A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William...

20
45 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 45-62, nov. 2007 Adam David Morton A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO GLOBAL EM QUESTÃO 1 Recebido em 1º de agosto de 2007. Aprovado em 15 de agosto de 2007. A contribuição de Alex Callinicos para o debate sobre a geopolítica do sistema de estados e a modernidade capitalista chama de modo crucial a atenção para as Relações Internacionais (RI) e a Economia Política Internacional (EPI). Além disso, nos posicionamentos antagônicos em debate sobre a economia política do conflito geopolítico, a rivalidade entre os estados e o imperialismo capitalista, os insights de Antonio Gramsci têm-se feito notavelmente presentes pela sua ausência. Este artigo busca contribuir para o diálogo iniciado por Alex Callinicos chamando atenção para a relevância de Gramsci para a teorização das relações entre o sistema de estados e o capitalismo. Para tanto, mostra como a teoria da revolução passiva pode revelar a atuação política do capital, relacionando internamente o sistema de estados e a modernidade capitalista em termos de desenvolvimento desigual. Essa preocupação é evidente na análise que o próprio Gramsci elabora do capitalismo anglo-saxão e da geopolítica do sistema de estados em suas notas em Americanismo e fordismo. Essa teorização da revolução passiva do capital pode, assim, oferecer uma base frutífera sobre a qual um plano de pesquisa empírica sobre o desenvolvimento social possa ser aprimorado em relação aos processos de constituição de estados pós-coloniais. PALAVRAS-CHAVE: Antonio Gramsci; capitalismo; revolução passiva; estados pós-coloniais; Relações Internacionais; Economia Política Internacional. 1 Versões anteriores deste artigo foram apresentadas na III International Gramsci Society Conference, “Antonio Gramsci: a Sardinian in the ‘Vast and Terrible World’”, realizada em Cagliari-Ghilarza-Ales (Itália), entre 3 e 6 de maio de 2007, no BISA Working Group on Historical Sociology e na oficina de Relações Internacionais (RI) sobre o tema “The Postcolonial in World Politics”, realizado em Londres, em 7 de junho de 2007. Sou grato a todos os participantes de ambos os eventos, bem como a Andreas Bieler, Peter Ives, John Hobson, Ray Kiely e Alf Nilsen por suas indicações e seus comentários. A responsabilidade por incorporar seus insights de maneira adequada (ou não) aos argumentos abaixo é inteiramente do autor. Tradução de Paulo H. Arruda e revisão técnica da tradução de Leandro de Oliveira Galastri e Gustavo Biscaia de Lacerda. I. INTRODUÇÃO O debate nas Relações Internacionais (RI) e na Economia Política Internacional (EPI) insiste em negligenciar a contribuição do materialismo histórico para a compreensão da relação entre a geopolítica do sistema de estados e a modernidade capitalista (p. ex., BUZAN & LITTLE, 2000). Além disso, uma autoridade raramente citada no debate histórico-materialista acerca da relação entre as circunstâncias geopolíticas do sistema de estados e a modernidade capitalista é Antonio Gramsci. Mais comumente, busca-se inspiração em uma leitura inovadora do que Leon Trotski entendia acerca das condições de desenvolvimento desi- gual e combinado no curso da história mundial e seu impacto na geopolítica (cf. TROTSKI, 1936; TESCHKE, 2003; ROSENBERG, 2005; 2006). Um aspecto ainda menos mencionado nas RI e na EPI é a maneira espacial pela qual Gramsci enxer- gava a interação entre o sistema de estados e as condições internacionais de hegemonia capitalis- ta. De modo excepcional, Edward Said argumen- tou que Gramsci desenvolveu uma consciência crítica que era tanto geográfica quanto espacial em suas coordenadas fundamentais, a ponto de situar a luta de classe acima da hegemonia em “geografias desiguais” (unequal geographies). Isso revela uma percepção espacial da história mundial, enraizada em geografias e relações soci- ais de desenvolvimento complexamente desigual (SAID, 2000, p. 467-470). “Gramsci era extre- mamente sensível a questões de escala, hierarqui- as escalares de força econômica, política, intelec- tual e moral”, acrescentou Bob Jessop, “e suas expressões territoriais e não-territoriais”. Isso foi articulado enfocando o sistema de estados como

Transcript of A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William...

Page 1: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

45

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 45-62, nov. 2007

Adam David Morton

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E OCAPITALISMO GLOBAL EM QUESTÃO1

Recebido em 1º de agosto de 2007.Aprovado em 15 de agosto de 2007.

A contribuição de Alex Callinicos para o debate sobre a geopolítica do sistema de estados e a modernidadecapitalista chama de modo crucial a atenção para as Relações Internacionais (RI) e a Economia PolíticaInternacional (EPI). Além disso, nos posicionamentos antagônicos em debate sobre a economia política doconflito geopolítico, a rivalidade entre os estados e o imperialismo capitalista, os insights de AntonioGramsci têm-se feito notavelmente presentes pela sua ausência. Este artigo busca contribuir para o diálogoiniciado por Alex Callinicos chamando atenção para a relevância de Gramsci para a teorização dasrelações entre o sistema de estados e o capitalismo. Para tanto, mostra como a teoria da revolução passivapode revelar a atuação política do capital, relacionando internamente o sistema de estados e a modernidadecapitalista em termos de desenvolvimento desigual. Essa preocupação é evidente na análise que o próprioGramsci elabora do capitalismo anglo-saxão e da geopolítica do sistema de estados em suas notas emAmericanismo e fordismo. Essa teorização da revolução passiva do capital pode, assim, oferecer uma basefrutífera sobre a qual um plano de pesquisa empírica sobre o desenvolvimento social possa ser aprimoradoem relação aos processos de constituição de estados pós-coloniais.

PALAVRAS-CHAVE: Antonio Gramsci; capitalismo; revolução passiva; estados pós-coloniais; RelaçõesInternacionais; Economia Política Internacional.

1 Versões anteriores deste artigo foram apresentadas na IIIInternational Gramsci Society Conference, “AntonioGramsci: a Sardinian in the ‘Vast and Terrible World’”,realizada em Cagliari-Ghilarza-Ales (Itália), entre 3 e 6 demaio de 2007, no BISA Working Group on HistoricalSociology e na oficina de Relações Internacionais (RI) sobreo tema “The Postcolonial in World Politics”, realizado emLondres, em 7 de junho de 2007. Sou grato a todos osparticipantes de ambos os eventos, bem como a AndreasBieler, Peter Ives, John Hobson, Ray Kiely e Alf Nilsenpor suas indicações e seus comentários. A responsabilidadepor incorporar seus insights de maneira adequada (ou não)aos argumentos abaixo é inteiramente do autor. Traduçãode Paulo H. Arruda e revisão técnica da tradução de Leandrode Oliveira Galastri e Gustavo Biscaia de Lacerda.

I. INTRODUÇÃO

O debate nas Relações Internacionais (RI) ena Economia Política Internacional (EPI) insisteem negligenciar a contribuição do materialismohistórico para a compreensão da relação entre ageopolítica do sistema de estados e a modernidadecapitalista (p. ex., BUZAN & LITTLE, 2000). Alémdisso, uma autoridade raramente citada no debatehistórico-materialista acerca da relação entre ascircunstâncias geopolíticas do sistema de estados

e a modernidade capitalista é Antonio Gramsci.Mais comumente, busca-se inspiração em umaleitura inovadora do que Leon Trotski entendiaacerca das condições de desenvolvimento desi-gual e combinado no curso da história mundial eseu impacto na geopolítica (cf. TROTSKI, 1936;TESCHKE, 2003; ROSENBERG, 2005; 2006).Um aspecto ainda menos mencionado nas RI e naEPI é a maneira espacial pela qual Gramsci enxer-gava a interação entre o sistema de estados e ascondições internacionais de hegemonia capitalis-ta. De modo excepcional, Edward Said argumen-tou que Gramsci desenvolveu uma consciênciacrítica que era tanto geográfica quanto espacialem suas coordenadas fundamentais, a ponto desituar a luta de classe acima da hegemonia em“geografias desiguais” (unequal geographies).Isso revela uma percepção espacial da históriamundial, enraizada em geografias e relações soci-ais de desenvolvimento complexamente desigual(SAID, 2000, p. 467-470). “Gramsci era extre-mamente sensível a questões de escala, hierarqui-as escalares de força econômica, política, intelec-tual e moral”, acrescentou Bob Jessop, “e suasexpressões territoriais e não-territoriais”. Isso foiarticulado enfocando o sistema de estados como

Page 2: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

46

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

nodal, ao invés de dominante, quando da análisedos processos de formação de Estado no capita-lismo global (JESSOP, 2006a, p. 31-32).

Este artigo debruçar-se-á sobre tais questõesa partir da contribuição de Gramsci para a com-preensão da geopolítica do capitalismo, em ter-mos gerais, e para o debate acerca do desenvolvi-mento desigual, em particular. Assim, a tarefa pro-posta aqui envolve trazer a lume uma problemáti-ca completamente desconsiderada por AlexCallinicos em sua visão geral das posições em dis-puta na economia política do conflito geopolítico,da rivalidade entre estados, e do imperialismo ca-pitalista. Em poucas palavras, baseando-se na bi-bliografia sobre o tema em questão, Callinicos(2007) postula a existência de trêsposicionamentos teóricos. Há, segundo esse au-tor, um grupo de “transnacionalistas” (MichaelHardt e Antonio Negri, William Robinson),“hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e“neo-imperialistas” (David Harvey, Peter Gowan);Callinicos inclui-se neste último grupo, na encru-zilhada das lógicas de poder capitalista e territorial.Certamente, qualquer tentativa de categorizar essabibliografia esbarrará em divisões arbitrárias, des-cuido e simplismo. Contudo, neste artigo argu-mentaremos que o que Gramsci teoriza comomodernidade capitalista, e sua conceituação dosistema de estados aí contida, embora continuea ser negligenciada, é, de fato, uma grande con-tribuição para o atual debate sobre o desenvolvi-mento desigual.

