasdo Distrito Federal tivemos um problema de um alcance vultosíssimo em 1974: - 6milhões e tanto. E, realmente, o indivíduo aproveitou bem os 6 milhões. Constituiu bonsadvogados, boas petições e, com tudo isso, vamos ganhar tempo... Mas o Tribunal,quando fixou o débito, construiu, com correção monetária, que hoje é umajurisprudência do Tribunal de Contas da União. A dívida é uma dívida. de valor que nãopode ser fixa naquele determinado tempo. Se instituiu, então, a correção monetáriasobre este valor. Resultado: para o Tribunal, ele que demore, porque o tempo conspiracontra ele. Então, são pequenas medidas que o Tribunal de Contas tem que tomar parao fortalecimento das suas decisões e, dentre elas, aquela que, realmente, configure aadministração indireta e, de fato, possa responsabilizar civil e penalmente aqueles quenão cumprem aquelas diretrizes que o Tribunal de Contas adota para a Administração.

Agradeço a todos os Senhores. Estou à disposição para o diálogo. Agradeço agrande oportunidade que este Tribunal, Sr. Presidente Joel Muniz Ferreira, na suagentileza, na sua bondade, de me fazer este convite, que tem um programa cultural dosmais interessantes, qual seja este, intercâmbio de idéias e comunicações, porque,nesses debates, nessas conversas, nesses contatos, há sempre uma troca de idéias,de informações úteis. a todos nós como participantes da administração pública, e, até,como cidadãos, como indivíduos, como profissionais em geral. É uma oportunidadeque, realmente, eu inscrevo na minha vida particular e a grande satisfação de encontrartão ilustres personalidades e queridos amigos nesta Casa.

Muito obrigado. (Palmas.)

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Co ns. Presidente - Apesar do Prof. Roberto Rosas ter sofrido, em poucas botas,uma mudança radical de clima, do frio para o calor da. Bahia, S. Ex.a, com a suamocidade, com a sua capacidade física e intelectual, há de aceitar o debate.

S. Ex.a acentuou, no início de suas palavras, uma afinidade entre a Bahia e o Riode - Janeiro, o que vale dizer, entre o baiano e o carioca: Aqui, V. Ex.ª há de sentir,sobretudo, o calor humano da fraternidade, da hospitalidade, do carinho. V. Exª , que éadvogado; V. Exª , que é Professor; V. Exª , que chegou aqui com tanta boa vontade eproferiu esta magnífica aula, com o seu espírito liberal, há de permitir que se abra,neste instante, o debate, pois sinto na fisionomia de algumas pessoas, de algunscolegas, o desejo de fazer algumas perguntas, no sentido do esclarecimento.Esclarecimentos ditados pela sua inteligência e pela sua capacidade jurídica.

O debate, portanto, está aberto.

DEBATE:

Cons. José Medrado - Prof. Roberto Rosas, o nosso Departamento Técnicoquando se pronuncia sobre contas das Entidades de Administração Indireta, e quandoencontra falhas nestas contas, quase sempre conclui pela desaprovação das contassem responsabilidade contábil de caráter financeiro. Isto, a nós do Plenário, nos deixade certa forma intrigados, porque como é que se desaprova uma conta e se nãoresponsabiliza o gestor? Ele estaria passível apenas àquela responsabilidade penal,criminal a que V. Exª se referiu? Ou a ele poderão ser aplicadas outras penalidades,como multas, pelo próprio Tribunal de Contas? A mim me parece que a simplesdesaprovação das contas sem responsabilidade contábil de caráter financeiro é apenasuma sanção moral e, nem sempre, a sanção moral é apenas necessária para que sepossa responsabilizar um gestor.

Dr. Roberto Rosas - Cons. José Medrado, o Sr. sabe que, ás vezes, numa platéia,alguém dá um grito e nós não podemos distinguir quem deu o grito. Primeiro, às vezes,numa administração, muitos problemas surgem e não se pode identificar quem é oresponsável. Segundo, se identifica, às vezes o indivíduo já morreu. Em Brasília isto émuito comum Terceiro, o problema referente ao enquadramento legal desse defeito,desse erro, porque se, realmente, aquele deslize não atentou contra as normas doDireito Financeiro, não atentou para nenhuma norma legal. Ela pode ser atéinconveniente. Ela leva, até, à iliquidez da conta. mas há dificuldade em enquadrar-seaquele administrador dentro de uma norma de Direito Financeiro e, portanto, napunição conseqüente. Então esta é que é a grande dificuldade. Muitas vezes parece umparadoxo que as contas sejam iliquidáveis, isto é, não têm como liquidar, não têm comofechar e não responsabilizar ninguém. Isso pode levar ao problema que existe muito naAdministração Direta: - é o problema da conveniência; é o problema da oportunidadeque leva o administrador a ter uma discrição nos seus atos. Então o administrador faz epratica, dentro dos princípios de conveniência e oportunidade. Depois, ele verifica que aoportunidade não era melhor, e por isso fracassou. Não era conveniente praticar aqueleato, mas ele, dentro da sua liberdade de administrador é quem diria se aquilo éconveniente e é oportuno. Então, ele deliberou e, finalmente, houve um prejuízo. Mas,chegar ao ponto de atingi-lo cosa uma responsabilidade, e aí sim, se háresponsabilidade há conseqüência civil, penal, administrativa, e chegar-se a esse ponto

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de responsabilizá-lo, muitas vezes, não há possibilidade, dentro de um esquema, isto é:uma infração, que não é legal, que não é uma infração a um postulado, a um princípioadministrativo, e na realidade causando um prejuízo, mas este prejuízo é até inerente áprópria Administração, que a Administração possa sofrer um prejuízo dentro dedeterminada atividade. Agora, cabe ao Tribunal, e aí é que está, se, por exemplo, naAdministração Pública, Direta ou Indireta, mais a Direta, houve um prejuízo em virtudede uma calamidade, de uma imprevisão, no sentido humano, que não fosse previsto;que determinado fato ocorresse e a Administração não pode atender, e por isso houveum prejuízo, realmente há o prejuízo, mas o administrador não pode serresponsabilizado, porque ele não contribuiu para aquele prejuízo, ele não foi desidioso.Ele apenas sofreu uma conjuntura e, como conjuntura, ele é humano. Então não é ofato de chegar-se e dizer: elas são iliquidáveis, elas são irrealizáveis. De fato, há oprejuízo, mas ninguém é responsável por este prejuízo, quer dizer, aquele que causouo prejuízo causou involuntariamente. Por isso, não haveria, .de fato, a responsabilidade.

Dr. Pedreira Lapa - Prof. Roberto Rosas, aqui no TC da Bahia tem ocorridodecisões amiúde de desaprovação de contas sem responsabilidade de caráterfinanceiro. Tem-se falado muito de sanção moral... Aqui, o posicionamento da questão,nestes termos, nunca me convenceu, por não me parecer correto, porque eu entendoque só poderia haver desaprovação de contas, sem responsabilidade de caráterfinanceiro, quando o TC identificasse, no procedimento da Administração Pública, achama da culpa anônima de serviço, ou seja, naqueles casos em que o serviço públicoou a Administração funcionou mal, mas sem que fosse possível individualizar oresponsável pelo ato lesivo. Então, nos casos em que se tem reclamado o julgamentodo nosso TC, não se pode falar nesse tipo de culpa, porque tanto a autoria como amaterialidade da falta são bem identificadas. O que a Assessoria Técnica temdefendido e o Tribunal tem aceito, não é, no meu modo de ver, jurídico. É umaabstração, por que há responsabilidade. É até uma contradição, mesmo por que não sepode falar em sanção moral, já que se identifica o autor e a falta, repita-se, a exigir aimposição da penalidade, seja multa leve ou interdição de direitos como prevê a LeiEstadual. Então, V. E0 não acha que esse entendimento, além de ilógico, e, pelomenos, incongruente, ou seja, admitir-.se, com tais pressupostos, a responsabilidadecontábil sem caráter financeiro? Não é inadmissível se cuidar desse tipo deresponsabilidade quando ocorre sem culpa anônima?

Prof. Roberto Rosas - Nessa situação, nós temos que distinguir vários pontos. Um,é aquele em que não há possibilidade de verificar-se nem o prejuízo nem aresponsabilidade. Tem situações que chegam a este ponto. Realmente impossíveis.São as chamadas contas iliquídáveís.

Em segundo ponto, há um prejuízo, mas não se identifica o causador do prejuízo.

Em terceiro ponto, houve o prejuízo e o prejuízo foi causado por determinadosujeito.

Todo o problema está na segunda hipótese. Quer dizer, há o prejuízo mas não seidentifica o causador. Então, nós vamos verificar: se não há causador, evidentementenão há, como conseqüência, a responsabilidade.

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A responsabilidade deve ser objetiva. A responsabilidade decorre da atribuição aalguém de um determinado fato ou ato que deveria ter praticado, ou uma conduta, quena realidade não praticou, mas delirou daquela conduta ou daquele ato, ou daquelefato, e causou prejuízo a alguém. Portanto, ele é responsável. Então, há sempre umapremissa na responsabilidade: - que realmente houve um causador de um dano, de umprejuízo. E se houve um causador, há a responsabilidade, que se consubstancia numamulta, numa pena. Aí é que vem o dano moral: dá um salário mínimo a quem causouum prejuízo imenso. Apenas diz-se que é moral. O aspecto aí, muitas vezes, é maispedagógico para o Tribunal do que, propriamente, configurar que haja um crime, porexemplo, uma responsabilidade penal ou criminal naquele aspecto; umaresponsabilidade civil... Nem chega a isso, nem se pode verificar. Mas se verifica que oindivíduo deve ter cautelas suficientes na Administração. Por isso, se houve umprejuízo, não chega à responsabilidade civil nem penal, mas chega à administração,com aquela sanção moral. Que não é sanção moral não. Ela é pecuniária também,apesar de ser um salário mínimo, dois, cinco. Ela é pecuniária, mas como se aplica umamulta de cinco mil cruzeiros para quem deu um prejuízo de um milhão de cruzeiros, elaé moral. Mas, na realidade, ela é pecuniária também. Então, não há dúvida de que, doponto de vista técnico, pode haver responsabilidade sem causa daquele prejuízo, semdano. E também não há possibilidade de se dizer "é responsável" e não lhe darnenhuma punição. E uma equação aí que deve ter as três partes: a causa, aresponsabilidade e a sanção.

Contador Otávio Machado - Prof. Roberto Rosas, o assunto trazido a lume peloEximo. Sr. Cons. José Medrado muito nos empolga, a ~ e ao Auditor Roberto Maia deAthaide, como co-autores que soas . de uma tese sobre a matéria, a qual já foiapresentada em dois Congressos dos Tribunais de Contas e se encontra,presentemente, no Instituto Ruy Barbosa, para apresentação em futuro Seminário. Comefeito, entendemos que situações há em contas que constituem irregularidade, mas nãoacarretam responsabilidade de caráter financeiro para o gestor. Nesses casos,pensamos que as contas devem ser desaprovadas, pura e simplesmente, como umasanção moral.

Prof. Roberto Rosas - Concordo com uma parte. Com a outra não. Se há umdeslize, uma infração, a uma norma de Direito Financeiro, e o senhor chega até aalcance... E não estou falando em alcance. Estou falando naquele administrador quedevia utilizar uma rubrica e, erradamente, utilizou a rubrica seguinte. Incorre numprejuízo dentro do orçamento. Ele, por exemplo, adquiriu um determinado objeto,quando não poderia adquirir com aquela rubrica. Por outro lado, a Administração foibeneficiada com aquele bem, às vezes até imóvel. Não houve prejuízo, mas houve umainfração na ordem do Direito Financeiro. Agora, a conseqüência, aí, na primeira parte,eu não concordo, pois, se há a infração, em tese tem que haver a punição. Mas, vamosver como o juiz Penal, geralmente, examina a legítima defesa, o estado denecessidade, etc . . . Pode até absolver.

A segunda parte - qual é o prejuízo que a Administração sofreu com aquelainfração? Nenhum? Então as contas devem ser aprovadas e, na realidade, pode-se atéimputar a ele a multa moral do salário. Não sei se me fiz compreender. Há uma teseque tem que ser enfocada. Houve uma infração na ordem do Direito Financeiro. Então,

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em tese, houve a infração; em tese haverá a punição. Mas no caso concreto, verifica-seque aquela infração, apesar de ser uma infração, não causou prejuízo à Administração.Afinal de contas a Administração não está aí para defender tese de Direito Financeiro ese ilustrar com ela. Está para a boa execução do Direito Financeiro daquelas normas.Se a infração é grosseira ou má, então é caso de aprovação com a sanção de multa.Se não causou prejuízo á Administração, se ela foi beneficiada com aquela decisãodelirante da norma do Direito Financeiro, a Administração não pode se beneficiar duasvezes, quer dizer, ela se beneficia e, ao mesmo tempo, ainda pune aquele que abeneficiou, por outro caminho. Agora, para chegar a uma conclusão: o Sr. OtávioMachado disse: aprove, não multe.

Cons. José Medrado - Aprova e aplica a sanção moral pura e simples.

Prof. Roberto Rosas - Já vi vários casos em que há a infração, mas sem grandesconseqüências. Existem, então, dois caminhos: ou aprova e não multa (a primeira partetem que haver a aprovação porque se desaprovar, conseqüentemente, ele tem quelevar a multa, porque se desaprovou. Por que? Houve uma infração? Ah! mas houveuma infração e eu sou mais benevolente. Examino o mérito da questão, porque, narealidade, dentro da tese central de que quem praticou uma infração à norma do DireitoFinanceiro, portanto, ele é sempre passível de uma sanção. O fato da desaprovação éporque infringiu uma norma do Direito Financeiro e, conseqüentemente, tem quedesaprovar e multar. Para beneficiá-lo porque não deu prejuízo, tem que aprovar ascontas e apenas multá-lo, porque c)e infringiu. A multa moral de um salário mínimo.

Contador Otávio Machado - Para elucidar o nosso pensamento, trazemos, comoexemplo, o caso de uma determinada Entidade sujeita ás normas de ContabilidadePública e que execute as suas despesas sem observância do princípio de empenhoprévio, isto é, todo o seu empenho foi posterior. Ora, no caso retratado houveinfrigência à Lei de Normas Financeiras, mas não se pode configurar como alcancetoda a despesa avalizada com a referida folha. Achamos que, para a situação alinhada,a desaprovação pura e simples, sem nenhum ônus pecuniário para o gestor, ébastante, como sanção moral.

Prof. Roberto Rosas - É sanção moral, inclusive, para quem, antes, foi beneficiadocom o empenho, que aí não tem nada com a estória. A desaprovação das contas, vejabem, e geralmente os Tribunais não explicitam porque que ela foi desaprovada, a nãoser no voto, o que é que ocorre?

A responsabilidade, se for dentro da sociedade, ela é solidária. O administrador,muitas vezes, está numa responsabilidade moral com o outro. O Decreto-lei nº 200considera que não há responsabilidade quando o ato é praticado por subordinado aoordenador da despesa.

Coras. Nathan Coutinho - Este Tribunal sempre tem agido, quando desaprova ascontas, impondo multas. Eu sempre defendi, também, essa tese. Acho que sançãomoral, num Tribunal, não tem sentido. Acho que a multa é o pagamento que o gestorfaz por ter descumprido a Lei, seja a falta de empenho, de licitação no caso deautarquia, ele infringiu a Lei. Agora, ele não deu desfalque, não teve responsabilidadecontábil, mas desaprovar as contas sem impor a multa, acho incoerente, data venia, opensamento de Assessoria Técnica. Este não é o pensamento do Tribunal. Toda vez

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que eu, como relator, desaprovo as contas e que não há responsabilidade contábil, quenão há desfalque, desvio de dinheiro, eu imponho uma multa e a própria Lei Orgânicado Tribunal manda que imponha multa. É o meu pensamento e da maioria dos meuscolegas. Aprovar contas com irregularidades, também me parece incoerente, porque seo gestor não cumpriu a Lei, vamos dizer, que manda ao empenho prévio, que impõelicitação, como aprovar aquelas contas? Desaprovo as contas e, como conseqüêncialógica, traz a aplicação de multas, e a Lei é explicita a respeito, inclusive dizendo queessas multas sofrem correção monetária.

Prof. Roberto Rosas - O Decreto-lei n° 199, do Tribunal de Contas da União, narealidade, é um paradigma. Salvo engano, prevê essa situação da desaprovação cornoconseqüência, porque aí, se não há possibilidade de verificar-se, elas, na realidade, sãoiliquidáveis, não é caso de rejeição.

Cons. Nathan Coutinho - Quer dizer, o responsável é sempre o gestor das contas.

Há sempre um responsável. Não fica nessa responsabilidade anônima porque ogestor das contas é o responsável pelas contas. Então, a multa é aplicada ao gestorque geriu mal, vamos dizer, a Autarquia. Se ele não cumpriu as normas do Decreto-lein° 200, o gestor é o responsável, e a multa é aplicada a ele. Nossa Lei Orgânica éexplícita nisso. Agora, aprovar contas, impondo multas, também não me parececonseqüente. Parece-me conseqüente desaprovar as contas impondo multa, que não ésomente sanção moral, mas sanção financeira também. Agora, se se apura umdesfalque, um desvio de dinheiro, uma má aplicação, aí então ela é responsávelcontabilmente. A divergência da maioria do Tribunal contra o ilustre chefe da AssessoriaTécnica é nesse particular, pois ele não acha que a imposição da multa sejaconseqüência da desaprovação das contas. Acho que' toda vez que se desaprova ascontas se impõe multa, e isso é da Lei Orgânica do Tribunal.

Cons. José Medrado - Ou, então, aprova-se com recomendações.

Cons. Nathan Coutinho - Aí dependendo da gravidade da norma.

Aproveitando eu estar com a palavra, desejaria que V. Ex. precisasse o seupensamento nesta questão de licitação de Sociedade de Economia Mista. V. Exª disseque a Lei não obriga a licitação, mas que, por um princípio de moralidade, elas sãoobrigadas a fazer a licitação. V. Ex.a acha que o Tribunal pode desaprovar as contasporque não houve licitação no caso de Sociedade de Economia Mista? V. Exa citou umexemplo em que houve uma licitação que causou prejuízo, porque, para .se fazer alicitação, se gastou mais do que o produto da licitação. Então, como não fiquei bemescurecido, pergunto: V. Exa acha que o Tribunal pode exigir, ou não, que a Sociedadede Economia Mista faça licitação?

Prof. Roberto Rosas - O Decreto-lei n° 200 só manda aplicar os princípioslicitatórios às Autarquias. Não fala nas Empresas Públicas e nem em Sociedade deEconomia Mista. Se realmente a Sociedade de Economia Mista e a Empresa Públicadevem obedecer a estes princípios, é um tema sempre polêmico. Hoje, não estamosvendo, inclusive há tendência no meu Tribunal, onde aparecem votos neste sentido: -"Devem observar os princípios...; devem observar.. ." Mas não chegar ao ponto derejeitar, impugnar ou desaprovar contas, porque lá não se obedece ao princípio

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licitatório. É a tal estória: se nós levarmos dentro da moralidade administrativa, éconveniente que nós todos postulemos a obediência maior possível aos princípios dalicitação, pois obrigar-se ao princípio da licitação, eu até pensaria duas vezes se nãoseria até inconstitucional quando se submete a Empresa Pública e a Sociedade deEconomia Mista ao regime idêntico ao da Empresa Privada; se obrigasse a Sociedadede Economia Mista a uma restrição caracteristicamente da Administração Direta e,portanto, totalmente diferente da livre empresa. Isso é uma coisa em que eu tenhomeditado e ainda não cheguei à conclusão. Agora, em conclusão pela pergunta: que oDecreto-lei n° 200 não obriga, não obriga o princípio da licitação à Empresa Pública eSociedade de Economia Mista. Agora, da conveniência, do interesse, isto é umaquestão interna, e que eu acho que, dentro dos Tribunais, seja da maior conveniência,mas a Lei não obriga, e o Tribunal não pode impugnar.

Em São Paulo, por exemplo, nas grandes empresas do Estado de São Paulo elasestão fazendo regulamentos internos de licitação. O Metrô de São Paulo é uma delas; aDERSA é outra. As empresas auto-obrigaram-se aos princípios de licitação porquequerem. Agora, obrigar, impugnar, eu acho que, realmente, o Tribunal não pode.

Cons. Nathan Coutinho - Obrigado a V. Exa.

Dr. Pedreira Lapa - V. Exa sabe, como Professor Emérito, que até já editou umlivro intitulado "Direito Sumular", que o Poder judiciário, conforme jurisprudência doSupremo Tribunal Federal, não submete gestores administrativos a processo criminalsem prévio julgamento de suas contas pelo Tribunal de Contas; sabe também V. Exªque, julgadas as contas boas, firmes e valiosas pelo TC, a ação penal não se viabiliza.Então, sendo assim, se o gestor é de entidade bancária, e cometeu malversação dedinheiros públicos, no que se sujeita á fiscalização do TC, também não lhe parece que,a não-sujeição de tais contas - à apreciação do TC, importará, ainda queimplicitamente, na negação da competência do Tribunal, atendendo a que taljulgamento é pré-requisito para a instauração do processo penal, pelas razões antesaduzidas?

Prof. Roberto Rosas - A projeção penal da responsabilidade, ao meu ver, tambémse estende aos responsáveis quando se trata de empresas bancárias, porque elasestão sujeitas ao TC, desde que haja dinheiro, bens ou valores públicos a fiscalizar.

Dr. Pedreira Lapa - Mesmo nos casos em que o princípio de licitação não éobrigatório, havendo a violação do princípio da moralidade administrativa, oprocedimento não está passível de invalidação pelo Poder judiciário, atendendo a que,segundo jurisprudência do Tribunal de São Paulo, agasalhada pelo Supremo, oprocedimento padece de invalidade, mesmo que não contaminado dos vícios de formaessencial, motivo e objeto, que tradicionalmente o invalida? Data venia, o julgado a queme refiro não é o mencionado por V. Exa porque recente, mas ao que é referido peloProf. Hely Lopes Meireles, na 5ª edição do seu livro "Direito Administrativo Brasileiro",aspecto também abordado pelo Prof. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho em seu livrosobre a moralidade administrativa.

Prof. Roberto Rosas - Eu entendo que em tais casos, o que cabe, quando háprejuízo para o Erário, por atos dolosos do administrador público, é a ação popular, cujainiciativa cabe a qualquer pessoa do povo, nos termos da Constituição e da Lei

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específica, circunstância que não invalida a possibilidade por mim aludida, de dispensade não-exigência da licitação, em casos específicos.

Coes. Nathan Coutinho - Dr. Roberto Rosas, quanto à imposição de multa? Éapenas isso? Ele contínua a ser gestor, ou isto obrigaria a Administração a tomarmedidas administrativas contra ele, como se fosse a dispensa, a demissão? Em quefica a resolução do Tribunal? O fato é que o Tribunal desaprovou contas, comresponsabilidade contábil ou sem responsabilidade contábil, ou impondo multa. Esgotaaí a sanção a ser imposta ao gestor?

Prof. Roberto Rosas - Cons. Nathan, realmente não conheço nenhuma normalegal sobre a matéria. Lá em Brasília, o que se estabelece é uma ou duas situações: 1º,a multa simplesmente, e aí a Administração tomará a atitude que quiser; 2°, a multa e,até, a representação ao Governador, em relação àqueles fatos. O Tribunal não podedizer: demita, suspenda... Apenas a representação é uma admoestação ao PoderExecutivo, para que ele tome uma providência em relação àquela situação.

Cons. José Medrado - Eu gostaria de fazer, ainda, uma pergunta ao Prof. Rosas.É comum hoje, nas Entidades de Administração Indireta e, até, em unidades daAdministração Direta, a aplicação de recursos ociosos no mercado aberto de capitais.Gostaria de ouvir sua opinião a respeito, porque existem os fundos públicos,administrados pelo Governo, em que poderíamos admitir, aí, a aplicação dessesdinheiros públicos, nesses fundos públicos, mas não nos privados, no Mercado Abertode Capitais. Gostaria de ouvir a sua opinião a respeito.

Prof. Roberto Rosas - Olha, contrato de risco é monopólio da PETROBRÁS, ou,então, dos especuladores da Loteria Esportiva, não é? Agora, o Poder Público nãopode botar em Open Market, em Over Night, em Prazo Fixo. Hoje existe a ORTN,outros títulos que realmente são títulos válidos, assegurados. O Poder Público asseguraa sua perenidade. Portanto, elas têm uma liquidez suficiente. O que não é possível é oPoder Público jogar em mercados que, muitas vezes, não são conhecidos - o OverNight e o Open Market. Uma vez, em Brasília, dei um parecer enorme sobre isso. Umaempresa pública aplicou uma quantia enorme num Open Market. Descobri por acaso.Na última revista do TC de São Paulo tem uma decisão do Tribunal impugnando umOpen Market em São Paulo. Então, o TC já se insurgiu contra isso.

