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    FACULDADE TEOLGICA BATISTA EQUATORIAL

    COORDENAO DE TEOLOGIACURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA

    ODIRLEY DA SILVA RODRIGUES

    O PECADO ORIGINAL:E OS PRESSUPOSTOS DA TEOLOGIA REFORMADA

    BELM PAR2010

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    FACULDADE TEOLGICA BATISTA EQUATORIAL

    COORDENAO DE TEOLOGIACURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA

    ODIRLEY DA SILVA RODRIGUES

    O PECADO ORIGINAL:E OS PRESSUPOSTOS DA TEOLOGIA REFORMADA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado comoRequisito final para a obteno de grau de Bacharel emTeologia pela FATEBE Faculdade Teolgica BatistaEquatorial / orientado pelo Prof. Jos Carlos de LimaCosta

    BELM PAR2010

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    RODRIGUES, Odirley da SilvaO PECADO ORIGINAL:E os pressupostos da teologiareformada.Belm: 2010. 63p.

    I PECADO ORIGINAL2 Teologia Reformada. Pecado II ttulo

    FACULDADE TEOLGICA BATISTA EQUATORIAL

    CDD. 241.3

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    NOMINATA

    MANTENEDOR DA FATEBESeminrio Teolgico Batista Equatorial STBE

    Diretor GeralDr. D. B. Riker, Ph.D.

    A FATEBE

    Diretor GeralDr. D. B. Riker, Ph.D.

    Diretor AcadmicoProf. Dr. Manoel Ribeiro de Moraes Junior

    Diretor Administrativo-FinanceiroPr. Ronaldo Fermiano de Souza

    Secretria e Gestora AcadmicaEsp. Gabriela Nunes Campos

    Coordenador de Pesquisa e Ps-Graduao / Coordenador de TCCProf. Dr. Douglas Rodrigues da Conceio

    Coordenador Acadmico de TeologiaProf. Dr. Manoel Ribeiro de Moraes Junior

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    O PECADO ORIGINAL:E OS PRESSUPOSTOS DA TEOLOGIA REFORMADA

    ODIRLEY DA SILVA RODRIGUES

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado comorequisito final para obteno de grau de Bacharelado emTeologia pela FATEBE Faculdade Teolgica BatistaEquatorial/ orientado pelo Prof. Jos Carlos de Lima Costa

    Banca Examinadora:

    1. ___________________________________Jos Carlos de L. Costa - Prof. Orientador

    2. ___________________________________Benildo Veloso Prof. Avaliador

    3. ___________________________________Josu da Silva de Lima Prof. Avaliador

    Aprovado em: ____/____/_____

    Conceito: __________________

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    DEDICATRIAS

    Ao Deus Soberano e gracioso, pois a Ele a honra,

    toda glria e louvor.

    Aos meus pais, Luis Jorge Rodrigues e Elizabeth

    Rodrigues, que sempre acreditaram e sustentaram

    meu sucesso com amor e carinho.

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    Para Joquebede Rodrigues, minha companheira e

    esposa amada, e meu filho bendito ArthurRodrigues, pois foram minhas inspiraes e meus

    principais incentivadores para os estudos e

    aceitaram pacientemente minha ausncia todos os

    dias de estudos.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos parceiros, irmos e amigos de sala, pelo companheirismo em cada trabalho e atividade de

    sala de aula. Um ano de estudos juntos, valeu por quatro anos;

    Aos professores Ezilene Ribeiro, Pr. Antnio Carlos e Fabrcio Arajo que compartilharam o

    conhecimento e a amizade;

    Aos professores Rev. Benildo Veloso e Josu da Silva de Lima, pela participao na minha

    banca examinadora.

    Ao professor Jos Carlos, pela orientao neste trabalho e pela pacincia na correo e nas

    sugestes do TCC. Bem como, pela piedade e amor as Escrituras como Palavra de Deus;

    Ao coordenador acadmico e professor Dr. Manoel Moraes, pela humildade e ateno em

    todos os momentos em que foi solicitado. E ainda, pela seriedade com que conduz a

    coordenao;

    Ao prof. Dr. Douglas da Conceio, professor e coordenador de TCC, pela forma brilhante einteligente que conduz a coordenao.

    Ao magnfico reitor Dr. D. B. Riker, diretor geral desta casa, pela luta da piedade e

    confessionalidade da Faculdade.

    A minha amada Igreja Batista Jardim Nova Esperana, pela compreenso e pacincia durante

    o perodo de um ano de ausncia em alguns momentos;

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    Se pela ofensa de um e por meio de um s, reinou

    a morte, muito mais os que recebem a abundancia

    da graa e o dom da justia reinaro em vida pormeio de um s, a saber, Jesus Cristo.

    Apstolo Paulo

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    RESUMO

    O presente trabalho de concluso de curso objetiva analisar o tema pecado original, tendocomo base a concepo reformada da queda de Ado. A proposta fazer uma apresentaohistrica do pecado original dentro do pensamento dos grandes nomes da teologia. Os

    principais vultos que sero observados compreendem o perodo dos pais da igreja at a ps-modernidade. No entanto, ao analisar tais argumentaes se observar desdobramentosconsiderveis da doutrina. A pesquisa se ancora buscando compreender o pensamentoreformado do pecado admico na humanidade. Neste sentido, o trabalho desenhar o rumo dadoutrina bblica do pecado, objetivando compreender desde a gnesis, a essncia, odesenvolvimento at as consequncias do pecado original no homem. Finalmente, o pecadooriginal ser analisado dentro da contemporaneidade, observando a crescente

    descaracterizao desta doutrina, a relao com as doutrinas basilares da f crist, bem comoa realidade humana em face ao pecado. O alvo da presente anlise demonstrar que todos oshomens pecaram em Ado. Toda a raa humana se tornou totalmente depravada por causa doseu representante legal: Ado, o qual se rebelou contra toda ordem de Deus.

    Palavras chaves: Pecado original, teologia reformada, imputao, raa humana,contemporaneidade.

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    SUMRIO

    ELEMENTOS PR-TEXTUAIS .......................................................................................... 1-101 INTRODUO................................................................................................................... 112 DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL NA HISTRIA............................................... 132.1 PATRSTICA ..................................................................................................................... 142.1.1 O que os pais da igreja afirmaram?............................................................................ 142.1.2 A contribuio da polmica de Pelgio e Agostinho................................................... 162.2 IDADE MDIA .................................................................................................................. 182.3 REFORMA PROTESTANTE DO SECULO XVI ............................................................ 192.4 MODERNIDADE NAS VOZES DO LIBERALISMO E ILUMINISMO ........................ 222.5 PS-MODERNIDADE NAS VOZES DA NEO-ORTODOXIAE DO EXISTENCIALISMO .................................................................................................... 233 DOUTRINA REFORMADA DO PECADO ORIGINAL............................................... 26

    3.1 A ORIGEM DO PECADO ................................................................................................. 273.2 A NATUREZA DO PECADO ........................................................................................... 313.2.1 O mal moral................................................................................................................... 323.2.2 O corao como sede do pecado................................................................................... 333.2.3 Relao com a lei de Deus............................................................................................. 343.3 A IMPUTAO - TRANSMISSO DO PECADO ......................................................... 353.3.1 A universalidade do pecado.......................................................................................... 373.3.2 A relao de Ado com a raa...................................................................................... 383.4 OS RESULTADOS DO PECADO .................................................................................... 403.4.1 Corrupo e sofrimentos............................................................................................... 413.4.2 Depravao moral......................................................................................................... 41

    3.4.3 Morte eterna................................................................................................................... 424 DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL NA CONTEMPORANEIDADE................... 444.1 A (DES)CARACTERIZAO DO SIGNIFICADO DO PECADO ................................ 454.2 A RELAO DO PECADO ORIGINAL COM AS DOUTRINASELEMENTARES DA F CRIST .......................................................................................... 494.2.1 A regenerao e o pecado original............................................................................... 494.2.2 A converso e o pecado original................................................................................... 514.2.3 O arrependimento e o pecado original........................................................................ 524.2.4 A justificao e o pecado original................................................................................. 534.2.5 A santificao e o pecado original................................................................................ 554.3 A MALIGNIDADE DO PECADO .................................................................................... 56

    5 CONCLUSO...................................................................................................................... 596 REFERNCIAS.................................................................................................................. 61

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    1 INTRODUO

    Dilogos sobre pecado nos dias atuais quase impossvel, e falar de pecado

    original seria tarefa mais complicada ainda, no sentido de se chegar a uma unanimidade sobre

    o assunto, pois o subjetivismo e o relativismo, com formas variadas, vm trazendo certa

    repercusso para a atualidade. Porm, o presente trabalho parte do pressuposto de que a

    teologia reformada1 oferece a resposta, com coerncia, acerca do real estado humano com

    relao ao pecado.

    Por isso, necessrio verificar a importncia da doutrina do pecado original e as

    doutrinas relacionadas a ela, bem como observar a histria da doutrina do pecado original e

    das vozes do passado e do presente e, por fim, enfatizar a contribuio reformada do pecado

    original para o mundo, em que se tornou um marco diante das perspectivas teolgicas da

    histria.

    Este trabalho tem por finalidade investigar a doutrina histrica do pecado original

    luz da teologia dos reformadores e sua relevncia para a teologia contempornea.

    Historicamente, investigar a palavra dos telogos do perodo da patrstica at o sculo XXI.

    Teologicamente, analisar o problema do pecado original e dos tratados clssicos e confisses

    sobre o assunto proposto.

    Na primeira parte desta monografia, considerar-se- a histria da doutrina do

    pecado original nas vozes dos seus principais telogos. Dentro da era dos pais da igreja,

    principalmente na concepo de Orgenes e Tertuliano se v o pecado como pr-existente e

    como teoria realista. No oriente a doutrina ganhou demasiado destaque na polmica entre

    Pelgio e Agostinho. Na idade Mdia destaca-se o posicionamento de Anselmo de Canterbury

    e da igreja catlica. No perodo da reforma protestante destacam-se os arminianos votando

    contra o pecado original, mas tambm se destaca Lutero, Calvino e o posicionamento do

    1Entende-se por teologia reforma, por todo o pensamento que gira em torno da doutrina calvinista.

