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C a p í t u l o 2 O shopping center no Brasil 53 2.1 2.1 2.1 2.1 Mercados públicos, galerias, Mercados públicos, galerias, Mercados públicos, galerias, Mercados públicos, galerias, lojas de departamento e supermercados lojas de departamento e supermercados lojas de departamento e supermercados lojas de departamento e supermercados No Brasil, a atividade comercial varejista ganhou força nas décadas finais do século XIX quando a produção industrial começou a conquistar o mercado nacional. Como observou Vargas,”... o funcionamento desta atividade varia conforme: a distribuição e característica da população (densidades, nível de renda, hábitos de compra, etc); o desenvolvimento dos transportes e comunicações; as legislações trabalhistas e de regulamentação do uso e ocupação do solo; as barreiras comerciais legais (protecionismo); conservadorismo por parte dos interessados; o desenvolvimento tecnológico; fatores históricos; e, o nível de concentração e desenvolvimento das demais atividades econômicas” 1 . No Brasil, a incorporação de inovações na atividade comercial varejista aconteceu primeiramente em capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre. Nesse período, Les Halles Centrales de Paris, com sua construção em ferro e vidro, constituiu-se em um modelo difundido internacionalmente, inclusive no Brasil. O mercado público de ferro do século XIX integrou um conjunto de reformas da cidade, que estava sendo realizado em várias regiões do país. Tais equipamentos apareceriam como uma resposta dos sanitaristas às insalubres feiras livres e ribeiras de peixe dos séculos anteriores. No Recife, por exemplo, se tem notícias de sanitaristas inconformados com as condições de 1 VARGAS,<A Heliana Comim. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1992. p.243.

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2 . 12 . 12 . 12 . 1 M e r c a d o s p ú b l i c o s , g a l e r i a s ,M e r c a d o s p ú b l i c o s , g a l e r i a s ,M e r c a d o s p ú b l i c o s , g a l e r i a s ,M e r c a d o s p ú b l i c o s , g a l e r i a s ,

lojas de departamento e supermercados lojas de departamento e supermercados lojas de departamento e supermercados lojas de departamento e supermercados

No Brasil, a atividade comercial varejista ganhou força nas

décadas finais do século XIX quando a produção industrial começou a

conquistar o mercado nacional. Como observou Vargas,”... o

funcionamento desta atividade varia conforme: a distribuição e

característica da população (densidades, nível de renda, hábitos

de compra, etc); o desenvolvimento dos transportes e comunicações;

as legislações trabalhistas e de regulamentação do uso e ocupação

do solo; as barreiras comerciais legais (protecionismo);

conservadorismo por parte dos interessados; o desenvolvimento

tecnológico; fatores históricos; e, o nível de concentração e

desenvolvimento das demais atividades econômicas”1. No Brasil, a

incorporação de inovações na atividade comercial varejista

aconteceu primeiramente em capitais, como São Paulo, Rio de

Janeiro, Recife e Porto Alegre.

Nesse período, Les Halles Centrales de Paris, com sua

construção em ferro e vidro, constituiu-se em um modelo difundido

internacionalmente, inclusive no Brasil. O mercado público de ferro do

século XIX integrou um conjunto de reformas da cidade, que estava

sendo realizado em várias regiões do país. Tais equipamentos

apareceriam como uma resposta dos sanitaristas às insalubres feiras

livres e ribeiras de peixe dos séculos anteriores. No Recife, por exemplo,

se tem notícias de sanitaristas inconformados com as condições de

1 VARGAS,<A Heliana Comim. Comércio: localização estratégica ou estratégia na localização? Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1992. p.243.

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higiene da Ribeira de Peixe, instalada em um prédio dotado de

arcadas abertas. Em 1845, o médico Joaquim D'Aquino Fonseca

criticou, em particular, as precárias condições de higiene e o acúmulo

de pobres em seu interior, julgando que “... além da vida devassa que

tem, causão tedio, e revoltão o animo daqueles que veem as nuvens

de moscas, que de continuo vão do peixe ou carne ás chagas, e

destas á carne ou peixe”.2 A intenção dos sanitaristas ia ao encontro

das aspirações de uma emergente burguesia por uma cidade cujas

áreas nobres – inclusive as destinadas ao comércio - estivessem

protegidas do uso em larga escala pelos pobres. A construção de

mercados públicos de ferro no Brasil também foi favorecida pelos

esforços da indústria européia, produtora dos perfis metálicos e outros

componentes construtivos dos edifícios de ferro, para abrir novos

mercados.

O primeiro mercado

público construído em ferro e

vidro no Brasil foi o Mercado de

São José, no Recife. Erguido em

1875 no local onde antes existira

a Ribeira de Peixes, seu projeto

foi norteado por questões

higienistas,

utilizando-se de extensas clarabóias e venezianas, que propiciaram

grande iluminação e ventilação aos seus interiores. A implantação de

torneiras, de piso impermeabilizado e de sistema de esgotos facilitava

a operação regular de limpeza, enfatizando seu caráter higienista. O

projeto era uma cópia quase fiel do projeto do Mercado de Grenelle 2 FONSECA, Joaquim D´aquino, citado por: CORREIA, Telma de Barros. Cidade e consumo. Paper, São Carlos, 2000, p. 2.

1. Mercado de São

José, no Recife.

Fonte: Silva, 1986.

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em Paris, de autoria do arquiteto A. Normand, publicado na revista

Nouvelles Annalles de la Construction em 1869. De acordo com

Geraldo Gomes “ esse mercado compunha-se de um pavilhão com

estrutura de ferro e duas pequenas contruções em alvenaria,

destinadas à administração. O mercado de São José tem dois

pavilhões iguais – com a mesma estrutura do pavilhão de Grenelle –

ligados por uma coberta com estrutura de ferro, diferente da utilizada

nos pavilhões”3. Citando o relatório do engenheiro Vauthier – que

havia sido contratado pela Câmara de Veradores do Recife para

acompanhar a execução das estruturas de ferro na França – o autor

mostra a inspiração no projeto do Mercado de Grenelle e ainda em

alguns elementos dos Halles Centralles de Paris. Segundo Geraldo

Gomes,“ O mercado de Grenelle, reproduzido em 1869 nos Nouvelles

Annales de la Construction e que o autor do projeto parece ter

consultado quando fixou seu plano, nos servio de typo, conquanto

tenhamos aproveitado algumas disposições dos novos pavilhões dos

Halles Centrales e de outros mercados de Paris”4. Vauthier fez algumas

adaptações no projeto, observando a diferença climática entre Recife

e Paris. Entre elas constavam a substituição das telhas de ferro

ondulado previstas no projeto por telhas de barro e de parte das

venezianas previstas em vidro por outras de madeira, utilizadas no

fechamento externo dos vãos.

Depois do pioneiro Mercado

de São José, os mercados públicos

em ferro se difundiram pelo Brasil. Em

Belém, foi erguido o Mercado de

3 SILVA, Geraldo Gomes. Arquitetura do ferro no Brasil. São Paulo, Nobel, 1986, p.141. 4 VAUTHIER, L. L. Trecho do relatório publicado no Diário de Pernambuco de 6 de maio de 1874. Citado por SILVA, Geraldo Gomes, Op. Cit., p. 142.

2. Mercado Ver-o.-

Peso, em Belém.

Fonte: Silva, 1986.

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Ferro, em 1901, que posteriormente

seria conhecido como Mercado Ver-

o- Peso e que se tornou um cartão

postal da cidade.

