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ANDRÉA ALICE DA CUNHA FARIA O USO DO DIAGNÓSTICO RURAL PARTICIPATIVO EM PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: UM ESTUDO DE CASO Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós- Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL SETEMBRO - 2000

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ANDRÉA ALICE DA CUNHA FARIA

O USO DO DIAGNÓSTICO RURAL PARTICIPATIVO EM PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: UM ESTUDO DE CASO

Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”.

VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL

SETEMBRO - 2000

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ANDRÉA ALICE DA CUNHA FARIA

O USO DO DIAGNÓSTICO RURAL PARTICIPATIVO EM PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL: UM ESTUDO DE CASO

Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”.

APROVADA: 21 de dezembro de 1999.

Marcos Affonso Ortiz Gomes Sheila Maria Doula

Rosana Rodrigues Heringer Antônio Luiz de Lima

Geraldo Magela Braga (Presidente da Banca)

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À minha mãe, Alice, in memoriam,

de quem herdei, dentre tantas coisas, o nome e a voz.

À Cidinha e a todas as segundas mães

que encontrei pelo mundo afora,

obrigada pelo amor e pelo apoio incondicional das mães.

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AGRADECIMENTO

A Deus, pela força para fazer esta pesquisa.

A um número sem fim de pessoas, pelas incontáveis e incansáveis

trocas de reflexões nos diversos momentos de convívio profissional e pessoal.

Ao meu pai, em especial, por ter me despertado a curiosidade de

observar o mundo, a sociedade, as relações, as pessoas, a economia, a

política, e por ser, certamente, a pessoa com quem há mais tempo divido

minhas reflexões. Valeram todas as “brigas”, que estimularam e orientaram os

princípios de muitas das idéias que discuto neste trabalho.

À Vida, por ter me dado (por me dar), além da Agronomia, a

oportunidade de atuar, agir, estar na sociedade. Sempre em grupo, é claro, e

com tantas pessoas, que seria impossível listar aqui. Só por Minas Gerais... as

pessoas da Violeira, do CTA (é claro!), do grupo de almoço, do curso, da

cidade, da Universidade, os professores, alunos, funcionários, o pessoal do PT,

do CPT, e por aí vai.

Um destaque especial aos “velhos” amigos, daqui e de outras bandas,

pela troca de idéias, realização de alguns de nossos projetos e pelos bons

“workshops”, de preferência à beira-mar, é claro!...

Como diz o ditado: “só existe uma coisa melhor que fazer novos

amigos: conservar os velhos”. A todos, o meu carinho e o desejo de que nos

tornemos “velhos amigos”.

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Ao Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM),

entidade que me abriu os espaços pelas Minas Gerais, apoiando-me em

diversos momentos da presente pesquisa.

A Irene Guijt, que me deu a luz do fio condutor e a certeza do

referencial de análise. [Irene Maria Guijt é pesquisadora visitante do

Departamento de Comunicação e Inovação (antigo Departamento de Extensão

Rural) da Universidade e Centro de Pesquisa de Wageninger, Holanda e

consultora do UICN - União Internacional para Conservação da Natureza,

Suíça].

À Prefeitura Municipal de Tombos, através da Secretaria de Agricultura,

na pessoa de Margarida Pinheiro, que me convidou para assessorar a prática

que é analisada nesta tese.

A Paulo Rigueira e Brilhante, do Departamento de Economia Rural da

Universidade Federal de Viçosa, que me ajudaram com os dados quantitativos,

antes e depois do trabalho de campo.

A Elisa Cotta, que me ajudou na coleta de dados da tese.

A Franklin Daniel Rothman, meu professor e orientador, que me

conduziu em momentos difíceis e contribuiu para que eu pudesse ver/entender

um pouco mais do que as Ciências (em particular, as Sociais) têm a dizer.

À minha grande amiga Adriana Araújo Passos, pelo fundamental apoio

na revisão deste trabalho.

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BIOGRAFIA

ANDRÉA ALICE DA CUNHA FARIA, nasceu no Rio de Janeiro, em 28

de fevereiro de 1965. É engenheira-agrônoma, formada pela Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em janeiro de 1986.

O trabalho com organizações populares na busca de um novo modelo

de desenvolvimento rural, fundamentado no fortalecimento da participação

popular, no apoio à agricultura familiar como base produtiva e referenciado

cientificamente nos princípios e nas técnicas da agroecologia, pode resumir o

ideário de sua atuação profissional.

A fim de aprimorar seus conhecimentos e sua prática profissional, em

1996, ingressou no curso de mestrado em Extensão Rural da Universidade

Federal de Viçosa (UFV), tendo defendido tese em dezembro de 1999.

Nos seus 14 anos de formada, trabalhou durante oito anos e meio em

entidades vinculadas direta ou indiretamente à Rede PTA (Projetos de

Tecnologias Alternativas), quase sempre no Nordeste do Brasil. A esta

trajetória, somou-se uma atuação mais local, a partir de interações com

dinâmicas municipais e através do uso de metodologias participativas de

diagnóstico e planejamento, no sentido de fortalecer a participação popular nas

decisões de interesse público. Por isto, este foi o objeto de estudo da sua

dissertação de mestrado e tem se constituído campo prioritário de sua atuação

profissional.

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CONTEÚDO

Página EXTRATO ............................................................................................. viii ABSTRACT ........................................................................................... x 1. INTRODUÇÃO .................................................................................. 1

1.1. O desafio democrático ............................................................... 1 1.2. Especificidades do desafio na sociedade brasileira .................. 8 1.3. O problema de pesquisa e sua importância .............................. 12 1.4. Objetivos .................................................................................... 15

2. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................ 16

2.1. Origens e fundamentos do Diagnóstico Rural Participativo

(DRP) ......................................................................................

16 2.2. A teoria do conhecimento e a filosofia da educação de Paulo

Freire .........................................................................................

31 3. APLICAÇÃO DO DRP PARA ELABORAÇÃO DE UM PLANO DE

DESENVOLVIMENTO RURAL NO MUNICÍPIO DE TOMBOS, MI-NAS GERAIS .....................................................................................

39 3.1. Caracterização da área de estudo ............................................. 39

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Página

3.2. Antecedentes históricos ............................................................. 41

3.3. Definição dos objetivos, abrangência e enfoque do diag-

nóstico .......................................................................................

42

3.4. Levantamento das informações ................................................. 47

3.5. Sistematização e análise das informações ................................ 49

3.6. Formulação das propostas de ação ........................................... 53 3.7. Desdobramentos ....................................................................... 55

4. METODOLOGIA ............................................................................... 58 4.1. Unidade de análise e população ............................................... 58 4.2. Amostragem .............................................................................. 59 4.3. Coleta de dados ......................................................................... 61 4.4. Sistematização e análise dos dados ......................................... 62

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................... 63

6. RESUMO E CONCLUSÕES ............................................................. 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 84 APÊNDICES ......................................................................................... 89 APÊNDICE A ........................................................................................ 90 APÊNDICE B ........................................................................................ 92 APÊNDICE C ........................................................................................ 95 APÊNDICE D ........................................................................................ 98 APENDICE E ........................................................................................ 101 APÊNDICE F ........................................................................................ 105

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EXTRATO

FARIA, Andréa Alice da Cunha, M.S., Universidade Federal de Viçosa, setembro de 2000. O uso do Diagnóstico Rural Participativo em processos de desenvolvimento local: um estudo de caso. Orientador: Franklin Daniel Rothman. Conselheiros: Fábio Faria Mendes e Geraldo Magela Braga.

A presente pesquisa desenvolve, a partir da análise de uma prática,

reflexões a respeito das potencialidades e limitações de um método de

diagnóstico e planejamento com enfoque participativo – o DRP (Diagnóstico

Rural Participativo). Em 1998, a Prefeitura Municipal de Tombos, Minas Gerais,

Brasil, através de sua Secretaria de Agricultura, utilizou-se do DRP para

desencadear um processo de diagnóstico e planejamento, objetivando a

elaboração de um Plano Municipal de Desenvolvimento Rural (PMDR). Esta é

a prática analisada. A fim de qualificar este estudo de caso, nove meses após a

definição das propostas para o PMDR de Tombos, realizou-se uma pesquisa

com 121 pessoas, que participaram do diagnóstico e planejamento, com o

objetivo de captar a percepção que tiveram a respeito do trabalho realizado. As

pesquisas participativas utilizam-se de instrumentos que buscam, através da

reflexão coletiva, estimular uma tomada de postura ativa do indivíduo diante de

sua realidade, a fim de transformá-la. Concluiu-se que o DRP utiliza-se de

técnicas de levantamento e análise das informações, que são excelentes

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instrumentos estimuladores desta reflexão coletiva. No entanto, este potencial

encontra-se condicionado a vários fatores relacionados ao sujeito e à

efetividade da estratégia utilizada, que são pontuados e discutidos.

Inicialmente, resgata-se e analisa-se o pensamento acumulado em torno da

idéia de desenvolvimento a partir do local, o que evidencia o papel fundamental

que a tomada de postura individual tem na democratização das sociedades.

Em seguida, posiciona-se o DRP dentro das concepções metodológicas de

pesquisa participativa. A fim de permitir a construção de um referencial de

análise para a prática estudada, expõem-se alguns elementos da teoria do

conhecimento e da filosofia da educação de Paulo Freire, através de uma

síntese de sua proposição metodológica. Discute-se, então, como se

expressam e se concretizam estas proposições no método estudado. A análise

dos dados aponta para uma grande potencialidade do DRP enquanto

instrumento estimulador do processo de reflexão-ação. Entretanto, revela

condicionantes importantes para que a sua utilização venha a contribuir para

uma tomada de postura ativa do indivíduo diante de sua realidade.

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ABSTRACT

FARIA, Andréa Alice da Cunha, M.S., Universidade Federal de Viçosa, September 2000. The use of Participative Rural Diagnosis in local development processes: a case study. Adviser: Franklin Daniel Rothman. Committee Members: Fábio Faria Mendes and Geraldo Magela Braga.

Based on the analysis of a case study, this research reflects on the

possibilities and limitations of a participation – oriented method of diagnosis and

planning – PRD – Participative Rural Diagnosis. In 1988, the City Hall of

Tombos, Minas Gerais, Brazil, represented by its Secretary of Agriculture,

applied the PRD to trigger a process of diagnosis and planning aiming to

elaborate a Municipal Plan of Rural Development (MPRD), which is analyzed in

this work. In order to qualify this case study, a research was carried out nine

months after the definition of the proposals for Tombos‟ MPRD involving 21

people to analyze their perceptions on the work developed. Participative

research tools aim to stimulate individual action toward reality so as to change

it. PRD uses assessment techniques and information analyses considered by

this research to be excellent tools that stimulate collective thinking. However,

this potential is conditioned to various factors related to the individual and to the

effectiveness of the strategy used, that are identified and discussed. Initially,

accumulated individual reflections on local development are collected and

analyzed, making evident the fundamental role played by individual action in the

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democratization of society. Then DRP is applied within the context of the

methodological concepts of participative research. In order to allow the

construction of a referential of analysis for the studied practice, some elements

from Paulo Freire‟s theory of knowledge and philosophy of education are

explored, by means of a synthesis of his methodological proposition followed by

a discussion of how this proposition is expressed and rendered concrete in the

method studied. Data analysis points to a great PRD potential as a stimulating

tool in the reflection – action process. However, it reveals the need of important

conditioners which will allow it to contribute for an individual action towards

reality.

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1. INTRODUÇÃO

1.1. O desafio democrático

A busca pela compreensão do mundo ao seu redor, pela interpretação

da natureza e das relações sociais sempre foi alvo de interesse do ser humano.

A História registra os movimentos desta procura universal, a Cultura expressa-

a de várias formas e a Ciência tenta compreendê-la.

Agora é fim de século, época em que se encontram favorecidas as

reflexões sobre passado e futuro. É também o momento de fortalecimento das

expectativas de mudança.

No que se refere à organização política e social, “o século XX chega ao

fim com as mesmas elevadas aspirações com que começou: estender os

benefícios do governo democrático a um número cada vez maior de homens e

mulheres” (HUNTINGTON, 1994:3).

Este já antigo desafio, ao interagir com determinadas condições

econômicas e culturais, mostrou-se de forma diferente ao longo do tempo.

Apesar dos riscos de uma classificação rígida para fenômenos históricos,

HUNTINGTON (1994) identifica três grandes períodos de transição de regimes

políticos autoritários para regimes mais democráticos, que ele chama de

“ondas de democratização”.

A primeira delas teve suas origens nas revoluções americana e

francesa e começou a concretizar-se com o gradual surgimento de instituições

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democráticas nacionais, já no início do século XIX. Os Estados Unidos, a

Suíça, a França, a Grã-Bretanha, a Itália, a Argentina, a Irlanda, a Islândia, a

Espanha e o Chile são alguns dos mais de 30 países que, no decurso de 100

anos, estabeleceram pelo menos instituições democráticas mínimas.

Já no início do século XX, nas décadas de 20 e 30, o direcionamento

político dominante foi no sentido oposto, com o retorno ou a introdução de

formas autoritárias de governo. Este período, denominado por HUNTINGTON

(1994) como a primeira onda reversa, refletiu a ascensão ao poder de figuras

históricas como Mussolini (na Itália) e Hitler (na Alemanha), além de ter sido

palco de diversos golpes militares em países como Lituânia, Polônia, Letônia,

Estônia, Portugal, Brasil, Argentina, Uruguai, Espanha e Japão.

A segunda onda de democratização começou após a Segunda Guerra

Mundial. Países como a Alemanha Ocidental, Itália, Áustria, Japão, Coréia,

Turquia, Grécia, Uruguai, Brasil, Costa Rica, Argentina, Colômbia, Peru e

Venezuela vivenciaram períodos de criação ou revigoramento de suas

instituições democráticas. Mas, já no início dos anos 60, esta segunda onda de

democratização havia se exaurido. A América Latina foi palco das mudanças

mais dramáticas. Golpes militares derrubaram os governos civis de países

como o Peru, o Brasil, a Bolívia, a Argentina, o Equador, o Uruguai e o Chile.

Retrocessos aconteceram também na Coréia, na Indonésia, na Índia e na

Grécia. Além disso, na África, 33 países que haviam se tornado independentes

entre 1956 e 1970, organizaram-se em governos autoritários.

A terceira onda de democratização começou a se manifestar ainda na

década de 60, na Europa, especialmente na Grécia e na Espanha. No final dos

anos 70, a América Latina começa a vivenciar novos processos de mudança e

os militares são afastados do poder em países como Equador, Peru, Bolívia,

Argentina, Uruguai, Brasil e Chile. Na Ásia, a Índia retoma o caminho

democrático, assim como as Filipinas, a Coréia e o Paquistão. No final da

década de 80, o regime comunista começa a se abalar com a vitória do

Solidariedade na Polônia e seus efeitos atingem países como a Alemanha

Oriental, a Tchecoslováquia, a Romênia e a Bulgária. No entanto, no Oriente

Médio e na África, o movimento para a democracia nos anos 80 foi limitado,

sendo o processo de redução do apartheid, iniciado pelo governo da África do

Sul, o movimento mais expressivo.

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Em termos filosóficos, a origem do pensamento democrático remonta à

Grécia antiga, entre os séculos VIII e V a.C., quando empreendeu-se a busca

pela construção de uma sociedade justa e de um pensamento racional, livre de

preconceitos (ABRÃO, 1999).

Para muitos dos filósofos que dedicaram suas vidas a estudar as

sociedades e a imaginar formas de organização mais justas, a idéia da

democracia surge quase como um corolário natural. A princípio, acreditavam

que interesses e objetivos comuns podiam ser mais bem equacionados,

quando os próprios interessados são partícipes de suas definições e estão

envolvidos em sua execução. Restava descobrir como equacioná-los. Porém, a

concretização desta idéia quase “natural” mostrou-se não tão simples quanto a

sua idealização, conforme relatado no breve histórico do estudo de

HUNTINGTON (1994). As dificuldades foram tantas que levaram Jean-Jacques

Rousseau a afirmar, ainda em 1762, que “se existisse um povo de deuses,

governar-se-ia democraticamente. Governo tão perfeito não convém aos

homens” (ROUSSEAU, 1999:151). No entanto, o antigo desafio permanece

atual e, enquanto tal, requer compreensão mais aprofundada de suas

peculiaridades no contexto da atualidade.

Ainda no século VII a.C., foi a constituição das cidades (pólis) que

contribuiu de forma significativa para a instituição da democracia. Este

processo tornou a sociedade mais “aglutinada” e complexa. A praça pública,

chamada de “ágora”, constituiu-se num espaço concreto das transações

comerciais e das discussões sobre a vida da cidade (ABRÃO, 1999).

Ao longo do tempo, as sociedades foram crescendo e se

complexificando, e o desafio democrático foi deixando de ser aquele do vilarejo

ou da tribo, para ser o desafio de uma democracia da nação-Estado. Neste

âmbito, a escolha dos representantes políticos através de eleições populares e

o direito universal ao voto são os principais indicadores de uma democracia

conceituada, hoje, como representativa. Segundo esta concepção, os

mecanismos e processos de escolha destas representações devem guardar os

princípios de um processo democrático. Uma vez escolhidos, os

“representantes do povo” tornam-se os responsáveis pela definição das

políticas de desenvolvimento e pela administração dos recursos públicos.

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Na atualidade, a idéia de que a ação local é aquela capaz de contribuir

para o avanço de uma democracia mais participativa do que representativa

encontra-se bastante difundida no mundo, inclusive no Brasil, um país de

dimensões continentais.

A idéia não é nova. Sua origem encontra-se na primeira metade do

século XIX, quando Tocqueville defende a relação entre governo local,

participação e democracia, como corolário fundamental do aprofundamento

democrático (CASTRO, 1991).

Discute-se e difunde-se, hoje, a idéia de que é através da atuação do

indivíduo no local onde vive e trabalha que os espaços de decisão podem ser

democratizados, sejam estes espaços públicos ou não. Propõe-se uma visão

que coloque o ser humano e os interesses coletivos como ponto central,

convergindo para a potencialização das capacidades dos indivíduos

(DOWBOR, 1996).

BUARQUE (1997:2) define o desenvolvimento local como

um processo endógeno de mobilização das energias sociais na implementação de mudanças que elevam as oportunidades sociais e as condições de vida no plano local (comunitário, municipal ou sub-regional), com base nas potencialidades e no envolvimento da sociedade nos processos decisórios.

Segundo SILVA (1997), o fenômeno contemporâneo de ressignificação

do local resgata utopias ao trazer a perspectiva de que os espaços locais

possam oportunizar à sociedade a retomada das rédeas do seu

desenvolvimento, com base em práticas cada vez mais democráticas e

solidárias.

Nas diversas definições e nos recentes estudos sobre experiências de

desenvolvimento local, encontra-se sempre a idéia de construção de um plano

de ação estratégico, coletivo, fruto da articulação do conjunto dos diversos

atores sociais (DOWBOR, 1996; DESER, 1997; MARSIGLIA, 1996; COELHO,

1996; SABOURIN, 1996).

A dicotomia rural-urbano também é revista. Conforme afirma VEIGA

(1997:1), “o desenvolvimento rural é parte integrante de uma única dinâmica –

sistêmica – de desenvolvimento”. CAMPANHOLA e SILVA (1999:3), analisando

o processo atual de valorização do desenvolvimento local, constatam que “o

corte urbano-rural tem cedido espaço para o enfoque na economia local”.

Compreende-se que “as cidades têm que ser recolocadas no espaço rural a

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que pertencem” (DOWBOR, 1998:42). Por isso, fala-se em desenvolvimento

local e não em desenvolvimento rural ou urbano, pois entende-se que um

elemento essencial do desenvolvimento urbano será a reconstrução da relação

cidade-campo.

São vários os fatores que contribuíram e influenciaram o renascer da

idéia de desenvolvimento a partir do local.

As duas últimas décadas do século XX compõem um cenário de

significativas mudanças nas concepções sobre desenvolvimento econômico.

Em meados da década de 80 crescem as preocupações relacionadas à

qualidade de vida e aos problemas ambientais contemporâneos, como a

poluição, a destruição da camada de ozônio, a erosão dos solos e a

dilapidação das florestas e da biodiversidade genética. Em 1987, a Comissão

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento publica Nosso futuro comum,

o famoso Relatório Brundtland, lançando à Humanidade um novo desafio: o

“desenvolvimento sustentável”. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, reafirmou a importância do desafio

para os diferentes setores da sociedade (EHLERS, 1996).

O questionamento sobre os efeitos perversos do atual modelo de

desenvolvimento econômico encontra reforço na crítica aos índices

tradicionalmente utilizados para medir o desenvolvimento das sociedades

contemporâneas.

Durante muito tempo, aceitou-se a idéia de que desenvolvimento e

crescimento econômico eram sinônimos. Indicadores quantitativos, utilizados

para medir o crescimento econômico, como o PIB (Produto Interno Bruto), o

PNB (Produto Nacional Bruto) ou a Renda Nacional, eram tomados

diretamente como indicadores de desenvolvimento.

Em 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), com o objetivo de medir a qualidade de vida e o progresso humano,

cria um novo indicador, o IDH6 (Índice de Desenvolvimento Humano). A partir

de então, sua divulgação anual tem gerado impacto sobre a opinião pública e

as instituições acadêmicas, tanto que hoje a comunidade internacional adota o

6 O IDH utiliza-se de quatro indicadores: esperança de vida ao nascer; taxa de alfabetização de adultos; taxa combinada de matrícula nos ensinos fundamental, médio e superior; e renda per capita (PNUD, 1996:11).

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IDH como indicador para medir o progresso dos países em matéria de

desenvolvimento (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

DESENVOLVIMENTO - PNUD, 1996).

Outros fatos importantes para a valorização do desenvolvimento a

partir do local foram a crise do Estado de Bem-Estar Social ou Welfare States e

as idéias de descentralização do Estado. Conforme analisa CASTRO (1991),

durante os anos 70, o aguçamento da crise fiscal e do desemprego, aliado ao

surgimento de novos focos de pobreza, explicita uma série de críticas ao

welfare states. Essas críticas convergem pelo menos em relação a um aspecto:

a busca de alternativas para a organização das estruturas de poder e para o

modo de funcionamento do aparato público como forma de se opor ao

estatismo exacerbado e à progressiva burocratização das formas de

sociabilidade cotidianas.

É nesse quadro que o debate sobre a reestruturação do welfare state acaba situando a temática de descentralização do Estado; da redefinição dos níveis de intervenção governamental; de novas formas de prover políticas públicas, particularmente na área social (CASTRO, 1991:81).

A vertente (neo)liberal que criticava a ingerência do Estado na

economia ganha força com este debate e passa a difundir suas idéias, segundo

as quais

descentralizar significa transferir responsabilidades públicas para o setor privado, segundo a lógica da “eficiência” e do “lucro”, visando restaurar as responsabilidades individuais através da recomposição moral de regras de solidariedade e de obrigação para com o trabalho, dentro do ideário liberal de igualdade de oportunidades (CASTRO, 1991:82).

Entretanto, para as diferentes correntes do pensamento crítico, este

debate tem como principal objetivo a democratização da administração pública.

As propostas de descentralização das políticas sociais, no campo progressista, prevêem a transferência de competências e funções para as esferas regionais e locais implicando maior divisão do poder decisório (CASTRO, 1991:82).

É dentro deste contexto que o local passa a ser valorizado e são as

influências anteriormente pontuadas que justificam que concepções

humanísticas, holísticas e democráticas estejam fortemente vinculadas ao

conceito de desenvolvimento local.