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    Snodo de Dort2, trazendo uma concepo genuinamente reformada do pecado admico. Na

    modernidade,o destaque fica por conta dos liberais, que influenciaram negativamente,com

    suas convices humanistas para a doutrina, negando sua realidade. Na ps-modernidade,

    principalmente nos escritos de Karl Barth, o den, Ado e o pecado original foram

    concebidos como eventos mitolgicos.

    Na segunda parte, ser apresentada a doutrina reformada do pecado original. De

    maneira minuciosa, a pesquisa analisar: a nfase da doutrina reformada com verificao da

    origem do assunto na idia bblica, explanando a natureza e a transmisso ou imputao do

    pecado de Ado em relao a humanidade, e a universalidade, bem como observar as terrveis

    consequncias do pecado na vida do homem pecador.

    No captulo final, a doutrina bblica do pecado original ser analisada dentro da

    contemporaneidade, observando a alarmante descaracterizao do pecado original, a relao

    com as doutrinas bsicas para a f crist e como elas podem perder sentido, sem uma

    compreenso bblica do pecado, bem como apresentar a realidade humana em pecado.

    Os valores cristos de hoje refletem a doutrina e o pensamento deficiente, como sev na contemporaneidade. Verificando tal deficincia referente ao pecado, particularmente

    quanto ao pecado original, pretende-se observar, ento, a importncia histrica da doutrina

    para a teologia contempornea, luz do pensamento reformado. Por isso, importante

    retornar aos ensinamentos da reforma, pois conscientizar pensadores cristos sobre o que o

    pecado realmente significa, bem como os resultados que causou ao homem.

    Tambm objetivo desta pesquisa reafirmar que a humanidade pecadora emAdo, no somente pelos pecados atuais, mas porque recebeu em sua natureza uma condio

    pecadora pela queda de Ado. Por isso, toda a raa humana se tornou totalmente depravada

    por causa do seu representante legal: Ado, o qual imputou posteridade a sua mesma

    condio perdida diante de Deus.

    2Conclio realizado na Cidade de holandesa de Dort ou Dordrecht nos anos de 1618-19. Telogos reformadoscom o propsito de debater as idias semipelgianas dos seguidores de Armnio, os arminianos.

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    2. DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL NA HISTRIA

    O problema do mal considerado um dos mais profundos da filosofia e da

    teologia problema se mostra naturalmente mente humana, como sendo uma realidade forte

    e universal. Os filsofos foram constrangidos a encarar o problema do mal e a procurar

    resposta quanto a sua origem. Quanto ao pecado, seguindo a mesma linha de pensamento,

    julgaram ser uma questo ainda a se explicar. Com relao ao pecado original3

    poucosousaram discutir e problematizar o assunto, por questes de desinteresse e irrelevncia.

    Logo aps o primeiro sculo da era crist, surge o interesse de investigao com

    certa profundidade nos pais da igreja acerca do problema do pecado original. Atravs da

    contribuio de Pelgio e Agostinho de Hipona, a doutrina do pecado original passou a ter

    lugar na histria. Na idade mdia, Gregrio, Anselmo e outros seguiram o ponto de vista de

    Agostinho. A igreja catlica, por sua vez, seguiu as idias de Pelgio.

    A reforma, atravs de Calvino, sistematizou a teologia bblica do pecado original,

    a qual tornou-se referncia para a atualidade. Os socinianos, porm, contrariaram a doutrina

    da reforma, sob a influncia de pelgio, que fez com que os arminianos suavizassem a

    doutrina do pecado original, negando a sua imputao aos descendentes.

    As teorias modernas do pecado original surgiram com: Leibnitz, Lessing, Fichte,

    Schleiermacher e Kant, os quais se apoiaram na perspectiva pelagiana. No incio do sculo,

    Kierkegaard, Karl Barth, Emil Brunner e outros, todos na linha liberal da teologia da crise,

    formularam suas idias na linha pelgio-arminiana, com a inovao da solidariedade da

    raa4humana no pecado.

    3Os textos bblicos deste trabalho seguem o padro da edio de Almeida Revista e Atualizada (ARA).4O termo solidariedade da raa, inicialmente, tem uma relao com a idia do conceito hebraico de solidariedadeda famlia. Mais tarde, o termo foi aperfeioado com a relao com a viso seminal, que a mesma viso realistada relao com Ado no den. Atualmente o termo tem sido desenvolvido por Russel Shedd em seu livroSolidariedade da raa: O homem em Ado e em Cristo.

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    2.1 PATRISTICA

    2.1.1 O que os pais da igreja afirmaram?

    Os pais da igreja foram decisivos na postulao de doutrinas tais como salvao,

    graa e pecado. Elesforam os primeiros a discutir a natureza, a transmisso e os resultados do

    pecado original, contribuindo consideravelmente para uma formulao posterior mais

    completa da doutrina.

    Agostinho foi o primeiro a elucidar, com clareza e preciso, o carter de culpa

    inerente ao pecado de Ado, transmitido a todos os homens. Agostinho comprova opecado original principalmente por Romanos 5.12 [...] O pecado original setransmite de gerao em gerao pela concupiscncia da carne, visto que os filhosso gerados pela ao da concupiscncia dos pais5

    Os pais gregos de certa forma apresentavam uma tendncia em reduzir a relao

    do pecado de Ado com o pecado da raa. Defendiam um dualismo que, mais tarde,

    influenciou a doutrina pelagiana do pecado. No negaram a solidariedade da raa, admitindo

    certa relao de Ado com a humanidade. Reforaram a idia do pecado, que se origina no

    livre-arbtrio do homem. Estes pais da igreja isentaram as crianas da culpa de Ado, mas no

    da corrupo fsica.

    Deve-se notar que houve alguns desvios desse ponto de vista geral. Orgenes,

    embora admitindo que certa poluio hereditria se apega a cada um desde o nascimento,

    pensava residir a explicao disso na queda pr-natal ou pr-temporal da alma.

    Orgenes (185-254 d.C), telogo de Alexandria, procurou manter isso com a suateoria do preexistencialismo. Segundo ele, as almas dos homens pecaram voluntariamente

    numa existncia anterior e, portanto, entraram no mundo numa condio pecaminosa6.

    Outros como, Gregrio de Nissa7, do quarto sculo, chegaram ainda perto de

    ensinar essa doutrina. Atansio, o pai da igreja que relacionou os livros da Bblia no cnon

    5ALTANER, Berthold: STUIBER, Alfred. Patrologia: Vida, obras e doutrinas dos padres da igreja. So Paulo:Paulinas, 1972, p. 436. BERKHOF, LouisTeologia sistemtica. Tr. Odayr Olivetti. Campinas: LPC; 1990, p. 220.

    ALTANER, Berthold: STUIBER, Alfred. Op. Cit., p. 305.

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    com os livros que se tem hoje, e Crisstomo, expositor e escritor de Antioquia, evitaram falar

    sobre o assunto.

    J no Ocidente, os pais da igreja surgem gradualmente com outra posio. O

    Escritor e Apologista de Catargo Tertuliano (160-230 d.C), com seu traducionismo8,

    direcionou-se para a idia do pecado inato. Ele afirmava ser o pecado original conseqncia

    do pecado de Ado, ou seja, o veneno da concupiscncia contaminou a natureza humana, o

    pecado da natureza humana original continua sendo pecado.

    Tertuliano tinha uma concepo realista da humanidade. Segundo ele, toda a raa

    humana estava potencial e numericamente em Ado e, portanto, pecou quando ele pecou, e se

    tornou corrupta quando ele se tornou corrupto. A natureza humana completa pecou em Ado

    e, da, toda individualizao dessa natureza tambm pecaminosa9.

    Outro pai da Igreja, chamado Cipriano, polemista anti-novaciano de Catargo,

    destacou o pecado original mais na esfera da culpa. No entanto, salientou a culpa dos pecados

    atuais ou individuais mais do que a culpa do pecado original. Ambrosio e Hilrio citaram o

    pecado original, apenas como algo suficiente, que, pode levar o ser humano para acondenao eterna10.

    Portanto, no pensamento do Ocidente, todos os pais ensinam com clareza que

    todos os homens pecaram em Ado, pelo que nascem em pecado. Ao mesmo tempo, no

    parecem postular a total corrupo da vontade humana, porque defendiam a teoria sinrgica11

    da regenerao.

    8O Traducionismo sustenta que a alma e o corpo da criana so herdados dos pais somente no momento daconcepo. Depois de Tertuliano, outros como Martinho Lutero, Jonathan Edwards e A. H Strong defenderamesta idia, que fez frente contra ao Criacionismo.9BERKHOF, Op. Cit., p. 243.10Ibid., p. 246.11Sinergia deriva do termo gregosynerga (sn ergon)que significa literalmente cooperao e trabalho. Os

    pelagianos e os arminianos atribuem a converso no homem como uma parceria com Deus, ou seja, o homemcoopera ativamente com Deus para a salvao. Diferente da idia calvinista sobre a salvao, onde o homem no

    pode cooperar com sua Salvao, por causa do seu estado em pecado. Deus o nico Agente ativo para salvar ohomem, logo a salvao monergista.

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    2.1.2 A contribuio da polmica entre Pelgio e Agostinho.

    Pelgio era um monge britnico, de vida rgida e de temperamento equilibrado 12.

    Talvez por essas razes fosse desconhecedor daqueles conflitos de alma, lutas contra o

    pecado, das experincias com uma graa renovadora, como a que influenciou e moldou a vida

    e o pensamento do seu contemporneo Agostinho. As idias de Agostinho sobre o pecado

    foram moldadas por suas profundas experincias mundanas e religiosas, pelas quais passou,

    desde uma vida dissoluta e profana a uma vida ilibada e piedosa.

    Agostinho e Pelgio eram homens de pensamentos teolgicos completamente

    opostos, exatamente porque tiveram suas vidas marcadas por traos e experincias diferentes.

    Pelgio afirmava que a queda de Ado prejudicou exclusivamente a ele mesmo, e no tolheu a

    natureza humana para o bem.

    O monge Britnico afirmava no existir transmisso hereditria de natureza

    pecaminosa ou de culpa e, conseqentemente, inexiste tal coisa como o pecado original. O

    homem continua nascendo na mesma condio em que Ado estava antes da queda. Est

    isento, no s de culpa, como tambm de poluo. No existem tendncias e desejos maus em

    sua natureza que resultem em pecados.

