Ideologia e Imprensa na Venezuela - letras.ufscar.br · Sylvia and Cabeza, Lourdes Molero de...

29
Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem IDEOLOGIA E IMPRENSA NA VENEZUELA: CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DAS NOTÍCIAS DA SEÇÃO POLÍTICA 1 Sylvia Fernández e Lourdes Molero de Cabeza. Traduzido por Renata Carreon (DL-UFSCar) e Roberto Baronas (DL-PPGL-UFSCar) INTRODUÇÃO Na Venezuela, os meios de comunicação impressos são, em sua totalidade, privados. Eles foram acusados várias vezes de atender a interesses econômicos e políticos de grupos empresariais que os dirigem (Cañizales, 1991) e sofreram censuras e controles estatais. Após o Golpe de Estado de 1992, os meios de comunicação impressos venezuelanos demonstraram um maior interesse pelas informações referentes ao campo político. Desde a chegada à presidência de Hugo Chávez, que comandou o mencionado golpe, a população em geral e os meios de comunicação se polarizaram em dois grupos: oficiais – partidários do governo – e opositores. Na origem da derrubada e reposição do governo do presidente Hugo Chávez em abril de 2002, a crise chegou ao ponto em que foi necessária a mediação internacional por meio de uma mesa chamada de “negociação e acordos”, instalada em novembro daquele ano. Ao mesmo tempo, a oposição do Governo organizou uma greve cívica nacional que se concretizou em 2 de dezembro, e que foi qualificada pelo Presidente como um “golpe midiático”. 1 Este estudo é parte do projeto intitulado Lingüística e discurso jornalístico, do programa de pesquisa Discurso e sociedade, inscrito no Conselho de Desenvolvimento Científico e Humanístico da Universidade do Zulia, Venezuela, sob o número CH 0790-02. Texto inédito em portugués. Fernández, Sylvia and Cabeza, Lourdes Molero de Ideología y prensa en Venezuela: Construcción discursiva de las noticias de la sección política. Rev. signos, 2007, vol.40, no.65, p.497-520. ISSN 0718-0934

Transcript of Ideologia e Imprensa na Venezuela - letras.ufscar.br · Sylvia and Cabeza, Lourdes Molero de...

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

IDEOLOGIA E IMPRENSA NA VENEZUELA: CONSTRUÇÃO

DISCURSIVA DAS NOTÍCIAS DA SEÇÃO POLÍTICA1

Sylvia Fernández e Lourdes Molero de Cabeza.

Traduzido por Renata Carreon (DL-UFSCar) e Roberto Baronas (DL-PPGL-UFSCar)

INTRODUÇÃO

Na Venezuela, os meios de comunicação impressos são, em sua totalidade,

privados. Eles foram acusados várias vezes de atender a interesses econômicos e

políticos de grupos empresariais que os dirigem (Cañizales, 1991) e sofreram censuras e

controles estatais.

Após o Golpe de Estado de 1992, os meios de comunicação impressos

venezuelanos demonstraram um maior interesse pelas informações referentes ao campo

político. Desde a chegada à presidência de Hugo Chávez, que comandou o mencionado

golpe, a população em geral e os meios de comunicação se polarizaram em dois grupos:

oficiais – partidários do governo – e opositores.

Na origem da derrubada e reposição do governo do presidente Hugo Chávez em

abril de 2002, a crise chegou ao ponto em que foi necessária a mediação internacional

por meio de uma mesa chamada de “negociação e acordos”, instalada em novembro

daquele ano. Ao mesmo tempo, a oposição do Governo organizou uma greve cívica

nacional que se concretizou em 2 de dezembro, e que foi qualificada pelo Presidente

como um “golpe midiático”.

1Este estudo é parte do projeto intitulado Lingüística e discurso jornalístico, do programa de pesquisa Discurso e sociedade, inscrito no Conselho de Desenvolvimento Científico e Humanístico da Universidade do Zulia, Venezuela, sob o número CH 0790-02. Texto inédito em portugués. Fernández, Sylvia and Cabeza, Lourdes Molero de Ideología y prensa en Venezuela: Construcción discursiva de las noticias de la sección política. Rev. signos, 2007, vol.40, no.65, p.497-520. ISSN 0718-0934

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

A tomada de posições dos meios de comunicação levou o Governo a traçar

medidas de controle da informação por meio da chamada “Lei de conteúdos”,

rebatizada por alguns meios como “Lei da mordaça” que foi aprovada em dezembro de

2004 sob o nome de Lei de Responsabilidade Social do Rádio e da Televisão.

A informação difundida durante este período reflete que o discurso da imprensa

na Venezuela condiciona a forma com que os indivíduos constroem a realidade e

estabelece a agenda informativa dos assuntos de discussão relevantes na opinião

pública, funções que também pretendem alcançar os líderes através de seus discursos

ideológicos.

Por estas razões, abaixo apresentamos um estudo das notícias da seção política

de dois jornais venezuelanos: Panorama e El Nacional, com o objetivo de analisar a

construção discursiva de um conjunto de textos publicados durante a greve cívica

nacional (dezembro de 2002 até fevereiro de 2003), para conhecer as funções

estratégicas dos discursos da imprensa na Venezuela. Os resultados apresentados são

parte de um projeto de pesquisa mais amplo, em que estudamos os níveis referencial,

conceitual, linguístico e discursivo do conjunto de textos antes mencionado. Neste

trabalho, apenas faremos referencia ao nível discursivo de análise, no qual são descritas

as estratégias de pôr em cena o discurso na situação comunicativa.

A metodologia de análise se fundamenta nos trabalhos de van Dijk (1980, 1990,

1993, 1999, 2000), Adam (1992), Molero (1985, 1999, 2001, 2002, 2003a, 2003b),

Chilton y Shaffner (2000) e Franco (2000), que forneceram as ferramentas de análise

discursiva que sustentam esta investigação.

1. Fundamentação teórico-metodológica

1.1. Categorias do esquema jornalístico

Van Dijk (2000) propõe analisar os discursos em termos de uma quantidade de

categorias formais típicas, com uma ordem e funções específicas. No caso do discurso

jornalístico, van Dijk (1990) propõe quatro categorias: resumo (título e cabeçalho),

contexto e história (antecedentes e acontecimento principal), conseqüências

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

(acontecimentos ou ações conseqüentes e reações verbais) e comentários finais

(avaliação e predição), e outras são opcionais.