Além disso, a teorização de Gramsci leva-nosalém do debate sobre as RI, ainda marcado pelocorte entre as “duas lógicas” da geopolíticainterestatal e do desenvolvimento desigual capita-lista (cf. CHASE-DUNN, 1989). Nesse sentido, éverdadeiramente marcante o modo comoAlexander Wendt divide a relação entre a “lógicada anarquia” e a “lógica do capital”, esta últimaseparada devido à sua distinta dinâmica de desen-volvimento (WENDT, 2003, p. 494). Seria, por-tanto, negligente argumentarmos que a teoria dasRI abandonou o enfoque na lógica da geopolíticae do capitalismo ou, ainda, que há, agora, um novodebate de cunho construtivista ou pós-estrutura-lista sobre o papel da ideologia, da cultura ou dasnormas no sistema internacional (p. ex.,HOBSON, 2007, p. 4, 17). Como já foi dito emoutra lugar (BIELER & MORTON, 2008), nãohá, aqui, um novo debate, mas, sim, uma simples

reprodução da dicotomia entre os reinos materia-lista e idealista em novas roupagens, desde sem-pre negligenciando o materialismo histórico e suaavaliação da relação interna entre as idéias comoprocessos sóciomateriais que sobrepassam osdéficits discursivos sem cair na armadilha doeconomicismo. Assim, a tarefa que permanece édemonstrar a relevância de Gramsci para ateorização da relação entre o sistema de estados eo capitalismo. Para tal, pretendemos mostrar comoGramsci pode contribuir com referência aos doisfatores postulados por Hobson (2007, p. 15) comocentrais para uma teoria não-reducionista do sis-tema geopolítico, indicando: 1) como o sistemade estados opera a reprodução do capitalismo e 2)como as relações de classe são moldadas tantopelo capitalismo enquanto modo de produção quan-to pela geopolítica. É o conceito gramsciano derevolução passiva como uma expressão da dire-ção política do capital, emblemático em seu olharsobre o Americanismo e fordismo que nos servirápara entender o sistema de estados e sua relaçãocom a modernidade capitalista. A teoria da revolu-ção passiva permite compreender tal dinâmica, bemcomo destaca a contínua relevância do desenvol-vimento desigual como pano de fundo das divi-sões sociais na ordem mundial. Eis, a seguir, aestrutura específica de nossa argumentação.

Já elaboramos uma crítica pormenorizada datese “transnacionalista” do capitalismo global de-senvolvida por William Robinson (2003; 2004)em outro momento (MORTON, 2007a, p. 140-150). Em suma, destacamos três problemas cen-trais na teoria do capitalismo global e o Estadotransnacional, em termos de compreensão: 1) arelação histórica entre estados territoriais e capi-talismo; 2) a relação entre globalização e desen-volvimento desigual e 3) a expressão espacial docapitalismo e da territorialidade. Não nos é pos-sível, no pouco espaço que temos aqui,demorarmo-nos nessas três questões. Porém, emtermos amplos, a posição adotada em conseqü-ência à crítica esboçada acima é que “o capitalcontinua a ser uma força tal que ocupa preferen-cialmente as interconexões entre jurisdições po-líticas distintas” (VAN DER PIJL, 2006a, p. 15).A partir dessa base, a primeira seção trata da te-oria da revolução passiva enquanto expressão dadireção política do capital, enfocando, assim, arelação entre o sistema de estados e a modernidadecapitalista, com o intuito de combinar uma apre-

Page 3: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

47

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

ciação do contexto histórico mundial do desen-volvimento desigual e sua ligação com a influên-cia na formação dos estados. Isto é feito por meiode uma análise das preocupações de Gramscicom o moderno sistema de estados e sua relaçãocom a emergente hegemonia do capitalismo anglo-saxão e da exploração colonial por meio de suaanálise dos aspectos geopolíticos e sociológicosdo Americanismo e fordismo. Em contraste como que é proposto pela tese transnacional, argu-mentaremos, a seguir, que a teoria da revoluçãopassiva fornece-nos um método de análise quecombina uma apreciação das dinâmicasgeopolítica e capitalista que moldam os proces-sos de formação de Estado. Este método permi-te-nos, inclusive, uma apreciação da espacialidadenodal do capitalismo ou de como diferentes es-calas entre localidades relacionam-se de formadiferenciada ao longo do tempo sob condiçõesde desenvolvimento desigual (AGNEW, 2003, p.13). O que é chave à teoria da revolução passivaé o papel constitutivo dado à Geopolítica e aocapitalismo numa metodologia histórica que levaem conta os contextos específicos de formaçãode Estado.

A segunda seção, em seguida, discute comointernalizar uma compreensão metodológica darevolução passiva pode auxiliar-nos a traçar ascondições de desenvolvimento social em estadospós-coloniais – onde o entrave ao desenvolvimentoé comumente ligado a mecanismos gerados peloEstado que auxiliaram na emergência do capitalis-mo como órgão primário de acumulação primiti-va por meio de elaboradas instituições de poderpúblico, de administração e de planejamento na-cional. Nosso intuito é mostrar que internalizar ométodo de articulação multiescalar latente na teo-ria da revolução passiva pode auxiliar na aprecia-ção da influência recíproca de determinadas es-calas espaciais, permitindo, assim, melhor com-preender o sistema de estados em sua dinâmicacom o capitalismo global. Espera-se que a abstra-ção teórica, feita ao longo da primeira seção, so-bre a revolução passiva e o Americanismo efordismo ajude a destacar questões empíricas per-tinentes à formação de estados pós-coloniais. Porfim, a conclusão levanta uma série de questõesacerca da teorização do desenvolvimento desigual,em termos amplos, e da validade da teorização deGramsci sobre o assunto em questão, especifica-mente, deixando, ainda, inúmeras questões aber-tas para debate.

II. REVOLUÇÃO PASSIVA, AMERICANISMOE FORDISMO E A DIREÇÃO POLÍTICA DOCAPITAL

“O capitalismo é um fenômeno histórico mun-dial e seu desenvolvimento desigual”, argumen-tou Gramsci (1977, p. 69), “significa que as dife-rentes nações não podem ocupar,concomitantemente, o mesmo nível de desenvol-vimento econômico”. Gramsci entendia as ques-tões de desenvolvimento desigual e combinado nahistória dos séculos XVIII e XIX na Europa comouma série de revoluções passivas (cf. MORTON,2005). A saber, a teoria da revolução passiva refe-re-se a como a “restauração torna-se a primeirapolítica segundo a qual as lutas sociais encontramquadros suficientemente elásticos para permitir àburguesia obter poder enquanto evita agitaçõesdramáticas” (GRAMSCI, 1971, p. 115, Q 10 II §61)2. A seguir, a teoria da revolução passiva seráainda esmiuçada em referência ao Americanismoe fordismo. Desde já, porém, podemos adiantarque ela abarca a direção política do capital emtermos dos aspectos entrelaçados da geopolíticado sistema de estados e do capitalismo global, enão como lógicas separadas. Além do mais, ela ofaz sem reduzir o papel do capitalismo ao de umapersonagem social simplificada, ou ghost-walker,como o Monsieur le Capital, ou mera coisa falsa-mente separada de Madame la Terre, assim evi-tando a mistificação do capitalismo como modode produção (MARX, 1959 [1894], p. 830).

Enquanto as implicações histórico-sociológicasda teoria da revolução passiva, a saber, em rastrearas lutas de classe constitutivas dos processos “na-cionais” de formação de Estado dentro do condi-cionamento causal do “internacional”, foram já de-senvolvidas detalhadamente em outra instância(MORTON, 2007b), este trabalho pretende desve-lar os indicadores principais desse conceito, com ointuito de, assim, promover uma melhor compre-ensão da relação entre a geopolítica do sistema deestados e o capitalismo. O aspecto principal, aqui,é a forma como o conceito de revolução passivaconsegue apreender condições comparativas de

2 Neste artigo, adotou-se uma convenção específica paraas citações referentes aos Cadernos do cárcere. Além deoferecer a referência para as antologias selecionadas, onúmero do caderno (Q) e o da seção (§) acompanham todasas citações. Nosso intuito foi permitir ao leitor queencontrasse o local exato de cada citação.

Page 4: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

48

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

formação de classe em processos específicos deformação de Estado e como essas condiçõesimpactam e são, por sua vez, influenciadas pelageopolítica e pela expansão do capitalismo.

Baseado em seus escritos acerca da crise doEstado liberal na Itália, Gramsci ligou a noção derevolução passiva à transformação e integraçãoespacial das várias economias nacionais européi-as (GRAMSCI, 1995, p. 330, Q 10 I § 0; 348-350, Q 10 I § 9). “Todas as revoluções posterio-res à revolução francesa”, observa Kees van derPijl (1996, p. 314), “[...] seriam então compelidasa reduzir, de modo instrumental, liberdades e a‘espacialidade’ de infra-estruturas sociais em suatentativa de alcançá-la”. Após a restauração pós-napoleônica (1815-1848), Gramsci (1994b, p.230-233) enxergou a tendência a estabelecer-seuma ordem sóciopolítica de molde “burguês”como uma espécie de princípio universal, porémnão num sentido absoluto ou rígido. “Toda a his-tória a partir de 1815”, escreveu Gramsci, “evi-dencia os esforços das classes tradicionais no sen-tido de evitar a formação de uma vontade coletiva[...] e de manter o poder ‘econômico-corporativo’em um sistema internacional de equilíbrio passi-vo” (GRAMSCI, 1971, p. 132, Q 13 § 1). Alémdisso, “as ‘sucessivas ondas’ [de luta de classe]foram feitas de uma combinação de lutas sociais,intervenções de cima para baixo tais como asconduzidas pelas monarquias ilustradas, e guer-ras nacionais – sendo estas duas últimas as pre-dominantes” (idem, p. 115, Q 10 II § 61). Trata-va-se de um reflexo das unificações européias demeados do século XVIII, durante as quais as pes-soas tornaram-se coadjuvantes (embora ativos)das mudanças organizadas de cima para baixo;um processo que seria mimético em outras partesdo mundo. Pois, como diz Eric Hobsbawm (1975,p. 73, 166) em uma declaração que ressoa com aforça dos argumentos de Trotski sobre o desen-volvimento desigual e combinado, “aqueles paí-ses desejosos de alcançar a modernidade são nor-malmente caracterizados por idéias derivadas,carentes de originalidade, embora o mesmo nãoseja necessariamente o caso com suas práticas.”3.É justamente esta divergência nos processos his-

tóricos de formação de Estado sob as condiçõesde desenvolvimento desigual e combinado que éapreendida pela noção de revolução passiva. En-quanto a revolução passiva é uma contraparte dacondição de hegemonia, “os estados poderosossão precisamente aqueles que passaram por umarevolução sócioeconômica profunda e que lida-ram com as conseqüências dessa revolução naforma de relações estatais e sociais” (COX, 1983,p. 169).

Contudo, o que Gramsci permite-nos, de ma-neira possivelmente singular, é tanto reconhecera fragmentação interna da Europa em termos deuma divisão Leste-Oeste quanto perceber aestruturação Norte-Sul da geografia, do territó-rio, do lugar e do espaço (MOE, 2002, p. 297).Por exemplo, no primeiro caso, Gramsci foi leva-do à seguinte formulação: “Na Rússia [i. e., noLeste] o Estado era tudo, a sociedade civil eraprimeva e gelatinosa; no Oeste, havia uma relaçãoapropriada entre o Estado e a sociedade civil; quan-do o Estado ruiu, uma sólida estrutura de socie-dade civil foi prontamente revelada” (GRAMSCI,1971, p. 238, Q 7 § 16). No segundo caso,Gramsci findou por reconhecer que as relaçõesde produção e formação de Estado tornam-se “ain-da mais complicadas pela existência, dentro decada Estado, de diversos setores territoriais es-truturalmente distintos” (idem, p. 182, Q 13 § 17;sem grifos no original). De modo notável, essapercepção foi exemplificada em sua análise da“questão do Sul”, referente aos aspectos do de-senvolvimento desigual na região italiana doMezzogiorno (cf. MORTON, 2007a, p. 59-63).Ligada ao conceito de revolução passiva, tal per-cepção de diferentes eixos regionais de desenvol-vimento possibilita-nos apreciar questões seme-lhantes, embora discretas, de “desenvolvimentodesigual no eixo Norte-Sul”, caracterizado pelaexpansão do capital e o nascimento do Estadomoderno (HALL, 1986, p. 9). “Parece-me que oconceito de revolução passiva”, declarou Gramsci(1996, p. 232, Q 4 § 57), “aplica-se não somenteà Itália, mas também àqueles países que moderni-zam o Estado por meio de uma série de reformasou guerras nacionais sem, contudo, passar poruma revolução política radical do tipo jacobina”.O que interessa é apreciar resultados específicosnas condições formativas da criação dos estadosmodernos, ou “o fato de um Estado substituir osgrupos sociais locais na liderança de uma luta derenovação” (GRAMSCI, 1971, p. 105-106, Q 15

3 Trotski (1936, p. 26) descreveu-o da seguinte forma:“Um país atrasado assimila as conquistas materiais eintelectuais dos países avançados. Porém, isso não significaque esse país segue-as de maneira mimética, que reproduztodos os estágios de seu passado”.

