Post on 14-Aug-2020
Educação do Campo: pensando a teoria e a prática pedagógica articulando as regularidades, ambigüidades às rupturas
Lia Maria Teixeira de Oliveira/UFRRJ-DTPE
Situando a Problemática
Este trabalho, de forma geral, inscreve-se no âmbito temático que engloba
questões socioculturais e educacionais clássicas e contemporâneas, focalizadas nos
estudos pedagógicos e sociológicos que objetivam a compreensão da teoria e prática da
educação profissional (tecnológica/técnica) agrícola. Entendemos essa prática social
passando por processos de re-conceituação e re-configuração identitária, por isso
denominada de Educação do Campo, pelos atores políticos no contexto rural, ao sofrer
impactos de novas ruralidades da sociedade globalizada e pós-moderna. Dentre outras
questões correlatas, de forma específica, o trabalho enceta a discussão sobre a
problemática do saber/fazer no processo de socialização, que se dá na esfera escolar dos
sujeitos da práxis educativa, segundo a qual dizemos é um espaço/tempo de construção
da teoria e prática pedagógica do campo.
Em se tratando da educação agrícola (modalidade de ensino) esse espaço/tempo
de prática social específica, historicamente, assenta-se na dupla dicotomia do ensinar a
reproduzir conhecimentos e ensinar a produzir com produtividade, conforme Peter
Ficher (1987), o ensino agrícola constituiu-se na velha dualidade ensinar x produzir.
Assim, essas velhas (ou clássicas) separações balizadas em concepções e princípios
histórico-sociais e científicos antecessores da dicotomia manual x intelectual
“brotaram” da organização societária positivista, que desde a modernidade imputa
certos “lugares” para certos indivíduos na sociedade dividida em classes (proprietários,
trabalhadores livres e escravos). A racionalidade moderna propiciaria a práxis educativa
cientificamente justificada nas diferenças socioculturais deterministas, que por séculos
construiriam pensamentos e ações universais que não revelariam aos sujeitos as
ambigüidades e contradições institucionais e políticas do rural hegemônico (mesmo na
cidade).
Desta forma, estamos situando um campoi político-acadêmico e cultural onde
ocorrem disputas/alianças por paradigmas de formação profissional. Portanto, ainda,
enfocamos as linhas de pensamento e ação que se diferenciam em visões, práticas e
percepções de sociedade e indivíduo que agem sobre o ensinar e aprender na educação
profissional agrícola. O espaço/tempo escolar-rural, portanto, carrega a marca da teoria
e prática do produtivismo tecnicista, pensamento liberal-positivista que conformou o
processo pedagógico de profissionalização não só no âmbito da agricultura, mas de
todos os conhecimentos, saberes e técnicas do Brasil, desde o século XIX, nas primeiras
instituições educacional-científicas. Contudo, a prática social específica (educação
agrícola) desde as primeiras iniciativas esteve subssumida à força do capital e do
poderio local, ambos constitutivos de uma sociedade política e rural, cuja penetração em
meio escolar/universitário pode ser compreendidos nos interesses de reprodução política
(MENDONÇA 1997, 1998 e 2006; OLIVEIRA 1998; SOARES 2003, NASCIMENTO
2004) das Sociedades/Associações de grandes proprietários/produtores.
Na contemporaneidade, a educação agrícola como constitutiva da diversidade do
campo não está reduzida a idéia configurada na atividade de produção, exclusivamente,
determinada nas instâncias dos grupos hegemônicos e teorias e práticas universais. No
espaço/tempo rural se entrelaçam outras dimensões e processos de socialização,
realidade que permite situar os demais grupos, até então, excluídos pela política oficial
até o governo FHC, como marginais, invasores ou desordeiros. Situamos, ainda, a
percepção de profissionalização pelo olhar da concepção de educação do campo, das
novas ruralidades, noções cunhadas nos fóruns de educação e nas ações/participações
dos movimentos sociais. Por ultimo, nosso trabalho remete às experiências exitosas de
educação do campo que, na atualidade, demonstram ser o resultado de teorias que se
sustentam numa prática educativa originária de indivíduos participativos de ações
coletivas, sobretudo construídas por atores que investem em educação, como por
exemplo, o ator coletivo MST.