Em São Paulo, também com estrutura de ferro, foi construído o

Mercado São João, em 1890. Sete anos mais tarde houve uma

proposta de

ampliação do prédio. O novo Mercado São João, seria implantado no

espaço cedido pela demolição do casario que cercava o antigo

mercado. O projeto, assinado pelos arquitetos Heuszler e Dubugras era

suntuoso, dispondo-se em dois pavimentos com planta quadrada com

fachadas de 84,5 metros de lado. A proposta previa uma parceria

entre o poder público e o setor privado: o mercado seria construído

com recursos privados e explorado durante quarenta anos, ao fim dos

quais voltaria ao poder público. Entretanto, após grande polêmica, a

idéia não foi adiante5.

5 SEGAWA, Hugo. Prelúdio da Metrópole. Arquitetura e urbanismo em São Paulo na passagem do século XIX ao XX. São Paulo, Ateliê Editorial, 2000, p.36.

3. Projeto para o Mercado

São João.

Fonte: Segawa, 2000.

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No Rio de Janeiro do início do século XX, sob forte influência das

reformas urbanas de Haussmann, nasceu o maior dos mercados

públicos em ferro do Brasil. Concebida ainda no governo anterior ao

de Pereira Passos, a idéia de se projetar um mercado de grandes

dimensões ,fazendo uso de tecnologia e materiais inovadores,

encontrou forte apoio em Pereira Passos, que iniciou suas obras no ano

de 1903. O projeto era semelhante ao do mercado Ver-o-Peso. Tinha

planta quadrada medindo 150 metros de lado, oito entradas

monumentais, quatro delas encimadas por torres. O mercado carioca

era quase quatro vezes maior que o Mercado de São José, até então

o maior do País. Possuía 12.500m2 de área construída, o que

correspondia, entretanto, a menos da metade dos 30.000m2 de Les

Halles Centrales de Paris. Assim como no caso do Mercado de São

José, também se enfatizava, na época da construção, as suas

condições higiênicas. Segundo artigo do jornal A Notícia: “Todo o

mercado acha-se preparado convenientemente de modo que seus

compartimentos estão providos de gaz, água e esgoto. Em cada

compartimento há um ralo e uma torneira e as águas servidas são

levadas para a canalização da City Improvements” 6. O artigo ainda

faz menção ao moderno frigorífico:“... mandado buscar na Europa é

uma dos mais modernos e aperfeiçoados. Conta quatro camaras para

a conservação de fructas, peixes, aves já preparadas etc.“7.

O Mercado Municipal do Rio de

Janeiro se inseria em um conjunto de

reformas urbanas implementadas pelo

prefeito Pereira Passos (1902 - 1906),

idealizadas nos moldes das reformas

6 A Notícia do Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1907. Citado por SILVA, Geraldo Gomes, Op. Cit., p. 158. 7 Id. 159.

4. Planta de

cobertura do

Mercado Municipal

do Rio de Janeiro.

Fonte: Silva, 1986.

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urbanas parisienses, visando o controle

sanitário, urbanístico e da circulação,

recorrendo para isso, ao método das

demolições e reconstruções 8.

Simultaneamente aos mercados públicos de ferro, surgiriam as

galerias, uma tipologia comercial voltada aos mais abastados. No

Brasil, as galerias se difundiram nos centros das grandes cidades

sobretudo a partir de meados do século XX. Como observa Hugo

Segawa, fazendo referência ao Mercado São João e à paulistana

Galeria de Cristal, há grandes diferenças de usos entre os dois

equipamentos: “... no novo mercado projetado, percebemos uma

denotação doméstica, isto é, a preocupação de se ampliar um

estabelecimento de utilidade pública local, imediata, em

contrapartida à sofisticada Galeria de Cristal, monumento de

conotações cosmopolitas, envolvendo valores que defendem um

novo status da capital do Estado enriquecido e os valores culturais de

sua elite, status no qual o espírito republicano paulista procuraria

promover e consolidar como padrão de civilidade na provinciana

cidade de São Paulo”9.

A referida Galeria de Cristal, foi o primeiro exemplar desta

tipologia em terras paulistas. Projetada por Jules Martin, buscava atrair

uma classe privilegiada da população que fazia suas compras na rua

XV de Novembro, a mais importante via comercial da cidade na

época.

8 VAZ, Lilian Fessler.Uma história da habitação coletiva no Rio de Janeiro – Estudo da modernidade através da moradia. Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1994. p. 79. 9 SEGAWA, Hugo. Op. Cit. p. 37.

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Posteriormente, muitas galerias foram construídas em cidades

brasileiras. As galerias proporcionaram o agrupamento de diversos

tipos de comércio, serviço e lazer. Atraíam a clientela das classes mais

abastadas com seus ambientes sofisticados, onde atores sociais como

mendigos e camelôs por exemplo, não tinham acesso. Isso as

diferenciava dos mercados públicos, que eram locais de acesso

menos controlado. Por longo tempo, as galerias permaneceram como

locais de encontro da elite, que privilegiava seus interiores como local

de convívio e comércio. Consagravam os centros de cidade como

locais preferenciais de localização. A decadência de muitas dessas

galerias pode ser associada ao declínio das áreas centrais onde estão

edificadas. “A Galeria Alaska em Copacabana é um exemplo neste

sentido, com sua reputação de lugar boêmio e de má fama. Durante

o dia suas lojas, lanchonetes e barbearias atendem a uma clientela de

classe média. À noite, seu corredor e seus bares, boates e cinema

concentram prostitutas, homossexuais, artistas da noite e boêmios, em

meio a vendedores ambulantes de amendoim e engraxates”10. Em

São Paulo, um dos exemplos nesse sentido é a Galeria do Disco,

10 CORREIA, Telma de Barros, Op. Cit., p. 4.

5. Projeto de Jules

Martin para a Galeria

de Cristal.

Vista interna e fachada.

Fonte: Segawa, 2000.

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situada na Avenida São João. Local sofisticado na década de 1960,

esta galeria entrou em decadência junto com o seu entorno.

As lojas de departamento foram outra novidade das décadas

finais do século XIX, que impuseram mudanças na maneira de se

comercializar os produtos. A especialização por setor, o preço pré-

determinado e exposto, e a atmosfera de entretenimento nos seus

interiores, fizeram delas um sucesso quase instantâneo. A primeira

criada no Brasil foi a “Notre Dame de Paris”, na Rua do Ouvidor, no Rio

de Janeiro, assim descrita por Koseritz : “... cada vitrine corresponde a

uma das dez secções do negócio e contém grande massa de

amostras dos artigos respectivos. Uma vitrine por exemplo, só contém

fazendas, outra, somente calçados, há ainda uma que só expõe

chapéus de senhoras e artigos de moda e assim por diante... É um

negócio gigantesco no qual se encontra tudo o que diz respeito à

especialidade, isto é, a tecidos e objetos de uso para homens e

senhoras (...) Cada secção tem seu chefe, seu segundo e um caixeiro;

a gente faz a compra, recebe a nota e ouve obrigatoriamente

“passez à la caisse s’il vous plait “. No caixa a gente paga, recebe

uma nova nota e mediante a apresentação desta, o chefe da secção

entrega a mercadoria”11. A idéia de Paris como capital mundial da

moda e do bom gosto, difundida entre as elites brasileiras da época, é

apropriada neste empreendimento, do nome da loja à fala dos

vendedores.