Em relação à administração dos espaços públicos, verificou-se que o

reforço da gestão política local representa

uma importante evolução da democracia representativa, onde se é cidadão uma vez a cada quatro anos, para uma democracia participativa, onde grande

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parte das opções concretas relacionadas com as condições de vida e a organização do nosso cotidiano passam a ser geridas pelos próprios cidadãos (DOWBOR, 1998:42)

Vale ressaltar, portanto, que se as medidas de descentralização

político-administrativa são elementos importantes no processo de

descentralização do Estado, não são absolutamente suficientes para que

signifiquem democratização do Estado. Esta pressupõe a participação ativa da

população nas decisões da coisa pública e muitos são os desafios de um

processo genuinamente participativo.

A descentralização é uma forma de superação da ineficiência do

gigantismo burocrático, é uma das soluções político-institucionais. Outra

solução é a participação e incorporação de atores na arena decisória, para

assegurar maior “transparência” e democratização no processo de formulação

e execução das políticas de governo (CASTRO, 1991).

Conforme afirma ANDRADE (1996:19), “o sentido democratizante da

descentralização certamente está relacionado à existência da participação da

sociedade nas decisões governamentais”.

Não se pode ignorar aqui a complexidade do termo “participação”. Em

absoluto ele é um conceito fixo, único, auto-explicativo. Tanto é que existe uma

vasta literatura a respeito do conceito em si e dos níveis de participação.

Muitas buscam, através da definição de tipologias7, revelar a complexidade do

termo. No entanto, na sua maioria, são de caráter classificatório, em que os

níveis são ordenados de forma crescente segundo o grau de influência

atribuído à população.

Para os objetivos da discussão que se seguirá, interessa, no entanto,

mais do que desenvolver uma classificação, discutir os condicionantes de um

processo que possa promover, no indivíduo, a vontade de participar.

Algumas correntes de pensamento sugerem que este seja o caminho

da aprendizagem do processo democrático. Segundo SILVA (1997:22),

É o processo pedagógico (de aprendizado do processo democrático) que possibilita a superação dos entraves da democracia representativa, principalmente o limite da apatia/alienação política dos cidadãos no contexto de excessiva distância entre governo e sociedade.

7 GUIJT (1999) faz uma análise crítica sobre a validade e as limitações destas tipologias.

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Pesquisa realizada por PUTNAM (1996) vem reforçar a idéia de que a

postura do indivíduo diante da realidade é fator determinante de uma

sociedade democrática. Entre os anos 70 e 90, o pesquisador e seus

colaboradores desenvolveram uma longa pesquisa sobre a democracia italiana,

através de um estudo comparativo entre o norte e o sul daquele país. A

pesquisa indica que “o principal fator que explica o bom desempenho de um

governo é certamente até que ponto a vida social e política de uma região se

aproxima do ideal da comunidade cívica” (PUTNAM, 1996:132). Como

características desta “comunidade cívica”, o autor aponta a cooperação, a

confiança, a reciprocidade, o civismo e a noção de bem-estar coletivo, valores

individuais e coletivos.

A pesquisa constata, ainda, que “o contexto social e a história

condicionam profundamente o desempenho das instituições” (PUTNAM,

1996:191). Porém, conclui que “a consciência que cada um tem de seu papel e

de seus deveres como cidadão, aliada ao compromisso com a igualdade

política, constitui o cimento cultural da comunidade cívica” (PUTNAM,

1996:192).

Esta constatação realça a importância das posturas pessoais no

desenvolvimento de uma sociedade democrática, reforçando a idéia de que

processos que estimulam a “tomada de consciência” do papel do indivíduo na

realidade possam contribuir para a democratização das sociedades.

1.2. Especificidades do desafio na sociedade brasileira

O atual processo de democratização vivido pela sociedade brasileira

inicia-se com a “abertura política” em 1979, depois de um longo período de

vigência do regime militar.

WEFFORT (1992:11) situa o Brasil, ao lado de outros países da

América Latina, como Argentina, Guatemala e Peru, como uma “nova

democracia”, onde a transição de um regime autoritário “levou a uma mistura

das instituições democráticas com importantes heranças de um passado

autoritário recente”.

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47

No período da ditadura, a tendência generalizada8, em relação à

formulação dos instrumentos de política econômica, foi no sentido de reforçar o

processo de centralização do Estado. Essa opção decorreu de vários fatores

ligados à lógica política da Revolução de 1964: a falta de tradição da

burocracia estatal em elaborar e conduzir políticas macroeconômicas; a

necessidade de tirar a economia do País da estagnação no prazo mais curto

possível; a escassez de recursos humanos experientes no trato daquelas

políticas; e finalmente a impossibilidade de os conflitos entre os objetivos e as

metas das diferentes políticas propostas serem resolvidos na disputa aberta

entre grupos sociais ou regiões, sob pena de ser ameaçada a consolidação do

novo regime político. Estas condições exigiram a formação de quadros técnicos

com poder para definir as condições da “estabilidade” do sistema econômico a

longo prazo (HADDAD, 1980). Os planejamentos eram e, em parte ainda são,

centralizados através da formulação de políticas nacionais, a exemplo dos

grandes projetos de desenvolvimento (PINTO, 1981a).

Ainda na primeira metade da década de 80 surgem algumas iniciativas

de democratização no âmbito das administrações municipais. O livro

organizado por HERMMAN NETO (1984) e editado pela Câmara de Deputados

relata experiências de 22 municípios, onde destacam-se três experiências

históricas de Piracicaba-SP, Boa Esperança-ES e Lages-SC, esta última

também sistematizada por ALVES (1982). Ainda sob vigência da Constituição

de 1969, que centralizou recursos tributários e concentrou poder na esfera

federal (RICHA, 1984), mas dentro de um contexto de luta democrática e

embaladas pela convicção de que é pelo município que a cidadania se exercita

em sua plenitude, algumas administrações municipais apostaram nas decisões

da maioria da população enquanto caminho para que as ações da

administração pública viessem a atender anseios mais amplos e não apenas

de grupos ou classes (HERMMAN NETO, 1984).

Estas experiências municipais davam a demonstração clara de que a sociedade brasileira, emergente nesse mesmo processo revolucionário, estava

8 Registram-se iniciativas, que, mesmo dentro do contexto de centralização do Estado, procuraram incorporar a participação popular no planejamento das ações. Trata-se, principalmente, dos Programas de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRIs), política promovida pelo Banco Mundial no contexto do I e II Plano Nacional de Desenvolvimento, na década de 70 (ROTHMAN, 1987).

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48

criando uma nova forma de fazer a política, um novo meio de operar, de maneira organizada, no âmbito da mesma sociedade autoritária (RODRIGUES, 1984:45).

Esta foi uma das faces da frente municipalista que conseguiu, com

outros segmentos da sociedade brasileira e em um momento político mundial

de valorização da democracia, impingir mudanças na relação entre as três

instâncias do Estado brasileiro na Constituição Federal de 1988.

OAKLEY e MARSDEN (1982) observam que, nos anos 80, no contexto

de poucos resultados alcançados pelas políticas e pelos programas norteados

pela estratégia de desenvolvimento em vigor até então, parece ter havido um

consenso internacional a respeito da importância da participação do público-

alvo para conseguir a redistribuição dos benefícios do desenvolvimento.

PINTO (1987:79) observa que, a partir de 75, começaram a surgir,

primeiro timidamente, depois de uma forma muito presente, as palavras

participação e planejamento participativo no âmbito do Governo Federal

brasileiro. Este discurso foi se generalizando no Ministério da Educação, do

Interior, da Saúde, etc. “Isso abre um espaço, pelo menos um espaço de

legitimação, ao nível do discurso, para práticas participativas”.

Dentro deste contexto e influenciados por uma concepção mundial

dominante que valoriza a democracia e a instituição do Estado mínimo como

indicadores de modernidade, os constituintes brasileiros escreveram uma

Constituição que reafirma o caráter de Federação do País e estabelece um

pacto, o Pacto Federativo, fundamentado ideologicamente na descentralização

de responsabilidades e recursos.

Conforme observa CACCIA-BAVA (1998:81):

A participação popular na administração pública, pelo menos no discurso, tornou-se hegemônica na cultura política brasileira recente, ou seja, deixou de ser apanágio dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais e passou a ser incluída nas propostas de governos e no planejamento estratégico das cidades, independente da orientação ideológica dos gestores.

No entanto, é a partir desta Constituição que um novo caminho repleto

de desafios começa a surgir: o da tradução de medidas de descentralização

político-administrativa do Estado em processos de democratização. Ao

município, confere-se maior autonomia política e financeira, abrindo espaço

para sua maior intervenção no campo econômico e, neste contexto, o

planejamento municipal participativo volta a ganhar importância.

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49

A Constituição Federal de 1988 inaugura um processo de

descentralização do Estado brasileiro, que acontece principalmente através de

uma reforma na política fiscal. Institui-se o Fundo de Participação dos

Municípios (FPM) e transferem-se, a esta instância, políticas que

tradicionalmente eram coordenadas e, ou, executadas pelos governos

estaduais e federal. Além deste repasse e da arrecadação própria, os

municípios passaram a receber parcelas de recursos do ICMS9, do ITR10, dos

Fundos de Saúde, da Assistência Social e Educação e, mais recentemente, do

PRONAF (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar), dentre outros

como royalties etc. (DESER11, 1997).

O município ganha destaque na nova Carta que concede alguns avanços no sentido de maior autonomia municipal, devido a maior eqüidade na distribuição dos recursos tributários entre as três esferas de poder, um certo incentivo ao planejamento, através da prerrogativa da elaboração da Lei Orgânica, da obrigatoriedade do Plano Diretor para municípios com população superior a 20.000 habitantes e do Orçamento Plurianual de Investimentos, além do incentivo a descentralização de alguns serviços públicos, tais como: saúde, assistência e educação (ANDRADE, 1996:4).

A nova Constituição abriu espaço para a participação popular ao

introduzir, no seu Artigo 29, tanto a “iniciativa popular de projetos de lei de

interesse específico do município, da cidade ou de bairros, através de

manifestação de pelo menos cinco por cento do eleitorado”, quanto a

“cooperação das associações representativas no planejamento municipal”. Este

último mecanismo vem sendo pelo menos parcialmente garantido, através da

exigência de planos diretores e, ou, da vinculação de transferências

orçamentárias à elaboração de planos municipais que devem ser formulados

no âmbito de Conselhos, constituídos por representantes da sociedade civil e

do Estado, a exemplo dos Conselhos de Desenvolvimento Rural.

Do ponto de vista constitucional, o município é considerado como

esfera autônoma entre as que compõem a federação (Arts. 10, 18 e 28), e

confere-se a ele plena autonomia político-administrativa, desde que a

Constituição Federal não seja “ferida”. Do ponto de vista tributário, foram

atribuídos novos recursos aos estados e municípios e instituídas formas de

9 Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.

10

Imposto Territorial Rural. 11

DESER – Departamento Sindical de Estudos Rurais

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transferências mais automáticas (Arts. 158, 153 e 34). Do ponto de vista das

políticas públicas, amplia-se a competência legislativa do município e a ele são

atribuídas novas responsabilidades (CASTRO, 1991).

Na prática, foram repassadas aos municípios mais as

responsabilidades do que os recursos necessários para desenvolvê-las. A

criação, via medida provisória do Governo Federal, do Fundo de Estabilização

Fiscal (FEF), retirou boa parte dos recursos, que, por lei, deveriam ser

destinados aos municípios, criando limitações concretas para a realização do

que foi idealizado na Constituição Federal.

Outras limitações advêm dos princípios que orientam as

administrações municipais, que, de forma geral, são fortemente influenciadas

por uma lógica clientelista e altamente subordinada aos interesses das

oligarquias locais. Além disso, até as mudanças inauguradas pela nova

Constituição, o papel dos governos municipais era extremamente limitado.

Suas responsabilidades relacionavam-se a pequenas obras de infra-estrutura,

como a conservação de ruas, estradas e praças. Pouco discutia-se sobre o

papel dos governos municipais na implementação de políticas de

desenvolvimento econômico e social. Estas praticamente restringiam-se a

incentivos para a instalação de indústrias (DESER, 1997).

Embora as organizações sociais no Brasil sejam numerosas e

atuantes, registra-se, até por ausência de oportunidade, a falta de experiência

de participação e discussão sobre políticas nos municípios (DESER, 1997). A

atual conjuntura impõe, portanto, novos desafios também a estas organizações

que

precisam superar um discurso exclusivamente reivindicatório, evoluindo para o estabelecimento de relações de parceria com outros agentes no processo de planejamento, sendo capazes de elaborar e negociar projetos (SABOURIN, 1996:113).

1.3. O problema de pesquisa e sua importância

A atual conjuntura política brasileira, onde destaca-se o processo de

descentralização do Estado, inaugurado pela Constituição de 1988, aponta

para a intensificação das oportunidades de este processo levar a um outro: o

da democratização dos espaços públicos, particularmente, os municipais. O

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51

diferencial entre estes dois processos dá-se através da participação da

sociedade nas definições de interesse público.

Compreende-se que um processo de reflexão coletiva possa contribuir

para a democratização dos espaços públicos através de um estímulo à

“tomada de consciência” do papel do indivíduo na realidade vivida.

As metodologias de pesquisa participativa mostram-se caminhos

importantes para o enfrentamento deste desafio, na medida em que procuram

desenvolver métodos e procedimentos que estimulem a ação humana sobre a

realidade a partir de um processo de reflexão coletiva. São diversos os

métodos12 desenvolvidos sob esta concepção, muitos deles num contexto

político de oposição aos regimes totalitários da América Latina, dos anos 60 e

70.

Já na década de 90 ocorre uma nova (e rápida) expansão de novos

métodos e enfoques participativos13 no contexto do desenvolvimento

sustentável. Estes delinearam-se sob influência de várias concepções que

colocam a participação, a pesquisa-ação e a educação de adultos na

vanguarda das tentativas de emancipação da população excluída (CORWALL

et al., 1993). No entanto, esta rápida irradiação das também chamadas

“metodologias participativas” parece estar sendo orientada,

predominantemente, por uma razão instrumental, ou seja, pela atração

12

PINTO (1986) enumera e dá algumas indicações sobre pesquisa-ação, pesquisa militante, auto-investigação, levantamento participativo, auto-diagnóstico, auto-avaliação e levantamento consciente.

13

VALAREZO (1995) apresenta uma listagem de 32 enfoques desenvolvidos desde a década de 70. São eles: AEA – Agroecosystems Analysis; BA – Beneficiary Assessment; DELTA – Development Education Leadership Teams; D&D – Diagnosis and Design; DRP – Diagnóstico Rural Participativo; DRPP – Diagnóstico Rural Participativo y Planeamiento; DRR – Diagnóstico Rural Rápido; GRAAP – Groupe de recherche et d‟appui pour l‟autopromotion paysanne; IAP – Investigación Acción Participativa; IESA – Investigación y Extensión en Sistemas Agrícolas; IPA – Investigación Participativa Agrícola; MARP – Méthode Accéléré de Recherche Participative; PALM – Participatory Analysis and Learning Methods; PD – Process Documentation; PRM – Participatory Research Methods; PTD – Participatory Technology Development; RA – Rapid Appraisal; RAAKS – Rapid Assessment of Agricultural Knowledge Systems; RAP – Rapid Assessment Procedure; RAT – Rapid Assessment Techniques; RCA – Rapid Catchment Analysis; REA – Rapid Ethnographic Assessment; RFSA – Rapid Food Security Assessment; RMA – Rapid Multi-perspective Appraisal; ROA – Rapid Organizational Assessment; SB – Samuhik Brahman (Joint trek); TD – Teatro para el Desarrollo; TFD – Training for Transformation; PAC – Planeamiento Andino Comunitario; ERP – Evaluación Rural Participativa; RRSA – Rapid Rural Systems Appraisal; e RCC – Manual de Revitalización Cultural Comunitaria.

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exercida pelas técnicas14 mais do que pela abordagem participativa em si

(PETERSEN, 1999).

Diante desta preocupação, torna-se importante o desenvolvimento de

estudos que discutam potencialidades e limitações destes métodos, resgatando

e analisando os condicionantes de um processo participativo de reflexão

coletiva.

O Diagnóstico Rural Participativo (DRP) é um método de diagnóstico e

planejamento com enfoque participativo, que, nas últimas décadas, tem

despertado grande interesse. Em torno dele existem muitas expectativas e

também uma grande variabilidade no seu uso, característica própria de um

método que vem sendo construído a partir da prática e da reflexão. Torna-se

importante, portanto, discutir suas potencialidades e limitações. Pergunta-se:

pode o DRP estimular um processo de reflexão coletiva? Por quê? Como? Em

que condições?

A hipótese que norteia a presente pesquisa é a de que um processo

fundamentado na reflexão coletiva é capaz de estimular o indivíduo a tomar

uma postura ativa frente a sua realidade, participando e interferindo nas

decisões de interesse coletivo, elemento básico de um processo democrático.

FREIRE (1983) relata que uma ação que tem por objetivo

problematizar o homem em suas relações com o mundo e com os próprios

homens, no sentido de possibilitar que estes aprofundem sua tomada de

consciência da realidade em que e com que estão, é um esforço de educação

popular.

Portanto, recorre-se à teoria do conhecimento e à filosofia da educação

propostas por este educador brasileiro, de renome internacional, para analisar

as potencialidades e as limitações do DRP. Em síntese, procura-se identificar e

discutir os elementos da proposição metodológica de Paulo Freire presentes no

DRP.

14

KAPLAN (1975) entende por técnicas “os procedimentos específicos utilizados por uma dada ciência ou utilizados em contextos particulares das pesquisas próprias desta ciência”.

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53

1.4. Objetivos

Geral

Analisar e discutir as potencialidades e as limitações do uso do DRP

em processos de desenvolvimento local.

Específicos

Descrever uma prática de aplicação do DRP para a elaboração de um Plano

de Desenvolvimento Rural.

Pesquisar e analisar a percepção dos envolvidos na prática estudada.

Resgatar as origens e os fundamentos das metodologias de pesquisa

participativa.

Traçar um paralelo entre os elementos do processo de reflexão-ação

proposto pelo método Paulo Freire e o DRP.

Identificar e analisar os elementos do DRP que favorecem o

desenvolvimento de um processo de reflexão coletiva.

Discutir os condicionantes evidenciados pelas análises anteriores,

apontando potencialidades e limitações.

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54

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Origens e fundamentos do Diagnóstico Rural Participativo (DRP)

O desenvolvimento de métodos de diagnósticos rurais participativos

iniciou-se ao longo da década de 70, em torno de uma abordagem conhecida

como Diagnóstico Rápido de Sistemas Rurais (DRSR).

Segundo CONWAY (1993:15)

o DRSR pode ser definido uma atividade sistêmica, mas semi-estruturada, conduzida ao campo por uma equipe multidisciplinar, e planejada para obter, rapidamente, novas informações e hipóteses sobre a vida rural (CONWAY, 1993:15).

Esta abordagem tem como berço as Ciências Agrárias, e seu desenvolvimento foi estimulado por uma necessidade, sentida por alguns profissionais das áreas de pesquisa e extensão, de melhorar sua

compreensão a respeito da realidade vivida pela população rural. Imaginavam que, assim, poderiam planejar melhor suas intervenções na área da geração de tecnologias e da formulação de projetos de desenvolvimento (CONWAY, 1993).

Chambers, citado por CONWAY (1993), enumera alguns princípios que orientaram o desenvolvimento desta abordagem. São eles:

Otimização do processo de conhecimento ao se procurar estabelecer

equilíbrio entre os custos da aprendizagem e a utilidade da informação. Isso

inclui os princípios da ignorância ótima – ignorar o que não é necessário

saber - e os da imprecisão adequada - não medir nada com mais precisão

do que a necessária.

Valorização do diálogo, procurando estabelecer um ambiente tranqüilo e

sem pressa. Isto significa que o pesquisador deve procurar ouvir em vez de

fazer discursos, investigar mais profundamente em vez de passar para o

próximo tópico e não ser imponente ao tentar parecer importante. Devem-se

buscar as opiniões e preocupações das pessoas do lugar.

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55

Triangulações das informações, o que significa usar mais que um e, muitas

vezes, três métodos ou fontes de informação diferentes, a fim de checá-la,

mantendo uma postura investigativa.

Valorização do aprendizado com a população rural, diretamente no local e

face a face, procurando obter ganhos com o conhecimento físico, técnico e

social autóctone.

Aprendizado rápido e progressivo, através da exploração consciente, do uso

flexível dos métodos, do senso de oportunidade, da improvisação, da

repetição e do cruzamento de dados. Torna-se mais importante realizar o

processo de aprendizagem adaptando-se às situações do que seguir um

programa predeterminado.

Para que seja possível avançar na compreensão da origem e dos fundamentos de um dos métodos desenvolvidos em torno destes princípios – o DRP, faz-se necessária uma breve passagem pela história

recente das Ciências Agrárias.

Desde a crise da Revolução Verde, no final dos anos 60, atores sociais

e profissionais das Ciências Agrárias passaram a rever seus objetivos e

procedimentos15 e a procurar novos métodos de trabalho. Este é um fato

público e alguns de seus sinais encontram-se, hoje, expressos nos documentos

oficiais de empresas públicas brasileiras, como a EMBRAPA (Empresa

Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a EMATER (Empresa de Assistência

Técnica e Extensão Rural), várias Secretarias de Estado (municipais, estaduais

ou federal) e alguns Ministérios Públicos, como o da Agricultura e Meio

Ambiente.

Na década de 70, a busca por um processo de pesquisa e extensão

rural mais eficiente, democrático e participativo, gerou a concepção de uma

metodologia amplamente difundida no meio agronômico, conhecida como

FSR/E (Farming System Research and Extension), desenvolvida pela CGIARs

(International Agriculture Research Centers) e por uma variedade de

instituições agrícolas afins (MOLNAR, 1989).

O FSR/E, ou Pesquisa e Extensão em Sistemas Agrícolas (PESA),

nasce de uma crítica ao modelo dominante de transferência de tecnologia no

mundo das Ciências Agrárias.

15

Este processo é detalhadamente descrito e comentado no livro “Agricultura Sustentável: Origens e perspectivas de um novo paradigma”, de Eduardo Ehlers.

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56

A pretexto de minorar os problemas da fome e da pobreza no campo, a

ênfase dada pelos países industrializados na procura por crescentes produções

agrícolas foi transferida para os países em desenvolvimento, sem considerar

suas condições ecológicas e socioeconômicas. Deste modo, o modelo de

transferência de tecnologias e suas técnicas de desenvolvimento agrícola não

levaram em consideração as necessidades e o potencial dos camponeses

locais (ALTIERI, 1989).

No Brasil, pacotes tecnológicos gerados em condições ambientais e

econômicas bastante diferentes das do País foram transferidos e difundidos

com o apoio dos sistemas oficiais de pesquisa e extensão. Muitas vezes, foram

subsidiados através de políticas de crédito que vinculavam o financiamento à

utilização das tecnologias importadas. No momento em que estes recursos

públicos faltaram, revelou-se a insustentabilidade econômica e ambiental dos

pacotes tecnológicos.

Segundo ALTIERI (1989), a nova metodologia – o FSR/E – busca,

inicialmente, a compreensão dos sistemas agrícolas tradicionais. Uma equipe

multidisciplinar reúne informações relevantes sobre determinada área (dados

de materiais publicados e não-publicados), conduz observações de campo e

realiza entrevistas com produtores. De posse destas informações, os

pesquisadores formulam hipóteses sobre a razão de os produtores usarem

determinadas práticas agrícolas.

A interpretação destas informações permite aos pesquisadores

planejarem experimentos nas áreas dos produtores, sendo selecionado um

grupo para ajudar no planejamento, nos testes e nas avaliações. Os

experimentos são planejados para testar componentes tecnológicos

particulares (como seleção de variedades, métodos de cultivo e de

estabelecimento de culturas, estratégias de adubação e manejo de pragas)

dentro das práticas comuns dos produtores (ALTIERI, 1989). Trata-se, na

maioria das vezes, de experimentos que seguem os mesmos procedimentos

metodológicos daqueles utilizados nos campos experimentais, porém são

realizados nas áreas dos produtores, com o seu acompanhamento.