As reflexões e informações nesse trabalho, em termos gerais, estão
problematizadas nas configurações institucionais de socialização que atingem os
processos identitários docentes no contexto das políticas e práticas da educação
profissional agrícola, marcado por (des)territorializações pertinentes à ambiência do
campo no passado distante e na contemporaneidade. Voltamos o nosso olhar para a
política da educação profissional agrícola que articula contextos adensados e intensos de
permanências, regularidades, ambigüidades e rupturas. Os professores da educação do
campo, notadamente, aqueles das Escolas Agrotécnicas Federais (EAF’s) e CEFET’s
agrícolas (rurais) se vêm diante de um território marcado por relações seculares de
hegemonia influentes nas esferas macro e micro estruturais, refletindo em identidades
docentes eivadas de um campo técnico-cientificista hegemônico, na visão de escola e
qualificação profissional como tempo/espaço de reprodução das relações produtivistas.
As regularidades dizem respeito às medidas da política educacional que
permanentemente se impõem num ideário engendrado nas relações de produção
patronais ou nas reminiscências do poderio local rural também presentes em outras
formas sociais. Dessa forma, ainda, as teorias e práticas utilizadas ancoram-se no
pedagógico conservador-cientificista, ora perpassado pelo evolucionismo positivista
(que fere a alteridade, o outro) que classifica indivíduos em alunos pensantes,
disciplinados ora pelo racionalismo instrumental, que classifica o aluno em aptidões,
competências e destrezas manuais. Não obstante, o ideário positivista contido nos
modelos pedagógicos circularia no microcosmo da escola/universidade, atingindo o
universo não só do trabalho docente, mas de cheio se transformam em conhecimentos
descontextualizados no âmbito da formação de jovens técnicos agrícolas.
As macro e a micro políticas dirigidas à educação do campo, embora um pouco
mais democratizada, não se voltam a uma idéia de educação que deve refletir e analisar
criticamente o campo (rural) como territórios contestados, marcados (locais) pelas
ambigüidades de um país que não fez reforma agrária, não distribui equitativamente a
terra e nem a renda; onde à questão fundiária e a tecnificação da agricultura foram e são
taradas como questões de natureza técnica, são pendências ocultadas na forma de
“revolução passiva” ou “pelo alto”, conforme nos fundamenta Antonio Gramsci.
Diante desse cenário – semelhante aquele descrito nas representações de mundo
rural na literatura positivista de Euclides da Cunha ou de regionalista de Guimarães
Rosa, mas também de imagens atuais das fotografias de Sebastião Salgado – é que
interrogamos a posição das Agrotécnicas, da UFRRJ, dos CEFET’s, da Escola-Família?