    Pecado, segundo Pelgio, consiste apenas de atos isolados da vontade. Se o homemdeseja o que mau, ele peca. Mas nada h para impedi-lo de escolher o que bom,evitando desta maneira o pecado. Pelgio rejeitou a idia que se deve conceber o

    pecado em termos da natureza ou do carter do homem. O pecado no defeito danatureza, mas da vontade. Como resultado, tambm negouse a aceitar a doutrina do

    pecado original. Pecado apenas o que o homem faz, e por causa disto no pode sertransmitido por herana, no pode estar implcito na natureza.13

    Por consequncia, Pelgio rejeita o pecado dos infantes. Como considerava o

    pecado como defeito da vontade, ensinava que as crianas so incapazes de escolher

    conscientemente o que certo e o que errado, Portanto, as crianas esto livres do pecado.

    A Enciclopdia de Bblia, Teologia e Filosofia estende a idia de Pelgio,

    afirmando que: O pecado original uma impossibilidade, visto que o pecado depende de um

    12HANGGLUND, Bengt. Histria da teologia. Tr. Mrio Rehfeldt. Porto Alegre, RS: CPC, 1973, p. 111.13Ibid., p. 112.

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    ato da vontade e no de alguma questo de herana. O pecado uma volio depravada e no

    uma enfermidade da alma transmitida de gerao em gerao14

    Pelgio pensava que o pecado fosse comunicado por fora do mau exemplo e no

    por qualquer mecanismo de natureza fsica ou espiritual. que ele desejava preservar o

    conceito de liberdade moral, e pensava que a idia do pecado original debilitava a liberdade

    moral do homem.

    A posio de Agostinho, no entanto, sobre o pecado, era uma oposio aos

    Maniqueus15, grupo com o qual se envolveu antes de sua converso e era rduo defensor.

    Neste sentido Agostinho destacava o ato voluntrio do homem em relao ao pecado.

    O pensamento que o pecado est implcito na natureza humana sugerido pelaprpria idia de ser a corrupo herdada. O primeiro passo em falso resultou do livrearbtrio do homem. Mas toda a raa humana esteve envolvida na queda de Ado. OAdo bblico o homem em geral; todos esto representados nele, de modo quetodos os seus descendentes formam uma unidade nele. Como resultado, todos

    participam na culpa de Ado, mesmo que a presena original no indivduo nodependa de um ato da vontade; est presente antes que a vontade comece a semanifestar. A condio de culpa herdada, e removida do indivduo atravs do

    batismo.16

    Agostinho tambm destacou sua doutrina sobre o pecado original no como uma

    unidade da raa humana de modo federal (representativa), e sim realista. Sobre isso Berkhof

    afirma:

    Toda a raa humana estava germinalmente presente no primeiro homem, pelo quetambm ele realmente pecou em Ado. A raa no individualmente constituda,isto , de grande nmero de indivduos relativamente independente, mas organicamente constituda isto , de grande nmero de individualizaes, que so

    pores orgnicas daquela natureza humana genrica que se achava presente emAdo17

    Alm de apresentar a relao de Ado com a humanidade, Agostinho fez questo

    de apresentar artigos contra a idia pelagiana da corrupo da vontade. O bispo de Hipona

    entendia que a liberdade ou livre arbtrio do homem fora perdido por causa da queda de Ado.

    14CHAMPLIN, Russel N.; BENTES, Joo. Enciclopdia de bblia, teologia e filosofia. So Paulo: Candeia,1991, p. 185.15O Maniquesmo uma filosofia religiosa dualstica que divide o mundo entre Bem, ou Deus, e Mal, ou oDiabo. A matria intrinsecamente m, e o esprito, intrinsecamente bom.16HANGGLUND. Op. Cit., p. 115.17BERKHOF, Louis. Histria das doutrinas crists.tr. Joo Marques Bentes. So Paulo: PES, 1992, p. 122.

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    O ato volitivo do homem lhe causou consequencias para a eternidade. Tanto que uma delas

    que sua tendncia to somente fazer a vontade do pecado.

    Como resultado do pecado o homem ficou totalmente depravado e incapaz de

    qualquer bem espiritual. Essa foi a concluso de Agostinho que, contribuindo para sua

    posteridade, foi o primeiro a elucidar com clareza e preciso o carter de culpa inerente ao

    pecado de Ado, transmitido a todos os homens. Ele tambm comprova o pecado original

    principalmente por Romanos 5. 12, e afirma ser a transmisso de gerao em gerao pela

    concupiscncia da carne, visto que os filhos so gerados pela ao da concupiscncia dos pais.

    2.2 IDADE MDIA

    O pensamento teolgico no perodo da Idade Mdia com relao ao pecado

    original no foi muito alm das idias dos pais da igreja. Tertuliano, Pelgio e Agostinho

    deixaram resqucios e certa influncia posterior, permitindo Igreja Catlica a formulao da

    doutrina a respeito do pecado original.

    Gregrio, o grande, fortemente influenciado por Agostinho, Jernimo e Ambrsio

    se tornou autor de grande reputao e se esforou bastante para disseminar a doutrina do

    pecado original. Depois de Agostinho, ele foi a autoridade de maior influncia na igreja.

    Afirmava que o primeiro pecado de Ado foi um ato livre, pelo qual se tornou sujeito s

    cegueira e morte espirituais. Atravs do pecado do primeiro homem, todos os homens se

    tomaram pecadores e sujeitos condenao. Ele considerava o pecado mais como uma

    fraqueza ou doena do que como culpa, e ensinava que o homem no perdera a liberdade,

    porm somente a bondade da vontade.

    Anselmo de Canterbury, grande pensador da Idade Mdia, frisava a doutrina do

    pecado original, mas destacava que o termo original no se refere origem da raa humana, e,

    sim, ao individuo na atual condio de pecado. Ele Afirma ainda que o pecado original

    poderia ser chamado pecado natural, porque antes representa uma condio para a qual a

    natureza humana foi trazida desde a Criao. Por causa da queda, ficou o homem culpado e

    poludo, e tanto a culpa quanto a poluio so agora transmitidas de pai para filho. Todopecado, quer original ou factual, constitui-se em culpa.

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    semelhana de Agostinho, Anselmo tinha cada criana como uma poro

    individualizada daquela natureza humana geral que Ado possua, de tal modo que o homem

    tambm pecara em Ado, tornando-se assim culpado e poludo. Anselmo, tambm,

    compreende que culpa do pecado, isto , o pecado original a transmisso da

    responsabilidade do pecado para o indivduo, ou seja, a culpa do indivduo.

    A Igreja Catlica concebia que Ado era a cabea da raa humana, representante

    de todos os seus descendentes. Logo, todos pecaram nele, tendo chegado ao mundo

    carregados com o pecado original. O pecado universal e voluntrio, por ser derivado do

    progenitor original. No deveria ser identificado com a concupiscncia, com os desejos e com

    a sensualidade presente no homem, porquanto essas coisas no so pecaminosas, no mais

    estrito significado do vocbulo.

    Os catlicos romanos entendiam que o verdadeiro pecado sempre consiste num atoconsciente da vontade. certo que as disposies e os hbitos que no esto deacordo com a vontade de Deus so de carter pecaminoso; contudo, no se lhes podechamar pecados, no sentido estrito da palavra. A concupiscncia que est presenteno homem e por trs do pecado, ganhou domnio sobre o homem no paraso e,assim, precipitou a perda do donun superadditum da justia original, no pode serconsiderada pecado, mas somente a lenha (fomes) ou o combustvel para o pecado.A pecaminosidade dos descendentes de Ado primordialmente uma condionegativa, apenas, consistindo na ausncia de algo que devia estar presente, isto , da

    justia original, que no essencial natureza humana18.

    2.3 REFORMA PROTESTANTE DO SCULO XVI

    Os reformadores seguiram Agostinho e Anselmo na interpretao da doutrina do

    pecado, embora com algumas modificaes. Eles expuseram uma definio mais completa darelao entre o pecado de Ado e o de seus descendentes, substituindo a teoria realista de

    Tertuliano, Agostinho e Anselmo, pela idia do pacto.

    O grande Matinho Lutero entendia que pecado original no era apenas ausncia de

    justia original e nem concupiscncia, mas uma tragdia que afetou plenamente o homem.

    Lutero compreendia, diferente de Pelgio por ser monge agostiniano, que o pecado est

    18BERKHOF, Op. Cit., 1990, p. 237.

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    presente antes de qualquer expresso volitiva ou de experincia pessoal. Concebia, tambm

    que, a corrupo do pecado era transmitida de gerao a gerao.

    Calvino, em suaInstitutas da Religio Cristtrouxe um conceito brilhantes sobre

    o pecado original.

    O pecado original representa, portanto, a depravao e corrupo hereditrias denossa natureza, difundidas por todas as partes da alma, que, em primeiro lugar, nosfazem condenveis ira de Deus; em segundo lugar, tambm produzem em nsaquelas obras que a Escritura chama de obras da carne [Gl 5.19]. E propriamenteisto o que por Paulo, com bastante freqncia, designa apenas de pecado. As obrasque de fato da resultam, quais so: adultrios, fornicaes, furtos, dios,homicdios, glutonarias, Paulo chama, segundo esta maneira de ver, frutos do

    pecado [Gl. 5.19-21], ainda que, como a cada passo nas Escrituras, sejam tambmpor ele referidas simplesmente pelo termo pecados.19

    O grande Reformador, ressaltou que o pecado original no apenas privao, mas

    tambm total corrupo da natureza humana. E que a corrupo tinha sede nas faculdades

    superiores tanto quanto nas inferiores da alma, operando por meio dessas na forma de

    maldade positiva. Os reformadores mantinham que o pecado original algo mais que mera

    ausncia de justia original, so pecados no ntimo que tornam o indivduo culpado e

    merecedor de condenao.

    Zwinglio concordou, em linhas gerais, com Lutero e Calvino, embora

    aparentemente reputasse o pecado original como uma enfermidade e condio, e no como

    um pecado no sentido estrito da palavra. O prprio Melanchton aderiu a esse ponto de vista

    em princpio, mas posteriormente modificou sua opinio.

