Data: 15 /05 19 Professor: Ádino Disciplina: Literatura · 2019. 5. 15. · Data: Turma: - 1 - 15...

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- 1 - Data: 15/05/19 Professor: Ádino Disciplina: Literatura Turma: 3º ano e Extensivo ROMANTISMO A ascensão das classes médias provoca um deslocamento do público consumidor da Literatura, que passa a ser o burguês e não mais o nobre. Por isso, a arte clássica, aristocrática, seria substituída pela arte romântica, de cunho nacional e popular. E notório que as camadas populares não tinham grande preparo intelectual, não eram cultas, o que as fazia incapazes de assimilar a erudição clássica, as sutilezas do torneio verbal, a disciplina rigorosa de composição, as alegorias fundadas na cultura greco-romana, especialmente na mitologia. Este novo público leitor buscava uma expressão artística que fosse, ou uma forma de entretenimento, ou projeção de seus gostos e anseios. O aparecimento do romance folhetinesco , ancestral das atuais novelas televisivas, expressa essa tendência. A palavra-chave do período Romântico foi “Liberdade”, no campo político, pela superação do Absolutismo; no campo econômico, pelo Liberalismo do "laissez faire, laissez passer" no campo artístico, pela derrocada das regras e preceitos clássicos - "ni règles, ni modèles" proclamava Victor Hugo, em defesa da nova estética. O egocentrismo passa a ser a essência da atitude romântica e isso é fruto da liberdade do indivíduo, daí o fato de que em nenhum outro movimento, artístico houve tão radical imposição do "eu" do artista a toda a realidade circundante. A criação fundamenta-se no sentimento, na emoção, na imaginação individuais e todos os valores são relativos. A disciplina coercitiva entra em derrocada, face ao direito de liberdade individual. Como o autor romântico valoriza o individualismo , a arte romântica propiciará grande liberdade. Cada artista romântico faz a sua opção pessoal. Assim, temos: a Poesia nacionalista (voltada para o heroico, para o passado histórico, para o mítico e lendário); a p o esia individualista (profundamente introvertida, característica do "mal- do século") e a Poesia social (marcada pela rebeldia, pelo estilo declamatório dos poetas condoreiros). As primeiras manifestações do Romantismo podem ser localizadas: Na ALEMANHA , onde o vigor e o gênio de Goethe marcam, a partir do Werther, o início da ruptura com a preceptiva clássica, ao lado de Schiller, Herder, dos irmãos Schelegel, e de outros, que comungam no espírito da "STURM UND DRANG" (tempestade e violência), nome que se dá ao movimento que antecede o Romantismo Alemão , insurgindo-se contra os rigores do classicismo; Na INGLATERRA , com a poesia melancólica e subjetiva de Young, e com a reabilitação da poética medieval em Macpherson e Chatterton. Têm grande influência na nossa literatura o romance histórico medieval, criado por WALTER SCOTT, cujo "Ivanhoé" serve de modelo aos heróis de José de Alencar, e a poesia do "spleen" (fossa) de BYRON, modelo constante do negativismo, do tédio e do satanismo de Álvares de Azevedo e seus seguidores; Na FRANÇA, onde, já nos iluministas (Rousseau e Diderot) o convencionalismo é alvo da rebeldia dos novos CHATEAUBRIAND redescobre as belezas do cristianismo, sobrepondo-as à mitologia pagã e dá ao seu "Renê" a dicção amargurada dos poetas do mal-do-século. Com Atala valoriza as sugestões da paisagem americana, que José de Alencar assimilou no seu Iracema. Os cantos de Vigny , a lira amorosa, naturista e religiosa de Lamartine e as confissões de Alfred Musset ecoam na poesia brasileira da primeira à última fase do movimento romântico. A poesia social, rebelde e declamatória de Victor Hugo, e seu romance de denúncia da opressão do proletariado, OS MISERÁVEIS, plasmaram a retórica de Castro Alves. Também as narrativas passionais de George Sand e o romance de aventuras de Alexandre Dumas deixaram marcas no gosto literário brasileiro. 0 Romantismo é fruto de um complexo movimento de ideias políticas, sociais e artísticas. Esse movimento encontra, no Brasil, um clima propício ao seu desenvolvimento. O público leitor, representado por pessoas da aristocracia rural, encontra na literatura um meio de entretenimento. Características do Romantismo: Reação contra a literatura clássica; Predomínio da subjetividade, fruto do liberalismo; Espírito de liberdade de criação e de expressão; Criação do drama em substituição à tragédia e comédia clássicas, Surgimento do romance em lugar da epopeia clássica: Predomínio do sentimentalismo, da emoção e da fantasia sobre a lógica, a observação e o raciocínio; Amores impossíveis, musas inatingíveis; Gosto pelo noturno; Pessimismo com expressão de dores, sofrimentos; Ilogismo: as atitudes não seguem uma ordem racional; Fuga da realidade, Idealização da mulher, amor platônico; Nacionalismo ufanista, culto à natureza (que aparece como reflexo do estado de espírito do autor), valorização do índio; Religiosidade e espiritualismo; Temas populares que refletem os ideais da burguesia. Observações sobre algumas características: Anseio de liberdade criadora Opondo-se aos ideais clássicos, revividos pelo Arcadismo, o artista romântico nega o princípio de mimesis (imitação) e busca expressar sua realidade interior, sem se preocupar com a forma. Não segue modelos, abandona as rígidas regras de métrica e rima; busca exteriorizar livremente o que lhe vai na alma; liberta seu inconsciente, foge da realidade para um mundo por ele idealizado, de acordo com as suas próprias emoções e desejos. Subjetivismo A realidade é vista através da atitude pessoal do escritor. Não existe a preocupação em fazer um retrato fiel e verídico da

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Data: 15/05/19

Professor: Ádino Disciplina: Literatura

Turma: 3º ano e Extensivo

RO MANTISMO

A ascensão das classes médias provoca um deslocamento do público consumidor da Literatura, que passa a ser o burguês e não mais o nobre. Por isso, a arte clássica, aristocrática, seria substituída pela arte romântica, de cunho nacional e popular.

E notório que as camadas populares não tinham grande preparo intelectual, não eram cultas, o que as fazia incapazes de assimilar a erudição clássica, as sutilezas do torneio verbal,

a disciplina rigorosa de composição, as alegorias fundadas na cultura greco-romana, especialmente na mitologia. Este novo público leitor buscava uma expressão artística que fosse, ou uma forma de entretenimento, ou projeção de seus gostos e

anseios. O aparecimento do romance folhetinesco, ancestral das atuais novelas televisivas, expressa essa tendência. A palavra-chave do período Romântico foi “Liberdade”, no campo político, pela superação do Absolutismo; no campo

econômico, pelo Liberalismo do "laissez faire, laissez passer" no campo artístico, pela derrocada das regras e preceitos clássicos - "ni règles, ni modèles" proclamava Victor Hugo, em

defesa da nova estética. O egocentrismo passa a ser a essência da atitude romântica e isso é fruto da liberdade do indivíduo, daí o fato de que em nenhum outro movimento, artístico houve tão radical

imposição do "eu" do artista a toda a realidade circundante. A criação fundamenta-se no sentimento, na emoção, na imaginação individuais e todos os valores são relativos. A disciplina coercitiva entra em derrocada, face ao direito de

liberdade individual. Como o autor romântico valoriza o individualismo, a arte romântica propiciará grande liberdade. Cada artista

romântico faz a sua opção pessoal. Assim, temos: a Poesia nacionalista (voltada para o heroico, para o passado histórico, para o mítico e lendário); a poesia individualista (profundamente introvertida, característica do "mal- do

século") e a Poesia social (marcada pela rebeldia, pelo estilo declamatório dos poetas condoreiros). As primeiras manifestações do Romantismo podem ser

localizadas: Na ALEMANHA, onde o vigor e o gênio de Goethe marcam, a partir do Werther, o início da ruptura com a preceptiva clássica, ao lado de Schiller, Herder, dos irmãos Schelegel, e

de outros, que comungam no espírito da "STURM UND DRANG" (tempestade e violência), nome que se dá ao movimento que antecede o Romantismo Alemão, insurgindo-se contra os rigores do classicismo;

Na INGLATERRA, com a poesia melancólica e subjetiva de Young, e com a reabilitação da poética medieval em Macpherson e Chatterton. Têm grande influência na nossa

literatura o romance histórico medieval, criado por WALTER SCOTT, cujo "Ivanhoé" serve de modelo aos heróis de José de Alencar, e a poesia do "spleen" (fossa) de BYRON, modelo constante do negativismo, do tédio e do satanismo de Álvares

de Azevedo e seus seguidores;

Na FRANÇA, onde, já nos iluministas (Rousseau e Diderot) o

convencionalismo é alvo da rebeldia dos novos CHATEAUBRIAND redescobre as belezas do cristianismo, sobrepondo-as à mitologia pagã e dá ao seu "Renê" a dicção amargurada dos poetas do mal-do-século. Com Atala valoriza

as sugestões da paisagem americana, que José de Alencar assimilou no seu Iracema. Os cantos de Vigny, a lira amorosa, naturista e religiosa de Lamartine e as confissões de Alfred

Musset ecoam na poesia brasileira da primeira à última fase do movimento romântico. A poesia social, rebelde e declamatória de Victor Hugo, e seu romance de denúncia da opressão do proletariado, OS MISERÁVEIS, plasmaram a

retórica de Castro Alves. Também as narrativas passionais de George Sand e o romance de aventuras de Alexandre Dumas deixaram marcas no gosto literário brasileiro. 0 Romantismo é fruto de um complexo movimento de ideias

políticas, sociais e artísticas. Esse movimento encontra, no Brasil, um clima propício ao seu desenvolvimento. O público leitor, representado por pessoas da aristocracia rural ,

encontra na literatura um meio de entretenimento. Características do Romantismo: Reação contra a literatura clássica;

Predomínio da subjetividade, fruto do liberalismo; Espírito de liberdade de criação e de expressão; Criação do drama em substituição à tragédia e comédia clássicas,

Surgimento do romance em lugar da epopeia clássica: Predomínio do sentimentalismo, da emoção e da fantasia sobre a lógica, a observação e o raciocínio;

Amores impossíveis, musas inatingíveis; Gosto pelo noturno; Pessimismo com expressão de dores, sofrimentos; Ilogismo: as atitudes não seguem uma ordem racional;

Fuga da realidade, Idealização da mulher, amor platônico; Nacionalismo ufanista, culto à natureza (que aparece como reflexo do estado de espírito do autor), valorização do índio;

Religiosidade e espiritualismo; Temas populares que refletem os ideais da burguesia.