O mandonismo, o tecnicismo, a disciplina moral dos extintos Patronatos Agrícolas ou o
“atraso” do sertão certamente tangenciam muito das representações de mundo e
educação rural que nós professores carregamos nos nossos conhecimentos e valores
profissionais, afinal o campo científico e acadêmico não estão imunes aos demais
campos sociais, conforme Bourdieu (1997). Especialmente, a educação agrícola que
desde cedo foi engendrada no campo econômico, político (o local enredado no
estadual), mas também na ciência que modernizaria o “interior”, “o espaço
incivilizado”, por meio de ações e idéias do engenheiro-educador, dos educadores-
profissionais. A materialização da ciência em instrumentação para tocar o processo de
industrialização deu-se numa via de mão única. As instituições se consolidaram no
monopólio das teorias e práticas vindas da ciência dita “oficial” que corroborou para
criar no interior das escolas/universidades as disciplinas ou áreas de conhecimento
consideradas legitimas, assim sendo, tal monopólio hierarquizaria papéis, fragmenta os
conhecimentos, métodos de investigação etc, mas também interfere na alteridade das
pessoas, dos grupos sociais. Segundo Cupolillo (2007) inspirada em Paulo Freire
“A noção de ciência em Paulo Freire retoma a discussão sobre os conteúdos da prática pedagógica. Apresenta-se, no pensamento de Freire, uma concepção bastante próxima ao que debatemos atualmente (...) à crítica a fragmentação e ao isolamento dos conteúdos científicos (...) outro aspecto bastante caro à Freire é a valorização da prática cotidiana como fundamental na construção e realização das teorias, ou seja, Freire defende incondicionalmente a relação teoria/prática, (...) levando-nos a olhares múltiplos sobre essa relação que, num primeiro momento, entendemos na socialização de forma naturalizada e dicotomizada” (p.54).
Na atualidade, as instituições por ainda terem as regularidades do passado em
confronto com demandas do presente e do futuro passam por questionamentos devido
aos embates do campo acadêmico entre sujeitos/agentes que lutam por um espaço social
que deixa aparecer as ambigüidades/contradições criando os espaços de
questionamento/rupturas e outros que lutam pelas permanências e regularidades
mantendo os espaços como no passado. Na concepção de Santos (2005)
Devido à formação de tipo disciplinar, os professores que enfrentam o desafio (...) estão sujeitos a ambigüidades e contradições que vão sendo corrigidas e adequadas na medida do aprofundamento conceitual e principalmente, autocrítica entre os pares. Essa mudança atitudinal condiciona-se à mudança epistemológica: mudar um determinado conceito exige, por sua vez, mudanças de outros co-relacionados (...) na prática educativa moderna, os professores dedicam-se a explicações exaustivas em definições, conceitos, fórmulas e fazem uso da linguagem voltada para a racionalidade tecnocientífica. A fragmentação
i Aqui tomamos de Pierre Bourdieu (1997, 1998) a categoria de campo reforçando as nossas colocações acerca dos espaços da vida social, política, econômica, científica, artística, literária etc. Cada campo possui objetivos, jogos de poder, funções próprias. Embora em relação com demais campos na sociedade, cada campo denota uma realidade social, agentes/sujeitos em posições diferenciadas visando a produção de bens culturais e simbólicos, no nosso caso o campo da educação (agrícola). Os campos são sempre entendidos como espaços de poder, pois os agentes disputam/fazem alianças em torno da produção de bens simbólicos, prestígios, representações etc. No caso acadêmico, científico, educacional percebemos as disputas/alianças pelo reconhecimento, prestígio da comunidade científica.
traz como conseqüência a idéia de neutralidade e objetividade. Com esse viés, o conhecimento referido em sala de aula perde o sentido existencial ao não trabalhar a relação com o todo e com o sujeito do processo cognitivo” (p.8)
De certo, a UFRRJ, CEFET’s, As Agrotécnicas, as Escolas-Família etc. não se
sustentam mais num único discurso e prática mecânica que disseminou a idéia de
“ordem” e de equilíbrio sociocultural e técnico. As rupturas vêm se configurando na
ressignificação do espaço/tempo rural, bem como nas práticas dos professores, tanto
formadores de técnicos em agropecuária como de professores agrônomos, veterinários,
pedagogos e licenciados que formam os docentes da educação profissional agrícola. O
que implica na re-conceituação de teorias e práticas que rearticulam mente-corpo,
emoção-idéia, subjetivo-objetivo, todo-partes, mobilizando-nos para a compreensão das
contradições que o campo e as suas instituições carregam em regularidades do passado
tatuadas no social construído em relações baseadas na dicotomia campo-cidadeii,
progresso-atraso, sertão-litoral, sertanejo-citadino etc.