Page 5: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

49

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

§ 59). É justamente essa fraqueza na função mo-derna das formas de Estado que se torna, então,análoga às tentativas de construção de Estado emoutros lugares (idem, p. 110, Q 15 § 11).

O conceito de revolução passiva é, pois, umaespécie de conceito portmanteau que nos revelacontinuidades, bem como mudanças na direçãopolítica do capital. São processos que exemplificama incapacidade da classe dominante em integrarplenamente as classes produtivas numa situaçãode hegemonia, quando aqueles lideres “que visa-vam à criação de um Estado moderno [...] produ-ziram, na verdade, um Estado bastardo” (idem, p.90, Q 19 § 28). Assim, um caso em que “mudan-ças de mais ou menos longo alcance [...] na es-trutura econômica do país” são feitas em uma si-tuação de “‘dominação’ sem ‘liderança’: ditadurasem hegemonia” (GRAMSCI, 1995, p. 350, Q 10I § 9; 1971, p. 105-106, Q 15 § 59). Isso é possí-vel porque “o ímpeto do progresso não está inti-mamente ligado a um amplo desenvolvimento eco-nômico local [...] mas é, isto sim, o reflexo dedesenvolvimentos internacionais que transmitemsuas correntes ideológicas à periferia – correntesnascidas do desenvolvimento produtivo de paísesmais avançados” (GRAMSCI, 1971, p. 116-117,Q 10 II § 61; sem grifos no original). Uma ex-pressão geopolítica de tais desenvolvimentos in-ternacionais ao início do século XX foi a expan-são do capitalismo por meio de Americanismo efordismo.

II.1. Americanismo e fordismo

Gramsci apresentou Americanismo e fordismocomo a expansão centrífuga, em escala global, dedeterminado modo de produção apoiado por me-canismos de organização internacional. Estava tam-bém intrinsecamente ligado a aspectos da culturamoderna, ou à variedade de “desenvolvimentosartísticos” relacionados ao sistema industrial ca-pitalista estadunidense (GRAMSCI, 1992, p. 357-358, Q 2 § 138; 1995, p. 256-257, Q 15 § 30).Uma expressão cultural bastante pessoal desseAmericanismo imaginado por Gramsci era o apre-ço que seu filho, Delio, tinha pelo brinquedoMeccano, e se tal brinquedo privaria as criançasde um espírito inventivo próprio (GRAMSCI,1994a, p. 242, 276-277). Uma expressão alterna-tiva era por meio da literatura e como a “civiliza-ção” estadunidense era capaz de,concomitantemente, manter-se autocrítica ao en-tender suas forças e fraquezas por meio de nove-

las como Babbit, de Sinclair Lewis (GRAMSCI,1985, p. 278-279, Q 5 § 105; 279-280, Q 6 § 49).A ideologia do americanismo era, então, compre-endida em sua relação interna com o mundo daprodução fordista como um produto sóciomaterial,ao invés de um conjunto distinto de normas cul-turais. Isto era manifesto tanto em dimensões so-ciológicas quanto em dimensões geopolíticas.

No nível sociológico, aspectos culturais doAmericanismo ligaram-se a padrões emergentesde produção fordista, o que, por sua vez, marcouo caráter e predominância da geopolíticaestadunidense. Como já salientou John Agnew(2005: 9 sem grifos no original), “o lugar que vema exercer a hegemonia [Americanismo] influen-cia, portanto, no conteúdo e na forma que toma ahegemonia [fordismo]”. Gramsci reconheceu “atransformação das bases materiais da civilizaçãoeuropéia” induzida pela “repercussão do poderioestadunidense” que resultou na “iniciativa super-ficial e embaraçosa” de políticas econômicasemulativas (GRAMSCI, 1971, p. 317, Q 22 § 15).Concomitantemente, porém, o papel dos altos sa-lários na “ideologia fordiana” de produção emmassa acaba por “moderar a compulsividade(autodisciplina) com a persuasão” (idem, p. 310-312, Q 22 § 13). O fenômeno da hegemonia queemerge das condições do fordismo mistura a “co-erção [que] deve, então, ser engenhosamente com-binada com persuasão e consentimento” (idem,p. 310, Q 22 § 13). O americanismo é uma ideo-logia manifesta na “vida nos cafés” que “pode apa-recer na forma de uma espécie de maquilagem,um modismo estrangeiro superficial,” enquanto ocapitalismo per se (expresso pelo caráter e pelasligações entre as relações fundamentais de classe)não sofre alteração alguma, mas adquire, simples-mente, uma “nova roupagem” nesse clima deamericanismo (idem, p. 317-318, Q 22 § 15).

De igual forma, Gramsci foi também direta-mente levado a considerar como os novos méto-dos de disciplina no processo de trabalho esta-vam: 1) ligados a aspectos mais gerais de relaçõesfamiliais; 2) ligados à divisão do trabalho por sexoe 3) ligados a normas de identidade em mudança.A partir da primeira destas instâncias sociológi-cas, perigos inerentes à mecanização do processode trabalho foram trazidos a lume, quer fossemem termos de tarefas contrastantes na época mo-derna, tal como a tarefa de um escritor visto comocada vez mais alienado da arte de escrever, ou a

Page 6: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

50

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

de um trabalhador qualquer visto como um autô-mato, ou um “gorila treinado” da produção emmassa fordista (idem, p. 308-310, Q 22 § 12). Aocontrário, Gramsci argumenta que a oportunida-de para a reflexão crítica e pensamento indepen-dente sempre existirá: “O trabalhador não somen-te pensa, mas o fato de ele [sic] não obter nenhu-ma satisfação imediata resultante de seu trabalhoe de ele perceber que se tenta reduzi-lo a um gori-la treinado pode levá-lo a uma linha de raciocínioque está longe de ser conformista” (idem, p. 310,Q 22 § 12). Em segundo lugar, a racionalizaçãodos métodos de produção foi tida como“indissociável de um determinado modo de viver,de pensar, e de sentir” que foi internalizado pelotrabalhador em vez de “imposto desde seu exteri-or” (idem, p. 302-303, Q 22 § 11). Isso incluiunovos métodos que exigiram “uma disciplina ri-gorosa dos instintos sexuais [...] e, juntamente,um revigoramento da ‘família’, em amplo sentido[...] e da regulação e estabilidade das relações se-xuais” (idem, p. 300, Q 22 § 10). Além da prefe-rência pela monogamia na sociedade industrial, aameaça do alcoolismo à “destruição da força detrabalho” foi também percebida como sendo deimportância central para a “ideologia de Estado”(idem, p. 304, Q 22 § 11). Em terceiro lugar, ha-via ainda um enfoque específico na “função eco-nômica da reprodução”, descrita como um pro-cesso de força capilar a moldar o “regime de vida”dos trabalhadores por meio da família e de práti-cas médicas de controle populacionalinstitucionalizadas, de controle dos alimentos e dearranjos habitacionais, de hospitalização e de Psi-canálise (GRAMSCI, 1994a, p. 356; 1971, p. 110,Q 15 § 11; 1985, p. 194, Q 27 § 2). Em seuscomentários sobre o tema do gênero (rotulado,sem muito cuidado como a “questão sexual”,Gramsci observa que, na sociedade, “o ideal ‘es-tético’ de mulher oscila ente as concepções de‘égua reprodutora’ e ‘boneca’” (GRAMSCI, 1971,p. 295, Q 22 § 3). Essa última tornava-se espe-cialmente significante devido à prevalência de“concursos de beleza, concursos para novas atri-zes de cinema [...] teatro etc., concursos que se-lecionam a beleza feminina mundial e levam-na aleilão” (idem, p. 306, Q 22 § 11). Não é o caso deromantizar a crescente preocupação que Gramscitinha com a relação entre formas públicas e priva-das de experiência social e a transformação davida em commodity, em termos de gênero e dopapel do teatro e do cinema na transformação da

mulher em objeto sexual. Afinal, apesar de pro-mover peças que tratavam de padrões de “liberta-ção feminina” – tal como Uma casa de bonecas,de Henrik Ibsen – e a despeito de seu envolvimentoem círculos de estudos conduzidos por mulhe-res, Gramsci mostrava uma atitude profundamentemachista e sexista em relação às mulheres. Noentanto, sustenta Gramsci que: “A formação deuma nova personalidade feminina é o tema maisimportante de ordem ética e civil ligada à questãodo sexo. Até que as mulheres consigam obter nãosomente uma genuína independência do homem,mas também uma nova forma de conceber a simesmas e a seu papel nas relações entre os sexos,a questão sexual permanecerá repleta de caracte-rísticas insalubres e a cautela deverá ser exercidaao se proporem novas legislações” (idem, p. 296,Q 22 § 3).

Assim, a chave para desvendar a visão queGramsci tinha da Geopolítica é perceber uma cres-cente análise sociológica do processo de trabalholigado ao “expansionismo mundialestadunidense”, visto por ele como tendo umasignificância causal sobre o palco mundial na lutapela “segurança do capital estadunidense”(GRAMSCI, 1996, p. 56, Q 3 § 55).