O bservações sobre algumas características:

Anseio de l iberdade c riadora Opondo-se aos ideais clássicos, revividos pelo Arcadismo, o artista romântico nega o princípio de mimesis (imitação) e busca expressar sua realidade interior, sem se preocupar com

a forma. Não segue modelos, abandona as rígidas regras de métrica e rima; busca exteriorizar livremente o que lhe vai na alma; l iberta seu inconsciente, foge da real idade para um

mundo por ele idealizado, de acordo com as suas próprias emoções e desejos. Subjetiv ismo

A realidade é vista através da atitude pessoal do escritor. Não existe a preocupação em fazer um retrato fiel e verídico da

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realidade, pois esta é oferecida ao leitor filtrada e mesmo distorcida pelas emoções do autor. O predomínio de verbos e pronomes possessivos em primeira pessoa ressalta o desejo

de trazer à tona os sentimentos interiores, projetando-os sobre o mundo exterior. Com isso, o romântico cria mundos imaginários onde se refugia, usando sua capacidade criadora e sua emoção.

Amoroso calor meu rosto inunda. Mórbida languidez me banha os olhos, Ardem sem sono as pálpebras doloridas,

Convulsivo tremor meu corpo vibra: Quanto eu sofro por ti! Nas longas noites adoeço de amor e de desejos.

E nos meus sonhos desmaiando passa A imagem voluptuosa da aventura... Eu sinto -a de paixão encher a brisa, Embalsamar a noite e o céu sem nuvens... (Álvares de

Azevedo) Evasão ou escapismo

A queda dos regimes absolutistas e a ascensão da burguesia provocam, inicialmente, uma fase de euforia, em que se acredita que os ideais de Liberdade, Igualdade, Fraternidade, pregados pela Revolução Francesa, irão se concretizar. Cedo,

porém, percebe-se que nem todas as classes sociais terão o direito de atingir esses ideais, pois a distância entre a burguesia capitalista industrial e o proletariado se aprofunda cada vez mais, Assim, desiludidos com seu próprio tempo e

insatisfeitos com a realidade que os cerca, muitos autores românticos mergulham no chamado "mal do século", postura de frustração e imobilismo em face da realidade.

Descontentes com a época em que vivem, buscam formas de fugir dela, através de evasões: No tempo: voltando em pensamento à época de sua infância,

em que se sentiam protegidos pela figura da mãe ou da irmã. Exemplo: "Oh, que saudades que eu tenho Da aurora da minha v ida

Da minha in fância querida Que os anos não trazem mais!" Ou, ainda, escrevendo textos ambientados na Idade Média,

em que a figura heroica dos cavaleiros permite sonhar com grandes feitos e atos marcados pela honra e pela nobreza. No sonho: buscando refúgio para suas tristezas num mundo

irreal, marcado por símbolos ou mitos. Exemplo: 0h! Nos meus sonhos, pelas no ites minhas Passam tantas v isões sobre meu peito!

Ca lor de febre meu semblante cobre, Bate meu coração com tanto fogo (Álvares de Azevedo) Na morte: que é vista como solução para as tristezas e a

insatisfação. Neste sentido, convém destacar a obra Werther, de Goethe, na qual a ideia de suicídio aparece com intensidade, mostrando-o como a única possibilidade de escapar do sofrimento a que o ser humano se expõe a cada

dia. O exemplo a seguir ilustra esta característica: Por isso , é morte, eu amo -te e não temo.

Por isso , é morte, eu quero -te comigo. Leva -me à reg ião da paz horrenda, Leva -me ao nada, leva -me contigo (Junqueira Freire)

Amiga morte, vem. Tu és o termo De do is fantasmas que a existência formam , - Dessa a lma vã e desse corpo enfermo.

Pensamento genti l de paz eterna, Amiga morte, vem. Tu és o nada, Tu és a ausência das moções da v ida , Do prazer que nos custa a dor passada . (Junqueira Freire)

O jovem Werther decide cometer suicídio, pois Lotte, sua amada, é casada e ele não deseja comprometer sua honra. O

trecho é o final do diário de Werther, seguido das observações posteriores à sua morte. O s sofrimentos do jovem Werther, de Goethe

Se eu tivesse tido a sorte de morrer por você, Lotte, de me sacrificar por você! Morreria seguro, morreria contente, se pudesse restituir-lhe a paz e a alegria de viver. Mas, que nada!

Somente a poucos nobres foi dado o privilégio de derramar o sangue pelos outros e estimular os seus amigos, através de sua morte, a uma vida nova e múltipla. Quero ser enterrado, Lotte, com esta roupa, você a tocou e

santificou-a; também pedi este favor ao seu pai. A minha alma paira sobre o caixão. Ninguém deve revistar os meus bolsos. Aquele laço cor-de-rosa que você trazia ao peito, quando a vi pela primeira vez, no meio de seus irmãos... Oh! Beije-os mil

vezes e conte-lhes o destino do seu infeliz amigo. Os queridos! Sempre correndo a minha volta. Ah, como me liguei a você e desde o primeiro momento sabia que não poderia

deixá-la! - Este laço deve ser enterrado comigo. Ganhei-o de você no dia de meu aniversário. Como devorei tudo isso! - Ah! Não pensei que esse caminho me trouxesse aqui! - Fique tranquila! Por favor, fique tranquila!

Elas estão carregadas... Está batendo meia-noite! Que assim seja! - Lotte! Lotte, adeus! Adeus! Um vizinho viu o clarão da pólvora e ouviu o disparo; mas, como depois tudo ficou em silêncio, não se preocupou mais

com isso. Pela manhã, às seis horas, o criado entrou no quarto com a luz. Encontrou o seu senhor no chão, viu a pistola e o sangue.

Chamou-o, mexeu nele; nenhuma resposta, ele ainda agonizava. Correu em busca dos médicos e de Albert. Lotte ouviu alguém tocar a campainha e um tremor convulsionou-lhe todos os membros. Acordou o marido,

levantaram-se. 0 criado deu-lhes a notícia entre soluços e gaguejos, Lotte caiu sem sentidos aos pés de Albert. Quando o médico chegou à casa do infeliz, encontrou-o no

chão, não havia mais salvação, o seu pulso batia, mas todos os seus membros estavam paralisados. Tinha atirado na cabeça, logo acima do olho direito, fazendo saltar os miolos. Mesmo assim, fizeram-lhe a sangria numa veia do braço

direito, o sangue correu, ele ainda tentava respirar. Pelo sangue espalhado no espaldar da cadeira, concluiu-se que ele realizara o seu intento sentado à escrivaninha, caíra em seguida, rolando convulsivamente em volta da cadeira.

Estava estendido de costas perto da janela, inerte, todo vestido e calçado, de casaca azul e colete amarelo.

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A casa, a vizinhança, a cidade entraram em polvorosa. Albert chegou. Tinham deitado Werther na cama, com uma atadura na testa, o seu rosto já se assemelhava ao de um defunto, não

mexia mais nenhum membro. 0 seu peito ainda estertorava de maneira terrível ora mais fraco, ora mais forte; aguardava-se o seu fim. (...)

Morreu ao meio-dia. A presença do bailio e as providências que tomou evitaram aglomerações. Às onze horas da noite, mandou sepultá-lo no lugar escolhido por ele. 0 velho e os filhos acompanharam o cortejo, Albert não foi capaz.

Receava-se pela vida de Lotte. Trabalhadores carregaram o seu caixão. Nenhum sacerdote o acompanhou.

Senso de mistério Sem conseguir adaptar-se a seu mundo, valorizando a morte como a única saída, o artista romântico sente atração por

ambientes noturnos, misteriosos, como cemitérios, ruas desertas etc.

Culto da natureza Influenciados pelas ideias de Rousseau, os românticos veem na natureza um refúgio seguro para suas dores, visto que os vícios da civilização não chegaram até ela.

No Romantismo, porém, a natureza compartilha o sofrimento do poeta, tornando-se reflexo de seu mundo interior. A natureza passa a ser uma extensão do eu do poeta, mostrando-se triste ou alegre como ele, dependendo de seu

estado de espírito. Reformismo

Insatisfeito com seu mundo, o poeta propõe-se a mudá-lo, influenciado pelas correntes libertárias da época. Ansiando por grandes feitos que lhe tragam a glória, o poeta romântico dedica-se a causas sociais, como a abolição da escravatura, a

república etc. Fé Em oposição ao paganismo próprio do estilo de época

anterior, os românticos cultivam a fé cristã e os ideais religiosos.

Ideal ização da mulher A mulher é vista sob o prisma do platonismo. 0 artista romântico ressalta a figura da mulher angelical e inatingível para ele, que se julga indigno dela; além disso, a mulher surge

como elemento capaz de alterar a vida do poeta, o qual, sem ela, só terá paz na morte.

Ilogismo A exacerbação do subjetivismo faz com que os românticos acreditem em si mesmos e nos mundos que criam, guiados pela intuição, mesmo quando essa atitude fere a lógica e a

razão. Daí decorre o ilogismo, a instabilidade emocional, traduzida em atitudes antitéticas e paradoxais: alegria/tristeza, entusiasmo/depressão, desejo/autopunição.