“Estas categorias, além de organizar o conteúdo global (temas, macroestrutura)

das notícias, desempenham funções cognitivas e sociais na produção informativa e na

compreensão e memorização da notícia” (van Dijk, 1990: 254).

O princípio geral que rege o encadeamento do discurso noticioso é o da

relevância (conhecido também como modelo de pirâmide invertida): a informação mais

relevante deve aparecer primeiro, seguida pelos níveis mais baixos e, finalmente, pelos

detalhes de cada categoria esquemática respectiva (desde o resumo até os comentários,

passando pelos acontecimentos principais e os antecedentes).

Esta estrutura está estritamente relacionada com as estratégias de produção

jornalística, com a estrutura dos modelos que os jornalistas dos acontecimentos

informativos têm, assim como com as propriedades da leitura da notícia. Não obstante,

cada jornalista seleciona o encadeamento que considera mais pertinente para a

apresentação da notícia, de acordo com as circunstâncias e sua intenção comunicativa.

Em nosso conjunto de textos de estudo, serão identificados os componentes

estruturais de cada notícia, com o objetivo de determinar a sequência hierárquica dos

eventos e os critérios de seu encadeamento, de acordo com a óptica de cada redator.

1.2. Modos de organização do discurso: características mais importantes

Para produzir e compreender os textos, é fundamental conhecer as diferentes

tipologias textuais, formas de elocução do discurso. Diversos autores estabeleceram

estes modos de organização do discurso de acordo com a sua complexidade e seus

componentes linguísticos que operam nos níveis semântico e pragmático. De todos eles,

nos sustentaremos na classificação de Adam (1992), em que “congrega e incorpora as

idéias sobre os gêneros de Bakhtin, as das bases textuais de Werlich e as dos esquemas

ou superestruturas de van Dijk” (Calsamiglia e Tusón, 1999: 2665).

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Em seu trabalho “Os textos: tipos e protótipos”, Adam (1992) expõe um modelo

de sequência textual prototípica que proporciona as bases necessárias para inscrever um

texto dentro de uma tipologia determinada, de acordo com as sequências que o moldam.

Estas sequências são: a narrativa, a descritiva, a dialogal, a explicativa e a

argumentativa. De acordo a como se combinam as sequências no texto é inferida sua

estrutura interna ou “esquema” e a unidade compositiva predominante ou “plano”.

Em geral, os textos são heterogêneos ao mesmo tempo em que são construídos

sobre a base de várias destas sequências. A “dominante” é a que se manifesta em maior

medida, enquanto que a “secundária” aparece em menor proporção, sem deixar de ser

importante. Abaixo observamos as características mais importantes de algumas

sequências prototípicas:

As características mais importantes da narração podem ser observadas no quadro

(Molero, 2002: 45):

Quadro 1. Características da narração

Elementos

lingüísticos Procedimentos discursivos

• Verbos

geralmente no

passado (às vezes

utiliza-se o

denominado

presente histórico)

• Abundantes

advérbios de

tempo

• Conectores

temporais:

conjunções

temporais,

(Segundo Adam, 1992)

• Temporalidade: existe uma sucessão de acontecimentos

em um tempo que transcorre, que avança.

• Unidade temática: é garantida por um sujeito-ator

individual ou coletivo, agente ou paciente…

• Transformação: os estados mudam de tristeza a alegria,

de plenitude a vazio, de pobreza a riqueza, etc.

• Unidade de ação: a partir de uma situação inicial chega-se

a uma situação final através do processo de transformação.

• Causalidade: há uma “intriga” que é criada através das

relações causais entre os acontecimentos.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

locuções, etc.

Para desenvolver a habilidade de elaborar e compreender textos com sequências

descritivas é conveniente saber que os procedimentos para descrever são três:

“ancoragem referencial”, quer dizer, estabelecer o que vamos descrever; a

“aspectualização”, através da qual se apresentam as características, qualidades,

propriedades e as partes do objeto da descrição; e “colocar em relação” o mundo

exterior tanto ao que se refere ao espaço e ao tempo, como às múltiplas associações que

se podem ativar com outros mundos e outros objetos análogos. Vejamos as

características mais importantes no quadro (Molero, 2002: 40):

Quadro 2. Características da descrição.

Elementos lingüísticos Procedimentos discursivos

Predominam na descrição:

• Léxico nominal (substantivos,

adjetivos)

• Estrutura sintática nominal:

apostos, orações adjetivas,

complementação

• Verbos que apresentam

entidades, por exemplo: é, está,

há, parece, tem, constitui,

comporta, conforma, etc.

• Tempos: presente e imperfeito

do indicativo

• Dêiticos de tempo e espaço

acompanhados de elementos

léxicos locativos e temporais.

• A enumeração que pode ir: do geral ao

particular, do todo às partes, ou com

referentes espaciais, de perspectiva (de

longe, panorâmica), de plano (de perto,

detalhe…)

• A identificação (inventários, listas de

recapitulação, nomenclaturas, etc.)

• No âmbito das disciplinas científicas: a

objetividade.

• A definição (artigos de dicionários,

enciclopédias, glossários, textos didáticos,

etc.)

• A descrição só é acompanhada de

representações icônicas: diagramas,

esquemas, mapas, desenhos, etc.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Os textos explicativos são organizados ao redor de certas formas básicas que

podem ser reconhecidas pelo leitor e utilizadas no processo de compreensão: problema-

solução, antecedente-consequente, etc. O quadro abaixo agrega os elementos

lingüísticos e os procedimentos discursivos mais frequentes na sequência explicativa

(Molero, 2002: 42):

Quadro 3. Características da explicação.

Elementos lingüísticos Procedimentos discursivos

• O texto é estruturado apenas com orações

subordinadas causais, consecutivas e finais.

• Os conectores introduzem explicações,

exemplos, relações, causa, consequência ou

finalidade.

• A definição

• A

classificação

• A

reformulação

• A

exemplificação

• A analogia

• A citação

Em relação à argumentação, é preciso assinalar que a prática na análise de certo

tipo de texto nos indica que esta sequência poderia não aparecer na configuração

explícita dos discursos, mas que a análise profunda e detalhada poderia conduzir à

obtenção dos elementos na base da relação argumentativa: “uma asserção de partida”

(A1), uma “asserção de passagem” e uma “asserção de chegada” (A2). A primeira se

configura sob a forma de um enunciado e apresenta dados ou premissas de partidas

destinados a fazer com que seja admitida outra asserção. A asserção de chegada

representa o que deve ser aceito dada a asserção de partida e o laço que a relaciona com

esta. A asserção de passagem justifica o laço de casualidade que une A1 e A2.