Dessa forma, apontar para uma linha de argumentação que abre possibilidades
para desconstrução da idéia de uma determinação político-cultural e econômica sobre as
práticas de professores neste quadro de hegemonias, sobretudo, é apresentar uma outra
perspectiva de saber-fazer docente que acreditamos estar configurada na
complexidadeiii, pensamento e prática inerente aos humanos que atravessam a
cotidianidade das instituições profissionais e de construção de saberes nessa sociedade
contemporânea.
ii José de Souza Martins em seu livro sobre sociologia rural (1986) explica onde está localizada a forma social que dicotomiza campo-cidade, discutindo-a no universo de um campo teórico conservador e positivista, há muito inválido, visto que na já na modernidade não cabia limites ou fronteiras geográficas que permitissem separar os processos sociais em econômicos, educacionais, culturais sem situar as interdependências.
iii Para elucidar Edgar Morin é um dos pensadores emblemáticos desta vertente ou configuração intelectual que emerge no seio das instituições científico-culturais. Para Morin (1994): A noção de complexidade só pode exprimir o nosso embaraço, a nossa confusão, a nossa incapacidade de definir de maneira clara, de pôr ordem nas idéias. (...) É preciso dissipar duas ilusões que desviam os espíritos do problema do pensamento complexo. A primeira é crer que a complexidade conduz à eliminação da simplicidade. A complexidade aparece certamente onde o pensamento simplificador falha, mas integra nela tudo o que põe ordem, clareza, distinção, precisão no conhecimento (...). A segunda ilusão é confundir complexidade com completude. Certamente, a ambição do pensamento complexo é dar conta das articulações entre domínios disciplinares, que são quebrados pelo pensamento disjuntivo (que é um dos aspectos principais deste pensamento simplificador); este isola o que ele separa e oculta tudo o que o liga, interage, interfere. Neste sentido o pensamento complexo aspira ao conhecimento multidimensional. (...) É complexo o que não pode resumir-se a uma palavra mestra; o que não pode reduzir-se a uma lei ou a uma idéia simples. A complexidade é uma palavra problema e não uma palavra solução (p. 8-9).
Na atualidade vimos perseguindo estudos que interpretam os pensamentos,
ações e valores do professor da educação agrícola relacionados ao cotidiano escolar,
processos face a faceiv, que possivelmente, acreditamos, não são somente portadores de
subjetividades de submissão ou determinadas pela macroestrutura ou políticas das
instituições de poder, ou, ainda, dos decretos, grupos sociais situados nos aparelhos
privados de hegemonia do Estado para fazer circular a ideologia estruturante de mentes,
corpos por meio de práticas socais mecânicas. Pensar que não há corpos e mente crítica
é conjeturar com noções e elementos reprodutivistas (estruturalistas) de uma época em
que acreditávamos que a escola e/ou universidade se silenciaria seja pela ordem fascista,
econômica ou pela idéia de neutralidade científica, enfim, se por uma ou outras essa via
determinista é falsa, sobretudo, ainda, seria imaginarmos que não construímos
movimentos de resistência e/ou propositivos a partir das próprias redes de
subjetividades das cotidianidades (locais).
Portanto, nos atrevemos a refletir e trazer poucas constatações que evidenciam a
nossa preocupação sobre as teorias/práticas de formação de professores para a educação
profissional agrícola, pensando-as como parte da educação agrícola que na atualidade
requer prudência (no sentido de BOAVENTURA SANTOS, 2000), haja vista as
políticas ainda “pelo alto” e/ou ao “som de sereias”, por exemplo, a noção de
competências, agrobusiness de discurso linear. Sobretudo, ainda nessa cena complexa
vemos a contra-hegemonia formando as redes de subjetividades originárias de
atores/indivíduos que entendem a educação agrícola na diversidade que a engendra na
relação campo-cidade, local-global (novas ruralidadesv).