PRIMEIRA GERAÇAO RO MÂNTICA Nac ional ista ou indianista Os primeiros poetas românticos foram marcados pelo

predomínio do nacionalismo, do patriotismo e da ênfase que deram à natureza brasileira em suas poesias - uma paisagem tropical -, onde se realça a exuberância, o exotismo, em oposição à paisagem européia. Neste contexto tropical

emergiu o indianismo. 0 índio era enfocado na acepção de representante de um passado histórico brasileiro, visto como lenda e mito, à moda dos cavaleiros medievais enxergados pelos europeus. 0 índio apareceu como formador do povo

brasileiro e, como tal, foi idealizado: era visto sempre de um ângulo positivo; a ele foram atribuídas características de herói, como aconteceu nas obras de Gonçalves Dias e

Gonçalves de Magalhães. Nesta primeira geração romântica, pode-se detectar também uma forte religiosidade oficialmente católica, identificando o Romantismo com o Cristianismo, em oposição

à tendência pagã dos neoclássicos. Representantes muito fortes desta geração são: Gonçalves de Magalhães, oficialmente o pai do Romantismo no Brasil,

Gonçalves Dias e Araújo Porto Alegre. GO NÇALVES DE MAGALHÃES (1811 - 1882) Obras: Suspiros Poéticos e Saudades (1ª obra lírica do

Romantismo); A Confederação dos Tamoios (1ª obra épica do Romantismo); Antônio José (teatro) (1ª obra dramática do Romantismo brasileiro) Mesmo sendo o Introdutor do movimento romântico, seus

poemas revelam fortes Influências clássicas. Tentou a epopeia Indianista através da Confederação dos Tamoios onde mostrou radical ausência de talento. Sua Importância na

literatura brasileira é meramente histórica. A obra Suspiros Poéticos e Saudades, de 1836, é o ponto de partida do nosso Romantismo. Por não ser o autor um grande poeta, essa obra tem um valor mais histórico que literário. É

muito importante, entretanto, o seu prefácio, no qual o autor estabelece os princípios da nova escola. GO NÇALVES DIAS

Inspirando-se em temas brasileiros o maranhense Antônio Gonçalves Dias (1823 1864) deu Impulso à nova escola no Brasil. Em Coimbra, onde estudou, o Romantismo estava em

plena efervescência e isto muito contribuiu para a sua formação literária. Filho de português e cafuza, Gonçalves Dias sofreu com o preconceito existente em sua terra natal.

Em sua obra, o Indianismo ocupa lugar de destaque embora sejam poucos os poemas dentro deste tema visto que, dos dezesseis cantos do grande poema Os Timbiras, só foram

publicados os quatro primeiros cantos. Os demais se perderam no naufrágio em que morreu o poeta (1864), nas costas do Maranhão, ao voltar, doente da Europa. Sua obra poética compreende: Primeiros Cantos, Segundos

Cantos, Sextilhas de Frei Antão; últimos Cantos e o poema narrativo Os Timbiras.

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Poesia Indianista Nos Primeiros Cantos figuram quatro poemas Indianistas: "0 Canto do Guerreiro", "0 Canto do Piaga" "0 Canto do índio'' e

"Deprecação", além de outras poesias líricas e sentimentais que exprimem, muitas de suas, frustrações amorosas, segundo as tendências da literatura romântica. Embora seus índios sejam idealizados, Isto é, não

correspondam a uma realidade com a qual ele tivera contato, em vários trechos de seus poemas indianistas o ritmo dos versos parece lembrar o som de tambores selvagens, como em "0 Canto do Guerreiro",

Contudo, o seu mais famoso poema Indianista é "I-Juca-Pirama" (que quer dizer: "o que há de morrer e é digno de morrer"). É uma narrativa em diálogos, um drama moral

traduzido em versos. I-Juca Pirama Gonçalves Dias No meio das tabas de amenos verdores,

Cercadas de troncos – cobertos de f lores, Alteiam-se os tetos d ’a ltiva nação; São muitos seus f i lhos, nos ân imos fortes,

Temíveis na guerra , que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão. São rudos, severos, sedentos de g lória ,

Já prél ios incitam, já cantam v itória , Já meigos atendem à voz do cantor: São todos Timbiras, guerreiros va lentes! Seu nome lá voa na boca das gentes,

Condão de prod íg ios, de g lória e terror! As tribos v izinhas, sem forças, sem brio ,

As armas quebrando, lançando -as ao rio , O incenso asp iraram dos seus maracás: Medrosos das guerras que os fortes acendem, Custosos tributos ignavos lá rendem,

Aos duros guerreiros su jeitos na paz. No centro da taba se estende um terreiro , Onde ora se aduna o concí l io guerreiro

Da tribo senhora , das tribos serv is: Os velhos sentados praticam d ’outrora , E os moços inqu ietos, que a festa enamora,

Derramam-se em torno dum índ io in fel iz. Quem é? – n inguém sabe: seu nome é ignoto , Sua tribo não d iz: – de um povo remoto

Descende por certo – dum povo genti l ; Assim lá na Grécia ao escravo insu lano Tornavam d istinto do v i l muçu lmano

As l inhas corretas do nobre perf i l . Por casos de guerra ca iu prisioneiro Nas mãos dos Timbiras: – no extenso terreiro

Asso la -se o teto , que o teve em prisão; Conv idam-se as tribos dos seus arredores, Cu idosos se incubem do vaso das cores, Dos vários aprestos da honrosa função.

(...)

IV Meu canto de morte, Guerreiros, ouv i:

Sou f i lho das selvas, Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo tup i.

Da tribo pu jante, Que agora anda errante Por fado inconstante,

Guerreiros, nasci; Sou bravo , sou forte, Sou f i lho do Norte;

Meu canto de morte, Guerreiros, ouv i. Já v i cruas brigas,

De tribos imigas, E as duras fad igas Da guerra provei;

Nas ondas mendaces Senti pelas faces Os si lvos fugaces Dos ventos que amei.

Andei longes terras Lidei cruas guerras, Vaguei pelas serras

Dos v is Aimorés; Vi lu tas de bravo s, Vi fortes – escravos!

De estranhos ignavos Ca lcados aos pés. ( ..)

V So ltai-o! – diz o chefe. Pasma a turba; Os guerreiros murmuram: mal ouviram, Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!

Brada segunda vez com voz mais alta, Afrouxam-se as prisões, a embira cede, A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.

Timbira, diz o índio enternecido, So lto apenas dos nós que o seguravam: És um guerreiro ilustre, um grande chefe,

Tu que assim do meu mal te comoveste, Nem sofres que, transposta a natureza, Com olhos onde a luz já não cintila,

Chore a morte do filho o pai cansado, Que somente por seu na voz conhece. – És l ivre; parte.

– E voltarei. – Debalde. – S im, voltarei, morto meu pai. – Não voltes!

É bem feliz, se existe, em que não veja, Que filho tem, qual chora: és livre; parte!

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– Acaso tu supões que me acobardo, Que receio morrer! – És l ivre; parte!

– Ora não partirei; quero provar-te Que um filho dos Tupis vive com honra, E com honra maior, se acaso o vencem, Da morte o passo glorioso afronta.

– Mentiste, que um Tupi não chora nunca, E tu choraste!... parte; não queremos Com carne vil enfraquecer os fortes.

VIII

"Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Po is choraste, meu filho não és!

Possas tu, descendente maldito De uma tribo de nobres guerreiros, Implorando cruéis forasteiros,

Seres presa de via Aimorés. "Possas tu, isolado na terra, Sem arrimo e sem pátria vagando,

Rejeitado da morte na guerra, Rejeitado dos homens na paz, Ser das gentes o espectro execrado; Não encontres amor nas mulheres,

Teus amigos, se amigos tiveres, Tenham alma inconstante e falaz!

(...) No diálogo entre o guerreiro tupi e o chefe timbira (5ª parte), o índio brasileiro é caracterizado como uma pessoa sentimental, com grande senso de honra e menosprezo pelos

covardes. Transcreva os versos que comprovam esta afirmação.

O poema épico-dramático, que narra a aventura do índio

prisioneiro, tem um final previsível: em face da suposta covardia do condenado diante da morte, ele retorna mais tarde aos timbiras para morrer lutando. Explique esse final

tomando como base o estilo ao qual pertence o texto. Qual a importância de ser um velho timbira a narrar a trajetória heróica do índio tupi?

Poesia Lírica Além da poesia indianista cujo forte colorido e cujo

ritmo se fixam facilmente na memória merece destaque a poesia lírica de Gonçalves Dias. A "Canção do Exílio", já mencionada, inclui-se entre elas, bem como "Não me Deixes", "Seus Olhos", "Recordação", "Agora e Sempre", "Olhos

Verdes", "Amanhã", e "0 Meu Sepulcro".” SEGUNDA GERAÇÃO RO MÂNTICA Esta geração, que atuou basicamente nas décadas de 40 a 50

foi a que revelou a maior parte dos nossos bons poetas do Romantismo. Temos nesta fase a expressão plena do

chamado "mal do século", espécie de estado de espírito que levava ao desejo da morte como único modo de o indivíduo libertar-se do fardo de viver" . A poesia romântica atinge sua

forma mais radical com o ultrarromantismo mórbido, sentimental e egocêntrico, Influenciado por autores europeus (Byron. Musset. Vigny e Lamartine, principalmente) e que aparecerá nos versos de Álvares de Azevedo, Casimiro de

Abreu. Junqueira Freire e Laurindo Rabelo. Destaca-se também, embora com certas características diferentes. o lirismo de Gonçalves Dias, autor que influenciou a maioria dos poetas românticos e que se consagrou também como o

melhor poeta indianista do Brasil. Além de manter os traços da primeira geração romântica , exceto o indianismo, a segunda geração foi extremamen te

subjetivista, centrada na temática do amor e da morte, da dúvida, do tédio, da ironia e do spleen. 0 culto do "eu" estava presente em todos os poetas dessa geração, notado por exagerada auto piedade, depressão e masoquismo.

Byronianos, quase todos, tiveram na figura do poeta inglês Lord Byron uma espécie de ídolo ele representava o poeta desgraçado, perseguido pela sociedade, condenado à solidão.