    Os socinianos, por sua vez, reagiram contra a doutrina do pecado seguindo a

    mesma linha de Pelgio. Consideraram um absurdo, a afirmao calvinista, que o primeiro

    homem teria se perdido. Afirmavam que o indivduo morre, no por causa do pecado de

    Ado, e sim por haver sido criado um ser mortal. E por fim, acreditavam que a humanidade,

    por natureza, como Ado antes da queda. Ou seja, no existe nenhuma tendncia natural que

    leve o homem a pecar.

    19CALVINO, Joo. As institutas de tratado da religio crist. Tr. Walter Carvalho Luz. So Paulo: CEP,1985. Vol. 2, p. 23.

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    O pastor e telogo reformado holands Jacob Harmensz, discpulo do notvel

    calvinista Teodoro Beza, ficou mais conhecido pela forma latinizada de seu nome, Jacobus

    Arminius. No ingls, usualmente referenciado como James Arminius ou Jacob Arminius.

    Em portugus, seu nome seria Jac Armnio. Ele defendeu uma forma evanglica de

    sinergismo. Desconsiderou a fora do pecado original, afirmando que os crentes so capazes

    de resistir ao pecado. Arminio, afirmou ainda , que os homens so naturalmente incapazesde

    fazer qualquer esforo para a salvao. Mas, isto no por causa do pecado original, mas to

    somente por causa da graa.

    Na mesma reao contra os reformadores, os seguidores de Armnio, os

    arminianos, de postura idntica ao semi-pelagianismo, afirmavam que a transgresso de Ado

    teve um mau efeito sobre a condio espiritual de todos os seus descendentes, mas negavam a

    doutrina reformada do pecado original. Afirmavam que a culpa do pecado de Ado no

    imputada aos seus descendentes, embora sua poluo seja transmita de pai para filho. Eles no

    tm essa poluo como pecado, no sentido apropriado do termo, porm como enfermidade ou

    fraqueza. No impe ao homem, sentena condenatria, mas debilita sua natureza, de tal

    modo que se torna ele incapaz de alcanar a vida eterna, quer firmando-se de novo no favor

    de Deus, quer descobrindo por si mesmo um caminho de salvao. Logo, no crem na totaldepravao da natureza humana.

    E, por fim, o Snodo de Dort, realizado na Holanda, em 1618, asseverou a

    doutrina do pecado original no estrito sentido do termo, dizendo:

    No principio o homem foi criado imagem de Deus. Foi adornado em seuentendimento o com o verdadeiro e salutar conhecimento de Deus e de todas as

    coisas espirituais. Sua vontade e seu corao eram retos, todos os seus afetos, puros,portanto, era o homem completamente santo. Mas, desviando-se de Deus, sobinstigao do Diabo e pela sua livre vontade, ele se privou desses dons excelentesEm lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas terrveis, leviano e perverso juzo emseu entendimento; malcia, rebeldia e dureza de sua vontade e em seu corao; aindaimpureza em todos os seus afetos.20

    Desde que Ado foi o representante legal de todos os seus descendentes,

    imputada a culpa do seu primeiro pecado. Ou seja, todos os homens em Ado, tornaram-se

    objetos diretos da depravao e por consequncia culpados e merecedores de todas as

    20MARRA, Claudio (Ed). Cnones de Dort:Os cinco artigos de f sobre o arminianismo. So Paulo: CulturaCrist, 1995. Captulo 3 do Artigo 1.

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    consequncias das atitudes de seu representante legal, Ado. Logo, todos os homens so

    totalmente corruptos, isto , corrompidos em cada parte de seu ser e de tal maneira que no

    podem cumprir nenhum bem espiritual.

    Portanto, de acordo com Calvino e os reformadores em geral, o pecado original

    uma depravao hereditria, uma corrupo da natureza humana que torna o homem

    detestvel para a ira divina e produz nele as obras da carne, sendo culpados e corrompidos em

    Ado.

    2.4 MODERNIDADE NAS VOZES DO LIBERALISMO E ILUMINISMO

    Aps a Reforma a idia de pecado original passou por algumas mudanas

    significativas. O arminianismo do sculo XVI afirmava que o pecado original continuava

    sendo real e autntico no sentido estrito da palavra e que torna o homem culpado aos olhos de

    Deus, sendo assim imputada aos descendentes. Todavia, a culpa original era cancelada pela

    justificao, ou seja, a idia do pecado original ocupa lugar apenas terico nesse sistema.

    A partir dos sculos seguintes, o mundo recebeu forte influncia da filosofia e do

    racionalismo. E por isso, a doutrina do pecado original perdeu fora e a idia do pecado

    comeava a ser substituda pelo conceito do mal.

    Vrios filsofos encaravam o mal do mundo como algo metafsico, e no tico.

    Immanuel Kant identificou o mal radical como aquilo que geralmente chamado de pecado

    original, porquanto rejeitava a narrativa histrica da origem do pecado, e tambm a idia da

    herana fsica do pecado21.

    Outro filsofo, o alemo Friedrich Schleiermacher reputa o pecado como produto

    necessrio da natureza sensual do homem. Ele nega a realidade objetiva do pecado e lhe

    atribui mera existncia subjetiva, ou seja, considera o pecado como existente apenas na

    conscincia humana22. Alm do mais, sendo Deus um determinista, o homem deveria atribuir

    21HOEKEMA, Anthony. Criados a imagem de Deus. tr. Heber Carlos de Campos. So Paulo: Cultura Crist,1999, p. 159.22HANGGLUND, Op. Cit., p. 307.

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    culpa ao seu sentimento de deficincia, no porque realmente seja pecado, mas Deus o faz a

    fim de que haja ocasio para redeno.

    Leibnitiz afirmava que pecado no pode ser atribudo acaso pessoal de Deus e,

    portanto, deve ser considerado como simples negao ou privao. As limitaes da criatura o

    tornam inevitvel23. Com isso Leibnitiz torna o pecado um mal necessrio, desde que as

    criaturas so necessariamente limitadas, e o pecado uma conseqncia inevitvel dessa

    limitao.

    O pensador Spinoza considerava o pecado original como uma iluso. Ou seja, se o

    homem tivesse um conhecimento eficiente ou adequado de Deus, ele teria entendimento real e

    pleno do transcendente, e no teria nenhuma idia do pecado24.

    A era moderna era essencialmente humanista. No somente exaltava a pessoa

    humana, como a bondade humana. Os filsofos e telogos modernistas acreditavam em uma

    bondade inerente verdade bblica, bem como davam ao homem capacidade plena de fazer o

    que reto e bom.

    2.5PS-MODERNIDADE NAS VOZES DA NEO-ORTODOXIA E DO

    EXISTENCIALISMO25

    Entre os perodos do liberalismo e da neo-ortodoxia, observa-se o pensador

    dinamarqus Sren Kierkegaard26. Ele no encarava Ado como sendo um personagem

    bblico de comprovada existncia histrica, mas afirmava o homem como pecador ou capaz

    de pecar. Kierkegaard dizia, ainda, que o Ado de Gnesis era ignorante e que no sabia

    distinguir entre o bem e o mal.

    23BERKHOF, Op. Cit., 2000, p. 230.24Ibid., 2000, p. 231.25Corrente filosfica e literria que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do serhumano. O existencialismo considera cada homem como um ser nico que mestre dos seus atos e do seudestino. O existencialismo afirma a prioridade da existncia sobre a essncia.26 Ver KIERKEGAARD, S.A. O Conceito de Angstia. Tr. Torrieri Guimares So Paulo, Hemus, 1968.

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    Kierkegaard admitiu a representatividade na pessoa de Ado em relao a

    humanidade27. Todavia, a medida que considerava hipoteticamente o pecado original, ou seja,

    se ele existe mesmo, ento como afirmar se os pecados dos homens so consequncias do

    pecado de Ado?

    O principal nome da neo-ortodoxia e fundador dela o suo Karl Barth. Nasceu

    no final do sculo XIX. Era um telogo e pastor reformado. Foi aluno do ilustre Harnack, e

    foi grandemente influenciado pelo neokantianismo e por Kierkegaard.

    Barth foi um grande expoente da teologia da crise, pregando que a Palavra de

    Deus o registro da revelao do Transcendente. Acentuou a solidariedade da raa humana,

    mas negou que o pecado se tenha originado num ato de Ado no paraso. Atribuiu s

    doutrinas do pecado original, da queda de Ado, da redeno, da ressurreio e da segunda

    vinda de Cristo a idia desaga, ou seja, a uma novela ou mito para a vida real.Gnesis 3, por

    exemplo, no deve ser tomado como histria literal, sendo apenas uma forma simblica de

    explicar a realidade do pecado e do orgulho na vida humana28.

    O telogo suo afirmava que a queda pertence pr ou super-histria (um eventono histrico), e j era algo passado quando Ado entrou em cena.

    Barth afirmava, ainda, que a origem do pecado est no mistrio da predestinao,

    bem como est ligado intrinsecamente prpria condio humana, ou seja, ele sugere que

    Deus tenha criado o homem com tendncia pecaminosa29.

    O segundo nome da neo-ortodoxia foi o, tambm suo, Emil Brunner. Viveu amaior parte de sua vida nos Estados Unidos, onde teve participao importante no

    desenvolvimento da teologia neo-ortodoxa. Assim como Barth, atribuiu o evento da saga da

    queda de Ado a um mito.

    27DE PAULA, Marcio Gimenes. Ado e a temtica do pecado original segundo Kierkegaard. Disponvelem: http://www.sorenkierkegaard.com.ar/index2.php?clave= trabajo &idtrabajo =43&clavebot=jornadask.Acesso em: 24 abr. 2010.28HOEKEMA, Op. Cit., 1999, p. 130.29BERKHOF, Op. Cit., 1990, p. 221.

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    Brunner divergiu de Barth em relao a teologia do homem como imagem de

    Deus. Compreendia que, se o homem pecador no mais a imagem de Deus e se no h

    nenhuma revelao de Deus na natureza, ento o homem no pode ser responsabilizado pelo

    pecado que comete30.

    No mesmo sentido, os contemporneos dos suos Barth e Brunner, Rudolf

    Bultman e Paul Tillich, explanaram sobre o pecado, mas falaram pouco sobre o pecado

    original. Os telogos Alemes eram existencialistas. Eles foram grandemente influenciados

    pelo existencialista Heidegger31.

    Bultmann (1884 1976), telogo protestante alemo, acreditava que o pecado era

    um mal localizado e que devido s situaes trgicas que os homens enfrentam nesta vida,

    todos tm um sentimento de pavor e angstia dentro de si, porm o homem, ou melhor, a

    existncia humana boa e otimista. Sua posio existencialista minimizou a fora do pecado

    original e no acentuou a sua influncia na humanidade32.