A grande contribuição do FSR/E para as Ciências Agrárias e também

para o desenvolvimento do DRP é justamente a idéia de que a pesquisa

agrícola pode ser realizada na propriedade rural e que, ao se incorporar a visão

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do produtor a respeito do seu sistema produtivo, pode se garantir maior

eficiência aos resultados de pesquisa. Logo em seguida, este pensamento

incorpora uma visão ainda mais sistêmica, holística e também mais ecológica.

É a fase em que se desenvolvem métodos de pesquisa sistêmica, ou seja,

métodos que buscam a compreensão do todo da propriedade e não dos

produtos ou processos isoladamente.

São vários os autores que participaram desta construção, mas

CONWAY (1993) ficou bastante conhecido por sua proposta metodológica para

análise dos agroecossistemas.

A Análise de Agroecossistemas (AAE) ou análise agroecológica,

apesar de ter semelhança com o FSR/E, difere dele nos seguintes aspectos

(CONWAY, 1993:11):

enfatiza o uso de oficinas de trabalho multidisciplinares combinadas com

técnicas de diagnóstico rápido;

fundamenta-se tanto em conceitos ecológicos quanto socioeconômicos;

reconhece a importância das trocas, no desenvolvimento agrícola, entre

produtividade, estabilidade, sustentabilidade e equanimidade;

é aplicável não só aos sistemas agrícolas como também à análise e ao

desenvolvimento de sistemas mais amplos, em vilarejo, bacia hidrográfica,

região e mesmo na nação.

Os diagramas utilizados pela AAE foram desenvolvidos, em 1978, na

Universidade de Chiang Mai, no norte da Tailândia (CONWAY, 1993). Um

grupo de pesquisadores envolvidos na Pesquisa de Sistemas Agrícolas

constatou que

a análise multidisciplinar envolve mais do que a simples existência de uma equipe de pesquisa ou de desenvolvimento que trabalhe bem em conjunto e que seja sensível às necessidades de uma boa comunicação. A geração de bons insights interdisciplinares requer, também, conceitos organizativos e procedimentos de trabalho relativamente formais, ou seja, semi-estruturados (CONWAY, 1993:3).

Movidos por esta constatação, o referido grupo de pesquisadores

desenvolveu uma série de diagramas com o objetivo de captar a considerável

complexidade do agroecossistema, através de sua representação em torno de

quatro padrões – espaço, tempo, fluxos e relações (CONWAY, 1993).

Vários destes diagramas (ou técnicas) apresentam relação com alguns

conceitos da matemática, especialmente aqueles da teoria de conjuntos.

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58

Segundo LIPSCHUTZ (1973), conjunto é um conceito fundamental em

todos os ramos da matemática. Intuitivamente, trata-se de uma lista, coleção

ou classe de objetos bem definidos. Estes objetos podem ser, por exemplo,

números, pessoas, letras e rios. No caso das técnicas desenvolvidas pela AAE,

os conjuntos são, na sua maioria, formados por pessoas, produtos, fenômenos

físicos e, ou, sociais.

Na matemática, quando os conjuntos são representados por partes do

plano, estas representações chamam-se diagramas. Têm a vantagem intuitiva

da visualização das propriedades. No caso em que se usam somente círculos,

os diagramas são chamados de Euler ou de Venn (CASTRUCCI, 1986).

Estes diagramas “foram introduzidos pela primeira vez por Euler em

Cartas a uma Princesa da Alemanha (1770-1772), para explicar tipos de

proposições de lógica” (CASTRUCCI, 1986:47). LIPSCHUTZ (1973) destaca

que os chamados diagramas de Venn-Euler, ou simplesmente diagramas

Venn, constituem-se num meio simples e instrutivo de ilustrar as relações entre

conjuntos. Utilizado como um instrumento do DRP ou da AAE, o diagrama de

Venn ilustra a relação entre os atores políticos de determinada sociedade, que

são representados por círculos de diferentes tamanhos.

Além desta ferramenta, que traz explícito o nome de Venn, outras

técnicas utilizadas no DRP têm semelhança com alguns conceitos

matemáticos. A matriz comparativa é um tipo de tabela de dupla entrada, que,

por sua vez, é uma forma de representação de produtos cartesianos. E o

diagrama de fluxo assemelha-se ao diagrama da árvore, uma forma de

representação de produtos cartesianos entre mais de dois conjuntos.

Os diagramas, técnicas ou ferramentas16 desenvolvidos pela AAE

constituem-se na sua contribuição mais visível para o desenvolvimento do

DRP. Segundo CONWAY (1989), a elaboração de diagramas tem três

vantagens principais sobre outros instrumentos de levantamento de

informações:

Os questionamentos e as respostas são abertos. Ainda que o tema geral do

diagrama seja predeterminado, os detalhes podem ser, na prática,

16

Todos estes termos são usados como sinônimos.

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59

preenchidos pelos agricultores, valorizando seu conhecimento e suas

percepções.

Os diagramas podem captar informações de forma mais precisa, clara e

sucinta do que se captadas através de palavras. Isso facilita a análise das

informações.

Os diagramas, ao captarem e apresentarem as informações de forma visual,

torna-as passíveis de serem checadas, discutidas e emendadas. Os

agricultores podem facilmente examinar o que foi registrado e qualificar

ainda mais as informações.

Várias destas técnicas de levantamento (e análise) de informações estão presentes em diversos métodos, que se reúnem dentro da abordagem de DRSR. Um deles, que vai ter influência direta sobre o DRP, é o Diagnóstico Rápido Rural (DRR).

Segundo MOLNAR (1989), o mais importante princípio para entender o

DRR é que este não é um método para coletar informações por si, mas um

criativo e estruturado uso de um particular rol de ferramentas para avaliar uma

situação, um tópico, um problema ou um setor.

O DRR nasce de uma análise bem pragmática a respeito do fracasso

dos projetos17 de desenvolvimento em utilizar, de forma satisfatória, os

métodos formais de pesquisa, que, freqüentemente, apresentavam problemas

como longo tempo requerido para produzir resultados; alto custo de

administração; baixos níveis de confiabilidade dos dados devido a erros de

entrevista e da utilização de questionários (erros que independem da

amostragem); e certa irrelevância de muitas das questões de pesquisa para os

próprios propósitos específicos da ação (MOLNAR, 1989).

Com o objetivo de enfrentar estas limitações, o DRR utiliza-se de

ferramentas, muitas delas advindas da AAE, que são: rápidas, o que significa

que os resultados podem ser rapidamente avaliados pelos tomadores de

decisão; ecléticas, pois permitem a utilização de diferentes recursos para a

obtenção das informações necessárias; holísticas, capazes de capturar a

multidisciplinariedade da situação local; e interativas, o que possibilita o

desenvolvimento de um diálogo entre pesquisadores e “clientes”18 do projeto

(MOLNAR, 1989).

17

Refere-se principalmente a projetos da FAO, que estavam sob sua avaliação. Na ocasião, Molnar era consultora da FAO.

18 A autora, em outro momento, explica a utilização do termo “clientes” da seguinte forma: “O

termo “clientes” (clients) é preferível ao termo “beneficiários” (beneficiaries) porque isto

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Originalmente o DRR foi utilizado dentro da seguinte dinâmica: as

equipes de pesquisadores recolhiam e analisavam as informações; a

população local participava da geração dos dados e das discussões acerca dos

resultados obtidos pelos pesquisadores, no entanto, eram excluídos dos

processos de análise das informações (CORWALL et al., 1993).

Entretanto, mais à frente, MOLNAR (1989) constata que algumas

novas aplicações das ferramentas do DRR como parte do planejamento de

ações na comunidade começam a surgir, demostrando o grande potencial,

particularmente das ferramentas interativas, para atingir os objetivos de um

planejamento participativo.

É então que começa a se diferenciar o DRR do DRP, trazendo este

uma forte ênfase na participação da população na análise das informações e

no planejamento das ações.

Conforme relata Irene Guijt19,

é no ano de 1989 que, pela primeira vez, utiliza-se o termo PRA - Participatory Rural Appraisal (sigla do DRP, em inglês), ao mesmo tempo em dois locais diferentes. Um deles nos remete à Índia, mais especificamente ao trabalho de uma ONG (Organização Não Governamental) denominada AKRSP (Aga Khan Rural Support Program). Na ocasião, uma equipe de pesquisadores e extensionistas, entre eles, Jennifer McCracken, do IIED (International Institute for Environment and Development), buscou utilizar as técnicas de DRR (Diagnóstico Rural Rápido) num processo que envolve-se um maior número de pessoas, deixando que elas próprias utilizassem os métodos. Pela primeira vez não foram feitos mapas pelos pesquisadores, mas pelas pessoas da comunidade. O outro registro da utilização do mesmo termo, também em 1989, refere-se a uma experiência de cooperação entre duas universidades, Eggerton University, no Quênia e Clark University, nos Estados Unidos que começaram a ministrar cursos sobre PRA no sentido de permitir que as pessoas fizessem as análises através dos diagramas. Ambas experiências ainda viam o planejamento comunitário como um processo rápido, guardando mais elementos do DRR. Não foram experiências de DRP como um processo profundo e elaborado de planejamento, como compreende-se hoje. A experiência da AKRSP transformou-se numa colaboração de longo prazo com as comunidades, mas, em geral, as experiências do convênio, Eggerton/Clark University ainda são experiências rápidas (de uma semana) e com pouca profundidade.

Existem muitas similitudes entre o DRR e o DRP, o que faz inclusive

com que alguns autores (MOLNAR, 1989) considerem o DRP apenas um tipo

implica relação ativa entre os técnicos do projeto e a população local, em vez de uma relação passiva somente “recebedora” de benefícios” (MOLNAR, 1989:3).

19

Informação obtida em entrevista concedida em setembro de 1999.

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61

de DRR. Eles comungam de princípios semelhantes que, segundo

CHAMBERS e GUIJT (1995:5), são:

Equilíbrio de tendências: de espaço, de pessoas (gênero, posição social), de

formação profissional, entre outras.

Aprendizagem rápida e progressiva: postura flexível, exploratória, interativa

e inventiva.

Inversão de valores: aprender com as pessoas do lugar, extraindo e

utilizando seus critérios e categorias, procurando, entendendo e valorizando

seus conhecimentos.

Ignorância ótima e imprecisão apropriada: não extrair mais informações do

que a necessária e evitar medir quando comparar for suficiente. “Estamos

capacitados para tomar medidas absolutas, porém, em geral, o que se

procura são tendências”.

Triangulação: utilização de diferentes métodos e fontes de informações que,

através de aproximações sucessivas, permitam a verificação da informação.

Aprendizagem direta, com a população local.

Busca da diversidade e valorização das diferenças.

Para CHAMBERS (1994a), as diferenças entre o DRR e o DRP

encontram-se no propósito e no processo. O DRR começou a ser utilizado

como uma ferramenta mais adequada de aprendizagem para os agentes

externos (grifo nosso) e continua a sê-lo. O DRP, em geral, inicia um processo

de “empoderamiento”20 da população local, de forma que possa modificar suas

condições de vida. A intenção do DRP é permitir que a população local

desenvolva sua própria análise sobre a realidade e que este processo seja

seguido de um planejamento e de uma ação coletiva.

Definido como “uma família de enfoques e métodos dirigidos a habilitar

a população rural a compartilhar, aumentar e analisar seu conhecimento sobre

sua vida e condições, para planejar e agir” (CHAMBERS, 1994a:953), o DRP

surgiu no final dos anos 80, como resultado da busca por enfoques práticos e

sistêmicos para a pesquisa e o planejamento no meio rural. Entretanto, sua

20

Tradução, para o espanhol, do termo “empowerment” utilizado pelos americanos. Uma possível tradução para o português seria “reforço do poder”, entretanto, o uso do termo revela também grande similitude com a utilização do termo “conscientização” pelas concepções de Educação Popular.

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concepção aponta também para a idéia de um planejamento descentralizado e

de um processo democrático de tomada de decisões que valorize a diversidade

social, a participação popular e o reforço do poder da comunidade

(CHAMBERS, 1994b).

Percebe-se no DRP forte preocupação com o planejamento e a ação

coletiva, colocando no centro do debate a questão da participação da

população, enquanto condicionante da transformação das condições de vida

desta mesma população.

CHAMBERS (1994a) relata que, no princípio dos anos 80, a direção

metodológica (do DRR) estava marcada por agroecólogos, planejadores de

desenvolvimento e geógrafos. Desde então, têm-se recebido contribuições das

ciências sociais (antropologia, sociologia, psicologia, administração pública

etc.) e da idéia de desenvolvimento comunitário de diversos campos,

especialmente da saúde e da agricultura.

Este fato parece ter contribuído para a intensificação da influência de

outras correntes de pensamento (além do FSR/E e da AAE) em torno das

idéias que construíram e estão construindo o DRP. Pode-se falar no tempo

presente – estão construindo – pois o DRP é, reconhecidamente por aqueles

que se dedicam a estudá-lo, um método em construção (CHAMBERS, 1995;

CORWALL et al., 1993; MEYER, 1997).

Uma delas é a Antropologia Aplicada, que começa a ser reconhecida

nos anos 80 como uma atividade legítima e útil, especialmente por sua

capacidade de ajudar profissionais de desenvolvimento a apreciarem a riqueza

e validade do conhecimento popular (PRETTY et al., 1995)

CHAMBERS (1994a:955) registra a influência da Antropologia Aplicada

em torno de cinco eixos principais:

a idéia da aprendizagem de campo como uma arte flexível em vez de uma

ciência rígida;

o valor da permanência no campo, da observação participante sem pressa e

das conversas;

a importância das atitudes, dos comportamentos e consensos;

a valorização da ética no processo de pesquisa; e

a validade do conhecimento indígena.

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63

Outra corrente de influência sobre o DRP é, segundo CHAMBERS

(1994a), a pesquisa-ação participativa, que possui muito das idéias de Paulo

Freire e das práticas de Educação Popular desenvolvidas na América Latina,

na década de 60. Em relação à influência do pensamento de Paulo Freire,

MEYER (1993:3) observa que:

sua concepção de conscientização, tanto da população rural quanto do pesquisador, a crença na capacidade da própria população analisar sua realidade e construir projetos influenciou muito a filosofia do DRP.

A pesquisa-ação participativa, ou simplesmente pesquisa-ação, pode ser definida como

um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema, estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 1986:14).

PINTO (1986:39) ressalta

o caráter de prática social que tem a metodologia, no qual a produção de conhecimentos, orientada pela teoria, se conjuga a uma prática pedagógica mediante a qual busca-se a transformação, em primeiro lugar, da própria consciência da realidade e, em seguida, da própria realidade dos sujeitos do processo (PINTO, 1986).

A pesquisa-ação nasce de uma crítica à pesquisa convencional em

relação (THIOLLENT, 1986:19):

à participação dos “usuários” da pesquisa. Critica-se o fato de que, para a

pesquisa, o usuário é mero informante e, para a ação, é mero executor;

ao privilégio dado aos aspectos individuais, geralmente captados por

questionários e entrevistas que não permitem que se tenha uma visão

dinâmica da situação; e

à distância entre os resultados de uma pesquisa convencional e as possíveis

decisões ou ações concretas. “Normalmente não há focalização da pesquisa

na dinâmica de transformação desta situação numa outra situação

desejada”.

Em oposição a esta leitura, a pesquisa-ação propõe-se a ser uma

pesquisa para a ação, na qual se conjugam dois objetivos principais

(THIOLLENT, 1986:18):

um objetivo prático, o de contribuir para o melhor equacionamento possível

do problema considerado como central na pesquisa, com o levantamento de

soluções e propostas de ações correspondentes; e

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64

um objetivo de conhecimento, que significa obter informações qualitativas

que seriam de difícil acesso por meio de outros procedimentos, aumentando

o conhecimento sobre os aspectos e fenômenos sociais, como perspectivas,

reivindicações, representações, capacidades de ação ou de mobilização.

PINTO (1986) considera a pesquisa-ação uma modalidade de pesquisa

participativa, também chamada de pesquisa participante por BRANDÃO (1986).

Outras modalidades citadas por PINTO (1986) são: pesquisa militante, auto-

investigação, levantamento participativo, auto-diagnóstico, auto-avaliação e

levantamento consciente.

As concepções de pesquisa participativa nascem, na década de 60, “dentro de um amplo movimento, nas ciências sociais latino-americanas, de reação e recusa ao predomínio esterilizante do

positivismo empiricista na prática das ciências sociais” (PINTO, 1986:27).

Este movimento reuniu pensadores21

que conceberam o processo de pesquisa como uma prática social, portanto politicamente posicionada. Compreenderam eles que o conhecimento gerado através de uma

“prática política, que torna possível e proveitoso o compromisso de grupos populares com grupos de cientistas sociais, deve ser um instrumento a mais no reforço do poder do povo” (BRANDÃO, 1986:10).

A referência ao termo participação, embutido na designação “pesquisa participativa”, traz a idéia de

que é função da pesquisa participar da ação, ou seja, contribuir para o desencadeamento de uma ação transformadora da realidade.

Nas palavras de Carlos Rodrigues Brandão:

A participação não envolve uma atitude do cientista para conhecer melhor a cultura que pesquisa. Ela determina um compromisso que subordina o próprio projeto científico de pesquisa ao projeto político dos grupos populares cuja situação de classe, cultura ou história se quer conhecer porque se quer agir (BRANDÃO, 1986:12).

“A pesquisa participativa tem como perspectiva epistemológica não conceber a verdade como preexistente nos fatos (dados) sociais” (PINTO, 1986:27). Para os que se identificam com esta concepção, a

verdade se constrói a partir de aproximações sucessivas ao objeto pesquisado, que, enquanto objeto social, diferencia-se dos objetos naturais pelo fato de estar, constituído por sujeitos (PINTO, 1986).

Criticam-se as pesquisas nas quais estes sujeitos são vistos como simples objetos de estudo.

Os problemas estudados não são nunca os problemas vividos e sentidos pela população pesquisada. É esta população em si mesma que é percebida e estudada como um problema social do ponto de vista dos que estão no poder (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 1986:19).

Em uma pesquisa tradicional “a população pesquisada é considerada

passiva, enquanto simples reservatório de informações, incapaz de analisar a

sua própria situação e de procurar soluções para seus problemas” (BOTERY,

1984:51).

Os métodos desenvolvidos a partir da abordagem de DRSR partilham

de críticas semelhantes.

21

A exemplo de Orlando Fals-Borda, João Bosco Pinto, Marcela Gajardo, Carlos Rodrigues Brandão, entre outros.

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CONWAY (1993:15), ao analisar as limitações das pesquisas

realizadas com a população rural, observa que “a população local raramente é

consultada e, na melhor das hipóteses, essa consulta se dá através de canais

fixos e formais, por exemplo por meio de questionários elaborados com

questões predeterminadas”.

CHAMBERS e GUIJT (1995:7) afirmam que

um exercício de campo de DRP não tem como fim a simples extração de informações e formação de idéias mas sim a análise e aprendizagem por parte da população local. Trata-se de construir o processo de participação, de debate e comunicação e da resolução de conflitos. Isto significa que o processo cresce e evolui a partir das características específicas do contexto local.

Além destes fundamentos críticos, podem-se perceber similitudes

importantes entre a pesquisa-ação (e de forma geral, as pesquisas

participativas) e o DRP, especialmente no que se refere à idéia de que a

pesquisa deva ser um instrumento gerador de ações ao permitir a mobilização

de conhecimentos com o objetivo de fazer avançar a compreensão coletiva a

respeito da realidade a ser transformada. Também a compreensão de que a

verdade se constrói a partir de aproximações sucessivas encontra-se

relacionada ao princípio do aprendizado progressivo presente na abordagem

de DRSR e herdado pelo DRP.

As diferenças entre DRP e pesquisa-ação, por sua vez, referem-se

principalmente aos instrumentos de pesquisa utilizados.

PINTO (1986:32) observa que quase todas as modalidades de

pesquisa participativa utilizam, como instrumento de levantamento de

informações, o questionário. No entanto, diferentemente das pesquisas

tradicionais, os temas a serem pesquisados e o próprio questionário são

definidos pela comunidade. Os dados também são recolhidos por ela. Os

técnicos ajudam apenas a dar forma aos questionários e a organizar os dados.

“Uma vez tabelados, os dados são discutidos e analisados em conjunto,

tirando-se conclusões compartilhadas e tomando-se decisões com respeito às

ações a serem desenvolvidas”.

Na pesquisa-ação, as principais técnicas22 de levantamento de

informações utilizadas são a entrevista coletiva nos locais de moradia ou de

22

Questionários convencionais também são aplicados, quando o número de pesquisados é grande. Alguns pesquisadores recorrem também a técnicas antropológicas, como a observação participante, os diários de campo e as histórias de vida. Alguns autores

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trabalho e a entrevista individual aplicada de modo aprofundado (THIOLLENT,

1986). Diferentemente disto, o DRP utiliza-se de uma série de técnicas que se

constituem diagramas visuais para a coleta de informações. Através da sua

utilização,

população local e profissionais constroem os diagramas e discutem os resultados. As informações são rapidamente checadas e seqüencialmente construídas. São apropriadas conjuntamente, por todos os presentes (IIED, 1998).

Uma série de técnicas têm sido combinadas em seqüências muito

diversas e com um surpreendente leque de aplicações.

Estas experiências têm mostrado claramente que estes métodos apontam vantagens devido a sua natureza flexível em vez de rígida; visual em vez de verbal; baseados em análises de grupo em vez de individual; e na comparação mais do que na medição (CHAMBERS e GUIJT, 1995:6).

Verifica-se que, nas pesquisas realizadas através de questionários,

mesmo que formulados pela população local, as informações são extraídas ou

transferidas como palavras dos informantes para o questionário, onde se

tornam posse do entrevistador. A informação torna-se privada e de posse do

entrevistador. O contraste com métodos visuais utilizados no DRP não poderia

ser maior. Todos que estão presentes são envolvidos na análise e no diálogo.

População local e profissionais constroem os diagramas e discutem os

resultados. As informações são rapidamente checadas e seqüencialmente

construídas. São apropriadas, conjuntamente, por todos os presentes

(INTERNATIONAL INSTITUTE FOR ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT -

IIED, 1998).

Entrevistas também são utilizadas pelo DRP, mas como um

procedimento semi-estruturado, no qual, em vez de um questionário, utiliza-se

um roteiro de pontos que são investigados no decorrer de um diálogo. Estas

entrevistas podem ser individuais ou coletivas, mas, em geral, não se

constituem no principal instrumento de levantamento utilizado em um DRP. As

técnicas visuais são os principais instrumentos utilizados tanto no levantamento

quanto na análise das informações.

Em síntese, o DRP é fruto da influência de duas grandes correntes de

pensamento: uma advinda das Ciências Sociais, onde localizam-se a

recomendam técnicas de grupo, como o sociodrama, com o qual é possível reproduzir certas situações sociais que vivem os participantes (THIOLLENT, 1986).

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Antropologia Aplicada e as Pesquisas Participativas, em especial a Pesquisa-

ação, e outra advinda das Ciências Agrárias, onde localizam-se o FSR/E, a

AAE e as abordagens de DRSR, em particular o DRR.

As mudanças no enfoque e nos métodos da pesquisa agrícola,

deslocando-a das unidades das empresas de pesquisa para a propriedade

rural e ampliando seu recorte de produtos para agrossistemas, evidenciaram

uma descoberta importante para as Ciências Agrárias: a percepção da

existência de sujeitos, proprietários ou não, que se utilizam dos recursos

naturais conforme suas condições e interesses. Sujeitos estes que estão

imersos em determinada sociedade, numa teia de relações familiares, culturais

e econômicas, onde a agricultura tem importância não apenas técnica, mas

também como uma forma de sobrevivência e fonte de emprego e renda para

uma região. É como se fosse uma descoberta de que a agricultura não é do

técnico, e, sim, da sociedade.