Cons. Presidente - Apesar das perguntas oportunas e inteligentes, como, também,das respostas oportunas e inteligentes, acho que já chegou o momento de encerrar osnossos trabalhos. Não devemos abusar da resistência física do Prof. Roberto Rosas.

Antes de encerrar esta sessão, porém, cumpro o grato dever, em meu nomepessoal e deste Tribunal de Contas, de agradecer a V. Exª , Dr. Nilson Sepúlveda,Procurador-Geral do Estado, a honra da sua presença. Agradeço igualmente aosilustres dirigentes de Entidades da Administração Descentralizada. Agradeço ao meuquerido mestre, Conselheiro Aposentado, Prof. Osvaldo Gordilho que nunca nos faltoucom sua presença confortadora. Agradeço a V. Exa, Prof. Navarro de Brito, Chefe daProcuradoria do Estado junto a esta Corte, também presença valiosa e habitual nesteTribunal. Agradeço a todos os Procuradores aqui presentes. Agradeço aosConselheiros Substitutos, todos eles atendendo ao nosso convite. Agradeço aos Srs.Auditores, Srs. Assessores, enfim, a todos aqueles chie estão aqui presentes.

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Dirijo-me, agora, de maneira especial, ao Prof. Roberto Rosas, que proferiu, emverdade, uma admirável e brilhante conferência, tanto na forma como no conteúdo,objetiva nos seus detalhes e nas suas diretrizes gerais. Quem conhece S. Exa não tevea mínima surpresa de ouvi-lo nesta tarde, que há de ficar marcada para todo o semprenesta Corte de Contas, pois nós sabemos do seu alto conceito como advogado emBrasília e como Procurador do Tribunal de Contas da Capital da República. Também, oconceito que S. Exa goza perante todos os Tribunais de Contas do País, pelos seusmagníficos trabalhos, pelas suas interferências nos debates dos Congressos,principalmente nos três últimos, onde S. Exa atuou como autor de teses, atuou comorelator de teses. O Tribunal de Contas sente-se parabenizado com a conferênciaproferida por V. Exª É o Tribunal de Contas que, de maneira perene, conserva umagratidão a este brilhante jovem que tanto sabe cultuar as letras jurídicas do País.

Está encerrada a sessão.

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II – VOTOS E PARECERES

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APOSENTADORIAPROVENTOS PROPORCIONAIS. VALOR INFERIOR

AO SALÁRIO MÍNIMO. ATUALIZAÇÃO

RELATÓRIO

Conselheiro HERACLIO SALLES

Relato em conjunto os Processos de números 370/74 e 26/78, de naturezadiversa, mas intimamente ligados pela identidade do problema que ambos oferecem àmeditação desta Corte. O primeiro contém ato do Senhor Governador do DistritoFederal, aposentando o servidor Hermes Soares de Brito por invalidez simples, e osegundo nos traz consulta firmada igualmente pelo Chefe do Governo sobre aviabilidade de , solução que sugere, para o dito problema, que consiste em pagar-se aaposentados portadores de moléstia não especificada em lei, e com menos de 35 anosde serviço, proventos de valor abaixo do salário mínimo.

Relator daquele primeiro Processo, adiei sucessivamente sua 'apresentação aoPlenário, mas também sucessivamente dei notícia a meus ilustres pares da evolução doestado de dúvida em que me achei no primeiro momento ensejando a todosoportunidade de refletir previamente sobre as dificuldades do tema que iríamosexaminar e da gravidade da decisão a que deveríamos chegar. Penitenciando-me,embora, do retardamento de que me fiz responsável, pacifico minha consciência com ofato de havermos chegado; nesse considerável lapso de tempo, à força deconversarmos acerca do problema, permutando idéias e conferindo dúvidas naatmosfera salutar de entendimento em que vivemos e trabalhamos neste Tribunal, a umconsenso para proferir decisão .longamente amadurecida.

O tema brilhantemente posto no Proc. n° 370/74, pelo eminente ProcuradorHermenegildo Fernandes Gonçalves, é dos que nos induzem à rendição imediata doespírito, seduzido ao primeiro contato pela substância humana de sua argumentação e

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pelo fascínio do incitamento à adesão imediata às teses do "direito justo", sofreadaspelo positivismo jurídico e pelo rigor científico que não as inibe mas lhes põe um grãode prudência, ponderável, principalmente, na atividade das Cortes de Contas.

À proporção que chegavam a esta Casa outros Processos, com o desafio domesmo problema, e já voluntariamente afastado do nosso convívio o Dr. Hermenegildo,nosso Ministério Público ia aderindo ao primeiro Parecer, chegando a endossá-lo porquase unanimidade, em pronunciamentos dos doutos Procuradores José GuilhermeVilella, Roberto Rosas e da eminente Procuradora-Geral, DO Elvia Lordello CastelloBranco. Com exceção do ilustre Dr. Lincoln Pinto da Luz, que simplesmente silenciousobre o tema por não ter sido chamado a se manifestar, todos sustentaram a justiça e anecessidade de uma decisão pela qual se determinasse ao Governo do Distrito Federala correção automática e sistemática dos proventos que ficassem inferiores ao saláriomínimo.

Sem embargo da autoridade de cada um dos membros do Ministério Público e dainocultável incongruência constatável pelo confronto do art. 31 da Lei nº 4.242/63 com oart. 181 da Lei nº 1.711/52, se examinados os dois diplomas segundo sua funçãoteleológica, mantive-me em estado de dúvida, que se agravava até pelo exame doselementos da Jurisprudência em formação no mesmo sentido, com a reiteração desentenças nas Varas da Fazenda e de acórdãos no Tribunal de justiça do DistritoFederal, um deles confirmado pelo Tribunal Federal de Recursos. Inclinava-me, comoainda me inclino, a distinguir muito claramente as esferas em que atuam os órgãos doPoder judiciário e os Tribunais de Contas, para melhor conhecer a diferença dos limitesa que estão sujeitos uns e outros na missão de fazer atuar o direito aos casos que lhessão presentes. Na já vultosa soma de pronunciamentos judiciais, reconhecendo aaposentados o direito à complementação de seus proventos até o limite do saláriomínimo fixado para os trabalhadores, está presente um esforço de construção, queconduz à certeza e liquidez desse direito pela integração de normas extraídas dediplomas diversos e dirigidas, evidentemente, a destinatários distintos, em esferastambém diferentes. Em um dos julgados chega-se, para tanto, à invocação do § 1º doart. 153 da Constituição ("Todos são iguais perante a lei"), no qual se enuncia, como sesabe, o primeiro princípio republicano, emanado da Revolução Francesa, quando seestabeleceu a igualdade dos cidadãos contra o privilégio de que gozavam os nobres,"les hônnetes Bens", em face dos integrantes da plebe, "la canaille". Por essainvocação extrema, percebe-se o esforço desenvolvido por doutos juízes como osDoutores Luiz Vicente Cernichiaro e Romildo Bueno de Souza, mestres da Ciência doDireito além de magistrados de intuição certeira, para traçar entre o emaranhado denormas e casos dolorosos de aposentação o caminho pelo dual se pudesse atingir ojusto, conduzido pela consciência do humano.

Nada a estranhar nesse trabalho meritório, conhecida a amplitude do campo emque atua o Poder judiciário, livre para interpretar as leis e lhes desvendar a finalidade. ALei de Introdução ao Código Civil impõe, até, em seu art. 5°, que na aplicação da leiatenda o juiz "aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". já na"Nova Consolidação das Leis Civis', de Carlos de Carvalho, advertia-se no §3° do art.62: "Deve-se evitar a supersticiosa observância da lei que, olhando só a letra dela,destrói a sua intenção".

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A esfera de atuação dos Tribunais de Contas e a natureza destes, não só nãocomportam liberdade da mesma extensão, como indicam, ao contrário, a necessidadede observância estrita dos mandamentos legais. Como essa observância, emboraestrita, não deve ser estreita, é claro os Tribunais de Contas podem e devem interpretaras leis para mais lucidamente confrontá-las com os fatos sob sua apreciação, que a istose resume sua missão constitucional. Atentos sempre ao princípio que rege a atividadedo poder público, cujos atos decorrem sempre de permissão ou obrigatoriedadeexpressa em alguma norma, impõe-se-lhes a prudência de evitar, quanto possível, asconstruções pretorianas, reduzindo-as a raros casos em que se torne necessáriocompatibilizar a inexistência de norma expressa com a conveniência administrativa eeventuais reclamos do interesse público. Para os Tribunais de Contas, em suma, afunção teleológica da lei não é, em regra, a mesma perquerida pelo Poder judiciário:não é a finalidade social que temos em mira, mas a finalidade administrativa. Sendo denatureza administrativa nossas decisões, estamos jungidos, tanto quanto aAdministração, ao princípio da legalidade. Se os Tribunais de Contas não estivessempermanentemente advertidos para esse tipo de limitação, passando a julgar contra ouextra legem os atos da Administração, estariam a autorizá-la a proceder também semlei ou contra a lei, esvaziados de autoridade para exercer o controle que lhes confia aConstituição.

Eis o raciocínio a que voltava eu, sempre que pensava trazer a julgamento o Proc.n° 370/74, ao mesmo tempo chocado por outros que se acumulavam diante de nós,com Decretos aposentando cidadãos inválidos aos quais se atribuíam proventosinferiores ao salário mínimo, já em si tão aviltantemente insuficiente que o GovernoFederal passou, espontaneamente, a cogitar de reduzir à metade o prazo para reajustaros seus níveis à realidade sócio-econômica da inflação. Esses` Decretos, injustos,eram, entretanto, legais. Uma inversão da fórmula dá bem idéia da nossa dificuldade:legais, mais iníquos e desumanos.

Um dos membros do Ministério Público, o ilustre Dr. Roberto Rosas, tão atento aoproblema da legalidade quanto sensível à questão da justiça, reviu em parte suaposição inicial quando propôs em substanciosa tese aprovada pelo IX Congresso dosTribunais de Contas a solução analógica adotada pelo Egrégio Tribunal de Contas daUnião: aplicando-se o critério da legislação previdenciária, determinar-se-ia ao Governolocal que os proventos proporcionais da aposentadoria por invalidez fossem calculadosem valor nunca inferior a 90% do salário mínimo regional.

Percebe-se no entanto que o recurso à analogia, pelo qual estive inclinado naúltima fase de nossas reflexões, implica em si mesmo reconhecimento da inexistênciade lei própria a aplicar.

O direito vivo - Encontrava-se o problema nesse nível de especulação epreocupação, quando entrou nesta Corte, formando o segundo Processo a queinicialmente me referi, consulta do Senhor Governador do Distrito Federal, nos termosdo art. 71, §§ 1° e 2° do nosso Ato Regimental n° 7, acompanhada de lúcido parecerfirmado pelo douto Procurador Orlando Miranda de Aragão.

Coloca-se aí a questão em outro plano, ao qual poderemos passar, para sobre elacontinuar a refletir, agora com maior segurança porque sem correr o risco de atuar fora

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da esfera de competência que nos reservam a Constituição e nossa Lei Orgânica. Doplano da lei, que inexiste, transitamos para o da jurisprudência, que um eminente autordenomina expressivamente "direito vivo". Ante a constatação de que sobre determinadotema jurídico, suscitado pela interpretação de tal ou qual dispositivo de lei, os Tribunaisjá firmaram opinião pela reiteração de julgados, o advogado experiente sabe dainutilidade de encaminhar-lhes entendimento diverso, compatível com o interesse deseu cliente, mas a quem está no dever ético de advertir para a certeza da derrota oupara a incerteza do direito a defender.

No caso da regra da proporcionalidade dos proventos, claramente fixada no caputdo art. 1º da Lei n° 1.711/52, não se poderia falar em jurisprudência no plano federal,considerando-se haver apenas três acórdãos: dois do Tribunal Federal de Recursos,reconhecendo a necessidade de corrigi-lo para evitar aposentadoria com proventosabaixo do salário mínimo; e outro do Supremo Tribunal Federal, no qual se reconhece,ao contrário, a impraticabilidade de correção sem que intervenha a mão do legisladorpara editar outra norma. Com efeito, na palavra de Miguel Reale, "não se sabe qual omaior dano, se o das leis más, susceptíveis de revogação, ou o poder conferido ao juizpara julgar contra legem, a pretexto de não se harmonizarem com o que lhe parece seruma exigência ética ou social". Por outras palavras, para voltar à Nova Consolidaçãodas Leis Civis, "declarar, ampliar, restringir a lei compete privativamente ao CongressoNacional", embora modernamente, além dos princípios de Hermenêutica de que seservem os juízes para esse trabalho freqüentemente necessário, tenhamos arecomendação expressa do já citado art. 5° da Lei de Introdução ao Código Civil.

Se no plano federal a situação é esta, na esfera local o "direito vivo" se impôs comtal força, e cópia de manifestações, ao direito legislado, que inútil seria desconhecê-lo.Os juízes das Varas da Fazenda condenam sistematicamente o Distrito Federal nasações propostas por cidadãos que foram aposentados, inválidos, com proventos abaixodo nível do salário mínimo. O indisfarçável ilogismo do direito positivo tem sido naprimeira instância corrigido com argumentação, que varia em grau de veemência masque poderia ser sintetizada nesta sentença proferida em 25 de maio de 1977 pelo juizJosé Ribeiro Leitão:

"A instituição do salário mínimo, por ser de ordem pública, vincula o Estadoe, conseqüentemente, o Distrito Federal. É do interesse estatal a tutela àdignidade humana, no que concerne à sobrevivência física, no sentido damanutenção, sustento ou subsistência da pessoa. Por isso o Estado fixa o valordo salário e o reajusta: têm-se como não escritas estipulações ou fixações devencimentos abaixo do salário mínimo.

"Profunda contradição exsurgiria da existência de lei definidora devencimentos ou de computações proporcionais para escalonar proventos, se daí,no caso concreto, se afrontasse a exigência do mínimo salarial estabelecido pelopróprio Estado."

Condenado assim, na primeira instância, o Distrito Federal perdeu - tambémsistematicamente - todos os recursos interpostos para o Tribunal de justiça, do qual seconhecem numerosos acórdãos, cinco deles proferidos somente no ano de 1974 nasApelações registradas sob os números 8.466, 9.913, 9.916, 10.189 e 10.190. No

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Tribunal Federal de Recursos, há duas decisões no mesmo sentido, uma no julgamentodo .'gravo de Petição em Mandado de Segurança n° 25.973, e outra na Apelação Cíveln° 3.258, quando se afirmou estar a regra da proporcionalidade dos proventossubordinada ao piso salarial. Ao Supremo Tribunal Federal não se recorre mais, pordecisão formalmente tomada pelo Governador, tendo-se em vista que nos casos dealçada (como são todos de que ora tratamos), de valor inferior a 60 vezes o maiorsalário mínimo regional, o Regimento da Corte Suprema exige a indicação de dois oumais acórdãos conflitantes do Plenário para que se torne cabível o remédio extremo doRecurso Extraordinário. Do STF só se conhece um acórdão. No RE nº 82.016, de quefoi Relator o Ministro Xavier de Albuquerque, a 2ª Turma decidiu por unanimidade, em23 de setembro de 1975, que "indicação de um só acórdão do Supremo TribunalFederal não prova jurisprudência predominante para os fins do art. 308, caput", doRegimento Interno. Tal orientação fora adotada pelo Plenário, quando não conheceu doRE 81.414 do mesmo ano.

Da criação desse impasse é que surgiu a consulta do Governo do Distrito Federal,sugerida por indagação da Divisão de Inativos e Disponíveis ao Coordenador doSistema de Pessoal sobre a possibilidade de estender-se a todos os servidoresaposentados o pagamento do salário mínimo, para evitar que o Distrito Federalcontinuasse a sofrer condenações e a pagar atrasados, além dos proventos corrigidos apartir das condenações.

Força maior - Configura-se, portanto, verdadeira hipótese de força maior que nãopodemos desconhecer, sob pena de nos tornarmos responsáveis por despesas quetendem a crescer em montantes que chegarão a superar as que resultem da correçãoespontânea dos proventos, se considerarmos as custas processuais e honorários deadvogado.

Não satisfaz a solução intermediária adotada pelo Egrégio Tribunal de Contas daUnião, aplicando a legislação previdenciária para ajustar os proventos aos 90% fixadospela Lei n° 6.260/75 e já observados desde a expedição de Regulamento aprovado porDecreto de 1973, pois igualmente estaria o Distrito Federal sujeito a corretivos dajustiça local, que já se definiu pela equivalência da proporcionalidade ao piso salarialestabelecido como mínimo de remuneração na atividade (Lei n.° 4.242). É indisfarçávelque se criou nesta unidade federada situação diferente da que se observa na esferafederal. Aqui passou a existir um direito objetivo em formação e à vista do legislador, àespera, apenas, de que este desperte para o problema e edite a norma adequada asanar a contradição maculadora da legislação em vigor e a corrigir o erro flagrante delógica jurídica apontado pelo judiciário, para não falarmos no aspecto humano daquestão nem no imperativo de justiça social invocado em algumas sentenças.

Este Tribunal não estará sendo precipitado na decisão que vai tomar, se chegar atomá-la, porque meditou longamento ante os apelos de seu Ministério Público e, ainda,sobre a manifestação de vontade claramente posta na consulta que lhe dirigiu, há cercade um ano, o Governo do Distrito Federal. Não decidirá à margem do princípio dalegalidade estrita a que estão sujeitos os atos da Administração sob seu controle, masapenas reconhecerá a ocorência de situação de fato, em tudo semelhante aos casos deforça maior que a própria Lei contempla e lhe cabe simplesmente acatar.

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VOTO

Ante o exposto, voto no sentido de que responda esta Corte ao Governo doDistrito Federal:

1 - que nos casos de invalidez simples, implemento de idade ou punição(aplicação do Ato Institucional n.° 5, já revogado), a regra da proporcionalidade nãoobsta a que os proventos da inatividade sejam complementados até o nível do saláriomínimo regional;

2 - que este Tribunal, conseqüentemente, ante as circunstâncias ponderadas noRelatório terá como legais, para efeito de registro, os atos de aposentação que lheforem submetidos nos termos do item anterior; e

3 - que devem ser excluídos do procedimento necessário à complementação dosproventos os casos de aposentadoria com fundamento na Lei Complementar n° 30, de27 de junho de 1977, por se tratar de inativação voluntária, em que ficou manifesto ointeresse do servidor em afastar-se da função pública, independentemente do nível doprovento.

Sala das Sessões, 20 de setembro de 1979. Heráclio Salles, Relator.

_________________Processos nºs 370/ 74 e 26/78.

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DELEGAÇAO DE COMPETÊNCIA

RAIMUNDO DE MENEZES VIEIRA

Prestação de contas da Sociedade de Habitação de Interesse Social - SHIS,relativa a 1978.

No exame a que procedeu a Inspetoria acerca dos elementos constitutivos destascontas, constatou-se que a exigência do pronunciamento de que tratam o art. 39, incisoIII, da Lei n° 5.538/88 e art. 28, inciso XII, do Ato Regimental n° 7/74, sobre aregularidade das contas, não foi suficientemente cumprida, eis que o Senhor Secretáriode Serviços Sociais, invocando o disposto na mencionada Lei n° 5.538/88, designou oSenhor Superintendente da SHIS para emitir tal pronunciamento, e este, por sua vez,limitou-se apenas a tomar conhecimento do relatório e certificado de auditoriaexpedidos pelo Departamento de Auditoria da Secretaria de Finanças (fls. 298, verso).

Entende a instrução não ser delegável a competência de Secretário de Estadopara se pronunciar sobre a regularidade de contas de entidades da administraçãodescentralizada.

Aduz, que, ainda que permitida fosse, ela não poderia recair em dirigente daprópria entidade vinculada, apesar de que, na espécie, os dirigentes responsáveis pelascontas não mais pertencem à administração da empresa.

Ressalta que a delegação prevista no inciso III do art. 39 citado "é admissívelapenas quando se tratar de contas de órgão sem personalidade jurídica própria,integrante da estrutura orgânica de Secretaria".

Enfim, à vista de tais considerações, sugere que o julgamento destas contas sejaconvertido em diligência, "a fim de que o Senhor Secretário de Serviços Sociais sepronuncie sobre a regularidade das mesmas, de conformidade com o disposto nalegislação retromencionada."

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E o relatório.

PARECER

O instituto da delegação de competência, como instrumento de descentralizaçãoadministrativa, tem como finalidade precípua assegurar maior rapidez e objetividade àsdecisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender.Assim inscrito na Lei de Reforma de 1967, deve servir de meio para liberar os órgãossuperiores das rotinas de execução, a fim de que possam concentrar-se nas atividadesde planejamento, supervisão, coordenação e controle.

Isto quer dizer que certas atribuições, como por exemplo, a de fixação dasdiretrizes gerais, inerente ao exercício das funções de alto nível, não devem sertransferidas ou, se o forem, que não o sejam inteiramente, sol) pena de se veresvaziada a autoridade delegante.

No caso do pronunciamento sobre regularidade das contas dos administradores, adelegação de competência é facultada. Mas essa faculdade há de ser cotejada com oart. 3° da Lei n° 4.545/64, segundo o qual "cada um dos órgãos que integram aadministração descentralizada fica obrigatoriamente sujeito à supervisão e controle daSecretaria interessada em sua principal atividade".

Aliás, quando examinamos este tema no Processo n° 2.005/77, cujas conclusõesforam unanimemente acolhidas pelo E . Plenário, tivemos oportunidade de afirmar:

"Verifica-se, pois, que o pronunciamento é mais do que um procedimentoformal; constitui-se num requisito essencial ao processo da supervisãoadministrativa, tendo por objetivo proporcionar à autoridade ou órgão tomar asprovidências necessárias quando houver indicação de falhas ou irregularidadesque devam ser prevenidas ou sanadas. Fora desse pensar, parece-nos que ovalor intrínseco desses pronunciamentos é quase nenhum. Esse é, a nosso ver, opropósito da Reforma Administrativa, consubstanciado no art. 82 e § 2º doDecreto-lei n° 200, de 1967, que exige pronunciamento expresso e conclusivo."

De efeito, o exercício da supervisão administrativa pressupõe que o agentesupervisor detenha autoridade suficiente e ascendência hierárquica sobre os entessupervisionados, não só por ser um aspecto ínsito do instituto, como porque é dever dequem detém esse encargo adotar medidas indispensáveis ao resguardo do interessepúblico quando verificar abuso ou irregularidade.

Por isso, não teria sentido delegar-se o exercício da supervisão a quem nãopudesse desincumbir-se a contento por lhe faltar requisito básico, qual seja, o poder dese fazer obedecer, ou a alguém para supervisionar-se a si mesmo.

Ademais, observamos, com a devida vênia, que não se conseguiu nem rapidez,nem objetividade na última fase do controle interno. De fato, o processo das mãos doTitular da Secretaria voltou ao Superintendente da empresa supervisionada para quedesse o pronunciamento sobre a regularidade das contas; este, por sua vez, apósdespacho evasivo, devolveu o processo ao Sr. Secretário de Estado, que o remeteu àCorte.

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Assim exposto, e considerando as razões e fundamentos aduzidos, acolhemos aproposta da instrução no sentido de que seja o processo baixado em diligência paraque o Exmo. Sr. Secretário de Serviços Sociais se digne de pronunciar-se sobre aspresentes contas, de modo expresso e conclusivo, na conformidade das prescriçõeslegais citadas, e tendo em vista ainda o disposto no art. 18 da Lei n° 4.545/64.

Sala das Sessões, 16 de outubro de 1979.

_____________________Processo n.° 1.374/79.

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A LEI ORGANICA DA MAGISTRATURA E OTRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

LINCOLN TELXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

I - O TEMA EM FOCO

Cabe-me, por solicitação do Egrégio Plenário, proceder ao exame da Lei Orgânicada Magistratura no tocante a seus reflexos sobre a área do Tribunal de Contas doDistrito Federal.

2. A tarefa se apresenta até certo ponto facilitada por já haver empreendido estudopreliminar do assunto, em nota encaminhada á Presidência.

3. Afirmava então que a obrigatoriedade do modelo federal de Corte de Contas,consagrada no art. 13, caput e inciso IV, da Constituição e iterativamente reconhecidapelo Supremo Tribunal Federal, impõe se tome como indeclinável ponto de partida aposição constitucional do Tribunal de Contas da União.

II - VINCULAÇÃO CONSTITUCIONAL ENTRE OS TRIBUNAIS DE CONTAS EOS TRIBUNAIS DO JUDICIÁRIO

4. Dois dispositivos, abrigados nos parágrafos 1° e 3° do art. 72 da Carta Política,regulam a vinculação entre os Tribunais de Contas e o Poder judiciário.