Revoltado pelo simples fato de estar existindo: “ 0 satanismo, um culto expresso a Satã, também foi marca de alguns românticos da segunda geração: o diabo representava o anjo rebelde e, nesse sentido, a imagem do poeta romântico

insatisfeito com o seu universo. ÁLVARES DE AZEVEDO (1831 - 1852) George Gordon, nascido pobre e manco em 1788, herdou,

aos 16 anos, o título de Lord Byron e o castelo de Newstead. Espantou a sociedade aristocrática londrina com seus sucessivos e ruidosos casos amorosos, inclusive com sua irmã

Augusta, viajou por toda a Europa em busca de emoções, envolveu-se amorosamente tanto com homens quanto com mulheres, e morreu aos 36 anos, vítima da tuberculose, agravada por um ferimento em batalha, lutando pela

libertação da Grécia, em 1824. Em meio a toda essa agitação existencial, que se tornou o paradigma do homem romântico que busca a liberdade, Byron escreveu uma obra grandiloquente e passional.

Encantou o mundo inicialmente com seus poemas narrativos folhetinescos, em que não faltam elementos autobiográficos, como Childe Harold's Pilgrimage, e depois o assustou com a

faceta satírica e satânica que apresenta em poemas como Don Juan. O cinismo e o pessimismo de sua obra haveriam de criar, juntamente com o mirabolante de sua vida, uma legião de

jovens poetas "byronianos" por todo o mundo. Na França, Alfred de Musset encontraria nele o melhor exemplo do homem e do poeta que quebra todas as regras sociais e vive

guiado apenas pela emoção. Sua versão do "byronismo" é, no entanto, muito mais adocicada e sentimental, faltando-lhe muito da ironia sarcástica do inglês. No Brasil lia-se muito mais Musset do que Byron. Foi o francês, na verdade, com a sua

versão açucarada de Byron, quem mais influenciou o Ultrarromantismo de Casimiro de Abreu e das primeiras produções poéticas de Álvares de Azevedo. Nas suas cartas à família e aos amigos cariocas, Álvares de

Azevedo revela um imenso tédio em morar na pequena cidade colocada na montanha, envolta de várzeas relvosas

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com ladeiras íngremes e ruas péssimas, nas quais era raro o minuto em que não se esbarrasse a gente com um burro ou com um padre. A capital paulista era, então, habitada por não

mais de 15 mil pessoas, que viviam escandalizadas com as aventuras devassas de uma sociedade secreta de estudantes, fundada em 1845, conhecida como Sociedade Epicuréia. Seus membros, alunos da Academia, chamavam-se uns aos outros

pelos nomes de personagens do Lord Byron e tinham, como objetivo principal, colocar em prática as extravagantes fantasias do poeta inglês. Realizavam orgias intermináveis e, diz a lenda, cerimônias macabras nos cemitérios paulistanos.

Introvertido, estudioso, Álvares de Azevedo leu com avidez e produziu vertiginosamente durante os quatro anos de Faculdade. Escreveu os poemas reunidos nos livros Lira dos

Vinte Anos e Poesias Diversas; os poemas longos O Poema do Frade e O Conde Lopo; o drama Macário; as narrativas de Noite na Taverna e O Livro de Fra. Gondicário; quase uma centena de páginas de estudos literários, alguns discursos

acadêmicos e ainda incontáveis cartas pessoais enviadas ao Rio de Janeiro. Ficaria muito difícil, portanto, a um trabalhador tão

incansável, de saúde sempre abalada, ter-se misturado com frequência às orgias sucessivas e aos excessos dos companheiros boêmios, menos dedicados à literatura e ao estudo. A vida do autor parece, aos estudiosos mais sérios, ter

se passado fundamentalmente entre os livros e os sonhos. Álvares de Azevedo pode não ter participado das orgias ditas "byronianas" dos colegas do seu tempo. Mas ficaram fortemente impressas na sua obra as marcas desse tempo em

que, segundo o seu contemporâneo de Faculdade, José de Alencar, todo estudante de alguma imaginação queria ser um Byron, e tinha por destino inexorável copiar ou traduzir o

bardo inglês. Impregnado pelo mal do século, o tédio e a melancolia, que a medicina da época imaginava fruto de uma bile negra produzida no baço (em inglês: Spleen) e sofrendo a doença da

moda, como definiu a tuberculose o poeta inglês Shelley, Álvares de Azevedo imaginou, na sua obra ao menos, todo um universo de devassidão e pecaminosidade pelo qual se tornaria conhecido como “Byron brasileiro”. Iniciou-se, no

entanto, muito mais como um Musset brasileiro” e, aos poucos, foi incorporando à sua poesia a ironia cortante de George Gordon.

A divisão da Lira corresponde a essa evolução Na primeira parte de Lira dos Vinte Anos predomina a poesia mais sentimental, o devaneio, o medo de amar (o sentimento

de culpa frente aos desejos carnais), o desejo vago por virgens inatingíveis, e o fascínio pela ideia da morte. A poesia mostra seres imaginários e ideias abstratas vagando

na noite enevoada. Ao deixar o espaço do real pelo espaço do sonho, o eu lírico desses textos passa do concreto para o abstrato, do consciente para o inconsciente, e até a paisagem natural é evocada nos aspectos que correspondem a seus

estados de espírito: o crepúsculo, as sombras, a noite, contemplados através de "névoas", "vapores", "nuvens", "orvalhos", "espumas", "perfumes", que, em associações sinestésicas, sugerem o diáfano, o etéreo, o inconsistente.

Embora tais imagens correspondam ao gosto romântico,

pode-se nelas reconhecer uma prefiguração do Simbolismo, por seu caráter impressionista. Os poemas mostram que Álvares de Azevedo buscou

explorar sua exuberante imaginação e, revelando-a numa linguagem sempre emotiva, fez da fantasia uma "experiência" mais intensa que a experiência concreta, o que torna "reais" os sofrimentos confessados e justifica o anseio da morte

como libertação. É, portanto, nesse "cenário" que se encontra a figura feminina idealizada, independentemente da oscilação do eu lírico entre erotismo e platonismo: ora evocada como "virgem

do meu amor", "anjo de amor", "virgem do mar", "meu anjo lindo", "pálida virgem", "virgem que sonhei", "filha do céu" , ora erotizada através de lugares-comuns - "teus seios

palpitam", "lânguida fronte", "o seio palpitando", "o langor de teus olhos". “Mas virgem ou rameira, a mulher aparece na sua obra com a força obsessiva que tem na adolescência. Acabamos

francamente cansados com a saturação dos adjetivos e imagens que a descrevem, no sono ou na orgia, por um torneio de lugares-comuns: seio palpitante, olhos lânguidos,

morno suor, boca entreaberta, ais de amor, cabelos desfeitos; não falando da recorrência do substantivo gozo e do verbo gozar.”

Texto 01 LEMBRANÇA DE MORRER Quando em meu peito rebentar-se a f ibra , Que o esp írito en laça à dor v ivente,

Não derramem por mim nem uma lágrima Em pá lpebra demente.

E nem desfo lhem na matéria impura A f lor do va le que adormece ao vento : Não quero que uma nota de a legria Se ca le por meu triste passamento .

Eu deixo a v ida como deixa o téd io Do deserto o poento caminheiro ... Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro ... Como o desterro de minh’a lma errante,

Onde fogo insensato a consumia , Só levo uma saudade — é desses tempos Que amorosa i lusão embelecia .

Só levo uma saudade — e dessas sombras Que eu sentia velar nas no ites minhas... E de ti , ó minha mãe! pobre co itada

Que por minhas tristezas te definhas! De meu pa i... de meus ún icos amigos, Poucos, — bem poucos! e que não zombavam

Quando, em no ites de febre endoudecido , Minhas pá l idas crenças duv idavam. Se uma lágrima as pá lpebras me inunda,

Se um susp iro nos seios treme a inda, É pela v irgem que sonhei!... que nunca

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Aos láb ios me encostou a face l inda! Ó tu , que à mocidade sonhadora

Do pá l ido poeta deste f lores... Se v iv i ... fo i por ti! e de esperança De na v ida gozar de teus amores.

Bei jarei a verdade santa e nua, Verei crista l izar-se o sonho amigo... Ó minha v irgem dos errantes sonhos, Fi lha do céu! eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito so l itário Na f loresta dos homens esquecida ,

À sombra de uma cruz! e escrevam nela : — Fo i poeta , sonhou e amou na v ida . — Sombras do va le, no ites da montanha,

Que minh’a lma cantou e amava ta nto , Protejei o meu corpo abandonado, E no si lêncio derramai -lhe um canto!

Mas quando prelud ia ave d ’aurora E quando, à meia -no ite, o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri as ramas...

Deixa i a lua pratear-me a lousa! Texto 2 O poeta moribundo

Poetas! amanhã ao meu cadáver Minha tripa corta i mais sonorosa!... Façam dela uma corda e cantem nela

Os amores da v ida esperançosa! Cantem esse verão que me a lentava... O aroma dos curra is, o bezerrinho

As aves que na sombra susp iravam E os sapos que cantavam no caminho!

Coração, por que tremes? Se esta l ira Nas minhas mãos sem força desafina , Enquanto ao cemitério não te levam, Casa no marimbau a a lma d iv ina!

Eu morro qua l nas mãos da cozinheira O marreco p iando na agonia ...

Como o cisne de outrora ... que gemendo Entre os h inos de amor se enternecia .

Coração, por que tremes? Vejo a morte, Al i vem lazarenta e desdentada... Que no iva!... E devo então dormir com ela?

Se ela ao menos dormisse mascarada!

Que ru ínas! que amor petrif icado! Tão anted i luv iano e g igantesco!

Ora , façam ideia que ternuras Terá essa lagarta posta ao fresco!

Antes mil vezes que dormir com ela , Que dessa fúria o gozo , amor eterno

Se a l i não há também amor de velha Deem-me as ca ldeiras do terceiro In ferno!

No in ferno estão suav íssimas belezas, Cleópatras, Helenas, Eleonoras... Lá se namora em boa companhia , Não pode haver in ferno com Senhoras!