Contextualizando a Instituição de Formação Profissional no tempo de revelação
das ambigüidades, permanências, rupturas enfim de pós-modernidade.
Embora exista uma razoável produção teórica a respeito da educação agrícola e,
em especial, existe uma expressiva produção teórica sobre pós-modernidade, pouco ou
nada temos que enfatize a relação da educação agrícola no espaço/tempo das
iv Podemos citar autores da sociologia (antropologia) como Goffman, Adam Kuppe mou outros dos Estudos Culturais, mas nos bastamos em José Machado Pais, por fazer uma relação estreita com elementos sociais e individuais entrelaçados nos cotidianos escolares, além do que ele num estudo teórico-empírico, publicado em 2003, discute as interações situadas face a face.
v O presente termo é uma categoria sociológica que vem sendo construída, entre outros locais, no CPDA – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ, que ao longo do artigo trazemos as referências de pesquisadores e respectivos artigos.
instituições da pós-modernidade. No contexto sócio-histórico da contemporaneidade,
nos dizem os estudiosos, que vivemos múltiplas crises nas razões ou lógicas em que a
humanidade se produziu como trabalhadores, cientistas, homens livres, etc. e, também
organizou para consolidar as instituições que ancoram e certificam a socialização, a
produção e os conhecimentos necessários à vida produtiva e cidadã, desde que entramos
na modernidade. Ou seja, vivemos um período de crises nas certezas que se
institucionalizaram formando a sociedade, o modo de produção, os modelos de
desenvolvimento, a ciência, a técnica etc., certezas que se iniciaram desde o iluminismo
contrapondo a lógica do absolutismo do clero e da monarquia, das corporações em
suma. Mas lógicas/ordens que se pautaram numa visão de progresso pouco relacionada
ao que é ser humanovi , sociedade e natureza.
Ao tratarmos sobre a temática, para nós torna-se impossível que não nos
apoiemos na reconfiguração (ressignificações) educacional, cultural, política e de
produção fundadas nas sociedades contemporâneas, até porque se refere às
transformações identitárias que segundo a literatura diz estarem passando as sociedades
humanas, pelo menos desde os anos de 1960 em diante. No entanto, alertamos que não
daremos conta de tão amplo assunto e nem podemos entrar no mérito de campos
epistemológicos da filosofia, da sociologia, cujos estudos apenas nos apontam contextos
e tessituras, pois não fazemos parte do campo filosófico strictu senso que é hegemônico
no tratamento do assunto da pós-modernidade e das relações societárias e
intersubjetivas por ele demandada. Vamos colocar a questão a partir do lugar em que
nos situamos que é o das ciências pedagógicas, das ciências humanas e sociais aplicadas
à formação de professores para a educação profissional agrícola no espaço/tempo de
profissionalização inicial e respectivas trajetórias de atores/sujeitos.
Evitando plagiar os conceitos e as definições de Frederic Jamesom, Jean-
François Lyotard, Anthony Giddens, K. Kumar, Otto Maduro, Manuel Castels, Bauman
e tantos outros expoentes da discussão teórica sobre a pós-modernidade, preferimos
mencioná-los ou citarmos quem os estudou, tentando fazer os devidos e possíveis
ganchos com a questão das re-configurações ou ressignificações do pensamento e da
vi Não estamos plagiando Paulo Freire ou Miguel Arroyo (2000), apenas recorrendo ao entendimento humanista (iluminismo) que fora abandonado ao longo do capitalismo quando as relações de trabalho deixaram de ser mediadas pela razão e valores de ser humano para valores do capital e do modo de produção que dividiu os homens em classes, grupos sociais, proprietários e não proprietários, profissionais etc.
prática da educação agrícola neste tempo social e histórico de crises e de relações
intersubjetivas partilhadas pelos adensamentos de projetos alternativos ancorados na
diversidade do campo e na multimensionalidade científica.