Em São Paulo, a Casa Alemã pode

ser considerada a primeira no gênero. Foi

fundada como uma pequena venda de

11 KOSERITZ, Karl Von. Imagens do Brasil, São Paulo, Martins/Edusp, 1972, p. 161.

6. Anúncio do Mapping Stores no

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confecções em 1833 na rua 25 de Março.

Posteriormente, a loja mudou-se para a

ladeira João Alfredo (Ladeira Porto Geral)

e em 1910 para a Rua Direita. Neste último

endereço poderia ser considerada uma

moderna loja de departamentos e seria a

principal concorrente do Mappin durante

algum tempo12.

Este último o mais famoso representante deste equipamento no

Brasil, foi inaugurado em São Paulo, em 1912. Durante boa parte do

século XX, foi o principal ponto comercial da cidade, chegando a

receber em um único fim de semana, cerca de 500.000

consumidores13. O Mappin, na segunda década do século XX se

tornou palco de intensa sociabilidade, como descreve Sevcenko: “A

partir das dezesseis horas, se estabelecia o footing no circuito de lojas

finas do Triângulo, cujo ápice era o chá das cinco nos salões do

Mappin Stores e o refluxo do rush das seis. Nesse horário os homens

deixavam os escritórios e os bancos; as moças de família retornavam

aos lares, dando início à toilette dos eventos noturnos”14.

Havia, portanto, uma inspiração européia na composição dos

espaços urbanos e nos modos de vida dos moradores das classes mais

abastadas da capital paulista. Os resultados deste esforço na busca

de semelhanças com cidades européias chegaram a ser observados

por diversos viajantes estrangeiros em passagem pelo Brasil. George

12 PEIRÃO, Solange e ALVIM, Zuleika. Mappin: 70 anos. Sao Paulo, Casa anglo-brasileira/ Ex-libris, 1987, p. 35. 13 Id. p. 37. 14 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole. São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Cia das Letras, 1992, p.51.

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Clemenceau, registraria em seus diários de viagem, na década

de1920, a impressão de que São Paulo seria tão curiosamente

francesa em certos aspectos que, ao longo de uma semana de

viagem, ele não teria tido a sensação de estar fora de seu país. Já o

escritor Paul Adam teve uma impressão diferente, observando através

das cores do sol e do traçado das ruas uma semelhança com Verona

e outras cidades italianas. Outros viajantes, entre os quais Lèvi-Strauss,

que morou na cidade na década de 1930, enfatizaram as enormes

diferenças entre São Paulo e as cidades européias15.

As lojas de departamento ajudaram a impulsionar o comércio

no centro da cidade. Após a década de 1940, quando ocorre a

venda do controle acionário dos sócios ingleses para os brasileiros, o

Mappim, passa a gradativamente a mirar as camadas mais populares,

através da venda de grande variedade de produtos de baixo custo.

Essa estratégia decorreu em grande parte à concorrência que se

estabeleceu após a implantação das Lojas Americanas e das Lojas

Brasileiras, que adotaram com sucesso esse modelo de lojas de

variedades16. Esse modelo, semelhante ao praticado nos Estados

Unidos, era mais descontraído que o grand Magasin europeu, no qual

o Mappin se inspirava. Nele, as classes sociais se misturavam,

ampliando a gama de consumidores. Utilizavam-se também de outras

técnicas importadas dos EUA como a propaganda de preços de

promoção através do jornal, o crédito parcelado e a divisão da loja

em departamentos17.

15 Id. p. 117. 16 FRÚGOLI, Heitor Jr. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo, Cortez : Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p.53. 17 LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Distribuição espacial do comércio varejista da Grande São Paulo. São Paulo, Instituto de Geografia da USP, 1975. Citado por : VARGAS, Heliana Comin, Op. cit., p.248.

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Em São Paulo, até a década de 1940, os principais

equipamentos comerciais, estavam concentrados no centro, que

detinha boa parte dos empregos da cidade. Como consequência

desse grande afluxo de público, o centro passou a sofrer com o

congestionamento de pessoas, dos bondes e dos automóveis. Heliana

Vargas observa, que: “... trabalhadores industriais começaram a

participar do sistema varejista com sua renda disponível, limitada mas

crescente(...). Muitos segmentos da classe média ampliavam seus

horizontes através de pequenas viagens, comprando equipamentos

de esportes de preço não muito elevado e procurando

eletrodomésticos mais simples, tais como ferros elétricos, batedeiras e

rádios. Houve uma expansão também de artigos de vestuário18.

A partir dos sinais de saturação da zona comercial do centro de

São Paulo, desencadeou-se um movimento de descentralização da

localização comercial. Dois processos podem ser vistos como

associados a tal evento. O primeiro deles foi decorrente da expansão

viária promovida pelo Estado, influenciando o surgimento dos

corredores comerciais, principalmente junto às vias radiais do centro.

Esta expansão foi favorecida pela ação do prefeito Francisco Prestes

Maia, que durante um de seus mandatos (1938-1945) implantou parte

do Plano de Avenidas para São Paulo, que havia formulado em 1930.

De acordo com Libâneo, Prestes Maia “...Via no centro três graves

defeitos: era exíguo e incapaz de comportar a vida de uma grande

cidade; de difícil acesso e estava sempre congestionado. Somente

outro centro, em outra localização teria condições de resolver esses

entraves. O perímetro de irradiação abriria vias de expansão e

18 VARGAS, Heliana Comin. Op. Cit., p. 249.

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penetração, convergindo para pontos diferentes do núcleo central. O

novo centro se instalaria para além do Anhangabaú, em direção à

Rua Barão de Itapetininga, São João e Avenida Ipiranga. Caberia ao

poder público executar a tarefa, socializando os custos”19. Nessa

perspectiva, diversas modificações viárias foram implantadas, tais

como o alargamento das ruas Liberdade, Vieira de Carvalho e Xavier

de Toledo, o prolongamento da Avenida São João e a construção de

avenidas conectadas a áreas distintas da cidade a Nove de Julho, a

Consolação, a Rio Branco, a Anhagabaú, a do Estado e a Rangel

Pestana20.

O segundo processo vinculado à expansão de centros

comerciais secundários, se relaciona ao processo de suburbanização

decorrente da implantação dos novos bairros, iniciada ainda nas

primeiras décadas do século XX. Em relação a esse processo, Flávio

Villaça escreve que: “ as burguesias nem sempre procuram o “perto”

em termos de tempo e distância . Às vezes elas se afastam na busca

de grandes lotes e ar puro, por exemplo, mas mesmo quando isso

ocorre há limites para esse afastamento. Nesses casos elas trazem para

perto de si seu comércio, seus serviços e o centro que reúne os

equipamentos de comando da sociedade – e isso não por razões

simbólicas ou de status, mas pela razão muito prática de que elas o

frequentam intensamente e nele exercem muitos de seus empregos. A

pulverização dos centros metropolitanos em metrópoles como São

Paulo, nada mais é do que a manifestação de expedientes das

camadas de mais alta renda para trazer mais próximo delas ( no que

19 LIBÂNEO, M. L. A Invenção Da Cidade De São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo, PUC, 1989, p. 43. Citado por: FÚGOLI, Heitor Jr. Op. cit., p. 54. 20 MEYER, Regina Prosperi. O centro da metrópole como projeto. São Paulo, Associação Viva o Centro, 1994. Citado por: FÚGOLI, Heitor Jr.Op. cit., p. 54.