    Tillich, que alm de telogo era filsofo, entendia que o homem vive alienado,

    sendo o pecado uma alienao. Compreendia que a resposta ou soluo para essa alienaoexistencial era o novo ser em Cristo33.

    30HOEKEMA, 1999, p. 131.31DE PAULA, Op.Cit.32 BULTMANN, Rudolf. Demitologizao. Tr. Walter Altmann e Lus M. Sander. So Leopoldo: Sinodal,1999, p. 27,28.33TILLICH, Paul. Histria do Pensamento Cristo. 2ed. Tr. Jaci Maraschin. So Paulo: ASTE, 2000, p. 333.

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    3 DOUTRINA REFORMADA DO PECADO ORIGINAL

    Como se observa, a doutrina do pecado original apresentou diversas vertentes

    dentro da histria. A concepo da doutrina no teve unanimidade entre telogos, filsofos,

    seguimentos da igreja, e nem entre os primeiros reformadores. Por isso, os reformadores do

    sculo XVI no hesitaram em apresentar, entre todas as doutrinas importantes para a f crist,

    a doutrina reformada do pecado original como a principal. O captulo da confisso de f de

    Westminster que aborda sobre a queda do homem, o pecado e o seu castigo, afirma:

    Por este pecado eles decaram de sua retido original e da comunho com Deus, eassim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas asdificuldades e partes do corpo e da Alma.Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito de seu pecado foi imputado aseus filhos, e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foitransmitida a toda a sua posteridade, que deles procede por gerao ordinriaDesta corrupo original, pela qual ficamos totalmente indispostos, incapazes e

    adversos a todo bem e inteiramente inclinado a todo mal, que procedem todas astransgresses atuais34

    A abordagem agora em questo a doutrina do pecado original na perspectiva

    reformada, que um dos aspectos teolgicos essenciais da doutrina crist do homem, a

    antropologia bblica. Em 1646, Os telogos reformados se preocuparam em formular a

    Confisso de F de Westminster, com o objetivo de assegurar a fidelidade s Escrituras e s

    doutrinas bblicas. E neste sentido, o pecado original, como um dos pilares para outras

    doutrinas fundamentais, tambm, deveria ser considerado como primordial para a f crist,

    visto que aos olhos da reforma o pecado original no tinha, at ento, uma formulao

    coerente com as Sagradas Escrituras.

    Contudo, mesmo a doutrina sendo aprovada na Abadia de Westminster, muitos

    telogos rejeitaram o pecado original. No livro Criados Imagem de Deus, Anthony

    Hoekema afirma:

    34Confisso de f de Westminster.3. ed. So Paulo: Cultura Crist, 1997, Captulo VI, Sees 2,3e 4.

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    Antes de eu expor a doutrina do pecado original, temos de salientar que muitostelogos recentes rejeitam essa doutrina no sentido tradicional. O ensino tradicionalda igreja Crist que a Queda foi um evento histrico pelo qual Ado e Evarebelaram-se contra Deus comendo do fruto proibido. Por causa deste primeiro

    pecado, todos os descendentes de Ado e Eva nascem agora com uma natureza

    corrompida e encontram-se debaixo de uma sentena de condenao por causa doseu vnculo com Ado, que, ao cometer o primeiro pecado, agiu como cabea erepresentante deles. No entanto, telogos modernos nos tm ensinado de outramaneira35

    O que estranha a negao taxativa de Romanos 5. 12, que enfatiza a realidade da

    humanidade diante de Deus por causa da queda de Ado, texto base para a doutrina do pecado

    original, na opinio reformada.

    Percebe-se, ento, que os telogos reformados preocupavam-se na formulao das

    confisses de f histricas, com todo aparato bblico na confirmao do pecado original. Uma

    vez que o Novo Testamento ensina claramente que a queda do homem foi um evento histrico

    e que houve de fato um primeiro casal (Ado e Eva), cujo pecado afetou toda a histria

    subsequente.

    Segue-se agora a anlise detalhada sobre a origem, natureza, transmisso e

    resultados do pecado original no homem, de acordo com o ponto de vista reformado.

    3.1 A ORIGEM DO PECADO

    O cristianismo, de um modo geral, divide-se quanto questo da origem do

    pecado, ou seja, quanto ao autor da queda. A dvida est na pergunta: como se pode entender

    a transgresso e corrupo espiritual na humanidade? Alguns grupos no consideram o

    pecado de Ado e a degenerao da raa humana. Outros afirmam a relao do pecado da

    humanidade com Ado, como se v:

    A igreja crist tem caminhado em duas direes distintas com relao questo. Ospais da igreja oriental, os pelagianos, os socinianos, os arminianos e os racionalistase evolucionistas modernos tendem a dissociar a pecaminosidade da raa humana do

    pecado de Ado. Para todos estes, a corrupo da humanidade no tem relao diretacom a queda de nossos primeiros pais. Os pais da igreja ocidental, Agostinho, osReformadores e os protestantes em geral, por outro lado, explicam o estado de

    35HOEKEMA, Op. Cit., 1999, p. 162.

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    pecado em que a raa humana se encontra como conseqncia direta e inevitvel dopecado original, da desobedincia de Ado 36

    A questo da origem do mal tanto no crculo cristo quanto no filosfico sempre

    ser um grande problema a ser resolvido. A reforma, porm, preocupou-se com esse problema

    chamado origem do pecado. Os reformadores procuraram explicar apresentando trs

    indicativos: A origem do pecado e a vontade de Deus, Origem do pecado no mundo anglico

    e o origem do pecado conforme os relato de Gnesis 3.

    Primeiramente, quanto origem do pecado e vontade de Deus, importante

    esclarecer que Deus no o autor do pecado, pois iria de encontro a todo o ensinamento

    bblico que atesta a bondade e santidade de Deus, como afirma J 34. 10: Longe de Deus o

    praticar ele a perversidade, e do Todo Poderoso o cometer injustia. Como se sabe Ele odeia

    o pecado Pois tu no s Deus que se agrade com iniqidade, e contigo no subsiste o mal37.

    Deus no o autor do pecado. E isto fato indiscutvel. No entanto, o Deus

    soberano, conhecedor de todas as coisas e dentro de sua inesgotvel inteligncia e sabedoria,

    permitiu a ao do inimigo e do pecado no mundo. Portanto, no se pode admitir que a queda

    no foi prevista, ou que tenha sado do controle de Deus. O decreto eterno de Deusevidentemente deu a certeza da entrada do pecado no mundo, mas no se pode interpretar isso

    fazendo de Deus o autor do pecado.

    No obstante, luz dos atributos divinos, tais como a sua soberania, oniscincia,onipresena e onipotncia, deve-se reconhecer que mesmo a queda foisoberanamente determinada por um decreto permissivo de Deus, com vistas manifestao da glria dos seus atributos. A queda estava includa no seu propsitoou plano [...] no porque fosse sua vontade, querer ou desejo [...] que o pecadoexistisse, mas porque at mesmo os atos pecaminosos dos homens e das criaturasespirituais so soberanamente empregados por Deus para a consecuo dos seus

    propsitos eternos, de modo que redundem na sua prpria glria. Deus no teveprazer com a queda do homem. Ele no provocou ou forou o homem a pecar, nemaprovou de modo algum o pecado de Ado. Mas ainda assim, a queda estava sobcontrole divino; Deus no apenas a permitiu, mas limitou, regulou e governouinclusive as aes pecaminosas em geral, com vistas consecuo da sua santavontade 38

    36 ANGLADA, Paulo. Antropologia bblica: Doutrina reformada a respeito do homem. Belm, PA, 1997.[material no publicado], p. 34.37 Cf. Salmo 5.438ANGLADA, 1997, Op. Cit., p. 40.

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    O pecado , portanto, contra a vontade de Deus, mas nunca alm da sua vontade.

    Deus permitiu que acontecesse a queda porque, em sua onipotncia, Ele poderia produzir o

    bem, at mesmo atravs do mal. Mas o fato de que o pecado do homem no ocorre fora da

    vontade de Deus, no explica sua origem e nem o justifica.

    Em segundo lugar, importante que se aborde aqui tambm o pecado no mundo

    anglico, ou seja, a queda dos anjos. A Bblia relata a criao de tudo o que existe hoje,

    inclusive a criao dos anjos, declarando: e viu Deus que tudo o que criou era bom39. No

    Entanto, ocorreu uma queda no mundo anglico, em que legies de anjos se afastaram de

    Deus.

    O texto Bblico que mais se aproxima de uma descrio do pecado dos anjos

    Judas 640: e a anjos, os que no guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu

    prprio domicilio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas para juzo do grande dia.

    Nota-se que esses anjos, inconformados com a posio que se encontravam, se rebelaram

    contra Deus. E, ao que tudo indica, a raiz do pecado deles parece ter sido o orgulho, como se

    v em I Timteo 3.6: Para no suceder que se ensoberbea, e incorra na condenao do

    Diabo. A insatisfao angelical levou anjos a rebelio e ao orgulho, e, por consequncia, osconduziram ao erro, dando oportunidade ao pecado na Criao.

    Na verdade, nas Escrituras nada dito com relao ao tempo da queda dos anjos,

    o que indica que ela ocorreu antes da queda do homem. Hoekema afirma que o significativo

    aqui que o pecado no se originou no mundo dos seres humanos, mas nos mundo dos

    Espritos41.

    E, em terceiro lugar, se tratar ainda acerca do pecado original no relato histrico

    de Gnesis 3, onde fala da atitude de Ado e Eva em ceder a tentao de Satans no Jardim do

    den. O texto em destaque mostra que a rebelio do primeiro casal aconteceu por

    interferncia e influncia tambm de Satans.

    39Cf. Gnesis 1.3140O texto de Judas 6 controverso e tem diversas interpretaes. Uma delas afirma que h uma ligao dele comGnesis 6, e o termo filhos de Deus. De acordo com esta interpretao, estes so anjos, admitindo ainterpretao do livro apcrifo de Enoque.41HOEKEMA, 1999, Op. Cit., p.141.

