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124 / Intervenciones en estudios culturales Intervenciones en estudios culturales, 2015, (1): 169-197 / 169 Facebook: do normal artísticoao exótico normal1 Victor José Caglioni 1. Agradecimentos especiais aos queridos: Ana Oeschler Caglioni, José Carlos Caglioni, Rafaela Felipe Kohler, Sandra Tolfo, Hamilton de Oliveira Junior, Lindair Lanz Schneider, Sally Satler, Carla Fernanda da Silva, Oklinger Montovanelli Junior e grupo Casa dos Criadores. Todas as imagens ilustrativas referentes ao Concurso Homofobia Fora de Moda, encontram-se devidamente autorizadas pela Casa dos Criadores, São Paulo, Brasil, através de pessoa de Isaac Ludovic, no que se refere ao uso de direito de imagem, para a realização, divulgação e reprodução deste trabalho. Ilustração: Bruna Garabito

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Victor José Caglioni

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Gonzalo Arango: ¿El poeta siniestro o el bandido del orden?

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Facebook:

do normal artísticoao exótico normal1

Victor José Caglioni

1. Agradecimentos especiais aos queridos: Ana Oeschler Caglioni, José Carlos Caglioni, Rafaela Felipe Kohler, Sandra Tolfo, Hamilton de Oliveira Junior, Lindair Lanz Schneider, Sally Satler, Carla Fernanda da Silva, Oklinger Montovanelli Junior e grupo Casa dos Criadores. Todas as imagens ilustrativas referentes ao Concurso Homofobia Fora de Moda, encontram-se devidamente autorizadas pela Casa dos Criadores, São Paulo, Brasil, através de pessoa de Isaac Ludovic, no que se refere ao uso de direito de imagem, para a realização, divulgação e reprodução deste trabalho.

Ilustração: Bruna Garabito

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Abstract: There is the urgent need for a public policy advocacy to the community GLBT Brazil, has begun a series of public events, within which some called virtually. By observing these virtual manifestations, especially in the social network facebook, we try to think about how the postmodern subject, in the condition of final paternal authority and speeches, in alternative spaces or not, it is a new forms of social action and performance. Resulting in evidence that the network expansion in it is characteristic social and public-private partnership in Brazilian society, between house and street, enables this to be an important area of subjectivity, rationality, political action and even daydreams with this objective of social action.

Keywords: Facebook - Homophobia - Art - Politics - Sociability

Dedicado aos que buscam algum sentido na pos-modernidade!

Situação contextualDe acordo com a associação Grupo Gay da Bahia, a mais antiga na defesa de direitos dos homossexuais no Brasil, a cada 26 horas um homossexual é morto devido a sua orientação sexual. Isso significa que são assassinatos que evidentemente estão associados à sexualidade da vítima, sem outras razões atestadas por laudos policiais. Num cenário em que a homofobia ainda não é considerada crime o procedimento é utilizar outra designação jurídica para estes crimes: lesão corporal, latrocínio, homicídio, etc; de modo que sejam “encaixados” na lei brasileira e possam ser passíveis de julgamento, mas não são designados como crime de ódio ou crimes decorrentes da homofobia, dessa forma oculta-se a verdadeira causa dos crimes. Esse ocultamento não permite uma análise da realidade brasileira, fato que dificulta a implementação de políticas públicas para prevenir e solucionar o problema da homofobia.

A violência “gratuita” contra essa minoria traz à tona a necessidade urgente de uma política pública, jurídica e educacional no sentido de possibilitar maior proteção e propagar um convívio mais pacífico e linear frente à diversidade sexual. Entretanto, em Maio de 2011 a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (ABLGT) viu uma de suas maiores lutas embargada pela presidente Dilma Roussef. Tratava-se de um programa chamado Escola sem Homofobia, que visava promover uma política pública para tratar, com melhores ferramentas, o termo da homoafetividade; através de vídeos, cartilhas e orientação pedagógica às escolas.

“[...] os preconceitos que compartilhamos uns com os outros, naturais para nós, que podemos lançar-nos mutuamente em conversa sem termos primeiro que

explicá-los em detalhes, representam em si algo político no sentido mais amplo da palavra – ou seja, algo a se constituir num componente integral da questão

humana, em cuja órbita nos movemos a cada dia”

Hannah Arendt (2009).

Resumo: Com a urgente necessidade de uma política pública em defesa dos direitos para com a comunidade GLBT do Brasil, deu-se início a uma série de manifestações públicas, dentro das quais algumas convocadas virtualmente. Através da observação virtual dessas manifestações, especialmente na rede social Facebook, tratamos de pensar sobre como o sujeito pós-moderno, na condição de fim da autoridade paterna e dos discursos, encontra em espaços alternativos ou não, novas formas de atuação social e de performance. Resultando na evidência de que a rede em sua característica de expansão social e relação público-privada na sociedade brasileira, entre casa e rua, possibilita este ser um espaço importante de subjetividade, racionalidade, ação política e até devaneios com esse objetivo de atuação social.

Palavras chave: Facebook – Homofobia – Arte – Política – Sociabilidade

Resumen: Con la necesidad urgente de una política pública para la defensa de la comunidad GLBT Brasil, empezaran una serie de eventos públicos, en el que algunos fueran convocados de forma virtual. Al observar estas manifestaciones virtuales, especialmente en la red social Facebook, tratamos de pensar en cómo el sujeto posmoderno, con el fin de su condición de autoridad, encuentra en los espacios alternativos o no, las nuevas formas de acción social y performance. Queda clara la evidencia de la red en su característica de expansión social y relación público-privada en la sociedad brasileña, entre la casa y la calle, lo que permite este ser un espacio importante de la subjetividad, de la racionalidad, de la acción política e incluso devaneos con este objetivo de la acción social.

Palabras claves: Facebook - Homofobia - Arte - Política - Sociabilidad

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de arte, mas sim tratar de pensar as possibilidades do uso da arte nas redes sociais, como reivindicação, neste caso para um maior entendimento e/ou equilíbrio nas relações sociais que diz respeito à sexualidade.

Entendemos que toda interpretação é de alguma forma limitada dentro de parâmetros estabelecidos anteriormente a mesma, neste caso o objetivo desta é reflexionar, em tão breves páginas, sobre a temática das redes sociais e os reclamos sociais, com base nas reflexões apresentadas durante o Tercer Seminário Internacional: Culturas Políticas e políticas culturais da rede EPC-OIE/CLACSO e demais contribuições da antropologia, sociologia e psicanálise fazendo-nos de terminologias de categorização (branco, negro, homossexual, heterossexual, etc...) não para limitar a condição de indivíduos e grupos, mas sim para apresentar maior clareza a que grupos socializados distintamente nos referimos.

O Pós-moderno na tecnologia social Antes de realizarmos análise das ditas charges e sua correlação com a temática das políticas públicas e culturas políticas, trataremos de pensar no surgimento das redes sociais e seus usuários, pensados na condição de sujeitos e suas características. O fenômeno das redes sociais virtuais não seria possível se não fosse um quadro social “à parte” estabelecido antes mesmo do surgimento dessas redes. Algumas características das sociedades modernas e da assimétrica expansão de um estilo de vida industrial-urbano por basicamente todas as culturas no cenário globalizado, trouxeram consigo algumas características sócio-psicológicas que colocam os sujeitos frente a condições sociais inerentes a sua própria vontade. Algumas dessas “condições” são características da modernidade, entretanto não são meras condições dadas sem um processo contínuo.

