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SEMINÁRIO II – DERECHO PRIVADO
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A ANTROPOLOGIA CRIMINAL, NO AMBIENTE COOPERATIVO
RODRIGO LARIZZATTI: Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA, em Buenos Aires. Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal, desde 1999, e professor de Direito Criminal da Escola Superior de Polícia Judiciária do DF -
ESUP/ADEPOL, da Academia de Polícia Civil do DF - APC/PCDF, do Grancursos e do IMPCursos. Graduado Bacharel em Direito pela Universidade Paulista - SP em 1995, pós-graduado Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Católica de Brasília - UCB em 2001 e Especialista em Gestão Policial Judiciária pela Academia de Polícia Civil do Distrito Federal - APC/PCDF e Faculdade Fortium em 2008. Autor do livro COMPÊNDIO DE DIREITO PENAL, publicado pela Editora Grancursos e destinado à preparação para concursos públicos.
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ÍNDICE INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 – A IGUALDADE
Princípio constitucional da isonomia
A igualdade em matéria penal
CAPÍTULO 2 – CRIMINOLOGIA E ANTROPOLOGIA CRIMINAL
Escolas criminológicas tradicionais
A classificação antropológica dos criminosos e a noção de perculosidade
CAPÍTULO 3 – AMBIENTE COOPERATIVO
A cultura da cooperação social
O Dilema do Prisioneiro
A autonomia da vontade (liberdade e livre arbítrio)
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO
A premissa da igualdade descreve uma absoluta ausência de diferenças de
direitos e deveres entre os membros de uma sociedade. Politicamente fomentada pelo
Iluminismo, no início do século XVIII, o denominado Século das Luzes, passou a ser
associada ao conceito de democracia, tida como uma das suas características
fundamentais. Durante a Revolução Francesa, o termo igualdade compunha a palavra-
de-ordem dos revolucionários: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Trata-se de um princípio jurídico disposto pela Constituição da República
Federativa do Brasil que diz que “todos são iguais perante a lei”, independentemente
da riqueza ou prestígio destes, que informa todos os ramos do direito.
Sua concepção mais próxima do modelo atual data do século XIII, mais
especificamente quando o Rei João I, conhecido como João sem Terra, ou John
Lackland, assina a Carta Magna Britânica, no ano de 1215, dando início à chamada
Monarquia Constitucional, originando-se o princípio da legalidade, com o intuito de
resguardar os direitos dos burgos que o apoiaram na tomada do trono do então Rei
Ricardo Coração de Leão. A carta impediu o exercício do poder absoluto através da
adoção da máxima nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut
utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super eum ibimus, nec super
eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre – “nenhum
homem livre será capturado, ou levado prisioneiro, ou privado dos bens, ou exilado, ou
de qualquer modo destruído, e nunca usaremos da força contra ele, e nunca mandaremos
que outros o façam, salvo em processo legal por seus pares ou de acordo com as leis da
terra”.
Entretanto, há que se relevar que não se trata de uma premissa absoluta no
mundo do Direito, que busca a melhor solução para os casos concretos exigindo sua
relativização, uma mitigação necessária especialmente no âmbito das Ciências
Criminais, onde as condutas delituosas nunca são iguais, advindo de universos
totalmente diferentes, conforme a realidade e a experiência vividas pelo sujeito
delinquente.
Os conhecimentos antropológicos históricos e atuais denotam a
singularidade do Ser Criminoso, justificando a interpretação e demonstrando que no
ambiente social cooperativo todo indivíduo mentalmente sadio age conforme suas
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convicções, tendo absoluta consciência de sua condição única, pelo que deve ser tratado
únicamente.
CAPÍTULO 1 – A IGUALDADE
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA
A Constituição da República Federativa do Brasil determina, em seu art. 5º,
que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (…).
O princípio há de ser considerado sob dois panoramas, o da igualdade na lei
e da igualdade perante a lei. No primeiro caso, é destinado especialmente ao Poder
Legislador, e por vezes ao Poder Executivo, que não devem fazer qualquer
discriminação na elaboração de leis e demais atos normativos; e num segundo aspecto,
determina que os Poderes Judiciário e Executivo não façam discriminações na
aplicação das normas.
Neste mesmo sentido, Alessandra Beatriz Martins informa que o comando
imperativo da igualdade é imposto tanto na formulação do direito quanto na sua
aplicação, num duplo sentido já pacificado pela jurisprudencia do Supremo Tribunal
Federal brasileiro1.
A Igualdade Formal, nascida com a Revolução Francesa e desenvolvida ao
longo dos séculos XVIII e XIX, consiste no aforismo todos são iguais perante a lei, e
busca uma submissão comum, de todas as pessoas, ao império da lei e do direito, sem
discriminação quanto a credos, raças, ideologias e características socioeconômicas.
Por seu lado, a Igualdade Material, de forte influência socialista e
desenvolvida na segunda metade do século XIX, ao procurar diminuir as desigualdades
sociais, se concretiza pelo aforismo tratar desigualmente os desiguais na medida da sua
desigualdade. Tem por objeto oferecer uma proteção jurídica especial a determinadas
parcelas dos seres sociais, que figuram em situação de desvantagem frente aos demais.
Alexandre de Moraes ensina que a vedação constitucional se refere às
diferenciações arbitrárias e absurdas, eis que o tratamento desigual dos casos desiguais,
na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de 1 MARTINS, Alessandra Beatriz et al. O princípio da igualdade na perspectiva penal. São Paulo: Editora UNESP, 2007, p. 71.