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se refere ao tempo) os equipamentos de controle da sociedade, seus

empregos e seus serviços e ao mesmo tempo produzir centros mais

adaptados a seu meio predominante de locomoção: o automóvel”21.

O processo de descentralização comercial que se manifestava

nas metrópoles brasileiras atingiu a atividade comercial varejista, que

gradativamente se instalava nos novos corredores comerciais. As lojas

de departamento, por exemplo, começaram a inaugurar filiais em

outros locais, mais distantes do centro principal.

A ascensão do uso do automóvel, aliada às remodelações do

sistema viário, favoreceu a difusão de novos modelos

estabelecimentos comerciais. A compra motorizada foi um hábito que

ganhou força na década de 1960, praticamente obrigando muitos

comerciantes a proverem suas lojas de espaços para o

estacionamento do automóvel particular. De acordo com Lima Filho,

nos cinco últimos anos da década de 1960, a indústria nacional de

automóveis atingiu a marca de 1 milhão de unidades produzidas, das

quais boa parte permanecia em São Paulo22. Ainda naquela década,

se agravou o problema de circulação junto ao centro principal de São

Paulo e pela primeira vez os comerciantes começaram a se preocupar

com as facilidades de estacionamento em sua propaganda a

conveniência de locais fora da área central 23.

Os supermercados foram os primeiros a oferecer tais facilidades

a seus clientes. Muitas vezes, foram instalados em grandes áreas,

21 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Nobel 2001, p.329. 22 LIMA FILHO, Alberto de Oliveira. Shopping centers: EUA x Brasil. Uma análise mercadológica comparativa. Rio de Janeiro, FGV, 1971. 23 VARGAS, Heliana Comin. Op. Cit., p. 251.

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especialmente junto a eixos viários de trânsito rápido, onde

preservavam grandes áreas para estacionamento, o que passou a ser

um diferencial em relação às feiras livres, açougues e outros

equipamentos voltados à venda de gêneros alimentícios. Os

consumidores passaram a ver no supermercado uma forma de

economia de tempo, uma vez que se podia encontrar grande

variedade de gêneros alimentícios em um só lugar. À tal facilidade

viria a ser somada a difusão da geladeira, que propiciava o

espaçamento das idas ao supermercado.

Em São Paulo, os

primeiros equipamentos deste

gênero foram inaugurados ainda

no início da década de 1950, mas

podem ser considerados

experiências pioneiras,

enfrentando dificuldades de

aceitação do público, ainda não

acostumado ao sistema de auto-

atendimento24.

Os pioneiros, Supermercado Americano, Sirva-se e Depósito Popular,

funcionavam em edifícios semelhantes a galpões industriais, com

cobertura metálica e decoração despojada, que num primeiro

momento, tanto quanto o sistema self service, deve ter causado

espanto a consumidores acostumados ao ambiente sofisticado das

lojas de departamento. No Rio de Janeiro, o pioneiro foi o

supermercado O Disco, inaugurado em 1953.

24 BRUNA, Gilda Collet. A problemática do dimensionamento de áreas comerciais para uso no planejamento territorial. Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1972.

7. Supermercado O Disco, no

Rio de Janeiro.

Fonte: Mello e Novais, 1998.

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No Brasil, os supermercados ganhariam força somente na

década de 1960. A grande aceitação deste equipamento se associa

também à sua própria evolução, com a incorporação de técnicas

comerciais como, o sistema self service, a preocupação com a

programação visual interna, a higiene e o aumento na variedade de

produtos comercializados. Muitos supermercados aumentaram seu rol

de produtos ofertados, incluindo - além dos gêneros alimentícios –

roupas, eletrodomésticos e utensílios domésticos, entre outros produtos.

Os hipermercados, ao contrário dos supermercados - que

demoraram a ter aceitação do público -, conquistaram rapidamente

o mercado, se difundindo também por outras capitais de estado e

pelo interior de São Paulo. Há no hipermercado, não só o benefício da

economia de tempo, vital para os moradores da metrópole, mas uma

forte publicidade envolvida, mobilizando rádio, jornais e tv, numa

escala ainda não observada. A isso se associa sua expansão pelo

interior. Segundo Vargas: “O sucesso obtido por esses

estabelecimentos foi tão grande que encorajou o surgimento de

hipermercados como o Jumbo de Santo André com 9500m2 de área

construída e 800 vagas de estacionamento; o Moby Dyck de São

Paulo, com 6000m2 de construção e 1000 vagas de estacionamento e

outros que chegavam a oferecer mais de 50.000 artigos diferentes num

mesmo local”25.

A tipologia destes estabelecimentos se diferencia dos primeiros

galpões destinados aos supermercados. É semelhante à utilizada pelos

americanos em seus hipermercados: grandes caixas com pequenas

aberturas para o exterior, rodeadas de estacionamentos que

25 VARGAS, Heliana Comin. Op. Cit., p. 250.

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68

resguardavam interiores decorados e, sobretudo a partir da década

de 1980, climatizados. O hipermercado representou um passo decisivo

em direção à aceitação dos shopping centers no Brasil, com os quais

guardam algumas semelhanças.

2.2 Os Shopping centers no Brasil

O Mercado do Derby, erguido por Delmiro Gouveia no Recife,

pode ser considerado um precursor do shopping center no Brasil.

Tratava-se de um centro comercial com localização suburbana,

reunindo lojas - que vendiam desde alimentos até livros importados - e

atividades de lazer, tudo executado e administrado por um

empreendedor privado, ainda no ano de1899. Telma Correia observa

que em relação ao Mercado de São José, o “Derby dá um passo a

mais no processo de isolamento: afasta-se do centro da cidade,

situando-se em área suburbana e pouco habitada. Este isolamento

espacial tem repercussão imediata na acessibilidade ao Derby, restrita

em grande parte aos que dispunham de transporte próprio ou de

recursos para pagar um transporte coletivo – o bonde - relativamente

caro”26. O empreendimento utilizava-se de farta publicidade, via

impressa, na qual difundia a atividade de fazer compras como uma

aventura deliciosa e divertida. Tal estratégia viria a ser a tônica da

propaganda dos supermercados e shopping centers das décadas

posteriores. O detalhe básico que o diferenciava dos shopping centers

26 CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operário no sertão. Tese de Doutorado. São Paulo, FAU-USP, 1995, p.325.

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atuais é o fato do Derby não ser direcionado a uma clientela

proprietária de automóvel.

No Brasil, os shopping centers haveriam de surgir e se difundir, a

partir da década de 1960, num contexto de profundas transformações

da sociedade, correlatas à difusão do automóvel e da televisão e à

expansão da industrialização e de uma classe média ávida por

consumo. O fabuloso avanço nos meios de comunicação no século

XX, parece ter sido crucial na formação de um padrão de consumo

de classe média, espelhado na cultura americana, que se firmava no

segundo pós guerra como modelo para o mundo.

No século XIX, as elites européias

– cujo modo de vida era

mundialmente difundido,

especialmente pela literatura -

ditavam o tom. Após a Segunda

Guerra, através, entre outros veículos,

do cinema de Hollywood, os

americanos difundem sua cultura no

planeta, inclusive no Brasil.

Dos grandes musicais, passando

pela

rebeldia de James Dean, pelas mirabolantes peripécias do agente 007

ou do Superman, as platéias sonhavam no cinema, e se identificavam

com os seus personagens. Subjacente, ocultava-se uma eficiente

campanha de marketing, impulsionando a venda de produtos e

principalmente, a difusão de hábitos e costumes, entre os quais o

consumo desenfreado em supermercados e shopping centers.