No nível geopolítico, Gramsci visou ir alémde um relato que ofereceria simplesmente um“manual do homem de Estado” da geopolítica,evidente no trabalho de Rudolf Kjellén, explicita-mente criticado como uma tentativa de construiruma ciência do Estado e da política que se basea-va na territorialidade do Estado como um pressu-posto, algo dado (GRAMSCI, 1995, p. 195, Q 2§ 39). O enfoque no americanismo e no fordismo,por outro lado, traduzia sua percepção das trans-formações geográficas e espaciais do poder quetiveram lugar no século XX. Acima de tudo, aqui,podemos enxergar sua análise do “fordismo comoo estágio último no processo de tentativas contí-nuas por parte da indústria com o intuito de supe-rar a lei da tendência de queda das taxas de lucro”ou as contradições do capital (GRAMSCI, 1971,p. 279, Q 22 § 1). Além disso, essa perspectivaera parte de um claro delineamento da geopolíticado sistema de estados e do desenvolvimento desi-gual e combinado do capitalismo em termos deuma distinção entre: 1) o grupo de estados capita-listas que formavam a pedra angular do sistemade estados internacional àquela época [Grã-Bre-tanha, França, Alemanha, Estados Unidos] e 2)

Page 7: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

51

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

aqueles estados que representavam a periferiaimediata do mundo capitalista [Itália, Polônia,Rússia, Espanha, Portugal] (GRAMSCI, 1978, p.408-410). Entre os primeiros, “o sistema políti-co-econômico global” era cada vez mais marca-do pelo americanismo e pelo fordismo, ou aquiloa que Gramsci referia-se explicitamente como a“hegemonia mundial anglo-saxã” acompanhadapela “sujeição colonial do mundo inteiro ao capi-talismo anglo-saxão” (GRAMSCI, 1977, p. 81,89). Na visão de Gramsci, eis o porquê de o “de-senvolvimento desigual” do “capitalismo [ser] umfenômeno histórico mundial” em que “as popula-ções coloniais tornam-se o fundamento sobre oqual todo o edifício da exploração capitalista éerigido” (idem, p. 69-72, 302). Por isso a neces-sidade de se dar a devida atenção à “luta de classedas gentes de cor contra seus opressores e assas-sinos brancos”, das gentes que produziam “recur-sos naturais de baixo custo para a indústria [...]para o benefício da civilização européia” (idem, p.60, 302)4. Ainda, Gramsci pensou também serpossível que o “expansionismo estadunidense [pu-desse] fazer uso de negros estadunidenses comoseus agentes na conquista do mercado africano ena expansão da civilização estadunidense”(GRAMSCI, 1971, p. 21, Q 12 § 1).

Também, a entrada tardia das sociedades eu-ropéias periféricas nas relações capitalistas signi-ficava que as formas de Estado eram “menos efi-cientes” na criação de mecanismos ideológicospara postergar as conseqüências imediatas da cri-se econômica, de tal forma que o tipo de Estadoem tais casos era circunscrito pelas “condiçõesprevalecentes no sistema capitalista internacional”

(GRAMSCI, 1975, p. 95; 1977, p. 128; 1978, p.408-410). Novamente, a questão da revoluçãopassiva é significante em relação ao “papel espe-cífico que o Estado tem sempre desempenhadona economia, substituindo o assim chamado em-preendimento privado” (GRAMSCI, 1995, p. 243,Q 15 § 1). Ao mesmo tempo, as condições maisfavoráveis para a revolução podem advir de “ondeo tecido do sistema capitalista oferece menos re-sistência, devido a suas fraquezas estruturais” emcondições de desenvolvimento periférico(GRAMSCI, 1978, p. 346). Gramsci traçou, pois,contextos específicos tanto na expansão do sis-tema geopolítico de estados quanto na expansãodo desenvolvimento desigual capitalista.

Esses insights são combinados com maiorimpacto na tentativa de Gramsci de traçar osurgimento de “o complexo problema da relaçãodas forças internas no país em questão, da rela-ção das forças internacionais, [e] da posiçãogeopolítica daquele país” (GRAMSCI, 1971, p.116, Q 10 II § 61). Isso envolvia analisar movi-mentos históricos, conjunturais e orgânicos, queforam tratados com os mesmos conceitos (cf.Figura 1). Portanto, as “relações na sociedade”(envolvendo o desenvolvimento de forças produ-tivas, o nível de coerção, ou as relações entre ospartidos políticos) que constituem “sistemashegemônicos no âmbito do Estado” estavaminextricavelmente ligadas a “relações entre forçasinternacionais” (envolvendo os requisitos de gran-des potências, soberania e independência) queconstituem “as combinações de Estados em siste-mas hegemônicos” (idem, p. 176, Q 13 § 2;BIELER & MORTON, 2003, p. 484-485).

4 Essa citação é mencionada por Slater (2004, p. 160) emseu estudo sobre a desigualdade geopolítica dedesenvolvimento, intrínseca a relações de poder coloniais epós-coloniais.

FIGURA 1 – RELAÇÕES GEOPOLÍTICAS E A REVOLUÇÃO PASSIVA DO CAPITAL

Relations within the ‘national’:

[productive relations,

level of coercion, political parties]

Hegemonic System

within the State

Passive Revolution

Relations within

‘the international’:

[great powers, sovereignty, transnational production]

The Combinations of States in Hegemonic Systems

Relações no nível“nacional”:

[relações produtivas,grau de coerção,partidos políticos]

Sistema hegemônico noâmbito do Estado

Revolução passiva

Relações no nível“internacional”:

[grandes potências, soberania,produção transnacional]

As combinações de estadosem sistemas hegemônicos

Page 8: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

52

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

De volta àquilo que alegamos anteriormenteneste artigo, tais elementos compõem uma teoriada geopolítica que é capaz de abarcar: 1) o siste-ma de estados na constituição e reprodução docapitalismo e 2) as relações de classe na consti-tuição do capitalismo como modo de produção ecomo geopolítica. Isto pode ser sustentado, emprimeiro lugar, se reconhecermos que o materia-lismo histórico é marcado por uma filosofia dasrelações internas (cf. OLLMAN, 1976, p. 47), oque significa, neste caso, que as relaçõesgeopolíticas ligadas ao sistema de estados estãointeriorizadas nas condições da modernidade comoparte da constituição do capital. Em outros ter-mos, na época moderna, o sistema de estadosgeopolítico está internamente relacionado às rela-ções capitalistas de produção. Em segundo lugar,para Gramsci, isto significava que o sistema deestados, ligado às condições de desenvolvimentodesigual e às posições diferenciadas dos estadosnesse sistema, deve ser internamente relacionadoà subseqüente expressão do capitalismo comomodo de produção por meio da expansão doamericanismo e do fordismo. O que isto significaé que por meio do Americanismo e do fordismoos aspectos extra-econômicos da competiçãogeopolítica são ligados de forma interativa ao ca-pitalismo. Isto foi expresso de forma mais con-tundente em relação à análise de Gramsci sobreas tentativas dos Estados Unidos de organizar omercado mundial de modo a corroborar, econo-micamente, sua hegemonia política.

“Segundo essa tendência, o mercado mundialacabaria por constituir-se de uma série de merca-dos não mais nacionais, mas internacionais (inter-estatais) – que teriam dentro de suas próprias fron-teiras, de forma já organizada, certa estabilidadeem atividades econômicas essenciais, e que po-deriam manter relações mútuas com base no mes-mo sistema” (GRAMSCI, 1992, p. 351, Q 2 §125).

“Além disso, desenvolvimentos como ocolonialismo, imperialismo, nacionalismo ou fas-cismo, inerentes a certas formas de Estado, de-vem ser relacionados ao sistema de estados emtermos mais amplos, com aquele último obtendocerto senso de autonomia das condições do mer-cado mundial do capitalismo. Este senso de auto-nomia é mais cabalmente evocado por Gramsciabaixo:

A hegemonia cultural de uma nação sobre ou-

tra é ainda possível? Ou está o mundo já tão uni-ficado em sua estrutura econômica e social queum país, se puder ter a iniciativa cronológica emdeterminada inovação, não poderá manter sobreela seu monopólio político e, assim, usar tal mo-nopólio como base para exercer sua hegemonia?Que significância, portanto, pode ter o naciona-lismo hoje? Isso não é possível como imperialis-mo econômico-financeiro e não mais como ‘pri-mazia’ civil ou hegemonia político-intelectual?”(GRAMSCI, 2001, v. 5, p. 64-65, Q 13 § 26).

Gramsci assim destaca, em Americanismo efordismo, a tentativa do capital de mobilizar res-postas efetivas a mudanças nos desenvolvimen-tos geopolíticos no sistema de estados. Enquan-to, concomitantemente, afirma que “toda ativida-de econômica de um país pode somente ser julgadaem relação ao mercado internacional [...] e deveser avaliada apenas como sendo inserida numaunidade internacional” (GRAMSCI, 1995, p. 233,Q 9 § 32). Portanto, as relações sociais de produ-ção inerentes ao Americanismo e fordismo retêmuma influência determinante na modelação da ide-ologia do internacionalismo liberal devido ao pa-pel do “núcleo decisivo da atividade econômica”,porém sem sucumbir a expressões economicistas(GRAMSCI, 1971, p. 161, Q 13 § 18). Uma teo-ria constitutiva da geopolítica fica, assim, eviden-te na maneira como se compreende a reproduçãodo capitalismo pelo sistema de estados e pormeio de condições de desenvolvimento desigual,enquanto o “jogo íntimo da luta de classe”, pormeio do Americanismo e fordismo, liga o “desen-volvimento das relações internacionais entre osestados” às “relações entre os vários grupos queformam uma classe dentro da própria nação”(GRAMSCI, 1975, p. 62). Portanto, “na esferainternacional, a competição, a luta para adquirirpropriedade privada e nacional, cria as mesmashierarquias e o mesmo sistema de escravidão quesão vistos na esfera nacional” (GRAMSCI, 1977,p. 69). Por fim, o conceito de revolução passivasurge como um fator causal no sistema de esta-dos, ligando tanto a reprodução do capitalismoem escala global, por meio do Americanismo efordismo, sua expressão exterior, quanto as res-postas a essa reprodução nas formas específicasde Estado. Da época de Gramsci, o exemplo maispertinente que substancia esta ligação foi o fenô-meno fascista (cf. MORTON, 2007a, p. 71-72).É dessa maneira que o conceito de revolução pas-siva apresenta-se como uma teoria da direção po-

Page 9: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

53

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

lítica do capital que, por extensão, incorpora tam-bém a competição geopolítica em seu quadro dereferência. É isso que se pretende quando DavidHarvey (2003, p. 101) observa que “os proces-sos moleculares da acumulação de capital queoperam no espaço e no tempo geram revoluçõespassivas na padronização geográfica da acumula-ção de capital”. De outro modo, casos de revolu-ção passiva podem ser compreendidos por meiodo método de comparação incorporada – elabo-rado por Philip McMichael (1990) – em que ascriações das condições para a consolidação daclasse capitalista em determinados processos deformação de Estado são compreendidas comomomentos relacionados dentro do contexto domercado mundial do capitalismo. Em vez de cons-truir uma relação “externa” entre “casos” de re-volução passiva, “a comparação torna-se um as-pecto ‘interno’ e não ‘externo’ (formal) da análi-se, relacionando processos aparentemente sepa-rados (no tempo e/ou no espaço) como compo-nentes de um processo histórico-mundial maisamplo” (MCMICHAEL, 1990, p. 389).

III. NOVAS QUESTÕES DE DESENVOLVIMEN-TO DESIGUAL NO EIXO NORTE-SUL

Embora tecida em distintos trabalhos, asubjacente teoria gramsciana de geopolítica emodernidade capitalista oferece-nos um métodopossível para a construção teórica de como “asituação internacional deve ser considerada em seuaspecto nacional” (GRAMSCI, 1971, p. 240, Q14 § 68; cf. MORTON, 2007b). De modo geral,Gramsci propôs sua abordagem para a compre-ensão da relação entre as circunstânciasgeopolíticas do sistema de estados e o papel docapitalismo na seguinte pergunta: “As relações in-ternacionais precedem ou seguem (de maneiralógica) as relações sociais fundamentais? Não há,certamente, dúvida alguma de que elas as seguem[...]. Contudo, as relações internacionais reagemtanto passiva quanto ativamente às relações polí-ticas” (GRAMSCI, 1971, p. 176, Q 13 § 2).