O estudo dos modos de organização discursiva nos permitirá conhecer a

combinação de sequências que os redatores empregam para apresentar o acontecimento

noticioso, assim como os recursos linguistico-discursivos desenvolvidos para construir

estas tipologias textuais.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

1.3. Funções estratégicas do discurso ideológico

A análise linguistica completa-se ao definir a situação comunicativa que rodeia o

texto. O modelo de contexto (van Dijk, 1999) representa a forma em que os

participantes do evento comunicativo percebem, interpretam e representam esta situação

comunicativa. É refletido nos “participantes da ação comunicativa e na apresentação,

produção e interpretação do evento comunicativo” (Franco, 2002 : 30). “É uma interfase

entre as representações socialmente compartilhadas e as estruturas do discurso” (van

Dijk, 1999 : 268). Dentro deste modelo, que engloba uma série de categorias,

descreveremos as funções do discurso.

Cada gênero possui uma função específica dentro de seu contexto de ação. Além

disso, da forma como são manejados o propósito, a intenção e as estratégias discursivas,

este discurso servirá para legitimar ou deslegitimar os atores sociais que representa. O

discurso da imprensa, como discurso ideológico, evidencia funções estratégicas

semelhantes a outros tipos de discurso de natureza ideológica, como o político, para

alcançar sua intenção comunicativa, sobretudo nos formatos pertencentes aos gêneros

de opinião ou aos – tão em voga – gêneros híbridos.

Segundo Chilton e Shaffner (2000), as funções do discurso político são:

“coerção”: os emissores atuam coercitivamente mediante o discurso ao dispor a

prioridade dos assuntos, selecionar os temas de discussão e supor realidades que os

receptores são obrigados a aceitar, ainda que seja de forma provisória, para poder

processar o texto; “resistência”, “oposição” e “protesto”: quando são considerados

opositores ao poder, os emissores tentam empregar em um sentido contrário muitas das

estratégias discursivas utilizadas pelos poderosos; “encobrimentos”: são utilizados para

impedir que a massa receba informação ou que algumas pessoas passem informação;

“legitimação” e “deslegitimação”: é encontrada estritamente vinculada a coerção, visto

que estabelece o direito a ser obedecido, ou seja, a “legitimação”. Entre as técnicas

utilizadas incluem-se a projeção de uma liderança carismática, o alarde sobre os

próprios ganhos, e a auto-apresentação positiva. Seu oposto é a deslegitimação: os

outros (inimigos ou oposição) devem ser apresentados negativamente e, para isso,

recorre-se a atos de fala como culpar, acusar, insultar, etc.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Neste trabalho são identificadas algumas destas funções estratégicas mediante a

análise da seleção de fontes informativas e da construção lógico-conceitual do evento de

acordo com os diferentes atores resenhados nas notícias.

1.4. Seleção do corpus

Para a análise discursiva das notícias da seção política dos jornais Panorama e El

Nacional, foram escolhidas todas as notícias publicadas em três meses (dezembro de

2002 a fevereiro de 2003) que coincidem com a duração da greve cívica que foi

comandada pela oposição contra o presidente venezuelano Hugo Chávez. Destas

notícias, foi selecionado um conjunto intencional das notícias produzidas pelos cinco

redatores mais representativos de cada jornal durante a conjuntura estudada.

Quadro 4. Corpus de notícias para a análise.

Jornal Panorama

Cód. Data Loc. Título

PD9 02/12/2002 2-4 “A greve será um fracasso”

PD148 11/12/02 1-6 Mobilizações ante a Pdvsa2

PE31 04/01/2003 1-6 Governo informou um morto e feridos em marcha de Caracas

PE36 05/01/2003 1-3 A oposição é Chacumbele3

PF23 03/02/2003 1-2 “Hoje colocamos a coroa em uma nova vitória”

Jornal El Nacional

Cód. Data Loc. Título

ND309 20/12/2002 A/3 Meios de comunicação contribuíram para criar um clima

eleitoral adequado

ND312 20/12/2002 A/4 A Coordenação tem divergências de como continuar o

2 Petróleos da Venezuela (Pdvsa) é o nome da empresa petroleira estatal, cujos empregados uniram-se à greve cívica nacional para solicitar a renúncia do Presidente.

3 Chacumbele é um personagem de uma música popular cubana, que acaba suicidando-se.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

protesto

NE18 04/01/2003 A/6 Os Ilustres foi o cenário para uma agressão na marcha da

oposição

NF25 03/02/2003 A/2 Os caraquenhos foram às ruas para protagonizar ‘A assinada’

NF303 24/02/2003 A/3 Chávez criticou Gaviria e governantes dos EUA, Espanha e

Colômbia

2. Resultados

2.1. Esquema de organização da notícia

Na maior parte dos textos analisados, as notícias são estruturadas

sequencialmente em várias partes: resumo, contexto (antecedentes), história,

consequências e comentários finais.

Depois de apresentar uma síntese dos pontos mais relevantes do acontecimento,

as notícias descrevem os antecedentes e a história desses pontos, são somadas as

possíveis conseqüências e encerra-se com comentários finais.

É dedicado um maior espaço à narração da história do que ao resto dos

constituintes da notícia. É então esta parte o núcleo e essência do texto jornalístico.

Nos textos do Panorama assim evidencia-se. As notícias estudadas dedicam

entre quatro e dezessete parágrafos para o desenvolvimento da história. Dependendo da

extensão total destes textos, esta parte ocupará mais da metade do corpo da notícia.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Gráfico 1. Esquema de organização da notícia no Panorama

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Em PD9, foi observada a separação mais extensa da categoria identificada como

história (17 parágrafos), ao mesmo tempo em que foram dedicados ao resumo apenas

dois e aos comentários finais, três. Desaparece a descrição dos antecedentes desta

história, além das possíveis conseqüências que poderiam derivar-se dela.

Esta observação é de particular relevância se considerarmos que a notícia traz os

argumentos do Presidente para afirmar que “A greve será um fracasso” (título de PD9).

Não é explicado o contexto que leva o jornal a emitir tal informação, nem as

conseqüências posteriores do “fracasso” da greve. O texto, então, perde coerência e não

fornece os elementos necessários para que o leitor construa um juízo apropriado da

situação descrita.

