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o QUE SE PENSA, O QUE SE FAZ, O QUE SE DIZ: DISCURSOS SOBRE AS MULHERES RURAIS. What one thinks, what one does, what one says: discourses concerning women in rural places Emma Siliprcndi ' [ BCH-UF I Desde Que Paulo Freire publicou seu ensaio "Extensão ou Comunicação", em 1969, já se fazia uma discussão sobre o papel dos extensionistas ru- rais como educadores, entendendo o processo de extensão como uma situação educativa, em Que edu- cadores e educandos assumiam o papel de "sujeitos cognoscentes", mediatizados pelo objeto Que dese- javam (ambos) conhecer. No prefácio da edição bra- sileira de 1982, lacoues Chonchol afirma Que o livro buscava mostrar "como a ação educadora do agrô- nomo, como a do professor em geral, deve ser a co- municação, se QUiser chegar ao homem, não ao ser abstrato, mas ao ser concreto inserido em uma reali- dade histórica"(FREIRE, 1982). Paulo Freire, ao Ques- tionar a razão de ser da extensão rural, afirmava QUe, ou ela passava a ser um verdadeiro processo de edu- cação/comunicação, dialógico, ou, correria o risco de trabalhar com uma interpretação ingênua da rea- lidade, QUando não fosse explicitamente um instru- mento de dominação, de invasão cultural. Vou relatar aQui algumas experiências de trabalho em extensão, Que, ocorridas Quase 40 anos depois desses escri- tos, mostram dilemas semelhantes. Sou engenheira agrônoma e socióloga, e há al- guns anos venho trabalhando em processos de organi- zação social no meio rural. principalmente com agricultores familiares, em vários cantos do Brasil. Há cinco anos voltei para o Rio Grande do Sul, e trabalho na Emater, instituição responsável pela extensão rural , ·GI, QUe,desde 1999, fez uma opção pelo incen- IEJ::~~3"-\l~õno:r.ada 81ATER-RS. Mestra em Sociologia pela CampinaGrande. tivo à agroecologia e adotou metodologias participativas de diagnósticos e planejamento para nortear as suas ações. Envolvi-me neste trabalho, com a tarefa princi- pal de assessorar a direção e o corpo técnico da em- presa na formulação de políticas Que enfrentassem as desigualdades de gênero existentes. Isto implicava re- ver a forma como as mulheres rurais eram tratadas pela extensão, analisar a realidade social em Que_se desenvolvia este trabalho (as mudanças nas relações de trabalho e familiares, a emergência de movimentos sociais e, especialmente, de mulheres), e, sobretudo, debater com os próprios profissionais (homens e mu- lheres). Que lidavam com estes públicos, para desconstruir os preconceitos existentes e propor no- vas modalidades de trabalho. Nosso objetivo era chegar em propostas de ações Que modificassem o lugar QUetradicionalmen- te coube às mulheres nas políticas de extensão rural, dando maior visibilidade às suas demandas, criando espaços para Que elas participassem mais dos pro- cessos de decisão, e, conseoüentemente. possibili- tando Que elas obtivessem melhorias concretas nas suas condições de trabalho e de vida, e maior auto- nomia de ação. Uma parte das minhas tarefas era participar, como instrutora, de cursos de formação para os téc- nicos de campo da Emater (engenheiros agrônomos, médicos veterinários, técnicos agrícolas, extensionistas sociais e outros profissionais). Que trabalham direta- mente nos municípios e com as famílias de agriculto- res, assentados, indígenas, cuílomboias e pescadores. Nestes cursos, geralmente, se discutia a chamada "Questão de gênero", juntamente com outros temas gerais (história do desenvolvimento da agricultura, políticas públicas voltadas para o rural. e outros). como um módulo introdutório a outros mais especí- ficos, onde se aprofundavam técnicas de trabalho com comunidades, tais como D.R.P. (Diagnostico Rural Participativo), planejamento comunitário e municipal, e outros. Minha proposta de trabalho para o módulo de gênero consistia em fazer algumas atividades interativas em Que se pudesse falar mais abertarnen-

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o QUE SE PENSA, O QUE SE FAZ, O QUESE DIZ: DISCURSOS SOBRE ASMULHERES RURAIS.