Para esclarecimentos sobre o lugar (ou não lugar) das instituições em tempos de
crises, segundo Chevitarese (2001), podemos recorrer a alguns elementos discursivos
sobre a Pós-modernidade, visto a amplitude de argumentos que incidem sobre as
concepções de pós-modernidade em Frederic Jameson, Zygmunt Bauman, Lyotard,
Giddens ou Boaventura Santos, seguindo ora um tratamento sociológico e ora filosófico
dispensados pelos autores. Dentre esses teóricos, alguns remontam as transformações
originárias de identidades da modernidade na sociedade contemporânea, delimitada por
eles como período de crises sociais e de pensamento, rearticulando práticas e processos
socioculturais e político-econômicos, abrindo campo de possibilidades de contra-
hegemonias, associadas à eventos datados a partir dos anos de 1940, alguns datam após
1960 e outros ao final de 1980 em diante.
Em que pese às diferentes abordagens dos autores, umas mais de cunho
sociológico e outras de caráter mais filosófico, as mesmas podem ser refletidas, em
nossa visão, segundo o dizer de Chevitarese (2001), compreendido na multiplicidade de
configurações cultural, social, política e econômica da modernidade, uma vez que para a
reflexão sobre a pós-modernidade, Chevitarese remete ao projeto moderno desenvolvido
a partir do iluminismo. Ao que tudo indica, os teóricos significam a questão da pós-
modernidade na questão da crise de valores e conhecimentos gerados e disseminados na
modernidade. Por isso alguns se detêm ao conceito o denominando como modernidade
tardia, “alta modernidade”, pós-fordismo, pós-industrialismo, sociedade da
informação, modernidade líquida etc. Contudo, em que pese às abordagens, grosso
modo, podemos situar a temática buscando compreender os fenômenos sociais e
culturais da modernidade significando-os num contexto dos processos liberais das
Revoluções Científicas, Burguesas, Industriais (iniciada na Inglaterra e depois com a
organização e administração dos processos de trabalho e produção em série – taylorismo
e fordismo), nesse tempo em que contraditoriamente havia a promessa da Emancipação
dos indivíduos pela ciência.
Concordamos com Chevitarese (2001) ao dizer que na pós-modernidade temos
mais dúvidas e perguntas a fazer do que certezas e verdades a serem lançadas sobre um
conceito de pós-modernidade. Portanto o autor reflete dialogando com os teóricos:
“O desencanto que se instala na cultura é acompanhado da crise de conceitos fundamentais ao pensamento moderno, tais como “Verdade”, “Razão”, “Legitimidade”, “Universalidade”, “Sujeito”, “Progresso”, etc. O efeito da desilusão dos sonhos alimentados na modernidade se faz presente nas três esferas (...) a estética, a ética e a ciência (...) Poderia a noção de “pós-modernidade” servir para caracterizar a cultura contemporânea? (...) Para Lyotard, ‘o pós-moderno, enquanto condição da cultura nesta era [pós-industrial] caracteriza-se exatamente pela incredulidade perante o metadiscurso filosófico metafísico, com suas pretensões atemporais e universalizantes’ (...) Mas se ainda reivindicarmos nossa “condição moderna”, como tratar de todas as mudanças que marcam a cultura contemporânea, e que a tornaram tão estranha a certas noções fundamentais à modernidade? (...) Max Weber já caracterizava o advento da modernidade como um processo crescente de “racionalização intelectualista”, intimamente ligado ao progresso científico (...) em especial, configura-se como uma rejeição à tentativa de colonização pela ciência das demais esferas da cultura, o que vem acompanhado do clamor pela liberdade e heterogeneidade, que haviam sido suprimidas pela esperança de objetividade da Razão (...) Bauman (que utiliza o termo para caracterizar a cultura contemporânea) procura deixar claro que a “pós-modernidade” é a condição atual da modernidade. Giddens, por outro lado, prefere a noção de “modernidade tardia” ou “modernidade radicalizada”, como mais adequada para referir-se à cultura em que vivemos: A ruptura com as concepções providenciais de história, a dissolução da aceitação de fundamentos, junto com a emergência do pensamento orientado para o futuro e o “esvaziamento” do progresso pela mudança contínua” (pp.2-13).