O caso de PD148 é diferente, pois existe um equilíbrio entre contexto (7

parágrafos), história (10 parágrafos) e consequências (8 parágrafos), mas é dedicada

menor importância ao resumo e aos comentários finais (1 parágrafo cada).

A notícia aborda o recorrido nas diferentes “Mobilizações ante a Pdvsa” (título

de PD148), em que se faz necessário recorrer aos antecedentes que motivaram este

acontecimento, suas características e suas consequências para os manifestantes: pessoas

feridas e outras detidas. Além disso, o jornalista não dedica um comentário final que

demonstre a postura do meio ante estas repressões ou as medidas que serão tomadas a

respeito.

Este mesmo comportamento é observado em PE31, em que o jornalista

concentra-se na narração da história (5 parágrafos) com seu contexto e consequências (3

parágrafos cada). O resumo e os comentários finais apenas ocuparam um parágrafo

cada.

A notícia aborda o evento da Grande Batalha, uma manifestação da oposição em

Caracas. É narrado o contexto no qual surgiu esta marcha, é descrito o acontecimento e

são anunciados seus resultados, na voz dos representantes do Governo. Apesar de ter

como resultado uma pessoa morta e vários feridos, produto da repressão, o jornalista

não dedica espaço à análise deste acontecimento e sua repercussão na história do país.

Outro cenário é desprendido da notícia PE36, que, por suas características,

assemelha-se mais ao gênero de opinião que ao informativo. É ocupado quase o mesmo

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

espaço pela narração da história (5 parágrafos) e pela análise de suas consequências (4

parágrafos). O contexto, o resumo e os comentários finais são desenvolvidos em dois

parágrafos cada.

Afirmamos que este texto apresenta características dos gêneros de opinião ao

mesmo tempo em que o jornalista, desde o momento da construção de um resumo dos

acontecimentos, estabelece sua posição a respeito: “A oposição é Chacumbele” (título

de PE36). O jornalista dedica um bom espaço – proporcional à extensão do texto – à

descrição do contexto, que legitima as bases de sua argumentação, para logo detalhar a

história e suas consequências para o país com uma posição crítica.

Toma a voz de um expert em estudos políticos para justificar sua tese nos

comentários finais. É uma reflexão que lhe permite sustentar que a oposição apresenta

divergências e está autodestruindo-se, ao mesmo tempo em que as ações do Governo

contra seus adversários ficam plenamente justificadas como a saída lógica do conflito.

Finalmente, em PF23 há um maior equilíbrio no espaço dedicado (em

parágrafos) às partes referentes à estrutura da mensagem jornalística: resumo (2),

contexto (5), história (10), consequências (6) e comentários finais (2).

A história narrada refere-se à mensagem de Hugo Chávez em seu programa

semanal “Alô Presidente”, em relação aos triunfos do Governo frente às provocações

plantadas pela oposição: “Hoje colocamos a coroa em uma nova vitória” (título de

PF23). São detalhados os ganhos na reativação de Pdvsa, a recuperação da economia e

as mudanças que serão originadas a partir de novas medidas governamentais.

No final, o jornalista insere uma citação do discurso de Chávez para fechar sua

argumentação a favor dos ganhos do Governo: “Hoje, 2 de fevereiro, estão derrotados,

espatifaram-se. Os golpistas, fascistas, terroristas, manipuladores e enganadores têm o F

do fracasso na cara. Este ano vamos à ofensiva, defendam-se adversários da pátria.

Depois não venham pedir cacau”. Nesta citação resume-se a essência da notícia: a

história e as consequências da greve cívica, vistas da perspectiva do Governo.

No jornal El Nacional é encontrada uma visão oposta, na qual a tendência

registrada nas notícias é a narração da história, mas sem descuidar do contexto e das

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

consequências do evento, sob a postura crítica a favor da oposição. O resumo e os

comentários finais também ocupam um espaço importante em todos os textos.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Gráfico 2. Esquema de organização da notícia do El Nacional

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Na notícia identificada com o código ND309, o maior espaço é ocupado pela

história (10 parágrafos), seguida pelas consequências (3 parágrafos), pelo contexto (2

parágrafos), pelos resumo e comentário (1 parágrafo cada).

A razão de ser desta distribuição tem estreita relação com o propósito do texto.

Este aborda as contribuições dos meios de comunicação no processo de negociações

para a busca de uma saída para o conflito político. Há um maior interesse por detalhar a

história do evento, as consequências positivas que isto trará para o país e os

antecedentes da crise que motivaram a iniciativa dos meios, em representação de um

setor da oposição.

Na notícia ND312, o equilíbrio é maior: resumo (2 parágrafos), contexto (4

parágrafos), história (4 parágrafos), consequências (6 parágrafos) e comentários

(parágrafos).

Este texto, cujo título é “A Coordenação tem divergências de como continuar o

protesto”, centra-se na explicação das consequências do desacordo no seio da agrupação

política, através da narração da história desta realidade. Para o leitor, a explicação dos

efeitos da debilidade da oposição tem um maior valor informativo, assim como os

comentários analíticos que possa apontar o jornalista. Tendo isto em vista, foram

dedicados quatro parágrafos aos comentários de fechamento da notícia, nos quais

adiantaram-se as novas ações a serem empreendidas pelos adversários do governo.

As características da notícia NE18 determinaram uma distribuição diferente do

espaço para desenvolver o esquema jornalístico. Este texto descreve o evento A Grande

Batalha, uma marcha convocada pela oposição na qual os seguranças reprimiram os

manifestantes.

Isso explica a ênfase sobre os antecedentes que desembocaram na repressão que

causou vários feridos. Um total de oito parágrafos constrói a descrição cronológica e

sequencial do contexto que originou o evento, em seguida é narrada sua história em seis

parágrafos. As consequências e os comentários finais apenas ocuparam um parágrafo

cada, em que lhe resta coerência ao texto, pois o valor noticioso desta informação é

centrado nos efeitos da repressão: os feridos na origem do enfrentamento. Por outro

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

lado, a posição do meio ficou sintetizada no resumo da informação, antes que pudessem

ancorar os argumentos necessários para fundamentá-la.

A notícia NF25 concentra-se na narração da história do evento resenhado: a

jornada de recolhimento de assinaturas para solicitar o revocatório presidencial. Ao

longo de 29 parágrafos, são detalhadas as atuações dos protagonistas do acontecimento:

os que assinaram, os voluntários, os partidos políticos durante A Assinada.