5. Confere o primeiro ao Tribunal de Contas da União - nos limites da cláusula "noque couber" - as atribuições previstas no art. 115; assegura o outro aos Ministrosdaquela Corte as garantias e prerrogativas, os vencimentos e impedimentos dosMinistros do Tribunal Federal de Recursos, no mesmo passo que lhes sujeita anomeação a requisitos de idade, idoneidade e qualificação cultural.

6. Daí derivam, nos planos locais, normas homólogas, chie conformam aConstituição e o funcionamento dos Tribunais de Contas dos Estados e Distrito Federal.

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7. Recebeu o art. 115, citado, nova redação conseqüente à E. C. n° 7/77, quelançou, em nível constitucional, alguns dos postulados norteadores da Lei Orgânica daMagistratura.

8. Assim, a eleição do Presidente e demais titulares de direção deixou de serassunto da exclusiva economia interna dos tribunais, para condicionar-se àsdisposições da Lei da Magistratura (art. 115, I) . Também a elaboração do regimentointerno e a fixação da competência das câmaras ficaram clausuladas aos preceitos damesma Lei Orgânica (art. 115, III) .

III - REPERCUSSÕES DA LEI DA MAGISTRATURA NA ESFERA DOSTRIBUNAIS DE CONTAS

1) Linhas gerais

9. A questão primeira é, pois, saber se tais restrições atingem de formaautomática, ou mesmo por via indireta, as leis orgânicas e os regimentos dos Tribunaisde Contas, ou se terão eficácia circunscrita ao âmbito do Poder judiciário.

10. Quando se cogita das garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentosdos Ministros ou Conselheiros - idênticos, segundo a Constituição, aos dos Ministros doTribunal Federal de Recursos (art. 72, §39), no nível federal, e aos dosDesembargadores dos Tribunais de justiça, no dos Estados e Distrito Federal -, estouem que as novas regras esculpidas na Lei da Magistratura obrigarão de imediato, o queimplicará a necessidade de adaptações nos textos das leis orgânicas dos Tribunais deContas, de todos os níveis, para ajustá-Ias ao inescapável padrão federal.

11. Da análise específica das disposições da Lei Complementar n° 35, de 14 demarço do corrente, alusivas a garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentosdos magistrados do Poder judiciário, ficou-me a convicção de que sua extensão àmagistratura especial dos Tribunais de Contas há de processar-se restritivamente, àvista da tipicidade e conotação judiciária da grande maioria das regras dedesdobramento ali formuladas.

12. Sob a luz dos objetivos colimados neste estudo, julgo curial distinguir, nodiploma em cogitação, ao menos três ordens de preceitos: os de incidência fatal einequívoca; os de aplicação subsidiária, por extensão ou analogia, quando faltaremregras próprias e específicas; e aqueles que, por respeitarem de forma exclusiva oupreponderante aos órgãos e funções do Poder judiciário, devem, de logo, reputar-seinaplicáveis aos membros dos Tribunais de Contas.

13. Classifico no primeiro grupo as disposições contidas nos arts. 25(discriminação das garantias); 32 (limites da irredutibilidade de vencimentos); 33(prerrogativas), com adaptação do inciso III e do parágrafo único; 36, (vedações ouimpedimentos); 61, caput (fixação dos vencimentos); 63 (equiparação a Secretários deEstado); 64 (pagamento de vencimentos); 65 (vantagens complementares dosvencimentos); 74, caput (aposentadoria) com adaptação; 75 (reajuste de proventos); 76(verificação de invalidez), com adaptação dos incisos I e VI; 119 (vedação de vantagemfinanceira); 128 (impedimentos em razão de parentesco); 145 (vantagem pessoal); e146 (entrada em vigor).

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14. Na segunda categoria, alinham-se, como visto, mandamentos cuja aplicaçãoao âmbito dos Tribunais de Contas só há de ocorrer mediante interpretação extensivaou analógica, na hipótese de lacuna nas leis orgânicas, onde, de forma precípua, seacha assentado o regime jurídico das Cortes de Contas e de seus membros.

15. Penso estarem nesse caso, explicativamente, as regras consagradas nos arts.35 (deveres do magistrado); 49. (responsabilidade); 66. a 68. (férias); 69. a 71.(licenças); 72. e 73. (concessões); 114. (substituição do Presidente); 115 (redistribuiçãodos processos); 116. (redistribuição dos processos urgentes); 121. (pedido de vista);125. (delegação de atribuições ao Vice-Presidente).

16. Seria talvez recomendável que algumas de tais normas, tendentes ao bomfuncionamento dos Tribunais e à celeridade de suas decisões, viessem a serincorporadas aos regimentos internos das Cortes de Contas, o que, todavia, dependerádo poder discricionário de cada qual desses órgãos, no uso da competênciaconstitucional para regular suas relações interna corporis.

17. De meu ponto de vista, a adoção, por exemplo, das diretrizes fixadas nos arts.115, (redistribuição de processos por motivo de afastamento do relator), 116(redistribuição de processos urgentes) e 121 (prazo para pedido de vista) significaria umpasso adiante no aprimoramento da atividade das Cortes de Contas.

2) Estatuto jurídico dos Conselheiros

18. O raciocínio até aqui desenvolvido conduz à conclusão de que o estatutojurídico dos membros dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e do DistritoFederal, após a entrada em vigor da Lei Orgânica da Magistratura, passa aconstituir-se, primeiramente, das normas constitucionais, pertinentes; em segundo grau,das normas da Lei da Magistratura estritamente reguladoras das garantias,prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos magistrados; e, num terceiro plano, dasnormas previstas na Lei Orgânica de cada Tribunal, observada, obviamente, suacompatibilidade com os preceitos da Constituição e da Lei Complementar.

19. Lacunas por certo existentes nesses diplomas haverão de ser preenchidas,segundo a técnica da hermenêutica, com o recurso às disposições da Lei daMagistratura, só podendo, a meu ver, o intérprete lançar mão de comandos geraiscontidos nos estatutos dos funcionários públicos, quando falharem todos esses critériospreferenciais.

20. A Lei Orgânica do nosso Tribunal, v. g., não disciplina a concessão de licençasaos Conselheiros. Até aqui, entendiam-se aplicáveis aos membros da Corte asdiretrizes constantes dos arts. 88 a 117 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis daUnião. Entram, doravante, a prevalecer as disposições inscritas no Capítulo III do TítuloIV da Lei da Magistratura, o que, em termos práticos, representa a extinção de, aomenos, três espécies de licenças, a saber: a destinada ao trato de interessesparticulares (esta sujeita ainda a confirmação do veto presidencial ao art. 64, IV); amotivada pelo afastamento do cônjuge, funcionário civil ou militar; e a chamadalicença-prêmio ou especial.

3) Competência Administrativa

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21. Quanto à competência administrativa dos Tribunais, contempladaprimariamente no art. 115 da Constituição, não encontro, na Lei Complementar n°35/79, qualquer alteração aplicável às Cortes de Contas.

22. Nem mesmo a obrigatoriedade do mandato de dois anos para Presidente eVice-Presidente e a proibição de reeleição, estatuída no art. 89, § 2º, c, ou asdisposições sobre constituição de câmaras e turmas, ou, ainda, as alusivas às fériasanuais, valem automaticamente para os Tribunais de Contas, por motivo das diferençasde finalidade e atuação entre os órgãos do judiciário e os órgãos de controle externo daadministração financeira.

23. Dispõe o art. 72, § 1°, da Constituição:

"O Tribunal (de Contas da União) exerce, no que couber, as atribuições previstasno art. 115."

24. Parece oportuno repetir que a rabo juris de tal ressalva se acha nos objetivos enas funções específicas das Cortes de Contas, em tudo dessemelhantes às dos órgãosdo Poder judiciário. Os assuntos da competência administrativa dos Tribunais deContas precisam ser regulados de conformidade com a conveniência e ascaracterísticas desses órgãos, fora, portanto, dos moldes concebidos para o bomandamento da atividade judiciária.

25. As férias coletivas, por exemplo, na prática já tradicionais nos colegiados dajustiça, encontram explicação e justificativa no modo peculiar de atuarem esses órgãose constituem franca exceção ao sistema de férias individuais prevalecente no resto daAdministração. Em sua missão de exercer, continuada c concomitantemente, o controlefinanceiro-orçamentário de órgãos e entidades que funcionam sem interrupção, nãoconvém às Cortes de Contas adotar, sob pena de perda de eficiência, o regime deférias coletivas adequado ao judiciário.

4) Remuneração dos Conselheiros

26. Das novas disposições que regem a remuneração dos magistrados, duasdemandam consideração particularizada, com o fito de apurar se repercutem, ou não,sobre os vencimentos dos membros deste Tribunal.

27. Preceitua o § 1° do art. 65 que a verba de representação, salvo quandoconcedida em razão do exercício de cargo ou função temporária, se integrará aosvencimentos, para todos os efeitos legais. Daí advém que a base de cálculo dosadicionais fica sendo a soma das parcelas correspondentes ao vencimento e àgratificação de representação. Toma-se pois, para os adicionais, a modalidade decálculo que, por força de entendimento administrativo firmado pelo Supremo TribunalFederal, prevalecia já para os descontos do imposto de renda na fonte e dacontribuição ao IPASE.

28. Reza, a seu turno, o art. 63:

"Os vencimentos dos Desembargadores dos Tribunais de justiça dosEstados e do Tribunal de justiça do Distrito Federal e dos Territórios não serãoinferiores, no primeiro caso, aos dos Secretários de Estado, e, no segundo, aos

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dos Secretários de Governo do Distrito Federal, não podendo ultrapassar, porém,os fixados para os Ministros do Supremo Tribunal Federal."

29. A remuneração dos Desembargadores ficou, assim, sujeita a dois limites: umpiso, referido aos vencimentos dos Secretários da correspondente unidade política, eum teto, equivalente aos vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

30. Este artigo, calcado no § 4° do art. 144 da Constituição, na versão da E. C. n°7/77, afasta qualquer dúvida quanto à incidência de tal regra também na esfera doDistrito Federal.

31. Em verdade, após a edição da Emenda Constitucional nº 7, entenderam certosintérpretes, a meu ver desarrazoadamente, que, por não haver menção expressa aosDesembargadores do Tribunal de justiça do Distrito Federal e Territórios, a disposiçãoalcançaria apenas aos Tribunais de justiça dos Estados.

32. Quero crer que a exegese sistemática do texto constitucional já apontavaconclusão diversa. Toda a discussão cessa agora com a interpretação autêntica dolegislador.

33. Ressalte-se, por outro lado, que, no caso, há de levar-se em conta o conceitoconstitucional de vencimentos, vale dizer, o somatório de vencimento-padrão evantagens fixas, excluídas as parcelas alusivas a vantagens pessoais ou transitórias.

34. Tendo °m vista que o art. 61 da Lei Complementar em apreço manda que osvencimentos dos magistrados sejam fixados em lei, em valor certo, cabe perguntar: oscritérios firmados nos referidos art. 144, § 4º, da Constituição e art. 65, § 1°, da Lei daMagistratura incidem automaticamente, ou se dirigirão apenas ao legislador, devendoser acatados quando da feitura das específicas leis de vencimentos? A indagação é dedifícil resposta.

35. Conquanto um dos mais claros desígnios da Lei da Magistratura pareça ser ode reduzir a margem de incerteza e discrição em matéria de fixação dos padrões deremuneração dos magistrados, é também ponderável o argumento de que, na hipótese,existe um valor certo fixado em lei para os vencimentos dos Secretários, aquém do qualnão se podem situar, nos termos da Constituição e da lei, os vencimentos dosDesembargadores.

36. A serem os critérios em pauta dirigidos, tão-somente, ao legislador, clara sefará a inconstitucionalidade de lei ordinária que estabeleça, para os Desembargadores,vencimentos inferiores aos dos Secretários dos correspondentes Governos locais.

37. Em decorrência da obrigatoriedade do modelo federal de Corte de Contas e daequiparação dos membros dos Tribunais de Contas locais aos Desembargadores emtema de vencimentos, julgo que as normas do art. 63, sobre o piso e o teto daremuneração, se aplicarão também aos Conselheiros dos Tribunais de Contas dosEstados e Distrito Federal.

38. No que respeita a esta Corte, tal equiparação se acha, aliás, explicitada no art.5°, V, da Lei nº 5.538/68, e, note-se, por guardar analogia com a equiparaçãoconstitucional entre o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Federal de Recursos,não se lhe pode imputar a pecha de contrariedade à regra geral do art. 98, parágrafo

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único, da Lei Maior, onde se proíbe a vinculação ou equiparação para efeito deremuneração do pessoal do Serviço Público.

39. Dado que os Secretários do Governo do Distrito Federal têm remuneraçãosuperior à dos Conselheiros desta Corte, como deverá proceder, quanto a este assunto,o Egrégio Plenário?

40. Abrem-se três soluções alternati vas: a) reajustar, por resolução, osvencimentos de seus membros, com fundamento no art. 63 da Lei da Magistratura; b)diligenciar, junto à Presidência da República, no sentido de ser fixada em lei, para osConselheiros, remuneração compatível com o piso estabelecido no aludido art. 63; ouc) seguir a orientação que, a respeito, vier a adotar o Tribunal de justiça do DistritoFederal e Territórios.

41. A matéria, como bem se vê, envolve, além de aspectos jurídicos, facetasnitidamente, políticas, e deverá ser decidida também segundo considerações deconveniência e oportunidade.

42. Sob o prisma jurídico, merece ainda relevo o argumento de que, aplicando-se,de imediato - como induvidosamente se aplica - a regra respeitante ao teto dosvencimentos, é de aplicar, por coerência, a norma sobre o piso, registrada no mesmoartigo de lei.

43. O desate da questão oferece, assim, extrema dificuldade, em face de sólidosargumentos, quer em favor da necessidade de lei específica para o arbitramento dospadrões de vencimento, quer em apoio à tese oposta, que afirma auto-aplicável opreceito expresso no art. 63 da Lei da Magistratura e no § 4° do art. 144 da CartaPolítica.

44. Notadamente em obséquio ao clássico princípio constitucional que reserva aoPoder Legislativo a fixação dos vencimentos e, bem assim, das despesasorçamentárias, prefiro ficar com a exegese mais rigorosa, qual seja a da necessidadede ato legislativo que arbitre, em valor certo, o nível de vencimentos dos Conselheiros.

45. Nem por isso deixo de entender juridicamente razoável a interpretaçãocontrária, principalmente por me parecer inconstitucional a lei que estabeleçavencimentos inferiores ao piso peremptoriamente firmado na Lei da Magistratura e naprópria Constituição.

46. Caso o Tribunal se incline para a tese da aplicação automática do art. 63,deverá, segundo penso, fazer retroagir as vantagens financeiras decorrentes à data dapublicação da Emenda Constitucional n° 7, de 13 de abril de 1977.

5) Considerações complementares

47. Bem que em linha de princípio extensível aos membros dos Tribunais deContas, a diretiva do art. 30, referente à garantia da inamovibilidade, tem prejudicadasua aplicação a esse círculo, por não haver que falar em remoção ou promoção dosConselheiros.

48. De outro lado, precisarão evidentemente ser alvo de adaptação, asdisposições dos arts. 33, II e parágrafo; 7 4, 76, I e VI, e, bem assim, quandosubsidiariamente aplicáveis, todas as demais regras da Lei da Magistratura que se

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refiram ao órgão especial, previsto no art. 144, V, da Constituição, para o exercício -nos Tribunais de justiça, compostos de mais de vinte e cinco Desembargadores - dasatribuições administrativas e jurisdicionais da competência do Tribunal Pleno.

6) A matéria vetada

49. Este trabalho está sendo redigido quando ainda pendem de apreciação doCongresso os vetos opostos pelo Presidente da República a alguns artigos da LeiComplementar n° 35/79. Dentre tais vetos, poderão, eventualmente, repercutir naesfera dos Tribunais de Contas os alusivos aos arts. 26, caput, 33, II, e 144 e seuparágrafo.

50. Quanto ao primeiro, estou persuadido de que a perda do cargo vitalício deMinistro ou Conselheiro de Tribunal de Contas só poderá ocorrer - seja o veto aceito ourejeitado - como conseqüência de sentença judiciária, não tendo cabimento cogitar-seda perda de um desses cargos mediante simples procedimento administrativo, o queequivaleria à negação da garantia da vitaliciedade.

51. Abro aqui um parêntese para esclarecer que reputo inaplicáveis ao âmbito dosTribunais de Contas as regras dos arts. 26, II, 27 e §§, e mesmo a do art. 28, em faceda cristalina impossibilidade de subordinarem-se os membros dessas Cortes aoConselho da Magistratura, órgão disciplinar típico do Poder judiciário e ainda dainexistência de órgão com idênticas funções na dimensão do controle externo dasfinanças e dos orçamentos públicos.

52. O veto ao art. 33, II, in fine, será certamente mantido, por sua procedência, e,ainda que não o seja, oferece escasso interesse, por versar aspecto lateral daprerrogativa consagrada no inciso em causa.

53. No atinente ao art. 144 e parágrafo, trata-se de disposição transitória quecuida de hipótese muito peculiar, sem qualquer significação prática para nosso Tribunal.

54. Aí está ligeiro apanhado das principais inovações advindas, na dimensão dosTribunais de Contas, por força da próxima entrada em vigor da Lei Orgânica daMagistratura Nacional.

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TEMPO DE SERVIÇOLBA E FUNDAÇOES DO DF.

EMENTA: Tempo de serviço prestado à LBA e àsFundações do Distrito Federal antes da municipalização dos seusempregados. 1) Juridicamente razoável o entendimento de que,sob o regime da Lei nº 830/49, as fundações criadas por lei emantidas com recursos públicos pertenciam ao gênero dasautarquias. 2) Aceitável, por conseguinte, a contagem do tempo deserviço a elas prestado, antes da vigência da Lei nº 3.841/60,;como de efetivo exercício, em face do disposto no art. 79 doEstatuto e no art. 7.°, 1, do Decreto nº 31.922/52. 3) Até o adventodo Decreto-lei nº 593, de 27-5-69, a LBA era simples associaçãocivil de assistência social, não podendo, destarte ser consideradaentre as entidades autárquicas. 4) Os empregados das fundaçõesdo Distrito Federal municipalizados pelo art. 43 da Lei n.º 4.242/63só têm direito ao cômputo do tempo anterior para fins deaposentadoria e disponibilidade, quer em função dos termos dessadisposição especial, quer em decorrência da regra geral do art. 80,V, do Estatuto. 5) Diligência para rever os cálculos do provento.

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

PARECER

Trata-se da aposentadoria de Wanda Carneiro Torres, Agente Administrativo,classe B, do quadro de pessoal do Distrito Federal, concedida, mediante o ato de fls.15, com base no art. 176, II, e 178, I, do Estatuto, à vista do requerimento de fls. 3.

2. Levanta a Divisão de Controle de Concessões a questão da contagem dotempo comprovado pela aposentada, havendo o zeloso Chefe dessa Divisão produzidotrabalho de fôlego e profundidade em seu apreciável despacho de fls. 31/42.

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3. Segundo se verifica pelo exame da guia de transferência de crédito, de fls. 19,vinha a servidora percebendo, em atividade, adicionais correspondentes a cincoqüinqüênios, donde inferir-se que o tempo prestado à Legião Brasileira de Assistênciano período de 17.3.1947 a 14.6.1951 e 1º.5.1951 a 30.1.1961 foi contemplado paratodos os efeitos, inclusive para o pagamento desses adicionais, já que contava elaapenas 30 anos, dois meses e 16 dias de serviço.

4. Não encontro base jurídica para computar-se como de efetivo exercício operíodo em que a inativa trabalhou na LBA.

5. De fato, tem sido reconhecida, mais de uma vez, pelo Tribunal de Contas daUnião a legalidade da contagem, para todos os efeitos, do tempo prestado, até 15 dedezembro de 1960, a fundações criadas pelo Poder Público. Baseiam-se tais decisões,principalmente, no art. 139 da Lei n° 830, de 25.9.1949, que mandava considerarentidades autárquicas todas as "pessoas jurídicas especialmente instituídas, por lei,para execução de serviços de interesse público ou social, custeadas por tributos dequalquer natureza ou por outros recursos oriundos do Tesouro Nacional".

6. É bem de ver que o dispositivo colimava especificamente a fiscalização dosdinheiros públicos e que, a rigor, lançava conceito válido apenas para fins de controle;mas, de qualquer sorte, oferecia base ao entendimento perfilhado pela Corte de Contasfederal de que, nessa época, as fundações, criadas por lei e sustentadas pelo dinheiropúblico se alinhavam no rol das autarquias.

7. Diverso, contudo, se afigura o caso da Legião Brasileira de Assistência, queembora beneficiada por contribuição especial estabelecida pelo Decreto-lei n° 4.830, de15 de outubro de 1942, e "instituída na conformidade de Estatutos aprovados peloMinistério da justiça e Negócios Interiores", além de reconhecida como órgão decooperação com o Estado no tocante aos serviços de assistência social, como dispostono art. 1° do citado diploma, ostentou, até a edição do Decreto-lei n° 593, de 27 de maiode 1969, a condição jurídica de simples associação civil, conforme expressamentemenciona o art. 2º desse ato legislativo.

8. Daí por diante, a antiga LBA teve seu acervo incorporado à nova fundação quese instituía (art. 2°) , e seu pessoal, mantido o regime da Consolidação das Leis doTrabalho, passou a integrar os quadros funcionais da entidade pública criada.

9. Não tenho dúvida de que o tempo de serviço à LBA antes de sua publicizaçãohá de ser contado, para aposentadoria e disponibilidade, na forma do art. 80, V, doEstatuto. Discordo, porém, do cômputo desse tempo para adicionais, por isso que, nomomento da transformação dessa instituição de caráter privado em fundação criada porlei, os servidores das fundações só faziam jus à contagem do tempo a elas prestadopara aposentadoria, em consonância com o preceituado no art. 1° da Lei n° 3.841, de15.12.1960.

10. Também a consulta ao decreto-lei que autorizou a criação da LBA em nadafavorece à aposentada. O dispositivo concernente ao aproveitamento dos antigosempregados da associação civil a que sucedia a fundação pública em causa nãogarantiu ao pessoal aproveitado nenhum direito especial, corno acontecera, por

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exemplo, na esfera do Distrito, com relação aos servidores da NOVACAP, cujo tempoanterior foi mandado contar para todos os efeitos legais pelo art. 40 da Lei n° 4.242/63.

11. Outro ponto de relevo é o atinente ao tempo prestado à Fundação Hospitalardo Distrito Federal entre 4-2-61 e 31-5-63, até o advento da Lei n° 4.242/63, cujo art. 43atribuiu aos empregados das Fundações instituídas pela então Prefeitura do DistritoFederal a condição de servidores municipais. A municipalização - já sustentei emparecer aprovado pelo Tribunal - alcançou, tão-somente, os empregados das fundaçõeslocais à data da lei. Não incidiu retroativamente para transmudar em tempo de efetivoexercício o anteriormente prestado pelos beneficiários, nem tampouco dispôs para ofuturo, com o escopo de vedar novas admissões sob o regime da lei trabalhista.

12. A contraprova dessa interpretação é fornecida pelo art. 40 da mesma lei, que,ao assegurar direito semelhante aos empregados da NOVACAP, estatuiexpressamente que o tempo prestado à entidade seria computado para todos os efeitoslegais.

13. A luz do exposto, lamento ser obrigado a impugnar a contagem para o cálculode adicionais, quer do tempo de trabalho na LBA, entre 1947 e 1960, quer do períodode serviço à FHDF, anterior à Lei nº 4.242/63.

14. Acolhendo a Corte este parecer, requeiro diligência para novo cálculo dosadicionais e dos proventos, excluídos do tempo de efetivo exercício os períodos de17-3-47 a 30-1-61 e 4-2-61 a 31-5-63, computáveis apenas para aposentadoria.

______________________Processo n.º 1.996/77.

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TEMPO DE SERVIÇOCONTAGEM RECÌ PROCA

EMENTA: Averbação do tempo de serviço com fundamentona Lei n.º 6.226/75.

1. Concedida, pelo Tribunal de justiça do Distrito Federal,segurança para a averbação de tempo, da mesma natureza,prestado por Auditor deste Tribunal. 2. A Lei n.º 6.226/75 não seaplica, por força própria, aos servidores do Distrito Federal; mas,apenas, aos da União. 3. A expressa recepção, no direito local, doregime jurídico dos servidores federais - decorrendo do dispostonos art. 30 da Lei n.º 3.751/60 e art. 63 do Decreto-lei n.º 274/67 -assegura, todavia, de forma induvidosa a incidência da Lei n.º6.226/75 com relação aos servidores do Distrito Federal e desteTribunal de Contas. 4. Pelo deferimento da averbação requerida.