Este “abrir” das Ciências Agrárias tem se expressado através de:

- uma interação cada vez maior entre disciplinas do conhecimento, através da

integração de profissionais da área educacional e sociológica em trabalhos

no meio rural; e

- intervenções articuladas (não apenas no plano técnico) para a promoção do

desenvolvimento, a partir da inserção do técnico na realidade local e da

interação com os agricultores e suas organizações.

Em parte estas mudanças ocorreram a partir de maior interação com o

pensamento crítico das Ciências Sociais, gerando ampla reflexão sobre qual

deveria ser o papel do profissional das “Ciências Agrárias”.

As idéias de Paulo Freire, educador brasileiro de renome universal,

interagem com este debate. Em 1976, ele escreve o livro “Extensão ou

Comunicação”, que foi (e é) amplamente lido pelos profissionais da área. O

autor alerta que o trabalho do agrônomo não se esgota no domínio da técnica,

“pois esta não existe sem os homens e estes não existem fora da história, fora

da realidade que devem transformar” (FREIRE, 1983:49).

Conforme relatado anteriormente, as influências do pensamento de

Paulo Freire também estão presentes na raiz do DRP e, por isso, faz-se

necessário o seu aprofundamento, a fim de completar o referencial de análise

deste trabalho.

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69

2.2. A teoria do conhecimento e a filosofia da educação de Paulo Freire

Segundo GADOTTI (1996), o pensamento de Paulo Freire23, enquanto

uma teoria do conhecimento, deve ser entendido no contexto em que surgiu – o

nordeste brasileiro – onde, no início da década de 60, metade de seus 30

milhões de habitantes eram analfabetos. As primeiras experiências do método

começaram na cidade de Angicos (RN), em 1963, onde 300 trabalhadores

rurais foram alfabetizados em 45 dias.

O método de alfabetização de Paulo Freire nasceu no interior do MCP – Movimento de Cultura Popular – do Recife que, no final da década de 50, criara os chamados círculos de cultura. Segundo o próprio Paulo Freire, os círculos de cultura não tinham uma programação feita a priori. A programação vinha de uma consulta aos grupos que estabeleciam os temas a serem debatidos. Cabia aos educandos tratar a temática que o grupo propunha (...). Os resultados positivos obtidos com este trabalho com grupos populares no MCP levaram Paulo Freire a propor a mesma metodologia para a alfabetização. „Se é possível fazer isso, alcançar esse nível de discussão com grupos populares, independentemente de eles serem ou não alfabetizados, por que não fazer o mesmo numa experiência de alfabetização?‟, perguntava-se Paulo Freire. „Por que não engajar criticamente os alfabetizandos na montagem de seu sistema de sinais gráficos enquanto sujeitos dessa montagem e não enquanto objetos dela?‟. Essa intuição foi muito importante no desenvolvimento posterior da obra de Paulo Freire. Ele descobrira que a forma de trabalhar, o processo do ato de aprender, era determinante em relação ao próprio conteúdo da aprendizagem (...). A participação do sujeito da aprendizagem no processo de construção do conhecimento não é apenas algo mais democrático, mas demonstrou ser também mais eficaz (GADOTTI, 1996:82).

Exilado no Chile, Paulo Freire encontrou um espaço político, social e

educativo muito dinâmico, rico e desafiante, que lhe permitiu reestudar seu

método em outro contexto, avaliá-lo na prática e sistematizá-lo teoricamente

(GADOTTI, 1996).

O pensamento de Freire pode ser dividido em duas fases distintas e

complementares: o Paulo Freire latino-americano das décadas de 60 e 70,

autor da Pedagogia do Oprimido, e o Paulo Freire cidadão do mundo, das

décadas de 80 e 90, dos livros dialogados, da sua experiência pelo mundo e de

sua atuação como administrador público em São Paulo. Seu pensamento não

se limita à teoria educacional, é transdisciplinar e universal (GADOTTI, 1996).

A universalidade de sua obra decorre dessa aliança teoria-prática. Daí ser um pensamento vigoroso. Paulo Freire não pensa pensamentos. Pensa a realidade e a ação sobre ela. Trabalha teoricamente a partir dela. É metodologicamente um pensamento sempre atual (...) (GADOTTI, 1996:77).

23

O Apêndice E traz um resumo da vida e obra de Paulo Freire.

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As principais teses da teoria do conhecimento e da filosofia da

educação desenvolvidas por Paulo Freire são (GADOTTI, 1996):

A educação é ao mesmo tempo um ato político, um ato de conhecimento

e um ato criador.

Paulo Freire busca nas ciências (sociais e naturais), elementos para, compreendendo mais cientificamente a realidade, poder intervir de forma mais eficaz nela (GADOTTI, 1996:80).

A relação pedagógica entre educador-educando é uma relação dialógica.

Isso significa que aquele que educa está aprendendo também. (...) A educação torna-se um processo de formação mútua e permanente (GADOTTI, 1996:80).

A finalidade, o objetivo maior da educação é a libertação do ser humano.

A educação visa à libertação, à transformação radical da realidade, para melhorá-la, para torná-la mais humana, para permitir que os homens e as mulheres sejam reconhecidos como sujeitos da sua história e não como objetos (GADOTTI, 1996:80).

Em termos metodológicos, ele compreende que o processo educativo

desenvolve-se em torno de três momentos, dialética e interdisciplinarmente

entrelaçados: a investigação temática, pela qual aluno e professor buscam, no

universo vocabular do aluno e da sociedade onde ele vive, as palavras e os

temas centrais de sua biografia; a tematização, pela qual eles codificam e

decodificam esses temas, buscando o seu significado social, tomando assim

consciência do mundo vivido; e a problematização, na qual eles buscam

superar uma primeira visão mágica por uma visão crítica, partindo para a

transformação do contexto vivido (GADOTTI, 1996).

Existem várias possibilidades de leitura do pensamento de Paulo

Freire, mas “todas elas se encontram numa concepção filosófica e

metodológica particular do autor” (GADOTTI, 1996:78). O texto que se segue

busca destacar alguns dos elementos centrais desta concepção, a partir de sua

estruturação em torno dos três momentos identificados anteriormente:

a) a investigação temática

Paulo Freire compreende que o conteúdo programático, seja da

alfabetização ou da prática política, deve sempre partir da situação presente,

existencial, concreta. Isso porque, ao se propor às pessoas esta situação como

problema, ela, por sua vez, o desafia “e, assim, lhe exige resposta, não só no

nível intelectual, mas no nível da ação” (FREIRE, 1987:86). Porém, quais

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aspectos desta realidade devem compor o conteúdo programático? Paulo

Freire introduz a idéia de universo temático, temática significativa ou, ainda,

temas geradores que devem ser identificados pelo educador e educando, a

partir de um processo de investigação. No livro “Pedagogia do Oprimido”, ele

discorre longamente sobre esta fase de investigação da temática significativa,

que, conforme aponta, deve guardar as características do processo educativo

que se seguirá.

Para o autor, o diálogo entre educador e educando começa na busca

deste conteúdo programático. A dialogicidade começa antes do encontro entre

o educador-educando e os educando-educadores em uma situação

pedagógica. Começa quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar

com estes (FREIRE, 1987).

Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada (FREIRE, 1987:83).

Esta proposição refere-se tanto à alfabetização de adultos quanto à

prática política. Como friza FREIRE (1987:102), “se, na etapa da alfabetização,

a educação problematizadora e da comunicação busca e investiga a „palavra

geradora‟, na pós-alfabetização busca e investiga o tema gerador” para que, a

partir dele, ocorra o segundo momento do processo educativo: a tematização.

b) a tematização

Paulo Freire entende que a realidade é funcionalmente domesticadora.

Para que o indivíduo liberte-se desta força domesticadora, faz-se necessária a

sua imersão nela e a sua volta sobre ela. É por isso que só através da práxis

autêntica, sendo ação e reflexão, é possível fazê-lo (FREIRE, 1987).

A reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática. Por outro lado, se o

momento já é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber dela

resultante se faz objeto da reflexão crítica” E acrescenta: “A não ser assim, a

ação é puro ativismo (FREIRE, 1987:52).

Portanto, “a práxis é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para

transformá-lo” (FREIRE, 1987:38).

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A tematização é o esforço de propor aos indivíduos dimensões

significativas de sua realidade, cuja reflexão e análise crítica lhes possibilita

reconhecer a interação de suas partes como dimensões da totalidade

(FREIRE, 1987). Isto é alcançado através de um processo de codificação e

decodificação da situação existencial que implica uma ida das partes ao todo e

uma volta deste às partes.

Em face de uma situação existencial codificada (situação desenhada ou fotografada que remete, por abstração, ao concreto da realidade existencial), a tendência dos indivíduos é realizar uma espécie de „cisão‟ na situação que se lhes apresenta.(...) A cisão da situação figurada possibilita descobrir a interação entre as partes do todo cindido (FREIRE, 1987:97).

Tematizar é, no pensamento de Freire e de seus seguidores, um ato de

admiração, um ato de “ad-mirar”, no sentido de “mirar de longe”, abstrair.

As codificações são representações, são objetos que mediatizam os

sujeitos decodificadores. Segundo FREIRE (1987:108), “as codificações devem

representar situações conhecidas pelos indivíduos”. Concretamente, são

“ajudas visuais” como um desenho, uma foto, uma gravura, ou qualquer outro

elemento visual que esteja relacionado à temática escolhida. A codificação é

um recurso visual concreto, mas ela pode se tornar muito mais que isto num

processo educativo libertador, como propõem as concepções de educação

popular: “A codificação é um objeto de conhecimento que, mediatizando

educador e educandos, se dá a seu desvelamento”. (grifo nosso)

Referindo-se, mais especificamente (mas não apenas) a um processo

de alfabetização, FREIRE (1977:27) exemplifica:

Representando um aspecto da realidade concreta dos camponeses, a codificação tem escrita em si a palavra geradora a ela referida (referida à realidade) ou a algum de seus elementos. Ao decodificarem a codificação, com a participação do educador, os camponeses analisam sua realidade e expressam, em seu discurso, os níveis de percepção de si mesmos (grifo nosso) em suas relações com a objetividade (FREIRE, 1977:27).

A decodificação, portanto, é um processo de análise crítica da

realidade vivida através do seu “distanciamento”. Esta análise é um exercício

de abstração, através do qual, por meio de representações da realidade

concreta, procura-se desvelar a razão de ser dos fatos (FREIRE, 1977). É,

também, um processo de auto-análise, como alerta FREIRE (1987:99):

É preciso que nos convençamos de que as aspirações, os motivos, as

finalidades que se encontram implicitados na temática significativa são

aspirações, finalidades, motivos humanos. Por isso, não estão aí, num certo

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espaço, como coisas petrificadas, mas estão sendo. São tão históricos quanto

os homens. Não podem ser captados fora deles, insistamos. Captá-los e

entendê-los é entender os homens que os encarnam e a realidade a eles

referida. Mas, precisamente porque não é possível entendê-los fora dos

homens, é preciso que estes também os entendam. A investigação temática se

faz assim, um esforço comum de consciência da realidade e de

autoconsciência, que a inscreve como ponto de partida do processo educativo,

ou da ação cultural de caráter libertador.

É, portanto, através do desenvolvimento desta “autoconsciência”,

presente nas diferentes etapas do processo educativo, que ocorre “um

reconhecimento do sujeito no objeto (a situação existencial concreta) e do

objeto como situação em que está o sujeito” (FREIRE, 1987:97). Em outras

palavras, ocorre a percepção de que o sujeito faz parte da realidade e a

realidade é o reflexo das ações dos sujeitos, passível, portanto, de

transformações, também a partir de suas ações. A concretização desta

percepção é a realização da prática e da práxis.

No entanto, a tematização ocorre sempre num ambiente coletivo de

educação, onde estão presentes os sujeitos desta ação. Aqui situam-se

algumas outras importantes discussões levantadas por Paulo Freire em torno

da relação educador-educando ou, como ele, também usa liderança-massas.

De imediato ele compreende que:

as duas situações são situações de “aprendizagem”. Para FREIRE

(1987:56), educador e educando encontram-se numa tarefa em que ambos

são sujeitos no ato “não só de desvelar a realidade e, assim, criticamente

conhecê-la”, mas também no ato de recriar este conhecimento e esta

realidade, através da reflexão e da ação comum. Por este motivo, o autor,

em vários momentos, utiliza-se das expressões educador-educando e

educando-educador. E explica:

A razão de ser da educação libertadora está no seu impulso inicial conciliador. Daí que tal forma de educação implique na superação da contradição educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos, simultaneamente, educadores e educandos (FREIRE, 1987:59).

ao educador (ou à liderança) cabe uma reflexão que critique a compreensão

culturalmente construída de que seu papel social seria levar ao educando

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uma mensagem “salvadora”, em forma de conteúdo a ser depositado, e

vislumbre o desejo e a possibilidade de

em diálogo, conhecer, não só a objetividade em que estão, mas a consciência que tenham desta objetividade; os vários níveis de percepção de si mesmos e do mundo em que e com que estão (FREIRE, 1987:86).

o coletivo é o ambiente do aprendizado. Paulo Freire chega a dizer que

sozinho ninguém se educa. Certamente, não discordaria que a meditação é

uma forma de aprendizagem, mas o que ele quer chamar a atenção é para o

papel do reconhecimento coletivo. Para ele, a transformação do indivíduo

dá-se no reconhecimento de uma situação existencial, que é coletiva.

Para que aconteça a participação do indivíduo diante da realidade

vivida, é necessário, portanto, um processo de conquista, individual e coletiva,

por parte tanto dos educandos quanto dos educadores24.

FREIRE (1987) ressalta que o mero reconhecimento de uma realidade

que não leve a uma inserção (ação já) não conduz a nenhuma transformação

da realidade objetiva, precisamente porque o processo de análise crítica da

realidade não ocorre. O grande diferencial apontado por ele encontra-se no

grau de problematização que o indivíduo e o grupo são capazes de vivenciar,

nosso terceiro elemento de discussão, porque é através da problematização de

uma realidade vivida que se torna possível imaginá-la diferente, construída,

planejada. Torna-se possível, nas palavras de Freire, desvendar o “inédito

viável”, ou seja, aquilo que ainda não existe – é inédito, mas se torna possível

(viável), inicialmente, na imaginação do indivíduo.

c) a problematização

Paulo Freire compreende que a problematização de uma realidade

vivida traz a percepção das razões (grifo nosso), que torna aquela situação

realidade. Esta “tomada de consciência” é o objetivo final do processo de

problematização. A conscientização possibilita ao indivíduo inserir-se no

processo histórico como sujeito e o inscreve na busca de sua afirmação

enquanto pessoa (FREIRE, 1987).

24

Existe uma vasta literatura a este respeito, onde destaca-se o livro de Pedro Demo, “Participação é Conquista”, no qual o autor desenvolve a idéia de que a participação social é uma conquista coletiva, mas, antes de tudo, é uma conquista pessoal, de cada indivíduo.

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Metodologicamente, FREIRE (1987) propõe que este momento ocorra

no que ele chama de “círculos de investigação temática”, que são reuniões

onde operacionaliza-se a decodificação do material anteriormente elaborado.

No processo de decodificação, cabe ao investigador, auxiliar desta, não apenas ouvir os indivíduos, mas desafiá-los cada vez mais, problematizando, de um lado, a situação existencial codificada e, de outro, as próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo (FREIRE, 1987:113).

Este processo promove a percepção da percepção anterior e o

conhecimento do conhecimento anterior, promovendo, por sua vez, o

surgimento de nova percepção e o desenvolvimento de novo conhecimento

(FREIRE, 1987).

O que antes já existia como objetividade, mas não era percebido em suas implicações mais profundas e, às vezes, nem sequer era percebido, se „destaca‟ e assume o caráter de problema, portanto, de desafio. A partir deste momento, o „percebido destacado‟ já é objeto da „admiração‟ dos homens, e, como tal, de sua ação e de seu conhecimento (FREIRE, 1987:71).

A problematização leva à percepção dos problemas vividos, o que

Paulo Freire chama de situações-limites, e de suas razões. Esta percepção

desafia o indivíduo e pode levar à idéia da transformação desta realidade,

através da superação da contradição em que se encontra o sujeito.

Quando os problemas se revelam para além das “situações-limites”,

surge o “inédito viável”, que é uma nova possibilidade de solução para estes

problemas. Em outras palavras, “inédito viável” é a possibilidade ainda inédita

da ação. É a “futuridade histórica, que não pode ocorrer se não forem

superadas as situações-limites, transformando a realidade com a práxis do

indivíduo (o futuro a construir)” (JORGE, 1981:76).

Este é o sentido da conscientização proposta por Freire enquanto um

processo oposto ao da alienação.

Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. Através dela, que provoca novas compreensões de novos desafios, que vão surgindo no processo da resposta, se vão reconhecendo, mais e mais, como compromisso. Assim é que se dá o reconhecimento que engaja (FREIRE, 1987:70).

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Portanto, o resultado esperado deste processo educativo é a inserção

do indivíduo na sua realidade vivida como um sujeito, um ator, participante e

influenciador de seu próprio futuro.

Podem-se citar, ainda, alguns pressupostos do pensamento de Freire:

- O Ser Humano, assim como os animais e os vegetais, são inacabados,

estando em constante processo de transformação. Porém, aquele se sabe

inacabado e, por isso, se educa (FREIRE, 1981).

O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca (FREIRE, 1981:27).

- Existe uma unidade entre subjetividade e objetividade no ato de conhecer.

“A realidade concreta nunca é, apenas, o dado objetivo, o fato real, mas

também a percepção que dela se tenha” (FREIRE, 1977:51)

- Ninguém educa ninguém; o ser humano é sujeito de sua própria educação e

se educa em comunhão com outras consciências (FREIRE, 1981).

- A educação tem caráter permanente, pois ninguém sabe de forma absoluta.

O saber se faz através de uma superação constante da ignorância (FREIRE,

1981).

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3. APLICAÇÃO DO DRP PARA ELABORAÇÃO

DE UM PLANO DE DESENVOLVIMENTO RURAL

NO MUNICÍPIO DE TOMBOS, MINAS GERAIS

3.1. Caracterização da área de estudo

O presente estudo foi realizado em Tombos, pequeno município (284

km2) da Zona da Mata mineira (Figura 1). A economia local baseia-se no cultivo

de café e na produção de leite, atividades que envolvem a maior parte da sua

população (10.395 habitantes), da zona rural (3.258 habitantes) ou da zona

urbana (7.137 habitantes)25.

Tombos nasceu no começo do século passado, quando o abastado Coronel Maximiano José Pereira de Souza explorava as margens do Rio Carangola e deparou com três belíssimas cachoeiras que, em seqüência, formavam uma única vista e as denominou de tombos (Plano Municipal de Desenvolvimento Rural – Tombos-MG).

25

Dados do Censo Demográfico de 1996.

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78

Em 12 de novembro de 1878, o território, na categoria de distrito, foi

incorporado ao município de Carangola, com o nome de Tombos do Carangola,

e assim permaneceu até a criação do município. Com a emancipação política,

em 7 de setembro de 1923, o distrito torna-se município e vila, passando a

denominar-se simplesmente Tombos.

Figura 1 - Localização do município

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de Tombos – Minas Gerais.

3.2. Antecedentes históricos

Tombos é um dos municípios da Zona da Mata mineira que, durante os

anos 70, viu crescer o movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEB),

a partir da atuação da Igreja Católica.

Fundamentadas em concepção voltada para a evangelização,

combinada com uma atuação prática sobre a realidade, várias dioceses

brasileiras estimularam a criação de movimentos e entidades para o auxílio das

populações pobres das áreas rurais e urbanas. Este movimento ganhou

expressão e, no ano de 1974, já se contava com cerca de 40.000 CEB

organizadas em diversos estados brasileiros.

Em Tombos, um dos resultados deste movimento foi a criação do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Tombos em novembro de 1985.

O Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM) foi

criado em 1987, fruto de combinação entre a iniciativa de um conjunto de

profissionais das Ciências Agrárias e de diversos Sindicatos de Trabalhadores

Rurais (STR) da Zona da Mata, com o objetivo de

construir uma proposta de desenvolvimento rural sustentado para a Zona da Mata mineira, que melhore as condições de vida das famílias, aumente a produção de alimentos e conserve os recursos naturais, principalmente os ricos remanescentes de mata atlântica ainda existentes (http://solidariedade.uol. com.br/entidades/ctazm).

O STR de Tombos é um dos parceiros do CTA-ZM. Desde 1988, esta

parceria tem procurado construir uma proposta de desenvolvimento rural

sustentado no município, em articulação com outros STR da região. Diversas

atividades de formação e experimentação participativa foram desenvolvidas no

sentido de apoiar a agricultura familiar do município.

Com a eleição do Partido dos Trabalhadores para o Governo Municipal,

em 1996, muitas das pessoas que faziam parte do movimento sindical local

passaram a ocupar espaço na Administração Pública, especialmente na

Secretaria de Agricultura.

Esta conjuntura trouxe novas possibilidades e desafios. Como utilizar a

estrutura da Administração Pública Municipal para o crescimento da proposta

que estes atores sociais já vinham procurando construir enquanto sociedade

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civil? Esta foi a pergunta que originou, entre outras coisas, a proposta de

realização de um diagnóstico do município com vistas à elaboração de um

Plano de Desenvolvimento Rural.

Por parte da Secretaria de Agricultura, a elaboração de um Plano de

Desenvolvimento Rural poderia contribuir não apenas para melhor organizar

suas ações, mas também para facilitar a busca por recursos que pudessem

viabilizar suas ações. Por parte do CTA-ZM, o Plano poderia contribuir para

uma definição mais detalhada de sua intervenção no município dentro deste

novo contexto político-administrativo.

A assessoria para o desenvolvimento do diagnóstico e planejamento

municipal foi constituída pela autora desta tese e pelo CTA-ZM, que,

recentemente, havia definido Tombos como uma das áreas prioritárias de seu

trabalho. Um convênio entre esta entidade e o Governo Municipal deu

concretude à nova estratégia, contemplando, entre outras coisas, a contratação

de um técnico do CTA-ZM para trabalhar diretamente no município.

A opção pelo uso do DRP para a elaboração do Plano de

Desenvolvimento Rural deu-se tanto pelo acúmulo que o CTA-ZM e a

assessoria já possuíam em torno da utilização deste método quanto pelo

conhecimento que as pessoas do STR tinham do seu uso em outras áreas de

atuação do CTA-ZM.

3.3. Definição dos objetivos, abrangência e enfoque do diagnóstico

A proposta preliminar para a realização de um diagnóstico para elaboração do Plano de Desenvolvimento Rural de Tombos (Apêndice A) foi discutida no dia 11/02/1998, em reunião que contou com a presença do STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais), da EMATER, do CTA-ZM, da Secretaria Municipal de Agricultura e Secretaria Municipal de Ação Social, conforme documento interno (Apêndice B). Nesta ocasião, desenvolveu-se um debate sobre a necessidade real de um plano, tendo em vista que a Secretaria Municipal de Agricultura já

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estava realizando uma série de ações no meio rural. O debate apontou como objetivo do trabalho a

elaboração de um plano para reorientar as ações e definir prioridades, a partir de melhor compreensão das questões estratégicas que impedem o desenvolvimento do município. Além disso, destacou a importância do desenvolvimento deste processo de forma que a população pudesse aumentar sua compreensão a respeito da realidade vivida e fosse estimulada a participar das ações.

Foi realizada também uma discussão sobre a abrangência do estudo a

ser realizado. Já havia um consenso de que o planejamento deveria partir de

um diagnóstico da realidade. Porém, de que realidade se falava? Apenas a

rural? E as (múltiplas) relações rural-urbana, como deveriam ser tratadas? Não

se poderia ignorar o fato de que muitas pessoas que moram na cidade

trabalham no campo ou mantêm atividades ligadas à agricultura. Definiu-se,

então, como abrangência do diagnóstico, a área onde existiam atividades

agrícolas, o que significou um conjunto de 16 comunidades rurais mais o

entorno da cidade.