What one thinks, what one does, what one says:discourses concerning women in rural places

Emma Siliprcndi ' [ BCH-UF IDesde Que Paulo Freire publicou seu ensaio

"Extensão ou Comunicação", em 1969, já se faziauma discussão sobre o papel dos extensionistas ru-rais como educadores, entendendo o processo deextensão como uma situação educativa, em Que edu-cadores e educandos assumiam o papel de "sujeitoscognoscentes", mediatizados pelo objeto Que dese-javam (ambos) conhecer. No prefácio da edição bra-sileira de 1982, lacoues Chonchol afirma Que o livrobuscava mostrar "como a ação educadora do agrô-nomo, como a do professor em geral, deve ser a co-municação, se QUiser chegar ao homem, não ao serabstrato, mas ao ser concreto inserido em uma reali-dade histórica"(FREIRE, 1982). Paulo Freire, ao Ques-tionar a razão de ser da extensão rural, afirmava QUe,ou ela passava a ser um verdadeiro processo de edu-cação/comunicação, dialógico, ou, correria o riscode trabalhar com uma interpretação ingênua da rea-lidade, QUando não fosse explicitamente um instru-mento de dominação, de invasão cultural. Vou relataraQui algumas experiências de trabalho em extensão,Que, ocorridas Quase 40 anos depois desses escri-tos, mostram dilemas semelhantes.

Sou engenheira agrônoma e socióloga, e há al-guns anos venho trabalhando em processos de organi-zação social no meio rural. principalmente comagricultores familiares, em vários cantos do Brasil. Hácinco anos voltei para o Rio Grande do Sul, e trabalhona Emater, instituição responsável pela extensão rural

, ·GI, QUe,desde 1999, fez uma opção pelo incen-

IEJ::~~3"-\l~õno:r.ada 81ATER-RS.Mestra em Sociologia pelaCampinaGrande.

tivo à agroecologia e adotou metodologias participativasde diagnósticos e planejamento para nortear as suasações. Envolvi-me neste trabalho, com a tarefa princi-pal de assessorar a direção e o corpo técnico da em-presa na formulação de políticas Que enfrentassem asdesigualdades de gênero existentes. Isto implicava re-ver a forma como as mulheres rurais eram tratadaspela extensão, analisar a realidade social em Que_sedesenvolvia este trabalho (as mudanças nas relaçõesde trabalho e familiares, a emergência de movimentossociais e, especialmente, de mulheres), e, sobretudo,debater com os próprios profissionais (homens e mu-lheres). Que lidavam com estes públicos, paradesconstruir os preconceitos existentes e propor no-vas modalidades de trabalho.

Nosso objetivo era chegar em propostas deações Que modificassem o lugar QUetradicionalmen-te coube às mulheres nas políticas de extensão rural,dando maior visibilidade às suas demandas, criandoespaços para Que elas participassem mais dos pro-cessos de decisão, e, conseoüentemente. possibili-tando Que elas obtivessem melhorias concretas nassuas condições de trabalho e de vida, e maior auto-nomia de ação.

Uma parte das minhas tarefas era participar,como instrutora, de cursos de formação para os téc-nicos de campo da Emater (engenheiros agrônomos,médicos veterinários, técnicos agrícolas, extensionistassociais e outros profissionais). Que trabalham direta-mente nos municípios e com as famílias de agriculto-res, assentados, indígenas, cuílomboias e pescadores.Nestes cursos, geralmente, se discutia a chamada"Questão de gênero", juntamente com outros temasgerais (história do desenvolvimento da agricultura,políticas públicas voltadas para o rural. e outros).como um módulo introdutório a outros mais especí-ficos, onde se aprofundavam técnicas de trabalho comcomunidades, tais como D.R.P. (Diagnostico RuralParticipativo), planejamento comunitário e municipal,e outros.

Minha proposta de trabalho para o módulo degênero consistia em fazer algumas atividadesinterativas em Que se pudesse falar mais abertarnen-

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te. e provocar discussões em torno do tema: por Queexistem desigualdades entre homens e mulheres. emgeral. na sociedade. e ouaís as conseoüêncías Queessa situação traz para a vida das pessoas. Se havianecessidade. se fazia uma introdução geral sobre oconceito de gênero. e sobre as mudanças Que têmocorrido nos enfooues das políticas públicas sobreesse tema (Mulher e Desenvolvimento. Gênero eDesenvolvimento. ete.).

As atividades propostas eram de vários tipos:organizados em grupos informais. os participantesmontavam pecuenos esouetes com dramatizações so-bre situações do cotidiano: ou. com papel de cartaz ecanetas coloridas. faziam desenhos retratando umadeterminada realidade. Havia outras formas. mas to-das buscando. de maneira mais lúdica. retratar o coti-diano das relações entre homens e mulheres. Em umsegundo momento. com apoio de vídeos. discussãode textos. e outros materiais. aprofundávamos uma vi-são sobre como a ouestão de gênero se apresentava.especificamente. no meio rural.