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

PARECER

Trata-se de pedido de averbação de tempo de serviço prestado a entidadesprivadas, formulado por S. Exa o Conselheiro Geraldo de Oliveira Ferraz, comfundamento na Lei n° 6.226, de 14 de julho de 1975, que, segundo sua ementa, "dispõesobre a contagem recíproca de tempo de serviço público federal e de atividade privadapara efeito de aposentadoria".

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2. Há pouco mais de sete meses, em sessão de 14 de dezembro de 1978,denegou o Egrégio Plenário, por maioria de votos, pretensão do mesmo teor de S. Exªo Auditor Rubens Furtado.

3. Inconformado com a decisão, impetrou S. Exª mandado de segurança ,unto aoColendo Tribunal de justiça do Distrito Federal, havendo sido a segurança concedidapor unanimidade e esta Corte compelida a determinar a averbação desejada.

4. Se mais não fosse, por simples bom-senso e economia de procedimentosadministrativos e judiciais, já me inclinaria, portanto, pelo atendimento do solicitado.

5. Dá-se, contudo, que - a despeito de inicialmente ter-me impressionado comargumentos contrários à incidência da Lei n° 6.226/75 na órbita jurídica do DistritoFederal - estou, agora, convicto da tese oposta, sustentada com a habitual lucidez pormeu colega Dr. José Guilherme Villela no Processo n° 813/74.

6. É premissa acima de controvérsia que se aplicam aos servidores do DistritoFederal e aos deste Tribunal de Contas o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis daUnião e as leis que o complementam (Lei n° 3.751, de 13-4-60, art. 30 e Decreto-lei n°274, de 28-2-67, arts. 51 e 63). Até que venham a possuir regime jurídico próprio,pautam-se, portanto, as relações funcionais dos servidores do Governo do DistritoFederal e, bem assim, dos desta Corte de Contas pela legislação vigorante na esferafederal.

7. Não raras são as modificações e alterações introduzidas, por força de lei, nasregras fundamentais do Estatuto. De forma automática e imediata, passam todas aincidir no âmbito administrativo local. Ainda quando as alterações se processam por viaindireta, repercutem, sem apelação, no regime dos servidores locais, tal como sucedeucom a nomeação de interinos e a readaptação, que deixaram de operar-se no Distrito,tão logo entrou em vigor a Lei de Reforma Administrativa, cujos arts. 102 e 107consagravam tais providências no nível da União.

8. Para ser breve, é suficiente lembrar que a Lei nº 3.841, de 15 de dezembro de1960 - onde se estabelecia o embrião da atual contagem recíproca, então limitada aoterreno da Administração Central e das entidades de administração indireta - vigoroupor longos anos sem qualquer controvérsia aqui no Distrito Federal, a despeito de nãoconter igualmente nenhuma alusão aos funcionários locais, mas, ao invés, exclusivamenção aos servidores federais. Sua revogação, por sinal, resultou, explicitamente, doart. 1° da própria Lei n° 6.226/75.

9. É que na raiz da discussão surgida a propósito da aplicabilidade local da Lei n°6.226/75 encontra-se uma falsa razão jurídica, qual seja, a do veto oposto ao art. 3ºdesse diploma, onde se assegurava a extensão da contagem recíproca aos quadrosfuncionais dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

10. Ora, raciocinava-se, sobrevindo o veto e considerados os seus motivos, ficavaevidente a não-aplicação do diploma, senão à área federal.

11. É consabido que, na técnica hermenêutica, de nada vale a chamada vontadedo legislador, aí compreendidos não apenas a intenção e os motivos da maiorialegislativa, mas, por igual, os de eventuais vetos do Poder Executivo. O que importa é a

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vontade da lei, objetivamente considerada nos termos em que se acha expressa nanorma de direito positivo.

12. As razões do veto, como aos trabalhos legislativos, recorre-se apenas, emcaráter subsidiário, quando ininteligível ou obscura a redação da lei.

13. Postos de lado o veto e suas razões, resta a norma, no caso, clara einduvidosa. Tal como o próprio Estatuto e as leis que o modificam ou complementam,não se aplica à Lei n° 6.226/75, por força própria, aos funcionários do Distrito, mas,tão-somente, aos da União.

14. A extensão da contagem recíproca aos servidores do Distrito Federal é, porconseguinte, decorrência jurídica de outros preceitos preexistentes: o art. 30 da Lei n°3.751/60 e o art. 63 do Decreto-lei n° 274/67, já invocados.

15. O equívoco está na tentativa de buscar na própria Lei n9 6.226/75 a causalegal de sua aplicação no Distrito, de modo que a discussão acaba freqüentementegirando em torno da auto-aplicabilidade, ou não, da Lei n° 6.226/75 ao Distrito, quando,em verdade, o que realmente interessa é a questão pura e simples da incidência localdessa lei, que deve ser reconhecida ex vi da regra geral da expressa recepção, nodireito positivo do Distrito, do regime jurídico dos servidores federais.

16. Tal como a lei aplica-se seu regulamento, consubstanciado no Decreto n°76.326, de 23 de dezembro de 1975, dado que não exercida, no plano local, acompetência regulamentar específica do Executivo.

17. Exigem o art. 6° e o § 2º desse decreto que a comprovação do tempo deserviço anterior prestado em atividade privada se faça com certidão fornecida pelo setorcompetente do INPS, segundo modelo constante do Anexo II do mesmo ato - exigênciaque, no caso sob exame, se afigura convenientemente atendida (ver. doc. fls. 2).

18. A vista do exposto, opino pelo deferimento da averbação requerida.

_________________________Processo n.° 1.918/79.

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APOSENTADORIA DE SERVIDORACRITÉRIO FIXADO PELA CONSTITUIÇÃO

EMENTA: Aposentadoria de Professora do EnsinoElementar do Distrito Federal. 1. Regularmente comprovada ainvalidez simples da servidora. 2. A indicação de exceções aosistema constitucional de aposentadoria estabelecido nos arts. 101e 102 da Constituição, no que respeita ao tempo e à natureza doserviço, depende de lei complementar, de iniciativa do Presidenteda República (Constituição, art. 103 ). 3. Na ausência dessa lei, asnormas dos arts. 101 e 102, citados, regem, inapelavelmente, ainativação de servidores e o cálculo dos proventos. 4.Inconstitucionalidade parcial do art. 2º, do Estatuto do MagistérioOficial do Distrito Federal (Lei n.º 6.366/76 ), na medida em queviola as regras da proporcionalidade do provento contidas no art.102, II, em combinação com o art. 101 da Carta Política. 5.juridicamente inatacável o critério especial de arredondamento dotempo de serviço firmado na mesma disposição legal. 6.Aproveitamento dos aspectos válidos da prescrição inquinada dainconstitucionalidade, por força de consagrado princípio deexegese constitucional. 7. Diligência preliminar.

LYCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

PARECER

Versa o processo sobre a aposentadoria de Professora de Ensino Elementar, nível13-B, do Quadro Provisório de Pessoal do Distrito, declarada mediante o decreto de fls.9, com apoio nos arts. 176, III, e 181 do Estatuto.

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2. O laudo médico oficial de fls. 1 faz prova regular da definitiva incapacidade dainativa para o exercício da função pública, em razão de moléstia não especificada emlei como causa da aposentadoria especial.

3. À servidora cabe o direito a proventos proporcionais ao tempo de serviçocertificado a fls. 2 e 11.

4. Conferindo-se o demonstrativo do estipêndio inicial, verifica-se haver sidodeferida à aposentada uma parcela de Cr$ 10.378,00 (dez mil, trezentos e setenta eoito cruzeiros), a título de "Bloqueio, 2/30 por ano prestado ao magistério".

5. Trata-se, com mais rigor, de complementação salarial assegurada, no art. 28 doEstatuto do Magistério Oficial do Distrito Federal, aos ocupantes de cargos de Professordo Ensino Médio e de Professor do Ensino Elementar, lotados na FundaçãoEducacional e no exercício de atividades inerentes ao Sistema Oficial de Ensino doDistrito. Tal complementação equivale -à diferença entre o vencimento desses cargos eo salário-base fixado pela Fundação para os professores contratados, de igualhabilitação.

6. Determina o art. 2º da mesma lei que, para efeito de cálculo dos proventos daaposentadoria, seja tal complementação considerada à base de 2/30 (dois trinta avos)por ano ou fração de ano de exercício em atividades inerentes ao Sistema Oficial deEnsino do Distrito.

7. É meu dever suscitar, perante a Corte, a inconstitucionalidade de vantagem emtela, nos termos em que está posta no art. 2º, da Lei n° 6.366, de 16 de outubro de1976, ainda que muito lamente ter de impugnar essa vantagem financeira especialoutorgada a classe profissional de tantos méritos e tradicionalmente mal remunerada.

S. Não há, porém, fugir aos termos peremptórios em que está vazado o art. 103da Constituição, onde se condiciona a indicação de exceções ao sistema constitucionalde aposentadoria à prévia edição de lei complementar, de iniciativa do Presidente daRepública, indicativa de ressalvas concernentes ao tempo e à natureza do serviço.

9. À falta dessa lei, são rigorosamente inescapáveis as regras assentadas nosarts. 101 e 102 da Carta Política, onde se estabeleceram os pressupostos fundamentaisda aposentadoria e do cálculo dos proventos.

10. Para as mulheres, como sabido, é de trinta anos o tempo de serviçonecessário, quer à inativação voluntária, quer á percepção do estipêndio integral (arts.101, parágrafo único, e 102, II) . Daí se extrai o critério geral da proporcionalidade: 1/30(um trinta avos) por ano de serviço. No caso dos homens, sendo a exigênciaconstitucional de trinta e cinco anos, a proporção corresponde a 1/35 (um trinta e cincoavos) por ano de serviço, contado em ambas as hipóteses na forma da lei.

11. Não se compadece, pois, o art. 2º da Lei n° 6.366/76 com os arts. 101,parágrafo único, e 102, II, da Constituição, na medida em que eleva de um trinta e cincoou um trinta avos, para 2/30 (dois trinta avos) a parcela da complementação a serincorporada aos proventos por ano de serviço em atividades do Sistema Oficial deEnsino do Distrito.

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12. Por via indireta, acrescem-se, assim, drasticamente, os proventosproporcionais dos ocupantes dos cargos em referência.

13. Outra pequena e lateral vantagem lhes é assegurada, quando se mandacomputar, para os efeitos em causa, qualquer fração de ano, mesmo quando inferioraos cento e oitenta e três dias de efetivo exercício exigidos no art. 78, § 2º, da Lei n°1.711/52. É critério especial de arredondamento, juridicamente inatacável, que, embenefício de tais servidores, abre exceção à regra geral estatutária.

14. Não julgo, todavia, jurídico nem razoável negar por inteiro aplicação ao art. 29da Lei n° 6.366/76, citada. Recomenda-se aqui o acatamento às chamadas "regras debom aviso", que o excelente Lúcio Bittencourt explicita no seu "Controle Jurisdicional daConstitucionalidade das Leis". São preceitos ou princípios, consagrados pela práticaconstitucional americana e acolhidos plenamente entre nós, que devem ser seguidospor juízes e tribunais no exercício do controle de constitucionalidade dos atosnormativos.

15. Dentre tais princípios, tem peculiar pertinência ao problema de exegese oraem cogitação o da inconstitucionalidade parcial, que visa ao aproveitamento da partesadia dos dispositivos legais, quando apenas alguns aspectos da lei são inválidos porincompatibilidade com a Constituição. Recomenda-se, então, a rejeição das partes queincidam na inconstitucionalidade, atribuindo-se valor e efeito às demais.

16. Acatado tal preceito hermenêutico no caso sob exame, poderá o Tribunalexpungir o artigo 29 da Lei n° 6.366/76 da inconstitucionalidade que o macula,considerando, entretanto, o conteúdo primordial do dispositivo, que diz com aincorporação do complemento salarial nos limites dos critérios gerais daproporcionalidade fixados na Constituição. Assim, de acordo com o sexo doaposentado, efetuar-se-á a incorporação da vantagem à base de 1/30 ou 1/35 por ano,ou fração de ano, em serviço inerente ao Sistema Oficial de Ensino do Distrito Federal.

17. No caso deste processo, possui a funcionária dezesseis anos e fraçãodedicados ao SOEDF. Seus proventos, proporcionais, demonstrados a fl. 22, estãoincorretos no atinente à parcela da complementação, que, calculada pelo critériopreconizado, no parágrafo anterior, há de equivaler a apenas 17/30 (dezessete trintaavos) dos Cr$ 10.378,00 recebidos pela servidora na ativa.

18. Ante o exposto, proponho a baixa do processo em diligência para retificar-se:

a) o ato de aposentadoria, quanto a seu fundamento legal, pois dele não constareferência ao art. 29 da Lei n° 6.366, de 15-10-76;

b) a apuração final do tempo de serviço, para os efeitos em foco, o qual,consoante o critério especial de arredondamento, soma dezessete anos; e

c) o cálculo do provento no concernente à complementação salarial asseguradano art. 28 da mesma lei, a qual há de fixar na forma do art. 102, II, da ConstituiçãoFederal.

19. Esclareço, ainda, por oportuno, que os cálculos do vencimento e da absorçãovão pautar-se pela regra geral do art. 78, § 2°, da Lei número 1.711/52; que manda

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desprezar, no arredondamento, fração de ano inferior a cento e oitenta e três dias deefetivo exercício.

____________________Processo n.° 1.184/79.

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REAJUSTAMENTO. ÍNDICE

EMENTA: Reajustamento de proventos e pensões. 1)Incidência local do regime jurídico dos servidores federais. 2)Reajuste de proventos por força da Lei n.° 1.050/50. 3) Atualizaçãodas pensões previstas no art. 242 do Estatuto e nas Leis n°s3.738/60 e 5.057/66. 4) Critérios para aplicação do art. 184 doEstatuto. 5) Tratamento jurídico dispensável aos inativos epensionistas beneficiados pela legislação em referência. 6)Recomendação de acatamento das Instruções Normativas n°s 105,106 e 107 do DASP.

LINCOLN TEIXEIRA MENDES PINTO DA LUZ

PARECER

1 - O tema em foco

Teve início este processo, de forma pouco usual, com a petição, de fl. 1, em que oSr. João Mazzaro, aposentado como Oficial de Administração, nível 12-A, do QuadroProvisório de Pessoal do Distrito, suscita perante a Corte a questão de seu direito aosbenefícios da Lei n° 1.050, de 3 de janeiro de 1950.

2. Com respaldo no art. 1° dessa lei, pleiteara o servidor junto à Secretaria deAdministração, o reajuste de seus proventos ao nível dos novos vencimentos daatividade deferidos pela Lei nº 5.920/73 aos ocupantes do cargo de AgenteAdministrativo, sendo-lhe a pretensão denegada por falta de amparo legal, sob osargumentos de que essa lei não alcançava o pessoal inativo e de que a de n° 1.050/50não se aplicava à esfera do Distrito.

2 - Preliminar de conhecimento

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3. Forçoso é, antes de tudo, examinar a preliminar de conhecimento do pedidoassim formulado, que, em verdade, não tem a apoiá-lo explícita disposição normativa.

4. Alinha-se entre as mais tradicionais atribuições dos Tribunais de Contas, noBrasil, o julgamento da legalidade dos atos de aposentadoria. Compreende taljulgamento tanto a verificação dos fundamentos jurídicos do ato, vale dizer, suaconformidade com as normas legais que regem a inativação, como a conferência doscálculos do provento a que fará jus o aposentado.

5. Lembre-se ainda que as concessões iniciais respeitam, não somente aos atosdeclaratórios ou constitutivos das aposentadorias, mas, por igual, àqueles que lhesmodifiquem ou inovem a base de cálculo. De mais a mais, a primacial característica dasistemática de controle institucionalizada com a Reforma de 1967 reside na posiçãoativa atribuída aos Tribunais de Contas, em contraste com a atitude de passividade queclassicamente marcava esses órgãos. No contexto vigente da fiscalização, não sejustifica um Tribunal de Contas estático e omisso, que só se manifeste à vista dospapéis que lhe sejam presentes; cumpre agora ao órgão técnico do controle externo aampla missão de garantir a exata aplicação das normas jurídicas que regem asdespesas públicas, movimentando-se para apurar, onde quer que ocorram, abusos eilegalidades na administração das finanças do Estado.

6. Contendo-se na expressa competência deste Tribunal o julgamento dalegalidade dos atos que inovam a base de cálculo das aposentadorias, reformas epensões, corre-lhe, por implicação, o poder-dever de assegurar a atuação dos preceitoslegais que disciplinam esses atos.

7. Daí por que se afigura irretorquível a competência da Corte para conhecer daquestão ora em exame, a despeito da inexistência de normas de procedimento queprevejam a direta provocação do tema junto ao Tribunal.

3 - Preliminar de incidência local da Lei. n° 1.050/50

8. Uma segunda premissa demanda consideração, por breve que seja: é aatinente à aplicabilidade da Lei n° 1.050/50 aos servidores do Distrito Federal.

9. O recente debate a propósito da Lei n° 6.226/75 e a adesão unânime doEgrégio Plenário à tese da Procuradoria, favorável à incidência local desse diploma,enquanto parcela do regime jurídico dos servidores federais, dispensam-me de análisemais aprofundada do assunto.

10. É quase idêntico o caso em pauta, com a só diferença de que se cuida agorade lei anterior à vigência do Estatuto. Sem embargo, tem sido sempre, de formapacífica, aplicada no nível federal e, muito recentemente, foi objeto de seguidasdecisões do Tribunal de Contas da União e até de instrução normativa do DASP (ver fl.69).

11. Em síntese, assinale-se, portanto, que essa lei vale também com relação aosservidores do Distrito Federal por decorrência do disposto nos arts. 30 da Lei nº3.751/60 e art. 63 do Decreto-lei n° 274/67, que mandam se lhes aplique a legislaçãodos servidores civis da União até que venham a dispor de Estatuto próprio.

4 - O teor da Lei nº 1.050/50

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12. Prescreve o art. 1° da Lei nº 1.050/50 que os proventos da inatividade dosservidores públicos atingidos por moléstia grave, contagiosa ou incurável, especificadaem Lei, assim como dos inválidos em conseqüência de acidente em serviço e dosportadores de moléstia profissional sejam reajustados aos vencimentos, da atividade,da respectiva categoria ou padrão.

13. Como já frisado, baixou o DASP, em 28 de junho último, a Instrução Normativan° 105, onde recomenda aos dirigentes de órgãos de pessoal da Administração Direta eautárquica que "procedam ao reajustamento dos proventos de aposentadoria dosinativos amparados pela Le: n° 1.050, de 3 de janeiro de 1950, tomando por base ovalor do vencimento correspondente à referência em que o inativo seria posicionado seestivesse em atividade".

14. Tal instrução, que, no rigor dos princípios, não obriga o Governo do Distrito,há, porém, de ser acatada, por seus sólidos fundamentos jurídicos.

5 - Outros direitos de inativos e pensionistas

15. De par com o exame minucioso do tema central focalizado nos autos,entendeu oportuno o dedicado Chefe da Divisão de Controle de Concessões pôr empauta, em seu exemplarmente cuidado despacho, as questões correlatas daatualização das pensões previstas no art. 242 do Estatuto e nas Leis nºs 3.738/60 e5.057/66 - objeto da Instrução Normativa n° 106/79 do DASP - e, bem assim, daexegese e aplicação dos art. 184 do Estatuto, a cujo respeito editou o DASP, em 26 dejulho último, a Instrução Normativa n° 107.

16. Todas essas matérias, em verdade, deram ocasião a alguma controvérsia,dirimida afinal pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União, com a ulterioradesão do DASP, formalizada nas aludidas instruções normativas.

6 - Questões laterais

17. Por outro lado, desce ainda o despacho da Divisão de Controle deConcessões a circunstanciada apreciação de aspectos preliminares e dificuldadesemergentes de peculiaridades observadas na implantação do Plano de Classificação deCargos na esfera local, tais como: a data em que devem vigorar os reajustes; asconseqüências da implantação gradual do PCC no Distrito; e a necessidade deatualizarem-se proventos de servidores que, ao se aposentarem, já haviam sidoincluídos no PCC.

18. Acredito impor-se para tais questões uma solução comum, qual seja a detratar esses inativos e funcionários que deixaram pensões como se na atividadeestivessem no instante da implantação do plano com relação à respectiva categoriafuncional.

7 - Conclusões

19. Em consideração ao exposto, proponho que o Tribunal, com base no inciso IVdo art. 27 e no § 5° do art. 35 da Lei n° 5.538, de 22 de novembro de 1968, recomendeà Secretaria de Administração:

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I - A revisão dos proventos do servidor João Mazzaro, na forma prescrita na Lei nº1.050, de 3-1-50, e em exata conformidade com os critérios indicados na InstruçãoNormativa n° 105/79 do DASP.

II - Passe a obedecer, no cálculo do reajustamento dos proventos de inativos e,ainda, na atualização das pensões devidas pelo Distrito Federal, às normas eprocedimentos firmados, pelo DASP, nas Instruções Normativas nº 105, de 28 de junhode 1979; 106, de 3 de julho de 1979; e 107, de 26 de julho de 1979.

20. Conveniente seria também fazer remeter àquela Secretaria, a título decolaboração, cópia do trabalho de fls. 123/131, tendo em vista a utilidade dasinformações e sugestões ali contidas.

______________________Processo nº 1.519/79.

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III - NOTICIÁRIO

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CANCELAMENTO DE PENSÃO. NOVO CASAMENTO

APELAÇÃO Nº 41.871 - MINAS GERAIS

Relator: O Sr. Ministro Aldir G. Passarinho

Revisor: O Sr. Ministro Lauro Leitão

Apelante: Francisca de Souza Ribeiro

Apelado: Instituto Nacional de Previdéncia Social

Advogados: Helah Roscol Vieira Marques e Abel RafaelPinto (Apte.) Henio Marcos Fernandino (Apdo.)

EMENTA: Previdência Social. Cancelamento da pensão,com novo casamento da beneficicária: quando não ocorre - A regrada legislagão previdenciária de que a pensão da viúva é canceladase convolar novas núpcias, deve se: entendida dentro do própriocontexto do sistema legal, em que se insere e dos principiosaltamente dignificantes da Carta Magna, ao proteger a família econsiderá-la constituida pelo casamento (art. 175 da Constituição).

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- Assim, se o novo casamento não dá à pensionista nenhumdesafogo econômico, continuando ela a depender da pensão paracontar com os meios considerados indispensáveis para satisfazersuas necessidades mínimas, incabível o cancelamento dobenefício que já vinha percebendo. Caso contrário, será obrigá-la,para não perder a pensão, a viver à margem do casamento. - Nãose trata de considerar inconstitucional a norma da legislaçaoprevidenciária que dispõe a respeito, mas sim dar-lhe seu exatodelineamento, dentro dos próprios critérios que a inspirara.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos era que sáo partes as acima indicadas:

DECIDE a 3ª Turma do Tribunal Federal de Recursos dar provimento à apelação,unanimemente, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes, que ficamfazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei.

Brasília, 12 de junho de 1978 (data do julgamento).

RELATORIO

O SR. MINISTRO ALDIR G. PASSARINHO (Relator) - Trata-se de ação ordináriaproposta por Francisca de Souza Ribeiro, beneficiária da justiça Gratuita, contra oINPS, objetivando o restabelecimento da pensão deixada pelo seu falecido marido,Adail Rodrigues Reis, extinta em decorrência de ter convolado novas núpcias. Aduz quesuas dificuldades ainda continuam mesmo depois de casada, e que tal pretensão lhefora negada administrativamente. Pede, ainda, custas, juros, correção monetária e averba honorária de 20% sobre o valor da causa.

Contestando às fls. 17, alega o INPS, que a autora, tendo contraído novasnúpcias, como confessa, não mais tem direito a pensão como resulta do art. 120, incisoIV do Decreto n° 72.771, de 6-9-1973, assim redigido:

"Art. 120. A parcela individual da pensão se extingue:

IV - Pelo casamento de dependente maior do sexo feminino."

Finalmente, requer a improcedência da ação, com a condenação da autora emhonorários advocatícios na base de 20% sobre o valor da causa.

Audiência de conciliação atermada às fls. 32, não havendo acordo entre as partes.

Decidindo às fls. 34 julgou o MM Juiz improcedente a ação, por ter sido correto oprocedimento do INPS na aplicação da lei. Deixou de condenar a parte sucumbente nascominações de estilo por ser a mesma beneficiária de gratuidade.

Irresignada, apela a autora fls. 38/42, renovando as razões expendidas na inicial,acrescentando, ainda, que seu marido tem rendimento da aposentadoria e o usufrutode um imóvel, tudo em quantia inferior a Cr; 1.000,00 (hum mil cruzeiros), pagando dealuguel, pelo imóvel que ocupam, a importância de Cr$ 312,00 mensais. Além disso,são idosos e doentes e, por esta razão, gastam muito em remédios, não lhes sendopossível viver com Cr$ 700,00 (setecentos cruzeiros) por mês, já deduzidos o aluguel

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da casa em que residem (fls. 28) . Diz mais, que o entendimento da 2ª Turma destaColenda Corte, superou o aspecto da controvérsia como se vê na ementa publicada noDiário da justiça à fls. 44: (lê).