A partir destas definições, foi construída uma estratégia de trabalho

que pudesse dar conta de atingir um universo tão grande, diverso e disperso

geograficamente. Constituiu-se, portanto, um Conselho de Elaboração do

Plano de Desenvolvimento, com pessoas de diversos segmentos da sociedade

local e vinculadas às diversas áreas do conhecimento (saúde, educação, etc.).

No âmbito deste Conselho, seria iniciado o diagnóstico e, posteriormente, os

participantes seriam envolvidos no trabalho de campo a ser realizado nas

comunidades.

O Conselho de Elaboração do Plano, também denominado de

Conselho Inicial, foi constituído por 45 pessoas (nove delas não residentes em

Tombos), segundo a seguinte composição:

Lideranças de base:

- Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) - 8

- Associação de Produtores Rurais (APAT) - 5

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- Coordenadores de grupos (grupos de trabalho ligados à Secretaria de

Agricultura) - 7

- Sindicato Rural - 2

Governo:

- Secretaria da Saúde - 2

- Secretaria de Educação - 2

- Secretaria de Assistência Social - 2

- Secretaria de Agricultura - 2

Entidades/Instituições:

- EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) - 2

- CTA-ZM (Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata) - 4

- UFV (Universidade Federal de Viçosa) - 6

- SIAT (Serviço Integrado de Assistência Tributária e Fiscal) - 1

Câmara de Vereadores: 2 representantes

Esta definição foi feita em reunião do CTA-ZM, da Secretaria de

Agricultura, da APAT, da EMATER e do STR (Apêndice C), quando também

constituiu-se formalmente uma equipe executiva com representantes destas

entidades mais a assessoria. À equipe executiva, coube a função de

coordenação de todo o processo.

Ainda na mesma reunião, definiu-se a proposta inicial de planejamento

do trabalho, que consistiu em:

Análise e sistematização dos dados secundários;

I Encontro do Conselho (1.ª coleta e análise das informações do grupo);

II Encontro do Conselho (2.ª coleta e análise das informações do grupo);

Levantamento de campo: dois finais de semana para cada comunidade;

III Encontro do Conselho (análise final de todas as informações coletadas);

Encontro do Conselho e representantes das comunidades ainda não

representadas (elaboração da 1.ª versão do Plano), em duas etapas;

Discussão do Plano com as comunidades26;

Encontro do Conselho e representantes das comunidades (finalização do

Plano: operacionalização e definição de responsabilidades); e

26

Esta etapa foi suprimida por falta de estrutura para realizar mais uma rodada de reuniões.

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Redação e divulgação do Plano.

Numa próxima reunião (Apêndice D), para analisar os dados

secundários, foi feito, pela equipe executiva, um debate sobre o enfoque do

diagnóstico. Partiu-se da constatação de que no meio rural (abrangência

definida para o diagnóstico) não existem apenas questões relacionadas à

agricultura. Por outro lado, as questões relacionadas à agricultura não se

restringem ao espaço rural. A comercialização dos produtos envolve, muitas

vezes, atores que têm sua atividade no meio urbano. Portanto, o que deve ser

enfocado num diagnóstico que tem por objetivo elaborar um Plano de

Desenvolvimento Rural? A princípio, todas as questões que se relacionam ao

desenvolvimento deste “espaço”, como saúde, educação, estradas, produção

agropecuária. Entretanto, temia-se que, diante da tradicional postura

assistencialista dos governos e da postura simplesmente reivindicatória da

população, um enfoque tão amplo trouxesse o risco de as discussões

concentrarem-se nas questões mais visíveis, como estradas, escolas ou postos

de saúde, deixando de lado a discussão sobre as questões mais estruturais,

relacionadas à produção propriamente dita. O risco foi assumido a partir da

compreensão de que, se as questões relacionadas à produção fossem

relevantes, elas apareceriam no diagnóstico.

Observou-se, porém, que o diagnóstico constituía-se numa iniciativa da

Secretaria de Agricultura e que, mesmo havendo o interesse de envolver as

demais Secretarias, não se poderia garantir que elas viessem a comprometer-

se com as propostas relacionadas a sua área de intervenção.

Estas preocupações levaram à definição do seguinte enfoque para o

diagnóstico: “Fazer um diagnóstico da realidade rural em geral e traçar um

plano para o desenvolvimento das atividades agrícolas. As demandas nas

outras áreas serão levadas/discutidas com as outras Secretarias” (Apêndice D).

Tendo o objetivo, a abrangência e o enfoque definidos, partiu-se para a

realização do diagnóstico propriamente dito, que seguiu a estratégia resumida

no Quadro 1.

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Quadro 1 - Síntese dos principais passos da estratégia utilizada (FARIA, 1999:52)

O QUÊ? QUEM? PRODUTO(S)

1 Discussão da proposta (2 reuniões)

Secretaria de Agricultura, EMATER, STR, APAT, CTA-ZM e assessoria

Formação de uma equipe execu-tiva

Formação de um Conselho de Elaboração do Plano

2 Levantamento e sistema-tização dos dados secun-dários

Secretaria de Agricultura, CTA-ZM

Síntese dos dados secundários

3 Análise dos dados secun-dários sobre o município (2 reuniões)

Equipe executiva (Secretaria de Agricultura, EMATER, STR, APAT, CTA-ZM e assessoria)

Primeiro roteiro geral para o diagnóstico da realidade.

4 Levantamento das infor-mações dos membros do Conselho (1 encontro de 2 dias)

Conselho de Elaboração do Plano (cerca de 40 pessoas)

Informações levantadas através da aplicação das seguintes técni-cas: mapa, diagrama de Venn, matriz histórica e diagramas de fluxo.

5 Sistematização das infor-mações do Conselho

Estudantes da UFV e alguns profissionais participantes do Conselho

Síntese das informações do Conselho

6 Correção e análise das informações do Conselho (1 encontro de 2 dias)

Conselho de Elaboração do Plano (cerca de 40 pessoas)

Correções da síntese

Sonhos e matriz de tipificação

Novo roteiro para o levantamento das informações nas comunida-des

7 Levantamento das infor-mações das 16 comuni-dades rurais e da cidade (2 finais de semana/comu-nidade)

Pesquisadores: membros do Conselho, estudantes e profis-sionais voluntários (54 pes-soas)

Informações levantadas a partir da aplicação das seguintes técni-cas: mapa, calendário sazonal, sonhos e entrevistas semi-estru-turadas.

Escolha dos representantes para elaborar, junto com o Conselho, uma primeira versão do Plano.

8 Sistematização das infor-mações

Parte da equipe de pesquisado-res

Síntese das informações obtidas até o momento

9 Análise geral da realidade rural do município a partir da síntese elaborada (1 encontro de 2 dias)

Conselho Ampliado com repre-

sentantes das comunidades

(cerca de 55 pessoas)

Matriz de relações lógicas

Definição de uma missão para o futuro Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, a ser criado.

10 Aprofundamento da aná-lise da realidade e formu-lação de propostas de ação (2 encontros, num total de 3 dias)

Conselho Ampliado com repre-sentantes das comunidades

Propostas de ação

11 Apresentação das pro-postas de ação em um encontro municipal (1 en-contro de 1 dia)

Participação aberta (236 pessoas inscritas)

Comentários e sugestões sobre as propostas de ação

12 Definição sobre encami-nhamento das propostas (1 encontro de 1 dia)

Conselho Ampliado com repre-sentantes das comunidades

Formação de comissões para elaboração do Plano Operacional

13 Elaboração do Plano Operacional

9 comissões, num total de 20 pessoas envolvidas

Plano Operacional

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3.4. Levantamento das informações

Como pode ser observado no esquema apresentado, foram utilizadas,

de forma progressiva, três fontes para o levantamento das informações: os

dados secundários, as informações dos membros do Conselho e as

informações das 16 comunidades e da cidade.

Os dados secundários foram levantados por três integrantes da

equipe executiva, principalmente na Prefeitura Municipal e no IBGE. Os dados

obtidos foram analisados pela equipe executiva, que, tendo como referência o

objetivo do diagnóstico, elaborou um roteiro geral para análise da realidade.

As informações dos membros do Conselho foram levantadas em um

encontro de dois dias. Num primeiro momento, organizaram-se três grupos,

garantindo, em cada um, a presença de pessoas das comunidades, da

administração municipal e de técnicos. Para a obtenção das informações,

foram utilizadas técnicas de DRP.

O primeiro grupo construiu um mapa do município; o segundo, uma

matriz histórica, e o terceiro, um diagrama de Venn.

O mapa é uma técnica que permite a visualização espacial de um

lugar, seja ele uma comunidade, um município ou qualquer outro recorte de

interesse. Trata-se de um desenho gráfico do espaço que está sendo

estudado. Neste desenho, representam-se os elementos que existem naquele

lugar (pode ser uma escola, um rio, diferentes plantios, formações rochosas,

etc.). O diagnóstico e a discussão acontecem por ocasião da localização

destes elementos, que são representados no mapa por pedras, folhas e outros

recursos disponíveis.

Já a matriz histórica possibilita a análise de diversos aspectos da

realidade ao longo do tempo. As matrizes são utilizadas para fazer

comparações. No caso da matriz histórica, as comparações são feitas entre

épocas identificadas anteriormente como marcantes para aquela realidade.

Risca-se, no chão, uma tabela de dupla entrada. No eixo horizontal, por

exemplo, são colocadas as épocas. Os aspectos ou fenômenos que serão

“comparados” ao longo do tempo são, então, colocados no eixo vertical. A

matriz pode ser preenchida por pedras, a partir de um raciocínio comparativo

que indique a “intensidade” de ocorrência do aspecto ou fenômeno analisado

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(exemplo: êxodo rural), ou por palavras, dentro de um raciocínio apenas

descritivo.

O diagrama de Venn, por sua vez, é utilizado para discussão sobre as

relações sociais. Trata-se de um diagrama de círculos de diferentes tamanhos,

dispostos como um desenho, que é o produto final de uma discussão em grupo

orientada pela seguinte pergunta: quais os grupos (formais ou informais) que

existem aqui? Cada círculo representa um grupo. Seu tamanho representa o

poder do grupo em questão, ou seja, sua capacidade de influência no cenário

que está sendo estudado. Isso é analisado comparativamente. As distâncias

entre os círculos representam as interações entre os grupos por eles

representados. Se são parceiros, ficam próximos, às vezes até dentro. Se têm

objetivos diferentes, contrastantes ou antagônicos, isso é representado pela

distância maior ou menor entre os círculos, também definida

comparativamente.

Após a socialização dos trabalhos, foram formados dois grupos de

mulheres e dois grupos de homens para levantamento dos principais

problemas que dificultam o desenvolvimento do meio rural de Tombos e

priorização dos três considerados principais por cada grupo.

A partir da apresentação dos resultados, foram feitas a síntese e a

priorização dos problemas em plenária, onde utilizou-se um sistema de

pontuação individual, cujos pontos depois de somados, revelaram o principal

problema na visão dos homens e das mulheres separadamente.

Para que a análise destes problemas fosse desenvolvida, empregou-

se, em dois grupos, uma outra técnica de DRP, o diagrama de fluxo, que

permite a identificação das causas e conseqüências de determinado problema

ou situação vivida, representada em um pedaço de papel (tarjeta) por palavras

ou desenhos. Esta representação é colocada no chão e observada pelos

presentes. Diante das perguntas sobre as causas e conseqüências daquela

situação, novas tarjetas vão sendo produzidas e localizadas acima (se causas)

ou abaixo (se conseqüências) da tarjeta localizada inicialmente. São feitas

ligações com setas. Foram encerrados os trabalhos desta etapa com uma

apresentação e discussão dos resultados dos grupos.

As informações das 16 comunidades e da cidade foram levantadas

em dois encontros (dois finais de semana) por comunidade. Para esta etapa,

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contou-se com o apoio de um grupo de 30 estudantes (da UFV) e profissionais

colaboradores do CTA-ZM. Alguns já tinham trabalhado com o DRP e, para os

demais, foi realizado um pequeno treinamento. Para todos, foi realizado um

repasse dos passos anteriores e da estratégia elaborada. Este grupo juntou-se

às pessoas do Conselho, que tinham disponibilidade e foram montadas nove

equipes, totalizando 54 pesquisadores. O tamanho de cada equipe variou de

quatro a cinco pessoas; procurou-se equilibrar, em cada uma, o número de

mulheres e de homens e o número de membros do Conselho e de estudantes

ou profissionais.

No primeiro encontro nas comunidades, utilizou-se a técnica do mapa.

Foram realizadas algumas entrevistas semi-estruturadas, que consistem em

entrevistas orientadas por um roteiro de pontos, que vão sendo respondidos no

decorrer de um diálogo entre os pesquisadores e o “informante”.

No segundo encontro, além de serem realizadas novas entrevistas

semi-estruturadas, foram utilizadas as técnicas do calendário sazonal e de

“sonhos”. O calendário sazonal é uma técnica que permite a identificação dos

ciclos, sejam eles climáticos, agrícolas, de doenças, de recursos financeiros

etc. É uma espécie de matriz, em cujo eixo horizontal localizam-se os meses e,

no vertical, os aspectos que se deseja discutir.

É importante ressaltar que a técnica dos sonhos não é uma técnica de

DRP. Ela é apenas um tipo de dinâmica de grupo que se presta também ao

levantamento de informações, pois permite aos integrantes do grupo

representar, através de desenhos ou recortes de revista, aquilo que imaginam

ser um “futuro melhor”.

3.5. Sistematização e análise das informações

Após cada etapa de levantamento das informações, realizou-se a

sistematização27 dos dados a fim de permitir sua análise e o planejamento da

próxima etapa.

Os dados secundários foram analisados pela equipe executiva, que,

tendo como referência o objetivo do diagnóstico, elaborou um roteiro geral para

27

O termo sistematização refere-se ao agrupamento de informações semelhantes. No caso, este agrupamento é orientado pelo mesmo roteiro utilizado para a coleta das informações.

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88

o diagnóstico da realidade. Este trabalho desenvolveu-se a partir de leitura dos

dados. A cada informação lida, procedia-se a uma discussão e anotava-se num

cartaz os pontos obscuros que precisariam ser investigados no próprio

município.

As informações dos membros do Conselho de Elaboração do Plano

foram sistematizadas em um documento, que foi lido, corrigido e

complementado em reunião. Formaram-se três grupos e cada um ficou com

uma parte do documento. Ao mesmo tempo que os grupos realizavam suas

correções e complementações, analisavam os dados e retiravam os pontos

que deveriam compor o novo roteiro para levantamento de campo. As

sugestões de cada grupo foram apresentadas e “consertadas” em plenária.

Até aqui o processo de análise teve por objetivo principal checar a

qualidade e a segurança das informações obtidas, além de identificar pontos

obscuros para a elaboração do roteiro da próxima etapa.

Após o levantamento das informações das 16 comunidades rurais e do

entorno da cidade, a análise tomou outro caráter, já que deveria permitir uma

leitura da problemática vivida a fim elaborar as propostas de ação.

Como o volume de dados era muito grande, cerca de 200 páginas com

informações das comunidades, 23 páginas com as informações do Conselho e

8 páginas com os dados secundários, adotou-se o seguinte procedimento para

a sistematização das informações:

1) Inicialmente, de posse apenas das sistematizações das comunidades, as

informações foram sintetizadas em tarjetas, segundo os itens do roteiro.

Foram utilizadas três tipos de tarjetas para cada item: uma para uma breve

descrição (em preto), outra para os principais problemas (em vermelho) e a

terceira para as potencialidades (em azul). Este trabalho foi feito para cada

comunidade, pelos estudantes e profissionais que compuseram a equipe

que a visitou.

2) Após este trabalho, todas as tarjetas, identificadas com o nome da

comunidade, foram colocadas em um quadro, separadas conforme os itens

do roteiro.

3) O próximo passo, também dado pelos estudantes e profissionais, foi a

realização de uma síntese das sínteses de cada item do roteiro, mantendo

os três tipos de tarjetas: descrição, problemas e potencialidades. Para isso,

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foram formados dois grupos, de maneira que cada um contivesse

pesquisadores de todas as comunidades visitadas. Um grupo trabalhou os

itens recursos naturais e sistemas de produção, e o outro, história da posse

da terra e relações de trabalho; outras atividades econômicas; dinâmica da

população; acesso a informação; educação; saúde e organizações. O

produto final foi um conjunto de tarjetas com a síntese de cada um dos itens

do roteiro. Aquelas informações que não eram gerais traziam na frente o

nome da comunidade onde havia sido coletada. Este “método” ficou

conhecido por SSS (síntese das sínteses das sistematizações).

4) Em seguida, esta síntese, ainda em tarjetas, foi apresentada e discutida com

a equipe executiva para preparação da próxima reunião do Conselho, que já

estaria ampliado com a presença dos representantes das comunidades.

5) Foi montado, então, pela assessoria e duas profissionais voluntárias, um

documento com a “síntese das sínteses das sistematizações” das

informações levantadas nas comunidades, acrescida pelas informações

coletadas nas reuniões do Conselho. Foram, também, elaboradas tarjetas

com os principais problemas (24 problemas, 24 tarjetas).

Como pôde ser observado no Quadro 1, a análise das informações

obtidas começou em um encontro do Conselho Ampliado com representantes

das comunidades. Num primeiro momento, foram formados três grupos para

leitura, correção e complementação do documento com a “síntese das sínteses

das sistematizações”. As sugestões de cada grupo foram apresentadas e

“consertadas” em plenária.

Para iniciar a análise propriamente dita, foram apresentadas as 24 tarjetas com os principais problemas identificados. Formaram-se, então, dois grupos para a elaboração de uma matriz de relações lógicas, outra ferramenta de análise, que permite ao grupo o estabelecimento das relações de causa e conseqüência entre os problemas. Um grupo analisou 16 problemas e o outro, 14. Seis problemas eram comuns, para garantir que fosse possível juntar as duas matrizes. O produto final está apresentado a seguir (Figura 2).

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90

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 T

1 1 1 1 3

2 1 1 2

3 1 1 2

4 1 1

5 1 1

6 1 1

7 1 1 1 1 1 1 1 1 1 9

8 1 1

9 1 1 2

10 0

11 1 1 2

12 1 1

13 1 1

14 1 1 1 1 1 5

15 1 1

16 1 1

17 1 1 1 3

18 0

19 0

20 1 1 2

21 1 1

22 1 1

23 1 1

24 1 1

T 0 2 5 3 2 7 2 4 0 1 2 1 1 4 0 0 1 1 2 1 1 0 1 1 42

LEGENDA 1. Falta de assistência técnica e pouco conhecimento de técnicas alternativas. 2. Problemas na comercialização. 3. Enfraquecimento da terra, erosão. 4. Córregos poluídos, água diminuindo, minas desprotegidas. 5. Artesanato: baixo preço e muita oferta. 6. Êxodo rural e suas conseqüências: falta de mão-de-obra e “envelhecimento do campo”. 7. Pouca informação sobre o que acontece dentro e fora do município. 8. Pouca diversificação, renda dependente só do café e do leite. 9. Dificuldade de investimentos, falta de crédito.

10. Turismo: cachoeiras poluídas, falta de infra-estrutura e incentivo, queda no movimento. 11. Uso de agrotóxicos para combater pragas e doenças. 12. Poucas matas/desmatamento. 13. Falta de organização e divisão da comunidade por divergências político-partidárias e

religiosas. 14. Pouca participação e conhecimento sobre as entidades e suas atuações. 15. Individualismo. 16. Diminuição do número de colonos nas fazendas. 17. Problemas na escola: conteúdo, sistema multisseriado e compra da merenda. 18. Baixo consumo de hortaliças. 19. Problemas de atendimento do SUS e do Hospital. 20. Dificuldade de atendimento no biodigital: falta de duplas e não aceitação pelos evangélicos.

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91

21. Problemas de saneamento: lixo e esgoto. 22. Falta de opção de lazer. 23. Infra-estrutura: má conservação das estradas, falta de luz e telefone. 24. Jovens sem opção de trabalho e com falta de incentivo para continuar os estudos.

Figura 2 - Matriz de relações lógicas, simplificada.

O agrupamento das duas matrizes foi feito pela assessoria e duas

profissionais voluntárias, com a ajuda de uma professora28 do Departamento

de Matemática da UFV. A intenção foi transformar a matriz num fluxo, porém,

para isso, foi preciso realizar uma simplificação das matrizes, tendo em vista

que havia superposição de relações. O resultado deste trabalho foi o fluxo

geral dos principais problemas (Figura 3), apresentado na próxima reunião do

Conselho Ampliado.

3.6. Formulação das propostas de ação

De posse deste fluxo, os participantes do Conselho Ampliado

começaram o aprofundamento da análise com vistas à elaboração de

propostas de ação.

Inicialmente foram definidas seis questões estratégicas (infra-estrutura,

saneamento e lazer; agrotóxicos e terra; comercialização; educação; saúde e

potencialidades da região), como produto do trabalho de dois grupos de

homens e um grupo de mulheres, com posterior “consertação” em plenária. Em

seguida, foram formados grupos de interesse, por questão estratégica, para

análise dos problemas relacionados a cada questão.

Num primeiro momento, a orientação metodológica adotada foi a de

buscar, no fluxo geral dos problemas, aqueles relacionados à questão que

estivesse sendo discutida pelo grupo; montar a parte do fluxo referente a ela e

ampliar a análise, acrescentando outras causas e, ou, conseqüências.

Posteriormente, foram retiradas do documento-síntese as potencialidades

relacionadas à questão estratégica discutida pelo grupo e, individualmente,

foram elaboradas as propostas. Estas foram, então, sistematizadas no quadro,

possibilitando o desenvolvimento de uma discussão para definição das

propostas do grupo.

28

Trata-se da professora Lana Mara Rodrigues dos Santos, através de quem também foi possível identificar a relação entre as técnicas do DRP e alguns conceitos matemáticos.

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92

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93

Figura 3 - Fluxo geral dos principais problemas.

Dificuldade de

investimentos,

falta de crédito

Falta de assistência

técnica e pouco

conhecimento de

técnicas alternativas

Pouca informação

sobre o que

acontece dentro e

fora do Município

Pouca participação

e conhecimento

sobre as entidades

e suas atuações

Êxodo rural e suas

conseqüências: falta de

mão –de-obra e

envelhecimento do campo

Pouca diversificação,

renda dependente do

café e do leite

Problemas na

comercialização

Artesanato: baixo

preço e muita oferta

Poucas matas,

desmatamento

Enfraquecimento

da terra, erosão

Uso de agrotóxicos

para combater

pragas e doenças

Problemas de

saneamento:

lixo e esgoto

Falta de organização e

divisão da comunidade por divergências

político-partidárias e religiosas

Problemas na escola:

conteúdo, sistema

multisseriado, compra

da merenda

Jovens sem

opção de trabalho

e sem incentivo

para continuar os

estudos

Diminuição do

número de colonos nas

fazendas

Falta de opção

de lazer

Córregos poluídos,

água diminuindo,

minas desprotegidas

Individualismo

Infra-estrutura: má conservação das estradas, falta de

luz, falta de telefone

Turismo, cachoeiras

poluídas, falta de

infra-estrutura e

incentivo, queda no

movimento

Dificuldades no

Biodigital:

-Falta de duplas

- Não aceitação

pelos evangélicos

Baixo consumo

de hortaliças

Problema de

atendimentos

do SUS e

Hospital

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89

Em plenária, realizou-se uma exposição do trabalho de cada grupo,

sua sistematização e a discussão para supressão e, ou, acréscimo de

propostas. Foram estas, então, as propostas posteriormente apresentadas e

discutidas num encontro aberto à população.