2. O video paródia de Dilmaboy está disponível em: h t t p : / / w w w. y o u t u b e . c o m /watch?v=3shtLAbhHHo3. Recentemente fora nomeada para a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara do Brasil, o político Marco Feliciano, de linha argumentativa expressivamente racista e homofóbica com base em uma das interpretações neopentecostal mais influentes na sociedade brasileira.

Chamado de “Kit Gay” por líderes religiosos –especialmente neopentecostais e pela bancada religiosa e/ou conservadora da política brasileira– o kit anti-homofobia foi vetado pela Presidenta, mesmo tendo sido elaborado por especialistas e seu financiamento aprovado no Ministério de Educação e demais instituições públicas correspondentes. Para a maior parte da ABLGT o ato foi considerado como um “retrocesso” nas políticas públicas de inclusão desse grupo no país. Justamente num momento em que agressões e mortes de homossexuais ganhavam maior visualidade na mídia em função de uma onda de ataques ocorridos em vários estados brasileiros.

Muitos militantes repudiaram a ação da Presidenta, especialmente porque, além das reivindicações do projeto, grande parte da comunidade ABLGT participou ativamente na campana presidencial em favor da candidatura de Dilma Roussef. A participação esteve presente nas redes sociais e blogs, onde seu ícone máximo foi o vídeo em Youtube.com de um jovem conhecido como Dilmaboy2 interpretando uma paródia da canção Telephone da cantora norte-americana Lady Gaga, em favor do voto a candidata, comparando-a com Evita Perón e associando sua imagem à “amiga do presidente” Luis Inácio Lula da Silva. Concordando ou não devido ao explícito apoio (deve-se levar em conta o conservadorismo da oposição à mesma), ficou subentendido que fora criada uma espécie de “dívida” moral que permanece viva e estimulando a luta para a criminalização da homofobia e de uma política pública educativa. Ainda que não se possa julgar, já que o mandato não findou, mas houveram manifestações do Supremo Tribunal Federal em favor da união Estável, o que não implica participação do governo na decisão, por ser um órgão de poder judiciário, paralelo ao executivo.

Pelas mesmas redes sociais e blogs surgiram novas reivindicações da comunidade GLBT frente ao veto, onde a arte teve um papel fundamental – partindo de exemplos das comunidades GLBT do Reino Unido, Argentina e Espanha – surgiram inúmeras formas artísticas de reivindicações, das quais vamos nos concentrar na análise de criações ou recriações de charges e ilustrações para o combate ao preconceito de uma forma geral e especificamente contra a homofobia visíveis na rede social Facebook. Algumas dessas charges se apresentam com as figuras do jogo político escancaradas, outras criando situações cotidianas alusivas ao debate que se instalara apoiando-se em vários cartunistas da mídia convencional ou alternativa.

Esta reflexão não se presta a realizar uma crítica à decisão política, suas razões - embora considere claro que a influência de apoio político-religioso se apresentou evidente na negativa da política pública2 - ou avaliar se o conteúdo do “kit-gay” era ou não adequado. Assim como não pretende traçar uma rota histórica e conceitual

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imaginária, uma manifestação de sintomas da falta de recursos que sofre o sujeito nas sociedades do espetáculo, para construir sua dimensão singular de ser no espaço público, que depende de seu sentido de existência (Kehl 2004: 161).

Sem dúvida as redes sociais são como prateleiras de ilusões, criadas por seus usuários desde a porta de entrada até a difícil possibilidade de saída, entretanto, também promove uma intensificação do vivido e/ou da produção narrativa dos sujeitos, como personagens criados por eles mesmos ou como narradores de seu perfil, o usuário tem o poder de avaliar o que mostra e escrever a biografia do personagem, onde o narrador é o próprio usuário (Siliba, 2008:18). Assim como a indústria cultural transformou as relações sociais, segundo os filósofos da Escola de Frankfurt, a partir da criação da prensa móvel, seguidas do rádio, do cinema, da televisão, o desenvolvimento de uma indústria informática está reconfigurando a esfera pública, a comunicação social, a informação e os entretenimentos cotidianos em quase todo o planeta (García Canclini, 2002).

Retomando a Nestor García Canclini, recordamos que com o advento das tecnologias de informação surgiram novas formas de se inventar como sujeito, sua visualidade e uma gradual flexibilização (em potencial) da cultura dominante (García Canclini 2007: 20), a atuação performática na internet, especialmente nas redes sociais, serve como representante importante dessas mudanças. Segundo Harold Innes, as mudanças na tecnologia da comunicação têm invariavelmente três tipos de efeitos, alteram as estruturas dos interesses (as coisas em que pensamos) o caráter dos símbolos (as coisas com que pensamos) e a natureza da comunidade (a área em que os pensamentos se desenvolvem) (Postman apud Innes 1999: 37).

Ainda que não consideremos que os usuários de tecnologias da comunicação sejam “tabulas rasas”, ou seja, que sofrem influência com efeito robótico programado dos meios de comunicação e novas tecnologias, consideramos evidente a influência destes em parte das estruturas simbólicas de uma sociedade e ou grupos de uma sociedade, que podem ser mais ou menos evidentes de acordo com as mensagens (especialmente as massivas) emitidas nessas tecnologias.

Neste sentido, buscar saber como as relações sociais se configuram frente a essa nova perspectiva tem sido um desafio de diversos intelectuais contemporâneos, consideramos, portanto, que é consenso sobre o tema que as mudanças na tecnologia da comunicação atuam diretamente na subjetividade dos indivíduos e na cultura dos mesmos, negativa ou positivamente existem questões de ordem simbólica que

No pensar sobre esse processo consideramos três os tempos de transições para a modernidade, de acordo com o autor Mario Fleig, a pré-modernidade é organizada segundo os princípios de hierarquia, holismo e tradição; a modernidade é organizada segundo os princípios de igualdade, individualismo e autonomia; e a pós-modernidade é representada pela forte característica do fim dos ideais e incredibilidade em relação ao futuro (Fleig 2001: 21).

Propomos-nos realizar uma reflexão sobre o segundo e o terceiro tempos relatados pelo autor, por entendermos como produtores de transformações que produzem diferentes formas de subjetividades e sintomas psicossociais. É sobre a tese de sintomas sociais que se apresentam as distinções entre o sujeito moderno e o sujeito pós-moderno. O primeiro se constrói com o pressuposto de liberdade e apropriação de um saber, em forma de conhecimento (Jerusalinsky 2001: 15) e sobre o imperativo de sair de casa, abandonando a tradição que o forma (Fleig 2001: 23).

O sujeito pós-moderno é conseqüência do sujeito moderno, busca liberdade e autonomia, caminha em busca do saber, entretanto em geral está extasiado de ideias, busca todo tipo de técnica, tanto para compor o corpo desmembrado pela queda dos ideais ordenadores, assim como para expulsar o vazio em que se encontram (Fleig 2001: 25). Consideramos que esse “vazio” de ideais que se refere Fleig é um “último” discurso em si, como evidencia Alejandro Grimson em Los Limites de la Cultura, este influencia inclusive as ciências sociais e por isso mesmo o consideramos extremamente atuante socialmente.(Grimson 2011).