A lógica da teorização acima é que há uma apre-ciação das diferentes escalas entre geografia, ter-ritório, lugar e espaço que podem oferecer-nos,por meio da teoria da revolução passiva, os con-tornos de uma abordagem para compreendermosa formação e transformação do Estado pós-colo-nial. Reflete-se aqui a necessidade de identificar-mos uma hierarquia das escalas em que políticasdistintas podem servir para ancorar prioridades

geopolíticas em formas espaciais e geográficasespecíficas (JESSOP, 2006a). À semelhança deabordagens recentes, de cunho espacial, à políti-ca mundial, nosso argumento é que há uma abor-dagem histórica presente na teoria da revoluçãopassiva que nos permite reconhecer os comple-xos e entrelaçados efeitos das representaçõesgeográficas, bem como a distribuição espacial decondições materiais sobre práticas políticas. Essaabordagem é útil para a compreensão do mundopós-colonial (AGNEW, 2001; 2005). Devido àsrestrições de espaço neste artigo, apenas dois te-mas serão diretamente delineados em que a teoriada revolução passiva pode ligar diferentes proces-sos de formação de Estado no mundo pós-colo-nial e formas associadas de geopolítica à expan-são capitalista. Devemos salientar, contudo, quenenhuma aplicação crua de conceitos e princípiosgramscianos é aqui advogada. Como já foi obser-vado na introdução, esta abordagem consiste eminternalizar um método para se pensar ageopolítica do sistema de estados, a história daformação dos estados, e a expansão do capitalis-mo moderno com o intuito de apreender os as-pectos multiescalares da revolução passiva(MORTON, 2007a, p. 35-38).

A formação de estados pós-coloniais temfreqüentemente ocorrido dentro de uma divisãoglobal do trabalho moldada pela expansão do ca-pitalismo e por tendências desiguais de desenvol-vimento (INAYATULLAH & BLANEY, 1995).Segundo Mandel (1975, p. 46-81, 85-103), a con-dição de desenvolvimento desigual e combinado –envolvendo processos desiguais de acumulaçãoprimitiva em modos mistos de produção capitalis-ta e pré-capitalista – tem contribuído grandementepara moldar a soberania e o desenvolvimento eco-nômico dos estados pós-coloniais. As tendênciasdesiguais de desenvolvimento forjadas por pro-cessos de acumulação primitiva desenvolveram-se dentro do quadro de um mercado mundial eum sistema de estados internacional já existentes.Isso significa que o crescimento internacional e aexpansão do capitalismo em estados pós-coloni-ais ocorrem por meio de processos contínuos deacumulação primitiva. Esses processos incluem adesocupação de propriedade constituída “politi-camente”, agora ocupada por poderes “econômi-cos” – trata-se mesmo de “um processo históricoem que o produtor é divorciado dos meios de pro-dução”, gerando indivíduos destituídos de propri-edade e compelidos a vender seu trabalho (MARX,

Page 10: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

54

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

1996 [1887], p. 705-706). Porém, devido à pre-sença de um quadro de Estado territorializado, osprocessos de acumulação primitiva no mundo pós-colonial tornaram-se em grande parte dependen-tes do Estado como o lócus para a acumulação decapital. “Muito tem dependido, portanto, de comoo Estado foi constituído e por quem e o que oEstado era e é capaz de fazer ou preparado parafazer em apoio ou em oposição aos processos deacumulação de capital” (HARVEY, 2003, p. 91).Seguindo no caminho das reflexões de Marx so-bre a força do Estado dentro do sistema colonialcomo uma força econômica em si, Mandel obser-va, de forma contundente, que, nestes casos, oEstado passa a agir como a “parteira do capitalis-mo moderno” (MARX, 1996 [1887], p. 739;MANDEL, 1975, p. 54)5.

É nesse contexto de desenvolvimento desiguale combinado e por meio dos conflitos de classeatribuídos a processos de acumulação de capitalque a teoria da revolução passiva pode ser rela-cionada a questões geopolíticas nas seguintes for-mas.

1) O Estado na África: de acordo com MahmoodMamdani, após a independência, o Estado pós-colonial africano foi composto por uma es-trutura política bifurcada em que a separaçãoformal das características políticas e econô-micas dos estados capitalistas modernos foicomprometida. “O Estado colonial era umdouble-sided affair. Por um lado era um Es-tado que governava cidadãos definidos racial-mente, limitado pela palavra da lei e por umregime associado de direito; por outro lado,um Estado que reinava sobre seus súditos, umregime de coerção extra-econômica e justiçadirigida administrativamente” (MAMDANI,1996, p. 19). O Estado pós-colonial era bifur-cado, então, devido à existência de uma for-ma de administração civil e política semelhan-te àquela presente nos estados capitalistasmodernos, baseada no direito e concentradaem áreas urbanas; e uma forma tradicional depoder baseado em relações pessoais, emcompulsões extra-econômicas, e na explora-

ção centrada na sociedade e cultura rurais. Aera do imperialismo sufocou o processo deacumulação primitiva, fazendo com que o Es-tado se tornasse o principal canal de acumula-ção – uma espécie de “capitalista coletivo subs-tituto” – em países como Costa do Marfim,Gabão, Zaire e Serra Leoa (YOUNG, 2004, p.31). Ao mesmo tempo, porém, “as distorçõesdo Estado não são apenas o resultado da de-pendência externa dos sistemas políticos afri-canos. Elas também nascem da evolução desua estratificação interna” (BAYART, 1986, p.121). Assim, “a acumulação primitiva [...]envolve a apropriação e cooperação de reali-zações culturais e sociais préexistentes, bemcomo o confronto e a renovação” (HARVEY,2003, p. 146). É aqui que a noção deextraversion de Jean-François Bayart (2000)ganha valor, ao apreciar as trajetórias geraisde formação de Estado moldadas por padrõeshistóricos no desenvolvimento desigual e com-binado da acumulação de capital, junto à bus-ca predatória por poder e riqueza ligada a de-terminadas práticas de formação de Estado eformas sociais de organização na era pós-co-lonial. Lutas específicas em estados africanossubsaarianos (Libéria, Ruanda, República De-mocrática do Congo e Uganda) podem, as-sim, ser interpretadas como um modo de pro-dução política: uma fonte de acumulação pri-mitiva que permite a tomada de recursos daeconomia baseada em estratégias deextraversion que envolvem novas alegações deautoridade e redistribuição (BAYART, 1993, p.xiii-xci). Por exemplo, na década de 1990,grupos rebeldes em Serra Leoa, como a Fren-te Revolucionária Unida (RUF, em inglês), deFoday Sankoh, com práticas predatórias deacumulação primitiva que incluíam a tomadade recursos via conflitos por diamantes, oucomo a Frente Patriótica Nacional da Libéria(NPFL, em inglês), de Charles Taylor, custeadapela tomada de madeira, borracha e do co-mércio de diamantes (RENO, 1998;SZEFTEL, 2000). Ainda no final da década de1990, a rebelde Aliança pela Libertação doCongo-Zaire, comandada por Laurent Kabila,promoveu a competição entre o cartel de dia-mantes de De Beers e um de seus rivais, aAmerica Mineral Fields, a respeito de contra-tos para a mineração de diamantes, bem comocontratos para a extração de cobre, cobalto e

5 Eu gostaria de agradecer a Sam Ashman por lembrar-meda importância da ênfase originalmente dada por Marx aopoder do Estado como uma força propulsora da transiçãoeconômica acelerada, ao mesmo tempo que ainda mantendoa utilidade e o apelo da frase de Mandel.

Page 11: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

55

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

zinco, seguindo táticas semelhantes (RENO,2001, p. 204, 206). De certa forma, este ar-ranjo é copiado pela intervenção da Força deDefesa dos Povos de Uganda (UPDF, em in-glês) na subseqüente Guerra do Congo, pormeio da qual alguns oficiais da UPDF conse-guiram institucionalizar seus interesses priva-dos e beneficiar-se da busca predatória pelaacumulação primitiva, enquanto, simultanea-mente, comprometiam-se com a aquiescên-cia do Estado ugandense às obrigações peran-te seus credores na economia política global.No entanto, os objetivos de longo prazo deformação de Estado permanecem embargadospelo equilíbrio volátil sustentado pelos interes-ses das facções em conflito no Estadougandense (RENO, 2002). Em todas essascondições de extraversion – a busca predató-ria de riqueza e poder por meio da acumula-ção primitiva – há conotações da teoria da re-volução passiva que podem ser relacionadas aprocessos específicos de formação de Estadona África subsaariana (BAYART, 1993, p. 180-192). Esse enfoque pode, assim, oferecer-nosuma abordagem político-econômica mais do-tada de detalhes e de profundidade históricapara que entendamos os chamados “estadosfalidos” (BILGIN & MORTON, 2002; 2004);esta última expressão, propagada por especi-alistas em política externa, burocratas de Es-tado e “intelectuais de construção do Estado(statecraft)” (tais como Francis Fukuyama ouSamuel Huntington), é mesmo uma tentativade ordenamento geopolítico6.

2) As revoluções passivas do capital na AméricaLatina: acerca do imperialismo ocidental, for-mal e informal, Eric Hobsbawm (2007, p. 27)comentou que, “no caso do primeiro, a‘ocidentalização’ foi a única forma de moder-nizar-se economias atrasadas e fortalecer es-tados fracos. Isto serviu aos impérios ociden-tais de uma espécie de boa vontade embutidanaquelas elites locais interessadas em superaros atrasos locais. Assim o foi mesmo quandoos modernizadores nativos finalmente se re-

belaram contra o domínio estrangeiro”. NaAmérica Latina, estratificações clássicas as-sociadas ao desenvolvimento desigual são evi-dentes em termos de capitalismo agrário; acriação de uma burguesia local com o adven-to de capital estrangeiro dominante e a ten-dência de assumir formas estatais de desen-volvimento por meio da chamada industriali-zação por substituição de importações (ISI),induzida pelas demandas da produção capita-lista acelerada para o mercado mundial (AMIN,1974, p. 378-390). Assim, uma influênciaformativa nas estruturas de determinados pro-cessos de formação de Estado na AméricaLatina foram as circunstâncias geopolíticas dosistema de estados (COX, 1987, p. 232, 234;HALLIDAY, 1987, p. 220, 226). Ainda, o im-pacto do capital estrangeiro e a gradual inclu-são de tais estados no mercado mundial – ouas condições de desenvolvimento desigual ecombinado – significam que o Estado tornou-se o árbitro da luta de classe e a pré-condiçãonecessária para o desenvolvimento do capita-lismo. Robert Cox (1987, p. 209-210) já apon-tou, diretamente, como tais condições de de-senvolvimento desigual têm moldado as rela-ções sociais de produção e os mecanismos deacumulação de capital naquelas formações so-ciais. O Estado que nasceu na América Latinarefletiu freqüentemente um impasse entre for-ças de classe social, visto que não era ele mes-mo hegemônico, e, conseqüentemente, “deuinício ao desenvolvimento capitalista comouma revolução passiva num quadro autoritá-rio, sob os auspícios do Estado, devido à au-sência de qualquer hegemonia burguesa jáestabelecida” (idem, p. 218).Semelhantemente, Kees van der Pijl (2006b,p. 17-21, 177-180) faz-nos atentar para como“estados competidores” têm gerenciado esseprocesso de modernização com ações plane-jadas, com a mobilização da base social e comum desenvolvimento nacional do tipopopulista, como, por exemplo, o México, sobo governo de Lázaro Cárdenas (1934-1940),o Brasil de Getúlio Vargas (1937-1945) e a Ar-gentina de Juan Perón (1944-1955). A ques-tão aqui, segundo Carlos Nelson Coutinho(apud BURGOS, 2002, p. 13-14), é “abraçaro Gramsci [...] que pesquisou as formas ‘não-clássicas’ de transição para a modernidadecapitalista (a problemática da ‘revolução pas-siva’)”. Isso significa que a direção política

6 Tuathail e Agnew (1992, p. 193) cunharam a expressão“intelectuais do Estado (statecraft)” para apreender “todaa comunidade de burocratas de Estado, líderes, especialistasem política externa e conselheiros ao redor do mundo quecomentam, influenciam e conduzem as atividades estatais(statecraft)”.