3.7. Desdobramentos

Após o encontro, que contou com a presença de 236 pessoas inscritas,

o Conselho Ampliado voltou a se reunir para apreciar as sugestões recolhidas

e elaborar o plano operacional.

Formaram-se, então, sete comissões temáticas (assistência técnica,

formação/capacitação; crédito rural e subsídios para agricultores(as); saúde e

assistência social; educação formal; meio ambiente e saneamento; infra-

estrutura e obras; esporte, lazer e turismo), constituídas por grupos de

entidades e secretarias municipais, relacionadas a cada tema. Em uma nova

série de reuniões, as comissões temáticas definiram ações concretas, prazos e

responsáveis para cada uma das propostas aprovadas.

Paralelamente, este mesmo Conselho Ampliado passou a discutir a

constituição de um Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR),

que foi formalmente instituído pela Lei Municipal n.° 1.221, de 14 de setembro

de 1998, enquanto um órgão consultivo e deliberativo da política de

desenvolvimento rural do município. Suas competências são (Lei Municipal n.°

1.221, Art. 2.°):

I - promover o entrosamento entre as atividades desenvolvidas pelo

Executivo Municipal e órgãos e entidades públicas e privadas voltadas para o

desenvolvimento rural do município;

II - apreciar o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural - PMDR,

emitir parecer conclusivo atestando a sua viabilidade técnico-financeira, a

legitimidade das ações propostas em relação às demandas formuladas pelos

agricultores, recomendando a sua execução;

III - fiscalizar a execução do PMDR, visando ao desenvolvimento do

município;

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90

IV - sugerir ao Executivo Municipal e aos órgãos e entidades públicas e

privadas que atuam no município ações que contribuam para o aumento da

produção agropecuária e para a geração de emprego e renda no meio rural;

V - sugerir políticas e diretrizes às ações do Executivo Municipal no que

concerne à produção, à preservação do meio ambiente, ao fomento

agropecuário e à organização dos agricultores e à regularidade do

abastecimento alimentar no município;

VI - assegurar a participação efetiva dos seguimentos promotores e

beneficiários nas atividades agropecuárias desenvolvidas no município;

VII - promover articulações e compatibilizações entre as políticas

municipais e as políticas estaduais e federais voltadas para o desenvolvimento

rural;

VIII - acompanhar e avaliar a execução do PMDR;

IX - propor programas, projetos e ações, visando a defesa e a

promoção da agricultura familiar e qualidade de vida dos trabalhadores rurais

do município;

X - propor a celebração de convênios, contratos e acordos com as

entidades públicas e organizações não-governamentais de assessoria, de

pesquisa e de atividades voltadas ao desenvolvimento rural sustentado;

XI - apresentar anualmente proposta orçamentária ao executivo,

inerente ao seu funcionamento;

XII - opinar sobre a distribuição de recursos de qualquer origem

destinados ao atendimento do meio rural; e

XIII - avaliar permanentemente as atuações da EMATER, do CTA e

demais órgãos e secretarias federais, estaduais e municipais, no que se refere

ao Desenvolvimento Rural.

Segundo o Regimento Interno, Art. 3.°, integram o Conselho Municipal

de Desenvolvimento Rural:

I - representantes dos agricultores familiares;

II - representantes do poder executivo municipal e do poder legislativo

municipal; e

III - representantes dos órgãos públicos e privados ligados à produção

agropecuária;

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91

Os membros do CMDR são designados pelo prefeito municipal,

conforme Lei Municipal n.o 1.221, mediante indicação dos titulares dos órgãos

e entidades, respeitando-se a participação mínima de 50% dos membros

representados por “agricultores familiares” (parágrafo único).

A partir do plano operacional, diversas ações estão sendo

desenvolvidas e projetos para captação de recursos estão sendo elaborados.

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92

4. METODOLOGIA

Um estudo de caso, embora seja freqüentemente de natureza qualitativa

na coleta e no tratamento dos dados, pode também recorrer a métodos

quantitativos ao centralizar-se no exame de certas propriedades específicas de

suas relações e variações (BRUYNE et al., 1991).

A fim de melhor qualificar o estudo de caso desenvolvido neste trabalho,

foram utilizados métodos quantitativos para realizar uma pesquisa visando

captar a percepção dos envolvidos na prática realizada em Tombos. Os

procedimentos são descritos a seguir. Os dados coletados foram

suplementados pela análise dos documentos produzidos no decorrer do

diagnóstico e planejamento em Tombos e por observações realizadas durante

o processo, tendo em vista a inserção da autora desta tese na realização da

prática analisada.

4.1. Unidade de análise e população

A unidade de análise compreendeu as pessoas das comunidades e os

representantes das entidades/instituições que participaram do processo de

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93

diagnóstico e elaboração das propostas para o Plano de Desenvolvimento

Rural de Tombos.

Como população-alvo, foram definidas as 255 pessoas que

vivenciaram o processo, divididas em duas unidades: uma reuniu as 202

pessoas das 16 comunidades e do entorno da cidade que participaram das

reuniões, e a outra contemplou as 53 pessoas que constituíram o Conselho

Ampliado.

Segundo BARBETTA (1994), população-alvo é o conjunto de

elementos que se deseja abranger em um estudo. São os elementos para os

quais espera-se que as conclusões oriundas da pesquisa sejam válidas.

A divisão da população-alvo da pesquisa, em duas unidades, justifica-

se pelo envolvimento diferenciado que seus elementos tiveram no decorrer do

processo de diagnóstico e planejamento.

4.2. Amostragem

Diante do grande número de elementos da população-alvo, recorreu-se

a um levantamento por amostragem como forma de obter estimativas sobre a

população, a partir de informações dos elementos da amostra.

Em função da heterogeneidade dos elementos da população-alvo,

recorreu-se à técnica da amostragem estratificada, que consiste em dividir a

população em subgrupos denominados estratos, mais homogêneos que a

população-alvo.

Admitindo-se um erro amostral de 10%, utilizou-se a seguinte fórmula,

proposta por BARBETTA (1994:58), para cálculo do tamanho da amostra em

cada estrato:

n0 = 1/E2

0

em que n0 = uma primeira aproximação para o tamanho da amostra; E2

0 = erro

amostral tolerável (no caso, 10%).

Segundo esse autor, como é conhecido o tamanho da população,

pode-se corrigir o cálculo anterior pela fórmula:

n = N n0/N + n0,

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94

em que n = tamanho (número de elementos) da amostra; N = tamanho (número

de elementos) da população.

Aplicando estas fórmulas às duas unidades de amostragem

apresentadas anteriormente, obtêm-se os resultados apresentados nos

Quadros 2 e 3.

Quadro 2 - Número de participantes das reuniões por comunidade e tamanho da amostra

Comunidade Número de

participantes n calculado

n arredondado

Água Santa 4 1,32 2 Alto Catuné 11 3,64 4 Banco 11 3,64 4 Batatal 11 3,64 4 Catuné 20 6,62 8 Chave Santa Rosa 10 3,31 4 Córrego dos Pereiras 17 5,63 6 Gaviãozinho 11 3,64 4 Igrejinha 22 7,28 8 Mira Serra 23 7,62 8 Pedra Bonita 8 2,65 4 Perdição 17 5,63 6 São Pedro 5 1,66 2 Sede 10 3,31 4 Serra dos Quintinos 10 3,31 4 Serra Queimada 5 1,66 2 Sertão 7 2,32 4 Total 202 78

Os arredondamentos foram feitos para o primeiro número par

imediatamente superior, pois houve o interesse de manter o mesmo número de

mulheres e homens em cada estrato.

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95

Quadro 3 - Número de participantes das reuniões por comunidade e tamanho

da amostra

Representantes Número de

participantes n calculado

n arredondado

Das comunidades 18 12,4 14 Das entidades/instituições 24 16,6 18 Do Governo 3 2,1 3 Total 53 43

Em função do seu papel diferenciado de condução do processo de

diagnóstico e planejamento, os integrantes da equipe executiva não foram

incluídos no plano de amostragem. Todos os oito integrantes foram

pesquisados. Portanto, a amostra final ficou composta por 78 pessoas das 16

comunidades e do entorno da cidade; 14 representantes de comunidades; 18

representantes de entidades; três representantes do governo e oito da equipe

executiva, num total de 121 elementos escolhidos por sorteio.

4.3. Coleta de dados

Os dados foram coletados em um formulário com perguntas “fechadas

e abertas” (Apêndice F). Um formulário é uma coleção de questões que são

perguntadas e as respostas anotadas pelo entrevistador, numa situação face a

face com outra pessoa (GOODE e HATT, 1979).

O formulário elaborado foi testado com dois elementos que

compuseram a amostra e, depois de ajustado, aplicado individualmente ao

conjunto da amostra (incluindo os dois elementos utilizados para o teste).

Contou-se com o apoio de mais uma pesquisadora, uma agrônoma que

também participou do levantamento das informações das comunidades. A

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96

coleta de dados realizou-se durante os meses de março e abril de 1999, nove

meses após o encontro em que foram apresentadas as propostas do Plano de

Desenvolvimento Rural.

Tendo em vista que a participação das pesquisadoras no processo de

diagnóstico e planejamento poderia interferir na expressão das opiniões dos

entrevistados, recorreu-se a um rodízio, de forma que cada pesquisadora não

voltasse à comunidade em que tinha estado durante o diagnóstico.

4.4. Sistematização e análise dos dados

As respostas dos formulários foram sistematizadas em tabelas do

programa Microsoft Excel. Já as respostas das perguntas “abertas” foram

categorizadas, recebendo cada uma um código numérico, incluído nas tabelas.

Este procedimento permitiu, posteriormente, a utilização do programa SPSS

(Statistical Package for the Social Sciences) para análise dos dados.

O SPSS é um método estatístico voltado para as Ciências Sociais, que

permite a identificação de freqüências e o cruzamento de dados. Técnicos do

Departamento de Economia Rural auxiliaram neste procedimento.

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97

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo PINTO (1981b), um processo que objetiva o envolvimento da

população no planejamento das ações requer o desenvolvimento de dois

vetores distintos e articulados. O primeiro refere-se à aquisição e produção

de conhecimentos sobre uma realidade social, os quais, refletidos e

conscientizados por um grupo, motivam-no para uma ação coletiva. O segundo

refere-se ao processo de organização, que, através da identificação e

articulação de novos atores sociais, deve ocorrer ao longo do processo de

aquisição de conhecimentos.

Esta proposição encontra-se em sintonia com a idéia de que a verdade

constrói-se a partir de aproximações sucessivas, presentes nas concepções de

pesquisa participativa, e com o princípio da aprendizagem progressiva,

presente no DRP.

No diagnóstico da realidade de Tombos, utilizou-se uma estratégia de

trabalho que foi envolvendo, progressivamente, maior número de pessoas, ao

passo que ia se avançando no conhecimento sobre a realidade em estudo. A

articulação entre estes dois vetores (novas pessoas e novos conhecimentos)

foi garantida através da socialização das informações e, principalmente, das

atualizações do roteiro de pesquisa.

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O diagnóstico propriamente dito começou com a definição dos seus

objetivos, da abrangência e do enfoque na equipe executiva, um conjunto de

oito pessoas. Aqui também ocorreu a primeira etapa do processo de aquisição

de conhecimentos, a partir da análise dos dados secundários obtidos, o que

resultou na formulação do primeiro roteiro de levantamento de informações,

bastante amplo.

A segunda etapa do processo de aquisição de conhecimentos

aconteceu no Conselho de Elaboração do Plano, um grupo composto por cerca

de 40 pessoas. Através de técnicas de DRP, foram mobilizados os

conhecimentos deste grupo, que, analisados pelos próprios membros do

Conselho, serviram de referência para a elaboração do segundo roteiro, este já

mais específico, utilizado para orientar o levantamento das informações nas

comunidades.

Este procedimento permitiu não apenas aumento quantitativo dos

envolvidos, mas também a ampliação do número de pessoas que se

encontravam no papel de “leitores da realidade”. Se, para a formulação do

primeiro roteiro, interferiram as idéias e os conceitos apenas daquele grupo que

formava a equipe executiva, por ocasião da formulação do segundo roteiro

foram as informações e as idéias de um conjunto bem maior (cerca de 40

pessoas) que passaram a orientar o processo de pesquisa.

A terceira etapa de aquisição de conhecimentos ocorreu nas

comunidades e também foi feita, basicamente, com técnicas de DRP. Ao final

deste processo, o Conselho foi ampliado com representantes das

comunidades, e foi este fórum ampliado (cerca de 55 pessoas) que passou a

realizar a leitura das informações obtidas, analisando-as e formulando as

propostas de ação, posteriormente apresentadas e discutidas num encontro

aberto à população.

Observa-se, portanto, que a estratégia utilizada permitiu a articulação

da incorporação de novas pessoas ao processo de leitura da realidade e o

avanço na aquisição de novos conhecimentos sobre esta realidade. No

entanto, a pesquisa realizada pretendeu avançar em direção a uma análise

mais qualitativa do processo de aquisição de conhecimentos gerado pela

estratégia utilizada em Tombos.

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99

Segundo Paulo Freire, todo e qualquer processo de aprendizagem é

fortemente dependente do quanto a temática é significativa para o sujeito

deste processo, ou seja, para que se realize a aprendizagem, os conteúdos

devem ser relevantes para o(s) sujeito(s) do ato de aprender. Por isso,

segundo suas proposições, o primeiro momento de um processo educativo

deve ser a definição da temática (ou dos conteúdos) por educador e educando.

Um diagnóstico da realidade já traz implícito, de forma geral, o que

Paulo Freire chama de temática significativa. No caso, ela é a própria

realidade vivida. Porém, mesmo que o tema geral esteja definido, ainda se faz

necessário um recorte desta temática, já que é impossível apreender a

realidade na sua totalidade. Em Tombos, este recorte foi iniciado no âmbito da

equipe executiva, quando se definiram os objetivos, o enfoque e a abrangência

do diagnóstico. A partir de então, os recortes foram feitos através das

atualizações do roteiro de pesquisa, realizadas com o envolvimento de um

número crescente de pessoas.

Um roteiro constitui um instrumento de definição mais preciso dos

elementos da temática significativa que se deseja desvelar. Um DRP, como

realizado em Tombos, tem no roteiro um verdadeiro “guia” tanto para a

sistematização das informações já obtidas quanto para a identificação dos

“pontos obscuros”, que ainda necessitam de investigação e irão compor o

“novo roteiro”, ou seja, é ele que orienta a definição do que é ou não

significativo para o conjunto envolvido no processo de leitura da realidade.

Em Tombos, as atualizações progressivas do roteiro permitiram o

envolvimento ativo dos novos atores sociais envolvidos. Através delas, o grupo

“perseguiu” as informações consideradas necessárias, analisou-as e descartou

aquelas que não se mostravam relevantes para a pesquisa. Este procedimento

fundamenta-se em um outro princípio do DRP: o da “ignorância ótima”. Diante

do risco da pesquisa perder-se no excesso de informações, este princípio

propõe a idéia de um “nível de ignorância ótima”; ignorância no sentido de

desconhecimento, de “descarte” daquilo que não tem relevância para a

pesquisa. Isso torna-se particularmente importante quando o grupo envolvido

na leitura da realidade é grande e, muitas vezes, não familiarizado com textos

extensos.

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100

No entanto, o ato de recortar a realidade é um ato de escolha, de

seleção, de descarte, que está sujeito a erros e a desvios. A estratégia

montada em Tombos procurou, através das atualizações do roteiro, incorporar

neste recorte número cada vez maior de pessoas, como forma de diminuir os

riscos de erros e desvios em relação aos temas de interesse coletivo, e

também para que, no planejamento, o plano fosse um pacto verdadeiro,

legítimo e firmado entre o maior número possível de pessoas.

Entretanto, ao analisar o alcance educativo da estratégia utilizada,

dados coletados mostram uma forte correlação entre o momento em que as

pessoas foram incorporadas ao diagnóstico e o grau de percepção do processo

em andamento e, ou, o grau de aprendizagem obtido.

Duas variáveis foram utilizadas para medir o grau de percepção do

indivíduo a respeito do processo de diagnóstico e planejamento:

a lembrança dos objetivos do trabalho: o momento da coleta de dados para

a presente pesquisa aconteceu depois de 11 a 12 meses da etapa de

reuniões para levantamento de informações nas comunidades;

a noção do número de pessoas envolvidas no trabalho: incluindo as pessoas

que participaram do encontro final, este número passa de 400.

O (a) senhor(a) lembra qual era o objetivo daquele trabalho?

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Não lembra ou lembra de forma

nebulosa

40 33,0 38 48,7 1 7,1 1 3,4

Lembra de forma satisfatória ou plenamente

81 67,0 40 51,3 13 92,9 28 96,6

Total de pessoas 121 78 14 29

Quantas pessoas acham que foram envolvidas no trabalho como um todo?

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Não sabe dizer 42 34,7 42 53,9 - - - -

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101

menos de 400 39 32,2 26 33,3 4 28,6 9 31,0

mais de 400 40 33,1 10 12,8 10 71,4 20 69,0 Total de pessoas 121 78 14 29

Os dados apresentados revelam que:

67,0% das pessoas lembram de forma satisfatória ou plenamente dos

objetivos do trabalho, porém, este índice é bem maior entre os membros do

Conselho Inicial (96,6%) e representantes das comunidades (92,9%) do que

entre aqueles que participaram apenas das reuniões nas comunidades

(51,3%).

34,7% das pessoas não têm noção do número de pessoas envolvidas no

trabalho, todas elas são pessoas que participaram apenas das

comunidades, o que representa 53,9% desta categoria. Enquanto isso,

71,4% dos representantes de comunidades e 69,0% dos membros do

Conselho Inicial têm uma noção real do número de pessoas envolvidas

(acima de 400), noção encontrada em 12,8% das pessoas que participaram

apenas do trabalho nas comunidades.

Para medir o grau de aprendizagem das pessoas envolvidas no

processo, duas variáveis foram utilizadas:

a possível mudança no pensamento em relação à realidade;

a pergunta direta sobre o aprendizado de alguma coisa.

O trabalho provocou alguma mudança no pensamento que você tinha sobre a

realidade do município?

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Sim 77 67,0 44 56,4 13 92,9 20 87,0 Não 38 33,0 34 43,6 1 7,1 3 13,0 Não se aplica 6 - - 6

Total de pessoas 121 78 14 29

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102

Os dados apresentados permitem a observação de que o trabalho

provocou algum tipo de mudança na imagem que 67,0% das pessoas tinham a

respeito da sua realidade, apesar disso não ter acontecido com 43,6% das

pessoas que participaram apenas das reuniões nas comunidades. Entre os

representantes de comunidades e membros do Conselho Inicial, o índice de

mudança no pensamento sobre a realidade ficou em torno dos 90%.

Aprendeu alguma coisa?

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

sim 96 79,3 54 69,2 14 100,0 28 96,6 não 25 20,7 24 30,8 - - 1 3,4

Total de pessoas 121 78 14 29

Pode-se observar que o índice de pessoas que mencionam algum tipo

de aprendizado é alto: 96,6% dos membros do Conselho Inicial, 100% dos

representantes das comunidades e 69,2% das pessoas das comunidades.

Entretanto, cerca de 1/3 (30,8%) das pessoas da comunidade respondem

claramente que não aprenderam nada.

Os dados analisados até o momento indicam que o aprendizado e a

percepção do trabalho realizado estão fortemente relacionados ao momento

em que a pessoa é envolvida no processo, ou seja, ao seu grau de participação

na estratégia utilizada. Aqueles que participaram da definição da temática

significativa, através das atualizações do roteiro e da leitura dos dados obtidos,

apreenderam mais da realidade investigada.

Quanto à formulação da estratégia utilizada em Tombos, a participação

diferenciada justifica-se pelas dificuldades operacionais de se envolver todos

(no caso, cerca de 400 pessoas) em todas as etapas do processo de

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103

diagnóstico e planejamento, e também pela constatação de que o estímulo

pessoal (inicial) para o envolvimento num trabalho como este é diferenciado.

Os dados, no entanto, revelam limitações na estratégia utilizada e

indicam a necessidade de uma atenção especial tanto para a continuidade do

trabalho, a fim de dar prosseguimento ao envolvimento das pessoas no

processo, quanto para uma comunicação eficiente dos resultados obtidos,

mesmo que parciais, como forma de manter o estímulo criado pelo processo de

diagnóstico e planejamento.

A continuidade é mencionada, de forma espontânea, como

necessidade por cerca de 1/3 das pessoas envolvidas no processo.

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Quantos apontam a descontinuidade como ponto fraco ou propõem um

processo mais constante

35 28,9 24 30,8 4 28,6 7 24,1

Total de pessoas 121 78 14 29

A pergunta a respeito do andamento das propostas revelou uma

frustração por parte dos envolvidos.

Sabe como está o andamento das propostas?

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Sim 29 24,0 10 12,8 3 21,4 16 55,2 Não 92 76,0 68 87,2 11 78,6 13 44,8

Total de pessoas 121 78 14 29

Nove meses após o encontro que apresentou as propostas à

população, 87,2% das pessoas das comunidades não sabiam do seu

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104

andamento. O índice é alto também entre aqueles que as elaboraram. São

78,6% dos representantes de comunidades e 44,8% dos membros do

Conselho Inicial que não estavam acompanhando o encaminhamento das

propostas. Perguntados pelos motivos deste desconhecimento, a resposta

mais freqüente foi que não houve mais reuniões sobre o assunto (63,6% dos

representantes de comunidades e 38,5% dos membros do Conselho Inicial).

Entre as pessoas da comunidade, a resposta mais freqüente foi que não

conheciam as propostas (22,8%), além de uma parte significativa (26,1%)

mencionar, espontaneamente, que não sabiam como ficar a par do andamento,

revelando um problema de comunicação logo após a etapa de definição das

ações.

Entretanto, o confronto destes dados com outro revela novas

observações. Trata-se das respostas à pergunta: o trabalho trouxe alguma

coisa que pode ajudar o município a se desenvolver?

Você acha que o trabalho realizado em Tombos trouxe alguma mudança que

ajude o município a se desenvolver?

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

sim 96 79,3 58 74,4 12 85,7 26 89,7

não 21 17,4 17 21,8 2 14,3 2 6,9 não sabe 4 3,3 3 3,8 - - 1 3,4

Total de pessoas 121 78 14 29

O número de pessoas que responderam “sim” é alto em todas as

categorias, correspondendo a 74,4% das pessoas das comunidades, 85,7%

dos representantes de comunidades e 89,7% do Conselho Inicial.

O que os dados parecem revelar é que as pessoas percebem as

ações, mas não as relacionam com as propostas definidas, talvez até porque

não as conheçam. Esta constatação traz à tona uma importante discussão

sobre a necessidade de uma postura interna (da Secretaria da Agricultura e,

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105

ou, da própria Prefeitura) e de uma estratégia de comunicação que reforcem as

etapas anteriores do processo para que seja percebida, pelos envolvidos, a

relação entre o planejamento e a execução das ações.

Outra questão que faz interface com esta discussão refere-se à

articulação entre as ações das diversas secretarias de uma Prefeitura. No

momento da coleta de dados para esta pesquisa, um número razoável de

pessoas das comunidades (15,0%) “confundiu” o trabalho de diagnóstico a que

se referia o formulário com o orçamento participativo realizado pela Secretaria

de Planejamento, alguns meses após a conclusão do diagnóstico.

A articulação entre as ações das diversas secretarias de uma Prefeitura

poderia reforçar a percepção da relação entre planejamento e execução das

ações, tornando mais claros para a população os efeitos concretos do seu

envolvimento, seja num diagnóstico ou numa consulta popular, além, também,

de racionalizar recursos e esforços.