O mundo pós-moderno, como conseqüência dos modos de subjetividade, construídos na modernidade, é o esvaziamento desenfreado do poder simbólico e da lei, do pai, e tudo o que a psicanálise entende como função paterna, anteriormente portadora de uma autoridade preestabelecida socialmente. O sujeito não sabe quem é, busca construir uma imagem pautada no saber do Outro – televisão, ciência e virtualidade. O esvaziamento da função paterna funda os sintomas sociais da modernidade, como os da pós-modernidade (Jerusalinsky 2001:28).

Surgem novas formas de se inventar como sujeitos no mundo pós-moderno, emergem espetáculos que propiciam visibilidade nos meios, múltiplas vozes, flexibilizam a ordem da cultura dominante (García Canclini 2007: 20). A internet se transforma em uma possibilidade de ter visibilidade, ou melhor, uma produção

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pessoal, em reflexão de referência a Margareth Morse e trabalha com o conceito de “autonomia da individualidade protegida” (Morley 2007:144). Visamos a casa como o espaço privado conectado, que agora possibilita o “estar no público”, mas “protegido”.

O autor, que toma como base o uso de celular, também traz a cena o conceito de “Comunidade móvel cercada”, que consiste em que os usuários tendem a usar a tecnologia, não tanto para transcender distâncias, mas sim para redes de comunicação que escapam aos modos convencionais de controles territoriais (Morley 2007:152), teorias que a nosso parecer, são cabíveis para pensar as redes sociais virtuais, para além do próprio uso do celular. Também destacamos que o antropólogo Roberto DaMatta já identificava que no Brasil a casa e a rua são mais que locais físicos, são espaços onde se pode julgar, classificar, medir, avaliar e decidir sobre as ações, pessoas, relações e moralidades. Lugares que se complementam mutuamente e ambas complementadas pelo espaço “do outro” (DaMatta 1986:33).

Entendemos assim que as redes sociais no Brasil assumem um ponto essencial de um espaço “privado” complementado fortemente pelo espaço “do outro” da qual se refere o autor. Uma vez que estão para com o sujeito como se fossem a “rua”, no entanto fazem parte da “casa”, portanto um lugar cheio de classificações, mediações, avaliações, moralidades e extremamente importante para a sociabilidade, frente a um quadro de relações sociais pouco estáveis (DaMatta 1986).

A antropóloga Rosária Winocur exalta em “Robinson Crosoe ya tiene celular: la conexión como espacio de control de la incertidumbre” como o uso do celular e de redes de sociabilidade estão intrinsecamente relacionados às “incertezas” dos jovens frente ao mundo, como um lugar ilusório onde é possível o controle da “incerteza”. (Winocur 2009: 15). A rede assume a possibilidade de sentir menos incertezas em relação à aceitação coletiva, pois permite estar em diferentes grupos simultaneamente, sentir-se mais aceitado, mais amado. Na rede estes sujeitos podem representar, expressar e/ou criarem-se de forma mais autônoma, assim como podem “recusar” os sentimentos e amigos que não os agradam, o que necessariamente não podem fazer no âmbito público, a exemplo da escola onde precisam aprender a viver com a presença daqueles que não gostam também, e todo o aparelho simbólico que os “jogos de popularidade”, que podem ser muito mais fáceis ou menos dolorosos na rede social, o que não significa afirmar que não há sentimentos na rede, mas sim que estes podem ser exaltados ou amenizados de forma menos evidente que na vida real (Caglioni y Delagnolo 2013: 38).

permanecem sobre a tecnologia (Morley 2007: 139), porém a significação do uso da tecnologia não se dá exatamente como previamente se destina seu uso (Hine 2004: 41).

Como bem sinalizava Eduard Palmer Thompson em sua obra Costumbres en Común em que o autor nos esclarece a necessidade de transcendência, ir mais além, ao pensar o popular, muito mais que apenas entendê-los com a corriqueira ideia de dominação simbólica, para explicar as condutas dos setores populares e os seus usos, pensando-os a partir de uma ideia de “costumes” que produzem formas de resistência (Thompson 1995), neste caso usos não previstos da tecnologia-redes sociais.

Já o sociólogo Jhon Brookshire Thompson em sua obra Los media y la modernidad apresentava o conceito de propriedade pública midiática que visava demonstrar que os media haviam criado uma propriedade pública nova, diferente da tradicional, onde a tradicional presença física do indivíduo no espaço público deixava de ser essencial para que estes, as ações e ou acontecimentos ocupassem um lugar público (Thompson 1998: 168). O autor não nega que a tradicional presença física deixa de existir, inclusive reafirma sua importância e alega que os indivíduos e acontecimentos adquirem essa capacidade de propriedade pública, independentemente de suas capacidades de serem vistos ou ouvidos e que isso assume uma importância cada dia maior nas sociedades modernas (Thompson 1998: 169). Entretanto, o antropólogo Alejandro Grimson evidencia que o processo de “pôr em comum” e “fazer público” não evita que existam conflitos nessa relação, nem que haja uma ruptura, uma vez que o público é heterogêneo. (Grimson 2011: 192-194).

Isso significa que o “fazer público”, “pôr em comum” ou compartilhar na linguagem das redes sociais mais populares, temas sobre “diferenças”, mesmo sem ser na presença física, não garante que não existirá conflito. Entretanto, pensamos que sim pode ser uma estratégia, num cenário em que cada vez mais se conecta nos ambientes privados e que daí são emitidas a maior parte das “declarações” públicas nas redes sociais.

Parece-nos importante tomar como referência um pensamento sobre a casa moderna e sua necessidade cada dia mais urgente de estar “conectada”. O autor Morley (2007: 142) revela que a visão de casa com acesso à tecnologias passou por uma mudança significativa, pois antes ter acesso a estas, era um mero suplemento e hoje faz parte da casa mesma. O mesmo autor revela que a casa funciona como um equilíbrio entre o acesso instantâneo ao mundo exterior, dotado pela segurança e tranqüilidade

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A-normal diversidade artísticaSem dúvidas as declarações de políticos conservadores brasileiros frente ao projeto de combate e criminalização da homofobia, foi o estopim de uma onda de manifestações favoráveis e contrárias ao projeto. Nas redes sociais a grande visibilidade se deu para com os manifestantes favoráveis, representando a minoria envolvida. Embora seja sabido que nem sempre as coisas se dão dessa maneira até por que também há inúmeros outros períodos e temas em que as posições “conservadoras” ganharam maior proporção nas redes sociais – temos como evidência recente a intolerância religiosa para com cultos afro-brasileiros.