Os antecedentes foram desenvolvidos em 9 parágrafos, em que se reconta os

processos pelo quais passou a oposição para recolher as assinaturas. Em seguida, em

cinco parágrafos, comenta-se os efeitos desta jornada de participação popular, junto

com dois parágrafos de fechamento da informação, em que o jornalista inclui as vozes

de vários participantes para expor suas razões para pedir a saída do Presidente.

A última das notícias que forma o conjunto de notícias do El Nacional (NF303)

resenha a alocução do Presidente da República em relação aos comentários antes

emitidos por vozes internacionais: “Chávez criticou Gaviria e governantes dos EUA,

Espanha e Colômbia” (título de NF303).

A natureza da informação exigiu que o jornalista distribuísse de forma

proporcional os constituintes do esquema jornalístico, para assinalar igual importância

aos antecedentes do evento (7 parágrafos), à história (8 parágrafos) e às consequências

(7 parágrafos). Primeiro introduz a resenha com um minucioso resumo (de dois

parágrafos no início e dois mais no meio de corpo da notícia) dos aspectos tratados pelo

Presidente em seu programa semanal “Alô Presidente”. Depois, comenta os

antecedentes que explicam as reações do Presidente: as opiniões expressadas por

Gaviria, Aznar, Uribe e Bush sobre a situação da Venezuela. Estas opiniões geraram

comentários negativos do Presidente, que são ampliados na história da informação.

Nas consequências são enunciadas as medidas – e ameaças – que assinala o

Presidente como resposta aos comentários dos porta-vozes e às ações de seus

adversários políticos. Nos comentários finais, o jornalista faz um balanço dos tópicos

discutidos pelo Presidente em seu programa e, além disso, destaca os aspectos que este

último evitou, como o desemprego e a inflação.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

2.2. Modos de organização dos discursos

Nos textos analisados, são empregados diferentes modos de organização do

discurso segundo a intenção comunicativa pretendida.

Assim, a sequência dominante no Panorama é a narração com o apoio de

citações informativas, empregadas para se obter o efeito de imparcialidade, pois a

informação é emitida pelas vozes consultadas, de maneira que o jornalista não se

envolve nas afirmações de suas fontes. A seleção intencional das fontes favorece a

versão oficial frente à oposição. Esta estratégia evidencia-se nos exemplos PE31:

Segundo um dos PM4 que ali se encontrava, o homem foi confundido com um

jornalista do canal do Estado, e por isso foi rodeado por uma multidão que começou a

agredi-lo física e verbalmente.

“Já foram apresentadas as provas de que a Polícia Metropolitana foi quem

disparou. Já existem vídeos que estão mostrando”.

De forma semelhante são inseridas as sequências narrativas em PD9, em que há

uma intercalação de citações diretas e indiretas do presidente Hugo Chávez, que exerce

o posto de narrador das ações resenhadas na notícia: uma situação inicial (início do

programa “Alô Presidente”), uma complicação (as ameaças aos canais de televisão),

uma resposta ou avaliação (ante as manifestações da oposição), uma resolução (convite

à Guarda Nacional para prender os manifestantes) e uma moral da história (felicitação

ao Panorama). A narração, pois, constitui-se graças às citações, como se comprova no

exemplo:

“Vão se acostumando à verruga”, disse o Presidente depois de descartar um

novo levantamento militar na República e comentou que “os desesperados da oposição

sonham com isso, com um golpe, mas isso não acontecerá nunca mais na Venezuela”.

4 A PM (Polícia Metropolitana) é o organismo de segurança de Caracas, vinculada na época com a oposição do governo, pois o prefeito da cidade de Caracas era um dos principais líderes que se opunham ao presidente Hugo Chávez.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Do mesmo modo, em PF23, junto à sequência narrativa dominante, é descrita a

situação atual do país da perspectiva do Governo. Em suas palavras, são encontradas

várias tentativas para argumentar os despidos de Pdvsa, a repressão às manifestações da

oposição e o desconhecimento das assinaturas re-coletadas no referendo revocatório do

mandato presidencial. Em sua totalidade, as premissas foram baseadas na

deslegitimação do proceder da oposição e seus representantes:

“Essas assinaturas estavam envenenadas, de um banco transferiram muitas das

assinaturas, por isso se negaram a publicá-las. Não estranhe se você é um boliviano e

aparece ali. O que essa gente quer é desestabilizar. Eu não vou discutir com golpistas,

com terroristas, e tenho a firme convicção de que estes senhores das redes privadas, essa

corrente da oposição fascista, são uns castrados, competem para ver quem é mais

mafioso”, asseverou o governante.

Observamos até aqui que a sequência narrativa une-se a outras sequências

secundárias de natureza descritiva que permitem descrever o acontecimento e seus

resultados.

O único dos textos do Panorama que não segue esta tendência é o PE36, no qual

a sequência dominante é a argumentativa. O objetivo central deste texto é argumentar a

tese de que “a oposição é Chacumbele”, empregando como premissas as contradições

entre os representantes da Coordenação Democrática em relação às medidas a tomar

para manifestar seu desacordo com o Governo. No exemplo incluem-se algumas destas

premissas:

A coordenadora da oposição, a CTV e Fedecámaras começam a ser vítimas de

sua própria retórica. O passado 2 de dezembro iniciou uma parada nacional para buscar

uma saída eleitoral para a crise política, agora a tem ante seus narizes – o referendo

consultivo convocado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para o 2 de fevereiro –

mas a greve é agora quase impossível de parar”.

A descrição e narração estão a serviço da argumentação. É descrita a situação,

graças ao emprego de qualificativos que deslegitimam a oposição e suas ações. As

citações são usadas para justificar as premissas, de resto, o jornalista toma a voz de um

expert para fornecer a conclusão de seu argumento: “a oposição é Chacumbele”.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Estas duas sequências – narração e descrição – são as dominantes no El

Nacional, em que se observa uma tendência a narrar e descrever o acontecimento

segundo a percepção do jornalista/meio, com um apoio menor das fontes (em sua

totalidade opositoras).