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Justiça2. Neste mesmo sentido, Manoel Gonçalvez Ferreira Filho preleciona que o
princípio da igualdade comanda que só se façam distinções com critérios objetivos e
racionais, adequados ao fim visado pela diferenciação3.
Celso Antônio Bandeira de Mello informa que sem agravos à isonomia a lei
pode atingir uma categoria de pessoas ou então voltar-se para um só indivíduo, se, em
tal caso, visar a um sujeito indeterminado e indeterminável no presente4.
O doutrinador adverte que a ofensa ao preceito constitucional ocorre em
algumas hipóteses, a saber: quando a norma singulariza de forma atual e definitiva um
determinado destinatário, não abrangindo uma categotia de pessoas ou pessoa futura e
indeterminada; quando a norma adota um critério discriminador não residente nos fatos,
situações ou pessoas desequiparadas, como por exemplo o fator “tempo”; e quando a
interpretação da norma extrai distinções, discriminações e desequiparações que não
foram claramente assumidas por ela, ainda que por via implícita5.
A IGUALDADE EM MATÉRIA PENAL
Alessandra Beatriz Martins preleciona que apesar do princípio da igualdade
ser desprovido de conteúdo exclusivamente penal, sua projeção alcança todo o
ordenamento jurídico-normativo, obrigando a atividade penal legislativa a se pautar
pelo cumprimento de sua exigência6.
Os valores constitucionais penetram no âmbito do sistema penal mediante a
via legislativa, através da edição de leis de atuação e concretização, ou pela via
jurisdicional, em especial no que atine à atividade da Corte Constitucional, no controle
concreto de constitucionalidade, bem como dos juízes isolados pela via difusa7.
A doutrina de José Afonso da Silva informa que a igualdade penal não deve
ser entendida como a aplicação de uma mesma pena a todos que cometem um mesmo
delito, mas há de significar que a mesma lei penal e seus sistemas sancionatários devem
2 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 17ª edição, 2005, p. 31 3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 23ª edição, 1996, p. 243. 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros Editores, 3ª edição, 2006, p. 25. 5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 47 e 48. 6 MARTINS, Alessandra Beatriz et al. Op. cit. p. 72. 7 MARTINS, Alessandra Beatriz et al. Op. cit. p. 69.
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ser aplicados igualitariamente aos que incorram nos fatos por ela definidos como
crime8.
O Código Penal Brasileiro, dispõe expressamente acerca do tema, ao tratar
da individualização da pena no art. 59 caput, in verbis:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (…)
O Código Penal Argentino trata o caso de forma similar, ao dispor, in
verbis:
ARTICULO 40. En las penas divisibles por razón de tiempo o de cantidad, los tribunales fijarán la condenación de acuerdo con las circunstancias atenuantes o agravantes particulares a cada caso y de conformidad a las reglas del artículo siguiente.
ARTICULO 41. A los efectos del artículo anterior, se tendrá en
cuenta: 1º. La naturaleza de la acción y de los medios empleados para
ejecutarla y la extensión del daño y del peligro causados; 2º. La edad, la educación, las costumbres y la conducta
precedente del sujeto, la calidad de los motivos que lo determinaron a delinquir, especialmente la miseria o la dificultad de ganarse el sustento propio necesario y el de los suyos, la participación que haya tomado en el hecho, las reincidencias en que hubiera incurrido y los demás antecedentes y condiciones personales, así como los vínculos personales, la calidad de las personas y las circunstancias de tiempo, lugar, modo y ocasión que demuestren su mayor o menor peligrosidad. El juez deberá tomar conocimiento directo y de visu del sujeto, de la víctima y de las circunstancias del hecho en la medida requerida para cada caso.
Isto posto, há que se considerar que é especialmente no âmbito penal que a
isonomia demonstra sua faceta material, respeitando diversas particularidades e
individualidades do agente quando busca sancionar o ilícito por ele cometido.
8 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 23ª edição, 2004, p. 221 e 222.
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CAPÍTULO 2 – CRIMINOLOGIA E ANTROPOLOGIA CRIMINAL
A criminologia é um conjunto de conhecimentos que se ocupa do crime, da
criminalidade e suas causas, da vítima, do controle social do ato criminoso, bem como
da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo. O termo deriva do latim
crimino (crime) e do grego logos (tratado ou estudo), sintetizando assim o “estudo do
crime”. É uma ciência empírica, pois baseia-se na experiência da observação, nos fatos e
na prática, mais que em opiniões e argumentos. É interdisciplinar porque formada pela
relação de uma série de ciências e disciplinas, como a biologia, a psicopatologia, a
sociologia, política, a antropologia, o direito, a criminalística, a filosofia, dentre outros.
Para Sérgio Salomão Shecaira: Diferentemente do direito penal, a criminologia pretende
conhecer a realidade para explicá-la, enquanto aquela ciência valora, ordena e orienta a realidade, com o apoio de uma série de critérios axiológicos. A criminología aproxima-se do fenômeno delitivo sem prejuízo, sem mediações, procurando obter uma informação direta deste fenômeno (…) Se à criminología interessa saber como é a realidade, para explicá-la e compreender o problema criminal, bem como transformá-la, ao direito penal só lhe preocupa o crime enquanto fato descrito na norma legal, para descubrir sua adequação típica9.
Ramiro Anzit Guerrero informa que a criminologia surgiu com o
nascimento da ciência moderna, tendo por objetivo a busca de soluções para o problema
do crime na sociedade, baseando-se em dados confiáveis obtidos por uma metodologia
empírica, sendo assim uma ciência causal-explicativa10.