Se é verdade que os homens gozadores, Amigos de no v inho ter conso los,

Foram com Satanás fazer co lôn ia , Antes lá que do Céu sofrer os to los! Ora! e forcem um’a lma qua l a minha,

Que no a ltar sacrif ica ao Deus -Pregu iça , A cantar lada inha eternamente E por mil anos a judar a missa!

Álvares de Azevedo escolhe, ele mesmo, as palavras que desejaria como epitáfio. Destaque essas palavras que são usadas pelo eu lírico do texto 01 e interprete-as no contexto

de vida e obra do poeta. "Só tu à mocidade sonhadora/ Do pálido poeta deste flores..." e "Minhas pálidas crenças duvidavam." Comente de que maneira, nestes versos de "Lembrança de Morrer", a ideia de

palidez - tantas vezes reiterada na poesia de Álvares de Azevedo conota um aspecto da visão de mundo do poeta. Nestes versos qual imagem idealizada de poeta é sugerida?

Qual a constante temática proposta a partir do título do poema "Lembrança de Morrer" e qual o seu significado na lírica de Azevedo?

os textos fundem as duas principais vertentes do lirismo do autor: de um lado, a ânsia do amor, a presença da mulher e de outro lado o tema da morte, sua verdadeira obsessão.

Como esses temas são trabalhados nos dois textos? A frequente alusão a virgens e donzelas como objetos dignos

de amor faz transparecer, na poesia de Álvares de Azevedo, o respeito a um dos valores estabelecidos para a mulher no século XIX. Que valor é esse?

"Eu morro qual nas mãos da cozinheira/ O marreco piando na agonia.../ Como o cisne de outrora... que gemendo/ Entre os hinos de amor se enternecia".

"Coração, por que tremes? Vejo a morte,/ Ali vem lazarenta e desdentada.../ Que noiva!... E devo então dormir com ela?.../ Se ela ao menos dormisse mascarada!" Qual o tom predominante em "O Poeta Moribundo" e que faz

diferir esse poema de outros que, na obra lírica do poeta, se referem à morte? Em “Lembrança de Morrer” a morte é vista como redentora.

E no segundo texto?

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Há uma relação intertextual entre os dois textos. Por que eu poderia dizer que o segundo torna-se uma parodia do primeiro?

Partindo dos fragmentos, indique, em cada um as caracterizações do poeta e do estilo ao qual pertence. Indique traços de Ariel ou Calibã, quando possível:

1 Pá l ida sombra dos amores santos, Passa , quando eu morrer, no meu jazigo Ajoelha ao luar e entoa um canto

Que eu lá na morte sonharei contigo! 2 Eu fu i à no ite da taverna à mesma

Bater meu copo à taça do bandido Na louca saturna l beber com ele Ouv ir-lhe os cantos da sangrenta v ida E as lendas de punhal e morticín io .

3 Mas o que é triste e dó i ao mundo inteiro É sentir todo o seio pa lp itando...

Cheio de amores! E dormir so lteiro! 4 Não acordes tão cedo! enquanto dormes Eu posso da r-te bei jos em segredo...

Mas, quando nos teus o lhos ra ia a v ida , Não ouso te f itar... eu tenho medo! 5 Vem, Ilná : dá -me um beijo - adormeçamos!

A canti lena do sab iá sombrio Encanta as i lusões, a faga o sono...

6 Demais f indou -se l icor meu copo E a seco poetar jamais eu topo! 7 Lancei -me ao desv iver: gastei in teira

Na insân ia das pa ixões a minha v ida . Qual da escuma o fervor na cachoeira Quebrei os sonhos meus n 'a lma descrida . E do meio do mundo prostituto

Só amores guardei ao meu charuto! 8 Quem não ama o d inheiro? Não me engano

Se creio que Satã á no ite; veio Aos ouvidos de Adão adormec ido Na sua hora primeira , murmurar-lhe Essa pa lavra mágica da v ida ,

Que v ibra musica l em todo o mundo. 9 Se a v ida é l írio que a pa ixão desflora

Meu l írio v irg ina l eu conservei... 10 Oh! não mald igam o mancebo exausto Que na org ia gastou o peito insano

Que fo i no lupanar ped ir um leito Onde a sede febri l lhe adormecesse! 11E cedo morrerei: sinto -o , nas veias

meu sangue se escoa vagaroso Como um rio que seda nas areias

Como donzela que desmaia em gozo! Teus láb ios, fada minha, me queimaram, E as lângu idas artérias me esgotaram!

12À no ite encostarei a minha fronte No v irgem co lo teu; Terei por leito o vale dos amores

Por tenda o azul do céu! 13 Que importa que ela durma descorada, E velasse o pa lor a cor do pejo?

Quero a del ícia que o amor sonhava, Nos láb ios dela pressentir num beijo .

Ó minha amante, minha doce v irgem, Eu não te profanei, e dormes pura: No sono do mistério , qua l na v ida , Podes sonhar apenas na ventura .

E tu , v ida que amei! Pelos teus va les Com ela sonharei eternamente...

Nas no ites junto ao mar, e no si lencio , Que das notas ench i da l ira ardente!... É ELA! É ELA!

É ela! é ela! — murmurei tremendo, E o eco ao longe murmurou — é ela!... Eu a v i ... minha fada aérea e pura, A minha lavadeira na janela!

Dessas águas-furtadas onde eu moro Eu a vejo estendendo no telhado

O s vestidos de chita, as saias brancas... Eu a vejo e suspiro enamorado! Esta noite eu ousei mais atrevido

Nas telhas que estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono, Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono!... Tinha na mão o ferro do engomado... Como roncava maviosa e pura!

Quase caí na rua desmaiado! Afastei a janela, entrei medroso: Palpitava-lhe o seio adormec ido...

Fui bei já-la... roubei do seio dela Um bi lhete que estava al i metido...

O h! De certo ... (pensei) é doce página O nde a alma derramou gentis amores!... São versos dela... que amanhã decerto Ela me enviará cheios de f lores...

Trem de febre! Venturosa folha! Quem pousasse contigo neste seio! Como O telo bei jando a sua esposa,

Eu bei jei -a a tremer de devaneio...

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É ela! é ela! — repeti tremendo, Mas cantou nesse instante uma coruja... Abri c ioso a página secreta...

O h! meu Deus! era um ro l de roupa suja! Mas se Werther morreu por ver Carlota Dando pão com manteiga às c rianc inhas,

Se achou-a assim mais bela... eu mais te adoro Sonhando-te a lavar as camisinhas! É ela! é ela! meu amor, minh’alma,

A Laura, a Beatriz que o céu revela... É ela! é ela! — murmurei tremendo, E o eco ao longe suspirou — é ela!

Namoro a Cavalo Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça

Que rege minha vida malfadada Pôs lá no fim da rua do Catete A minha Dulcinéia namorada.

Alugo (três mil réis) por uma tarde Um cavalo de trote (que esparrela!) Só para erguer meus olhos suspirando

À minha namorada na janela... Todo o meu ordenado vai-se em flores E em l indas folhas de papel bordado

O nde eu escrevo trêmulo, amoroso, Algum verso bonito... mas furtado.

Morro pela menina, junto dela Nem ouso suspirar de acanhamento... Se ela quisesse eu acabava a história Como toda a Comédia — em casamento.

O ntem tinha chovido... que desgraça! Eu ia a trote inglês ardendo em chama, Mas lá vai senão quando uma carroça

Minhas roupas tafuis encheu de lama... Eu não desanimei. Se Dom Quixote

No Rocinante erguendo a larga espada Nunca voltou de medo, eu, mais valente, Fui mesmo sujo ver a namorada...

Mas eis que no passar pelo sobrado O nde habita nas lojas minha bela Por ver-me tão lodoso ela irritada

Bateu-me sobre as ventas a janela... O cavalo ignorante de namoros Entre dentes tomou a bofetada,

Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo Com pernas para o ar, sobre a calçada... Dei ao diabo os namoros. Escovado

Meu chapéu que sofrera no pagode Dei de pernas corrido e cabisbaixo

E berrando de raiva como um bode. Circunstância agravante. A calça inglesa

Rasgou-se no cair de meio a meio, O sangue pelas ventas me corria Em paga do amoroso devaneio!...

Terceira geração Condoreira, soc ial ou hugoana Muito convictos de seu papel libertário, os poetas da terceira geração adotaram o condor como seu símbolo. 0

condor, ave que habita o alto da cordilheira dos Andes, representava o "alto voo que a palavra pode alcançar em defesa da liberdade". 0 fundo ideológico dos poetas

condoreiros era o ideal abolicionista e o culto do progresso. Fez-se uma poesia liberal, que denunciava a escravidão, abria-se contra o conservadorismo e o atraso moral do império, além de pregar contra as injustiças sociais.

Castro Alves, o poeta dos escravos, é o representante máximo da terceira geração romântica, seguido do poeta Sousândrade, cuja poesia ficou esquecida durante muito

tempo, e de Tobias Barreto. Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se eu deliro... ou se é verdade Tanto horror perante os céus... ó mar! por que não apagas, Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?... Astros! Noites! Tempestades! Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!... Observe a expressão enfática e declamatória. Ainda que voltado para o ouvinte, para o receptor, o texto trai a emoção,

no emprego de recursos que aumentam a expressividade, como as interjeições e reticências, as apóstrofes violentas. Apóstrofe é a interrupção que o orador ou poeta faz, para dirigir-se a alguém fora do contexto em que se situa,

interpelando-o com veemência - normalmente com a forma exclamativa – Senhor Deus dos desgraçados! -, -ó mar etc. Este procedimento é frequente na poesia condoreira.

VO ZES D`ÁFRICA Você vai ler agora VOZES D'ÁFRICA, do poeta Castro Alves. Como o título diz, é a própria África queixando-se de sua triste

sorte, do infeliz destino de seus filhos escravos. Deus! ó Deus onde estás que não respondes?

Em que mundo, em que estrela tu te escondes, Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito...

Onde estás, Senhor Deus? Qual Prometeu', tu me amarraste um Do deserto na rubra penedia,

Infinito galé!... Por abutre me deste o sol ardente,

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E a terra de Suez foi a corrente Que me ligaste ao pé. .