Contra-razões à fl. 47, afirmando o INPS que a decisão primou pela exataaplicação do texto legal, e o que importa saber é se a apelante tem situação deindependência econômica de tal ordem que dispensasse aquele benefício, naconformidade do acórdão citado na apelação de fls. 47/48. Daí esperava a confirmaçãoda sentença.

Subindo os autos, manifestou-se a douta Subprocuradoria-Geral da Repúblicapela manutenção do julgado, pois, segundo o art. 120 inciso IV, do Regulamentoaprovado pelo Decreto n° 72.771/73, ao convolar novas núpcias a apelanteautomaticamente perdera a pensão que recebia do Instituto. É pelo conhecimento edesprovimento dos recursos.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO ALDIR G. PASSARINHO (Relator) - Sr. Presidente.

As leis de cunho social não podem deixar de ser interpretadas dentro do própriocontexto em que se encontram, não sendo lícito que se dissociem dos objetivos a querealmente devem visar. Ao Juiz cabe, a literalidade do texto de determinado dispositivo,quando desajustado do próprio sentido procurado pela le¡ em que se insere, dar-lheinterpretação que com ela se harmonize, sob pena de ah sobrevivem em contrariedadecom os princípios que a inspiraram.

Na hipótese, ao exame do presente caso, temos que ver a situação concreta.

A postulante, viúva de segurado do INPS, veio alguns anos depois do falecimentode seu esposo a convolar novas núpcias. Em face disso, retirou-Ihe o INPS a pensãoque ela vinha recebendo, com invocação do art. 120, inc. IV do Decreto n° 72.771/73,vigente á época, segundo o qual a parcela individual da pensão se extingue "pelocasamento de dependentes maiores, do sexo feminino".

Tal dispositivo, embora os termos em que se encontra redigido, parte dopressuposto óbvio de que o novo casamento torna a mulher dependenteeconomicamente do seu marido, não mais podendo permanecer com a pensão que lhevinha, assim, sendo assegurada. Entretanto, tal dispositivo não pode ser interpretadoisoladamente. É princípio reiteradamente repetido nas nossas Constituiq5es, o deproteção à família pelo Estado, assegurando o vigente Estatuto Fundamental, no seuart. 1715 que:

"A família é constituída pelo casamento, e terá direito à proteção dosPoderes Públicos."

Então, ao examinar-se o texto da le¡, deve procurar o intérprete considerá-lo nãosó dentro dos próprios princípios que a inspiraram como em ajustamento com a filosofiasocial econômica e política do Estado, cujo delineamento básico se encontra tragadoDa Constituição.

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Na espécie em exame, verificamos que o casamento da postulante não lhe trouxesituação econômica de molde a possibilitar o cancelamento da pensão que vinhapercebendo. O seu novo marido percebe pensão previdenciária de valor que não devecorresponder a um salário mínimo, pelo que se vê do documento de fl. 27.Honestamente, veio ele mesmo a declarar que além daquela pensão recebia o aluguelmensal de Cr$ 300,00 relativo a um imóvel do qual tinha o usufruto. Ao mesmo tempojuntou comprovante de pagamento do aluguel de Cr$ 312,50. A postulante requereu obenefício da Justiça gratuita e ele lhe foi concedido ante atestado da autoridade policialcompetente que declara o seu estado de pobreza.

Assim, a admitirmos o cancelamento da pensão previdenciária, em face docasamento da autora, estaremos, na verdade, lançando-a a estado de penúria,contrariando não só os objetivos da legislação social, como ainda malferindo o preceitofundamental de amparo á família, pois é certo que não se há de exigir que ela, para nãoperder pensão que lhe é vital, fique, á margem da instituição do casamento que,segundo o art. 175 da Lei Maior, se constitui no vínculo jurídico da constituição dafamília. Não é de se impor que fique na miséria aquela que pretende reconstituir suavida conjugal.

Certo que ao Juiz cabe verificar, individualizadamente, cada caso concreto, poissó de seu exame poderá obter-se o limite seguro para aplicação da norma em que seapega o INPS. Mas de logo deixo assentado que pelo menos se a soma da rendafamiliar para um casal não for superior a dois salários mínimos a inaplicabilidade doprincípio inserido no art. 120, inc. IV do Regulamento Geral da Previdência Social setorna evidente, eis que um salário mínimo, segundo sua conceituação legal é aquelecapaz de atender aos requisitos mínimos necessários à alimentação, habitação,higiene, vestuário e transporte de urna pessoa.

Acrescento que não se trata de questão de inconstitucionalidade da norma dalegislação previdenciária, mas sim de dar-lhe os limites de sua aplicado dentro docontexto das próprias leis sociais e cm harmonia com os princípios mais dignificantesdo nosso Estatuto Fundamental.

Anoto, por último, que a C. 2ª Turma deste Tribunal já decidiu no mesmo sentidodo voto que ora profiro, ao ensejo do julgamento da AC n° 35.047-MG (in D.J. de13-5-1974, pág. 3.102).

Pelo exposto, dou provimento ao recurso para julgar procedente a apelado, emconseqüência do que deve ser restabelecida a pensão previdenciária da apelante, comos acréscimos pleiteados.

É o meu voto.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO LAURO LEITAO (Revisor) - Segundo a Constituição, Sr.Presidente, a família está sob a proteção especial do Estado. A família legítima éconstituída pelo casamento, mas a proteção de que cuida a nossa Le¡ Maior temsentido amplo, compreende também a família natural.

A Apelante gozava desse beneficio previdenciário. Havendo convolado núpcias, oINPS cancelou a pensão. Todavia, seu marido é pessoa de poucos recursos.

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Por isso, acompanho o voto do eminente Ministro Relator.

Dou provimento à apelação - Lauro Leitão.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS MARIO VELLOSO - Sr. Presidente, o voto doeminente. Min. Relator faz salutar construção jurisprudencial. Interpretar a lei não éaferrar-se servilmente à sua letra, é, sim, fazer cumprir os objetivos da lei. Foi o que oeminente Min. Aldir Passarinho fez no seu voto. Matéria idêntica a esta o Pleno denteEgrégio Tribunal já decidiu no mesmo sentido.

Fui revisor, no Pleno, dos Embargos na Apelação Cível n° 35.047. Vote¡, naoportunidade, acentuando que não se trata de declaração de inconstitucionalidade,senão o de fazer valer norma programática inscrita na Constituição. Farei anexar cópiado mencionado voto.

Com estas considerações, estou de acordo com o Relator.

(Anexo ao Voto n° 41.871-MG)

Embargos na Apelação Cível n° 35.047

VOTO

O SR. MINISTRO CARLOS MARIO VELLOSO (Revisor) - Não acolho a preliminarargüida. A Egrégia Turma não declarou a inconstitucionalidade do art. 39, b, da LOPS,que expressa que a quota de pensão se extingue pelo casamento do pensionista dosexo feminino. Não. O que o v. acórdão fez foi simplesmente interpretar o dispositivo dalei ordinária em consonância com a disposição constitucional inscrita no artigo 175 daLei Maior, norma programática, que impõe roteiro a ser seguido pelo intérprete.

No mérito, rejeito os embargos. A norma do art. 175 da Le¡ Maior, normaprogramática, impõe regia de interpretação.

No caso, observada a norma constitucional, o que o v. acórdão fez foi emprestarinterpretação teleológica á norma ordinária, no sentido de que esta só terá aplicaçãoquando, do casamento, advier "uma situação de independência econômica", ousituação de subsistência que dispense o beneficio. No caso, acentuou o R. voto doExm° Sr. Ministro Décio Miranda, "o casamento não alterou a situado econômica, emque a autora necessitava da pensão".

O V. acórdão fez construção jurisprudencial, pois, salutar. Captou, segundo penso,com exatidão, a ratio legis.

Rejeito os embargos.

EXTRATO DA ATA

AC. n° 41.871 - MG - Rel.: Sr. Min. Aldir G. Passarinho. Rev.: Sr. Min. LauroLeitão. Apte.: Francisca de Souza Ribeiro. Apdo.: INPS. Advs.: Drs. Helah RóscoeVieira Marques, Enio Marcos Fernandino e Abel Rafael Pinto.

Decisão: Por unanimidade, deu-se provimento à apelação, nos termos do voto doSr. Ministro Relator. (em 12-6-78 - 3ª Turma).

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Os Srs. Mins. Lauro Leitão e Carlos Mário Velloso votaram com o Relator. Presidiuo julgamento o Exmº Sr. Ministro Armando Rolemberg.

TEMPO DE SERVIÇO. JUSTIFICAÇÃO EMPROCEDIMENTO ORDINÁRIO

APELAÇÃO CÍVEL N° 50.380 - MINAS GERAIS

Relator: O Sr. Ministro Jarbas Nobre

Revisor: O Sr. Ministro José Dantas

Apelante: INPS

Apelado: Gumercindo Rezende

Advogado: Nélio Barra Reis

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EMENTA: Previdência Social. Tempo de serviço. -justificação administrativa. - A ausência de prova documental comoinício de prova, cede lugar à oralmente produzida em procedimentoordinário, de contraditório amplo, como no caso. - Sentença que seconfirma. - Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes acima indicadas:

Decide a Quarta Turma do Tribunal Federal de Recursos, por unanimidade devotos, negar provimento ao recurso, na forma do relatório e notas taquigráficasprecedentes, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Custas, como de lei.

Brasília, 13 de dezembro de 1978 (data do julgamento) - Jarbas Nobre, Presidentee Relator.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO JARBAS NOBRE - Quer o autor através desta ação ordináriamovida ao INPS, que se compute o tempo de serviço que teria prestado entre, 11 dedezembro de 1940 e 8 de março de 1944, à extinta firma "Papel Gráfica Ltda.", paraefeito de cálculo de abono de permanência.

A Sentença de fls. 47/50 lhe é favorável.

Apela o Instituto.

A Subprocuradoria-Geral da República opina pela reforma da Sentença.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO JARBAS NOBRE - A recusa do INPS em computar o tempo deserviço que o autor teria prestado à firma que indica, se restringe na alegação de quena justificação administrativa levada a efeito, não está ela acompanhada de pelo menosinício de prova documental.

A tal propósito, a Sentença dá resposta e decisão adequadas.

Assim é que, repele a pretensão do Instituto ao asseverar que a restrição só éválida se a prova oral é colhida sem contraditório amplo.

No caso dos autos, assinala o Dr. Juiz, a que foi colhida no curso da ação, seharmoniza com as alegações do autor, a saber:

"a ex-empregadora é firma constituída em 1940, encontrando-se extinta; osfatos em apreço passaram-se em data já remota, em uma pequena empresa,sem organização adequada, o suplicante, ao tempo, era um menor,possivelmente sem registro, havendo notícia de incêndio nos arquivos daempregadora, em 1949 (fls. 44); as declarações feitas em audiência pelastestemunhas soaram-me seguras e fiéis".

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As bem ponderadas observações contidas na Sentença, levam-me a confirmá-lapor serem o produto do equilíbrio, boa apreciação dos fatos, e constatação da verdade.

Nego provimento ao recurso.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DANTAS (Revisor) - Senhor Presidente, verifica-se que,apesar de intitulada como ação declaratória, na verdade, desde a inicial postulou-se acondenação que a sentença afinal deferiu, assim com acerto formal.

No mérito, também reputo correta a sentença. Sobre inadmitir provaexclusivamente testemunha deveras, o art. 10, § 8°, da Lei n° 5.890/73, há de serentendido conforme as peculiaridades do caso concreto. Impossibilitado de melhorprova, como acentua a sentença, em última hipótese, é de dar-se à prova documentaloferecida pelo Autor a necessária qualificação de começo de prova escrita, como sãoos documentos da existência da firma empregadora, àquela época, e comprovação delitígio intentado na justiça do Trabalho.

Nego provimento à apelação.

EXTRATO DA ATA

AC. 50.380 - MG. Rel.: Sr. Min. Jarbas Nobre. Rev.: Sr. Min. José Dantas. Apte.:INPS. Apdo.: Gumercindo Rezende. Advs.: Drs. Assussete Dumont Reis e Nélio BarraReis.

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso. (em 13-12-78 -4ª Turma).

Os Srs. Ministros José Dantas e Carlos Madeira votaram de acordo com o Relator.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jarbas Nobre.

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PODER DISCIPLINAR. PRAZO DE DEFESAACÓRDÃO DO TFR

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA N°82.753 - PARANÁ

Relator: O Sr. Ministro Carlos Madeira Apelante: SamiraFarah

Apelado: Instituto Nacional de Previdência Social

Advogados: Dr. João Casillo (apte), Dra. Rita de CassiaFaria Marcondes de Albuquerque (apdo).

EMENTA: Servidores Públicos. Direitos decorrentes dorespectivo Regime jurídico. Com adotar os regimes estatutário e daConsolidação das Leis do Trabalho para os servidores públicos daAdministração Direta e Autárquica o Poder Público especializa arelação de emprego celetista, não só em virtude do poder deimpério que passa a regê-la como das peculiaridades da funçãopública assumida pelos contratados. Tal especialização importa emderrogações de normas da Consolidação, já declaradas desde aLei n.º 1. 890, de 1963. - Em tema de exercício de poderdisciplinar, lícito é entender aplicáveis as normas estatutárias a taisservidores, uma vez que se mostram incabíveis as disposições queregem o contrato de trabalho comum. Essa derrogação dosprincípios celestistas importa na garantia da aplicação, aosservidores contratados, do procedimento disciplinar regulado noEstatuto dos Funcionários. - O prazo para o exercício do direito dedefesa, no inquérito administrativo, é comum aos servidoresestatutários e contratados pelo regime da CLT.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a 4ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, por unanimidade, darprovimento à apelação, para conceder a segurança, nos termos do voto do Relator, naforma do relatório e notas taquigráficas precedentes, que ficam fazendo parte integrantedo presente julgado.

Custas, como de lei.

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Brasília, 23 de março de 1979 (data do julgamento). - Ministro José Dantas,Presidente - Ministro Carlos Madeira, Relator.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS MADEIRA (Relator) - Cuida-se de mandadode segurança contra ato do Presidente da Comissão de Inquérito Administrativo,impetrado por servidora do INPS. Feita a instrução, a autoridade dada como coatoracitou a impetrante para apresentar defesa no prazo de cinco dias. Esse prazo, diz ela,não só viola disposição expressa no art. 222 da Lei n° 1.711/52, como importa emcerceamento da defesa, pois os autos do inquérito devem ser vistos na própriarepartição.

Concedida a liminar requerida, a autoridade informou que o prazo de cinco dias foiconcedido à impetrante por mera liberalidade, pois não sendo ela funcionária, masempregada celetista, o procedimento administrativo para a apuração de suas faltas nãoobedece às regras do Estatuto dos Funcionários.

O Dr. Juiz Federal cassou a liminar e denegou a segurança, ao fundamento deque, sendo a impetrante servidora CLT, não lhe são aplicáveis os dispositivos da Lei nº1.711/52.

Apelou a impetrante, com longas considerações em torno do conceito defuncionário, e acentuando que o que foi instaurado foi inquérito administrativo, inclusivecom prorrogação de prazos para a sua conclusão e alterações na respectiva comissão.

Contra-arrazoado, subiu o recurso, merecendo parecer da Subprocuradoria-Geralda República, pelo seu improvimento.

É o relatório.

VOTO

EMENTA: Servidores Públicos. Direitos Decorrentes doRespectivo Regime Jurídico. - Com adotar os regimes estatutário eda Consolidação das Leis do Trabalho para os servidores públicosda Administração Direta e Autárquica, o Poder Público especializaa relação de emprego celetista, não só em virtude do poder deimpério que passa a regê-la, cromo das peculiaridades da funçãopública assumida pelos contratados. Tal especialização importa emderrogações de normas da Consolidação, já declaradas desde aLei n.º 1.890, de 1963. - Em tema de exercício de poder disciplinar,lícito é entender aplicáveis as normas estatutárias a tais servidores,uma vez que se mostram incabíveis as disposições que regem ocontrato de trabalho comum. Essa derrogação dos princípiosceletistas importa na garantia da aplicação, aos servidorescontratados do procedimento disciplinar regulado no Estatuto dosFuncionários. - O prazo para o exercício do direito de defesa, noinquérito administrativo, é comum, aos servidores estatutários econtratados pelo regime da CLT.

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O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS MADEIRA (Relator) - Os funcionários públicose autárquicos e os contratados formam a categoria dos servidores públicos, agentespúblicos, que mantêm relação de trabalho com o Poder Público, em caráter deprofissionalidade e com dependência hierárquica e econômica. Estas noções, pacíficasna doutrina, vieram a ser consagradas na Lei n° 6.185, de 11-12-74, que dispõe emseu art. 1º que "os servidores públicos civis da Administração Direta ou Autárquicareger-se-ão por disposições estatutárias ou pela legislação trabalhista em vigor".

É verdade que essa lei só em parte atende ao mandamento contido no art. 109 daConstituição, pois, com definir o regime jurídico dos servidores públicos, deixou aindapor estabelecer a disciplina de certos procedimentos relativos aos servidores celetistas.Certo é, porém, que, ao adotar o regime jurídico da CLT, o Poder Público confere àrelação de emprego daí decorrente uma especialização, decorrente não só do seupoder de império, que é bem diferente do poder de comando do contrato de trabalho,como das próprias peculiaridades da função pública assumida pelos servidores. Dessemodo, não são todas as disposições da CLT que se aplicam aos servidores celetistas. ALei n° 1.890, de 13-6-53, já previa algumas exceções à lei trabalhista, no âmbito daadministração pública e é lícito dizer que onde é aplicável o poder disciplinar, que é amais alta expressão do poder hierárquico, não cabem as disposições que regem osimples contrato de trabalho.

Ora, se essa derrogação da lei trabalhista é uma decorrência do poder de impérioda Administração, e atende às suas conveniências, é óbvio que para os servidoresceletistas decorre daí a garantia da aplicação, às suas faltas, do procedimentodisciplinar regulado no Estatuto dos Funcionários.

No caso concreto, a impetrante é celetista, mas para apuração das faltas que lhesão imputadas foi aberto inquérito administrativo, em que foram observadas asformalidades preliminares, com a designação de Comissão, inquisição das pessoas queinteressam ao esclarecimento dos fatos e realização de diligências. A Comissão fez orelatório de instrução, a que se segue a citação ara a defesa dos indiciados. E a citaçãofoi feita regularmente, pelo Oficio de fls. 14.

Claro é que foi adotado o procedimento previsto no Título V da Lei n° 1.711/52,cujo art. 222 diz que, "ultimada a instrução, citar-se-á o indiciado para, no prazo de 10dias, apresentar defesa, sendo-lhe facultada vista do processo na repartição".

O prazo de cinco dias viola esse dispositivo legal.

Note-se que a alegação da impetrada de que para servidores celetistas não éprevista defesa em sindicância ou inquérito importa em afronta ao principio docontraditório, podendo resultar em nulidade de todo o procedimento administrativo.

Dou provimento à apelação, para reformar a sentença e conceder a segurança,nos termos do pedido.

EXTRATO DA ATA

AMS 82.753 - PR - Rel.: Sr. Min. Carlos Madeira. Apte.: Samira Farah. Apdo.:INPS. Advs.: Drs. João Casillo e Rita de Cassia Faria Marcondes de Albuquerque.

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Decisão: Por unanimidade, a Turma deu provimento à apelação, para conceder asegurança, nos termos do voto do Relator (em 23-3-79 - 4ª Turma).

Os Srs. Ministros Evandro Gueiros Leite e José Dantas votaram de acordo com oRelator. Presidiu o julgamento o Sr. Min. José Dantas, dada a eventual ausência do Sr.Min. Jarbas Nobre.

TCU - TEMPO DE SERVIÇO EM SOCIEDADE DEECONOMIA MISTA

RELATÓRIO

Consulta do eminente Sr. Ministro-Presidente do Egrégio Tribunal Superior doTrabalho, veiculando as seguintes indagações:

"1 - a contagem em dobro da licença especial não gozada e já averbada no tempode serviço de Magistrado para fim de aposentadoria, conforme ditames do art. 117 daLei 1.711/52, encontra agasalho jurídico após a vigência (14-5-79) da aludida LeiComplementar n° 35/79?

2 - o tempo de serviço prestado a empresa de economia mista, também jáaverbado no tempo de serviço de Magistrado para fim de aposentadoria, tem respaldolegal após a vigência (14-5-79 ) da Lei Complementar nº 35/79? (fl. 2)."

A ilustrada Assessoria daquela Presidência, embora ressaltando a conveniênciada formulação da Consulta, já se manifestara de modo positivo quanto a ambos osquesitos (fls. 3) entendimento que é também o da Segunda Inspetoria Geral de ControleExterno (fls. 4/5).

As fls. 6/11, está o brilhante parecer do eminente Subprocurador-Geral MOURÃOBRANCO.

Após salientar que a Lei Complementar nº 35, de 14-3-79, não contempla, entreas concessões de, licença aos magistrados, a espécie prevista no art. 116 do Estatutodos Funcionários Públicos, assevera:

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"8. Não cuida a lei nova de conceituar "tempo de serviço". Destarte, queda omesmo sujeito aos princípios gerais que regem a matéria. Nesse sentido, inclui-se naárea de abrangência da conceituação em causa todo o tempo de serviço prestado peloservidor na forma estabelecida em lei e para os efeitos nela previstos.

11. A matéria do cômputo do tempo de serviço rege-se pela legislação vigente àépoca em que são satisfeitos os pressupostos que informam a contagem dobrada doperíodo, para os fins da inativação, naquilo em que não colidir com a nova normajurídica.

14. Implementado que foi o requisito do decênio de efetivo exercício, e averbada acontagem em dobro do tempo da licença especial não gozada, não vemos comorecusar-lhe o efeito produzido sob a égide da legislação própria.

15. Sob outro ângulo, não podemos olvidar que essa forma de licença édesenganadamente um prêmio ao funcionário assíduo e imune à prática de falta. grave- prêmio esse que se traduz, de duas, uma: ou pelo afastamento do serviço peloperíodo de seis meses, ou pela contagem dobrada do tempo correspondente. Havendoo funcionário optado pela segunda alternativa, esse prêmio incorpora-se ao seupatrimônio como indiscutível "direito adquirido".

16. Acreditamos conformar-nos nesta sustentação com o ensinamento do ínclitoHELY LOPES MEIRELLES, quando assere:

"Como matéria estatutária, a licença-prêmio pode ser suprimida, ampliada,reduzida ou modificada nas suas condições de obtenção e pagamento, desdeque a lei nova respeite as situações individuais consumadas segundo asexigências de lei anterior. Os efeitos da licença-prêmio são os que a leiconceder." in "Direito Administrativo Brasileiro" - Ed. Revista dos Tribunais Ltda.,1966, pág. 416) - (fls. 8/10) .

Socorre-se, S. Exª ., do magistério de SAN TIAGO DANTAS ("Programa de DireitoCivil", Rio, 1977, pág. 121), o qual amparado, de sua vez, na opinião de GABBA,mostra que o direito adquirido, "produzido por fato idôneo para a sua produção" e"incorporado definitivamente ao patrimônio", "não existe apenas no direito econômico,mas, de certo modo, em tudo que se relaciona com a nossa personalidade". E aduz:

"19. Aí incluído estará, decerto, também, o "prêmio" a que tem em vista aconcessão da licença especial, sob a modalidade da contagem privilegiada detempo de serviço, bem assim aquela contagem singela assegurada emdisposição especial."

Daí opinar, também, pela resposta afirmativa a ambas as proposições.

VOTO

Já decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal que a qualificação jurídica dotempo de serviço, ditada pela regra vigente à época da sua prestação, incorpora-se aopatrimônio do titular do direito, prevalecendo sobre a lei do momento da aposentadoria.Eis a ementa do acórdão prolatado, a esse respeito, no Recurso Extraordinário nº82.881:

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Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal – v. 9.

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"Servidor público estadual. Caracterização de tempo de serviço público;direito adquirido. Estabelecido, na lei, que determinado tempo de serviço seconsidera como tempo de serviço público, para os efeitos nela previstos, do fatointeiramente realizado nasce o direito, que se incorpora imediatamente nopatrimônio do servidor, a essa qualificação jurídica do tempo de serviço,consubstanciando - direito adquirido, que a lei posterior não pode desrespeitar"("Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 79, págs. 268 /288) .

Observe-se que o aresto, a despeito de tomado por seis votos contra cinco, teveaplicação unânime, entre outras assentadas, nas seguintes: Rec. Ext. 81.234, 1ª Turma(RTJ 81/482) ; Rec. Ext. 80.872 e Rec. Ext. 85.760. 2~1 Turma (RTJ 79/948 e RTJ79/338).