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    Deus havia deixado uma ordem clara e simples: no comer do fruto da rvore do

    conhecimento do bem e do mal. Naquele momento Deus havia estabelecido com Ado um

    pacto ou uma aliana, um contrato com obrigaes e promessas. O pacto estabelecido

    prometia bnos diante de uma ao de obedincia e condenao se fosse desobediente e

    rebelde.

    O relato da queda do primeiro homem afirma que, por um ato puramente

    voluntario, o homem transgride e peca, colocando-se em oposio a Deus. Sendo ele

    representante federal da raa humana, fez dela tambm pecadora e completamente depravada.

    Como afirma Berkhof:

    Com respeito a origem do pecado na historia da humanidade, a Bblia ensina que eleteve incio com a transgresso de Ado no paraso, e, portanto, com um ato

    perfeitamente voluntario da parte do homem. O tentador veio do mundo dosespritos com a sugesto de que o homem, colocando-se em oposio a Deus,

    poderia tornar-se semelhante a Deus. Ado se rendeu a tentao e cometeu oprimeiro pecado, comendo, o fruto proibido. Mas a coisa no parou por a, pois comesse primeiro pecado Ado passou a ser escravo do pecado. Este pecado trouxeconsigo corrupo permanente, corrupo que, dada a solidariedade da raa humana,teria efeito, no somente sobre Ado, mas tambm todos os seus descendentes.Como resultado da queda, o pai da raa s pode transmitir uma natureza depravadaaos psteros. Desta fonte no santa o pecado flui em uma corrente impura passando

    para todas as geraes de homens, corrompendo tudo e todos com que entram emcontato 42

    A veracidade quanto narrativa da queda enftica em todos os textos das

    Escrituras que a mencionam. Alegar, como fazem os telogos liberais, que a queda mito,

    negar a depravao generalizada evidente na raa humana.

    Deve-se notar tambm que a causa imediata do pecado foi a insubmisso ao pacto

    das obras. Ado foi exortado, advertido, e chamado a um pacto. Se fosse obediente e fiel, teriavida e gozo, mas, como foi desobediente, recebeu morte e consequncia do primeiro pecado

    para si e para seus descendentes. Anglada corrobora dizendo que:

    Entretanto, visto que sucumbiram tentao, que permitiram que o pecado brotasseem seus prprios coraes, arcaram com as consequncias naturais e legais dadesobedincia: a corrupo da imago dei, a separao de Deus e a mortedesobedincia ao pacto arrancou nossos primeiros pais do estado de inocncia queforam criados, introduzindo-os e a toda a descendncia deles, no estado de pecado43.

    42BERKHOF, Op. Cit., 1990, p. 222.43ANGLADA, Op.Cit., 1997, p.37.

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    3.2 A NATUREZA DO PECADO

    No h como negar a realidade e a universalidade do pecado, e quem nega essa

    realidade fecha os olhos para a realidade humana. Mas, o prprio Deus a reconheceu, como

    afirma Genesis 6.5: Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra, e

    que era continuamente mau todo desgnio do seu corao.

    Diversas teorias foram levantadas para se negar ou no problematizar a doutrina

    do pecado, tanto no ramo da filosofia como na religio. O objetivo descaracterizar a

    essncia ou carter do pecado. A teoria dualista enfoca um princpio eterno do mal em duelo

    eterno com o bem. A teoria da privao ou negao afirma que o pecado ausncia do sumo

    bem, tornando assim um mal necessrio. O conceito pelagiano, totalmente adverso ao

    conceito reformado, afirma que o mal (pecado), assim como o bem, est localizado nas aes

    isoladas do homem, pois seu livre-arbtrio" d condies plenas para no pecar.

    Ao contrrio dessas teorias e conceitos, os reformadores primaram pelo princpio

    bblico da nfase do pecado na raa humana como diz Eclesiastes 7.20: No h homem justo

    sobre a terra, que faa o bem e que no peque, caso contrrio faz-se de Deus um mentiroso,

    como afirma 1 Joo 1.10.

    Quanto ao conceito do pecado, qual ento o seu significado, a sua essncia?

    Qual o carter essencial do pecado? Calvino se prope a definir o pecado, exatamente por

    causa das dvidas existentes na poca, as quais obscureciam o conceito do pecado original e

    provocaram incertezas na mente humana. Nas Institutas ele afirma assim:

    O pecado original afigura-se, portanto, a hereditria depravao e corrupo denossa natureza, difundida por todas as partes da alma, que, em primeiro lugar, [nos]faz condenveis ira de Deus; em segundo lugar, tambm produz em nos [aquelas]obras que a Escritura chama de "Obras da Carne" [Glatas 5.19]. E propriamenteisto [o] que por Paulo, com freqncia maior, se designa [apenas] de pecado. Asobras que, de fato, dai resultam, quais so: adultrios, fornicaes, furtos, dios,homicdios, brdios, [Paulo] chama, segundo esta maneira de ver, frutos do

    pecado [Glatas 5.19-21], se bem que, como a cada passo nas Escrituras, sejamtambm por ele referidas simplesmente [pelo termo] pecados44

    44CALVINO, Op. Cit., p. 10.

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    O Catecismo Maior de Westminster, respondendo a pergunta nmero 24, afirma

    que: Pecado qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou a transgresso de

    qualquer lei por ele dada como regra a criatura racional45. Ou seja, qualquer oposio feita a

    Deus ser automaticamente considerada pecado.

    Com relao a natureza do pecado sero observadas trs questes: O mal moral, o

    pecado com sede no corao e a relao com a lei de Deus.

    3.2.1 O Mal Moral

    Existe um contraste no que diz respeito a questo do conceito do pecado e do mal.

    Estes no podem ser considerados como termos intercambiveis. Os dois conceitos no

    expressam a mesma idia. O problema se contra na demasiada nfase dada ao mal e na

    desconsiderao do pecado. A confuso, tambm, se d na idia de que todo mal pecado,

    conceito completamente errneo. Nem todo mal pecado. Ou seja, uma tempestade e um

    furaco podem ser considerados como um mal, mas nunca pecado. No se pode confundir o

    pecado com mal fsico, no sentido calamitoso. Na verdade o pecado um mal moral, em

    contraste com o bem moral.

    Muitos igualam os termos pecado e mal. Porm, eles jamais podero ser

    colocados na mesma plataforma teolgica, pois biblicamente so apresentados

    diferentemente. Pode-se dizer que o mal engloba o pecado, ou seja, o pecado uma categoria

    especfica do mal46. E, neste sentido, o pecado no pode ser expresso como substituto do

    mal, masdeve sersempre entendido como um mal moral, pois nas Escrituras o pecado tem se

    apresentado na esfera da moral. Analisando alguns termos hebraicos referentes ao pecado,

    Berkhof refora est idia ao afirmar:

    Chattath dirige a ateno para o pecado como um efeito que erra o alvo e queconsiste num desvio do caminho certo. avel e avon indicam que uma falta deintegridade e retido, uma sada da vereda designada. pesha refere-se a ele comouma revolta ou uma recusa de sujeio a autoridade legtima, uma positivatransgresso da lei, e um rompimento da aliana. ereshao assinala como uma fugampia e culposa da lei (...) As palavras neotestamentrias correspondente, comohamartia, adikia, parabasis, paraptoma, anomia, paranomia e outras indicam as

    45Catecismo maior. So Paulo: Cultura Crist, 1994, p. 17.46BERKHOF, Op. Cit., 1990, p. 223.

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    mesmas idias. Em vista do emprego dessas palavras e do modo pelo qual a Bblianormalmente fala do pecado, no se pode duvidar do seu teor tico47.

    3.2.2 O corao como sede do pecado

    Quando se fala de pecado relacionado com o corao do homem, as Escrituras

    Sagradas apresentam um apanhado de textos bblicos que declaram caramente o real estado do

    corao humano: Enganoso o corao, mais do que todas as coisas, e desesperadamente

    corrupto; quem o conhecera?48, Sobre tudo o que se deve guardar, guardar o teu corao,

    porque dele procedem as fontes da vida49, Por que do corao procedem maus desgnios,

    homicdios, adultrios, prostituio, furtos, falsos testemunhos, blasfmia50, O homem bomdo bom tesouro do corao tira o bem, e o mau do mau tesouro tira o mal, porque a boca fala

    do que esta cheio o corao51.

    Assim como a salvao tem o corao como porta de entrada, que nele brota a f

    para a vida eterna; assim tambm, o corao serviu como ponto de acesso para a entrada do

    pecado no mundo, quando Ado, em seu corao, desejou e escolheu o pecado. Em outras

    palavras, a fonte do pecado no est no corpo nem em qualquer outra, dentre as vriascapacidades do ser humano, mas no centro de seu ser, o corao.

    Berkhof defende, em sua teologia sistemtica, que o pecado teve sua origem na

    vontade do homem, e que todos os homens, em Ado, passaram a ter uma tendncia volitiva

    do corao para pecar 52.

    No entanto, o homem que foi criado santo, perfeito e sem pecado, sendo seduzidopela artimanha de Satans, permitiu que em seu corao brotasse um sentimento de

    desobedincia a Deus e de incredulidade quanto palavra Dele. Isto , permitiu que intelecto,

    vontade e emoes fossem afetados, atravs do corao. A respeito disso diz Calvino:

    47Ibid., p. 133.48Cf. Jeremias 17.949Cf. Provrbios 4.2350Cf. Mateus 15.1951Cf. Lucas 6.4552BERKHOF, Op. Cit., 1990, p. 235.

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    Pela qual razo, disse [eu] que desde que Ado se apartou da fonte de justia todasas partes da alma vieram a ser possudas pelo pecado. Pois, nem apenas o seduzemum desejo inferior, ao contrrio, a prpria cidadela da mente ocupou[-a] nefandaimpiedade e ao mais recndito do corao penetrou o orgulho, de sorte que improcedente e estulto restringir a corrupo que da emanou apenas ao que chamam

    de impulsos sensuais, ou chamar de acendalha que atraia, excite e arraste ao pecadosomente a parte que lhe e a sensualidade53.

    Portanto, o pecado no reside nalguma faculdade da alma, mas no corao, no

    rgo central da alma. O termo corao aparece tanto Antigo quanto no Novo Testamento. No

    Antigo Testamento, corao vem das palavras hebraicas lebh e lebhabh. Ali, descreve a sede

    do pensamento, do sentimento e da vontade; tambm a sede do pecado. O termo se refere ao

    homem no centro mais secreto de sua existncia. o centro religioso da existncia inteira do

    ser humano. No Novo Testamento, corao vem da palavra grega Karda. Neste caso, o

    corao compreende a vida fsica, espiritual e mental do homem. descrito como lugar da

    habitao do Esprito Santo ou como lugar do pecado.