Assim evidencia-se no texto NE18, em que a narração parte de uma situação

inicial (marcha), que logo se complica com o enfrentamento, há uma reação das partes

envolvidas e uma solução parcial quando os corpos de segurança conseguem dispersar

os manifestantes.A descrição é baseada no título e vai adquirindo força ao longo do

texto graças ao emprego de qualificativos e à especificação de informações sobre o

tempo e o espaço relacionados com o evento, como é observado no seguinte exemplo:

A segurança reprimiu com gás lacrimogêneo e armas de gás comprimido a

marcha de oposição denominada a Grande Batalha, depois que os participantes

enfrentaram simpatizantes do governo que lhes impediram a caminhada até o Passeio

Los Próceres, onde realizariam um ato contra a prisão do general Carlos Alfonso

Martínez”.

O jornalista também faz uso de sequências argumentativas para defender

diferentes idéias do texto:

(os meios estão) “Desarmados, quase às dez da manhã, os boinas vermelhas já

haviam participado de atos de violência contra os meios. Tentaram rodear os repórteres

da Globovisión e Venevisión, para insultá-los e repreendê-los. Assim mesmo, eles

desarmaram os andaimes que serviriam para as transmissões da marcha. Os chavistas,

em questão de minutos, tombaram a infra-estrutura e levaram os materiais, deixando os

jornalistas sem parte de seus instrumentos de trabalho”.

No exemplo, são construídos argumentos que levam a conclusão de que os

meios de comunicação foram desarmados pelos partidários do governo, como

hierarquiza no inter-título, que justifica de maneira implícita as reações da oposição

contra os simpatizantes do governo.

Essa tendência de combinação de sequências narrativas, descritivas e

argumentativas é observada no resto dos textos do El Nacional, salvo em NF303, onde a

narração com apoio de citações é a sequência dominante, como se observou nas notícias

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

do Panorama. Isto provavelmente deve-se ao fato de que nesta notícia resenha-se uma

alocução presidencial, pelo qual se justificava a inclusão abundante de citações. Além

disso, o meio prefere deixar claro que as afirmações e ameaças apresentadas

correspondem ao Presidente, graças ao qual o meio se desvincula de qualquer

associação com elas.

A narração permite dar linearidade aos acontecimentos, pois está inserida na

ordem em que foram emitidas as explicações registradas. Existe, além disso, a intenção

do jornalista para argumentar uma posição negativa de Chávez em relação aos meios de

comunicação, e para isso o jornalista recorre a uma série de citações que guardam

ameaças dirigidas aos canais de televisão comerciais:

“Chávez dedicou boa parte de seu programa para criticar os meios de

comunicação. O governante pediu ao ministro Cabello os informes dos procedimentos

administrativos contra as centrais televisoras ‘para ver como isso está sendo

conduzido’”.

2.3. Elementos para-textuais

Tanto no Panorama quanto no El Nacional foram empregados elementos para-

textuais para ressaltar informação dentro das notícias, para reforçar seu propósito

comunicativo e para chamar a atenção dos leitores. O uso de fotografias, ilustrações e

recursos tipográficos contribuiu para destacar as notícias analisadas do resto das

informações da mesma página, além de suas localizações preferenciais no jornal por

tratar-se de notícias políticas: primeira página de corpo, última página de corpo ou

página dupla na metade do corpo.

Em todos os textos do Panorama aparecem pré-títulos, títulos e inter-títulos para

focalizar a atenção do leitor em elementos ressaltados da informação. Assim mesmo, os

sumários apresentam resumos das idéias principais da notícia. Deste modo, é garantido

ao leitor que só olha os títulos e sumários que perceba uma informação mais completa,

no limite do possível.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Em todos os textos aparecem também a fotografia em lugar de destaque; que

complementa o conteúdo da notícia, reforça e atrai a atenção para a leitura.

Com exceção da notícia PD148, no qual é mostrada uma imagem das

concentrações dos opositores e outra de oficiais, no Panorama mostra-se um só plano da

realidade: em PD9, uma fotografia de Hugo Chávez – fonte de informação da notícia –

desdobrada em 4 colunas; em PE31, uma imagem da marcha denominada a Grande

Batalha, momentos antes do enfrentamento (onde não é possível distinguir agressores

nem agredidos), ocupando 4 colunas; em PE36 uma imagem dos manifestantes da

oposição, portando lemas e apitos, em 4 colunas; e em PF23, uma fotografia de Hugo

Chávez – fonte de informação – ao longo de 3 colunas. Todas estas fotografias são em

preto e branco, salvo a imagem da Grande Batalha em cores vivas e chamativas.

No El Nacional também foi comprovado o uso de elementos para-textuais para

ressaltar informação e para dirigir a atenção do leitor para determinadas partes do texto.

Além disso, notou-se um uso significativo das ilustrações como símbolo da greve cívica

nacional: todas as notícias concernentes à greve, direta ou indiretamente, levavam uma

imagem de um operário de cabeça baixa, para representar a paralisação das atividades

produtivas do país.

Da mesma forma, as notícias sobre a re-coleta das assinaturas para solicitar o

referendo revocatório identificaram-se com um gráfico de um lápis híbrido com um

maço semelhante ao empregado pelos juízes, com um rastro das cores da bandeira

nacional, para significar o poder das assinaturas do ponto de vista jurídico para

conseguir a saída do presidente.

As fotografias são também um recurso aproveitado pelo jornal. Todas as notícias

analisadas mostram imagens dos eventos resenhados, e em alguns casos, mais de uma.

O texto NE18 inclui 20 fotografias, de diferentes ângulos e cores dos sucessos

da Grande Batalha. Ocupam, em conjunto, um espaço superior ao do texto. O texto

NF25 também emprega a fotografia como protagonista; deseja-se demonstrar com

imagens a participação massiva no evento “A Assinada”. Na notícia ND312 é incluída

uma fotografia de arquivo de uma concentração da oposição, para identificar o tema da

notícia: as divergências enquanto continuar o protesto ou não. Todas estas imagens

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

destacam os participantes da oposição como vítimas (em N18) ou como o setor pacífico

no confronto político nacional (em NF25 e em ND312).

O texto NF303 retrata César Gaviria, representante da OEA na Venezuela,

mesmo quando a fonte principal de toda a notícia é o presidente Hugo Chávez. Aqui se

evidencia o como o meio privilegia uma imagem neutra (visto que não pertence nem ao

governo venezuelano e nem à oposição) para evitar identificar-se com algum grupo.

Em relação aos títulos, El Nacional prefere os extensos (mais de 12 palavras)

destacados em negrito, ao mesmo tempo em que é pouco frequente o uso de pré-títulos.

O sumário sempre aparece para introduzir as notícias e apresenta um resumo do que

será ampliado na continuação. Destaca-se uma linha inicial em negrito e com uma

tipografia distinta do resto do corpo da informação.