Um dos políticos que mais manifestou seu repúdio para com as políticas de inclusão social, foi o deputado federal Jair Bolsanaro, representante da extrema direita, ex-militar e conhecido por polêmicas declarações homofóbicas, racistas, sexistas, e em favor ao regime militar ocorrido no Brasil entre 1964 e 1985. Ao lado encontramos uma charge do polêmico cartunista Latuff, amplamente difundida nas redes sociais. Inicialmente divulgada por um jornal brasileiro, em que Bolsonaro é retratado como violento e simpatizante das idéias nazistas. Essa charge foi realizada devido à polêmica frase descrita na própria ilustração, proferida pelo deputado em relação à educação de seus filhos, ao ser questionado sobre a possibilidade de que pudera ser seus filhos os beneficiados pela proteção do Estado, por uma deputada favorável aos projetos de inclusão social de minorias nos corredores do Congresso Nacional, momento que gerou um processo administrativo por uma suposta agressão física que a deputada teria sofrido do deputado Jair Bolsonaro.

A imagem tem um valor simbólico extremo por associar o deputado a idéias nazistas. Muito embora as declarações do mesmo tragam a tona ser este um defensor de parte da elite conservadora e branca, representa também a forma com que a parte da sociedade trata de seus diferentes. O aumento da violência contra os homossexuais, à suposta agressão física a deputada Maria do Rosário (Partido dos Trabalhadores) e a declaração de que seu filho era “educado” e por essa razão não corre o risco de se apaixonar por negras e gays, colocaram o deputado na linha de frente simbólica de exaltação ou de repúdio da política conservadora brasileira, especialmente no que se trata de direitos humanos.

Sua declaração exemplifica o grau de conservadorismo de parte da sociedade brasileira que “desprestigia” preconceituosamente as relações entre pessoas de grupos étnicos distintos apesar de o Brasil ter maioria negra e parda, segundo

Ainda que em muitos casos, essa performance, como intitula Winocur (2009), possa ser meras “ilusões”, estas em alguma medida podem ser necessárias, para construírem-se como sujeitos, com desejos próprios e aceitos socialmente, ainda que nem sempre isso seja revelado em toda sua plenitude. Então, o indivíduo frente a sua incredibilidade constrói uma imagem pautada no saber do Outro, constrói uma dimensão particular narrada como um usuário na rede, que lhe permite flexibilizar a cultura dominante, ou seja, não está absolutamente “dominado” (Thompson, 1995) tendo como possibilidade a não presença física, portanto pode permanecer na “segurança e tranqüilidade” do espaço privado, do usufruto de uma “autonomia da individualidade protegida.” (Morley 2007).

Sendo assim, pensamos que o eminente conflito gerado entre o que é dominante frente ao “diferente”, pode ter seu poder de “força” amenizado ou “exaltado”, com suas novas formas de linguagem, embora este permaneça restrito ao momentaneamente social compartilhado. A possibilidade de controle da emissão da mensagem também pode ser usada para dar voz aqueles que se sentem desprivilegiados dos meios dominantes. Controle situacional que resulta em uma sensação de menor incerteza da condição de desmembrado de “ideais” e portadores

de um vazio que buscam preencher num Outro, um querer sentir-se amado. Neste caso com a visualidade virtual, toma proporções evidentes numa sociedade em que à sociabilidade entre Rua e a Casa se complementam. (DaMatta 1986)

Nesse sentido defendemos a idéia que as redes sociais se tornam mecanismos de extrema importância para atuação do agir e pensar no social. E dentro de suas possibilidades concordamos plenamente que estas podem assumir um lugar de reivindicações, descontentamentos, não previstos em seu primeiro momento e por em público, em debate as diversidades sociais dos “desmembrados” sujeitos posmodernos.

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positividade social e moral, muito evidenciada na rede social. O jogo de estar na rede, ser cool, legal, gente boa, e outros adjetivos constantemente exaltados na rede, tem haver com certa exaltação, hipócrita ou não, da possibilidade de ser querido pelo maior número de pessoas possível, representados simbolicamente pelo número de likes – me gusta – curtidas obtidas por cada foto ou postagem.

Exemplo da condição do sujeito pós-moderno de preencher o “vazio em que se encontra”, de se sentir amado. Essa racionalidade da rede nos faz creer que um sinal de negatividade atrelada a certas ações, representaria evidentemente a noção de não querer, a condição de discordância em relação a alguma posição. O que, assim como na atual situação de positividade, também poderia ser usada para manifestações favoráveis ao que hoje é considerado machismo, racismo, elitismo etc...

Ainda sobre a arte, num artigo intitulado Arte y responsabilidad, Doris Sommer faz referência ao ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus que enquanto político e intelectual colombiano, usou como “tática” a arte para intervir de alguma forma nos identificados problemas urbanos (pensados na realidade de Bogotá), traz uma visão de que é necessário “levar” através da arte intervencionista, algum prazer e esperança em desfrutá-las (Sommer, 2008). Entendemos que a estratégia do grupo Casa dos Criadores caminhou no mesmo sentido ao propor uma convocatória de arte para discutir com a sociedade sobre si mesma. Já de início com um logo contendo uma simbologia tanto difundida, como é o caso do logo de Facebook, mas também como na imagem abaixo, do segundo colocado no concurso, Paulo Guedes Machado, que trabalhou de forma simples, uma ideia muito chamativa.

4. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.5. Casa dos Criadores, é um evento inicialmente formado por estilistas e jornalistas, que atua desde 1997 incentivando e divulgando artistas de moda, vem se apontando no cenário da moda brasileira devida a revelação constante de jovens e êxitosos talentos.

censo do IBGE4 (2010) em clara aversão ao afrodescendente e as relações homoafetivas - apesar de ter São Paulo a maior Parada Gay do mundo - ambas as relações entendidas como “curáveis” com orientação da “educação”.

O grau de debate promovido nos meios de comunicação massivos se manteve conservador atrelado à falta de posicionamento específico, especialmente pela classe política. O que gerou um grande desconforto e repúdio das organizações que tratam do assunto, resultado da evidente necessidade de um melhor tratamento para com o este, por parte da sociedade. Doris Sommer em Juego de cintura: La agenda cultural em América Latina argumenta em favor do uso das artes para que os cientistas sociais possam pensar estudar e atuar nas políticas culturais vigentes, pensando na Cultura como um agente de ação, a fim de não limitar a teoria à prática. Em referência a reflexão do antropólogo Nestor Garcia Canclini, o autor trabalha com a idéia de globalização imaginada como uma característica evidente da atualidade e traz em seu argumento a importância da atuação, ação direta e ativista, dos investigadores sociais também na agenda cultural, para que a cultura possa servir como campo de ruptura, interferência, flexibilidade, tolerância, humor e tudo o que se opõe aos regimes coercitivos através da arte. (Sommer 2006).

Para isso iniciamos identificando uma das manifestações em pró dessa necessidade de esclarecimento mencionado anteriormente, o Concurso Homofobia Fora de Moda, promovido por um grupo intitulado Casa dos Criadores5 para combater a condição de “negação social” que os homossexuais sofrem, através da arte e da convocatória virtual (Facebook) demonstram (usamos o verbo no presente, pois a campanha segue vigente: 2012/2013) que se faz urgente e necessária uma política pública e de direito (criminalização) da homofobia, uma necessidade eminente de justiça social frente ao aumento expressivo constante de casos de crime por orientação sexual. Como sinalizou o sociólogo José Nun, além das questões de diferenças econômicas evidentes, atualmente ao se falar de desigualdade, está também se inclina aos temas de discriminação (Gênero, Etnia, imigrantes...) dos indivíduos e que estes cada vez mais clamam por justiça social. (Nun 2011: 3).