Como vimos nessa longa e necessária citação de Chevitarese temos muito mais
questões a serem investigadas por vários caminhos do pensamento social e científico, do
que em nos fixar nos apegos estruturalistas ou certezas positivistas, que partiram dos
mesmos princípios desenvolvimentistas, segundo Boaventura Santos (2000). Pensar o
que a educação agrícola significa na atual tessitura social é remeter ao onde e por quem
a mesma é significada e ganha sentido como formação profissional de jovens no rural
brasileiro, que é o lugar e o “não” lugar do agrícola. Nesse exercício crítico não
trilhamos sozinhas e nem fora das instâncias de nível médio/técnico e de formação de
docentes. Esse é o caminho que vimos trilhando no cotidiano do saber-fazer
universitário juntamente com os (as) alunos (as), os meus e as minhas companheiros
(as) de luta pela qualidade social, reforma agrária e do pensamento pedagógico nas
licenciaturas.
De qual educação agrícola falamos, para quem nos voltamos?
Nessa perspectiva em que nos apoiamos, não pretendendo chegar às definições
grosseiras e simplificadas do que seja pós-modernidade, vimos então levantar algumas
questões relacionadas ao campo da produção cultural e educacional da esfera da
educação agrícola, como uma tentativa de abrir o debate sobre as permanências,
regularidades, rupturas e ambigüidades presentes. Por isso, pensamos em expressar
essas condições particulares em que os sujeitos, as políticas, a sociedade como um todo
se encontra enveredada em tempos/espaços de transformações institucionais. Esperamos
ter ficado claro que entendemos essas circunstâncias como parte substancial aos
questionamentos e reflexividade de sujeitos/agentes que se articulam ressignificando no
cotidiano o conhecimento e as práticas produzidas por aqueles que se dizem fazer parte
da educação agrícola. Decerto que as crises vêm revelando nas instituições ainda
experiências teórico-práticas permeadas no campo configurado por uma racionalidade
instrumental homogênea e sujeita a linearidades.
O campo no passado precisaria segundo as instâncias decisórias e de poder
apenas do projeto hegemônico dos senhores, sobretudo, aquele projeto da época das
primeiras capitanias, da colonização, do imperialismo europeu. Na verdade, essa
perspectiva identitária de campo (rural) tem pesado há 500 anos como uma visão
acrítica e preconceituosa, mantenedora das regularidades travestidas nas dualidades que
se reproduzem na estrutura agrária, na família, na educação profissional, no cotidiano
escolar e nos meios de produção agrícola e de trabalho no campo. Da escravidão e da
monocultura como mola propulsora da produção agrícola e economia agrária dos
tempos da primeira capitania de Martim Afonso de Souza, afirmamos que muita coisa
ficou para trás em termos objetivo-material. Contudo perguntamos como superar em
termos simbólicos, as representações sociais que ainda circulam no imaginário social e
dos indivíduos que a escola/universidade pretende formar num projeto emancipatório?
Essa questão remete as experiências os patronatos e aprendizados agrícolas de caráter
moralista, disciplinador, higienista de sociedade entre os séculos XIX e início do XX.
Remete também ao produtivismo, projeto dual de profissionalização de Gustavo
Capanema, que por intermédio das experiências estruturantes da iniciação agrícola ao
ensino técnico houve acordos com os Estados Unidos (CBAI – Comissão Barsileiro
Americana para a Indústria) e, paulatinamente, chega-se à educação profissional
tecnicista introduzida no projeto da Revolução Verdevii, em meados de 1960. Neste
ínterim, no campo, também havia as Ligas Camponesas de Francisco Julião, o Araguaia,
Paulo Freire aliados as lutas sociais, políticas e culturais camponesas, sobretudo
baseados em outras ações/pensamentos, conquanto essas são expressões legitimas da
não determinação pelas estruturas, de movimentos de ordem-desordem no ideário
nacional.