Ext. 85.218, Trib. Pleno (RTJ 78/948 e RTJ 79/338) .

II

No tocante, particularmente, à licença especial ou "prêmio", além da preciosaachega de HELY MEIRELLES, trazida pela douta Procuradoria (fls. 10) e reproduzidano meu Relatório, trago à colação a jurisprudência da Corte Suprema:

"Servidor Público. Direito à licença-prêmio, nos termos da lei vigente na data emque foi completado o tempo exigido para o gozo do benefício, embora formulado opedido quando já em vigor modificação estabelecida por lei nova. Aplicação do princípiodo direito adquirido. Recurso Extraordinário não conhecido" (Rec. Ext. 69.508, 2áTurma, RTJ 74/390) .

"Licença-prêmio.

Conversão em dinheiro. Direito adquirido.

Preenchimento de todas as condições exigidas pela lei, antes da revogação desta.

Há que distinguir entre direito e seu exercício.

O exercício do direito não cria o direito; este, ao contrário, é que legitima o seuexercício" (Rec. Ext. 76.011, 1ª Turma, RTJ 66/916) .

No, mesmo sentido dos precedentes, formaram os julgados do Tribunal Pleno noMand. Seg. 17.510 e no Rec. Ext. 57.558 (RTJ 47/291 e RTJ 50/326) e da PrimeiraTurma, no Rec. Ext. 76.673 (RTJ 69/840).

III

Ainda no concernente à licença especial, lembro que, na hipótese de opção deservidor público da Administração Federal direta e autárquica, pelo sistema daConsolidação das Leis do Trabalho, assim dispôs a Lei n° 6.185/74, no art. 4º, § 2°, apropósito de tempo de serviço prestado sob regime estatutário:

"§ 2º A contagem do tempo de serviço de que trata o parágrafo anterior far-se-ásegundo as normas pertinentes ao regime estatutário, computando-se em dobro, parafins de aposentadoria, os períodos de licença especial não gozada, cujo direito hajasido adquirido sob o mesmo regime."

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A mesma regra já havia sido inserida, versando matéria correlata, nas Leis n.-6.162/74 (art. 2º, parágrafo único) e 6.184/74 (art. 4º, § 2º ).

Destarte, se o direito adquirido, de origem constitucional (art. 153, § 3º), aocômputo em dobro do tempo de licença não gozada, foi definido, por interpretaçãoautêntica do legislador ordinário, em favor do servidor comum passado à CLT, não hácomo negá-lo, no silêncio da lei complementar, ao magistrado que permanece sobregime estatutário.

IV

Noto, por outro lado, que a aquisição do direito não está subordinada à préviaaverbação ou à concessão anterior da licença, atos meramente declaratórios de umasituação que já constituíra pelo só implemento do fato idôneo, segundo a lei da época,para a produção do direito.

Em face do exposto e do que consta do parecer do nobre órgão do MinistérioPúblico, conheço da Consulta para lhe dar resposta afirmativa, em ambos os itens quea compõem.

TCU, 3 de maio de 1979. - Luiz Octávio Gallotti, Relator. Proc. TC-10.282/79

PARECER

Com apelo ao disposto no art. 32, item VI, do Decreto-lei nº 199, de 25-2-67, oeminente Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, pelo expediente de 4 docorrente mês, submete à apreciação deste Tribunal a consulta formulada pelo Diretordo Serviço de Pessoal daquela Egrégia Corte (fls. 2), "tendo em vista algumas dúvidassurgidas quanto a assuntos que dizem respeito à aplicação da Lei Orgânica daMagistratura, e que precisam ser esclarecidas a bem do interesse do tribunal e dopróprio Erário".

2. Dois são os tópicos da indagação, cuja resposta se persegue nestes autos:

"1 - a contagem em dobro da licença especial não gozada e já averbada notempo de serviço de Magistrado para fim de aposentadoria, conforme ditames doart. 117 da Lei n° 1.711/52, encontra agasalho jurídico após a vigência (14-5-79)da aludida Lei Complementar nº 35 /79?

2 - o tempo de serviço prestado a empresa de economia mista, também jáaverbado no tempo de serviço de Magistrado para fim de aposentadoria, temrespaldo legal após a vigência (14-5-79 ) da Lei Complementar nº 035/79?"

3. Instrui a presente consulta, parecer da lavra do ilustre Assessor de Ministro, oProfessor EDMUR CARLOS GONÇALVES DE OLIVEIRA, o qual, em lúcidaargumentação, logra demonstrar:

a) em relação ao primeiro dos quesitos acima propostos, que "a dúvida éformulada sobre hipótese de cômputo já averbado, o que equivale a dizer que aconsulta tem solução no princípio do respeito ao direito adquirido. Não se questiona sea Lei Complementar nº 35/79, em não reproduzindo o artigo 117 da Lei nº 1.711/52,extinguiu ou não, em relação aos magistrados, a vantagem ou o direito que esta últimalei lhes assegura. Indaga-se, apenas, sobre direito adquirido durante a vigência da Lei

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nº 1.711/52, cujo gozo ou exercício poderá ocorrer após a vigência da LeiComplementar nº 35/79";

b) quanto à questão subseqüente, que, não havendo, na referida LeiComplementar nº 35, qualquer norma dispondo acerca do conceito específico daquiloque se deve considerar como tempo de serviço público, para efeito da aposentadoriados magistrados vitalícios, é de se admitir que "as normas atuais que estabelecem aextensão semântica da expressão "serviço público" devem permanecer como modelos,se não dogmáticos, pelo menos analógicos."

4. Outro não é o entendimento defendido no parecer da 2ª IGCE, às fls. 4/5, o qualse arremata com os seguintes registros:

"a) o art. 117 da Lei nº 1.711/52 autoriza a contagem em dobro, para fins deaposentadoria, da licença especial não gozada e que o instituto se acha em pleno vigor;

b) a Lei nº 6.226/75 autoriza a contagem do tempo de serviço indicado no item 2da consulta;

c) o aproveitamento de tempo de serviço prestado em atividade privada nãoimplica na perda do direito de contar, em dobro, o período de licença especial nãogozada (Dec. de 19-4-77 - TC 24.424/76);

d) a Lei Complementar n° 35/ 7 9 não introduziu qualquer alteração a respeito dacontagem ou do aproveitamento de tempo de serviço para fins de aposentadoria.

5. Convimos em que as razões alinhadas, de um e outro lado, concentram toda asua força de persuasão no reconhecimento do direito adquirido, configurado a partir daaverbação do tempo de serviço prestado pelo magistrado.

6. De efeito, verifica-se que a Lei Complementar n° 35, ora em plena vacado legis,não contempla entre as concessões de licença, aos magistrados, aquela prevista no art.116 do EFPCU. Tampouco é renovada a regra estatutária (art. 117) que admite acontagem em dobro do tempo dessa licença especial que o funcionário não houvergozado.

7. Prescreve, tão-somente, a lei nova que a aposentadoria facultativa poderáocorrer após trinta anos de serviço público.

8. Não cuida a lei nova de conceituar "tempo de serviço". Destarte, queda omesmo sujeito aos princípios gerais que regem a matéria. Nesse sentido, inclui-se naárea de abrangência da conceituação em causa todo o tempo de serviço prestado peloservidor na forma estabelecida .em lei e para os efeitos nela previstos.

9. Assim é que, na lição de meu ilustre Colega, Professor SEBASTIÃO B.AFFONSO, em exaustivo parecer atinente ao assunto, para se considerar determinadotempo de serviço como tempo de serviço público, "torna-se imprescindível não só queele haja sido prestado a , entidade da Administração, como também exige-se a relaçãode emprego disciplinada pelo Estatuto dos Funcionários Públicos, salvo os casosexplicitamente autorizados em lei especial" (cfr. processo TC - 8.850/73, Sessão de29-5-73, Anexo I à Ata n° 35/73, in DO de 30-8-73).

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10. A hipótese em exame reúne, em ambas as indagações; a satisfação dessesrequisitos: o tempo de serviço, que se quer aproveitar, resultou, de um lado, de umarelação de emprego regida pelo Estatuto, ao passo que o cômputo do períodorelacionado com a segunda questão proposta na consulta encontra guarida emautorização legal expressa:

11. A matéria do cômputo do tempo de serviço rege-se pela legislação vigente àépoca em que são satisfeitos os pressupostos que informam a contagem dobrada doperíodo, para os fins da inativação, naquilo em que não colidir com a nova normajurídica.

12. É de se ver que não se consigna tal conflito, vez que a lei nova apenas dispõesobre o lapso de tempo requerido para a aposentadoria facultativa. A contagem emdobro do tempo de serviço aqui questionado, correspondente ao período delicença-prêmio não gozada, obedece, ademais disso, a preceito legal em vigor,aproveitando, assim, segundo pensamos, aos fins a que se destina (a aposentadoria).

13. Hão de ser preservados. os efeitos produzidos pelo "tempo de serviço". Assimsendo, se o servidor alcança as condições legais para O gozo do benefício asseguradona lei, o ato administrativo da "averbação" referente à contagem dobrada em causa háde proporcionar-lhe uma situação jurídica definitivamente constituída. E isto assim se dáporque, segundo o magistério autorizado do insigne Professor J. E. ABREU DEOLIVEIRA, que tanto dignificou o Quadro de servidores deste Tribunal:

"A contagem do tempo de serviço opera-se nos termos da legislaçãovigente à data em que deve produzir seus efeitos" (in "Aposentadoria no ServiçoPúblico", ed. Livraria Jurídica Freitas Bastos S.A., 1970, pág. 120).

14. Implementado que foi o requisito do decênio de efetivo exercício, e averbada acontagem em dobro do tempo da licença especial não gozada, não vemos comorecusar-lhe o efeito produzido sob a égide da legislação própria.

15. Sob outro ângulo, não podemos olvidar que essa forma de licença édesenganadamente um prêmio ao funcionário assíduo e imune à prática de falta grave -prêmio esse que se traduz, de duas, uma: ou pelo afastamento do serviço pelo períodode seis meses, ou pela contagem dobrada do tempo correspondente. Havendo ofuncionário optado pela segunda alternativa, esse prêmio incorpora-se ao seupatrimônio como indiscutível "direito adquirido".

16. Acreditamos conformar-nos, nesta sustentação, com o ensinamento do ínclitoHELY LOPES MEIRELLES, quando assere:

"Como matéria estatutária, a licença-prêmio pode ser suprimida, ampliada,reduzida ou modificada nas suas condições de obtenção e pagamento, desdeque a lei nova respeite as situações individuais consumadas segundo asexigências de lei anterior. Os efeitos da licença-prêmio são os que a lei conceder"(in "Direito Administrativo Brasileiro" - Ed. Revista dos Tribunais Ltda., 1966, pág.416) .

17. Amparamo-nos, outrossim, do magistério prestimoso do nunca assaz louvadoSANTIAGO DANTAS, ao admitirmos, com os ilustrados Assessores que subscrevem aspeças de fls. 3 e 4/5, a configuração in specie do "direito adquirido", retromencionado.

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Na parte geral de seu "Programa de Direito Civil" (ed. Rio, 1977, pág. 121), depois deanotar que a opinião de GABBA, em tema de definição dessa categoria básica (direitoadquirido), é a mais autorizada, a ponto de poder ser chamada de opinião comum, oemérito jurista assinala os dois elementos caracterizadores do "direito adquirido":

"1° - ter sido produzido por um fato idôneo para a sua produção;

2° - ter se incorporado definitivamente ao patrimônio."

18. Quando atentamos para o fenômeno da fluidificação da noção de patrimônio,que "não existe apenas no direito econômico, mas de certo modo, em tudo que serelaciona com a nossa personalidade", podemos bem convir, com o mesmo abalizadoautor, que

"tudo em que se está interessado já está dentro da esfera sobre a qual anossa personalidade se projeta, dentro do nosso patrimônio".

19. Aí incluído estará, decerto, também, o "prêmio" a que tem em vista aconcessão da licença especial, sob a modalidade da contagem privilegiada de tempode serviço, bem assim aquela contagem singela assegurada em disposição especial.

20. De conseguinte, essas noções, conciliadas com o princípio constitucional dairretroatividade das leis, e, mais, a convicção da plena compatibilidade da nova normajurídica com os preceitos, de um lado, do Estatuto, que dispõe sobre a contagem emdobro da licença-prêmio não gozada, mas devidamente averbada, e, de outro lado, dalei especial que contempla a contagem recíproca (Lei n° 6.226/75 ), autorizam, emnosso entender, a resposta afirmativa aos dois quesitos, a que fomos chamados aapreciar por indicação honrosa do eminente Procurador-Geral, Dr. IVAN LUZ.

S.m.j.

Procuradoria, em 25 de abril de 1979. - Francisco de Salles Mourão Branco -Subprocurador-Geral.

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DIRETOR DE EMPRESA DIREITO A FRIAS

O Processo de prestação de contas foi examinado, quer pela IGF/MIC, quer pela8ª IGGE deste Tribunal.

A instrução da 8ª IGCE (fls. 61 e 64) verificou que o termo de caixa foi expedido a3 de abril de 1978, quando o correto seria a 31.1277, último dia do encerramento doexercício.

Os balanços foram analisados para verificação da situação econômico-financeirae, sobre este aspecto, os órgãos técnicos não ofereceram nenhuma observação que,sob o ponto de vista do controle, merecesse qualquer sugestão ou reparo.

Por outro lado, no relatório da IGF são destacados alguns dados que nos dãonotícias do desempenho da companhia no Setor Siderúrgico e correlatos (fls. 48 a 52) .

A outra dúvida levantada pela instrução refere-se a pagamentos efetuados aDiretores de Companhia, referentes a indenização de férias, reembolso de despesasmédico-dentárias e abono de férias.

Para esclarecer o assunto, a 8ª IGCE fez diligência; através da, IGF/MIC, a fim deque fossem ouvidos os Diretores beneficiárias dos mencionados pagamentos.

Em resposta à diligência a USIMINAS encaminhou os esclarecimentos e osdocumentos constantes do anexo 3.

Quanto às duas primeiras questões (indenização de férias e reembolso dedespesas médico-dentárias) o assunto ficou devidamente esclarecido, semcontrovérsias, como acentuou o Douto Procurador-Geral.

Mereceram maior atenção, a fim de firmar entendimento para o caso de, no futuro,ocorrer a mesma hipótese, os aspectos referentes ao pagamento de abono de férias aDiretor que detém, cumulativamente, a condição de empregado da empresa.

O Sr. Inspetor-Geral da 8s IGCE, citando farta jurisprudência sobre o assunto,entende que, no caso, "há interrupção do contrato de trabalho, nunca a suspensão. Ena interrupção todas as cláusulas contratuais permanecem em vigor, com exceção daprestação de serviços.

Nestas condições, prossegue o Sr. Inspetor-Geral, os pagamentos efetuados aosdiretores foram legítimos.

Concluiu, portanto, pela regularidade das contas e quitação ao responsável.

O Senhor Procurador-Geral após judiciosas considerações chega às conclusõesque resumimos a seguir:

1. - O empregado-Diretor tem direito às férias, corno empregado que continuasendo, enquanto muda, apenas, a rigor, a natureza dos serviços prestados, consensuale transitoriamente. Logo, incide, sem restrições, o regime jurídico que disciplina oexercício daquele direito, a ele assegurado na qualidade de empregado, não perdida.

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2. - O abono facultado no Decreto-lei n4 1.535/77 não é remuneração, nem formaqualquer designativa de remuneração, mas uma conversão, isto é, expressa,pecuniariamente, parcela do tempo de férias não gozadas pelo empregado.

Concorda, portanto, o Senhor Procurador-Geral, com a proposta de regularidade.

E o relatório.

Voto

Estamos de acordo com as conclusões do parecer do Sr. Inspetor-Geral da 8ªIGCE e o do Douto Procurador-Geral.

Voto, potanto:

a) pela regularidade das contas das Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A -USIMINAS, exercício de 1977, e quitação ao responsável, Sr. Rondon Pacheco;

b) por que se recomenda que os termos de conferencias de caixa sejam emitidosno último dia de cada exercício social, e não em data posterior, como ocorreu nopresente caso ( 3-4-78) ;

c) por que a 8ª IGCE adote como critério o seguinte entendimento:

1. - o contrato de Trabalho do empregado de Companhia investido nas funções deDiretor é considerado interrompido, permanecendo, para efeito de abono de férias, sobo regime jurídico que disciplina o contrato de trabalho do empregado.

2. - o abono do terço das férias, facultado no Decreto-lei nº 1.535/77, não éconsiderado remuneração e não se soma ao global para efeito do disposto naDeliberação n° 4.753, de 4-8-76 do CDE.

Sala das Sessões, em 14 de agosto de 1979. - Luciano Brandão Alves de Souza,Ministro-Relator.

ANEXO VIII DA ATA Nº 55/79

Parecer do Procurador-Geral, Dr. Ivan Luz, a que se referiu o Relator, MinistroLuciano Brandão Alves de Souza (v. Anexo VII), quando o Tribunal, na SessãoOrdinária realizada em 14 de agosto de-1979, examinou as contas da UsinasSiderúrgicas de Minas Gerais S/A. - USIMINAS, exercício de 1977 (Proc. nº 33.378/78,com 3 volumes).

TC Nº 35.378/78

USIMINAS - Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A

Tomada de Contas - Exercício de 1977.

PARECER

Três aspectos, nestes autos, merecem atenção especial por parte da instrução econstituíram objeto da diligência formulada com o Ofício nº 207 (fls. 65) : a) indenizaçãode férias paga a Diretores; b) reembolso de despesas médico-dentárias; c) abono deférias.

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2. A entidade prestou as informações constantes do anexo nº 3, acompanhadasde documentos.

3. Os dois primeiros aspectos foram esclarecidos sem controvérsia o que nãoaconteceu com o último. Variam os pontos de vista da TCE que subscreve opronunciamento de fls. 66/68, do Sr. Diretor e do Sr. Inspetor-Geral.

4. A primeira entende que o abono pecuniário - conversão de 1/3 do período deférias, na forma do Decreto-lei nº 1.535/77 não poderia ser pago porque o Diretorperdera a condição de empregado; o segundo não vê incompatibilidade entre arecepção do dito abono e a regra limitativa do CDE; o Sr. Inspetor-Geral admite que ahipótese é de interrupção do contrato de trabalho quando o empregado assume afunção de Diretor da sociedade empregadora, mantendo-se, em tal caso, todas ascláusulas contratuais, exceção feita à prestação dos serviços objeto do contrato.Apóia-se em doutrina e jurisprudência referidas.

5. - Participamos do ponto de vista do Sr. Inspetor-Geral quanto à ocorrência, naespécie, da interrupto do contrato de trabalho do empregado que assume o cargo doDiretor da entidade. Permanece íntegro, assim, o vínculo empregatício com asconseqüências dai decorrentes.

6. Questionável seria, a nosso ver, a permanência em vigor de todas as cláusulascontratuais (conf. ARNALDO SUSSEKIND - Inst. de Direito do Trabalho, vol. I, 483/484,v.g.). Todavia, parece-nos que tais aspectos não serão, exatamente, aqueles deinteresse para o deslinde do caso, vez que não se cuida aqui de direito que tivesseemergido da interpretação de cláusula contratual, mas derivado de leis que,obviamente, subentende a existência de vinculo empregatício como condição aquisitiva.O que o lei garante é que 1/3 das férias a que faz jus o empregado possa serconvertido em abono pecuniário.

7. A questão teria, pois, como ponto fundamental, este: tem direito ás férias, naqualidade de empregado, aquele empregado que assume o cargo de Diretor daentidade empregadora? Seja: a simples interrupção do contrato, sem perda do vínculoempregatício, incluiria, dentre as condições atingidas eventualmente, pela interrupção,aquela; obrigatória, de origem legal, relativa ao direito às férias?

8. A resposta nos parece deva ser negativa. O empregado-Diretor tem direito àsférias como empregado que continua sendo enquanto muda, apenas, a rigor, anatureza dos serviços prestados, consensual e transitoriamente. Logo, incide, semrestrições, o regime jurídico que disciplina o exercício daquele direito a ele asseguradona qualidade de empregado, não perdida.

9. Do ângulo próprio de jurisdição do Tribunal de Contas, Parece-nos que, naverdade, o problema não se esgota no reconhecimento da legitimidade do pagamentofeito.

10. Admitida esta, a indagação subseqüente ronda em torno de saber se a quantiarecebida em abono do terço das férias soma-se, ou não, ao global permitido receberaos Diretores pela Deliberação nº 4.763, de 4-M, do ME, atendidos os limites e anatureza da remuneração fixados no item II da dita norma de controle tutelar da Uniãosobre suas empresas.

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11. Também aqui impõe-se a resposta negativa. O abono facultado no Decreto-leinº 1.535/77 não é remuneração nem fona qualquer designativa de remuneração, masuma conversão, isto é, expressa, pecuniariamente, parcela do tempo de férias nãogozadas pelo empregado.

12. A regra de tutela tem como endereço o Diretor da empresa. Não atinge odireito que o empregado, transitoriamente "doublé" de Diretor, tem de optar por usufruirum resultado financeiro que substitui o descanso anual remunerado em proporçãolegalmente permitida.

Concordo, por esses fundamentos, com a proposta de regularidade.

Procuradoria, 29 de junho de 1979. - Ivan Luz, Procurador-Geral.

PARECER Nº 1.964/79 - 1ª SPRG PROCESSO Nº 605.205/79

Interessado: Seção de Pessoal Assunto: Of. Nº 38/79 - SP - Solicita informação deregime trabalhista.

EMENTA: Diretores das Empresas Públicas. Natureza de suas Funções. 1. Pelanatureza de suas atribuições, os membros da diretoria das empresas vinculadas aoDistrito Federal, não são de empregados mas de empregadores. 2. Não fazem jusportanto às vantagens previstas na CLT e legislação complementar, inclusive as da Lein.º 5.107/88, pois que essas destinam-se apenas aos empregados. 3. Exame dedefinição legal de empregado e empregador. (Arts. 2 e 3.° da CLT). 4. Diferença entre"empregado-diretor" e "diretor-empregador". 5. Jurisprudência do TST.

Senhor 1º - Subprocurador-Geral.

CONSULTA

1. Trata-se de consulta formulada pela EMATER - DF - Empresa de AssistênciaTécnica Rural do DF - que pode ser resumida da forma seguinte: teriam os membros daDiretoria daquela empresa pública dispensados por decreto do Sr. Governador, direitoao pagamento das reparações constantes da CLT?; estariam os Diretores daquelaempresa pública regidos pela legislação trabalhista?; e, poderia o decreto de dessa serconsiderado equivalente a dispensa sem justa causa do diploma consolidado?

2. A consulta foi enviada à Assessoria jurídica da referida empresa pública queemitiu o Parecer nº 6/79, que conclui entendendo que os ores dessas empresas seregem pela legislação trabalhista e que o decreto governamental de dispensa seassemelha a uma rescisão contratual.

3. Como a decisão dada à espécie poderá ter reflexos em vários outros órgãos daadministração indireta do Distrito Federal, sugeriu o parecerista fosse ouvida também aProcuradoria-Geral no sentido de se uniformizar a orientação, tornando-a normativa ede observância obrigatória para todas as empresas vinculadas ao GDF.

PARECER

4. O Estatuto da EMATER - DF, que é sua carta magna dispõe: "Art. 31. ADiretoria, órgão de administração superior, responsável pela gestão da EMATER - DF,será composta. de um Presidente e mais 2 (dois) Diretores, designados pelo

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Governador do Distrito Federal por um período de 4 (quatro) anos, podendo serreconduzido.

§ 2º Compete ao Secretário de Agricultura e Produção a indicação, ao Governadordo Distrito Federal, dos nomes para compor a Diretoria..."

"Art. 32. Os membros da Diretoria da EMATER - DF serão empossados nasrespectivas funções pelo Presidente do Conselho de Administração, medianteassinatura de termo lavrado no Livro de Posse do Conselho."

No artigo 52, os Estatutos da empresa estabelecem o regime jurídico dosempregados da EMATER - DF ao dispor:

"Art. 52. O regime jurídico do .pessoal da EMATER - DF será o daConsolidação das Leis do Trabalho e respectiva legislação complementar,

§ 1º......................................................................................................................

§ 2º Enquanto no exercício da função, aos membros da Diretoria daEMATER - DF são estendidos os deveres inerentes ao regime jurídico de quetrata este artigo." ( Grifo nosso.)

5. Observe-se, que o legislador do estatuto fez menção apenas "a deveres", nãofazendo qualquer referência à extensão de eventuais "direitos" trabalhistas aosdiretores da EMATER - DF, o que nos parece significativo para a elucidação daconsulta.