Os resultados mais impactantes. do meu pon-to de vista. vinham das dramatizações. Ao retratarsituações do cotidiano (e neste caso. era pedido ex-plicitamente Que não se ativessem à realidade rural.mas procurassem mostrar algo Que acontecia na vidade cada um deles). todos. homens e mulheres. evi-denciavam Que viviam. permanentemente. situaçõesde injustiças contra as mulheres. e Q!.leessas situa-ções eram "naturalízadas". ou seja. estavam plena-mente absorvidas como um "dado" da realidade. nãosendo vistas como algo Que pudesse causar algumescândalo. Exemplos: escolas Que determinavam oQue as meninas podiam ou não podiam fazer comotrabalho prático. proibindo-as de fazer "coisas demeninos" (e proibições semelhantes aos meninos. comrelação às coisas de meninas): sobrecarga de traba-lhos domésticos permanentes sobre as mulheres.mesmo ouando elas também trabalhavam fora de casa:restrição da liberdade das adolescentes (através detentativas de proibições de irem a festas. sem a com-panhia de um irmão: ou proibição de namorar sem apresença dos pais - tentativas estas oue vinham sen-

do repelidas pelas meninas) e o inverso com os rapa-zes. Que eram estimulados pelos pais a saírem comgarotas e a terem uma vida sexual ativa: situações detrabalho em Que as mulheres. cuando conseguiamascensão na carreira. eram difamadas. acusadas deterem conseguido o cargo através de favores sexuais.e não por sua competência: ou mulheres Que. tendooptado por investir na carreira. eram acusadas de se"rnasculínizarern". por não darem prioridade ao seupapel de esposa e mãe. Enfim. o Que aparecia era umfestival de preconceitos e de caricaturas do sensocomum acerca do papel "ideal" feminino. mostrandobem com Qual "caldo de cultura" estávamos lidando.Raramente apareciam situações em Que as mulheres.rompendo os papéis tradicionais. estavam sendo bemsucedidas: ou apoiadas pela família. ou pelos ami-gos. ou simplesmente admiradas como alguém Quetinha um valor especial.

Essasexperiências são muito ricas em mostrarQue. ao partir para uma atividade Que envolve as pes-soas com menor rigor formal- não é um "grupo detrabalho". Que tem "conclusões" a apresentar - émuito mais fácil obter um Quadro do imaginário soci-al Que está subjacente àcuele conjunto de pessoas.Longe da linguagem viciada. dos discursos prontos(Que provavelmente falariam Que "hoje todos somosiguais". "todos temos os mesmos direitos". "discri-minação é coisa do passado"). as atividades vivenciaispermitem Que as pessoas se revelem um pouco mais.e. a partir daí. a discussão tenha maior chance dechegar a algum resultado transformador.

Em segundo lugar. essetrabalho permite Queto-dos. ao mesmo tempo. se dêem conta do Q!.leestá sen-do mostrado. evidendando umasituaçãoQuenão precisaser enunciada por alguém de fora: "está na cara". Du-rante as dramatizações. se percebe QUeas pessoasvãose posicionando. vão concordando ou não com a situa-ção Que está sendo mostrada. e inclusive se envolvememocionalmente. como Quando. numa novela de televi-são. as pessoas "torcem" pelo mocinho ou mocinha.contra aoueles ou aouelas Que Querem lhe fazer o mal.

Depois dessas atividades. sempre se propõe adiscussão: o Que foi mostrado. retrata ou não a rea-