Page 12: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

56

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

do capital, por meio de revoluções passivas –ou tentativas estatais de modernizaçãodesenvolvimentista – freqüentemente resultanum “nascimento bastardo” de conquistas “no-tavelmente incompletas, junto da construçãode um Estado moderno (ANDERSON, 1992,p. 115). O que freqüentemente aconteceu emtais casos é que a formação do Estado tor-nou-se literalmente um processo de estatizaçãoenvolvendo estruturas políticas transplantadasintroduzidas, e às vezes à força, como umaforma importada de centralização política(BADIE & BIRNBAUM, 1983, p. 74, 97-99).Como já disse Fred Halliday (1992, p. 458-459), o resultado foi um “pathos de escapesemiperiférico” em que a emergência do capi-talismo precisou que o Estado impusesse suareprodução em determinado território. A teo-ria da revolução passiva pode, então, ser liga-da à extensão do capitalismo por meio da for-ma social do Estado moderno como uma pré-condição histórica para sua consolidação e ex-pansão. “Para esclarecê-lo”, diz Chatterjee(1986, p. 30), “devem-se examinar diversoscasos históricos de ‘revolução passiva’ emseus aspectos econômicos, políticos e ideoló-gicos”. Podemos começar essa tarefa em re-lação à América Latina pela análise da origina-lidade e peculiaridade das diferenças “nacio-nais” de cada processo de formação de Esta-do, tendo em mente como os processos lo-cais de acumulação de capital que moldam asformas de Estado são mesmo parte de con-textos geopolíticos mais amplos. Uma boa ilus-tração do que falamos seria o resultado daRevolução Mexicana (1910-1920), entendidacomo uma revolução passiva que forneceu aocapitalismo lá uma forma distinta e consisten-te com uma dominação autoritária e uma in-fluência hegemônica (cf. MORTON, 2006).Essa abordagem para situar os processos deformação de Estado na geopolítica da ordemmundial pode representar não somente o tipode estratégia de classe escolhida para se esta-belecer e manter a expansão do Estado mas,também, as maneiras pelas quais o capitalis-mo é forçado a revolucionar a si mesmo sem-pre que a hegemonia é enfraquecida ou queuma formação social não consegue fazer frenteà necessidade de expandir as forças produti-vas. As práticas de revolução passiva no sé-culo XX, em condições alternativas de desen-

volvimento, podem, então, ser traçadas poronde mecanismos estatais têm sido emprega-dos com o intuito de auxiliar na transforma-ção capitalista. O que é pertinente aqui é a opor-tunidade que se apresenta, por meio do con-ceito de revolução passiva, de analisar, no con-texto do desenvolvimento latino-americano,tanto a reestruturação do capitalismo feita pe-las classes sociais, ou o “contra-ataque docapital”, quanto a articulação de estratégias deresistência “anti-revolução passiva” (BUCI-GLUCKSMANN, 1979, p. 223, 232). Pode,então, ser-nos possível elucidar o surgimentodo neoliberalismo como uma estratégia de acu-mulação no contexto específico da década de1970, como, por exemplo, no México, peloPartido Revolucionário Institucional (PRI),para trazermos a lume a sobrevivência e reor-ganização do capitalismo em períodos de cri-se de Estado (SOEDERBERG, 2001;MORTON, 2003). Em tais processos, umaanálise de como o sistema de estadosterritoriais está sendo modificado por proces-sos ligados à globalização, como indicativosda atual fase do capitalismo, seria mesmo re-levante. Aqui, porém, a ênfase estaria no pa-pel, em transformação, do Estado em relaçãoà reestruturação global. O desenvolvimento de-sigual é entendido como consubstancial ao Es-tado moderno por meio da internalização doneoliberalismo (BIELER & MORTON, 2003,p. 485-489). Em termos mais amplos, a ma-neira pela qual as forças de classe social noChile procuraram normalizar um caminho “re-volucionário passivo” para o neoliberalismo du-rante a era Augusto Pinochet e, então, ampliara hegemonia neoliberal por meio do PartidoSocialista Chileno (PSCH) é mesmo pertinen-te (MOTTA, 2008). Podemos, também, inda-gar se as políticas de mudança da chamada“Revolução Bolivariana”, promovida por HugoChávez, na Venezuela, por meio de iniciativascomo a “criação” da Alternativa Bolivarianapara as Américas (ALBA), constituem mes-mo uma rejeição anti-revolução passiva doneoliberalismo por parte deste hemisfério(ELLNER & HILLINGER, 2004). Como jádisse o próprio Chávez, “Eu quero voltar-meao pensamento de Gramsci para fazer uso desuas idéias, usar a luz que emana de seu pen-samento, [para que], a cada dia que passa,possamos melhor compreender o que ocorrena Venezuela hoje” (WILPERT, 2007).

Page 13: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

57

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

De maneira geral, ao buscarmos situar ageopolítica do sistema de estados e o desenvolvi-mento desigual do capitalismo, uma oportunidadenos é dada de expor os agentes de classe políticaem ação na construção e reprodução da “moder-nização” e, ainda, de reconhecer formas cruciaisde contestação e resistência.

IV. COMENTÁRIOS FINAIS: ALÉM DO DE-SENVOLVIMENTO DESIGUAL?

Robert Brenner (2006, p. 92) afirma que ahegemonia estadunidense na era que seguiu a IIGrande Guerra era mais evidente em regiões decapitalismo avançado e que seu intervencionismono “Terceiro Mundo” era marcado mais por “ummáximo de força e mínimo de consentimento, ummáximo de dominação e um mínimo dehegemonia”. Em outra instância, Ray Kiely (1995,p. 93) conjecturou que “os estudos de desenvol-vimento carecem de mais análises comparativasde formação de classe em localidades específicas[...] e de examinar como esses processos afetam,e, por sua vez, são afetados pelo capital global”.Sustentou-se neste artigo que a teoria da revolu-ção passiva, enquanto direção política do capital,fornece um meio de se realizar tais tarefas. Espe-ramos que os argumentos acima tenham providoalguma substância ao comentário adicional de Kiely(idem, p. 95), para quem, assim como Marx eEngels escreveram sobre a Alemanha e Lênin eTrotski escreveram acerca da Rússia, Gramsciescreveu sobre a Itália em uma “tentativa de con-cretizar o desenvolvimento desigual, não segun-do uma lógica a priori do capital, mas baseadonas ações humanas” que visam à restauração e àreconstituição do poder de classe. – Sustentou-seainda que a teoria da revolução passiva tem sido,até aqui, lamentavelmente negligenciada por se-melhantes argumentos acerca da relação entre ocapitalismo e a geopolítica do sistema de estados.Isso é explícito no caso do trabalho de AlexCallinicos, dado que, ao elaborar sua compreen-são da competição geopolítica, ele declara que“qualquer análise marxista que seguir esta abor-dagem será radicalmente distinta, pois enxergaráas estratégias, cálculos, e interações entre osgerenciadores do Estado no contexto das tendên-cias a crises e conflitos de classe constitutivos docapitalismo em qualquer estágio de seu desenvol-vimento” (CALLINICOS, 2007, p. 14; sem grifosno original). O fato de a teoria da revolução passi-va ter sido negligenciada desconstrói parte da ex-

clusividade da distinção radical feita por Callinicos,visto, em especial, que, conforme já argumenta-mos, a teoria da revolução passiva apreende a in-serção desigual de diferentes territórios no mer-cado mundial capitalista; a reprodução geográficade classe e as relações de produção ao longo deescalas espaciais; e a persistência da competiçãogeopolítica em condições de capitalismo global.Além do mais, por meio de seu enfoque nas estra-tégias de classe de consolidação capitalista emprocessos de formação de Estado, a teoria da re-volução passiva considera também osmicromecanismos do sistema de estados sob ocapitalismo; microorganismos esses que, em tese,são tão centrais em abordagens paralelas aoacúmulo de capital e ao sistema de estados (cf.ASHMAN & CALLINICOS, 2006, p. 112-115;CALLINICOS, 2007, p. 14-15).

Em termos mais amplos, a hipótese geral acer-ca do desenvolvimento desigual confronta-se coma crítica metateórica segundo a qual os conceitosmarxistas se têm mostrado incapazes de uma apli-cação consistente ao objeto de análise dos estu-dos de desenvolvimento. Isto foi salientado porDavid Booth, de modo muito controverso, em seuresumo da sociologia do desenvolvimento ao in-dicar que as questões complexas e desafiadorasem torno do desenvolvimento em formações so-ciais pós-coloniais não são suficientementeabarcadas em termos da dinâmica e da expansãodo capitalismo por meio do desenvolvimento de-sigual e combinado. Argumenta-se que “separar eagrupar” certas estruturas sob formas de Estado“nacionais” que são encaixadas na generalidadedas leis de desenvolvimento desigual é um proble-ma que resulta na contorção das especificidadesde cada Estado, ligando-as a fatores causais in-ternacionais do capitalismo mundial (BOOTH,1985, p. 774; 1994). O mesmo argumento sobrea supressão de diferentes tipos e estágios de de-senvolvimento em formas de estados pós-coloni-ais – fora dos estados centrais da economia glo-bal – poderia também ser extrapolado àquelas con-siderações sobre o desenvolvimento desigualou combinado que, de forma semelhante, dão pri-oridade a fatores causais internacionais (p. ex.,BRENNER, 2003; ROSENBERG, 2005; 2006). Apromessa não cumprida das teorizações sobre odesenvolvimento desigual e combinado, então, écombinar uma apreciação da generalidade do ca-pitalismo com uma sociologia histórica das trans-formações em formas específicas de Estado

Page 14: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

58

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

(KIELY, 2005, p. 33). A questão aqui é se asteorizações sobre o desenvolvimento desigual po-dem abarcar as condições comuns e distintas comas quais se tem defrontado o Estado pós-colonialem escala global, quer sejam inter alia formas dotipo corporativista estatal, capitalista estatal,neopatrimonialista, desenvolvimentista, ou“rentier”. De igual forma, esse desafio poderiarevelar a relevância da teorização de Gramsci so-bre o desenvolvimento desigual às condições deformação de Estado. Contudo, deve ficar claro apartir dos argumentos acima que não se pode pre-sumir desenvolvimentos uniformes nos diferen-tes processos regionais de formação de Estado.Ao contrário, as pressões do desenvolvimentodesigual são claramente mediadas por meio de di-ferentes formas de Estado como pontos nodaisde configurações nacionais específicas de fraçõesde classe e lutas por hegemonia e/ou revoluçãopassiva sob condições de acumulação em escalaglobal. Portanto, Gramsci contribui para ateorização da geopolítica e do capitalismo globalao apreciar a trajetória multiescalar de determina-dos processos de formação de Estado sob ten-dências gerais, numa escala global, encorajando,assim, um relato empírico diligente do desenvol-vimento desigual e combinado em casos históri-cos e contemporâneos.