As características da diagramação dos textos analisados demonstram o interesse

de ambos os jornais para destacar informações apresentadas, mediante o uso de

tipografias chamativas, fotografias, desprendidas em várias colunas, ilustrações, entre

outros recursos empregados para dirigir a atenção do leitor para o texto jornalístico.

2.4. Funções estratégicas

Depois de revisar as estratégias discursivas escolhidas pelos emissores da

informação, é possível determinar sua intenção no momento de produzir a notícia. De

acordo com esta intenção, o discurso resultante poderá legitimar ou deslegitimar um

setor, encobrir informação, coagir, opor-se ou protestar.

As funções predominantes no Panorama e no Nacional foram as de legitimação e

deslegitimação, seguidas de encobrimento. No entanto, a forma como estas funções são

empregadas é característica de cada meio e, em alguns casos, oposta.

Nos textos do Panorama busca-se legitimar o setor oficial, ao mesmo tempo em

que deslegitima o proceder da oposição. Assim evidencia-se em PD9; por um lado, se

legitima a recuperação econômica que o Governo conseguiu apesar da greve; por outro,

culpa-se à oposição pela crise, de modo a deslegitimar suas ações e comportamentos.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

O texto PD148 usa principalmente a função de deslegitimação, pois, posterior à

apresentação das versões dos grupos, deslegitima-se o protesto opositor e propõe-se

evitar que se sigam produzindo.

A notícia PE31 apresenta esta mesma lógica, na qual são mostrados os

comentários e reações de oficiais e opositores em relação com uma manifestação, mas é

deslegitimado o comportamento da Polícia Metropolitana (vinculada com a oposição) e

é legitimado o setor oficial, ao vitimá-lo e livrá-lo de responsabilidades na repressão do

protesto. Deste modo, encobre-se informação importante, relativa aos resultados do

enfrentamento e aos agentes repressores.

A tendência do Panorama de deslegitimar a oposição como estratégia para

legitimar o governo fica em evidência no texto PE36. Absolutamente em todos os temas

trabalhados busca-se deslegitimar as ações e comportamentos da oposição, para

conseguir uma dedução lógica: “A oposição é Chacumbele” (título de PE36).

Outra forma de motivar a adesão dos leitores à ideologia oficial é por meio da

apresentação positiva deste setor. Assim se observa na notícia PF23, na qual se legitima

o governo por sua capacidade de sobrepor-se à greve cívica e conseguir a reativação

econômica do país. Por outro lado, reforça-se esta motivação ao deslegitimar o

referendo revocatório – estratégia da oposição para solucionar o conflito – e coagir os

adversários do Presidente, que são ameaçados com castigos penais.

Esta estratégia de apresentar positivamente um setor – com o qual se concorda –

e apresentar negativamente o outro – ao qual se é contra – é observada também no El

Nacional, só que o objeto da legitimação foi a oposição e da deslegitimação, o Governo.

Em ND309 os legitimados são os meios de comunicação que desejam apontar

soluções para a crise política, ao mesmo tempo em que os deslegitimados são os

representantes oficiais que não assistem às sessões da Mesa de Negociação e Acordos,

que gera atrasos nos convênios; quer dizer, os primeiros têm iniciativas a favor de uma

saída pacífica, os segundos não. A oposição, então, faz uso da função estratégica do

protesto para exigir de Gaviria um informe definitivo que exponha esta realidade aos

organismos internacionais.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Não obstante, nem todos os textos mostram-se tão explicitamente a favor de

legitimar a oposição. A notícia ND312 deslegitima as divergências na oposição, na

origem das declarações contraditórias de alguns de seus representantes, que já tinham

sido resenhadas por outros meios. Deste modo, o jornalista faz ver sua capacidade

crítica e sua vontade de emitir juízos imparciais.

Apesar disto, são encobertas algumas informações sobre a medida cautelar

ditada pelo Supremo Tribunal de Justiça contra a oposição.

A partir daqui observa-se como o jornal começou a fazer uma distinção entre os

opositores; uma divisão entre a oposição que deseja uma saída pacífica, a qual se

legitima, e uma oposição divergente, contraditória, que é deslegitimada por não apontar

saídas para a crise.

Assim, em NE18, é legitimada a oposição pacífica, representada pelos

manifestantes opositores e pela Polícia Metropolitana, ao contrário de uma oposição

violenta que é deslegitimada, que atacou um representante da Defensora do Povo.

O El Nacional constitui-se, então, como um defensor da paz e demonstra que

não se identifica com nenhum evento de violência, ainda que esteja liderado pela

oposição. Desta forma, deslegitima a participação dos oficiais na manifestação, pois os

apresenta como agressores (“os chavistas, em questão de minutos, tombaram a infra-

estrutura e levaram os materiais, deixando os jornalistas sem instrumentos de trabalho”)

e os corpos de segurança do Estado, aos quais qualifica de repressores (“os

manifestantes da oposição por momentos culpavam à Guarda Nacional, acusando-a de

cubana e de ‘ter cabresto’”).

A notícia NF25 apresenta melhor a afiliação do jornal a uma oposição pacífica.

Durante todo o texto legitima-se a atitude voluntária e participativa dos assistentes da

re-coleta de assinaturas para solicitar o referendo revocatório. O meio empresta seus

espaços às vozes dos participantes, para que exponham os motivos de seu

descontentamento com o Governo, em uma tentativa para deslegitimá-lo, mas sem

apelar para a violência.

A estratégia de deslegitimação no texto NF303 é ainda mais elaborada. Primeiro

são empregadas as mesmas palavras do Presidente em seu programa semanal, onde

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

legitima as ações do Governo. Empresta a ele seus espaços para que mostre sua

resistência à participação de outros países que são contra ele. Finalmente, deslegitima

todo o discurso presidencial, pois destaca a fuga de temas muito mais relevantes para a

população e que foram encobertos pelo Presidente: o desemprego e a inflação.

É uma estratégia em que a mesma fonte – o Presidente – constrói as bases de sua

própria deslegitimação, fazendo o meio parecer um mero apresentador da realidade. Isto

faz com que suas funções estratégicas, ao serem menos evidentes, sejam mais efetivas.

2.5. Modelo de contexto

Na figura abaixo se resumem as relações entre emissor e receptor do discurso

jornalístico analisado e as circunstâncias que rodeiam a situação comunicativa.