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lídade. e por Que acontece (ou não) o Que foi mos-trado. A discussão. a este ponto. é extremamenteinteressante. Uma parte dos discursos procura sem-pre "justificar" a situação mostrada. Que é. em ulti-ma instância. admitida por todos como sendo injusta.Ouvi argumentos do tipo: Que existia. sim. uma infe-rioridade "estrutural" (ou natural. ou genética) dasmulheres. Que fazia com Q!.Jeelas tivessem Que ser"protegidas"; ou Que a divisão sexual de papéishegemônica na sociedade era correta. uma vez Quecabia às mulheres alguma desvantagem. mas tambémmuitas vantagens (não ser responsável pelo sustentoda família. por exemplo ... ); ou ainda. de Que. "a dis-solução da família" a Que se assiste hoje. é. funda-mentalmente. por culpa das mulheres. Que. ao saíremde casa para ir trabalhar. se expõem a toda uma sortede "tentações". ao mesmo tempo em Que deixam osfilhos abandonados (Que. por sua vez. vão se entre-gar às drogas e à vida dissoluta. etc. ..). Quanto à estaultima Questão. havia uma versão algo matizada: deQue não era culpa das mulheres. mas sim da "situa-ção econômica" Q!.Jeforçava as mulheres a trabalharfora. e Que. por isso. elas deixavam os filhos abando-nados. etc. (o resto continuava igual). Claro Que ha-via também mulheres e homens Que entendiam Que.sendo a sociedade uma construção de todos. nãohaveria por Que aceitar Que somente um grupo (oshomens) possa (e deva) participar da vida pública (sejano mundo do trabalho. da política. das instituições.etc.) e. conseoüentemente. usufruir da maior partedos benefícios. E também havia pessoas Que defen-diam Que as mulheres deveriam usufruir ainda maisdos direitos Que já têm hoje. Quero deixar bem claro:estas discussões não foram feitas há 10. 20 ou 50anos atrás. mas sim. muito recentemente.

Quando as discussões extrapolavam um poucoas relações homens X mulheres. e se avançava umpouco sobre avaliações mais amplas de comportamen-os sociais. também emergiam outros preconceitos.

especialmente com relação às diferentes etnias (lndí-

escendentes. principalmente. mas tarn-i o presentes no Rio Grande

ã, italiana e portuguesa).

Sobre cada categoria social há um discurso pronto (eles"são" assim). Queserve para justificar as aproximaçõesou os afastamentos. dificuldades ou facilidades de re-lacionamentos. comportamentos pessoais einstitucionais. etc.

É claro Que os profissionais da extensão ruralfazem parte de uma sociedade em si preconceituosa(com relação a gênero. a classe. a etnias. etc.). e.portanto. são um reflexo das contradições dessa mes-ma sociedade. Para buscar a realização de um traba-lho de verdadeira comunicação. e uma ação dlalógícacom os sujeitos dos processos sociais de mudança.no entanto. é preciso enfrentar e desconstruir essespreconceitos. e especialmente. a forma de olhar "parao outro" - e por Que não dizer. "para a outra". Fazerde conta Que essa forma de olhar não está sendoenviesada. não ajuda na construção de uma relaçãohorizontal entre os homens e as mulheres profissio-nais da extensão. e entre estes e os agricultores e asagricultoras. Se partimos de uma suposição a respei-to do Que as pessoas são. pensam. ou propõem. ba-seada nos nossos próprios estereótipos. na melhordas hipóteses. como disse Paulo Freire. construire-mos uma visão limitada e superficial de uma realida-de Que vem mudando permanentemente.

Quando a discussão aprofunda-se sobre a rea-lidade do meio rural. vemos uma visão de famíliasmonolíticas. harmônicas. em eouilibrio. Todos con-correm para o sucesso do empreendimento familiar.têm os mesmos objetivos e estratégias de ação. defi-nidos através de consenso. sob a liderança do chefeda família (o pai). secundado pela mãe (como papelde maior ou menor relevância. de acordo com o con-texto cultural). Essa é. em linhas gerais. a visão pre-dominante entre os profissionais da extensão acercade como funciona uma "família rural". Evidentemen-te esta visão se apresenta matizada por diferençasconforme a região. de acordo com os cultivos predo-minantes. a maior ou menor integração em ativida-des extra-agrícolas. etc.

Como outras autoras já mostraram (AGARWAL.1999; DEERE. 2002). essafamília ideal é uma ficção. ese ela existeem alguns contextos. não é sem tensões. Há

2002

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fatores (inclusive laços afetivos) Que fazem com Que aspessoascolaborem dentro da familia, mashá também for-ças Q!.Jelevam a Q!.Jeas pessoas exercitem competiçõesentre si - e tudo isto é permeado por relações de poder.Queforam construídas material e historicamente. atravésdas leis. das instituições. ete. Os laços de dependênciaQueunem as pessoastêm mais a ver com o seu poder debarganha individual do Que. necessariamente.com a suaprópria "vontade" ou "determinação".

Quando analisamos a situação das mulheresrurais com as ouals trabalhamos. vemos Que esta vi-são "enviesada" não permite Que sejam percebidasas mudanças Que ocorreram. nas ultimas décadas. nasituação econômica e social do mundo rural. e. so-bretudo. nos desejos e nas necessidades das própri-as mulheres. Ao partir da suposição de Quea situaçãode subordinação em QJ.Jese encontram dentro da fa-mília é um "fato natural". um arranjo "harmônico" aQue as famílias chegam para melhor se organizarem(e não perceber Que. muitas vezes. existem conflitoslatentes. e Que as mulheres - e. sobretudo as jovens- estão buscando saídas para superar essa situação)instituições como a extensão rural ajudam. muitasvezes. a perpetuar essa subordinação.