0 cavalo estafado do beduíno Sob a vergasta tomba ressupino E morre no areal; Minha garupa sangra, a dor poreja,

Quando o chicote do simum. Dardeja 0 teu braço eternal. Minhas irmãs são belas, são ditosas...

Dorme a. Ásia nas sombras voluptuosas, Dos haréns do sultão, Ou no dorso dos brancos elefantes

Embala-se coberta de brilhantes Nas plagas do Hindustão. Por tenda tem o cimo do Himalaia....

0 Ganges amoroso beija a praia Coberta de corais... A brisa de Misora o céu inflama;

E ela dorme nos templos do deus Brama, Pagodes colossais... Europa é sempre Europa, a gloriosa!

A mulher deslumbrante e caprichosa, Rainha e cortesã, Artista, corta o mármor de Carrara, Poetisa , tange os hinos de Ferrara,

No glorioso afã Mas eu, Senhor, eu triste, abandonada,

Em meio dos desertos desgarrada, Perdida, marcho em vão; Se choro, bebe o pranto a areia ardente, Talvez pra que meu pranto, o Deus clemente,

Não descubras no chão!... E nem tenho uma sombra de floresta. .. Para cobrir-me nem um templo resta

No solo abrasador... Quando subo às pirâmides do Egito, Embalde aos quatro céus chorando grito:

"Abriga-me, Senhor!” Como o profeta em cinza a fronte envolve, Velo a cabeça no areal, que volve

0 siroco feroz... Quando eu passo no Saara amortalhada, Dizem: "Lá vai a África embuçada

No seu branco albornoz Nem veem que o deserto é meu sudário Que o silêncio campeia solitário

Por sobre o peito meu. Lá no solo onde o cardo apenas Medra, Boceja a Esfinge colossal de pedra, Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas As cegonhas espiam, debruçadas, 0 horizonte sem fim.. .

Onde branqueia a caravana errante E o camelo monótono, arquejante, Que desce de Efraim.

Não basta inda de dor, o Deus terrível? É pois teu peito eterno, inexaurível De vingança e rancor? E que é que fiz, Senhor? Que torvo crime

Eu cometi jamais, que assim me oprime Teu gládio vingador?

Foi depois do dilúvio... Um viandante, Negro, sombrio, pálido, arquejante, Descia do Arará... E eu disse ao Peregrino fulminado:

"Cam serás meu esposo bem-amado... Serei tua Eloá... "

Desde esse dia o vento da desgraça Por meus cabelos, ululando, passa 0 anátema cruel: As tribos erram do areal nas vagas,

E o nômade faminto corta as plagas No rápido corcel. Vi a Ciência desertar do Egito...

Vi meu povo seguir, judeu maldito, Trilho de perdição. Depois vi minha prole desgraçada

Pelas garras da Europa arrebatada, Amestrado falcão!... Cristo! embalde morreste sobre um monte Teu sangue não lavou da minha fronte

A mancha original! Ainda hoje são, por fado adverso, Meus filhos, alimárias do universo. . . Eu, pasto universal!

Hoje em meu sangue a América se nutre - Condor que transformara-se em abutre

Ave da escravidão. Ela juntou-se às mais... irmã traidora! Qual de José os vis irmãos, outrora, Venderam seu irmão!

Basta, Senhor! De teu potente braço Role através dos astros e do espaço

Perdão pra os crimes meus! Há dois mil anos eu soluço um grito. .. Escuta o brado meu lá no infinito, Meu Deus! Senhor meu Deus! (CASTRO ALVES, Vozes d' África,

1868) Prometeu: titã que roubou o fogo do céu para comunicar a vida a um homem de barro que fizera. Júpiter, para o castigar,

mandou acorrentá-lo no alto do Cáucaso e o condenou a ter

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o fígado devorado por um abutre. A víscera crescia à medida que ia sendo devorada. Foi libertado por Hércules. Misora: região da índia.

Mármor: forma apocopada e poética de mármore. Carrara: cidade da Itália, famosa pelas jazidas de mármore branco. Ferrara: cidade da Itália, berço dos poetas Tasso e Ariosto,

Efraim: cidade da Palestina. Inda: ainda Arará: monte da Armênia (na Ásia), onde, segundo a Bíblia, pousou a arca de Noé.

Cam: um dos filhos de Noé; seus descendentes povoaram a África. Raça camítica = raça negra. Eloá: personagem de um poema de Alfredo de Vigny. Eloá,

nascida de uma lágrima de Cristo, condoendo-se da infinita desgraça de Satã, quis convertê-lo e entregou-se a ele. Ludibriada pelo anjo mau, acabou sendo vítima da sua temeridade.

Mancha original: o pecado original, com o qual o homem nasce. José: um dos filhos de Jacó. Vendido por seus irmãos,

tornou-se mais tarde primeiro ministro do Egito, no tempo dos faraós.

VOZES D'ÁFRICA é uma apóstrofe sublime do continente

negro implorando a justiça de Deus. Neste poema de inspiração social e humanitária, Castro Alves atinge o ápice do seu estro. De começo a fim sucedem-se as imagens grandíloquas, arrojadas, deslumbrantes.

Mármor, c'roa, pra, em vez de mármore, coroa, para, respectivamente, são licenças poéticas de que os autores se valem para atender às exigências da métrica.

"Eu - pasto universal." De fato, quase todo o solo africano esteve, até recentemente, nas mãos de potências europeias. "Condor que transformara-se em abutre." Isto é, a América, destinada a ser a terra do progresso e da liberdade,

entregou-se ao hediondo tráfico negro, manchando-se no mesmo crime da Europa. Castro Alves não se limitou ao tema da escravidão. Sua poesia

aborda temas próprios da segunda geração até um lirismo amoroso carregado de erotismo, o que o difere dos outros românticos, indicando uma linha pré-realista para sua poesia.

Uma noite, eu me lembro...Ela dormia Numa rede encostada molemente...

Quase aberto o roupão... solto o cabelo E o pé descalço do tapete rente.

Stava aberta a janela. Um cheiro agreste Exalavam as silvas da campina... E ao longe, num pedaço de horizonte, Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados, Indiscretos entravam pela sala, E de leve oscilando ao tom das auras,

Iam na face trêmulos - beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago Mesmo em sonhos a moça estremecia... Quando ela serenava... a flor beijava-a...

Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia... Dir-se-ia que naquele doce instante Brincavam duas cândidas crianças

A brisa, que agitava as folhas verdes, Fazia-lhe ondear as negras tranças! E o ramo ora chegava ora afastava-se...

Mas quando a via despertada a meio, P`ra não zangá-la... sacudia alegre Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia Naquela noite lânguida e sentida: "ó flor! - tu és a virgem das campinas!

"Virgem! - tu és a flor da minha vida!..." S. Paulo, novembro de 1868 texto 01

O "Adeus" de Teresa A vez primeira que eu f itei Teresa , Como as p lantas que arrasta a correnteza , A va lsa nos levou nos g iros seus...

E amamos juntos...E depo is na sa la "Adeus" eu d isse a tremer co`a fa la ... E ela , corando, murmurou -me:"adeus"

Uma no ite...entreabriu -se um reposteiro ... E da a lcova sa ía um cava lheiro

Inda bei jando uma mulher sem véus... Era eu ...Era a pá l ida Teresa! "Adeus" lhe d isse conservando -a presa ....

E ela entre bei jos murmurou -me:"adeus!" Passaram tempos...sec` los de del írio Prazeres d iv ina is...gozos do Empíreo ...

...Mas um d ia vo lv i aos lares meus. Partindo eu d isse-"vo ltarei!...descansa!..." Ela , chorando mais que uma criança,

Ela em so luços murmurou -me "adeus!" Quando vo ltei ...era o pa lácio em festa!...

E a voz dela e de um homem lá na orquestra preench iam de amor o azu l dos céus. Entrei!...Ela me o lhou branca...surpresa!

Fo i a ú ltima vez que eu v i Teresa!... E ela arquejando murmurou -me:"adeus!"

Texto 2 Teresa A primeira vez que vi Teresa Achei que ela tinha pernas estúpidas

Achei também que a cara parecia uma perna

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Quando vi Teresa de novo

Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada Os céus se misturaram com a terra E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Manuel Bandeira Procure delinear as trajetórias as "Teresas".

A prosa romântica JO SÉ DE ALENCAR A intriga desses romances, como é natural, gira em torno do problema do amor; ou, para ser mais exato, em torno da

situação social e familiar da mulher, em face do casamento e do amor. É possível nessas obras caracterizar a mulher socialmente pelo casamento, e é por intermédio de um "bom

casamento, que os homens pobres também procuram classificação social. Daí por que a mulher é o centro de interesse em volta do qual gravitam quase todos os problemas econômicos e políticos; fator de categorização

social é quem representa e transmite os bens da família e confere ao homem inteligente e pobre a oportunidade de realizar-se.”

CENÁRIO S DE ALENCAR a) SOCIEDADE BURGUESA DA CORTE DO SEGUNDO REINADO, no chamado romance urbano. 0 autor executa um retrato

bastante real dos costumes morais e políticos do Rio de Janeiro, embora o enredo seja sempre idealista, concebido segundo a imaginação romântica. Observação e espírito crítico se mesclam à fantasia e imaginação. Ex.: Cinco

Minutos, Encarnação, Lucíola, Senhora. b) NATUREZA BRASILEIRA, no romance indianista. As personagens (índios) são sempre transfigurados pela

imaginação. A paisagem recebe forte impregnação poética. A mata virgem do Brasil é apresentada como um recanto de maravilha e salvação. 0 enredo gira sempre em torno do amor

e não dispensa a aventura. Alencar é o único representante ilustre desse tipo de romance mítico e poético. Ex.: 0 Guarani, Iracema, Ubirajara.

c ) SOCIEDADE RURAL, no romance regionalista. 0 que se põe em relevo são os costumes, as crenças, o vestuário, a linguagem e a geografia das diversas regiões do país- Surge já

no fim do Romantismo (década de 70) como oposição ao excesso de imaginação empregada na elaboração dos romances indianistas e históricos de Alencar. Foi criado por Bernardo Guimarães, mas cultivado também por Alencar. Seu

defensor mais ardoroso foi Franklin Távora. É considerado transição para o Realismo. Ex.: 0 Gaúcho, 0 Sertanejo, Til, 0 Tronco do Ipê.

d) SOCIEDADE FIDALGA DOS TEMPOS COLONIAIS, no romance histórico. Bandeirantes e aventureiros ressurgem nessa reconstituição imaginosa de nosso passado histórico. As datas

e os fatos são pretextos para um enredo excessivamente movimentado. A paisagem é pictórica e grandiosa. Persiste a intriga amorosa em que o herói se opõe ao vilão. A heroína, conforme os padrões, é super-idealizada. 0 bem triunfa sobre

o mal. Ex.: As Minas de Prata, A Guerra dos Mascates.