Antropologia, termo que deriva do grego anthropos (homem) e logos
(razão, pensamento), é a ciência que tem como objeto o estudo sobre o homem e a
humanidade, abrangendo todas as suas dimensões.
Como interseção desta ciência temos a antropologia do Direito, uma área da
antropologia social voltada ao estudo das categorias que perpassam o saber jurídico,
seus mecanismos de produção, reprodução e consumo. Se ocupa do aspecto legal ou
9 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição. 2011, p. 49 e 50. 10 ANZIT GUERRERO, Ramiro. “Compendium Criminis”: criminología, criminalística y victimología. Buenos Aires: Lajouane, 2010, p. 10.
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normativo das sociedades, abrangendo também a questão da justiça, como elementos
interantes da organização social e cultural.
O jurista francês Alain Supiot, num ensaio sobre a função antropológica do
Direito, ensina que a sociedade se baseia em uma concepção do homem que dá sentido à
vida humana, sendo ele juridicamente considerado um sujeito dotado de razão e titular
de direitos inalienáveis e sagrados, e cientificamente tido como um objeto de
conhecimento, cujas leis de comportamento permitem descubrir e explicar a biologia, a
economia, as ciências sociais etc. Estes dois aspectos humanos, subjetivo e objetivo, são
as duas caras de uma mesma moeda11.
A antropologia do direito avançou com a pesquisa de campo proposta pelos
cientistas que puseram de lado elocubrações teóricas sem base na observação e
sistematização de dados empíricos. Assim como ocorreu nos demais ramos da
antropologia cultural, a técnica de observação participante, utilizada na Antropologia do
Direito de linha funcional, contribuiu para a explicitação do conceito de transgressão e
castigo.
Sob uma ótica funcionalista, formulada a partir de pesquisas de campo, foi
pioneiro o trabalho do historiador polaco Bronislaw Malinowski, através de sua célebre
obra “Crime e costume na Sociedade Selvagen”. Conforme o antropólogo: Para a maioria dos leigos e para muitos especialistas, a
antropologia é essencialmente objeto de interesse arqueológico. O estado selvagem continua sendo sinônimo de costumes exóticos, cruéis e excêntricos, com superstições curiosas e práticas chocantes (…) No entanto, há certos aspectos da antropologia de verdadeiro caráter científico que não nos levam do fato empírico para o reino da conjectura sem controle, mas ampliam o conhecimento da natureza humana e propiciam uma aplicação prática direta12.
Ainda no universo jurídico, a antropologia forense é o ramo da medicina
legal que tem como principal objeto a identidade e identificação do ser humano. Utiliza
conhecimentos da antropologia geral, com clara importância na esfera penal.
11 SUPIOT, Alain. Homo juridicus. Ensayo sobre la función antropológica del derecho. Buenos Aires: Siglo XXI editores (tr. Silvio Mattoni), 2007, p. 44. 12 MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem. Brasília: Editora UnB, 2ª edição (tr. Maria Clara Corrêa Dias), 2008, p. 09
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ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS TRADICIONAIS
A Escola Clássica surgiu durante o movimento iluminista13, entre os
séculos XVII e XVIII e teve como principal expoente o jurista italiano Cesare Beccaria,
que publicou a célebre obra “Dos Delitos e Das Penas”14, em 1764.
Anzit Guerreiro ressalta que a arbitrariedade dos governantes já não era
mais suportada por um povo que crescia em seu nível cultural. O fenômeno do
Humanismo colocava o Homem como centro do universo, desprezando os resíduos do
pensamento medieval que colocava Deus e seus sacerdotes como a Lei Suprema das
nações15.
Neste contexto, a Ciência Criminal passou a exigir uma profunda reforma
na legislação penal, bem como a humanização na aplicação da justiça, e alguns
preceitos passaram a ser fundamentos basilares. O Juiz passou a estar submetido às leis,
que previam as penas aplicáveis aos delitos; o Poder Legislativo separou-se do Poder
Judicial; diminuiram os excessos das penas, que passaram a ser proporcionais aos
delitos e deixaram de ser um tormento ao criminoso, assumindo a função de impedir
que ele voltasse a ser uma ameaça social.
Anzit Guerrero adverte que a idéia do castigo não se realiza pela intenção de
se vingar de um criminoso, mas de proteger a sociedade deste delinquente, prevenindo
que outros venham a incorrer no mesmo delito16.
A Escola Clássica se apoiava fundamentalmente na idéia do Contrato Social
de Rousseau (contratualismo), segundo o qual os homens se reuniam livremente em
sociedades, conforme uma série de acordos que garantiam a ordem e a convivência.
A Escola Positiva foi representada especialmente por Cesare Lombroso, que
no século XIX, mais precisamente no ano de 1876, publicou sua clássica obra “L’Uomo
Delinquente” onde tratou de procurar delinear as características fisiológicas do
criminoso, defendendo a idéia do denominado “criminoso nato”, preconizando que
13 O Iluminismo foi um movimento cultural de elite de intelectuais do século XVIII na Europa, que procurou mobilizar o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento prévio. Promoveu o intercâmbio intelectual e foi contra a intolerância e os abusos da Igreja e do Estado. 14 A partir do estudo desta inigualável obra, as legislações de vários países foram modificadas, tendo a pena para o criminoso deixado a forma de punição e assumido a de sanção. O criminoso não mais era visto como alguém paralelo à sociedade, mas sim como um indivíduo que não se adaptou às normas preestabelecidas, provenientes de um contrato social Rosseauriano, em que a pessoa se priva de sua liberdade, na menor parcela possível, em prol da ordem social. 15 ANZIT GUERRERO, Ramiro. Op. cit. p. 17. 16 ANZIT GUERRERO, Ramiro. Op. cit. p. 21.