Nos discursos analisados, o emissor está representado pelo meio de

comunicação, moldado por seus jornalistas de central e editores, executores das

políticas informativas da empresa jornalística. Estes jornalistas desempenham, por sua

vez, sua função social como cidadãos com convicções ideológicas – e afiliações

partidárias – políticas – e sua função profissional como comunicadores com

responsabilidade social normalizada por códigos deontológicos, leis e regras

reguladoras de seu exercício.

Na situação estudada, a função profissional e a social entram em conflito, pois a

segunda condiciona a atuação da primeira.

A mensagem resultante evidencia: a) inclinação no manejo das fontes

informativas; b) uso intencional de sequências dialogais, argumentativas, narrativas e

descritivas; e c) tendência a favorecer a determinados grupos na apresentação de

fotografias; por só citar os indicadores mais importantes, que formam parte das

estratégias do jornalista/meio identificado com um grupo político (governo ou

oposição).

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Além disso, com menor incidência, aparecem algumas estratégias do jornalista

em sua função profissional, como o uso de fontes de ambos os grupos (como podemos

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

observar no Panorama em PD148, PE31 e PE36) ou a inclusão dos dois grupos nas

mesmas categorias de agressores e vítimas (como vemos no El Nacional em NE18), o

que gera a idéia de “imparcialidade”.

Em relação ao receptor, este pode pertencer a um grupo ou a outro, ou

simplesmente encontrar-se em uma posição intermediária. O jornalista/meio maneja

informação sobre seu público-alvo. Sua informação está destinada a reforçar a opinião

deste público ou a conseguir o convencimento dos emissores que discordam desta

opinião.

Este propósito persuasivo fica encoberto sob o discurso jornalístico: representar

o acontecimento noticioso; mediar, mediante seu discurso, entre a realidade e o público.

Ainda que este último propósito seja cumprido, a caracterização resultante guarda

grandes distâncias em cada meio analisado, ante o qual não é possível determinar qual é

a representação mais próxima da realidade.

Dentro do discurso jornalístico, encontramos traços distintos do discurso

ideológico, que se serve das estratégias de legitimação do próprio grupo e de

deslegitimação do outro, além do encobrimento de informação que afeta o próprio

grupo ou que favorece o outro. O resultado deste discurso jornalístico-ideológico é a

polarização da opinião pública em dois setores em constante luta, onde o reencontro ou

o consenso faz-se cada vez mais utópico.

CONCLUSÕES

Para concluir, as notícias analisadas demonstram, por meio de sua organização

discursiva, um propósito comunicativo de acordo com as funções estratégicas do

discurso ideológico: legitimar um setor e deslegitimar outro.

Nos textos é observada uma combinação de sequências narrativas, descritivas e

argumentativas segundo a intenção de comunicação do jornalista/meio, com o apoio de

citações diretas e indiretas, selecionadas de forma desigual, o que induz os leitores a não

considerar os produtos discursivos como confiáveis e muito menos como imparciais.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Os jornalistas selecionaram formas de hierarquização da informação que não

cumprem com as funções básicas do jornalismo: informar os aspectos mais relevantes

do acontecimento jornalístico. Em troca, encobriram informação, privilegiaram umas

fontes sobre outras, não forneceram detalhes sobre as causas das ações resenhadas nem

suas possíveis consequências.

As notícias analisadas representam uma realidade social e política localizada em

um mesmo contexto. Além disso, constroem para-realidades tão diferentes entre si que

chegam a ser contraditórias. Produto da inadequação da mensagem jornalística, o leitor

é vítima da desinformação, constrói visões distantes da realidade e isso repercute em sua

atuação ideológica como membro da sociedade.

O leitor crítico dá conta da deturpação da informação; o analista descobre estas

estratégias e as explica. Na era atual, caracterizada pela globalização da informação, os

leitores podem recorrer a diversos meios para construir suas visões da realidade e não

conformar-se com a parcialidade que lhe oferecem alguns jornais de circulação

nacional, os quais devem revisar suas estratégias e oferecer melhores produtos

informativos aos leitores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adam, J.-M. Les textes. Types et prototypes. Paris: Nathan, 1992

Calsamiglia, H. & Tusón, A. Las cosas del decir. Manual de análisis del discurso.

Barcelona: Ariel, 1999.

Cañizales, A. Los medios de comunicación social. Caracas: Centro Gumilla, 1991.

Chilton, P. & Shaffiner, Ch. Discurso y política. En van Dijk, T. (Compilador), El

discurso como interacción social (pp. 297-329). Barcelona: Gedisa, 2000.

Franco, A. Pragmática y gramática comunicativa. Utopía y praxis latinoamericana,

5(9), 81-93, 2000.

Revista Linguasagem – 9° Edição // www.letras.ufscar.br/linguasagem

Molero, L. Lingüística y discurso. Maracaibo: Facultad Experimental de Ciencias, 1985.

_____. Análisis de dos discursos del proceso electoral de 1998 bajo un enfoque

semántico pragmático. En Bolívar, A. & Kohn, C. (Compiladores), El discurso político

venezolano. Un estudio multidisciplinario (pp. 145-158). Caracas: Tropikos, 1999.

_____. Formas y estrategias de persuasión en el discurso político venezolano. La

construcción del "yo" y del "otro" bajo un enfoque semántico y pragmático. Discurso y

Sociedad, 3(4), 79-106, 2001.

_____ . Hablar y escribir para aprender en el aula. En J. Cabeza, A. Franco & L. Molero

(Compiladores), Lingüística, semiótica y discurso (pp. 32-49). Maracaibo: Universidad

Católica Cecilio Acosta, 2002.

_____. El enfoque semántico-pragmático en el análisis del discurso. Visión teórica

actual. Lingua Americana, VII(12), 5-28, 2003a.

_____. Recursos lingüísticos y estrategias discursivas en la construcción de la imagen

del pueblo en el discurso político venezolano. Oralia, 6, 215-236, 2003b.

van Dijk, T. Estructura y funciones del discurso. México: Siglo XXI, 1980.

_____. La noticia como discurso. Comprensión, estructura y producción de la

información. Barcelona: Paidós, 1990.

_____. Texto y contexto. Semántica y pragmática del discurso. Madrid: Cátedra,

1993.

_____. Ideología. Un enfoque multidisciplinario. Barcelona: Gedisa, 1999.

_____ (Compilador). El discurso como estructura y proceso. Barcelona: Gedisa,

2000.