O romance “Cinco minutos”, publicado em 1856, revela claramente o esquema do romance romântico: o narrador é

um moço solteiro que tem todo o tempo disponível, já que não trabalha. Estava acostumado a pegar sempre a mesma carruagem, em um mesmo horário. Um dia ele se atrasa cinco

minutos e toma a carruagem seguinte; viaja ao lado de uma misteriosa mulher, pela qual se apaixona perdidamente (embora não lhe veja o rosto, e nem mesmo troque muitas palavras com ela. A única coisa “real” que ele tem é o perfume

que ela exala, mas é o bastante para se apaixonar). A partir desse encontro, a existência do narrador ganha um único objetivo: conhecer a misteriosa mulher. Ele consegue.

Declara seu amor e descobre que Carlota também o ama. (a declaração é feita sem que ele veja o rosto dela) Surge, então, o ponto forte do romance urbano de José de Alencar e das narrativas românticas em geral: o amor impossível, e tão

impossível que nem se pode saber as causas dessa impossibilidade, já que os dois se amam tanto! Finalmente, o narrador vem a saber que o amor é impossível porque Carlota sofre de uma doença incurável, que a leva a

embarcar para a Europa. O narrador ao ficar sabendo do desaparecimento da amada, obviamente a segue até a Europa (e sem dificuldade nenhuma a encontra.).

O trecho seguinte mostra a heroína, gravemente enferma, encontrando-se com seu aflito apaixonado, que procura, com sua presença, atenuar-lhe os sofrimentos.

“ Sentado ao seu lado, ou de joelhos a seus pés, passava os dias a contemplar essa agonia lenta; sentia-me morrer gradualmente, à semelhança de um homem que vê os últimos clarões da luz que vai extingu ir-se e deixá -lo nas trevas.

Uma tarde que ela estava ainda mais fraca tínhamo-nos chegado para a varanda. A nossa casa em Nápoles dava sobre o mar; o sol,

transmontando, escondia-se nas ondas; um ra io pálido e descorado veio enfiar-se pela nossa janela e brincar sobre o rosto de Carlota, sentada ou antes deitada em uma conversadeira.

Ela abriu os olhos um momento e quis sorrir; seus lábios nem tinham força para desfo lhar o sorriso. As lágrimas saltaram-me dos olhos; havia muito que eu tinha

perdido a fé, mas conservava ainda a esperança; esta desvaneceu-se com aquele reflexo do ocaso, que me parecia o seu adeus à vida. Sentindo as minhas lágrimas molharem as suas mãos, que eu

beijava, ela voltou-se e fixou-me com os seus grandes olhos lânguidos. Depois, fazendo um esforço, reclinou-se para mim e apoiou as mãos sobre o meu ombro.

- Meu amigo, disse ela com voz débil, vou-te pedir uma coisa, a última; tu me prometes cumprir?

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- Juro, respondi-lhe eu com a voz cortada pelos soluços. - Daqui a bem pouco tempo. - daqui a algumas horas talvez... Sim! Sinto faltar-me o ar...

- Carlota! ... - Sofres, meu amigo! Ah! se não fosse isto eu morreria fel iz. - Não fales em morrer! - Pobre amigo, em que deverei falar então? Na vida?... Mas

não vês que a minha vida é apenas um sopro... um instante que breve terá passado? - Tu te iludes, minha Carlota. Ela sorriu tristemente.

- Escuta; quando sentires a minha mão gelada, quando as palpitações do meu coração cessarem, prometes receber nos teus lábios a minha alma?

- Meu Deus! ... - Prometes? sim?... - Sim. Ela tornou-se lívida; sua voz suspirou apenas:

- Agora! Apertei-a ao peito e colei os meus lábios aos seus. Era o primeiro beijo de nosso amor, beijo casto e puro, que a morte

ia santif icar. Sua fronte se tinha gelado, não sentia a sua respiração nem as pulsações de seu seio. De repente ela ergueu a cabeça. Se visse, minha prima, que

reflexo de felicidade e alegria iluminava nesse momento o seu rosto pálido! - Oh! Quero v iver! Exclamou ela . E com os lábios entreabertos aspirou com delícia a aura

impregnada de perfumes que nos enviava o golfo de Ischia. Desde esse dia foi pouco a pouco restabelecendo-se, ganhando as forças e a saúde; sua beleza reanimava-se e

expandia-se como um botão, que, por muito tempo privado de so l , se abre em flor v içosa . Esse milagre, que ela, sorrindo e corando, atribuía ao meu amor, foi-nos um dia explicado bem prosaicamente por um

médico alemão que fez-nos uma longa dissertação a respeito da medicina. Segundo ele dizia, a viagem tinha sido o único remédio, e o que nós tomávamos por um estado mortal não era senão a

crise que se operava, crise perigosa, que podia matá-la, mas que felizmente a salvou. Casamo-nos em Florença na igreja de Santa Ma ria Novela .

Percorremos a Alemanha, a França, a Itália e a Grécia ; passamos um ano nessa vida errante e nômade, vivendo do nosso amor e a limentando-nos de música, de recordações h istóricas, de contemplações de arte.

Criamos assim um pequeno mundo, unicamente nosso; depositamos nele todas as belas reminiscências de nossas viagens, toda a poesia dessas ruínas seculares em que as

gerações que morreram falam ao futuro pela voz do silêncio; todo o enlevo dessas vastas e imensas solidões do mar, em que a alma, dilatando-se no infinito, sente-se mais perto de Deus. Trouxemos das nossas peregrinações um raio do sol do

Oriente, um reflexo da lua de Nápoles, uma nesga do céu da Grécia, algumas flores, alguns perfumes, e com isto enchemos o nosso pequeno universo. Depois como as andorinhas que voltam com a primavera para

fabricar o seu n inho no campanário da capelinha em que nasceram, apenas ela recobrou a saúde e as suas belas cores,

v iemos procurar em nossa terra um caminho para esconder esse mundo que havíamos criado. Achamos na quebrada de uma montanha um lindo retiro, um verdadeiro berço de relva

suspenso entre o céu e a terra por uma ponta de rochedo. Aí abrigamos o nosso amor e vivemos tão felizes que só pedimos a Deus que nos conserve o que nos deu; a nossa existência é um longo dia, calmo e tranqüilo, que começou

"ontem", mas que não tem "amanhã” 1) Comente as características românticas a partir dos trechos em negrito

2) O autor usou de um artifício para criar a ilusão de realidade sobre a narrativa contada por ele. Identifique-a e explique se essa tentativa convence ao leitor e até mesmo o narrador.

IRACEMA "Lenda do Ceará, foi como a denominou o autor e nela pós todo o seu amor, o seu carinho e a sua saudade da terra natal, que há tantos anos não via...Iracema era uma virgem tabajara,

filha de Araquém. pajé da tribo que dominava o Interior do Ceará, especialmente a Serra da Ibiapaba. Seu nome significava em guarani "lábios de mel". Sua função, como filha

do pajé, era guardar o segredo da Jurema. Como "virgem de Tupã", função sagrada, não poderia amar um homem. Aquele que a possuísse morreria. A descrição que o autor fez da linda indígena é a mais bela

em língua portuguesa, pois nenhuma mulher jamais mereceu elogios e tropos poéticos de exaltação, espalhados por todo o livro. Ela era "a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe

de palmeira. 0 favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha rescendia no bosque como seu hálito perfumado".

Sua aparição se faz quando, no banho, ela repousava em um claro da floresta e despreocupadamente enxugava ao sol seu corpo perfumado, enquanto pássaros cantavam nas árvores e com ela entoavam alegremente trinados festivos. Neste

ambiente maravilhoso, em plena mata cearense, quando lá ainda dominavam os índios em fortes nações, desenvolve-se a lenda que Alencar transpôs para a literatura. A história de Iracema é muito triste, e essa tristeza só é

amenizada, e não se torna melodramática, pelo seu estilo poético que atinge o maravilhoso. Nela surge o guerreiro branco Martim, que tendo saído à caça com o seu amigo Poti,

da nação dos potiguaras, perdera-se nas florestas, Indo dar ao campo dos tabajaras onde Iracema o encontra o leva à cabana de seu pai, Araquém, pajé da tribo. A hospitalidade é franca, gozando Martim de todas as regalias, e fica à espera de Caubi,

Irmão de Iracema, que o levará de volta às terras potiguaras. Iracema apaixona-se por ele e lrapuã, grande guerreiro tabajara, enciumado, quer matá-lo, e mais de uma vez o

tenta. Mas Iracema evita os embates, salvando o seu amado. Não podendo, pelas leis da tribo, amar um homem, pois era "a virgem de Tupã", ela se entrega ao guerreiro branco e com ele foge, abandonando seu povo. Leva-o até a região dos

potiguaras, onde encontram Poti, o amigo e irmão de Martim. Desde então as desgraças se abatem sobre ela. Seus irmãos empreendem uma guerra de vingança, tendo à frente Irapuã, e saem perseguindo os fugitivos. Por causa dela travou-se um

combate entre as duas nações, os tabajaras e os potiguaras, no qual o seu povo foi vencido e fugiu, deixando o campo

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cheio de cadáveres. Ela se sentiu muito triste, com remorso por ter sido a causa daquela desgraça, e teve saudade de sua terra, de seu pai de seu povo, sem, no entanto, arrefecer o

amor por Martim, que compensava todos os sacríficios. Nasceu-lhes um filho que chamaram de Moacir, “o filho da dor" Mas o guerreiro branco também sentia saudade de sua pátria

distante, e passava longas temporadas longe dela, caçando em demoradas jornadas pelas selvas. Iracema definhava, de tristeza, saudade e abandono. 0 leite materno lhe murchou os seios e já nem dava para alimentar o filho. Num de seus

regressos, Martim a encontrou quase desfalecida à porta da cabana, e viu então "como a dor tinha consumido o seu belo corpo, mas a formosura ainda morava nela, como o perfume

na flor caída do manacá". Disse-lhe ela: "Recebe o filho do teu sangue. Era tempo: meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!”. E logo depois pediu-lhe: “Enterra o corpo de tua esposa ao

pé do coqueiro que tu amavas. Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre os seus cabelos".