James Dean em ensaio

fotográfico de Roy Schahtt.

Fonte: www.jamesdean.com.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

70

No Brasil, de 1930 até o início dos anos 80, se constitui um modelo

de economia que, embora de forma extremamente excludente,

tentou incorporar padrões de produção e consumo próprios dos países

desenvolvidos. Da indústria do aço, à de combustíveis, passando pelo

setor de energia elétrica, muitos foram os avanços do parque industrial

brasileiro, principalmente, no que diz respeito aos bens de consumo. A

indústria têxtil e a de produtos de beleza, avançaram, seguidas pela

indústria farmacêutica e outros setores.

Junto com estas indústrias,

emergiam novos modos de

consumo. Mello e Novaes relatam

as mudanças ocorridas,

principalmente na vida doméstica

brasileira à partir dos anos 70: “

Chegou o extrato de tomate, a

lata de ervilha, de palmito, de leite

condensado; chegaram novos tipo

de achocolatados, de macarrão

(...), o pão tipo pullman, para fazer

torradas ou sanduíches, agora em

moda. (...) O cigarro com filtro

causou furor entre os fumantes. O

consumo de refrigerantes

multiplicou-se, deslocando os sucos

de fruta: o guaraná, o da

Antarctica preferido ao da

9. Novos produtos e

eletrodomésticos chegam ao

Brasil na década de 1950.

Fonte: Mello e No

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C a p í t u l o 2 O shopping center no Brasil

71

Brahma, a Coca cola, e

finalmente a Pepsi cola”27.

Também houve mudanças nos hábitos de higiene e limpeza, seja

pessoal ou da casa. Na casa, o detergente, a buchinha de plástico, o

sabão em pó e o bombril substituíram os tradicionais recursos de

limpeza. Na higiene pessoal, difunde-se uso da escova de dentes e

outras inovações, descobertas por uma indústria cosmética, que via

na vaidade feminina, seu maior filão. A televisão também participa

ativamente da moldagem desses novos hábitos e formas de consumo.

A telenovela nasce, quase que como

uma extensão dos comerciais das

multinacionais. Segundo Esther

Hamburger: “As convenções de

representação consolidadas no

início dos anos 70, pela Globo

incluem a noção de que cada

novela deveria trazer uma

novidade, algo que a diferenciasse

das anteriores e fosse capaz de

provocar o interesse, o comentário,

o debate dos telespectadores, e o

consumo de produtos a ela

relacionados, como livros, discos,

roupas etc28”.

27 Mello, J. M. Cardoso & NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociedade moderna. In: História da vida privada no Brasil, v.4. São Paulo, Cia das Letras, 1998, p. 561. 28 HAMBURGER, Esther. Diluindo fronteiras: A televisão e as novelas no cotidiano. in: História da vida privada no Brasil, v.4. São Paulo, Cia das Letras, 1998, p. 440.

10. A novela Irmãos

Coragem, com Tarcísio

Meira e Glória Meneses:

Campeã de audiência na

década de 1970.

Fonte: Mello e Novais,

1998.

11. Lima Duarte e Regina

Duarte na novela Roque

Santeiro, nos anos 1980.

Fonte: Mello e Novais,

1998.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

72

Esta aceleração da mudança de hábitos e formas de

consumo, teria um de seus aspectos no surgimento e na proliferação

de shopping centers. O primeiro shopping center no Brasil – o Shopping

Iguatemi - surgiu na década de 1960, quando os EUA contavam com

milhares deles e sua tipologia já havia passado por mudanças

consideráveis.

Quando o Shopping Iguatemi abriu suas portas, em São Paulo,

em 1966, ainda predominava entre os lojistas a crença de que os

produtos deveriam estar expostos para a rua. Era forte a desconfiança

em relação a uma tipologia fechada para o exterior. Além do mais, se

tratava de uma tipologia construtiva difícil de ser apropriada para

outros fins em caso de fracasso do negócio. “Para complicar, sua

localização, na então acanhada rua Iguatemi, era perigosamente

distante de outros centros tradicionais29”. No primeiro projeto, o partido

adotado foi o do shopping aberto, com amplas entradas, preservando

jardins internos e fazendo uso de farta iluminação zenital. Em relação

ao projeto original, na obra “foram substituídos os materiais mais caros

e as soluções mais elaboradas30”. Seu planejamento - feito por uma

firma de engenharia - levou em conta apenas o número de lojas

compatíveis com as necessidades de consumo de seu entorno. O perfil

do se planejamento considerava a clientela localizada a até 20

minutos de viagem do shopping center. Essa população - que

abrangia os bairros Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulista,

Jardim Guedala, Morumbi, Butantã, Pinheiros e Cidade Jardim,

29 PINTAUDI, Silvana (org.). Shopping centers: cultura e modernidade nas cidades brasileiras. São Paulo, Unesp, 1992, p. 25. 30 AFLALO, Roberto. Shopping Center Iguatemi: O retrato da evolução do varejo. in: Projeto. São Paulo, Arco Editorial, n. 119, 1989, p. 87.

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C a p í t u l o 2 O shopping center no Brasil

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representava uma das concentrações populacionais de mais alta

renda do Brasil31.

Dessa constatação, decorre a de que a maioria dos consumidores

possuía automóveis. Eram esses mesmos consumidores que elegiam a

então sofisticada Rua Augusta, que tinha se destacado também pela

comodidade de estacionamentos em frente às lojas e que começava,

em 1966, a sentir os efeitos maléficos do congestionamento. Nesse

sentido, o Shopping Iguatemi passou a concorrer diretamente com a

região da Augusta, que levava nítida desvantagem no quesito

estacionamento. Lima Filho observa que o sucesso do Iguatemi foi

quase instantâneo, tornando insuficiente as 500 vagas de

estacionamentos oferecidas inicialmente pelo estabelecimento.

Posteriormente, o sucesso do empreendimento, funcionou como

um incentivo para que outros shoppings se instalassem. Na década de

1970, a expansão ocorre ainda de maneira tímida. No final desta

década havia apenas 6 shoppings instalados no Brasil. O boom viria

31 LIMA FILHO, Albero de Oliveira. Op. cit., p. 93.

12. O Shopping Center

Iguatemi, no ano de sua

inauguração.

Fonte: Projeto n. 119 – 1989.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

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na década de 1980, ao final da qual se chegaria a quase uma

centena de shopping centers implantados. Nesta década, a

expansão avança no sentido do interior do estado de São Paulo e das

capitais dos demais estados. A tipologia neste momento é

monumental, com interiores ricamente ornamentados. Amplos e áridos

estacionamentos envolvem blocos dotados de cegas empenas”32.

Este é o caso do Park Shopping em Brasília e do Ribeirão Shopping, em

Ribeirão Preto, inaugurados no início da década de 1980. Eram

grandes caixas implantadas em meio a um estacionamento. Seus

interiores renunciavam além do contato com o meio urbano, também

à luz natural. José Vital Monteiro considera que este procedimento era

adotado para que o consumidor realmente perdesse a noção de

tempo, “entrasse mesmo em uma outra dimensão”, protegido das

intempéries, da violência urbana e mesmo das preocupações com

horários33. Estes shoppings foram implantados após acuradas análises

quanto à localização, acessibilidade, “mix” e área de influência. Em

sua tese de livre docência, Gilda Collet Bruna cita o material

promocional de vendas do Ribeirão Shopping divulgado pela

Embraplan (empresa responsável pelo seu planejamento), que o

coloca como o “mais moderno centro de compras do interior” e um

dos primeiros a merecer atenção especial à etapa de

planejamento34.