Retomando o raciocínio de Paulo Freire, o processo de aprendizagem

prossegue a partir da tematização da temática significativa, realizada com o

auxílio de codificações da realidade em desenhos, fotos, gravuras ou palavras,

que têm a função de mediar o diálogo educador-educando ou pesquisador-

“informante”. O DRP utiliza-se de um conjunto de técnicas ou diagramas de

levantamento e análise de informações que codificam a realidade e são

instrumentos eficazes para a tematização. Entretanto, existem diferenças e

particularidades interessantes.

No caso do DRP, a codificação que será admirada é um registro visual

que vai sendo construído em discussão coletiva. Não é uma foto nem um

desenho trazido pelo educador ou pesquisador, como propõe Paulo Freire.

Elas são construídas através do diálogo. Durante a realização de um

Diagrama de Venn, por exemplo, os grupos, as instituições e, ou, as forças

políticas são representadas por círculos de papel de diferentes tamanhos, que

vão sendo dispostos no chão de acordo com as inter-relações que existem

entre aquelas organizações. Ao final, o que se obtém é uma representação (ou

codificação) da relação entre as partes (políticas) que compõem aquela

sociedade. Durante o exercício, a atuação, os objetivos e a história de cada

uma destas partes são colocadas em discussão e problematizadas pelo próprio

grupo e, ou, pelos pesquisadores. É claro que esta será apenas uma dentre

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106

tantas representações possíveis. É a expressão da leitura daquele grupo

naquele momento. Entretanto, é importante observar que as técnicas utilizadas

pelo DRP permitem, com facilidade, o diálogo, seja entre educador e educando

ou pesquisador e “informante”, seja entre educandos ou entre “informantes”. As

técnicas favorecem, ainda, a decomposição do todo em partes, para uma nova

recomposição a partir da problematização da realidade.

A aceitação é realmente muito boa: os métodos são apontados, na

experiência de Tombos, como um dos principais aspectos que favoreceram a

participação das pessoas nas reuniões, seja no Conselho ou nas comunidades.

Os dados apresentados a seguir evidenciam esta afirmação. Antes de

sua apreciação, faz-se necessário ressaltar que as porcentagens apresentadas

nas tabelas a seguir não somam 100% porque os entrevistados puderam

mencionar mais de uma resposta para cada questão “aberta” do formulário.

Sendo assim, só seria possível que as porcentagens somassem 100% se o

cálculo fosse feito sobre todas as respostas. Porém, este procedimento

mascararia as evidências levantadas por uma pesquisa que teve por objetivo

captar a percepção que as pessoas tiveram do processo realizado. Neste

sentido, interessa saber quantos tiveram determinada percepção e não a

freqüência das percepções. Por isso, a porcentagem foi calculada sobre o

número total de pessoas que responderam determinada questão do formulário.

O que favoreceu a participação das pessoas nas reuniões do Conselho?

Total

Representante da comunidade

Conselho inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Os métodos 13 30,2 - - 13 44,8 O interesse das pessoas 10 23,3 3 21,4 7 24,1 O trabalho em grupos pequenos para depois trocar informações 5 11,6 1 7,1 4 13,8 Outras respostas 19 8 11 Total de pessoas 43 14 29

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107

O que favoreceu a participação das pessoas nas reuniões nas comunidades?

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Os métodos, as dinâmicas 24 20,2 13 16,7 3 21,4 8 29,6 O interesse das pessoas 22 18,5 15 19,2 2 14,3 5 18,5 O assunto: a realidade das pessoas 17 14,3 11 14,1 4 28,6 2 7,4

Pessoas se sentiram à vontade 17 14,3 13 16,7 3 21,4 1 3,7 Ter vindo gente de fora 16 13,4 13 16,7 2 14,3 1 3,7 Foi tudo bem explicado 11 9,2 10 12,8 - - 1 3,7

Convite, motivação, incentivo anterior 8 6,7 2 2,6 1 7,1 5 18,5 Outras respostas 26 14 2 10

Total de pessoas 119 78 14 27

Apesar do destaque dado aos métodos, é interessante observar que a

participação parece ter diversos condicionantes, como o interesse das

pessoas, o tamanho dos grupos, o assunto, o ambiente de descontração, a

presença de pessoas de fora, a clareza das explicações e a motivação anterior.

Portanto, os dados reafirmam a inexistência de algo milagroso que, por si,

desencadeie um processo participativo. Para que ele ocorra, é preciso a

interação de uma série de condições.

No que se refere especificamente aos métodos utilizados, 52,9% do

total das pessoas entrevistadas qualificam as técnicas como muito boas ou

excelentes e os principais motivos apontados são os seguintes:

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Estimula a participação, a troca de idéias sem competição

36 29,8 24 30,8 1 7,1 11 37,9

Facilita o entendimento 23 19,0 12 15,4 5 35,7 6 20,7

É leve, criativo, espontâneo 11 9,0 7 9,0 2 14,3 2 6,9 Permite ver a relação entre as coisas, os problemas

7 5,8 - - 3 21,4 4 13,8

Outras respostas 70 36 10 24

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108

Total de pessoas 121 78 14 29

A análise das respostas obtidas à pergunta “Teve alguma dificuldade

em participar das dinâmicas?” revelou ainda que 60,3% das pessoas

entrevistadas que participaram das reuniões nas comunidades não tiveram

nenhuma dificuldade em participar das dinâmicas.

Entretanto, 18,6% das pessoas que participaram das reuniões do

Conselho consideraram que os debates travados durante a realização destas

dinâmicas foram dirigidos. Este dado coloca em discussão a dificuldade de se

efetivar, na prática, uma relação dialógica entre liderança e massa, educador e

educando ou pesquisador e “informante”.

CARDOSO (1990), ao considerar que a democratização das relações

entre pesquisador e “informante” é um imperativo do processo de pesquisa,

alerta para o fato de que a desproporção entre estes mundos impõe

dificuldades para o estabelecimento de relações dialógicas e argumenta que a

ética, entendida como um acordo em torno de normas e valores, é uma de

suas precondições. Através dela, o próprio diálogo torna-se um acordo, o da

aceitação de dialogar, e a relação pesquisador e “informante”, uma relação

entre interlocutores comprometidos na (e com a) relação dialógica. Portanto,

como os valores éticos são valores individuais, a eficiência das técnicas de

DRP em estabelecer uma relação dialógica encontra-se (e sempre se

encontrará) fortemente condicionada pelo compromisso ético de quem as

utiliza.

Segundo Paulo Freire, a tematização da realidade, quando

problematizada, possibilita a percepção do todo através do reconhecimento da

interação entre as partes deste todo, a compreensão de suas situações-limites

(problemas) e a percepção do “inédito viável” (o novo possível), estimulando a

inserção crítica do sujeito na realidade vivida.

A pesquisa de campo revela que 39,7% das pessoas entrevistadas

mencionam como um dos aspectos positivos do diagnóstico a percepção do

todo e destacam a importância da visão geral da realidade. Entretanto, os

dados revelam uma diferença significativa em função do grau de participação

no processo de diagnóstico e planejamento. Enquanto 95,4% dos participantes

do Conselho Ampliado (Conselho Inicial mais representantes das

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109

comunidades) apontam para a importância de ter alcançado esta percepção do

todo, apenas 9,0% das pessoas que participaram das reuniões nas

comunidades mencionam algo parecido. Esse dado é um indício de que a

participação apenas na etapa de levantamento de informações nas

comunidades, onde foram utilizadas técnicas de DRP, não foi suficiente para

permitir o reconhecimento da interação das partes no todo. Ela demandou,

para ser alcançada, um envolvimento nas demais etapas do diagnóstico.

Esta evidência interessa à discussão sobre as potencialidades e limites

do DRP enquanto um método que se propõe a “habilitar a população rural a

compartilhar, aumentar e analisar seu conhecimento sobre sua vida e

condições, para planejar e agir,” permitindo a constatação de que a simples

utilização das ferramentas de DRP, por si, não garante que a população

consiga “compartilhar, aumentar e analisar seu conhecimento sobre sua vida e

condições, para planejar e agir”. É preciso mais; é preciso que se estabeleça

uma “estratégia educativa” eficiente, ou seja, um conjunto de passos

ordenados em torno de uma proposta.

O que provavelmente aconteceu durante os trabalhos do Conselho, e

não nas comunidades, foi uma maior eficiência da problematização da

realidade. Ali ocorreram a análise geral da realidade e a formulação de

propostas segundo processo descrito anteriormente. Foram mais cinco dias de

reunião, com cerca de 55 pessoas onde foram utilizadas técnicas de análise,

como alguns diagramas de fluxo que discutem relação causa-efeito e uma

matriz de relações (apresentada anteriormente). Elas mostraram-se, também,

ferramentas úteis e bem aceitas; 42,9% das pessoas entrevistadas qualificam o

método utilizado como “muito bom” ou “excelente”.

Os principais motivos apontados foram:

Total

Representante da comunidade

Conselho inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Foi um trabalho profundo, extraído, bem apu-rado, era um resumo de tudo

22 51,2 9 64,3 13 44,8

Todos deram opinião 12 27,9 5 35,7 7 24,1 Aprofundou a compreensão dos problemas 5 11,6 3 21,4 2 6,9 Outras respostas 12 4 8

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110

Total de pessoas 43 14 29

Os aspectos destacados como pontos positivos foram:

Total

Representante da comunidade

Conselho inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Perceber a relação entre os problemas, no fluxo. Ter a visão geral.

22 51,2 9 64,3 13 44,8

Escrita individual das propostas 12 27,9 3 21,4 9 31,0 Estimula a participação, a troca de idéias 11 25,6 2 14,3 9 31,0 Aprofundamento nos grupos de interesse 7 16,3 1 7,1 6 20,7 Prendeu a atenção, foi criativo 5 11,6 - - 5 17,2 Outras respostas 6 2 4 Total de pessoas 43 14 29

A supressão da etapa de retorno às comunidades, onde se daria a

discussão das propostas do Plano, talvez tenha contribuído para esta grande

diferença em relação à percepção do todo. O encontro, momento em que se

imaginou realizar esta discussão, foi bastante atribulado e acabou significando

mais um momento de apresentação do que de discussão das propostas. No

entanto, mais do que tudo, os dados apontam para a importância de uma etapa

de problematização que deve ser garantida, seja em que espaço for, para que

se avance em direção à inserção crítica do sujeito frente a sua realidade.

Com a estratégia montada em Tombos, pretendeu-se contemplar as

diferentes posições políticas em torno de um projeto comum: o

desenvolvimento do município. Destaca-se, entretanto, que: 14,0% das

pessoas mencionaram a pouca participação de outras entidades no Conselho;

11,6% consideraram que o Conselho constituiu-se num grupo homogêneo; nas

comunidades, 3,4% mencionaram a pouca participação de pessoas novas e a

divisão partidária foi apontada como uma de suas causas por 10,7 dos

entrevistados.

Apesar de nenhuma destas taxas ser alta, considera-se que elas apontam uma discussão de relevância, particularmente em

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111

relação às iniciativas de democratização dos espaços públicos. Os dados levantados não permitem o aprofundamento desta análise, porém a superação dos problemas identificados exige que as diferenças sejam encaradas como fonte de enriquecimento do debate e do processo de desvelamento da realidade que se pretende alcançar. Vale ressaltar que 90,9% dos entrevistados consideraram válido o envolvimento de pessoas ou grupos com opiniões/posições políticas diferentes, tendo sido apontados como os principais motivos desta validade os seguintes:

Total Comunidades

Representante da comunidade

Conselho

inicial

Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas %

Poder enxergar mais, enriquecer a discussão

44 40,0 27 40,3 6 42,9 11 37,9

Os que pensam diferente podem

aprender

27 24,5 16 23,9 4 28,6 7 24,1

O desenvolvimento é para todos 15 13,6 5 7,5 3 21,4 7 24,1 Grupo fica mais forte, facilita conseguir

as coisas

14 12,7 6 9,0 3 21,4 5 17,2

Ajudaria a unir, podiam entrar num acordo

13 11,8 11 16,4 - - 2 6,9

Outras respostas 10 2 2 6 Total de pessoas 110 67 14 29

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112

6. RESUMO E CONCLUSÕES

A realização de um diagnóstico participativo de uma realidade vivida

tem o potencial de gerar ações que venham a transformar esta realidade. Isto é

factível porque um diagnóstico participativo é capaz de permitir que o indivíduo,

através de um processo de reflexão, atinja a compreensão dos motivos que

geraram e mantêm determinada realidade e a percepção de um novo possível

ou do “inédito viável”, nas palavras de Paulo Freire.

Quando este processo de reflexão é realizado num ambiente coletivo,

que se propõe a planejar ações, o “inédito viável” individual transforma-se num

plano de ação, pactuado entre os participantes. Sua tradução em ações

concretas que venham efetivamente a transformar a realidade vivida

dependerá da legitimidade do plano e do pacto, assim como da capacidade de

realização dos atores envolvidos.

Uma evidência que pode ser percebida ao se distanciar da primeira

afirmação é a de que processos de diagnósticos participativos partem sempre

de uma proposição. E uma proposição é sempre de alguém, de um ou de

alguns atores sociais, sejam estes mais ou menos externos àquela realidade.

Desta constatação emerge, portanto, a figura do sujeito de uma ação

de diagnóstico, que é sempre um sujeito historicamente posicionado. Pode ser,

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113

por exemplo, uma Prefeitura, uma Organização Não-Governamental, uma

Universidade ou um Sindicato. Associados a esta figura, surgem os primeiros

condicionantes de um processo de diagnóstico participativo.

O primeiro deles refere-se à intencionalidade do(s) sujeito(s) que, em

algum momento, se concretiza como realidade em torno de uma proposta de

ação. Se houver a intenção de promover um processo participativo de

transformação social e a concepção de que esta só se dará a partir da

mudança de postura do indivíduo frente à realidade vivida, estes sujeitos

apostarão e procurarão desencadear uma ação que venha a se constituir num

processo educativo.

O segundo condicionante está associado à representação anterior

histórica deste(s) sujeito(s) no local onde se dá a intervenção. Considerando

que um diagnóstico participativo propõe um processo de diálogo entre sujeitos,

as representações que estes sujeitos fazem uns dos outros claramente

interferem no desenrolar deste diálogo. Estas representações são criadas tanto

pelas ações anteriormente desenvolvidas pelo(s) sujeito(s) da intervenção

naquela realidade ou em outras de conhecimento dos atores locais, quanto

pelas expectativas criadas em torno do que se imagina ser o potencial da ação

daquele(s) sujeito(s). Isso significa dizer que nenhum processo de diagnóstico

inicia-se do “zero”. Há, no mínimo, uma referência de ações anteriores e, ou,

uma expectativa do que venham a ser as ações futuras.

No caso de Tombos, em que o diagnóstico foi realizado pelo poder

público, a divisão partidária dificultou a participação daqueles não afinados

politicamente com a atual administração, conforme mostrado na análise dos

dados. Esta é uma questão particular ao fato da prática analisada por esta

pesquisa ser uma ação do poder público e, portanto, merece maior estudo do

ponto de vista das questões que envolvem o desafio do aprofundamento

democrático. Entretanto, as questões referentes à intencionalidade e à

representação histórica do(s) sujeito(s) repetem-se em toda e qualquer

proposta de realização de um diagnóstico participativo. Portanto, é uma

questão que se coloca à própria proposta metodológica.

A discussão desenvolvida por esta pesquisa foi, essencialmente,

metodológica. Fundamenta-se na compreensão de que um método de trabalho

não é, isoladamente, determinante do sucesso de um processo de intervenção,

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114

mas tem a sua importância ao propiciar um instrumental que, com habilidade e

“bons propósitos”, pode conduzir a grandes objetivos. Traçando um paralelo,

pode-se dizer que é o conhecimento do que é possível fazer com um martelo

que permite ao indivíduo “imaginar” algo produzido por ele. Por outro lado, é

este mesmo conhecimento que permite ao indivíduo recorrer a esta ferramenta

para concretizar algo “imaginado”, individual ou coletivamente.

Os dados discutidos anteriormente permitem a conclusão de que o

DRP tem potencial de desenvolver um processo educativo que gere nos

indivíduos a vontade de atuar na transformação de sua própria realidade. Isto

se dá através da capacidade que o método tem de desenvolver uma análise

crítica da realidade vivida, através de um processo de decodificação, de

segmentação, de separação das partes que compõem a realidade, para

recompô-la, mais a frente, transformada, inicialmente no pensamento, na

imaginação, no indivíduo, e, em seguida, no coletivo, através do planejamento

de ações.

A princípio, numa democracia, quanto maior o número de envolvidos

num processo de diagnóstico e planejamento, maior a legitimidade e a força do

plano. No entanto, a análise da prática desenvolvida em Tombos mostrou que

existem limitações em relação à participação de um grande número de pessoas

em todas as fases de uma estratégia de diagnóstico. O envolvimento é

diferenciado e limitado. Esta evidência aponta para a necessidade da

continuidade de um processo após a definição do plano de ações, que, além de

dar concretude às propostas, continue, progressivamente, envolvendo maior

número de pessoas. Isso para que o plano tenha e mantenha sua legitimidade

e reconhecimento político, elementos fundamentais para que ele tenha força

para se tornar realidade.

A necessidade de incorporar novos atores ao processo desencadeado

pelo diagnóstico demanda uma concepção de flexibilidade em relação ao

plano. É preciso ter a idéia de que um plano, um pacto não é algo fixo,

imutável. Deve haver flexibilidade para incorporar tanto as visões das pessoas

que se integram ao processo quanto a dinâmica da conjuntura.

A continuidade justifica-se, também, pela própria característica de um

processo educativo que é, por natureza, um processo contínuo. O processo de

aprender é um processo de descoberta. O aprendizado verdadeiro gera, em

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essência, a descoberta de “como aprender” e a vontade de continuar

aprendendo e descobrir novas coisas. Em outras palavras, quando se deseja

permitir a realização de um processo educativo, é preciso prever continuidade.

É preciso que o processo gere um continuum, um movimento, uma vontade (e

um caminho) para prosseguir. O diagnóstico deve ser parte de uma estratégia

educativa mais ampla.

Outros aspectos de importância evidenciados pela pesquisa são

discutidos a seguir. Um deles é a constatação de que um processo de

diagnóstico e planejamento começa antes das etapas de aquisição de

conhecimentos. O momento de definição de objetivos, abrangência e enfoque

representa o primeiro recorte da realidade. Portanto, para que este recorte

esteja harmonizado com os interesses coletivos, é necessário que seja feito por

um conjunto representativo da sociedade. Isso requer, portanto, um trabalho

inicial de articulação e sensibilização dos atores sociais. A estratégia do

processo de diagnóstico e planejamento deve ser concebida com calma e

profundidade, pois o alcance do trabalho estará fortemente condicionado por

ela.

Outro aspecto evidenciado pela pesquisa refere-se à importância de

um roteiro flexível, que, ao ser atualizado, incorpore de forma ativa novos

atores sociais e oriente o processo de diagnóstico, permitindo a seleção do que

é ou não relevante conhecer. Isso torna-se particularmente importante quando

a pesquisa, ou seja, a leitura da realidade, está sendo praticada por um

coletivo, muitas vezes heterogêneo em relação à capacidade de apreensão de

um grande volume de informações escritas. A síntese e a visualização das

informações tornam-se recursos importantes para que as informações sejam

apreendidas pelo conjunto dos envolvidos no diagnóstico.

Em relação às técnicas ou aos diagramas utilizados em um DRP, a

pesquisa evidenciou que se tratam de bons instrumentos de codificação e

decodificação da realidade; apresentam grande potencial de “mediatizar” o

debate em torno de uma realidade, especialmente porque são construídos ao

longo de um diálogo; permitem a visualização das partes no todo; exercem um

papel importante na visualização das informações que estão sendo discutidas e

problematizadas pelo grupo; são simples, de boa aceitação e favorecem a

expressão das opiniões individuais. Porém, são também fortemente

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116

dependentes da habilidade, dos propósitos e dos valores éticos de quem os

utiliza. Como o objetivo de um diagnóstico participativo é estabelecer um

diálogo, é necessário que os pesquisadores tenham conhecimento das

técnicas e principalmente disposição e habilidade para o diálogo.

O resultado da presente pesquisa evidencia que o uso destas técnicas

ou diagramas não é capaz, por si, de desencadear um processo de análise

crítica da realidade ao ponto de gerar no indivíduo uma “tomada de postura”

ativa frente a esta realidade. Isso requer um processo mais profundo de

distanciamento e reflexão crítica sobre as razões que criam e mantêm a

realidade da forma como ela é, ou seja, é fundamental que o terceiro momento

do método proposto por Paulo Freire seja realizado, o momento da

problematização.

Essa evidência vem relativizar uma mística em torno da rapidez

esperada em um DRP. Esta mística advém das preocupações que inspiraram o

desenvolvimento do DRR, contudo, percebe-se que, diante do objetivo de gerar

uma “tomada de postura” ativa do indivíduo frente à realidade (talvez uma boa

tradução para o termo “empoderamiento”), é necessário um processo de

análise da realidade e planejamento das ações que requer tempo e uma

estratégia que garanta que o processo de reflexão crítica se realize. O

diagnóstico, em si, deve ser uma estratégia educativa.

Outra questão refere-se à importância da comunicação. No momento

do diagnóstico, envolve-se, mesmo que de forma diferenciada, um grande

número de pessoas. Entretanto, após a elaboração do plano, este

envolvimento tende a diminuir, já que o objetivo prático do diagnóstico (a

elaboração do plano) é atingido. No entanto, o plano não é o fim, mas o

começo da ação e, para sua concretização, faz-se necessário manter as

pessoas em sintonia com os desdobramentos do diagnóstico e estimulá-las a

incorporar-se, cada vez mais, nas atividades que buscam a concretização das

ações. Torna-se, portanto, fundamental que seja estabelecida uma estratégia

de comunicação capaz de garantir o fluxo das informações sobre o andamento

(ou não) do plano de ação.

As diferenças sociais e ideológicas entre os atores do desenvolvimento

trazem dificuldades para que estas visões sejam compartilhadas num processo

de diagnóstico e planejamento coletivo. Muitas são dificuldades de caráter

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político, influenciadas por um contexto histórico. A habilidade em enfrentá-las é

algo a ser conquistado pelos indivíduos envolvidos no processo. A postura das

lideranças pode ser determinante, facilitando ou dificultando esta “consertação”

de visões. A pesquisa mostra que, apesar das dificuldades, a diferença de

opiniões é valorizada pelos envolvidos como algo que pode enriquecer as

discussões e fortalecer o pacto, aumentando suas chances de ser

concretizado. Em outras palavras, torna o plano mais legítimo e reforça o pacto

estabelecido. Portanto, vale a pena enfrentar as dificuldades advindas desta

situação.

Considerando que a presente pesquisa discutiu as potencialidades e

limitações do uso do DRP, a partir do estudo de uma prática desenvolvida pelo

poder público municipal, cabem aqui algumas considerações finais.

A primeira refere-se à especificidade de um estudo de caso que, não

permitindo a generalização das informações, deve ser compreendido como

uma fonte de indicações que devem ser contrastadas com outros estudos de

caso, a fim de reafirmar ou contestar as conclusões ensaiadas anteriormente.

Estudos comparativos sobre o uso do DRP em processos de desenvolvimento

local tornam-se de grande importância para aprofundar a discussão sobre suas

potencialidades e limitações.

Outra questão é a especificidade de a prática analisada por esta

pesquisa constituir-se numa iniciativa do poder público municipal. Com isto, a

pesquisa, que foi direcionada principalmente para uma análise metodológica,

tangenciou (mas não aprofundou) as discussões relativas aos desafios da

democratização dos espaços públicos. Situa-se aqui um amplo campo de

pesquisa de grande relevância no atual contexto político brasileiro de

descentralização do Estado. Pesquisas sobre o papel do município no

desenvolvimento local e sobre os desafios gerados pela descentralização

político-administrativa do Estado podem contribuir para maior compreensão

dos processos de democratização e para enriquecer a discussão sobre as

contribuições que podem advir das metodologias participativas.