    3.2.3 Relao com a Lei de Deus

    Pecado e Lei esto intimamente ligados um ao outro. O pecado rebelio ao Deus

    Soberano e ao seu sistema. opor-se s leis de Deus e aos seus estatutos. Em reao a isso,

    preciso insistir que, de acordo com as Escrituras, o pecado sempre uma transgresso da lei

    de Deus, Romanos 7.7: mas eu no teria conhecido o pecado, seno pelo intermdio da lei;

    pois no teria eu conhecido a cobia, se a lei no dissera: no cobiars.

    E impossvel ter uma correta concepo do pecado sem v-lo em relao a lei de

    Deus e m vontade do homem, ou seja, sem acentuao de falta de conformidade com a Lei

    de Deus. A relao com a lei muito clara, pois Deus institura uma lei de Obedincia(Grifo

    nosso) ordem de no comer do fruto. Comentando sobre a confisso de f de Westminster,

    Alexander Hodge, diz:

    Que Deus, como o Guardio da raa humana, entrou em um pacto especial comAdo, como a cabea natural da raa, constituindo-o tambm a cabea federal detoda a humanidade e requerendo dele, durante o perodo de prova, perfeitaobedincia a lei supra mencionada prometendo a ele e aos seus descendentes nele

    53CALVINO, Op. Cit., p. 11.

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    confirmao em santidade e felicidade eternas como recompensa pela obedincia, eameaando-o com sua ira e maldio como punio por sua desobedincia54.

    No se pode relacionar qualquer outra coisa ao pecado a no ser a lei, pois opecado dos primeiros pais foi o pecado de desobedincia ao mandamento de Deus, em

    completa oposio e rebelio a Deus. Lei que valeu no s a Ado, mas a raa humana, sendo

    uma perfeita norma de justia. E explicando acrescenta Anglada que A lei, aqui mencionada,

    a lei de Deus, no sentido mais amplo, incluindo toda a vontade revelada do Criador: No

    apenas a lei dada a Moises, mas toda vontade de Deus implcita nesta lei55.

    3.3 A IMPUTAO - TRANSMISSO DO PECADO

    Verificou-se anteriormente a questo da queda, a origem do pecado e tambm da

    natureza do pecado como falta de conformidade com a lei de Deus. Agora, a questo a

    responder : Como a pecaminosidade e a culpa de Ado foram transmitidas a humanidade?

    Muitas respostas foram dadas a fim de tentar agradar o prprio homem com

    relao a sua natureza na transmisso do pecado. O grande opositor de Agostinho, Pelgio,

    negava a transmisso dizendo que no h relao do pecado de Ado com o dos seus

    descendentes. Ele afirmava que no existe pecado original, no existe transmisso de culpa e

    corrupo, pois o homem nasce na mesma condio de Ado: Neutro, nem bom nem mau. O

    que o homem recebeu de Ado foi o mau exemplo, ou seja, o pecado atribudo ao homem em

    Ado a imitao. Hoekema declara a inteno de Pelgio:

    A que, ento, Pelgio atribui a universalidade do pecado? imitao. Ado deixoumau exemplo aos seus descendentes. Todos estamos inclinados a imitar os mausexemplos de nossos pais, irmos, irms, esposas ou maridos, amigos e conhecidos.Esse e o modo pelo qual o pecado propagado de gerao e de uma pessoa a outra56.

    E, ao contrrio da imputao imediata, afirmava que a imputao do pecado de

    Ado a quem quer que fosse, a no ser a ele prprio, estaria em conflito com a retido divina.

    54HODGE, Alexander A. Confisso de f de Westminster comentada. So Paulo: Os Puritanos, 1999, p. 337-338.55ANGLADA, Op. Cit., 1997, p.47.56HOEKEMA, Op. Cit., 1999, p. 74.

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    Outra tentativa de responder a esta questo foi o Realismo ou Unidade Genrica,

    que afirmava que Deus teria sido criador da natureza humana genrica, tanto corpo quanto

    alma, individualizada somente na procriao. Esta idia foi defendida por Tertuliano,

    Agostinho, W.G. Shedal, Augustus Strong e outros. Agostinho explicou assim, em sua obra

    Cidade de Deus,o realismo:

    Estvamos, pois, todos ns naquele nico homem, visto que ramos, todos nsaquele nico homem que caiu em pecado, pois no havia ainda a forma particularcriada e distribuda a ns na qual, como indivduos, haveramos de viver, masapenas a natureza seminal j existia, da qual haveramos de nos propagar; e sendoessa [a natureza seminal] corrompida pelo pecado, preso pelas cadeias da morte e

    juntamente condenada, o homem no poderia ser gerado pelo homem em nenhumento estado57.

    Esta idia chamada de Realista porque afirma que todo o gnero humano teria

    realmente pecado em Ado.

    Placeus58 prope outra teoria de transmisso do pecado chamada de Imputao

    mediata que afirma que a raa humana no nasce depravada por ser culpada em Ado, mas

    considerada culpada por causa de sua prpria depravao59.

    Hoekema amplia a idia de Placeus dizendo que:

    Placeus ensinou que a imputao a ns da culpa do pecado de Ado no foiimediata, mas mediata - isto , no direta, mas indiretamente, com intermediao dealgo. Todos ns herdamos a corrupo pecaminosa de Ado de nossos pais. Devidoa essa corrupo, tambm tomamos parte na culpa da queda de Ado. Somosconsiderados culpados porque nascemos em um estado de corrupo. A imputaoda culpa de Ado a ns , portanto, mediata: mediada pela corrupo em quenascemos 60.

    A defesa de Placeus se baseia no estado de pecado da raa que se fundamenta

    num ato somente natural de relao e noforense, ou seja, legal.

    A concepo reformada de transmisso ou imputao parte do pressuposto da

    dupla relao de Ado com seus descendentes: A natural e a legal ou Pactual. Este

    57AGOSTINHO. A cidade de Deus:contra os pagos. Petrpolis. RJ: Vozes, 1990. Vol. 2, p. 149.58 Josu De La Place, Placeus, telogo e pastor francs, viveu entre os anos de 1596 e 1633. Foi um grandemoderador da doutrina calvinista, enfatizando os aspectos ticos e elementos comuns humanos.59ANGLADA, Op. Cit., 1997, p. 50.60HOEKEMA, Op. Cit., 1999, p.175-176.

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    pressuposto dar sustentao para a formulao da doutrina reformada. E dentro do

    pensamento reformado ser vista a doutrina da universalidade e a relao de Ado com a raa,

    que enfatizar a questo natural e legal da queda.

    3.3.1 A universalidade do pecado

    Quanto natureza do pecado no homem h muita divergncia, porm quanto

    presena ou realidade do mal no corao do homem, quase no h significativa negao, at

    porque a universalidade do pecado fato que est presente na vida do homem.

    A histria das religies comprova e d testemunho do pecado no homem, bem

    como as religies pags revelam uma conscincia universal do mal e a necessidade de

    reconciliao com um ser supremo. Mesmo nos povos nativos mais remotos existe um clamor

    universal da conscincia dando testemunho do fato de que o homem carece de um ideal e que

    est condenado vista de algum poder mais alto. observado tambm, atravs dos sacrifcios

    oferecidos a entidades, animais sagrados, postes dolos e outros, uma submisso de um ser

    imperfeito a um ser perfeito e superior quele. Submisso que pede lavagem interior

    purificao da alma, ou seja, idia de que houve algum tipo de erro ou quebra de uma ordem

    dada pelo ser superior.

    Em contrapartida, algumas filosofias e religies orientais descartam a

    possibilidade de existncia do mal. Consideram toda espcie de mal e pecado uma iluso da

    mente humana. Nesta perspectiva, declarar que o homem pecador incorrer e um dos maiores

    males da humanidade, pois o pecado no existe e irreal.

    Porm, todos os filsofos, desde os mais antigos (gregos), foram constrangidos a

    reconhecer a universalidade do pecado tambm na vida do homem. A questo em si seria o

    mal e no o pecado propriamente dito. Mas nenhum argumento foi capaz de desconsiderar a

    presena do pecado e do mal no mundo e no homem. Porm, a Bblia d universalidade do

    pecado respaldo suficiente para tal comprovao, assim como diz o apstolo Paulo:

    Que se conclui? Temos ns qualquer vantagem? No, de forma nenhuma,pois jtemos demonstrado que todos, tanto judeus, como gregos esto debaixo do pecado,como esta escrito: No h justo, nem um sequer, no h quem entenda, no h quem

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    busque a Deus, todos se extraviaram, a uma se fizeram inteis, no h quem faabem, no h nem sequer um 61.

    A Bblia atesta taxativamente a realidade do pecado no homem e nada, em

    argumentao e filosofia, pode desconsiderar este fato real, porque tal inteno atentaria

    contra a verdade de Deus, como explica 1 Joo 1. 8,10: se dissermos que no temos pecado

    nenhum, a ns mesmos enganamos, e a verdade no est em ns [...] Se dissermos que no

    temos cometido pecado fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra no est em ns.

    Resumindo, o pecado um fato do qual participam todos os homens e que os faz

    culpados diante de Deus. No h como no pecar e nem se considerar absolvido, por si s,

    perante Deus. Desde que Ado caiu o homem se tornou pecador e morto para Deus.

    3.3.2 A relao de Ado com a raa

    Como j foi observado, existem teorias que negam completamente a relao de

    Ado com a raa humana, afirmando que o pecado de Ado foi s para ele mesmo e que no

    contaminou ou transmitiu raa; Ado foi no mximo um mau exemplo que pode ser

    imitado pelo homem. Outras teorias, no entanto, admitem a relao de Ado com a raa,

    como defendido pela Teoria Realista, que afirma que a humanidade estava em Ado quando

    este pecou. A teoria defendida por Placeus tambm considera a transmisso, mas afirma que o

    homem no nasceu corrupto porque culpado em Ado, mas considerado culpado porque

    corrupto. Todas essas teorias, na verdade, no acham argumentao bblica suficiente para tais

    afirmaes.