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através da análise de determinadas características somáticas seria possível antever
aqueles indivíduos que se voltariam para o crime.
Em que pese as duras críticas sofridas por sua teoria, Lombroso exerceu por
longo tempo uma forte influência na Ciência Criminal mundial, tendo sido um dos
precursores da adoção de medidas preventivas ao crime, como a educação e o
policiamento ostensivo.
Flávio Augusto Monteiro de Barros informa que num paralelo entre os
valores considerados pelas escolas Clássica e Positiva temos que a primeira não aceita a
idéia do criminoso nato, eis que considera todos os homens como iguais, sendo que
ninguém nasce vocacionado para o crime, que é producido pela vontade do agente, por
seu libre arbítrio; os positivistas, por seu lado, consideram a existência de um ser
anormal, não aceitando a responsabilidade moral que decorre do libre arbítrio, e o crime
é produzido por fatores biológicos, físicos e sociais17.
A Escola Sociológica, vista por alguns antropólogos como uma vertente do
positivismo, surgiu no final do século XIX e tem como maior representante o advogado
criminalista e professor universitário italiano Enrico Ferri, para quem quando ocorre a
prática de um crime, sociologicamente:
A consciência Pública é ferida por uma impressão de alarme,
quer pela constatação da falta de vigilância e proteção onde o delito, com impudente audácia, pode ser cometido, quer pela preocupação que outros bandidos ou mal intencionados – pelo contágio do exemplo – se sintam encorajados a praticar semelhantes ações criminosas18.
A CLASSIFICAÇÃO ANTROPOLÓGICA DOS CRIMINOSOS19 E A NOÇÃO
DE PERICULOSIDADE
A personalidade do criminoso, na moderna evolução da antropologia
criminal, é analisada nas suas condições morfológicas, bioquímicas e neuropsíquicas e,
na ciência criminal, é estudada em relação com sua conduta social.
A Escola Clássica não contemplava a periculosidade como elemento a ser
considerado na análise criminológica, diferentemente das Escolas Positiva e
Sociológica.
17 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 3ª edição, 2003, p. 19. 18 FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal: o criminoso e o crime. Campinas: Bookseller (tr. Paolo Capitanio), 1996, p. 25 19 FERRI, Enrico. Op. cit. p. 251 a 263.
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José Luis Covelli salienta que a defesa social é a justificação da pena
retributiva, que deve ser considerada não como um castigo, mas uma medida necessária
para implementar a higiene e terapia sociais. Assim, quanto maior o perigo, maior a
pena. Diferencia duas classes distintas de periculosidade: a periculosidade social, termo
jurídico que se refere à eventualidade da prática de algum delito antes de sua concreção,
a uma mera probabilidade; e o chamado indivíduo socialmente perigoso, cuja definição
é incerta e relativa, aludindo à possibilidade de que um sujeito cometa um crime, de
forma real20.
Covelli acrescenta ser evidente a possibilidade de se provar quando o
indivíduo cometeu um delito, por ser uma análise a posteriori. Todavia efetivamente
não é fácil valorar a periculosidade de uma pessoa, sendo uma árdua tarefa médica
pericial, eis que se refere a uma probabilidade que na realidade serve para teoricamente
realizar a prevenção criminal21.
Em sua obra, Ferri classificou os criminosos em cinco categorias, segundo a
graduação do que denominou como “funcionamento anormal da atividade psíquica”,
tendo em conta o aspecto da periculosidade.
O homem que comete um delito, ou por seu preponderante
impulso fisiopsíquico (causa endógena) ou por predomínio das condições de ambiente (causa exógena), pelo menos no momento em que realiza o fato, está em condições anormais. Se assim não fosse, a repugnância do senso moral e a previsão das conseqüências dolorosas a que vai de encontro, impedi-lo-iam de fazer mal. Se delinque, isso significa que, ou por condição transitória ou por condição permanente (congênita ou adquirida), a sua atividade psíquica funciona anormalmente, quer dizer, de modo não adaptado às condições de existência social, segundo o ambiente especial em que todo homem vive e trabalha22.
A descrição, sobretudo psicológica, destas categorias de delinqüentes
encontra-se, detalhadamente, nas obras de antropologia criminal, de psicopatologia
criminal e de medicina legal.
Nesta graduação, em primeiro lugar aparece o chamado criminoso nato. Ele
se caracteriza principalmente pela falta ou debilidade do senso moral, que nos homens
normais é a maior força de repulsão ao delito. O senso moral é a tonalidade sentimental
do indivíduo, que determina o seu modo pessoal de agir e reagir aos estímulos do
20 COVELLI, José Luis. La peligrosidad: su evaluación y desarrollo hipotético em los grupos sociales excluídos. Ciudadela: Dosyuna Ediciones Argentinas, 2010, p. 80. 21 COVELLI, José Luis. Op. cit. p. 82. 22 FERRI, Enrico. Op. cit. p. 249.
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ambiente nas relações sociais. Ferri o denominava senso social. A congênita
insensibilidade ou menor sensibilidade moral leva o criminoso nato a cometer os mais
diversos crimes e da mais diversa gravidade. Podem ser considerados incorrigíveis, pois
na sua maioria depois de libertados da prisão, ainda que prolongada, recaem no crime.