O logo ao lado se trata da imagem publicitada da convocatória do Concurso Homofobia Fora de Moda. O símbolo reconhecido mundialmente da rede social Facebook, em sinal de negatividade, além de representar o quando “don’t like”- “no me gusta”- “não curti” se trata a homofobia, põem em evidência também, de forma muito criativa o fato de que na rede social não há a presença desse símbolo, apenas aquele que representa a positividade de um post. Essa simbologia traz consigo uma

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Nenhuma das manifestações do concurso deve “ultrajar” aqueles que se manifestem diferente, no entanto busca trazer à tona a necessidade de “compreensão” da condição de que é preciso um olhar mais “igualitário”, ou melhor, um comportamento similar ou transcendente ao “convencional”. Essa condição parece ser de extrema importância, Alejandro Grimson chama atenção para o cuidado que as políticas públicas (ainda que aqui estejamos falando de um legítimo reclamo por políticas públicas e não exatamente de uma) devem ter para que em nome das diversidades, estas não se tornem “etnizadas” para que em reclamo por justiça não se esqueçam dos avanços que já foram conquistados na heterogeneidade, num contexto heterogêneo em que os grupos se aliam, negociam e se enfrentam com a cultura oficial, considerando que a cultura é base desses conflitos políticos e que seus atores podem possuir mundos imaginativos similares ou não. E cabe a análise cultural identificá-los, exaltá-los e desmistificá-los, para entender como funcionam os mecanismos de classificação hegemônicos da situação atual. (Grimson 2011)

Para isso trabalha com o conceito de “configuração cultural” que são entendidas como campos de possibilidades, o autor exemplifica com uma série de situações que são possíveis em determinadas sociedades e que em outras não - ao menos não sem represálias por parte de grupos sociais – pensadas como espaços simbólicos em que os grupos se identificam publicamente com determinado modo e que o conflito social desdobra-se em certas modalidades e em outras permanece obstruído. (Grimson 2011: 173). Por isso, Grimson propõem que ao pensarmos o social tratamos de encontrar os limites culturais em que os participantes (dos grupos) percebam diferenças no regime de classificação e não as definirmos, enquanto intelectuais.

O autor desenvolve a noção de “configuração cultural” 6, entendo as classificações culturais na perspectiva de que são mais compartilhadas que seu próprio sentido, em que determinada classificação pode ter um sentido negativo ou positivo. Entende como “identificação” um sentimento de pertencimento que as pessoas têm a respeito de um coletivo, definido pelos atores sociais. Embora alerta que sobre os “interesses” dos grupos seja preciso maior desenvolvimento e pesquisa, mas identifica que os mesmos sempre se referem à construção ou articulação dos atores sociais. (Grimson 2011: 185-186).

Nesse sentido, podemos destacar que apesar do cenário “negativo” para com os homossexuais a sociedade brasileira também, nesse caso, vive uma contradição sobre esse tema, como exemplos dessa contradição recordamos que uma das

O símbolo que geralmente encontramos nos aparelhos eletrônicos para ligar e desligar-los, toma lugar da possibilidade de “desligar” a homofobia, transparecendo a idéia de negatividade no ser homofóbico, atualmente “ligada”. É interessante analisarmos como ganha importância a palavra Homofobia, em que o artista duplica a letra “F” da palavra, a fim de tornar-la off, palavra que na língua inglesa e que nos aparelhos eletrônicos indica “desligar-apagar”. Uma idéia simples, que põe em evidencia o tema, em uma linguagem também popular.

Já o desenho do artista plástico Joelson Bugila, primeiro colocado, é realizado com uma linguagem um pouco “mais complexa”, nele é possível identificar vários desenhos que se complementam, assim como um único desenho, se observado de forma geral. Em sua forma peculiar é possível identificar um casal de homens abraçando e beijando-se, já quando observado de forma geral, o mesmo desenho resulta em um rosto masculino sorridente.

Um dos detalhes mais interessantes nas artes propostas pelo concurso é o cuidado em não se tornar opositora sistêmica do que é “dominante”. Ou seja, não se trata de contrapor que o comportamento homossexual seja a partir de agora “dominante”, mas sim que seja considerado parte daquilo que o torna ser humano.

6. Como metáfora o autor utiliza-se da expressão “caixa de ferramentas identitárias”, que consiste nos conjuntos de classificações de uma sociedade.

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pensar que no caso brasileiro as telenovelas tenham a mesma recepção), pode se encontrar nos “personagens” certa identificação que os tornam familiares, que os transcendem para o ambiente privado, ainda que o mesmo esteja sujeito as complementaridades da rua, encontra ou não certa receptividade e identificação de acordo com suas ações e posicionamentos, julgados e interpretados de acordo com a moralidade da família, no “jogo” da complementaridade que se referia DaMatta.

Há certa semelhança com os efeito do humor das charges, como a ilustração ao lado (de quatro quadros), presenciamos uma cena, que significa para muitos homossexuais um momento crucial de suas vidas sociais e psíquicas, a declaração à família de sua sexualidade. Representada em seu primeiro momento de forma muito convencional, tem um “final” bem irreverente enquanto “importância” do fato dada pelos pais, que racionaram sem alardes, com o ato da mãe pagando ao pai certa quantia em dinheiro, explicitando que haviam feito uma aposta sobre o tema, em que a mãe acabara de perder.

Na imagem abaixo, presenciamos um diálogo entre pai e filho, quase no mesmo sentido de humor, onde o filho conta da sua vontade de casar com outro homem ao pai, que o deseja felicidades, no quadro seguinte à mesma situação, mas um filho declara ao pai que deseja ser igual ao Bolsonaro (deputado mencionado no início desde trabalho autor de fortes declarações preconceituosas).

A reação do pai do primeiro quadro é a de “tranqüilidade” já no segundo é de “susto e desespero”. Tornando uma situação corriqueira tipicamente ao inverso, onde o que assusta e causa preocupações, já não é a condição normalmente condenada e sim o desejo de ser um discriminador.

Da mesma forma ocorre com a ilustração em

maiores lideranças nacionais, de combate a homofobia (e outras tantas depreciações de minorias) é o deputado Jean Willys de Matos Santos, acadêmico e comunicador, assumidamente homossexual, tornou-se famoso em nível nacional após ganhar o maior reality show da TV brasileira, por votação popular, “usou” dessa fama para candidatar-se a política, cenário em que luta incessantemente em favor de normativas de inclusão e direitos de minorias. Proveniente do estado da Bahia, conhecido por ser um dos estados com maior índice de casos de homofobia, tornou-se a liderança mais evidenciada da política brasileira para com o tema de inclusão.

O posicionamento frente às câmeras de Jean parece estar dentro do conceito que Grimson chama “identificação” do público. Ainda que em suposta desvantagem no cenário político, o público parece mesmo ter se identificado com ele e lhe proporcionado um mandato na disputada eleição federal, ou seja, neste caso, a classificação social dele representou-se de forma positiva. Contrastando com a realidade da maioria dos homossexuais do país. Consideramos que esta é mais uma das manifestações tipicamente brasileiras, em que a noção de casa e rua se torna evidente, uma vez que o reality show “invade” a casa, pela TV, se põem em evidencia na vida privada (é possível

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segundo momento dizer-se ser como aquele que lê (Outro), concluindo que ambos são humanos.