6. Quando omitiu a expressão direitos, o legislador do estatuto, segundo nossoentendimento, deixou claro, ao intérprete e aplicador da lei, que os diretores daempresa não são empregados, regidos pela Consolidáção das Leis do Trabalho, masverdadeiros empregadores.

7. Aliás, é a própria CLT que define o que é "empregador" e quem é "empregado",da forma seguinte:

"Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestaçãopessoal de serviços. ( Grifamos. )

§. 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relaçãoemprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associaçõesrecreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores comoempregados." (Grifamos. )

8. Logo a seguir, no art. 3°, a Consolidação define "empregado" como:

"Art. 3° Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços denatureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediantesalário." (Grifamos.)

9. Para que incidam as normas jurídicas da CLT, é necessário que alguém reunaas condições de empregado, tais como enunciada pelo art. 3º acima transcrito. Naespécie, está ausente um dos pressupostos legais essencial à composição do suporte

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fático, sobre o qual viria a incidir a regra de direito material trabalhista, a subordinaçãohierárquica ou dependência jurídica.

10. O diretor de empresa é o verdadeiro gestor da firma e de seu patrimôniosocial, pouco importando para esse efeito saber se o seu capital é público, privado ou.misto, ou ainda, se os diretores foram investidos em seus cargos por designação doacionista majoritário ou se eleito em Assembléia Geral. O diretor é a sociedade,representa esta, ou melhor, presenta a sociedade, como ensina Pontes de Miranda. Emsuma, o diretor é a própria sociedade.

11. A Lei nº 6.404, de 15-12-76, dá competência ao Conselho de Administração,das Sociedades por Ações, para eleger e destituir, a qualquer tempo, os diretores daCompanhia (arts. 142 e 143 ).

O ato do Sr. Governador do GDF, nomeando ou destituindo os dirigentes deempresas públicas é pois, moldado na lei comercial, não podendo, sob pena decontrariar a lei, a doutrina e a jurisprudência, como a seguir se demonstrará, serconfundido com ato de contratação ou demissão de empregado.

12. E, aqui, permitimo-nos fazer uma crítica à redação dos Decretos do executivolocal, que, ao invés de "designar para exercero "emprego em comissão" ou "dispensardo emprego em comissão" deveria "designar para exercer a função de Diretor ouPresidente" e "dispensar da função de Diretor ou Presidente".

13. O art. 499, da CLT, como bem acentuado por Arnaldo Susse king e DélioMaranhão, no parecer que, em anexo, integra a presente consulta, "se refere aempregado-diretor, a empregado-gerente, a empregado-contador geral, aempregado-chefe do Departamento de Administração e a outros que, como altosempregados exercem cargos" de confiança imediata do empregador"; nunca àquelesque, com o status de empregador, integram a diretoria da empresa. A esses nãopoderia aludir, porquanto o diretor-empregador não presta serviço como empregado,nem pode ser da "confiança imediata do empregador". Imprescindível, portanto, para oexame do primeiro quesito da Consulta, distinguir entre empregado-diretor ediretor-empregedor, para demonstrar que na segunda hipótese não há contrato detrabalho em execução."

14. Como consta do art. 2º da CLT, e como acentua a doutrina, o elementoessencial, que caracteriza o empregador é a direção, o comando da atividadecomercial, industrial, agropecuária ou de serviços.

15. É precisamente o que ocorre na situação em exame.

16. No mesmo sentido, a jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho:

"Quando o empregado aceita a investidura de Diretor da sociedadeanônima, eleito pela Assembléia -Geral, não pode pretender direitos decorrentesdo contrato de trabalho relativamente ao período em que exerce a diretoria daempresa. Incompatibilidade entre a condição de empregado e de diretor desociedade anônima."

(T8T - 2ª Turma - RR 662/76 - Rel; Min. Mozart Victor Russomano,publicado em audiência de 31-8-77.)

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"Empregado eleito para diretor de sociedade anônima. Suspensão docontrato de trabalho. Não incidência das vantagens auferidas como tal, naremuneração como empregado, para a paga da indenização devida na rescisãodo contrato de trabalho."

(TST 2ª Turma - RR 844/75. Rel. ad noc Min. Barata Silva, proferido em 18-5-76.)

17. Pelas razões expostas, e pelas constantes do anexo Parecer, opinamos,s.m.j., no sentido de que os dirigentes da - EMATER-DF, não são empregados, masempregadores. Não fazem jus; portanto; às vantagens previstas na CLT e legislaçãocomplementar, inclusive as da Lei nº 5.107, de 1988, como bem acentuado no recenteacórdão da E. 1ª Turma do C. Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do. Recurso deRevista nº 4.551/78 em anexo.

É o nosso parecer.

Sub censura.

Brasília, 31 de julho de 1979 - Carlos Penha, Procurador.

PROCESSO N° 605.205/79

Interessado: Seção de Pessoal

Assunto: Solicita informação de regime trabalhista.

Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral,

Manifesto-me de pleno acordo com o Parecer nº 1.964/79 - 1ª SPRG, do ilustreProcurador Dr. Carlos R. Penna.

O estudo de fls. 19/24 está apresentado com bastante concisão e brilhantismo.

Dirigente de empresa é empregador e não empregado.

Como empregado não pode usufruir das vantagens próprias ou adequadas aosempregados.

Não há o que objetar e nem o que divagar.

Quando o empregado aceita a investidura de Diretor de empresa, eleito pelaAssembléia Geral, não tem direito a pretender direitos decorrentes do contrato detrabalho relativamente ao período em que exerce a diretoria. É a jurisprudênciareinante.

Ao que não é empregado a negativa é mais evidente, ainda que jungido a deveresinerentes ao regime celetista.

A consideração de V. E.

Brasília, 16 de agosto de 1979.

Júlio César Santos, 1° Subprocurador-Geral do DF.

Senhor Governador:

Aprovo o Parecer nº 1.964/79 - 1ª SPRG nos seus jurídicos fundamentos e naforma do encaminhamento do Ilmo. Sr. 1° Subprocurador-Geral.

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O entendimento quanto à inexistência de vínculo empregatício de diretores deempresa acha-se completamente examinado no laudo jurídico supramencionado.

Sobre a matéria já tive oportunidade de manifestar-me no mesmo sentido,conforme Parecer n° 114/77-GAB-PRG cuja xerocópia anexo.

A consideração de Vossa Excelência, em 24 de agosto de 1979. - EmmanuelFrancisco Mendes Lyrio, Procurador Geral.

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IV – NOTICIÁRIO DO TCDF

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NIVELAMENTO DE CARGOS EM COMISSÃO

EMENTA: 1. Criação do cargo de Consultor jurídico da Presi-dência. - 2. Razões de ordem administrativa e jurídica. Funda-mentação: art. 72, § 1.°, c.c. o art. 115, da Constituição, e art. 31,lI, da Lei n ° . 5.538/68. - 3. Modus faciendi: Resolução do Tribunal.- 4. Nivelamento dos cargos em comissão subordinados àPresidência.

JOMAR MACIEL PIRESDiretor-Geral de Administração

Cumprindo determinação da Presidência deste Tribunal, venho submeter à suaelevada apreciação os estudos relativos à viabilidade de criação de um cargo deConsultor-jurídico da Presidência.

2. A Lei Orgânica desta Corte, em seu art. 19, III, diz:

"Art. 19. Compete ao Procurador-Geral:

III - Opinar, verbalmente ou por, escrito, por deliberação do Tribunal, àrequisição de qualquer dos seus membros, a seu próprio requerimento ou pordistribuição do Presidente, em todos os assuntos sujeitos à decisão do Tribunal"(grifei).

3. Por outro lado, o art. 21, lII, do Regimento Interno, reza:

"Art. 21. Compete ao Procurador-Geral:

III - Opinar, verbalmente ou por escrito, por deliberação do Tribunal, àrequisição de qualquer de seus membros, a seu próprio requerimento ou pordistribuição do Presidente, em todos os assuntos sujeitos à decisão do Tribunal"(grifei).

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4. Vê-se, assim, que a Presidência do Tribunal pode solicitar à Procuradoria-Geraljunto à Corte pareceres verbais ou escritos sobre assuntos sujeitos à decisão doTribunal. Mas lhe não autoriza a provocar aquele órgão para a mesma finalidade,quando os assuntos não estiverem sujeitos à decisão do Tribunal e sim à decisãotão-somente da Presidência.

5. Exemplo específico de atribuições privativas da Presidência e que escapam dacompetência do Plenário seriam as referidas genericamente no art. 12, I, do RegimentoInterno:

"Art. 12. Ao Presidente compete:

"I - dirigir o Tribunal e os seus serviços."

6. Ainda mais, temos no item XXIV do mesmo art. 12, do Regimento Interno, aconfirmação da dualidade de competências existentes entre Presidente e Plenário:

"XXIV - submeter à deliberação do Plenário, mediante distribuição a relator,depois de convenientemente instruído, se for o caso, no prazo máximo de 3 (três)dias, a contar da data em que lhe sejam presentes, todos os papéis cuja decisãonão caiba à Presidência, nos termos da Lei e deste Regimento (grifei).

7. Diante disso, pode-se dizer que, até aqui, nenhum dispositivo legal ouregimental autoriza o Presidente do Tribunal a solicitar pareceres da Procuradoria-Geralsobre matéria de competência privativa da Presidência. Nem se diga que ageneralidade do termo "Tribunal" inclui em sua compreensão tanto "Presidência" como"Plenário". Isso não invalida a afirmação anterior: não há norma específica para que oPresidente provoque a Procuradoria-Geral para emissão de pareceres que digamrespeito à sua competência exclusiva.

8. No entanto, o item XXIV supracitado é específico quando delimita competênciaexclusiva do Plenário, determinando à Presidência que remeta ao mesmo os "papéiscuja decisão não caiba à Presidência".

9. Se dúvida houvesse quanto à dualidade de campos de decisão `Presidência" e"Plenário", bastaria a leitura do inciso XXII do invocado art. 12 do Regimento Interno,para dirimi-la:

"Art. 12. ................................................

XXII - submeter ao Plenário matéria de competência do Presidente, quandoentenda que a decisão possa suscitar controvérsias."

10. Sobreleva notar que, teleologicamente, a Procuradoria-Geral da Corte visa aocontrole e ao resguardo da Administração do Distrito Federal, como pessoa jurídica deDireito Público Interno e, assim, não me compete ou, pelo menos, não deveria competir,imiscuir-se em questões afetas à "autonomia interna corporis do Tribunal de Contas" (inRevista do Tribunal de Contas do Distrito Federal", nº IV, p. 78).

11. A Presidência, entretanto, tem solicitado audiência da Procuradoria-Geral emprocessos de natureza estritamente administrativa e com base em seus pareceres temdecidido a matéria, sem submetê-los à apreciação do Plenário, por se tratar de assuntode sua competência privativa. São exemplos os Processos n ° 1.849/76 e 1.755/77,

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cuja matéria, refoge á cogitação do Plenário, por cuidarem de concessão de adicionalde insalubridade e averbação de tempo de serviço para fins de aposentadoria e deadicional ex facto temporis.

12. Como se observa, referem-se ao domínio de atuação da Diretoria-Geral(atividade-meio), sujeitos tão-somente à decisão final da Presidência, ex vi do art. 12, I,do Regimento Interno.

13. A situação de fato, consubstanciada na existência de inúmeros processos daárea da Secretaria de Administração do Tribunal de da União (TCU), que dependiam depareceres jurídicos para embasar decisão final do Presidente daquele Egrégio Tribunal,gerou alínea "a" do art. 5º da Resolução nº 162/75, que transformou um cargo emcomissão de Inspetor Regional de Controle Externo, categoria TCU-DAS-102, nível 2,em cargo em comissão TCU-DAS-102, nível 2, de Consultor jurídico do Tribunal, hojeelevado ao nível TCU-DAS-102.4.

14 . Há, nesta Corte, idêntica situação de fato a reclamar uma solução jurídica.Conta-se com o modelo de procedimento adequado adotado pelo TCU, in casu. Aquineste Tribunal existe precedente de transformação do cargo de Coordenador daComissão Técnica de Assessoramento, Código TCDF-DAS-102.1, no de InspetorSeccional, TGDF-DAS-101.2, para dirigir a 3ª Inspetoria Seccional.

15. Conforme ficou demonstrado, há razões de ordem administrativa e jurídica,além de fundamentação em precedentes do TCU e desta Corte, para que se transformeo cargo em comissão de Chefe do Serviço de Administração do Edifício e Transportes,Código TCDF-DAS-101.1, no de Consultor jurídico da Presidência, CódigoTCDF-DAS-102.3; com a paralela e concomitante criação, na Tabela de EmpregosTemporários (TET), de função de confiança de Chefe do Serviço de Administração doEdifício e Transportes, com as atribuições e remuneração idênticas às anteriores.

16. O modus faciendi seria mediante Resolução baixada pelo Tribunal, consoanteo permissivo constitucional do art. 72, § 1º c.c. a art. 115, mais o art. 31, II, da Lei nº5.538/68 e especialmente o disposto no § 4º do art. 57 do nosso Regimento Interno,que dispõe:

"Art. 57. ................................................

§ 4º Em qualquer oportunidade, e na forma que se estabelece neste artigo enos parágrafos anteriores, poderá o Tribunal baixar Resoluções destinadas aaperfeiçoar a organização de seus Serviços Auxiliares e adequá-los ao exercícioeficiente de suas atividades-fins, bem como estabelecer planos de inspeção quese façam necessários ao cumprimento de sua missão constitucional e legal"(grifei).

17. Em se criando, por transformação, o cargo de Consultor-Jurídico daPresidência, código TCDF-DAS-102.3, subordinado diretamente à Presidência, apenaso cargo em comissão de Chefe de Gabinete permaneceria no nível 2, código TCDF-DAS-102. Seria, a meu juízo, ocasião propícia para corrigir-se essa, disparidade que,s.m.j., parece-me injusta. Tanto assim que o TCU, notando a mesma disparidade,corrigiu-a, nivelando todos os cargos em comissão subordinados diretamente à

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Presidência. Esta Corte, entretanto, continua com a ,antiga classificação, elaborada, àépoca, seguindo o modelo federal do TCU.

18. Do contrário, ter-se-ia que duplicar uma injustiça, atribuindo aoConsultor-Jurídico o nível 2, incompatível com a natureza de suas atribuições eresponsabilidades. Nenhuma razão militaria a favor dessa disparidade, vez que tanto oDiretor-Geral de Administração, como o Inspetor-Geral de Controle Externo e oSecretário das Sessões, de atribuições e responsabilidades equivalentes e igualmentesubordinados diretamente à Presidência, possuem nível 3.

19. Por isso, nivelar todos os cargos em comissão subordinados à Presidência,além de constituir tratamento equânime e justo, seria acompanhar o Tribunal de Contasda União numa medida administrativa, que me parece oportuna e correta..

A superior consideração.

Brasília - DF, 19 de março de 1978.

CICLO DE ESTUDOS JURÍDICOS

O Centro de Estudos do TCDF realizou ciclo de Estudos de Direito com aparticipação dos professores Aderson Dutra, da Faculdade de Direito da UniversidadeFederal do Amazonas; Carlos Ayres de Brito, Prof. da Faculdade de Direito da UF deSergipe e Procurador do Tribunal de Contas de Sergipe; Antonio Carlos Cintra doAmaral, Prof. de Direito Administrativo da PUC/SP e José Alfredo de Oliveira Baracho,Diretor da Faculdade de Direito da UFMG.

- - -

O TCDF esteve presente ao Congresso de Tribunais de Contas realizado emMaceió, Alagoas. Nesse conclave, o Conselheiro José Wamberto foi reeleitoSecretário-Geral do Centro de Coordenação dos Tribunais de Contas.

- - -

Realizou-se em Porto Alegre a reunião dos Presidentes dos Tribunais de Contas,tratando do tema relativo ao fortalecimento dos Tribunais de Contas, através demedidas concretas.

- - -

O TCDF prestou significativa homenagem ao Conselheiro Heráclio Salles, por suaaposentadoria, realizando sessão especial, cujo desenrolar, transcrevemos.

- - -

HOMENAGEM A HERÁCLIO SALLES

O Senhor Presidente deu a palavra, para saudar o Conselheiro Heráclio Salles, aodecano dos membros do Tribunal, Conselheiro José Wamberto, que proferiu a seguinteoração:

"Senhor Presidente, Senhores Conselheiros, Senhores Procuradores, SenhorSecretário das Sessões,

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Antes de quaisquer outras palavras, por um dever de lealdade devo fazer umaindispensável ressalva. Ao escolher o meu nome para falar em nome desta Cortesaudando o Companheiro que parte após tantos anos de convício conosco, VossaExcelência, Senhor Presidente, 'firmou-se claramente no velho e fácil critério dadecania, pois, realmente, sou o mais antigo deste colegiado. Não há outra explicação,porque, sem nenhuma dúvida, sou provavelmente, o mais altamente suspeito para falarsobre o eminente Conselheiro Heráclio Salles. E Vossas Excelências irão ver, se já nãosabem, porque sou tão suspeito em relação a Sua Excelência.

Na verdade, mais do que uma afinidade de espirito, há, entre mim e ele, o quepodemos chamar, com toda a exatidão, de destinos paralelos. Uma afinidade deespírito marcada fortemente pela incapacidade de. resistir a duas paixões: a paixão daverdade e a da dignidade, exercidas em quaisquer circunstâncias como ocorreu maisde uma vez em nossas carreiras paralelas. Carreiras paralelas que se iniciam comambos emigrando do Nordeste - um Nordeste então desassistido e severo - para aimprensa carioca. E foi em uma notável e memorável assembléia política que nosencontramos. Após longos anos de uma ditadura que mesclava os tons paternalistascom a intolerância totalitária, o País se reencontrava na tarefa gigantesca de ordenar oseu pensamento político canalizando-a para opções democráticas. Ainda era umamassa informe, contraditória e inquieta a Assembléia Constituinte de 1946, quando alichegamos procurando interpretar para os nossos leitores as diversas tendências que sechocavam e procuravam afirmar-se na construção de um edifício constitucional dura-douro e democrático. Heráclio Salles, no Correio da Manhã, jornal de grande prestígionos meios partidários; eu no Diário de Notícias, de Orlando Dantas, um matutino queobtivera na luta contra a Ditadura uma respeitável reputação. E ambos esses órgãoscom a mesma linha doutrinária apoiando o que consideravam o partido maisidentificado com as aspirações brasileiras, a União Democrática Nacional. A orientaçãopartidária, que unia os dois jornais, facilitava e até reclamava unia constante troca deimpressões entre os dois redatores, ambos empenhados não apenas na captação danotícia, mas também na interpretação das inclinações das bancadas para a votaçãodos grandes temas constitucionais.

Dessa forma, pudemos seguir de perto a evolução das idéias das maisdestacadas figuras da Constituinte e acompanhar-lhes a ação para ordenar em umtexto sólido e coerente tantos projetos e propostas que se chocavam. Creio que devorecordar três personalidades cuja atuação sempre poralizava nossa atenção dejornalistas. Um, o líder da maioria, o Senador Nereu Ramos, conduzindo com energia,mas com lealdade a sua numerosa bancada, e procurando equilibrar a fundação de umnovo .regime sem renegar o passado. O outro, o líder da minoria, o Deputado PradoHelly, expondo o seu claro pensamento liberal e defendendo os princípios de umademocracia aberta. O terceiro, o Deputado Agamenon Magalhães, nas suaspreocupações por uma ordem social mais justa. Nestes três astros se concentravamnossas maiores atenções para que pudéssemos transmitir aos nossos leitores o que demais importante se decidia para o povo no velho Palácio Tiradentes.

Promulgada a Constituição em setembro de 1948, continuamos eu e HeráclioSalles integrando a bancada de imprensa, uma respeitável bancada da qual, semnenhuma modéstia, eu era o menos expressivo.

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Ainda dentro da nossa ação como repórteres políticos fomos chamados à diretoriado Comitê dê Imprensa, um órgão fundado por um, companheiro dedicado, Irineu deSouza, para disciplinar as nossas reações com a Mesa da Câmara dos Deputados.Tivemos, no desempenho desse mandato, de enfrentar problemas com a Mesa emdefesa das prerrogativas de quem, como nós, precisava de ampla liberdade dentro doPalácio Tiradentes para melhor desempenhar nossa tarefa. E foi em um dessesembates que Heráclio Salles necessitou transferir-se do Correio da Manhã para o Diáriode Notícias, as linhas paralelas dos nossos destinos mais se aproximando, porqueficamos sob o mesmo teto e trabalhando sob a mesma orientação.

Houve um momento em que essas linhas paralelas pareceram interromper-se.Mas foi apenas um instante breve porque, logo depois, Heráclio Salles era chamado asuceder-me na Secretaria de Imprensa, da Presidência da República, onde encontroucampo para uma ainda maior afirmação da sua inteligência e da sua acendradavocação jornalística. Também me sucedia na Comissão Executiva do Instituto doAçúcar e do Álcool da qual me afastara para poder investir-me nas funções de entãoMinistro.

O resto é história de hoje. Aqui, nesta Casa, mais uma vez nos encontramos,encontro que ocorreu quando o Tribunal procurava ainda sair de uma verdadeiracomoção provocada pela aposentadoria simultânea 'e excepcional de doiscompanheiros. O novo Ministro muito nos ajudou a restituir a Corte à sua vida normalde fiscalizadora isenta è equilibrada da aplicação dos dinheiros públicos. Integrado nonosso meio participo de graves deliberações, de muitas resultando conseqüênciasamplamente úteis à administração pública e ao bem-estar social, como foi esta maisrecente de assegurar-se como piso da aposentadoria o salário mínimo, segundo o votovencedor de Sua Excelência.

Como todos vêem, esse encontro permanente entre mim e Heráclio Sallessolidificou uma amizade que eventuais discordâncias não conseguiram abalar. Nemseria isso possível para duas pessoas que, com afinidade de pensamento, possuemidéias próprias que sempre procuraram expor com clareza e lealdade.

Quero, agora, pedir que o plenário generosamente me perdoe pot ter falado tantode mim mesmo. Mas fui a isto forçado para comprovar que a escolha para orador oficialdesta sessão recaiu em uma pessoa sem dúvida muito suspeita em relação aohomenageado.

Finalmente, Sr. Presidente, devo manifestar a esperança e mesmo a certeza deque, afastando-se da nossa vida diária, o Conselheiro Heráclio Salles não nos deixa. Edirá para nós aquilo que o homem simples e transparente do nosso Nordeste costumaexclamar quando abraça os amigos na partida:

- Vou embora mas não me despeço."

Foi concedida a palavra, sucessivamente, ao Conselheiro Raul Soares da Silveira,ao Conselheiro-Substituto Jesus da Paixão Reis, ao Auditor Raimundo de MenezesVieira e ao Procurador Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz, que se manifestaramda forma a seguir transcrita.

Conselheiro Raul Soares da Silveira:

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"Excelentíssimo Senhor

Conselheiro Heráclio Salles

A justíssima homenagem que lhe está sendo prestada hoje pelos nossoseminentes Colegas, em virtude do seu afastamento voluntário do serviço, público, pormotivo de aposentadoria, significa, antes de tudo, o reconhecimento, por todos nós, desuas elevadas virtudes.

No exercício das funções de Conselheiro deste Tribunal, Vossa Excelênciadestacou-se pela ótica realista que empregou nos seus julgamentos, procurando,sempre, adequar a norma lega às situações de fato com que se defronta aadministração, de maneira a fazê-la respeitada por ser respeitável.

Trouxe Vossa Excelência a esta Corte valiosa e inteligente colaboração,propiciada pela experiência de longos anos dedicados ao serviço público em cargos dealta hierarquia e responsabilidade. Sua invejável capacidade de trabalho aliada à nãodestacável capacidade de visão, sintética dos fatos; sua dedicação exemplar; suahonestidade de propósitos; sua independência; sua acuidade intelectual e organizaçãomental :afeita às lides da cátedra universitária, constituem tributos de sua personalidadepostos ao serviço deste Tribunal e de uma reta intenção nunca desquitada de. exercíciode julgar.

Deixa Vossa Excelência este Tribunal legando-lhe brilhante acervo de alta evaliosa contribuição representada por seus longos anos de -trabalho profícuo, duranteos quais muito deu de seus largos conhecimentos especializados refletidos nos seusjudiciosos votos e nas suas sempre oportunas intervenções nos debates.

Na convivência dia a dia, quando se estreitaram os laços de nossa amizade, muitoaprendi de sua experiência e de seu saber, nos contatos pessoais e na leitura de seustrabalhos.

Estou certo de que aqui se encerra apenas mais uma etapa de sua vida. Outras,sem dúvida, surgirão, pois a sua qualificação intelectual o credencia na busca de novosêxitos.

O jornalismo, que Vossa Excelência professa com tanto brilho, abre-lhe, por certo,novas oportunidades e perspectivas, que auguro sejam amplas e logo se concretizem.