Apresentam o grau mais alto de periculosidade, quer pela inata tendência para cometer
qualquer delito, quer para lhe repetir a execução, não obstante a passagem por longas
condenações e privações de liberdade, impostas pela penas. Freqüentemente agem com
ferocidade anti-humana.
Como frisa Odon Ramos Maranhão, a personalidade delinquente se mostra
quando surgem algumas essenciais características:
Aparente inexistência de conflito interno; agressividade voltada
à sociedade; alívio das tensões internas por ações criminosas; atribuição de seus impulsos ao mundo exterior; desenvolvimento de defesas emocionais; “superego” inadequado (desarmônico); comportamento “dissocial”; e caráter deformado23.
Constatada essa personalidade, a necessidade de maior controle se torna
evidente.
A obra de Ana Beatriz Barbosa Silva aponta que os líderes das modernas
organizações criminosas se encaixam com precisão no perfil dos portadores de
psicopatia, para os quais a parte racional ou cognitiva é perfeita e íntegra e assim sabem
perfeitamente o que estão fazendo. Quanto aos sentimentos, porém, são absolutamentre
deficitários, pobres, ausentes de afeto e de profundidade emocional, possuindo uma
natureza devastadora, assustadora, contradizendo a própria natureza humana24.
Seus atos criminosos provêm de um raciocínio frio e calculista combinado
com uma total incapacidade de tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e
com sentimentos. Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas,
inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio
benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar
do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e
violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de
manifestarem o seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros predadores
23 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal.. São Paulo: Malheiros Editores, 8ª edição, 1997, p. 385. 24 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 18 e 19.
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sociais, em cujas veias e artérias corre um sangue gélido25. Se existe uma personalidade
criminosa, esta se realiza por completo no psicopata, pois ninguém está tão habilitado a
desobedecer às leis, enganar ou ser violento como ele26.
Em seguida, Ferri tratou do criminoso louco, que é levado ao crime pela
enfermidade mental e pela atrofia do senso moral, condição decisiva na equação da
delinqüência. A periculosidade neste caso varia para mais ou para menos conforme as
condições psicopatológicas verificadas caso a caso.
O criminoso habitual, que por alguns é confundido com o criminoso nato,
pelo caráter comum da reiteração dos atos criminosos, é caracterizado pela grave
periculosidade e fraca readaptabilidade social. Trata-se de um indivíduo que começa
com faltas leves e depois recai obstinadamente no crime, não raro chegando a números
elevados de condenações. Todavia, o que o leva à repetição do delito não é a falta ou
debilidade do senso moral, como no caso do criminoso nato, mas a nociva influência
das prisões, a execução da pena com más companhias, a dificuldade de encontrar um
trabalho regular etc.
Seguindo a graduação aparece o criminoso ocasional, que como os demais
apresenta uma predisposição e insuficiente repulsão ao delito, mas deve a atividade
criminosa a uma forte influência de circunstâncias ambientais, como provocações,
necessidades familiares ou pessoais, facilidade de execução etc. Sem tais fatores, sua
personalidade não teria suficiente iniciativa criminosa. Nele se verifica uma menor
carga de periculosidade e maior readaptabilidade social, sendo que representa a grande
maioria da massa penitenciária.
Por fim, o criminoso passional, que não deve ser entendido como todo e
qualquer indivíduo que comete o crime por algum estado emotivo, comum a todos os
seres humanos. As paixões devem ser consideradas segundo a sua intensidade e
qualidade. No primeiro caso, distinguem-se em cegas e raciocinadas, e no segundo em
úteis e prejudiciais. Somente por uma aberração extraordinária é que ela pode arrastar
ao delito. Esta figura de delinqüente age em estado de comoção, freqüentemente com
espontânea apresentação às autoridades e com sincero remorso do mal feito,
caracterizando-se pela baixa periculosidade e alta readaptabilidade social.
25 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Op. cit., p. 37. 26 SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Op. cit., p. 129.
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CAPÍTULO 3 – AMBIENTE COOPERATIVO
A CULTURA DA COOPERAÇÃO SOCIAL
Michael Tomasello informa que nas mais distintas espécies animais os
indivíduos aproveitam a experiência e o trabalho alheios para aprender através de um
intercâmbio social. Empregado hodiernamente pelos biólogos, o termo cultura
representa este aprendizado social, delineando as variadas maneiras de fazer as coisas,
verificadas nas diversas populações de uma mesma espécie, que vivem em grupos e se
distinguem conforme determinado ponto de vista cultural. Os seres humanos são o
paradigma das espécies culturais, pois onde quer que vão criam e inventam artefatos e
práticas comportamentais novas para lidar com as exigências do meio ambiente local27.
Dentre as especificidades da cultura humana, Tomasello aponta para a
existência de uma espécie de trinquete, de catraca cultural, verificada pela evolução
cultural acumulativa, segundo a qual constantemente são introduzidas melhorias nos
procedimentos criados e inventados na história, que assim são aperfeiçoados e
aprendidos pelos indivíduos em desenvolvimento. Por intermédio desta catraca é
instalada cada versão no repertório do grupo cultural, que assegura sua vigência até que
alguém encontre novidade ou maior utilidade. Assim como os indivíduos de uma
espécie herdam os genes adaptados, também herdam, através da cultura, artefatos e
práticas comportamentais que representam de algum modo a sabedoria coletiva de seus
antepassados28.