A década de 1980 se caracterizou pela consolidação dos

shopping centers no Brasil. No final da década, de acordo com a

32 SEGAWA, Hugo. Os arquitetos e os shoping centers. In: Projeto. São Paulo, Arco Editorial n. 119, 1989, p. 84. 33 MONTEIRO, José Vital. Shopping center Iguatemi: O retrato da evolução do varejo. In: Projeto. São Paulo, Arco Editorial n. 119, 1989, p. 87. 34 BRUNA, Gilda Collet. Processo de dimensionamento de áreas comerciais. São Paulo, Pini, 1982, p. 29.

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ABRASCE, existiam no país, 80 shopping centers implantados

principalmente nas capitais e no interior do estado de São Paulo. Até

então, a preocupação dos empreendedores era garantir uma

localização que atingisse as camadas populacionais de alta renda.

Daí a grande quantidade de shopping centers instalados no interior do

estado de São Paulo, que respondia, em 1991, por 50% do PIB estadual

e pela segunda maior arrecadação de impostos do país35. O

planejamento de grande parte dos shopping centers implantados na

década de 1980 se apoiava na busca por uma localização ideal, junto

às camadas populacionais de alta renda e facilmente acessível, na

busca por lojas “âncoras” de grande atração de público (como as

lojas de departamento e os magazines) e na composição ideal das

lojas “satélite”. Neste momento, também se levava em conta na

análise do local, a proximidade de outros centros e as possibilidades

de concorrência futura. O projeto arquitetônico cuidava da “perfeita”

localização das lojas “satélites” e “âncoras”. Desta localização - que

visava à otimização da circulação dos consumidores – nascia o “mall”

de compras e deste conjunto, derivava o tratamento volumétrico do

edifício. Esta “caixa” em alguns casos era implantada em regiões

adensadas, gerando um áspero diálogo com o meio urbano. Podem

ser citados como exemplo desta tipologia, os shopping centers

Eldorado, Morumbi e Ibirapuera, em São Paulo.

Embora existam alguns

trabalhos que ainda na década de

1970 consagravam-se à

problemática da relação dos

shopping centers com a estrutura

35 VARGAS, Heliana Comin. Op. cit., p. 264.

Shopping Center Eldorado.

Fonte: Shopping Center Book,

1998.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

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urbana, foi somente no final da

década de 1980 que o debate se

intensificou no país. No final dessa

década, a revista Projeto promoveu

um debate entre alguns arquitetos

especializados na elaboração de

projetos de shopping centers. A

discussão envolvia a polêmica em

torno da inserção dos shopping

centers no tecido urbano. Segundo

alguns destes projetistas, o conflito

deriva do fato da maioria dos

shopping centers brasileiros se

espelharem nos grandes shopping

centers regionais norte-americanos,

que eram instalados em regiões

periféricas. No caso brasileiro, o

modelo era implantado em

ambiente diverso.

Segundo Argos Seleme, ao contrário da tendência americana,

grande parte dos shopping centers no Brasil se localiza em meio a

áreas previamente adensadas, merecendo um maior cuidado na

relação do

empreendimento com o meio

urbano. Ainda segundo o

arquiteto, o partido adotado no

Brasil seguia o padrão norte-

americano das décadas de

1950 e 1960, onde se enfatizava

15. Detalhe externo do shopping

Iguatemi, no Rio de Janeiro.

Fonte: Shopping Center Book,

1998.

15. Detalhe da fachada do

Shopping Center Iguatemi,

no Rio de Janeiro.

Fonte: Shopping Center

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C a p í t u l o 2 O shopping center no Brasil

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a disposição do “mall” em

relação às lojas em detrimento

do estudo dos arranjos

volumétricos exteriores36. Este

descuido na relação entre o

equipamento e o meio urbano

foi registrado pela revista

Projeto: “Há algum tempo, um

arquiteto de

outro país circulando por aqui, disse que alguns dos shopping centers

implantados em São Paulo poderiam ser comparados a objetos

voadores não identificados”37. Nesse período, os próprios arquitetos

projetistas de shopping centers reconheciam a hegemonia do modelo

em relação ao trabalho criativo do arquiteto, como observa Cláudio

Paneque, outro arquiteto especialista em shopping centers: “Se o

arquiteto seguir o programa à risca, faz seu trabalho. Mas está óbvio

que não se vai encontrar, nesse tipo de edifício, uma linguagem

arquitetônica paulistana, carioca ou italiana, ou seja o que for. O

modelo é norte-americano e o conceito é claro: proporcionar

conforto ao consumidor, oferecendo-lhe ambiente agradável e clima

correspondente”38.

Surgem também a partir da

década de 1980, os shopping

centers voltados à outras classes

36 Criatividade tenta ir além do modelo proposto. in: Projeto. São Paulo, Arco Editorial, n.129, 1990, pp. 65-68. 37 Id., p.67. 38 Id., p. 66.

Shopping Center

Interlagos.

Fonte: Arquivo

Novoshopping, 2002.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

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populacionais, de renda um pouco

mais baixa, como o shopping

Center Norte e o Interlagos

(inaugurados na década de 1980)

e o Aricanduva (inaugurado no

início da década de 1990). O

Center Norte situava-se distante

das zonas residenciais da classe

alta. Implantado junto ao metrô,

favoreceu o acesso a seus

interiores de consumidores de

renda mais baixa (classes B e C).

Adotou slogans de penetração

popular como “um shopping para

todos”, próximo a

vias de transporte coletivo39. Além disso, utilizou amplamente

elementos que simulam espaços urbanos tradicionais, como as praças,

quiosques, bancos, floreiras, etc.

Nos início da década de 1990, alguns setores demonstraram a

desconfiança de que o mercado estava saturado, não havendo

espaço para novos empreendimentos. Acreditava-se que um

shopping center para sobreviver, necessitaria de uma população em

seu entorno de 1 milhão de habitantes. Na virada da década havia

doze shopping centers regionais instalados na cidade de São Paulo,

sugerindo que o mercado estava atingindo seus limites40.

39 FRÚGOLI, Heitor Jr. Shopping centers: um olhar antropológico. In: Projeto. São Paulo, Arco Editorial, n. 137, 1990, p.52. 40 Construtores usam capital próprio e se associam a fundos. Estado de São Paulo. São Paulo, 22/08/1991.

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C a p í t u l o 2 O shopping center no Brasil

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Face à concorrência que se intensificava, os shopping centers

passaram por uma fase de adaptação ao mercado, na qual, com

frequência adotaram procedimentos como: especialização em

seguimentos; mudanças constantemente na decoração e nas

promoções; intensificação das campanhas de marketing;

oferecimento de transporte gratuito aos consumidores, etc. Nesta

década, segundo Heliana Vargas, diminuem os vínculos com o

território41. Se na década de 1980 praticamente não se implantava

mais de um shopping dentro do mesmo raio da atração, na década

seguinte isso ocorre com frequência, principalmente nos grandes

centros como São Paulo, onde se chega ao extremo de se ter um

shopping em frente ao outro (como é o caso do Shopping Morumbi e

do Market Place). Estes empreendimentos dificilmente sobreviveriam se

oferecessem os mesmos produtos e serviços. Ainda assim, a

concorrência se intensificou, justificando a adoção de medidas como

a especialização por setor, a oferta de variado número de serviços e

tipos de entretenimento, etc.