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124

APÊNDICES

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125

APÊNDICE A

PROPOSTA PRELIMINAR PARA ELABORAÇÃO DO PLANO DE

DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL DE TOMBOS41

Doc.1

PRINCIPAIS ETAPAS

Acerto da proposta, formação de uma equipe de trabalho, definição de

diretrizes, cronograma e outras questões operacionais.

Levantamento de dados secundários sobre o município (exemplo: IBGE,

pesquisa UFJF).

Diagnóstico da realidade municipal:

Subetapas: - levantamento inicial

- sistematização roteiro - aplicação de técnicas de grupo - sistematização - entrevistas - sistematização

Elaboração do Plano de Desenvolvimento.

Apresentação e discussão com a população.

41

Elaborada por Andréa, discutida com Ferrari e enviada por fax para Margarida, no final de janeiro/98.

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126

Encaminhamentos: formação de grupos de trabalho.

Acompanhamento e avaliação.

Esta proposta referenda-se nas experiências de trabalho do CTA-ZM e na metodologia de Planejamento

Estratégico Participativo (PEP), sistematizada pelo Professor Joel Souto Maior (UFPb) e utilizada pelo CEPAGRO (uma

ONG de Santa Catarina).

A metodologia reconhece a necessidade do produto final (o Plano),

porém ressalta a importância do processo, pois entende que este caminho é

determinante na construção das bases para implementação das ações

previstas no Plano.

A realização deste trabalho pressupõe e depende do envolvimento das

diferentes organizações locais e do Poder Público local, atores efetivos do

desenvolvimento municipal.

A assessoria técnica prevista orienta o processo a contribuir para

desencadear um movimento para o desenvolvimento do município.

Prefeituras/PDR Tombos/Proposta 09/03/98 AA.

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127

APÊNDICE B

Doc. 2

Reunião dia 11.02.1998.

Local: Tombos/MG.

Presentes: Ferrari, Glauco, Margarida, Derly, Luciana (Secretária de Ação Social), Andréa, Emerson, Batiá.

Pauta:

1 - Apresentação e discussão da proposta preliminar para elaboração do Plano

de Desenvolvimento Municipal de Tombos.

2 - Convênio Prefeitura Municipal de Tombos e CTA.

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PRINCIPAIS ETAPAS

Acerto da proposta

Levantamento de dados secundários (IBGE, pesquisa

UFJF, etc.)

Diagnóstico (várias etapas)

Elaboração do Plano

Apresentação e discussão com a população

Encaminhamentos: formação de grupos de trabalho

Acompanhamento e avaliação

Discussão sobre a necessidade do Plano:

Já existem propostas tiradas das comunidades, através dos grupos

formados pela Prefeitura e através da pesquisa da UFJF.

Então, por que um Plano?

Porque não está tudo incluído. Lugares ficaram de fora, assuntos não foram

bem explorados, como a pecuária.

Porque o plano dá o rumo, define as questões estratégicas, define

prioridades.

Porque não se conhecem as demandas futuras. Por exemplo, hoje 40

produtores estão criando peixe. E daqui a dois anos, qual será a demanda?

Porque é preciso planejar diferentes ações. Se todos produzirem uma coisa

só, sobra.

Porque é necessário analisar, estudar, pensar bem nas ações.

Porque é importante que os agricultores entendam toda a cadeia.

Discussão sobre o rural e o urbano:

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O desenvolvimento envolve a população urbana também.

Muitas pessoas moram na cidade, mas trabalham no campo ou têm

atividades ligadas à agricultura.

Existe um “muro” entre a cidade e o campo, que precisa ser vencido.

É importante também olhar para a região, ver as tendências regionais.

Listagem das comunidades a serem atingidas pelo diagnóstico (18

comunidades, todas no meio rural. Existem grupos estruturados apenas em 5):

1) Catuné 1

2) Catuné 2

3) Alto Catuné

4) Água Santa

5) Igrejinha

6) Banco

7) Perdição

8) Batatal

9) Gaviãozinho

10) São Pedro

11) Córrego dos Pereiras

12) Pedra Bonita

13) Pedra Bonita

14) Serra dos Quintinos

15) Chave Santa Rosa

16) Serra Queimada

17) Mira Serra

18) Sede (proximidades da cidade)

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90

2 - Convênio PMT e CTA:

Discussão com o Prefeito a partir de uma minuta elaborada pelo CTA.

Tudo OK.

Prefeituras/PDR Tombos/Discussão da Proposta 09/03/98 AA.

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91

APÊNDICE C

Doc. 3

Reunião dia 02/03/98.

Local: Tombos/MG.

Presentes: Ferrari, Glauco, Margarida, Emerson (EMATER), Nice (EMATER), Márcia, Batiá (STR).

Pauta:

1 - Apresentação e discussão da proposta preliminar de planejamento.

2 - Composição do Conselho e equipe executiva.

3 - Datas.

1 - Apresentação e discussão da proposta preliminar de planejamento (feita por

Ferrari, Glauco e Andréa a partir da reunião de discussão da proposta de

trabalho, dia 11/02/98).

Análise e sistematização dos dados secundários.

I Encontro do Conselho (1.ª análise).

II Encontro do Conselho (1.ª análise).

Levantamento de campo:

2 etapas de levantamento e sistematização,

10 equipes, 4 fins de semana.

III Encontro do Conselho (análise final).

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92

Encontro do Conselho e representantes das comunidades ainda não

representadas (elaboração da 1.ª versão do Plano): 2 etapas.

Discussão do Plano com as comunidades.

Encontro do Conselho e representantes das comunidades (finalização do

Plano: operacionalização e responsabilidades).

Redação do Plano.

Divulgação.

Previsão: 22 dias/pessoa.

Obs.: A equipe do levantamento em campo será tirada dos componentes do

Conselho.

2 - Composição do Conselho:

Lideranças de base: - STR - 8

- Associação - 5

- Coordenadores de grupos - 7

- Sindicato Rural - 2

Governo: - Secretaria de Saúde (secretário + 1) - 2

- Secretaria de Educação - 2

- Secretaria de Assistência Social - 2

- Secretaria de Agricultura - 2

Entidades: - EMATER - 2

- CTA/ZM - 4

- UFV - 6

- SIAT - 1

Câmara de Vereadores - 2

Total: 45 pessoas, sendo 9 não residentes em Tombos

Obs.: Discutiu-se sobre a pertinência de incluir representantes das comunida-des sem grupo formado. Concluiu-se que seria prematuro incluí-los nos encontros iniciais. Fica a idéia de incluí-los no momento de elaboração do Plano, a partir de uma escolha da própria comunidade.

Equipe executiva: Ferrari, Glauco, Andréa, Margarida, Derly, Emerson, Batiá e Márcia

3 - Datas:

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93

- Reunião de preparação do I Encontro (equipe executiva): 11/03/98:

Estudo dos dados secundários, idéias para as técnicas, operacionalização

do I Encontro do Conselho.

- I Encontro do Conselho (1.ª análise):

25 e 26 de março das 9 às 18 h (dois dias inteiros)

- II Encontro do Conselho (1.ª análise):

14 e 15 de abril

- Levantamento de campo:

18 e 19 de abril (data com problema)

25 e 26 de abril (9 comunidades)

2 e 3 de maio (outras 9 comunidades)

9 e 10 de maio (volta às primeiras 9 comunidades)

16 e 17 de maio (volta às outras 9 comunidades)

Prefeituras/PDR Tombos/Planejamento 05/03/98 AA

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94

APÊNDICE D

Doc. 4

Reunião dia 11/03/98. Local: Tombos. Presentes: Derly, Margarida, Márcia, Glauco, Batiá, Emerson, Andréa Pauta: 1) Análise dos dados secundários. 2) Preparação do I Encontro do Conselho.

1) Análise dos dados secundários:

Como tínhamos apenas os dados brutos e a pesquisa de Juiz de Fora não havia chegado, não foi viável

analisar os dados. Marcamos outra data para esta análise (17/03/98, 9 h). Glauco e Márcia ficaram responsáveis pela

sistematização das informações e distribuição para a equipe antes da reunião.

Discutimos, então, sobre o objetivo final do trabalho. A questão colocada

foi a seguinte: em alguns momentos falamos em Plano de Desenvolvimento

Municipal e, em outras, em Plano de Desenvolvimento Rural. O que estamos

querendo? Elaborar um Plano de Desenvolvimento Municipal ou um Plano de

Desenvolvimento Rural? Qual a diferença? Surgiram outras questões: ou seria

um Plano de Desenvolvimento Agrícola? O que entendemos por rural? O que

entendemos por agrícola?

Foram colocadas várias opiniões. Entre elas:

O rural é tudo aquilo relacionado à zona rural.

O agrícola é aquilo relacionado ao uso da terra. São as atividades agrícolas.

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Na zona rural há as atividades agrícolas, mas, também, as questões da

saúde, da educação, dos direitos trabalhistas, da previdência, etc.

As atividades agrícolas estão na zona rural, mas refletem-se também na

zona urbana. Exemplo: comercialização, uso de mão-de-obra temporária,

etc.

O desenvolvimento da zona rural envolve todas as questões, porém, se

levantarmos tudo, na idéia de fazer um Plano de Desenvolvimento Rural, a

agricultura pode sumir no meio de muitas outras demandas. Normalmente a

população pensa nos serviços (exemplo: posto médico, transporte escolar,

estrada, etc.), pois tem toda uma tradição assistencialista. Corre-se o risco

de não sair quase nada de agricultura.

Além disso, o trabalho está sendo puxado pela Secretaria de Agricultura. As

demandas das outras áreas não poderão ser atendidas pela Secretaria. Isso

pode gerar frustação. As outras Secretarias têm suas próprias formas de

fazer seu trabalho.

Por outro lado, pensar num Plano de Desenvolvimento Agrícola, restringindo

o diagnóstico à realidade das atividades agrícolas, pode frustar as

comunidades que têm outras prioridades. É preciso lembrar que a Secretaria

de Agricultura é um pouco a “porta-voz” da zona rural.

É preciso lembrar também que o diagnóstico não é um levantamento de

demandas. É um estudo da realidade. Se as atividades agrícolas são

importantes, elas vão aparecer e vão ter importância mesmo num

diagnóstico geral da realidade. Não precisa restringir.

A idéia é ter um diagnóstico da agricultura, mas, também, ouvir outras coisas

e levar para quem tem competência na área.

A Secretaria precisa de um Plano de Desenvolvimento Agrícola para

negociar projetos e recursos públicos.

As idéias foram convergindo para o seguinte pensamento:

Fazer um diagnóstico da realidade rural em geral e traçar um plano para o

desenvolvimento das atividades agrícolas. As demandas nas outras áreas

seriam levadas para as outras Secretarias e lá discutidas. A definição do

nome mais apropriado ficou para um momento posterior, depois que as

idéias se assentarem melhor.

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2) Preparação do I Encontro do Conselho. Como não foi possível analisar os

dados, não deu para avançar na preparação do encontro. Ficou para o dia

17.

Prefeituras/PDR Tombos/Análise dos dados secundários 1 12/03/98 AA.

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APÊNDICE E

Paulo Freire?

Paulo Reglus Neves Freire, conhecido no Brasil e no exterior apenas

como Paulo Freire, nasceu em Recife, PE, em 19 de setembro de 1921.

Começou a leitura da palavra, orientado pela mãe, escrevendo palavras com

gravetos das mangueiras, à sombra delas, no chão da casa onde nasceu

(FREIRE, 1996).

Ao lado de seus irmãos e irmãs, foi educado na tradição católica. A

disposição paterna para o diálogo com a família, criando os filhos com

autoridade, mas também com compreensão, talvez tenha contribuído para que

nele se desenvolvesse certa perspectiva em relação à comunicação

(GERHARDT, 1996)

Aos 22 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Recife e, durante o

período de formação acadêmica, tornou-se professor de língua portuguesa do

Colégio Oswaldo Cruz (FREIRE, 1996).

Ainda na década de 40, teve contato com a educação de

adultos/trabalhadores quando trabalhou no setor de Educação e Cultura do

SESI, órgão recém-criado pela Confederação Nacional da Indústria, através de

um acordo com o governo Vargas. Freire ocupou o cargo de Diretor desse

setor do SESI, de 1947 a 1954, e aí foi Superintendente de 1954 a 1957

(FREIRE, 1996).

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Em 9 de agosto de 1956, foi nomeado, pela Prefeitura do Recife,

membro do Conselho Consultivo de Educação, ao lado de mais oito

notáveis educadores pernambucanos. Alguns anos depois, foi designado

para o cargo de Diretor da Divisão de Cultura e Recreação do

Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura Municipal do

Recife (FREIRE, 1996).

Sua primeira experiência como professor de nível superior foi

lecionando Filosofia da Educação na Escola de Serviço Social do Recife. Em

fins de 1959, obteve o título de Doutor em Filosofia e História da Educação,

defendendo a tese “Educação e atualidade brasileira”, e tornou-se professor

efetivo de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências

e Letras da Universidade do Recife, em 1961 (FREIRE, 1996).

Paulo Freire, extrapolando a área acadêmica e institucional, também

engajou-se nos movimentos de educação popular do início dos anos 60. Foi

um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (M.C.P.) do Recife e nele

trabalhou, no sentido de, através da valorização da cultura popular, contribuir

para a presença participativa das massas populares na sociedade brasileira.

Este primeiro movimento marcou profundamente a formação do educador

pernambucano (FREIRE, 1996).

Através de suas concepções de educador popular progressista, Paulo

Freire participou da campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”,

realizada com sucesso pelo então governo popular do Prefeito Djalma

Maranhão, de Natal, Rio Grande do Norte. Ao organizar e dirigir a campanha

de alfabetização de Angicos, também no Rio Grande do Norte, Freire ficou

conhecido nacionalmente como educador voltado para as questões populares.

Logo depois, foi para Brasília a convite do recém-empossado Ministro da

Educação, Paulo de Tarso Santos, do governo Goulart, para realizar uma

campanha nacional de alfabetização. Nasceu, assim, sob sua coordenação, o

Programa Nacional de Alfabetização, que, pelo “Método Paulo Freire”,

tencionava alfabetizar, politizando, 5 milhões de adultos. Oficializado em 21 de

janeiro de 1964, tal Programa foi extinto pelo governo militar em 14 de abril do

mesmo ano (FREIRE, 1996).

Em setembro de 1964, aos 43 anos, Paulo Freire, ameaçado pelo

governo brasileiro, exilou-se na Bolívia. O golpe de Estado ocorrido no País

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pouco tempo depois de sua chegada logo o levou ao Chile, onde permaneceu

de novembro de 1964 a abril de 1969. Trabalhou em Santiago como assessor

do Instituto de Desarollo Agropecuario e do Ministério de Educação do Chile e

como consultor da UNESCO no Instituto de Capacitación e Investigación em

Reforma Agraria do Chile. De abril de 1969 a fevereiro de 1970, morou em

Cambridge, Massachusetts, dando aulas sobre suas próprias reflexões na

Universidade de Harvard, como professor convidado. Em seguida, mudou-se

para Genebra para ser Consultor Especial do Departamento de Educação do

Conselho Mundial de Igrejas. A serviço do Conselho, viajou pela África, Ásia,

Oceania e América (com exceção do Brasil), ajudando os países que tinham

conquistado sua independência política a sistematizarem seus planos de

educação. Na Suíça, Paulo Freire foi também professor da Universidade de

Genebra (FREIRE, 1996).

Paulo Freire retornou

definitivamente ao Brasil em junho de

1980. Em setembro, tornou-se

professor da Universidade de

Campinas (UNICAMP), onde lecionou

até o final do ano letivo de 1990. Em

1.º de setembro de 1989 foi

empossado como Secretário de

Educação do Município de São Paulo,

na gestão da Prefeita Luiza Erundina

de Sousa, cargo do qual se afastou

em maio de 1991. Voltou a lecionar

na Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC-SP). A partir de

1987, Freire passou a ser um dos

membros de Júri Internacional da

UNESCO, que, a cada ano, reúne-se

em Paris para escolher os melhores

projetos e experiências de

alfabetização dos cinco continentes

(FREIRE, 1996).

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Em 2 de maio de 1997, Paulo Freire nos deixou, deixando-nos suas

realizações, seu exemplo de vida e uma obra de grande repercussão

internacional.

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Um pouco da repercussão da obra de Paulo Freire

A obra teórica de Paulo Freire25, reflexão sobre sua prática, tem

servido de fundamento para trabalhos acadêmicos e inspirado práticas em

diversas partes do mundo, desde os mocambos do Recife às comunidades

barakumins do Japão, passando pelas mais consagradas instituições

educacionais do Brasil e do exterior (FREIRE, 1996).

O número de livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado

escritas sobre o pensamento de Paulo Freire ultrapassa a casa dos 300

documentos. Segundo sua biobibliografia, organizada em 1996, eram, na

época, 311 obras publicadas em diversos idiomas.

25

São 23 livros publicados (9 em diálogo com outros educadores), quase todos editados em inglês, francês e espanhol e grande parte deles também em italiano e alemão. A Pedagogia do Oprimido foi traduzida também para mais de duas dezenas de idiomas, desde o japonês, o hindu e outras línguas orientais até o ídiche, o sueco, o holandês e outras línguas dos países europeus. Educação como prática da liberdade foi também traduzido para a língua basca e Pedagogia da Esperança inclui, entre outras traduções, o dinamarquês (FREIRE, 1996).

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APÊNDICE F

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

1. O(a) senhor(a) se lembra qual era a finalidade, o objetivo daquele trabalho?

_____________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ___ não lembra ___ lembra de forma satisfatória ___ lembra de forma nebulosa ___ lembra plenamente 1.1. Menciona plano, geração de propostas ou de ações: _____ (sim = 1,

não = 2) 1.2. Menciona etapas: _____ (sim = 1, não = 2)

2. Quantas pessoas você acha que foram envolvidas no trabalho como um to-

do: ___ menos de 50 ___ de 200 a 300 ___ mais de 500. Quantas? _____ ___ de 50 a 100 ___ de 300 a 400 ___ de 100 a 200 ___ de 400 a 500

3. O trabalho provocou alguma MUDANÇA no pensamento que você tinha

sobre a realidade do município: (sim = 1, não = 2, não se aplica = 3): _____ Se sim, qual(is)?

a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

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4. APRENDEU alguma coisa nova: (sim = 1, não = 2): ____ Se sim, qual(is)?

a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

5. Percebeu se OUTRAS PESSOAS mudaram seu pensamento ou aprende-

ram algo de novo: ___ (sim = 1, não = 2). Se sim, em que mudaram ou o que aprenderam? (quem e o quê) a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

Se não, por quê? a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

6. Se faz parte de alguma entidade, o trabalho provocou alguma mudança no

pensamento, ou seja, na forma de ver da entidade que você faz parte: ______ (sim = 1, não = 2, não se aplica = 3). Se sim, qual(is)? a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

7. Percebeu se OUTRAS ENTIDADES mudaram sua forma de pensar: (sim =

1, não = 2): _____ Se sim, em que mudaram ou o que aprenderam? (quem e o quê) a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

Se não, por quê? a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

8. Como avalia a participação das pessoas no Conselho: _____ (excelente = 1,

muito boa = 2, boa = 3, regular = 4, fraca = 5, não sabe = 6, não se aplica = 7). Por quê? a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

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9. Na sua opinião, o que ajudou/favoreceu a participação das pessoas no Conselho? a) ____________________________________________________ __ __ b) ____________________________________________________ __ __ c) ____________________________________________________ __ __ d) ____________________________________________________ __ __

10. E o que dificultou?

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

11. Como avalia a participação das pessoas nas comunidades: ___

(excelente = 1, muito boa = 2, boa = 3, regular = 4, fraca = 5, não sabe = 6, não se aplica = 7). Por quê? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

12. Na sua opinião, o que ajudou/favoreceu a participação das pessoas nas

comunidades? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

13. E o que dificultou?

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

14. O que achou de o trabalho nas comunidades ter sido feito em duas visitas e

não em uma só? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __

15. Opinião sobre a utilização das dinâmicas, desenhos, etc.: ___ Por quê?

(excelente = 1, muito boa = 2, boa = 3, regular = 4, fraca = 5, não sabe = 6, não se aplica = 7) a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __

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16. O que gostou? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

17. O que NÃO gostou?

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

O que achou de ter separado homens e mulheres?

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __

18. Sugestões para melhorar (se existirem)

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __

19. Teve alguma dificuldade em participar das dinâmicas, desenhos, etc.? ___

(sim = 1, não = 2, não se aplica = 3). Se sim, qual(is)? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

20. Na sua opinião, ficou faltando algum assunto importante para ser discutido?

___ (sim = 1, não = 2, não sabe = 3). Se sim, qual(is)? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

21. Tomou conhecimento das

propostas que foram tiradas? ____

(sim = 1, não = 2)

22. Se sim, o que acha da qualidade das propostas tiradas? ____ (excelente = 1, muito boa = 2, boa = 3, regular = 4, fraca = 5, não sabe = 6, não se aplica = 7).

23. Participou do momento em que foram definidas as propostas? ____ (sim =

1, não = 2)

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24. Se sim, o que achou da forma, do jeito com que as propostas foram tiradas? ____ Por quê? (excelente = 1, muito bom = 2, bom = 3, regular = 4, fraco = 5, não sabe = 6, não se aplica = 7) a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

25. O que gostou?

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __ e) ___________________________________________________ __ __

26. O que não gostou?

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __ e) ___________________________________________________ __ __

27. Sabe como está o andamento das propostas? ____ (sim = 1, não = 2). Se

sim, COMO? Se não, POR QUÊ? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

28. Você acha que este trabalho envolveu pessoas com opiniões diferentes so-

bre a realidade? (sim = 1, não = 2, poucas = 3): ___ Por quê? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

29. Se sim ou poucas, foi difícil trabalhar com pessoas ou grupos com opiniões

diferentes? ___ (sim = 1, não = 2): ____. Por quê? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __

30. Você acha que é válido envolver pessoas ou grupos com opiniões diferen-

tes? ____ (sim = 1, não = 2, não sabe = 3): ____ Por quê? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __

31. Como você acha que foram encarados os conflitos de opinião?

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a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __

32. Como você qualificaria o trabalho realizado: ____ (excelente = 1, muito

bom = 2, bom = 3, regular = 4, fraco = 5, não sabe = 6). Pontos positivos: a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

Pontos negativos: a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

33. Você acha que o trabalho realizado em Tombos trouxe alguma mudança

que ajude o município a se desenvolver? ______ (sim = 1, não = 2, não sabe = 3). Se sim, o quê? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

34. O que mais lhe chamou a atenção no trabalho realizado?

a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __ d) ___________________________________________________ __ __

35. Você se sente capaz, hoje, de participar da realização de um outro

diagnóstico com menos ou mesmo SEM assessoria? ____ (sim = 1, não =

2, não se aplica = 3). Por quê? a) ___________________________________________________ __ __ b) ___________________________________________________ __ __ c) ___________________________________________________ __ __

36. Participação no diagnóstico: (sim = 1) ____ na comunidade ____ no Conselho ____ no Encontrão ____ como representante de comunidade ____ como pesquisador ____ como equipe executiva

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37. IDENTIFICAÇÃO Nome: _________________________________________________________

Sexo: ____ ____ (homem = 1, mulher = 2) Idade: ____ ____ (até 17 anos =

1, de 18 a 40 = 2, de 41 a 60 = 3, acima de 61 = 4)

Comunidade ou Entidade: _____________________________________ ____

Grau de escolaridade:_________________________________________ ____

(nenhum = 1; apenas assina = 2; até 4.a série incompleta = 3; até 4.a série completa = 4; até 8.a série incompleta = 5; até 8.a série completa = 6; 2.o grau incompleto = 7; 2.o grau completo = 8; superior incompleto = 9; superior completo = 10). Participa de alguma organização? _____ (sim = 1, não = 2, apenas na comunidade = 3).