A criação de instituições sociais é outra característica unicamente verificada
na cultura humana, caracterizando-se pela criação de um conjunto de práticas
comportamentais guiadas por regras e normas reconhecidas por todos os indivíduos,
cuja transgressão enseja uma sanção. Lastreando esta cultura humana existe todo um
conjunto de habilidades cooperativas e motivacionais para colaborar, que nos são
27 TOMASELLO, Michael. ¿Por qué cooperamos? Buenos Aires: Katz Editores (tr. Elena Marengo), 2010, p. 11. 28 TOMASELLO, Michael. Op. cit. p. 13.
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exclusivas e se evidenciam por meio das regras acordadas pelo grupo, que obrigam os
que não cooperam a cumprir o ajustado29.
Nos exatos termos do dicionário Michaelis da língua portuguesa, cooperar
significa agir ou trabalhar junto com outro ou outros para um fim comum; colaborar;
agir conjuntamente para produzir um efeito; contribuir30.
Inserida no contexto social, a premissa da igualdade sofre uma mitigação,
não podendo ser considerada sinônimo de liberdade absoluta. Para Johann Wolfgang
von Goethe31:
Todos os homens são iguais em sociedade. Nenhuma sociedade se pode fundamentar noutra coisa que não seja a noção de igualdade. Acima de tudo não pode fundamentar-se no conceito de liberdade. A igualdade é qualquer coisa que quero encontrar na sociedade, ao passo que a liberdade, nomeadamente a liberdade moral de me dispor à subordinação, transporto-a comigo.
A sociedade que me acolhe tem portanto que me dizer: É teu dever ser igual a todos nós. E não pode acrescentar mais que isto: Desejamos que tu, com toda a convicção, de tua livre e racional vontade, renuncies aos teus privilégios.
O nosso único passe de mágica consiste no facto de prescindirmos da nossa existência para podermos existir.
A mais elevada finalidade da sociedade é consequência das vantagens que assegura a cada um. Cada um sacrifica racionalmente a essa consequência uma grande quantidade de coisas. A sociedade, portanto, muito mais. Por causa da dita consequência, a vantagem pontual de cada membro da sociedade anda perto de se reduzir a nada32.
O “DILEMA DO PRISIONEIRO”
No universo cooperativo encontramos uma situação de especial
peculiaridade e curiosidade que bem ilustra as maneiras de atuação de um indivíduo
social, denominada Dilema do Prisioneiro, que em sua forma clássica foi originalmente
29 TOMASELLO, Michael. Op. cit. p. 13 a 15. 30 Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=cooperar. Acesso em 21 de novembro de 2011. 31 JOHANN WOLFGANG VON GOETHE ( Frankfurt am Main, 1749 - † Weimar, 1832) foi um escritor alemão e pensador que também fez incursões pelo campo da ciência. Considerado uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do Romantismo europeu, no final do século XVIII e início do século XIX. 32 Disponível em: http://www.citador.pt/textos/igualdade-nao-e-liberdade-johann-wolfgang-von-goethe Acesso em 22 de março de 2012.
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concebido por Albert Tucker em 1950, a partir de elaborações prévias de Merrill Flood
e Melvin Dresher, da RAND Corporation33.
O dilema do prisioneiro (DP) dito clássico funciona da seguinte forma: Dois
suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os
condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos
prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em
silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de
sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de
cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada
prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem
certeza da decisão do outro.
A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro
vai reagir? O fato é que pode haver dois vencedores no jogo, sendo esta última solução
a melhor para ambos, quando analisada em conjunto. Entretanto, os jogadores
confrontam-se com alguns problemas: Confiam no cúmplice e permanecem negando o
crime, mesmo correndo o risco de serem colocados numa situação ainda pior, ou
confessam e esperam ser libertados, apesar de que, se ele fizer o mesmo, ambos ficarão
numa situação pior do que se permanecessem calados?
Em abstrato, não importa os valores das penas, mas o cálculo das vantagens
de uma decisão cujas conseqüências estão atreladas às decisões de outros agentes, onde
a confiança e traição fazem parte da estratégia em jogo. Casos como este são recorrentes
na economia, na biologia e na estratégia. O estudo das táticas mais vantajosas num
cenário onde esse dilema se repita é um dos temas da teoria dos jogos.
Robert Axelrod34 estudou uma extensão ao cenário clássico do dilema do
prisioneiro, que denominou dilema do prisioneiro iterado, onde a cooperação pode
obter-se como um resultado de equilíbrio. Aqui joga-se repetidamente, pelo que, quando
se repete o jogo, oferece-se a cada jogador a oportunidade de castigar ao outro jogador
pela não cooperação em jogos anteriores. Assim, o incentivo para defraudar pode ser
superado pela ameaça do castigo, o que conduz a um resultado melhor, cooperativo. 33 A RAND Corporation com sede na Califórnia, é uma instituição sem fins lucrativos que realiza pesquisas para contribuir com a tomada de decisões e a implementação de políticas no setor público e privado. Mais informações em http://www.rand.org/. 34 ROBERT AXELROD é um cientista político americano, PhD pela Universidade de Yale, Professor de Ciência Política e Política Pública na Universidade de Michigan desde 1974. Foi presidente da American Political Science Association (APSA) no bioênio 2006/2007, e muito conhecido por seu trabalho interdisciplinar sobre a evolução da cooperação. Seus interesses de pesquisa incluem a teoria da complexidade e da segurança internacional.