Ainda que aborde o tema da sexualidade em sua forma tradicional, a linguagem simples novamente trata de evidenciar a multiplicidade humana. Alejando Grimson em Los limites de la cultura, apresenta através do relato bíblico da Torre de Babel uma introdução à reflexão do entendimento da homogeneidade como algo divino e a heterogeneidade como típico humano, sendo que a diversidade (em conformidade com esse discurso) é tida como um castigo divino.

Nos casos exemplificados anteriormente, a arte assume o papel de “propor o rompimento” dessa lógica, não que explicita que a heterogeneidade (e sua diversidade) é divina, mas transcende na idéia de que são benéficas e comuns todas as situações, que não há distinções naquilo que se pode expressar referente ao amor. Mais que tratar aqui de poetizar sobre o amor, pensamos que a arte assume nesses casos uma função similar a que Grimson reflete da teoria de DaMatta sobre o papel da Antropologia e dos intelectuais,em transformar o familiar em exótico e o exótico em familiar, ainda que ambos estivessem pensando na cultura e que essa função de tornar familiar aquilo que é exótico e exotificar o comum é uma das utilidades/objetivos que devem assumir os estudos científicos sociais perante a sociedade, a arte neste caso, toma dianteira no mesmo sentido e coloca em evidencia sua contribuição no caso de políticas públicas e ou reclames sociais.

Grimson evidencia que com as transformações tecnológicas, as mensagens e símbolos se transpassam, tomando a heterogeneidade menos original que visível, um dos problemas em se classificar grupos de pessoas por culturas de acordo com seu espaço físico como grande definidor das fronteiras culturais, na relação de nacionalismo e cultura. Claro que Grimson estava se referindo a um contexto mais amplo e de territorialização, que abrange um número maior de diversidades que o tema deste trabalho, e por esta mesma razão sua reflexão serve como suporte para pensar em todas as chamadas capas da diversidade.

comemoração ao dia dos Namorados, dia muito festejado no Brasil e que a cada ano, ganha maior projeção midiática e comercial. Assim como casais de namorados heterossexuais se declaram no que seria um espaço público (a julgar pelos típicos bancos se trata do cenário de uma praça) o casal homossexual também o faz, assim como o “apaixonado” pelo computador, no momento em que ouve uma famosa frase emitida eletronicamente por um software de antivírus muito popular.

Dia dos Namorados: 1ͦ:casal heteroafetivo, 2ͦ: casal homoafetivo (ambos declarando as frases. Te amo- R:Também te amo 3ͦ: Usuário de computador declarando seu amor, após a célebre frase de um popular antivírus: As definições de vírus foram atualizadas R:Também te amo

Ambas as charges, contém mensagens com certa dose de humor e raciocínio, tal qual Doris Sommer referia-se ao que evidenciou o ex-prefeito de Bogotá, Antonas Mockus, sobre essa necessidade de trazer a arte para a “discussão” que se põem em cena, neste caso percebe-se nitidamente o quanto as charges evidenciam o comum/normal e típico (com o significado prático dessas palavras para com o público) da condição humana é amar e como isso é diverso. Mas, além de pré-julgamentos sobre se é correto ou não o uso dessas linguagens sobre o tema, é preciso evidenciar que ambas realmente passam a idéia de heterogeneidade como positiva.

Charges que tratam do assunto sem o tabu que geralmente o contorna, onde a homoafetividade realmente não tem “tamanha” importância por parte dos pais. Tornando-o um fato corriqueiro qualquer. Já na ilustração abaixo encontramos uma bandeira de sete cores, símbolo adotado por comunidades homossexuais de todo o mundo, onde em cada cor está escrita uma frase em primeira pessoa, num primeiro momento referindo-se a diversidade de sexualidades, para num

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Torna-se ainda mais interessante esta última ilustração, também no sentido de evidenciar que a condição de “discriminador – racist” pode abranjer os próprios discriminados, ou seja, a diversidade abranje também, mulheres afro lésbicas, judeus homossexuais etc... e que estes estão sujeitos a discriminação entre aqueles que também sofrem discriminação. Portanto, transmite a idéia de que temos nossas capacidades de raciocínio idênticas, mas que as “perdemos” (ficamos sem o cérebro) quando nos tornamos os discriminadores.

A ilustração abaixo, referente ao grupo Mulheres do Barricadas, ilustra uma convocatória para uma marcha pública de forma simultânea em contra o machismo, racismo e a homofobia. O grupo Barricadas atua fortemente nas instituições educacionais de ensino superior, lutando por maior diversidade curricular, direitos, verbas e atuação pública dessas instituições, especialmente através da propagação das ciências humanas em todos os níveis da própria instituição e de sua comunidade.

Mulheres do Barricadas, fazem parte de uma organização chamada Barricadas Abrem Caminhos (http://barricadasabremcaminhos.wordpress.com/) com forte presença no meio acadêmico e atuação em movimentos sociais, conhecidas por apoiarem uma série de proclames sociais, como greves universitárias, legalização do aborto assistido, software livre e reforma universitária.

Sobre o papel da educação e as ciências sociais, Martha Nussbaum em La crisis silenciosa (Sin fines de Lucro: por que la democracia necesita de las humanidades) revela a urgência no pensar a progressiva erradicação das ciências humanas em grande parte dos currículos escolares mundiais, assim como a estrema preocupação com o excesso de estatus tecnológico e a problemática que isso resulta quando pensamos nos vínculos diretos que as artes e humanidades podem assumir na capacidade do desenvolvimento crítico e no criar “cidadãos do mundo” a ponto de imaginar as dificuldades do próximo. Admite que a educação não só ocorre na escola (instituições de ensino em geral) e que para que haja uma democracia é necessário que seus cidadãos sejam educados para isso, baseado no contexto atual, o próprio

Na ilustração ao lado, podemos observar um caso que caminha nesse sentido, uma vez que os grupos a que representa a ilustração sofrem tendências a se agruparem em regiões específicas das metrópoles mundiais, como guetos ou mesmo bairros inteiros. Ainda que a ilustração se refira aos grupos fortemente estereotipados, vai um pouco além, colocando todos em sua forma anatômica com um cérebro igual, portanto uma mesma capacidade de

raciocínio, menos aquele que pratica o racismo, uma interessante forma de fazer pensar sobre nossa igualdade anatômica de raciocinar sobre nossa desigualdade social.

É importante destacar que esta ilustração é de origem inglesa, portanto o que é racista especificamente assume o significado do idioma inglês, que difere em sua abrangência daquilo que é entendido como racista no Brasil, pois em inglês tem significado de discriminador, (racism=discriminação) já a palavra Racista (evidentemente semelhante à inglesa), por exemplo, no Brasil, está associada somente ao preconceito de “raças” em acordo com a tonalidade de pele, ou seja, racismo entre os chamados brancos para com chamados negros, entre negros para com brancos, indígenas e entre as miscigenações, mas não é declarado racista, aquele que discrimina gays, punks, mulheres, islâmicos e judeus (estes últimos em sua maioria entendidos em geral como religiões).