Outro fator também essencial na teorização queGramsci faz do sistema de estados e do capitalis-mo em sua relação com a noção de revolução pas-siva é o quanto essa teorização deve a influênciasmarxistas mais amplas. De forma muitosignificante, isto inclui seu muito desconsideradocontato pessoal e intelectual com Trotski, em es-pecial seu encontro no 4º Congresso da Interna-cional Comunista (que teve lugar em Petrogradoe em Moscou, de 5 de novembro a 5 de dezembrode 1922). A mais proeminente de suas afinidadese ambivalências é sua análise das táticas de “fren-te única” que moldaram o pensamento e a práticaestratégicos durante a III Internacional Comunis-ta; sua preocupação com a crescenteburocratização da União Soviética e os limites dacentralização na democratização proletária; suaopinião de que a revolução russa era sui generisem muitos aspectos e que a atividade revolucio-nária nos países ocidentais de capitalismo avan-çado deveria empreender um diferente conjuntode tarefas; sua forma de compreender questõesde cultura e costumes da civilização, ligando opapel da literatura e da arte na revolução; e, de

forma crucial, sua análise do fenômeno fascistacomo uma forma singular de reação capitalista (cf.ROSENGARTEN, 1984-1985, p. 73). SegundoGiuseppe Fiori (1970, p. 159), que traçou a vidade Gramsci à época do IV Congresso, “Gramscifoi um dos poucos capazes de apreender a realnovidade do fascismo, o crescente perigo que elerepresentava, e quão certa estava a tática de defe-sa proposta pela Internacional”. Algo não distantedo pensamento do próprio Trotski, que reconhe-ceu que “O Partido Comunista Italiano foi inca-paz de discernir os traços específicos do fascis-mo que nascem da mobilização da pequena-bur-guesia contra o proletariado. Camaradas italianosinformam-me que, com a única exceção deGramsci, o Partido Comunista sequer aceitava apossibilidade de os fascistas tomarem o poder”(Trotski apud ROSENGARTEN, 1984-1985, p.75).

Isso ressalta três pontos para uma discussãofutura: 1) a importância da compreensão do fas-cismo como uma forma de revolução passiva re-levante para o século XX; 2) a renovada impor-tância de se acessar as convergências e divergên-cias entre Gramsci e Trotski quanto à questão dofascismo e sua relação com a revolução passiva eo desenvolvimento desigual e combinado e 3) aimportância de se relacionar o conceito de revo-lução passiva a mudanças contemporâneas na, ealterações da, ordem mundial capitalista que po-dem tornar-se a matriz de novas mudanças. Taisseriam os dividendos de se desenvolver demaisanálises da relação entre Gramsci e Trotski emcorrentes de teoria e prática do materialismo his-tórico.

Por fim, pode-se também indagar se Gramsciconsiderou a condição de revolução passiva e de-senvolvimento desigual de uma forma tal que efe-tivamente combinasse tanto uma dimensão políti-ca quanto uma dimensão valorativo-teórica.Gramsci consegue evitar que sua teoria da revo-lução passiva e desenvolvimento desigual torne-se uma “sociologia econômica leve”7? Se esta acu-sação é também refratada por considerações mar-xistas contemporâneas mais amplas sobre o de-senvolvimento desigual e combinado é uma ques-tão ainda aberta para debate. Neste sentido, a de-marcação feita por Gramsci entre a economiapolítica clássica e a “economia crítica” do mate-

7 A frase é de Jessop (2006b, p. 163).

Page 15: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

59

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

rialismo histórico é mesmo significante (cf.BIELER & MORTON, 2003, p. 481-485;JESSOP, 2006c). Segundo aconselha Gramsci,“deve-se tomar como ponto de partida o trabalhode todos os trabalhadores para se chegar às defi-nições tanto de seu papel na produção econômicaquanto do conceito abstrato, científico de valor emais-valia” (GRAMSCI, 1995, p. 168, Q 10 II §23). Para Marx (1973 [1857-1858], p. 704), acontradição entre capital e trabalho “é o últimodesenvolvimento da relação-valor e da produçãoque se baseia no valor”. Para Gramsci (1971, p.402, Q 7 § 18), “na economia, o centro unitário éo valor, ou seja, a relação entre o trabalhador e asforças produtivas industriais”. É significante, en-tão, que Gramsci tenha identificado o volume IIIda Crítica da Economia Política (ou do Capital)como o “objeto [central] de novos estudos” para

estabelecer a importância orgânica das contradi-ções no cerne da lei da tendência de queda dastaxas de lucro (GRAMSCI, 1995, p. 431, Q 10 II§ 36; 1971, p. 311-312, Q 22 § 13; MARX, 1959[1894], p. 211-266). As reflexões sobre as mais-valias relativa e absoluta, o estudo da dinâmica dotempo de trabalho socialmente necessário, as ob-servações acerca da lei da tendência de queda dastaxas de lucro presentes em Americanismo efordismo e, assim, a concepção de valor e mais-valia evidentes na teorização gramsciana sobre ocapitalismo e o desenvolvimento desigual devemainda ser desveladas. Se isso dará ainda mais fô-lego à teorização de Gramsci sobre a geopolítica eo sistema de estados em condições de revoluçãopassiva e desenvolvimento desigual, levando-a pornovos caminhos histórico-materialistas, permane-ce o conteúdo de futuros debates.

Adam David Morton ([email protected]) é pesquisador do Centre for the Study ofSocial and Global Justice (CSSGJ) e Professor da School of Politics and International Relations daUniversity of Nottingham (Inglaterra).

AGNEW, J. 2001. Reinventing Geopolitics : Geo-graphies of Modern Statehood. Heidelberg :University of Heidelberg.

_____. 2003. Geopolitics : Re-Visioning WorldPolitics. 2nd ed. London : Routledge.

_____. 2005. Hegemony: The New Shape of Glo-bal Power. Philadelphia : Temple University.

AMIN, S. 1974. Accumulation on a WorldScale : a Critique of the Theory ofUnderdevelopment. New York : MonthlyReview.

ANDERSON, P. 1992. English Questions. Lon-don : Verso.

ASHMAN, S. & CALLINICOS, A. 2006. Capi-tal Accumulation and the State System :Assessing David Harvey’s The NewImperialism. Historical Materialism, n. 14, v.4, p. 107-131.

BADIE, B. & BIRNBAUM, P. 1983. TheSociology of the State. Chicago : University ofChicago.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAYART, J-F. 1986. Civil Society in Africa. In :CHABAL, P. (ed.) Political Domination inAfrica : Reflections on the Limits of Power.Cambridge : Cambridge University.

_____. 1993. The State in Africa : The Politics ofthe Belly. London : Longman.

_____. 2000. Africa in the World : a History ofExtraversion. African Affairs, v. 99, n. 396,p. 217-267.

BIELER, A. & MORTON, A. D. 2003.Globalisation, the State and Class Struggle : a“Critical Economy” Engagement with OpenMarxism. British Journal of Politics andInternational Relations, v. 5, n. 4, p. 467-499.

_____. 2008. The Deficits of Discourse in Ipe :Turning Base Metal into Gold? InternationalStudies Quarterly, London, v. 52, n. 1.

BILGIN, P. & MORTON, A. D. 2002.Historicising Representations of “FailedStates”: Beyond the Cold War Annexation ofthe Social Sciences. Third World Quarterly, v.23, n. 1, p. 55-80.

Page 16: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

60

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

_____. 2004. From “Rogue” to “Failed” States?The Fallacy of Short Termism. Politics, v. 24,p. 3, p. 169-180.

BOOTH, D. 1985. Marxism and DevelopmentSociology : Interpreting the Impasse. WorldDevelopment, v. 13, n. 7, p. 761-787.

_____. (ed.) 1994. Rethinking Social Develop-ment : Theory, Research and Practice.Harlow : Longman.

BRENNER, R. 2003. The Boom and the Bubble :The US in the World Economy. London : Ver-so.

_____. 2006. What Is, and What Is Not Imperia-lism? Historical Materialism, v. 14, n. 4, p.79-105.

BUCI-GLUCKSMANN, C. 1979. State,Transition and Passive Revolution. In :MOUFFE, C. (ed.) Gramsci and MarxistTheory. London : Routledge.

BURGOS, R. 2002. The Gramscian Interventionin the Theoretical and Political Production ofthe Latin American Left. Latin AmericanPerspectives, v. 29, n. 1, p. 9-37.

BUZAN, B. & LITTLE, R. 2000. InternationalSystems in World History : Remaking the Studyof International Relations. Oxford : OxfordUniversity.

CALLINICOS, A. 2007. Does Capitalism Needthe State System? Cambridge Review ofInternational Affairs, London, v. 20, n. 4, p.533-549, Dec.

CHASE-DUNN, C. 1989. Global Formations :Structures of the World-Economy. Oxford :Blackwell.

CHATTERJEE, P. 1986. Nationalist Thought andthe Colonial World. London: Zed.

COX, R. W. 1983. Gramsci, Hegemony andInternational Relations : an Essay in Method.Millennium, v. 12, n. 2, p. 162-175.

_____. 1987. Production, Power and World Or-der : Social Forces in the Making of History.New York : Columbia University.

ELLNER, S. & HILLINGER, D. (eds.) 2004.Venezuelan Politics in the Chávez Era : Class,Polarisation and Conflict. Boulder : LynneRienner.

FIORI, G. 1970. Antonio Gramsci : Life of aRevolutionary. London : Verso.

GRAMSCI, A. 1971. Selections from the PrisonNotebooks. London : Lawrence & Wishart.

_____. 1975. History, Philosophy and Culture inthe Young Gramsci. Saint Louis : Telos.

_____. 1977. Selections from Political Writings,1910-1920. London : Lawrence and Wishart.

_____. 1978. Selections from Political Writings,1921-1926. London : Lawrence and Wishart.

_____. 1985. Selections from Cultural Writings.London : Lawrence and Wishart.

_____. 1992. The Prison Notebooks. V. 1. NewYork : Columbia University.

_____. 1994a. Letters from Prison. V. 1. NewYork : Columbia University.

_____. 1994b. Pre-Prison Writings. Cambridge :Cambridge University.

_____. 1995. Further Selections from the PrisonNotebooks. London : Lawrence and Wishart.

_____. 1996. The Prison Notebooks. V. 2. NewYork : Columbia University.

_____. 1988. A Gramsci Reader : SelectedWritings, 1916-1935. London : Lawrence andWishart.

_____. 2001. Cuadernos de la cárcel. 6 v. Ciudadde Mexico : Era.

HALL, S. 1986. Gramsci’s Relevance for theStudy of Race and Ethnicity. Journal ofCommunication Inquiry, v. 10, n. 2, p. 5-27.