Martim assim o fez e levou o filho para longe do Ceará. Anos depois voltou trazendo sacerdotes e a cruz de Cristo para implantar ali a religião. Seu amigo Poti foi batizado com o nome de Antônio Filipe Camarão. Voltando ao sítio onde viveu

com Iracema, reviu emocionado "as verdes folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara". SENHO RA Aurélia Camargo, filha de D. Emílla Camargo e de Pedro

Camargo. Morava com sua mãe e irmão (Emílio). Aurélia não chegara a conhecer o pai, pois este fora separado da mulher e dos filhos pelo avô, um rico fazendeiro, que desejava ver o filho

casado com uma moça, filha de outro rico fazendeiro da vizinhança ignorando assim o casamento de Pedro com Emília. Pedro, revoltado sai de casa, morrendo em seguida. Desde então Emília levava uma vida sacrificada em

companhia dos dois filhos que a ajudavam no serviço, pois desde o casamento fora ignorada pelos parentes. Era muito doente, mas mesmo assim lutava para ver os filhos encaminhados na vida. Logo, porém, perdeu o filho e vendo

seus dias chegarem ao fim aconselha Aurélia a que fique na janela para ver se arranja um bom casamento. Mesmo contrariada, Aurélia fez os gostos da mãe. Em breve, dada a

sua beleza, arranjava vários candidatos, inclusive seu tio. Mas a vida continuava dura para ambas, embora aparecessem vários rapazes interessados em Aurélia. Entre os apaixonados estavam Eduard Abreu, rapaz rico, de excelente família, e

Fernando Seixas, rapaz de boa índole, mas desviado pelo desejo de carreira fácil e brilhante. Aurélia apaixona-se por Fernando. Fernando fica noivo de Aurélia, mas o tio da moça,

interessado que estava na sobrinha, quis evitar o casamento, indicando a Fernando a casa de um amigo chamado Amaral, que tinha uma filha chamada Adelaide. Amaral, pensando ser Seixas um bom partido e a salvação de sua vida oferece a

Fernando sua filha em troca de um dote de trinta contos de réis que Fernando Incontinenti aceitou por estar em dificuldades financeiras sem saber que Amaral estava falido. Numa certa manhã bateram à porta de D. Emília. Ela e a filha

receberam a visita de um velho alto robusto que, fitando Aurélia com os olhos marejados levanta-a nos braços antes

que esta pudesse evitar. Quando D. Emília quis acudir a filha, o velho disse ser o pai de Pedro e, portanto, avô de Aurélia, que corre para os seus braços. Passando os momentos de

emoção o velho despediu-se, deixando a Aurélia um documento que ela só deveria abrir quando viessem, pedir, alegando que era para não perder na viagem. Este papel era uma escritura testamentária em que passava os seus bens

para o nome de Aurélia. Logo depois do ato tecido, o avô de Aurélia morre e poucos dias depois morre também sua mãe. Sozinha, Aurélia foi amparada por Torquato Ribeiro, que convenceu D. Firmina a levá-la sua casa.

Aparece então um emissário do velho Camargo que lhe pediu o papel que o velho lhe deixara. Era um testamento que a tomava herdeira universal do avô.

Começa para Aurélia uma nova vida em companhia de sua parenta D. Firmina Mascarenhas: frequentava a alta sociedade fluminense, era muito admirada e desejada por todos, a quem desprezava. Guardava, porém uma vingança

para Fernando, que a abandonara por trinta contos de réis. Chamou seu tio e tutor e encarregou de oferecer cem contos de réis como dote a Fernando Seixas, para que se casasse com

ela. Fernando mais do que rapidamente aceitou, pedindo já um adiantamento de vinte contos de réis. Reuniu-se uma sociedade escolhida e pouco numerosa na casa de Aurélia para assistir ao casamento. Logo após a

recepção, Lemos levou Seixas aos aposentos, mostrando-lhe tudo o que lhe pertencia, inclusive as roupas. Depois Seixas e Aurélia dirigiam-se à câmara nupcial e foi quando Aurélia lhe disse que o havia comprado muito caro e que o casamento de

ambos só era vivido perante a sociedade, pois ela o comprara assim corno outrora ele a havia trocado por trinta contos de réis. Seixas calou-se chocado e desiludido.

Para os outros, tudo ia bem entre eles, mas na intimidade, nada mudara. Aurélia tratava Seixas como um outro objeto qualquer da casa, humilhando-o perante outras pessoas. Fernando dedicava-se de corpo e alma ao serviço, fazendo

negócios que lhe rendiam bom dinheiro. Vejamos pelos fragmentos abaixo um pouco da sequência narrativa da obra e o desfecho da obra.

( ... ) A torrente de luz, precipitando-se pela abertura das janelas, encheu o aposento; e a moça adiantou-se até a sacada, para banhar-se nessas cascatas de sol, que lhe borbotavam

sobre a régia fronte coroada do diadema de cabelos castanhos, e desdobrava-se pelas formosas espáduas como uma túnica de ouro. Embebia-se de luz. Quem a v isse nesse momento assim resplandecente, poderia acreditar que sob as pregas do roupão

de cambraia, estava a ondular voluptuosamente a ninfa das chamas, a lasciva salamandra, em que se transformara de chofre a fada encantada (SENHORA, p . 187).

( ... ) Trata-se de uma moça, sofrivelmente rica, bonitota, a quem a família deseja casar quanto antes. Desconfiando desses peralvilhos que por aí andam a farejar dotes, e receando que a

menina possa de repente enfeitiçar-se por algum dos tais bonifrates, assentou de procurar um moço sisudo, de boa posição, embora seja pobre; porque são justamente os pobres que sabem melhor o va lor do d inheiro, e compreendem a

necessidade de poupá-lo em vez de atirá-lo pela janela fora como fazem os f i lhos dos ricaços.

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( ... ) - Já vejo que é um verdadeiro negócio que me propõe? Observou Fernando com iron ia cortês

- Sem dúvida! Atestou o velho. Mas ainda não disse tudo. A pequena é rica bastante e dota o marido com cem contos de réis em moeda somante (SENHORA, p. 205).

( ... ) Quando a riqueza veio surpreendê-la, a ela que não tinha mais com quem a partilhar, seu primeiro pensamento foi que era uma arma. Deus lha enviava para dar combate a essa sociedade corrompida, e v ingar os sentimentos nobres

escarnecidos pela turba dos ag iotas. Preparou-se, pois para a luta, à qual ta lvez a impelisse principalmente a ideia do casamento que veio a realizar mais

tarde. Quem sabe, se não era o aviltamento de Fernando Seixas que ela punia com o escárnio e a humilhação de todos os seus adoradores? (SENHORA, p. 254).

( ... ) Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos ter este orgulho, que os melhores atores não nos

excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação, com que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor,

um homem vendido . - Vend ido! Exclamou Seixas ferido dentro d 'a lma. - Vendido sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou mil ionária; precisava de um marido, traste indispensável às

mulheres honestas. 0 senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento

(SENHORA, p. 228).

( ... ) A quantia que me faltava há onze meses, na noite de seu casamento, eu a possuo finalmente. Tenho-a comigo; trago-a

aqui nesta carteira, e com ela venho negociar o meu resgate. ( ..) Mas a senhora regenerou-me e o instrumento foi esse d inheiro . Eu lhe agradeço (SENHORA, p. 338).

( ... ) - 0 passado está extinto. Estes onze meses, não fomos nós que os vivemos, mas aqueles que se acabam de separar, e para sempre. Não sou mais sua mulher; o senhor já não é meu

marido . Somos do is estranhos. Não é verdade? ( ... ) - Aquela que te humilhou, aqui tens abatida, no mesmo lugar onde ultrajou-te, nas iras de sua paixão. Aqui a tens implorando seu perdão e feliz porque te adora, como o senhor de sua alma.

As cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal (SENHORA, p. 340).

a) indique a que parte da obra pertence cada fragmento acima. b) Partindo dos fragmentos comente a sucessão narrativa da obra.

C) Indique os traços românticos e os pré-realistas presentes nos fragmentos

Em Senhora, Alencar altera o quadro da mulher casadoira,

preparada para servir e obedecer ao seu senhor, o marido todo-poderoso, e inverte a ordem social fazendo com que

Aurélia (sua heroína) utilize a força do dinheiro, pondo em prática sua vingança. Para que Fernando se torne digno de sua amada deverá dar

provas do seu arrependimento e de uma mudança radical de sua personalidade, submetendo-se ao castigo do desprezo infligido por Aurélia, até que se transforme, de rapaz estróina e irresponsável, em homem correto e leal.

Chamamos a atenção para o tratamento dado pelo Autor ao tema do amor "comprado", evidenciando sua posição de detalhador social de sua época, uma vez que coloca Seixas em posição de igualdade com Aurélia, resgatando sua honra ao

devolver-lhe a quantia pela qual fora negociado, possibilitando, assim, um final feliz para os amantes.