É interessante ressaltar que já há leis de criminalização de atos de racismo, violência contra as mulheres e de liberdade de religião, no entanto até o presente momento não há leis de criminalização para com a homofobia. Ainda que isso não signifique a não existência desses crimes, mas sim a possibilidade de “proteção” e justiça. Malinowski já sinalizava que:“Las reglas del derecho son una categoría bien definida dentro de un cuerpo de las costumbres” (Malinowski, 1985:41). Portanto (...) “o direito é apenas um aspecto da vida cotidiana” e que não existe uma “obediência e execução mecânica”, porém a garantia do direito parecer representar cada vez mais além de uma proteção mínima, a possibilidade de um início para geração do costume e da prática.

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Como mencionado anteriormente Grimson alerta para a importância do cuidado que as políticas públicas devem para não se tornarem “étnizadas”, para dar conta de pôr em cena do debate a luta, contexto heterogêneo em que os grupos se aliam, negociam e se enfrentam com a cultura oficial, considerando que a cultura é base desses conflitos políticos e que seus atores podem possuir mundos imaginativos similares ou não. Essas configurações culturais são entendidas como campos de possibilidades, que Grimson exemplifica com uma série de situações que são possíveis em determinadas sociedades e que em outras não (ao menos não sem represálias por parte de grupos sociais) pensando como espaços simbólicos em que os grupos se identificam publicamente com determinado modo e que o conflito social desdobra-se em certas modalidades e em outras permanece obstruído.

Portanto, é importante pensamos que as redes sociais, apesar de toda sua estrutura e linguagem diferenciada (ou possibilidade de linguagem diferenciada) continua sujeita aos conflitos “externos” e as relações de poder e diferenças, ainda que possibilite uma gradativa “desnaturalização” das coisas e que devemos ter o cuidado para não etnizar as lutas, com a momentânea segurança da “autonomia da individualidade protegida”, que se refere Thompson.

Ao observarmos a ilustração ao lado, nos deparamos com um argumento que rompe com a lógica dos anteriores, uma mulher homossexual estereotipada, falando ao telefone que não poderá ir trabalhar por que continua homossexual, frente ao discurso de que a homossexualidade é uma doença, bastante comum.

Se bem, a mensagem também se dá através da irreverência, atribui um desconforto ao nitidamente presenciarmos que a jovem “arruma uma desculpa” para não comparecer ao trabalho. Independente da natureza política e do que os indivíduos possam pensar ser o trabalho, ele relaciona outros aspectos de nossa vida, dos quais inclusive é possível uma “reordenação” de condições materiais e morais. Portanto a mensagem ilustrada pode contribuir para sedimentar ainda mais o grupo da qual luta, como alertava Grimson.

discurso econômico por suas relações mais variadas e globalizadas, resulta em relações cada vez mais interdependentes, portanto a educação cívica tanto quanto a voltada à economia, tem responsabilidades por igual.

Assim considera-se que o grupo Barricadas é agente social ativo, que exemplifica a luta da qual Nussbaum escreve em sua obra. A convocatória de Mulheres do Barricadas, se deu através das redes sociais, sem projeção massiva midiática, e demonstra já em seu título a necessidade constante de pensarmos sobre a discriminação como um todo. A condição da convocatória ilustra um pouco daquilo que pode ser pensado como “hierarquização” da discriminação, que podem sofrer os discriminados inclusive por outros discriminados. Como exemplifica por sua história pessoal e de investigação social, a ativista mulher afrodescendente e homossexual Ochy Curiel em: “Identidades esencialistas o Construcción de identidades políticas; “El dilema de las feministas afrodescendentes” onde o que nos chama atenção é a narração de suas entrevistadas para com o tema da “fragilidade feminina” e da posição de afrodescendente, narrativas que jogam no rol da “escala de poder” entre brancos e negros e entre masculino e feminino.

Uma vez que na maior parte dos casos de discriminação toma como discurso uma “sobre valorização” do branco sobre o que racista entende como “não branco”, de um sexismo que “super valora” o masculino sobre o feminino e dentro desse a valorização da heterossexualidade frente à homossexualidade, mediados por numa sociedade de rol religioso que se mantém num discurso de conservação dos “papéis sociais” que cada sujeito deve assumir frente ao todo. Na condição de mulher, afrodescendente e homossexual, o dilema de “dominação” por parte de um Outro, se torna tão intenso que talvez seja incapaz de ser descrito por alguém que não o vive em toda sua complexidade.

Nesse aspecto podemos concluir que a discriminação quando existente em função da forma em que se dá o desejo sexual, também se agrega as outras formas de preconceito, ou se isola em conformidade à situação social na qual os sujeitos estão inseridos. Nesta perspectiva Grimson toma como referência Antonio Gramsci, e refere-se à importância de pensarmos na naturalização das diferenças e seu uso em contra a própria diversidade em que os que discriminam usam os mesmos ou parecidos argumentos que os discriminados para legitimar sua forma de divisão e/ou repertório, assim como devemos considerar a desigualdade de poder entre as pessoas e os grupos, os processos de sedimentação e estruturação, heterogeneidade cultural dos grupos que constroem identidades homogenias e distribuição socioeconômica.

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e aqueles a quem identificam simpatizantes e ou praticantes deste. Com o argumento da liberdade de expressão, grupos e indivíduos oprimem socialmente seus “diversos” e não “permitem” direito de resposta, de reivindicação. O caso ilustrado se trata de um ataque moral e físico - este último bem verdade ocorre com menos freqüência quando a opressão parte de religiosos - e no simples ato de defesa do “oprimido”, o opressor se auto vitimiza, dando maior suporte moral ao grupo que simpatiza com ele e criminalizando aquele ao qual oprimiu. É óbvio que é possível encontrar casos em que os personagens estão em oposições a esta cena, entre ataque e atacado, entretanto é evidente que estas são exceções.

Têm sido recorrentes ataques discursivos morais para com o grupo GLBT por parte de líderes religiosos especialmente na televisão aberta. E são poucos os momentos, quando existentes, de espaços reservados para o pronunciamento dos movimentos em defesa da criminalização da homofobia. E por isso as redes sociais, tornam-se um meio muito importante na luta contra a homofobia e em favor da criminalização da mesma, ainda que seus resultados, efeitos e rejeições devam ser estudados e analisados.

Dentro da heterogeneidade sempre existirão grupos que não estarão dispostos ao diálogo e por isso é preciso cuidado para não romantizar as relações e suas configurações culturais, com o intuito consciente ou não, de criar um cenário de “paz e amor” que não existe. Por isso é perigoso interpretar as intervenções sobre a cultura através da criação de conceitos e teorias elaboradas num espaço de cientificismo acadêmico. No entanto, há janelas abertas entre o público e o privado que podem servir de alicerces para novas oportunidades de pesquisa, análises, atuação e projeção de políticas, um canal mais próximo dos públicos que as necessita, de forma quase involuntária e que já dão sinais de que por sua “liberdade performática” podem ser meios alternativos das minorias e até das maiorias de romper simbolicamente com a “dominação” que sofrem.

ConsideraçõesSeria possível num artigo com base na observação performática e em teorias científicas, considerarmos importantes fatos em relação ao uso das redes sociais, frente a uma forma de protesto de um grupo minoritário? Pensamos que sim.