O fato de Que as mulheres não são' realmenteouvidas. faz com QJ.Jese continue a oferecer-Ihes asmesmas opções de trabalhos de 20. 30 anos atrás.[ustificadas muitas vezes como sendo demandas daspróprias mulheres ou como adequadas poroueinseridas dentro dos padrões culturais tradicionais.Ora. se não Ihes é permitido participar verdadeira-mente de uma discussão. e expressarem seus desejosreais - poroue se pressupõe Que. nas discussões.estarão "representadas" pelos maridos. pais. irmãos... -as próprias mulheres (como todos os "públicos" depolíticas públicas). Quando perguntadas. tenderão ademandar somente o Que entendem ser "socialmen-te aceito" como sendo "coisas de mulher" (ou seja.atividades coerentes com aoueles preconceitos).

Por outro lado. cultura e tradição estão per-manentemente sendo redefinidos em nossa socieda-de. A própria extensão rural se propõe. mesmo QJ.Jerespeitando determinados condicionantes culturais.

a modificar a realidade. caso contrário. deixaria deexistir a sua razão de ser. Como definir ouais tradi-ções culturais serão respeitadas e ouaís serão trans-formadas. se não respeitando asvontades das pessoas-homens e mulheres - envolvidas?

Em oficinas de discussão mais abertas e nãocomprometidas com projetos de financiamento espe-cíficos (SILlPRANDI, 1998). tivemos a oportunidadede obter resultados surpreendentes. Quando pergun-tadas sobre o QJ.Jepensavam a respeito do seu futurona agricultura. as mulheres mostraram uma disposiçãoenorme em buscar a sua satisfação pessoal e profissio-nal. como indivíduos. procurando formação técnica emáreas não tradicionais. Querendo interferir nas políti-cas locais. participar ativamente em projetos econômi-cos e de geração de trabalho. lutar por Questões depreservação do meio ambiente. tudo isto. sem prejuí-zo do seu papel de membros ativos da família e dacomunidade. Faltava apenas QJ.JemIhes ouvisse e ofe-recesse oportunidade (e condições) de experimentar.Quando perguntadas sobre a sua relação com a exten-são rural. respondiam QJ.Jenão havia espaço para essetipo de discussão. dado QJ.Jea extensão sempre propu-nha o mesmo tipo de atividades (já partia de um "car-dápio" de opções pré-estabelecido).

Para chegar a resultados menos óbvios. açõesaparentemente simples. tais como propor QJ.Jeas pes-soas falem do Que consideram "felicidade". "bem-estar". "futuro". ou comentem "do Que têm medona vida". faz com QJ.Jea discussão tome completa-mente outra direção. Homens e mulheres - de prefe-rência separadamen e - poderão se colocar comoindivíduos inteiros. Que êm sentimentos e vontades.e caberá aos técnicos ouvir - e buscar entender -esses discursos. em todo o seu significado.

O Queesta experiência tem me mostrado é QJ.Jehá ainda um longo caminho até chegarmos a um ver-dadeiro diálogo extensão rural X agricultores eagricultoras. Algumas experiências têm se mostradoexítosas nesse sentido. Quando os técnicos têm dis-posição em deixar-se provocar pela realidade. e apren-dem a decodificar as entrelinhas do discurso formal.Se a intenção é estimular um processo de conheci-

EDUCAÇÃO EM DEBATE FORTALEZA ANo 24 V. 2 Nll 44 2002 109

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mento mútuo. é fundamental poder deixar aflorar osverdadeiros sentimentos das pessoas. Que é o Que asimpulsiona a mudar. ou não. seja QUalfor a direção.

Referências Bibliográficas

AGARWAL. B. Negociación y relaciones de género:dentro y fuera de Ia unidad doméstica. In: HistóriaAgrária no. 17. 1999.

2002

FREIRE. P. Extensão ou Comunicação. Rio de Janei-ro: Paz e Terra. 1982.

SILlPRANOI, E.. NOBRE. M .. QUINTELA. S..MENASCHE. R. (organizadoras). Gênero e Agricul-tura Familiar.São Paulo: SOF. 1998.

OEERE. C.o. e M. LEÓN. O empoderamento damulher: direitos à terra e direitos de propriedadena América Latina. Porto Alegre: Editora daUFRGS. 2002.