A década de 1990 também foi marcada pela expansão dos

shopping centers de vizinhança, raros nos anos oitenta. Alguns deles

chegaram a se instalar em áreas centrais, incorporando-se a planos de

revitalização desses locais, como é o caso do Shopping Light, em São

Paulo, instalado no edifício Alexandre Mackenzie, projetado em 1929

pelo escritório de Ramos de Azevedo para abrigar o prédio da antiga

Light. Localizado às margens do Viaduto do Chá e defronte ao Teatro

Municipal, situa-se em um ponto onde circulam diariamente mais de 1

milhão de pessoas. Seu projeto, suscitou grande polêmica sobre a

41 VARGAS, Heliana Comin. Op. Cit.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

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preservação do patrimônio histórico como o que se observou na

revista Projeto42. Apesar da

polêmica, o Shopping Light foi

inaugurado em 1999, após

estudos de restauro que

viabilizaram a implantação de

um shopping center em um

edifício tombado pelo

Condephat. Projeto semelhante

foi desenvolvido em Curitiba na

implantação do Shopping

Curitiba, que se implantou no

edifício de um antigo quartel do

século XVII. Seu projeto conciliou

as formas originais do edifício

histórico com a construção de

um novo edifício anexo. Neste

sentido também pode ser citado

o Pátio Shopping, implantado no

bairro paulistano de Higienópolis.

O empreendimento preservou

dois antigos casarões do bairro,

que foram incorporados ao

novo edifício43.

Outro ponto marcante da década de 1990, foram as constantes

reformas sofridas pelos shopping centers que haviam se implantado

nas décadas anteriores. Tais reformas, quase sempre privilegiaram - 42 Patrimônio da cidade pode virar shopping center. in: Projeto. São Paulo, Arco editorial, n. 137, 1990. 43 O Empreiteiro. São Paulo, n. 373, dezembro de 1999, p. 33.

19. Shopping Center Light. Fonte:

www.saopaulocentro.com.br/light.

18. Shopping Center

Curitiba: preservação

do patrimônio histórico.

Fonte: Shopping Center

Book, 1998.

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C a p í t u l o 2 O shopping center no Brasil

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além da constante troca dos elementos decorativos – a iluminação

natural e a presença de vegetação em seus interiores, numa tentativa

de superar a imagem artificial de seus ambientes.

As reformas também reafirmavam

a potencialidade dos negócios,

uma vez que quase sempre

estavam associadas à expansão

do número de lojas e serviços. Entre

essas reformas, destaca-se a

polêmica reforma sofrida pelo

Shopping Iguatemi de São Paulo,

em 1989. Os autores do projeto

original, os arquitetos Gian Carlo

Gasperini e Roberto Aflalo,

protestaram contra a

descaracterização sofrida por seu

projeto. Para eles, o projeto

original,

prevendo futuras ampliações,

“tinha um grande componente

modular em seu interior e que se

refletia na fachada, feita com

uma estrutura de painéis. Nada

disso foi seguido e o resultado

sugere uma união mal resolvida de

vários elementos”44. O autor das

reformas, o arquiteto Júlio

44 A polêmica reforma do Iguatemi. In: Projeto. São Paulo, Arco Editorial n. 119, 1989, p. 92.

21. Vista interna do Shopping

Center Iguatemi.

Fonte: www.iguatemi.com.br.

20. O Shopping Center

Iguatemi após sua

polêmica reforma de 1989:

Fonte: www.iguatemi.com.br

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

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Neves, defendeu-se, alegando que a arquitetura de shopping centers

é dinâmica e, portanto, sujeita a constantes alterações, que levem em

conta os anseios dos consumidores. “... os frequentadores desejam um

centro de compras colorido, vivo, dinâmico e rico, e a arquitetura

precisa levar em conta essa preferência, procurando transformar o

shopping em atração. Nossa intenção é retratar na fachada um

pouco da festa que ocorre lá dentro”45.

Houve também uma tentativa

de incorporar aos novos projetos e às

reformas dos espaços dos shopping

centers o conceito de shopping

aberto, com o “mall” integrado à

ambientes externos, que

normalmente possuíam farta

vegetação, cascatas, lagos e praças

a céu aberto. Tal tendência visou

amenizar a artificialidade dos

espaços interiores dos shopping

centers. Um exemplo desta tendência

pode ser identificado no Galleria

Shopping em Campinas, inaugurado

em 1992. Seu “mall” é aberto,

estruturando-se em volta de um

grande pátio em dois níveis, os quais

são ornamentado por quedas

d’água, lagos e plantas. Esse

modelo,

45 NEVES, Júlio. in: Projeto. São Paulo, Arco Editorial n. 119, 1989, p. 92.

22. Galleria

Shopping, em

Campinas: Opção

pela abertura ao

exterior.

Fonte: Shopping

Center Book, 1998.

23. Shopping

Center Praia de

Belas. Fonte:

Shopping Center

Book, 1998.

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C a p í t u l o 2 O shopping center no Brasil

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no entanto, gerou algumas controvérsias, principalmente com relação

ao clima. Para alguns especialistas, os shopping centers no Brasil

deveriam ser totalmente climatizados, buscando a integração com o

exterior através da utilização de farta iluminação natural. Este é o caso

do Shopping Center Praia de Belas, inaugurado em 1991. Seus

projetistas, do Escritório Técnico Júlio Neves, explicam que: “em países

quentes como o Brasil, às vezes a solução é fingir que eles são abertos.

E isso é conseguido através de efeitos de boa iluminação. Isto é o Praia

de Belas: fechado mas dotado de muita luz natural”46.

Na década de 1990 as inovações no “mix” direcionaram-se

sobretudo, aos serviços e entretenimentos. Anteriormente as âncoras

dos shoppings eram (e em alguns casos ainda são) as lojas de

departamento, as quais, entretanto passaram a ter dificuldades,

principalmente devido à concorrência com os hipermercados. Marco

desta tendência foi o fechamento do Mappin, depois de mais de 80

anos de existência. Neste sentido, houve uma mudança no padrão de

“ancoragem” dos shoppings centers. Estes passaram a contar com

cinemas “multiplex”, várias praças de alimentação e serviços diversos

como agências bancárias, academias de ginástica e até escolas.

Estas novas atividades implantadas nos shopping centers, geraram

efeitos imprevistos: interiores repletos de não consumidores. Tal questão

tem despertado a atenção de administradores de shopping centers,

os quais passaram a debater estratégias para converter estes usuários

em consumidores efetivos. Esta é um questão delicada, afirma Celso

Abramovitz, diretor do grupo Multiplan. “Você pode ter num shopping

center um público destinado a fazer compras e outro público que só

quer passear. O custo desse que só quer passear é estar ocupando

46 Shopping Center Praia de Belas. in: Projeto, São Paulo, Arco Editorial n. 149, 1991, p. 65.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

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espaço do outro que iria comprar”47. Esta questão fica mais evidente

quando se observa que os não consumidores ocupam vagas de

estacionamento que teoricamente estariam servindo aos

consumidores. Segundo Abramovitz, “a grande maioria dos shopping

centers brasileiros não tem mais como crescer por falta de

estacionamento. E o consumidor vai embora se não encontra vaga

para estacionar”48.