Se considerarmos o que apresentamos através dos argumentos dos autores descritos neste trabalho de que as tecnologias tornam possível novas formas dos sujeitos de se representarem de construírem sua dimensão singular em um espaço público,

Se as diferenças são marcadas pelos esteriótipos, então é preciso cuidado ao trabalhar com o público para não contribuir para sua maior propagação do esteriótipo. Uma análise interessante se faz em “El espectaculo del Otro” de Stuart Hall - com ajuda em especial da psicanálise sobre a importância do Outro para nossa construção de significados e desenvolvimento da nossa narrativa sobre “diferença” que faz parte da ordem simbólica da Cultura, em que o autor sinaliza o aspecto de ambivalência -positivo-negativo- que as diferenças para com o Outro tomam dentro das representações sociais. Uma obra desenvolvida em torno da temática do racismo e da sua representação de aproximação à natureza e primitivismo, analisando a construção da exclusão, das relações de esteriótipo e poder, fantasia e fetichismo. Marcando o quanto a tipificação se tornou essencial para produção de significado, através da estereotipação das relações de grande desigualdade de poder, tendo como referência que a hegemonia ideológica se exerce como forma de governar, considerando o esteriótipo como uma violência simbólica. (Hall, 2004).

Assim como Hall exemplifica sobre o esteriótipo do “não europeu” e da fantasia de masculinidade e infantilidade do homem afro e da comum possibilidade deste ver-se inconscientemente reproduzindo e/ou afirmando tal estereotipação (Hall, 2004:434) a imagem em questão também transforma uma “reivindicação” em uma afirmação do mesmo e ou de até abre espaço para a formação de outros esteriótipos.

Se a estereotipação por parte dos estereotipados é perigosa para o tema, mais evidente fica a dificuldade de tratar do mesmo, quando a opressão se apresenta vitimizada. Na charge a seguir, presenciamos uma cena muito comum, especialmente entre defensores ortodoxos de crenças religiosas que condenam discursivamente a h o m o s s e x u a l i d a d e

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Mais que defender a possibilidade do uso das redes sociais, como objetos de estudo e atuação de possíveis políticas públicas, fica claro sua nova importância para a geração que encontra nelas uma possibilidade de “expansão” social. De aproximação e demonstração de descontentamento, de sentimentos, de angústias que se dá a nível individual, mas coletivamente identificável. Exaltamos esses aspectos, uma vez que a tendência das redes sociais é a de mostrar apenas momentos em que seus usuários são “fortes” e “felizes”, quando o mesmo abre as portas para demonstração do contrário, também está sociabilizando algo muito significativo que pode ser tão ou mais verdadeiro que seus momentos de “felicidade” compartidos.

As redes sociais são novas e constantemente sofrem mudanças, as tentativas de controle da internet e ou chamadas regularizações podem mudar muita coisa, mas numa sociedade como a brasileira, em que a sociabilidade, performática ou não, tem uma importância fundamental na vida das pessoas, ela se torna uma das novas grandes formas de comunicação massiva e deve ser entendida como tal, deve ser pensada também no que diz respeito daqueles que vivem na “marginalidade social”, para não reproduzirmos aquilo que já é dado num social off line.

Pode ser pretensão demais, pensar que devido à forma dicotômica e híbrida de parte da sociedade brasileira, esta possa sufocar os conflitos, mas esteja disposta a todo o momento a lidar com ele, de manejá-lo, de saber de sua existência e com isso ainda que dentro de limites frágeis, prevalecer em sua heterogeneidade sempre tão exaltadas em suas festividades e momentos de sociabilidade intensa como a Parada Gay de São Paulo. Certamente, para que jovens e adultos brasileiros coloquem o tema em discussão pública em seus perfis, já sinaliza uma grande avanço não representado nas mídias tradicionais.

Portanto, neste cenário pôr em debate a homofobia, ainda que de forma discutível, é o primeiro passo para pensar a heterogeneidade das nossas redes de sociabilidade para por em evidencia para sociedade de como às vezes festejamos juntos com quem condenamos, como diz a letra da música carnavalizada:

Androginismo – Por: Chicas

Quem é esse rapaz que tanto androginiza, que tudo anarquiza pra dissocializar?Com mil e um viados puxando o seu foguete que lembra um sorvete pra refrescalizarCuidado aí vem ele, é um circo é um cometaAbana, abana, abana que é papai noel

através do acesso desde suas casas, dotados de segurança, em uma sociedade como a brasileira, em que a relação casa e rua é dotada de uma diferenciação de seguridade e de formas de ser distintas, de complementaridade com base no Outro, ela exalta ainda mais a noção de autonomia da individualidade protegida.

Essa noção de autonomia protegida, uma performance, representa uma medida necessária para construírem-se como sujeitos em público, por isso mesmo também assumem reflexos políticos e psicológicos. Uma vez que as performances do sujeito posmoderno estão pautadas no saber do Outro, as redes sociais assumem (ao menos para a grande massa de brasileiros que participam delas) uma importante ferramenta de sociabilidade, de experimentação da vida social, de exagerar, de desprezar, de julgar etc... o público de acordo com seus critérios privados, e da mesma forma evidenciar os critérios privados no domínio público, a interseção da rua e da casa se complementam, e as relações das redes, fictícias ou não, extremamente performáticas ou não, atuam diretamente no experimentar a vivência do coletivo.

Por isso, pôr em público, em debate, a diversidade desses desmembrados sujeitos pós-modernos, cada dia mais submergidos na lógica do fim dos discursos. Torna possível pensar a cultura, sua ruptura, sua flexibilidade, tolerância e humor, as configurações culturais e os campos de possibilidades de heterogeneidade da cultura brasileira, com sua capacidade expansiva e historicamente entrelaçada com o “diferente”, com o híbrido “genético”, religioso, idiomático e moral, que tornam possível o típico sentimento de pertencimento e identificação quase familiar (complexo, contraditório, expansivamente exaltado ou negado) que sentem os brasileiros quando fora de seus habitat naturais.

Isso torna possível pensar que para que os indivíduos possam se “expor” nas redes sociais, de por em debate suas condições “desprivilegiadas” de uma minoria, estão agindo politicamente, ainda que suas condições possam não mudarem, ainda que a eficácia e a representatividade possam ser postas em questão, as redes sociais vão representar para seus pares uma associação direta com a “realidade social” a que pertencem, portanto esse espaço onde as incertezas podem ser amenizadas e ou exaltadas, coloca todos num certo “grau de igualdade”, referente a outros meios de comunicação; onde é possível usar do espaço tanto para denegrir como para exaltar a imagem humana e é nessas situações que a moral presente nos usuários se dá. É nessa possibilidade de ver, de presenciar no muro que seu semelhante que já pode conviver com a diversidade onde se pode abrir um espaço de reflexão sobre o que se propõem, coisa que pouco ou nada se vê em outros meios de comunicação lineares.

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A minha mãe falou que é um tipo perigoso que vive sorridente fazendo quá quá quáO meu pai me contou que um dia viu um cara num cabaré da Zona dançando Cha Cha Cha Eu pensei que todo mundo fosse filho de papai noel.

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