    A teologia reformada, no entanto, defende a transmisso do pecado de Ado paraa raa. Os reformados consideram o pecado aos psteros como imputao imediata e direta, e

    no mediada como ensina a imputao mediata. Este ponto de vista foi defendido pelos mais

    renomados telogos reformados, como Luis Berkhof, Hermann Bavinck, Anthony Hoekema e

    outros.

    61Cf. Romanos 3.9-12

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    39

    O pressuposto usado para a formulao da doutrina da imputao imediata ou

    direta situa-se em um duplo relacionamento de Ado para com os seus descendentes: Ado

    tanto a cabea natural, como o representante federal dos homens.

    Na relao natural, Ado foi o pai de toda a humanidade, que passa a descender

    dele, herdando corrupo por causa da queda. Anglada clareia a relao natural de Ado,

    dizendo que:

    Do ponto de vista natural, na condio de primeiro homem criado, Ado o pai detoda a raa humana. Todos descendemos dele e todos herdamos a sua naturezacorrompida em virtude da queda. Todo ser humano j nasce com uma natureza

    pecaminosa, inclinado para o mal, com a imago Dei corrompida. Herdamosnaturalmente esta condio dos nossos primeiros pais62.

    Todavia, no se pode considerar somente esta relao natural, mas tambm uma

    relao de representatividade, ou seja, uma relao legal de Ado com a raa. Ado o

    representante legal da humanidade, por causa do pacto estabelecido por Deus no den. Deus

    ordenou que nessa aliana Ado no estaria s, nem agiria por si prprio, mas como o

    representante de todos os seus descendentes. Consequentemente, ele foi o chefe da raa, no

    somente em um sentido paterno, mas tambm em um sentido federal. Ou seja, o pecado foi

    herdado naturalmente, e a culpa imputada legalmente raa humana.

    A palavra imputao vem do grego Logizomai, e deriva de com uma linguagem

    jurdica, ou seja, forense, dentro de um conceito legal de beno ou maldio, de recompensa

    ou punio. O termo, em si, denota a idia de declarar algum, considerar, e atribuir

    algo dentro do aspecto judicial: malfico ou benfico, condenado ou justificado. No caso de

    Ado, a culpa foi imputada a toda a raa humana, foi a raa imediatamente considerada

    culpada por causa da transgresso dele no den. A confisso de Fe de Westminster, que a

    base da doutrina reformada, vem esclarecer e dar seu parecer final sobre a imputao,

    afirmando que:

    Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito dos seus pecados foi imputado aseus filhos, e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida,foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por gerao

    ordinria. Desta corrupo original pela qual ficamos totalmente indispostos,

    62ANGLADA, Op. Cit., 1997, p. 50.

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    adversos a todo o bem e inteiramente inclinados a todo o mal, e que procedem todasas transgresses atuais 63.

    O texto bsico em que a confisso de f tem buscado apoio exatamenteRomanos 5.12-21, que evidencia a doutrina reformada da imputao. Sobre isso, Anglada

    afirma que a nfase da imputao admica serviu para evidenciar a justificao cristolgica.

    Pois bem, exatamente para tornar esta doutrina mais evidente que o apstolo serefere ao caso anlogo da condenao da raa humana por causa do pecado de Ado.E explica que o pecado de Ado a base judicial da condenao de toda ahumanidade, nele legalmente representada. Isto torna Ado um tipo de Cristo, daCristo ser chamado de segundo Ado, o segundo representante legal do povo deDeus 64.

    A realidade humana mostrada em Romanos 5 evidente, pois atravs da

    transgresso de Ado lhe foi imputada culpa do pecado. Porm, claro que atravs da morte

    de Cristo foi ao homem imputada justia.

    3.4 RESULTADOS DO PECADO

    O que foi considerado at ento foi a origem, a natureza e a transmisso

    (imputao) do pecado na vida do homem em Ado. E a partir de agora sero observados os

    resultados do pecado na vida do ser humano, ou seja, quais as caractersticas que influenciam

    o homem em estado de pecado? De forma superficial, elementos como: depravao,

    corrupo e morte j foram observados e precisam, a partir de agora, de destaque.

    Deve-se observar, antes de tudo, a questo da Imago Dei65. O homem foi criado

    com uma imagem original, ou seja, com uma imagem e semelhana que refletia o carter do

    criador. Esta imagem fez o homem capaz de ser obediente e refletir o Deus sem pecado. No

    entanto, aps a queda, a imagem de Deus no homem, por causa do pecado, foi seriamente

    corrompida. Ou seja, a conseqncia do pecado de Ado foi a desfigurao da imagem de

    Deus, afetando toda a sua natureza humana. E, como resultado, a queda trouxe humanidade,

    alm deformidade do estado de retido, um estado de misria e depravao moral.

    63Confisso de f de Westminster.Op. Cit., Captulo VI, Sees 3 e 4.64ANGLADA, Op. Cit., 1997, p. 54.65Forma latina para Imagem de Deus.

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    3.4.1 Corrupo e sofrimentos

    O homem, no estado de pecado, ficou completamente marcado, tambm, pela

    corrupo do corpo. Corrupo que se evidncia nas acentuaes das limitaes fsicas e

    mentais do ser humano, vindo a se consumar na morte fsica.

    O pecado produziu distrbios em todos os aspectos da vida do homem. Sua vida

    fsica caiu presa de fraquezas e doenas, que redundaram em desconfortos, e, muitas vezes,

    em agonias. Sua vida mental ficou, pelo pecado, sujeita a perturbaes angustiantes, que

    muitas vezes o privam da alegria de viver, desqualificam-no para o seu labor dirio e, por

    vezes, destroem por completo o seu equilbrio mental. O pecado teve, tambm, a capacidade

    vil de marcar a natureza humana, imprimindo mais limitaes, que j eram normais, para um

    ser humano, e mesmo ao mais sadio dos homens.

    Como incapacidade fsica, tambm notadas as enfermidades, que limitam ainda

    mais o homem, sendo a humanidade sujeita a vrus, bactrias e deformaes diversas no seu

    corpo, levando-o morte fsica. Morte, que a separao de corpo e alma, como afirma

    Genesis 3.19: Tu s p e ao p tornars.

    3.4.2 Depravao moral

    A queda de Ado provocou tambm no homem a depravao moral, ou seja, por

    causa da queda, o homem ficou totalmente inabilitado espiritualmente. No pode, por si

    mesmo, fazer nada para mudar o seu estado de pecado. o que denominado como o

    primeiro ponto do Calvinismo: Depravao total, que Berkhof defende assim:

    Positivamente, a expresso depravao total indica: que a corrupo inerenteabrange todas as partes da natureza do homem, todas as faculdades e poderes daalma e do corpo, e que absolutamente no h no pecador bem espiritual algum, isto, bem com relao a Deus, mas somente perverso 66.

    Sobre a corrupo das faculdades (intelecto, vontade e sentimentos) do homem

    em termos de incapacidade, diz Berkhof:

    66BERKHOF, Op. Cit., 1990, p. 248.

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    Que o pecador no regenerado no pode praticar nenhum ato, por significante queseja, que fundamentalmente obtenha a aprovao de Deus, e corresponda asexigncias da Santa lei de Deus; e que ele no pode mudar a sua prefernciafundamental pelo pecado e por si mesmo, trocando-a pelo amor a Deus, no podesequer fazer algo que se aproxime de tal mudana. Em uma palavra, ele incapaz de

    fazer qualquer bem espiritual 67.

    O homem natural ou no regenerado prefere somente as trevas, ou seja, as atitudes

    pecaminosas esto ligadas a ele e a sua vontade. Assim como a ferrugem est para o ferro,

    assim o pecado est para o homem. E esta relao se dar at o fim de sua vida, porque o

    homem se tornou um agente ativo na oposio a Deus.

    Com relao a isto, Anglada em Calvinismo: as antigas doutrinas da graa diz:

    O homem em estado de pecado um militante, e ativo na prtica do mal e naoposio a Deus. O homem decididamente no quer ir a Cristo para ter a vida. Esta a deliberao da sua vontade. Para o bem ela inativa, mas para o mal ativssima[...] Para o bem espiritual, o homem est morto nos seus delitos e pecados; para omal, entretanto, ele est bem vivo, ativo e militante, no somente praticando, comoaprovando os que assim praticam68

    As atitudes generalizadas do homem para o pecado so consequncias do primeiro

    pecado que fez do homem escravo do prprio pecado, pois todo o que comete pecado

    escravo do pecado 69. Passando a andar ... segundo o curso deste mundo, segundo o prncipe

    da potestade do ar, do esprito... segundo as inclinaes da nossa carne, fazendo a vontade da

    carne e dos pensamentos70.

    3.4.3 Morte Eterna

    O desfecho da historia humana se dar na consumao da morte espiritual e no

    clmax da depravao moral do homem, chamada de morte eterna. No se entende morte

    como aniquilao ou sono eterno, mas peso total da ira de Deus sobre os condenados, e isto

    significa morte no sentido mais terrvel da palavra.

    67Ibid, p. 24968ANGLADA, Paulo. Calvinismo:As antigas doutrinas da graa. So Paulo. Os Puritanos. 2000, p. 25-26.69Cf. Joo 8.3470Cf Efsios 2.1,2

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    Os sofrimentos, a dor, as angstias, os remorsos sem fim acompanharo o mpio

    neste estado de morte eterna, mesmo que queira fugir, jamais conseguir. Anglada diz sobre

    isto assim:

    O que marca este estado a impossibilidade de sair dele. Podemos imaginar umestado mais terrvel do que todo e qualquer sofrimento, dor e angstia que possaacometer o homem nesta vida? E isto sem nenhum consolo ou alvio, e pior, semnenhuma possibilidade de escapar dele? 71

    Quem pensou que Deus deixaria que o pecado entrasse no mundo e ficasse como

    est? No. Em ato de justia, Deus deve executar sua sentena condenatria e lanar em

    cadeias eternas todos os mpios por causa de seus pecados atuais e principalmente o pecado

    original. Ao contrrio, os justos em Cristo Jesus vivero em conforto e deleite eterno, ao lado

    do pai celeste.

    ANGLADA, Op. Cit., 1997, p.57.

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    4. DOUTRINA DO PECADO ORIGINAL NA CONTEMPORANEIDADE

    O propsito da narrativa do