HALLIDAY, F. 1987. State and Society inInternational Relations : A Second Agenda.Millennium, v. 16, n. 2, p. 215-229.

_____. 1992. International Society as Homoge-neity : Burke, Marx and Fukuyama.Millennium, v. 21, n. 3, p. 435-461.

_____. 1999. Revolution and World Politics : theRise and Fall of the Sixth Great Power.London : Macmillan.

HARVEY, D. 2003. The New Imperialism.Oxford : Oxford University.

HOBSON, J. M. 2007. Back to the Future of “OneLogic or Two?” or Forward to the Past of“Anarchy versus Hierarchy?”. Cambridge

Page 17: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

61

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 45-62 NOV. 2007

Review of International Affairs, London, v.20, n. 4, p. 581-597, Dec.

HOBSBAWM, E. 1975. The Age of Capital,1848-1875. London : Weidenfeld & Nicolson.

_____. 2007. Who Controls the World Now thatthe Age of Empire is Dead? The Observer, June3rd, p. 27.

INAYATULLAH, N. & BLANEY, D. L. 1995.Realising Sovereignty. Review of InternationalStudies, v. 21, n. 1, p. 3-20.

JESSOP, B. 2006a. Gramsci as a Spatial Theorist.In : BIELER, A. & MORTON, A. D. (eds.).Images of Gramsci : Connections andContentions in Political Theory andInternational Relations. London : Routledge.

_____. 2006b. Spatial Fixes, Temporal Fixes andSpatio-Temporal Fixes. In : CASTREE, N. &GREGORY, D. (eds.) David Harvey : a CriticalReader. Oxford : Blackwell.

_____. 2006c. Gramsci as a Proto- and Post-Regulation Theorist. In : JESSOP, B. & SUM,N.-L. (eds.). Beyond the RegulationApproach : Putting Capitalist Economies inTheir Place. Cheltenham: E. Elgar.

KIELY. R 1995. Marxism, Post-Marxism andDevelopment Fetishism. Capital & Class, n.55, p. 73-101.

_____. 2005. Capitalist Expansion and theImperialism-Globalisation Debate : Contempo-rary Marxist Explanations. Journal ofInternational Relations and Development, v.8, n. 1, p. 27-57.

MAMDANI, M. 1996. Citizen and Subject :Contemporary Africa and the Legacy of LateColonialism. London : J. Currey.

MANDEL, E. 1975. Late Capitalism. London :Verso.

MARX, K. 1973 (1857-1858). Grundrisse.London : Penguin.

_____. 1996 (1887). Capital. V. I. In : MARX, K.& ENGELS, F. Collected Works. V. 35.London : Lawrence & Wishart.

_____. 1959 (1894). Capital. V. III. London :Lawrence & Wishart.

MCMICHAEL, P. 1990. IncorporatingComparison within a World-HistoricalPerspective : an Alternative ComparativeMethod. American Sociological Review, n. 55,v. 3, p. 385-397.

MOE, N. 2002. The View from Vesuvius : ItalianCulture and the Southern Question. Berkeley :University of California.

MORTON, A. D. 2003. Structural Change andNeoliberalism in Mexico : “Passive Revolution”in the Global Political Economy. Third WorldQuarterly, v. 24, n. 4, p. 631-653.

_____. 2005. The Age of Absolutism : Capitalism,the Modern States-System and InternationalRelations. Review of International Studies, v.31, n. 3, p. 495-517.

_____. 2006. Mexican Revolution, PrimitiveAccumulation, Passive Revolution. Artigo apre-sentado na 31st Annual Conference of theBritish International Studies Association, reali-zado entre 18 e 20 de dezembro, na Universityof Cork (Ireland).

_____. 2007a. Unravelling Gramsci: Hegemonyand Passive Revolution in the Global PoliticalEconomy. London : Pluto.

_____. 2007b. Waiting for Gramsci : StateFormation, Passive Revolution and theInternational. Millennium, London, v. 35, n.3, 597-621, Sept.

MOTTA, S. C. 2008. The Chilean Socialist Party(psch) : Constructing Consent andDisarticulating Dissent to Neoliberal Hegemonyin Chile. British Journal of Politics andInternational Relations, London, v. 10, n. 1.

OLLMAN, B. 1976. Alienation. 2nd ed.Cambridge: Cambridge University.

RENO, W. 1998. Warlord Politics and AfricanStates. Boulder : L. Rienner.

_____. 2001. How Sovereignty Matters : Interna-tional Markets and the Political Economy ofLocal Politics in Weak States. In : CALLAGHY,T.; KASSIMIR, R. & LATHAM, R. (eds.).Intervention and Transnationalism in Africa :Global-Local Networks of Powers.Cambridge : Cambridge University.

Page 18: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

62

A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITAL. GLOBAL EM QUESTÃO

_____. 2002. Uganda’s Politics of War and DebtRelief. Review of International PoliticalEconomy, v. 9, n. 3, p. 415-435.

ROBINSON, W. I. 2003. Transnational Conflicts:Central America, Social Change andGlobalisation. London : Verso.

_____. 2004. A Theory of Global Capitalism :Production, Class and State in a TransnationalWorld. Baltimore : Johns Hopkins University.

ROSENBERG, J. 2005. Globalisation Theory : aPost-Mortem. International Politics, v. 42, n.1, p. 2-74.

_____. 2006. Why is There No International Histo-rical Sociology? European Journal ofInternational Relations, v. 12, n. 3, p. 307-340.

ROSENGARTEN, F. 1984-1985. The Gramsci-Trotski Question (1922-1932). Social Text,New York, n. 11, p. 65-95.

SAID, E. W. 2000. History, Literature andGeography. In : _____. Reflections on Exileand Other Literary and Cultural Essays.London : Granta.

SLATER, D. 2004. Geopolitics and thePost-Colonial : Rethinking North-SouthRelations. Oxford : Blackwell.

SOEDERBERG, S. 2001. From Neoliberalism toSocial Liberalism : Situating the NationalSolidarity Program within Mexico’s PassiveRevolutions. Latin American Perspectives, v.28, n. 3, p. 102-123.

SZEFTEL, M. 2000. Between Governance andUnderdevelopment : Accumulation and Africa’s“Catastrophic Corruption”. Review of AfricanPolitical Economy, v. 27, n. 84, p. 287-306.

TESCHKE, B. 2003. The Myth of 1648 : Class,Geopolitics and the Making of ModernInternational Relations. London : Verso.

TROTSKI, L. 1932. What Next? Vital Questionsfor the German Proletariat. New York : Pioneer.

_____. 1936. The History of the Russian Revolu-tion. V. 1. London : V. Gollancz.

VAN DER PIJL, K. 1996. A Theory ofTransnational Revolution : Universal HistoryAccording to Eugen Rosenstock-Huessy andIts Implications. Review of InternationalPolitical Economy, v. 3, n. 2, p. 287-318.

_____. 2006a. A Lockean Europe? New LeftReview, London, n. 37, p. 9-37.

_____. 2006b. Global Rivalries from the Cold Warto Iraq. London : Pluto.

WENDT, A. 2003. Why a World State is Inevitable.European Journal of International Relations,v. 9, n. 4, p. 491-542.

WILPERT, G. 2007. Chávez DimissesInternational Disapproval of Venezuela’sMedia Policy. June 4th. Disponível em: http://www.venezuelanalysis.com. Acesso em :13.jun.2007.

YOUNG, C. 2004. The End of the Post-ColonialState in Africa? Reflections on Changing AfricaPolitical Dynamics. African Affairs, v. 103.n. 410, p. 23-49.

Page 19: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

230

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 227-230 NOV. 2007

* * *

DISPUTING THE GEOPOLITICS OF THE STATES-SYSTEM AND GLOBAL CAPITALISM

Adam David Morton

Alex Callinicos’s intervention in the debate on the geopolitics of the states-system and capitalistmodernity provides a crucial wake-up call to International Relations (IR) and International PoliticalEconomy (IPE). Yet, within the contending positions disputing the political economy of geopoliticalconflict, interstate rivalry, and capitalist imperialism, the insights of Antonio Gramsci have beennotably present by their absence. This article attempts to contribute to the dialogue initiated by AlexCallinicos by drawing attention to Gramsci’s relevance to theorising the relationship between thestates-system and capitalism. It does so by elaborating how the theory of passive revolution revealsthe political rule of capital by internally relating the states-system and capitalist modernity within afocus on uneven development. This concern is evident in Gramsci’s own analysis of Anglo-Saxoncapitalism and the geopolitics of the states-system in his survey of Americanism and Fordism. Thistheorising of the passive revolution of capital might then provide a fruitful basis from which anempirical research agenda on social development could be advanced with reference to postcolonialstate formation processes.

KEYWORDS: Antonio Gramsci; capitalism; passive revolution; postcolonial states; InternationalRelations; International Political Economy.

* * *

Page 20: A GEOPOLÍTICA DO SISTEMA DE ESTADOS E O CAPITALISMO … · Hardt e Antonio Negri, William Robinson), “hegemonistas” (Leo Panitch e Sam Ginden) e “neo-imperialistas” (David

236

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 233-236 NOV. 2007

* * *

LA GÉOPOLITIQUE DU SYSTÈME D’ÉTATS ET LE CAPITALISME MONDIAL

Adam David Morton

La contribution d’Alex Callinicos au débat sur la géopolitique du système d’états et la modernitécapitaliste attire l’attention sur les Relations Internationales (RI) et l’Économie Politique Internationale(EPI). En outre, dans les positions opposées sur l’économie politique du conflit géopolitique mises enquestion – la rivalité entre les états et l’impérialisme capitaliste –, les insights de Gramsci sontprésents par leur absence. Cet article cherche à contribuer au dialogue entrepris par Alex Callinicosqui souligne l’importance de Gramsci vis-à-vis de la théorisation des relations entre le systèmed’états et le capitalisme. Il montre comment la théorie de la révolution passive permet de révéler lerôle politique joué par le capital, en mettant en rapport de l’intérieur le système d’états et la modernitécapitaliste en termes de développement inégal. Cette préoccupation est visible dans l’analyse queGramsci lui-même élabore du capitalisme anglo-saxon et de la géopolitique du système d’états dansses notes dans Américanisme et fordisme. Cette théorisation de la révolution passive du capital peutfournir une base fructueuse sur laquelle un plan de recherche empirique sur le développement socialpeut être perfectionné en ce qui concerne les processus de formation d’états post-coloniaux.

MOTS-CLÉS: Gramsci; capitalisme; révolution passive; états coloniaux; Relations internationales;Économie Politique Internationale.

* * *