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Axelrod percebeu que na longa repetição dos encontros entre os jogadores,
cada um com distintas estratégias, as estratégias egoístas tendiam a ser piores enquanto
que as estratégias altruístas eram melhores, considerando-se unicamente o interesse
próprio. Usou isto para mostrar um possível mecanismo que explicasse o que antes
tinha sido um difícil ponto na teoria da evolução: como pode evoluir um
comportamento altruísta a partir de mecanismos puramente egoístas na seleção natural?
A AUTONOMIA DA VONTADE (LIBERDADE E LIVRE ARBÍTRIO)
Filosoficamente, o conceito de autonomia confunde-se com o de liberdade,
consistindo na qualidade de um indivíduo de tomar suas próprias decisões, com base na
razão. Por sua vez, de uma forma singela, a vontade é a capacidade através da qual se
toma uma posição frente a uma determinada situação, que pode ser desejada ou
rejeitada, afirmada ou negada.
A concepção do livre-arbítrio defende que a pessoa tem o poder de decidir
suas ações e pensamentos segundo seu próprio desejo e crença, fazendo uma livre
escolha que pode redundar em ações para beneficiá-la ou não, cujas decisões são
subordinadas unicamente a sua vontade consciente. Neste sentido, é importante frisar
que existem várias desordens relacionadas ao cérebro que podem ser chamadas de
desordens do livre-arbítrio, como ocorre na Síndrome de Tourette35.
Para uma escolha ser considerada livre o agente deve ter sido capaz de agir
de outra maneira, conforme o denominado princípio das possibilidades alternativas,
considerado como uma condição necessária para a liberdade. Nessa visão os atos
realizados sob a influência de uma coerção irresistível não são livres, e o agente não é
moralmente responsável por eles.
Adolphe Prins informa que a Justiça é demasiadamente simplista e abstrata
quando considera exclusivamente os fatos voluntários e conscientes do Homem Normal,
crendo no poder infinito da razão sobre a vontade, não se convencendo que a psicologia
clássica tenha se dado a exata conta da essência das forças psíquicas que o fazem atuar,
35 A Síndrome de Tourette é uma desordem neurológica ou neuroquímica caracterizada por tiques, reações rápidas, movimentos repentinos (espasmos) ou vocalizações que ocorre repetidamente da mesma maneira com considerável frequência. Esses tiques motores e vocais mudam constantemente de intensidade e não existem duas pessoas no mundo que apresentem os mesmos sintomas.
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reduzindo a personalidade moral a um específico elemento, irredutível: a vontade
inteligente e livre36.
Em trabalho monográfico sobre a imputabilidade penal e as neurociências,
Daniel Silva, Ezequiel Mercurio e Florencia López abordam diversos aspectos que
cercam as razões psiquiátricas atinentes à imputabilidade, dentre os quais os
mecanismos para a tomada de decisões, considerados o marcador somático e a razão
elevada.
Referindo-se ao marcador somático de Antonio Damasio, assinalam que é
certo afirmar que o propósito da razão é a decisão, cuja essência é a seleção de uma
opção de resposta entre as muitas possíveis em uma determinada situação, de forma que
raciocinar e decidir possuem significados semelhantes, sinônimos. No processo
racional o sujeito deve reconhecer a situação que requer a decisão, as diferentes opções
de ação e as consequências imediatas de cada uma delas. Por isso, o sujeito decide
através de uma estratégia lógica que permite realizar deduções válidas, fundamentando
a resposta mais apropriada37.
A razão elevada deriva do sentido comum e da lógica formal, que diante de
um determinado problema se apresenta como a melhor solução. Para se chegar a esta
conclusão, a razão deve se desligar das emoções e das paixões, numa visão
intelectualista, onde a análise do custo/benefício embasa a decisão a ser tomada, diante
das consequências de cada opção, sopesando-se as perda e ganhos38.
Evidencia-se, assim, a responsabilidade que todo ser social assume ao tomar
suas decisões, devendo arcar com as consequências da sua escolha.
36 PRINS, Adolphe. La defensa social y las transformaciones del derecho penal. Buenos Aires: Ediar, 2010 (tr. Rodrigo Codino), p.32. 37 SILVA, Daniel et al. Imputabilidad penal y neurociencias. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2008, p. 84 e 85. 38 SILVA, Daniel et al. Imputabilidad penal y neurociencias. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2008, p. 87.
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CONCLUSÃO
Todo ser humano é essencialmente um ser social, que convive com outros
indivíduos aos quais deve ser colocado em condição de igualdade. Entretanto, suas
relações sociais precisam se pautar no bem comum, objetivo a ser alcançado no seio
comunitário, nem que para isso seja necessária a criação de regras de comportamento
que sirvam para regulá-las.
Antes mesmo de considerar a existência de um Estado constituído e
institucionalizado, os estudos antropológicos de Malinowski infomam que nas
sociedades primitivas e selvagens, a lei formal traduz a tendência gradual no
reconhecimento de que a brutalidade não é regida por caprichos e emoções
incontroláveis, mas pela tradição e pela ordem. Ela administra todos os aspectos da vida
social, sendo claramente perceptível aos nativos, que as distinguem de todos os outros
tipos de normas, sejam morais, de conduta, das artes ou mandamentos religiosos. Nesse
sentido, as regras legais são asseguradas pelas forças sociais e compreendidas como
racionais e necessárias, sendo que os direitos e deveres constituem essencialmente a
preocupação dos indivíduos, que sabem perfeitamente como tratar seus interesses e
cumprir suas obrigações39.