Ao contrário das discussões em pauta na década de 1980, que

se centravam nas estratégias para atração de público, no início da

década de 2000, o debate dos planejadores e administradores de

shopping centers se voltou para a qualificação dos frequentadores de

shopping centers. Para a quantificação do fenômeno “não

consumidores”, importou-se um termo (mais um) dos EUA, o chamado

Ticket médio, que afere o valor médio gasto por cada consumidor em

um determinado período de tempo. Por esse parâmetro, pode-se

avaliar a “qualidade” dos frequentadores de determinado shopping

center, pois o ticket médio é aferido dividindo-se o valor das vendas

globais do shopping pelo fluxo mensal de consumidores. Para os

administradores, quanto maior esse número, maior a “qualidade” dos

frequentadores do shopping center aferido. Até agora, uma das

possíveis estratégias na busca de frequentadores “qualificados” é a

segmentação e o agrupamento dentro do shopping de lojas com

produtos semelhantes. A explicação para essa estratégia, segundo

Henrique Falzoni, presidente da Sonae Enplanta é a diminuição no

número de horas que os consumidores tem passado dentro dos

shopping centers. Citando pesquisas norte-americanas, afirma que

47 ABRAMOVITZ, Celso. Gente que Gasta. in: Shopping Centers. ABRASCE, ano 24, n.111, novembro 2000, p.19. 48 Id.

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esse número caiu de 12 horas semanais na década de 1980, para

apenas 4 horas no final da década de 199049. Outra argumentação

possível é a concorrência com o comércio eletrônico, que é

essencialmente agrupado por setores, podendo levar o consumidor a

buscar espaços não virtuais com as mesmas características de

praticidade.

Uma primeira cristalização desta nova tendência - que é vista

com desconfiança por alguns especialistas por tender a diminuir a

compra por impulso, que sempre fez parte das estratégias dos

shopping centers – aparece no projeto para o Shopping Parque Dom

Pedro, em Campinas que deverá ser o maior shopping center da

América Latina, com 162 mil metros quadrados de área construída e

105 mil metros quadrados de área bruta locável. O projeto deste

mega empreendimento prevê a setorização das lojas em oito setores

distintos: moda, esporte, cultura, artigos para casa, serviços e

entretenimento. Tais setores serão claramente demarcados na

fachada, possibilitando o rápido acesso do consumidor ao setor

desejado. Além da setorização, uma outra tendência cristalizada no

projeto do Shopping Parque Dom Pedro é a integração entre exterior e

interiores a exemplo do que já ocorrera com o Galleria Shopping,

também em Campinas e com o Bluwater, em Londres.

Trata-se de um “shopping temático”,

que tem na natureza sua marca. As

cinco entradas do edifício, são

demarcadas por temas como: águas,

49 FALZONI, Henrique. Lojas agrupadas por segmento. in: Shopping Centers. ABRASCE, ano 24, n.111, novembro 2000, p.13. 50 Correio Popular, Campinas, 1 de Abril de 2001, p. 8.

24. Vista aérea das obras do

Shopping Parque Dom Pedro. Fonte:

www.parquedompedro.hpg.ig.com.br

25. Detalhe dos ícones que

sinalizarão a “entrada das

águas” e das “montanhas” no

Shopping Parque Dom Pedro.

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Arquitetura do comércio varejista em Ribeirão Preto a emergência e expansão dos shopping centers

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pedras, árvores, montanhas e flores. A

entrada das águas por exemplo, terá

fontes e riachos que correrão para

dentro do edifício, descendo em

forma de cascata pelas laterais da

escadaria de acesso à praça de

alimentação, onde formará espelhos

d’água50. Procedimentos

semelhantes serão adotados também

nas outras entradas, onde o esforço

dos empreendedores

em vincular sua imagem com a preocupação ambiental se torna

visível. O Parque Dom Pedro deverá ter também um equipamento

inusitado, uma capela dedicada a São Francisco, conhecido como

padroeiro dos animais. Mais um reforço na tentativa de associação da

imagem do Shopping como ambiente natural.

Shopping centers no Brasil: situação em março de 2002 I t e n s Total

Número de Shoppings 240 Operação 219 Construção 21

Área bruta locável (m2) 5.441.901 Área dos terrenos (m2) 13.816.046 Área construída (m2) 12.611.021 Vagas para carros 385.000

Lojas satélite 35.866 Lojas âncora 679 Cinemas 943

Empregos gerados (mil pessoas/mês) 419.000 Faturamento (R$ Bi) em 2000 23,0

Percentual de vendas em relação ao 15%

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varejo nacional (excluído setor automotivo)

Fonte: – Associação Brasileira de Shopping Centers. www.abrasce.com.br, março de 2002.

Participação da ABL e empregos em cada estado

U F

Nº de Shoppings ABL (m2) Nº de empregos

AL 1 33.767 2.597 AM 1 29.894 2.300 BA 7 173.477 13.344 CE 4 87.668 6.744 DF 12 253.403 19.492 ES 3 53.197 4.092 GO 6 113.366 8.720 MA 2 28.094 2.161 MG 19 361.337 27.795 MS 1 53.973 4.152 PA 2 56.669 4.359 PB 3 42.554 3.273 PE 7 198.393 15.261 PI 1 21.080 1.622 PR 11 195.680 15.052 RJ 38 784.803 60.369 RN 3 28.093 2.161 RS 19 332.363 25.566 SC 8 123.436 9.495 SE 2 46.020 3.540 SP 90 2.424.634 186.905

TOTAL 240 5.441.901 419.000 Fonte: – Associação Brasileira de Shopping Centers. www.abrasce.com.br, março de 2002.

P a r t i c i p a ç ã o d e c a d a r e g i ã o n o t o t a l . R e g i õ e s

Nº de Shoppings ABL (m2) Nº de lojas Nº de

empregos Norte 3 86.563 459 6.650

Nordeste 30 659.146 4.858 50.700 Centro-oeste 19 420.742 2.929 32.300 Sudeste 150 3.623.971 23.910 278.700 Sul 38 651.479 4.389 50.500

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Total 240 5.441.901 36.545 419.000 Fonte: – Associação Brasileira de Shopping Centers. www.abrasce.com.br, março de 2002.

Em março de 2002, havia 219 shopping centers em operação

no Brasil e 21 em construção. O número de shopping centers existentes

no país e a rápida difusão destes equipamentos nas últimas duas

décadas, evidenciam o enorme sucesso do modelo. Os motivos deste

sucesso podem ser buscados em algumas semelhanças entre a

sociedade brasileira e a do país onde os shopping centers foram

gerados e se difundiram com maior intensidade, os Estados Unidos.

Uma dessas semelhanças situa-se no caráter excludente dessas

sociedades, nas quais desigualdades sociais são correlatas a processos

de segregação social no espaço urbano. A proliferação de

“micrópoles” cercadas e protegidas – como os condomínios

residenciais e os shopping centers – é uma das resultantes destes

modelos de sociedade. Outra semelhança entre as sociedades

brasileira e americana pode ser vista – conforme já foi observado por

Lévi-Strauss na década de 1930 – na ânsia de renovação das

cidades51. Esta ânsia de renovação, que determina uma reconstrução

constante do espaço urbano, revela um desprezo pelos marcos

arquitetônicos do passado, que justifica os movimentos de setores das

elites – moradores, comerciantes e prestadores de serviço – do centro

para novas localizações na cidade. Esta ânsia de renovação também

explica a facilidade de adesão a novidades, tanto nas formas de

comércio, quanto nos espaços a eles reservados. O próprio movimento

constante no sentido de ampliação e reformas de shopping centers no

Brasil, é solidário com este gosto pela renovação.

51 LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

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