Ao homem fundamentalmente bom e honesto que é tão cristãmente humilde, mastão forte como uma rocha, em sua virtude, quero, no momento em que se encerra suaatividade nesta Corte, prestar-lhe a homenagem do meu respeito e da minha estima,desejando ao inesquecível companheiro que se retira, todo o êxito no Jorna do Brasil,sua nova oficina de trabalho, onde terá a oportunidade de cumprir a patriótica missãode opinar e informar a verdade sobre fatos e acontecimentos de interesse da populaçãobrasileira".

Conselheiro-Substituto Jesus da Paixão Iceis:

"Senhores:

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Com a maior alegria, quero associar-me às expressões de carinho e admiração,com que esta Corte homenageia, nesta sessão solene, o Conselheiro Heráclio Salles,que hoje se despede de nós, em virtude de aposentadoria voluntária.

Se, consoante admite a tradição, toda despedida punge, a dor se torna maiorquando se trata de uma pessoa caracterizada pelo esforço, pela prudência e peloequilíbrio, como é o caso de Heráclio Salles, que sempre se houve nesta Casa demaneira grandiosa e onde deixa a sua marca .pessoal, consubstanciada no exemplo deuma conduta ilibada e em memoráveis estudos, que o consagram como um dosmelhores e mais profundos autores no difícil tema do controle externo da administraçãofinanceira e orçamentária.

Se toda despedida é dolorosa, como dito, no caso do homenageado de hojeconsola-nos a certeza de que S. Exa daqui sai para realizar obra sólida, tanto no campodo jornalismo como no da literatura, setores para os quais tem especial vocação e nosquais seu preparo é dos maiores. Está certeza faz com que a alegria seja maior que atristeza da despedida e transforma esta sessão num momento de júbilo.

Em conseqüência, podemos dizer com satisfação: Vá, Senhor Conselheiro,retome as atividades interrompidas há pouco mais de dez anos, que o Brasil muitoespera da sua probidade e da sua competência. Enquanto isso, nós continuamos aquiem nossa faina, certamente com algum, tempo para admirar o fulgor de sua trajetória.Vá e leve o penhor do respeito e da admiração de todos nós. Que Deus o guie eilumine, são os meus votos".

Auditor Raimundo de Menezes Vieira:

"Senhor Presidente,

As sessões de despedida constituem tradição que se firmou ao longo do tempo,mormente no convívio dos órgãos colegiados.

Aproveitemos, então, o pretexto para prestar homenagem distinta e especial aoeminente Conselheiro Heráclio Salles, que por vários anos emprestou à Corte o melhorde sua experiência e do seu saber, e que agora se afasta de suas funções nesta Corte,mercê de aposentadoria -prêmio a que faz jus pelos relevantes serviços prestados aoErário, no transcurso de mais de três décadas.

Egresso do jornalismo pátrio onde se destacava como um dos seus expoentes,Sua Excelência trouxe para o Tribunal invejável acervo de cultura, haurido no exercíciodiuturno da leitura e no labor constante de suas crônicas.

Não satisfeito com os conhecimentos de então, impôs-se um novo encargo deaperfeiçoar seu já arguto senso de justiça ao freqüentar um curso regular de Direito,vindo a bacharelar-se com brilhantismo, tanto que de aluno exemplar passou deimediato a mestre admirado e respeitado.

A partir de então, os trabalhos de Sua Excelência enriqueceram-se de tal formaque passaram a constituir notáveis contribuições à ia do Direito, bastando citar aqui "DaNatureza das Funções dos Tributes de Contas" e "Da Natureza dos seus julgados",fontes de leitura obrigatória a todos que militam nas Cortes de Contas e a todos quedesejem conhecê-las ou estudá-las;

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Este fato, por si só, já diz muito de sua personalidade. E um homem que não secontenta com pouco quando se trata de desempenhar o seu ofício.

De modo que a permanência do Conselheiro Heráclio Salles nesta Casa não foiapenas uma passagem por ela, mas uma inesquecível estada, na medida em quecontribuiu efetivamente para o renome da Instituição.

Integro, honrado, inteligente e culto, assim é Heráclio Salles, tambémextremamente simples. De um espírito público inexcedível, a preocupação de SuaExcelência com o trato da coisa pública é de tal magnitude que as palavras pendência eparcimônia chegam a ser encontradiças em seus votos.

Não resta dúvida de que Sua Excelência nos fará falta.

Mas, como quer a História, o jornalismo recebe de volta o seu ilustre membro,agora não menos ilustre, porém certamente mais culto, porque a pausa não ocorreusenão como um estágio providencial, talvez, para que Sua Excelência pudesse ampliarseu campo de visão, através das páginas do Direito, em benefício do próprio jornalismo.

Desejo que Sua Excelência seja muito feliz nesta nova etapa de sua vida,juntamente com seus familiares".

Procurador Dr. Lincoln Teixeira Mendes Pinto da Luz:

"Excelentíssimo Senhor Presidente Excelentíssima Senhora Procuradora-GeralExcelentíssimos Senhores Conselheiros e Auditores Senhoras e Senhores

Honra-me, sobremaneira, a missão de representar a Procuradoria nashomenagens desta Corte à magnífica figura de Heráclio Salles, na ocasião em que seretira do Serviço Público.

Desde meus primeiros passos nesta Casa, faz mais de dez anos, impôs-se oConselheiro Heráclio à minha admiração por força das marcas singulares de seucaráter, entre as quais vivamente me impressionaram o brio e a seriedade com que sedevotava aos misteres de seu cargo.

Saído da primeira linha do jornalismo pátrio e genuíno conhecedor dos problemasda Administração, reunia S. Exa mais que suficientes qualificações para a função queaqui exercia. Sua extraordinária integridade exigiu-lhe, no entanto, se lançasse aoaprimoramento e sistematização de seus conhecimentos jurídicos mediante a conquistado diploma de Bacharel em Direito.

De luminosa inteligência, no ápice da maturidade, dotado de sensível memória enotável capacidade de leitura, pôde edificar, sobre os sólidos fundamentos filosóficos ehumanísticos do seu saber, e no breve período de um curso universitário, a respeitávelcultura jurídica que lhe permitiu transitar, assim que formado, da condição de aluno à dedisputado mestre do Direito, em mais de uma disciplina.

Como era inevitável, logo estaria colhendo na atividade docente a mesmaconsideração e o respeito que sempre o cercaram enquanto intelectual, crítico literário ejornalista de escol.

Entre nós, além de constituir permanente modelo de capacidade, coerência eequilíbrio, respondeu por alguns dos mais altos momentos de inspiração a que assistiu

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este Plenário, produzindo votos, discursos e tralhos de primeira água e largarepercussão, em contribuição efetiva para a notoriedade alcançada por nosso Tribunal.

Mas - acima ainda das repetidas provas de talento - vão-nos ficar de S. Ex.ªinesquecíveis lições de lealdade, desambição pessoal, moralidade sem moralismo, eum irretocável exemplo de temperança e morigeração, traduzido no rigor com quesempre encarou a relação do servir com a coisa pública.

Nos últimos anos, vinha-se recusando à insistente convocação afetiva que o atraíade volta ao jornalismo e à cidade do Rio de janeiro. Essa brava resistência chega agoraa termo, e S. Ex.ª atende a indeclinável convite de um dentre os grandes jornais doPaís seus quadros.

Menos mal para nós que egoisticamente deploramos sua partida sabê-lo obrigado,por dever de ofício, a retornar freqüentemente a Brasília, quando nos será possívelmatar um pouco da saudade que antecipadamente já sentimos de seu rico e fascinanteconvívio.

Não é, pois, um adeus, mas um até logo que ora lhe dizemos".

A seguir, falaram o Conselheiro Geraldo Ferraz, a Procuradora-Geral Dr.ª ElviaLordello Castello Branco e o Senhor Presidente para associar-se às expressões dosoradores precedentes. Salientaram Suas Excelências traços marcantes dapersonalidade do Conselheiro Heráclio Salles - competência, bondade, modéstia, amorà verdade, à justiça e à beleza -, lamentando todos a perda de um convívio diário derara e fina qualidade, proveitoso cultural e espiritualmente.

Finalmente, o Conselheiro Heráclio Salles fez o seguinte discurso deagradecimento.

"Senhor Presidente

As homenagens protocolares ou de praxe, como esta, oferecem a vantagem dedeixar o homenageado à vontade para recebê-las quando tem consciência de que asnão mereceria sem o favorecimento da tradição.

É meu caso, com certeza, mas não é, tão certamente, o caso de VossasExcelências, cuja generosidade levaria esta Corte a este mesmo ato por outras razões,fora da praxe ou do protocolo. Toda tradição, aliás, começa de um primeiro gesto, deum primeiro evento que tende a se repetir por força de determinados traços definidoresdo espírito, da personalidade, do comportamento de um povo ou de um grupo social.

Bem se vê que busco uma razão qualquer, capaz de justificar esta sessão, quepassa a ser a última a que compareço por consentimento afetuoso e já não por dever acumprir. Sou grato a cada um dos que compõem, honram e valorizam esta Casa, naqual me senti sempre valorizado e honrado pela companhia dos que a integram, nocorpo de magistrados, no Ministério Público e também nos órgãos instrutivos eadministrativos que lhe oferecem base sólida de sustentação ao desempenho tranqüilode sua alta missão constitucional.

Daqui saio enriquecido, cultural e espiritualmente, por uma convivência de mais dedez anos, da qual recolho por último, como a mais valiosa, a lição da convivência em simesma. A competência de cada um talvez não fosse suficiente para levar este Tribunal

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aos resultados notáveis de seu trabalho, se a característica da lealdade e do bemconviver -que tantas vezes compôs nossas raras e naturais divergências em face de talou qual problema doutrinário ou técnico - não se impusesse como componente principaldo sólido conceito por ele granjeado no conjunto dos órgãos constitucionaisincumbidos, no Brasil, do controle da administração financeira.

Grato sou, portanto, por essa lição de harmonia, de que saberei tirar todo proveitonos anos que me restam para trabalhar.

Gratíssimo fico ao meu prezado e ilustre amigo José Wamberto, a quem aPresidência incumbiu de me dirigir as generosas palavras de despedida que acabo deouvir, sob emoção que não consigo disfarçar. Não creio ter sido, só, a condição dedecano que fez recair em Sua Excelência a tarefa ingrata. Devem ter sido associadas, aesta, a circunstância de estarmos ligados por amizade de cerca de trinta anos e anossa condição comum de profissionais da imprensa, da qual, infelizmente, continuaráafastado por mais algum tempo o velho companheiro do Diário de Notícias. Daimprensa trouxemos ambos para cá o espírito da missão fiscalizadora. E para aimprensa retorno eu, agora, sem haver perdido esse espírito mas, ao contrário, depoisde aqui, haver, pelo confronto de duas formas de fiscalização, fortalecido a convicçãoíntima de que o jornalismo, se bem exercido, é a extensão necessária de mecanismodos quais se arma constitucionalmente o Estado para corrigir a tendência aos desviosde finalidade, que tantas vezes ameaçam obscurecer no horizonte o objetivo supremodo bem geral.

Em relação às Cortes de Contas, cujas decisões não são dotadas daquela"executoriedade inexorável" que caracteriza os julgados judiciais, a repercussão quelhes conferem os órgãos de comunicação é, freqüentemente, a melhor senão únicasanção imposta aos agentes políticos e administrativos transviados da rota da lei: asanção moral. A liberdade de imprensa equivale, por isso, às garantias indispensáveis àatividade da magistratura. A primeira não será jamais tolhida sem que sofram estas asconseqüências do cerceamento fundamental.

Nunca me senti deslocado, nesta Casa, pelo fato de ter vindo para ela, quasediretamente, de uma banca de jornal. E para ela volto sem me sentir desligado damissão que aqui me incumbia desempenhar.

Não estaremos, assim, separados senão pela diferença dos campos de atuação.

Não digo, portanto, adeus, mas me limito a este comovido muito obrigado".

POSSE DO CONSELHEIRO ROGÉRIO NUNES

Discurso do Conselheiro Parsifal Barroso

Ex.mo Sr. Governador do Distrito Federal, Coronel Aimé Lamaison

Ex. mo Sr. Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, que representa o Tribunal deContas da União nesta solenidade

Ex. mos Srs. Conselheiros deste Tribunal

Ex. mos Srs. Secretários de Estado

Demais autoridades que nos honram com suas presenças Senhores Funcionários

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Minhas Senhoras e meus Senhores Douta Procuradora-Geral

Ex.- Sr. Conselheiro Rogério Nunes

Faltaria com a verdade se não revelasse a Vossa Excelência, no momento em quetoma posse e passa a integrar esta Egrégia Corte de Contas, que muito desejei seraquele que, como o intérprete de sentimentos dos júbilos de todo este Tribunal, osaudasse. Missão que poderia ter confiado a qualquer outro, que dela se desincumbiriamelhor do que eu; portanto, foram razões de ordem efetiva que me levaram a solicitaresta preferência, em virtude de Vossa Excelência integrar-se nesta Casa no momentoem que a presido e, sendo, nós dois, até que aqui chegássemos, servos de duasatividades, de duas ciências sociais e práticas - a Política e a Polícia -, pois esteparalelismo existe em virtude de serem ambas as atividades, como artes e técnicas,tanto da Política como da Policia, atividades que não se irmanam apenas pelaetimologia. Ambas são ciências da cidade (polis); tanto a Política, como a Polícia,conceituam-se como ciências de atividades, a serviço da cidade. Mas, além desseparalelismo etimológico, não há dúvida alguma que ambas as atividades, a que euexerci e a que exerceu Vossa Excelência, ambas procedem, decorrem, originam-se, emSociologia, da mesma fonte, que são os fenômenos sociais da autoridade e daresponsabilidade, respectivamente.

Ainda há um detalhe que valeria a pena acrescentar nesta introdução, em queprocuro nivelar as atividades que ambos exercemos ao longo da nossa vida pública, atéo momento do nosso ingresso neste Tribunal. A Política e a Policia, ambas, sãoresponsáveis pela administração da segurança nacional, pela mesma concepção doque se deva fazer em torno da legislação e das providências para a manutenção destasegurança, que é indispensável ao processo de desenvolvimento do organismonacional. Ocorre, por outro lado, que as metas de aperfeiçoamento, tanto a que éconsiderada na Política como a que é visada na Polícia, todas as duas visam, em últimaanálise, àquela meta mais alta, quando cooperam para que a ordem, a segurança e odesenvolvimento da civilização se mantenham sem perturbação.

Vossa Excelência ingressou na vida pública através de concurso feito no DASP,em 1943, mas já com essa vocação despontada antes mesmo que viesse a se formarem Direito e sua ascensão, na carreira profissional, guarda, também, paralelismo com aascensão que tive na carreira política, a ponto de atingirmos o cimo dessas duasatividades quase no mesmo ano em que Vossa Excelência, havendo chegado aotérmino de sua carreira profissional, recebeu do Governo Federal a prova mais alta desua confiança, quando foi colocada sobre seus ombros a cruz plúmbea da CensuraFederal, onde Vossa Excelência esteve de 1961 até quando, em boa hora, SuaExcelência o Senhor Governador Aimé Lamaison - que nos honra com sua presença - olevou para chefiar o seu Gabinete Civil. Mas, Vossa. Excelência passou esses noveanos com essa cruz da Censura Federal, porque estávamos vivendo um momento emque os fatores coercitivos do exercício da atividade da censura estavam mais evidentes,mais fortes, afetando o outro fator que é o da falibilidade humana, própria dacontingência nossa no exercício dessas funções. Tanto é assim que meu mestre WilsonMartins inclui a história da censura entre aquelas que mais ilustram a sua obra. E o fazbaseado num aforisma de um mestre maior do que ele, o grande sociólogo

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norte-americano Edward Jenkinson, para quem, em boa verdade: "censura é censura,não adianta a etiquetarmos de boa ou de má, censura é censura".

Além desse. paralelismo a que estou me referindo, necessário se torna dizer quenos tornamos, os dois, também colegas, quando freqüentamos as sessões daComissão da Ordem do Mérito de Brasília. Vossa Excelência por ser Chefe do GabineteCivil e eu por estar na Presidência deste Tribunal. Tornamo-nos, enfim, amigos atravésdessa vizinhança que há entre o Palácio Costa e Silva e o Palácio Buriti, e ela aindanos aproximou mais por força desta circunstância última, a que dou o maior relevo,devo dizer a Vossa Excelência que, enquanto exerci a militância política, várias vezes,no Congresso Nacional, tive a oportunidade de dizer e provar que, sendo a palavracivilização muito recente nos dicionários, tanto das línguas estrangeiras como da nossa,antigamente substituía a palavra civilização a palavra Polícia, com está em Camões.

Resta-me dizer a Vossa Excelência que o sentido de alegria desta Casa éunânime, e se o traduzo por forma tão canhestra é por causa da emoção de que mesinto tomado, porquanto ao conhecê-lo, no exercício da Censura da Cultura Federal,verifiquei, ao vivo, que para Vossa Excelência, a palavra polícia sempre foi sin8nima decivilização. Resta-me, portanto, justificado por estas razões e respaldado nestesparalelismos que procurei enfatizar, a bem da verdade e da justiça, resta-me apresentara Vossa Excelência, em nome desta Casa, nossos votos de boas-vindas, expressos emtom cordial.

Pode, Vossa Excelência, sentar-se à vontade, honrando essa cadeira que foihonrada por Heráclio Salles.

Esteja como em sua casa, e seja bem-vindo.

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Discurso do Conselheiro Rogério Nunes

Senhor Presidente, Senhores Conselheiros.

Nada poderia ser mais grato, nada poderia constituir maior deferência do que agenerosa acolhida com que me distinguem os senhores membros deste Tribunal. Aeminente distinção que me é conferida neste momento de alto significado para mim,não consegue reprimir a emoção que sinto ao ser saudado pelo Ilustre Presidente destaCorte Fiscal e de ver os numerosos amigos compartilhando deste meu júbilo.

Agradeço a Vossa Excelência, Senhor Presidente Parsifal Barroso -primorosocomo nunca no domínio da palavra, cuja eloqüência sempre adornou as lides jurídicase os embates políticos - esta recepção grandiosa; esta efusão de cordialidade, quetanto exalta e glorifica, que tanto emociona e comove.

Agradecido e emocionado, consagro, em primeiro lugar, as minhas mais sincerasexpressões de reconhecimento ao Excelentíssimo Senhor Presidente da RepúblicaJoão Figueiredo, pela insigne honra que me outorgou ao submeter o meu nome àaprovação do Senado Federal.

Agradecido e emocionado, pouco posso dizer do quanto me penhorou oExcelentíssimo Senhor Governador Aimé Lamaison, ao cumular-me com a láurea maiora que poderia aspirar um antigo servidor, indicando-me para o cargo que ora assumo,

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sendo o convite que dele recebi, nesta fase declinante de minha vida pública, arecompensa nunca sonhada por quem tão pouco realizou em mais de três décadas deintensa atividade funcional.

Guardo também em minha memória e no meu reconhecimento o gesto cativantecom que me gratificaram os Senhores Senadores da República que referendaram aenobrecedora indicação.

Agradecido e emocionado, transmito a todos os que aqui compareceram o meuafetuoso muito obrigado por esta demonstração de estima, por, esta demonstração decordialidade, que tanto me cativa e nobilita. A presença do Excelentíssimo GovernadorAimé Lamaison é honra que recolho e guardo com desvanecimento.

Rendo, ainda, as minhas homenagens ao emérito Conselheiro Heráclio Assis deSalles, a quem sucedo neste posto que ele muito distinguiu com o brilho de suainteligência, sua capacidade de análise e seus criteriosos julgamentos.

Espero agora, humildemente, empenhando todas as minhas reservas deperseverança e de fé, não frustrar a honrosa confiança em mim depositada pelasautoridades maiores, e aqui venho, agradecido e emocionado, com a esperança acesano coração, disposto a oferecer o máximo de dedicação para conseguir corresponder àexpectativa dos diletos amigos que acreditam nas minhas possibilidades,especialmente daqueles que sempre me dispensaram especial consideração.

Aqui me tenho, senhores, satisfeito também, porque; por uma agradávelcoincidência, dá-se a minha posse na data que antecede àquela em que se comemoraa criação da Corte de Contas no Brasil, o que, de resto, merece ser lembrada. Comefeito, há oitenta e nove anos, ou mais precisamente, a 7 de novembro de 1890, oGoverno Provisório implantado com a Proclamação da República, por iniciativa de RuiBarbosa, baixava o Decreto nº 966-A, instituindo o primeiro órgão de controle dasfinanças em nosso País: o Tribunal de Contas.

Na exposição de motivos que acompanhou o diploma legal citado, dizia Rui:

"nenhuma instituição é mais relevante para o movimento regulador domecanismo administrativo e político de um povo do que a lei orçamentaria, masem nenhum também há maior facilidade aos mais graves e perigosos abusos."

A instituição idealizada por Rui Barbosa derivava de necessidade, por elereconhecida, da criação de

". . . um corpo de magistratura intermediária entre a administração e alegislatura que, colocado em posição aut8noma, com atribuições de revisão ejulgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer assuas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em,instituição de ornato aparatoso e inútil."

Com a Constituição de 1934, passou da simples criação em lei ordinária a integraro ordenamento constitucional do Pais, com a fixação de competências que da Carta de1891 não constavam. Consagrou-se, portanto, no mandamento constitucional, o papelfiscalizador do Tribunal de Contas.

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E fiscalizando, como lhe compete, o emprego dos dinheiros públicos, em termo deaplicação conforme a lei, estão os Tribunais de Contas de todo o Brasil zelando pelamais importante das normas jurídicas: a lei orçamentaria, que numa feliz expressão doProfessor Alberto Deodato -deveria chamar-se 'roteiro sentimental", dado o seu papelde programa de governo.

São os Tribunais de Contas, em verdade - quem o afirma é o consagrado SeabraFagundes - um mecanismo dos órgãos do Estado, os entes de controle de maiorimportância no concernente à atividade de execução. Segundo o mesmo autor, ogrande sentido das Cortes de Contas na estrutura política da União, dos Estados e doDistrito Federal, é o controle da moralidade administrativa, não aquela relacionada coma conduta dos administradores, mas apenas, vale ressaltar, no que diz respeito à lisurana aplicação dos dinheiros públicos conforme a lei.

Senhor Presidente

Senhores Conselheiros:

Desculpai-me se estou tomando a vossa atenção com assunto que sabeis melhordo que eu. O que eu desejo com esses dados relevantes sobre o papel dos Tribunaisde Contas, é demonstrar o quanto estou senhor do peso de minha responsabilidade noexercício da nobre função que acabo de assumir.

É inútil querer negar, ou melhor, nem ao menos posso disfarçar a minhaapreensão diante desse soberbo desafio, mas dele me hei de tirar como for possíveltoda a minha dedicação ao trabalho.

Desafio esse que não arrefece em nada o meu ânimo. Ao contrário, revigora aindamais a minha disposição de desempenhar com acerto os encargos recebidos eacordará novas energias no meu espírito, para levar adiante as minhas tarefas,ultrapassar as dificuldades, especialmente as de ordem pessoal, decorrentes dasminhas naturais limitações. Difícil é antecipar o modo e a forma de como superá-las.Mas o homem público, dotado de pensamento e de ação, não pode permanecerestático frente aos embaraços funcionais.

Porque assim entendo, não terei dúvida em recorrer ao precioso tesouro dasexperiências acumuladas neste Tribunal de Contas, e seguir as vossas pisadas,Senhores Conselheiros, embora com passos débeis e desiguais, ao abrigo das vossasinteligências e dos vossos conhecimentos, orientando-me nessa nova e desafiantevereda.

E a todos vós, Senhores Auditores, Procuradores e Funcionários desta Corte, queconcorreis para o bom resultado dos trabalhos aqui desenvolvidos, recebei a saudaçãode quem, acabando de chegar, muito espera da vossa indispensável colaboração.

Aqui me tenho, senhoras e senhores, agradecido e emocionado, predisposto aopleno exercício do elevado cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do DistritoFederal, trazendo comigo uma bagagem muito grande de fé e uma vontade sem limitesde acertar como as maiores forças de que posso valer-me para seguir o rumo que mereservou o destino. Parto firme para o termo feliz desta jornada que hoje inicio. Só peçoa Deus energia suficiente para ser bem sucedido nesse importante mister. E hoje, aquie agora, nesta Brasília de todos nós, Capital do presente e do futuro, comigo, para bem

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exprimir o meu agradecimento e a minha emoção, vendo-me prestigiando por tantaspessoas amigas, a sinceridade das palavras ditas por um proeminente vulto dopassado, Rui Barbosa, o idealizador do Tribunal de Contas:

"Onde quer que me colha o fim de meus dias; um resquício da claridadedesta festa acariciará brandamente as trevas da minha despedida."

A todos, meu muitíssimo obrigado.