Os selvagens têm um profundo respeito pela tradição e pelo costume,
submetendo-se automaticamente às suas ordens. Obedecem de forma servil,
involuntária e espontânea, por inércia mental, associada ao temor da opinião pública ou
do castigo40. Para Malinowski, nenhuma sociedade pode funcionar eficientemente se as
leis não forem obedecidas de modo voluntário e espontâneo, eis que a ameaça de
coerção e o medo da punição não afetam o homem comum, seja selvagem ou civilizado,
apesar de serem indispensáveis em qualquer sociedade em relação a certos
acontecimentos turbulentos e criminosos41.
Os seres sociais que voluntariamente não pautam seus comportamentos
pelas regras de convivência pacífica hão de ser tratados de forma singular.
39 MALINOWSKI, Bronislaw. Op. cit., p. 60 e 61. 40 MALINOWSKI, Bronislaw. Op. cit., p. 15. 41 MALINOWSKI, Bronislaw. Op. cit., p. 17 e 18.
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Para ilustrar a questão, no dia doze de outubro de 2011, o programa
televisivo Brasil Urgente, um jornalístico policial brasileiro exibido pela Rede
Bandeirantes de Televisão e apresentado pelo jornalista José Luiz Datena, noticiou a
ocorrência de um latrocínio na cidade paulista de Taboão da Serra onde a vítima, uma
empregada doméstica, foi covardemente alvejada elo criminoso ao implorar por sua
vida, pedindo para não ser morta pois era mãe de família42. Também veiculado pelo
referido periódico televisivo, fato semelhante ocorreu durante o roubo a uma farmácia
situada na cidade de Guarulhos, também em São Paulo, quando uma estudante
universitária contando com vinte e um anos de idade foi friamente alvejada por um
disparo efetuado pelo ladrão, que após concluir a subtração violenta, já saindo do
comércio, retornou e atirou uma única vez, à queima roupa, na cabeça da moça43. Em
ambos os casos nenhuma das vítima reagiu, o que levou o apresentador a dizer que os
criminosos mataram “só para ver o buraco da bala”.
Desta forma, é evidente que nem todo ser humano que se volta a um ato
criminoso age da mesma forma, movido pelas mesmas forças, de maneira que cada qual
deve ser considerado como indivíduo ímpar, e assim tratado pela ciência jurídica, sem
que isso importe em desrespeito à premissa da igualdade.
Norberto Bobbio informa que:
Quando se diz que duas ou mais pessoas são iguais quanto à idade, cidadania, raça, rendimentos, aptidão ou necessidades, isso significa simplesmente que possuem a mesma idade, nacionalidade, cor, renda, habilidades ou necessidades, ou que são, em substância, semelhantes sob tais aspectos.
(…) Igualdade e justiça possuem, na realidade, uma importante
característica comum: ambas só podem ser sustentadas por regras que determinam como certos benefícios ou gravames hão de ser distribuídos entre as pessoas44.
Por todo o exposto, o princípio da igualdade, como todos os outros, nem
sempre poderá ser aplicado extensivamente, devendo ser relativizado de acordo com o
caso concreto. Doutrina e jurisprudência já assentam o princípio de que a igualdade
jurídica consiste em assegurar às pessoas de situações iguais os mesmos direitos,
prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa “tratar 42 Disponível em http://www.band.com.br/brasilurgente/?v=2c9f94b432e9f0800132f9fba18512e9&p=1 Acesso em 12 de outubro de 2011. 43 Disponível em http://www.band.com.br/brasilurgente/?v=2c9f94b532d601a70132f4e0281622df&p=4 Acesso em 12 de outubro de 2011. 44 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 11ª edição (tr. Carmen C. Varriale et al), 1998, p. 597 e 598
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igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se
desigualam”, visando sempre o equílibrio entre todos.
Em uma análise final e peremptória, é possível afirmar que sequer existe
uma real igualdade, como exposto por José Ortega y Gasset45: A falsa Igualdade entre os Homens debaixo de toda a vida
contemporânea encontra-se latente uma injustiça profunda e irritante: a falsa suposição da igualdade real entre os homens. Cada passo que damos entre eles mostra-nos tão evidentemente o contrário que cada caso é um tropeção doloroso46.
45 JOSÉ ORTEGA Y GASSET ( Madri, 1883 - † Madri, 1955) foi um filósofo espanhol, que atuou como ativista político e como jornalista. Obteve o título de doutor em Filosofia na Universidade Central de Madri, tinha a profunda convicção de que o que importa, antes de tudo, é a lucidez e a compreensão do mundo para operar nele. Autor da célebre frase: Debaixo de toda vida contemporânea se encontra latente uma injustiça. 46 Disponível em: http://www.citador.pt/textos/a-falsa-igualdade-entre-os-homens-jose-ortega-y-gasset Acesso em 22 de março de 2012.
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PROGRAMA BRASIL URGENTE http://www.band.com.br/brasilurgente/ DICIONÁRIO MICHAELIS ON-LINE http://michaelis.uol.com.br
CITADOR http://www.citador.pt * As referências e informações contidas nas notas de rodapé, não pertinentes às obras bibliográficas e sítios virtuais elencados, foram obtidas através de pesquisas e consultas a diversas enciclopédias e fontes livres do conhecimento, em especial as disponíveis na rede mundial de computadores, como: http://www.britannica.com, http://www.newworldencyclopedia.org, http://www.encyclopedia.com, http://www.wikipedia.org, http://www.infopedia.pt, http://www.novacriminologia.com.br.