Como nos diz José de Souza Martins em Os Camponeses e a Política no Brasil,
por que não venceram os camponeses/sertanejos? Como todas as lutas camponesas, até
então, estas eram tuteladas por partido político ou por um intelectual orgânico ou por
um “redentor” messiânico. É por aí que temos que construir a visão crítica de nossos
alunos, enredando a história Social, os Estudos Culturais às demais ciências. Não
podemos permitir que eles reproduzam os nossos discursos, não achando que ao fazer
uma licenciatura eles esgotariam o cabedal de saberes/fazeres docentes. A
profissionalização inicial é um campo de possibilidades, mas os alunos e alunas devem
ter os seus próprios discursos e práticas pedagógicas, sobretudo construídas nas
contradições institucionais e de nossas ações. A ressignificação é inerente ao
conhecimento crítico sobre a prática social que teve a ciência positivista como remédio
técnico para as pendências político-social. No momento em que eles/elas associarem as
teorias às trajetórias cotidianas formadas em princípios democráticos, solidários,
participativos, será nesse espaço/tempo que eles/elas poderão sintetizar as experiências
para poder ressignificar como docência legítima ou como experiência impar de
profissionalização (cf. GIMENO SACRISTÁN, 1995) que transita pela emancipação de
mentes e corpos.
Vimos que as instituições estão abertas às discussões sobre as suas teorias e
práticas na medida em que muito do funcionamento das EAF’s e CEFET’sviii também
dependem da avaliação de seus projetos por parte da sociedade civil organizada, de
outras instituições e atores coletivos. Outra mudança dá-se a partir dos projetos político-
pedagógicos, associado ao fato dessas instituições terem se transformado em autarquias
vii Meio de produção configurado no ideário tecnicista apoiado na produção pela utilização de insumos agroquímicos, para que se produza mais e com maior quantidade de cultivares híbridos, ver Eli Lino de Jesus (1985). No Brasil na década de 1960 entra, ao final da Guerra do Vietnã, as sobras decorrentes da invasão americana das substâncias utilizadas nas bombas.
desde a época do final de mandato do Ministro Murilo Hingel, em 1994. Na medida em
que as instituições partilham práticas e ideais, as mesmas avançam em projetos
alinhados a diversidade sociocultural que no passado de tantas determinações, éramos
incapazes de entendermos as redes intersubjetivadas nas práticas cotidianas como
grupos de pertencimentos, que se definiam para formulação e elaboração de projetos
emancipados.
Refletindo sobre essas questões, percebemos que o projeto de modernização do
campo no Brasil carrega o fracasso ou a frustração de uma modernização inconclusa
porque não foram as massas que fizeram à modernização. Sempre a modernização foi
assentada na idéia de um problema técnico, ou seja, despolitizaram e simplificaram o
projeto. Embora tenhamos passado por Canudos, Araquaia, Ligas Camponesas e outros
tantos movimentos de sem terra que os livros de históriaix não contam, como
movimento social campesino emancipado, somente um até hoje vingou, o MST. Tal
fato deve-se justamente porque esse não foi e não é tutelado por intelectuais de partidos,
oportunismos de sindicatos patronais, instituições de Estado, poderes públicos
municipais, organizações patronais, etc.
Continuamos insistindo sobre a prudência da educação pelo pensamento
complexo centrado nas contradições e na práxis de novas ruralidades, visto que o
mesmo pode nos apontar para outro saber/fazer pós-moderno no campo e na produção
cultural, científica e educacional ligada ao rural-cidade. O MST além de ser um
movimento de resistência, traduz-se também como um movimento
propositivo/formulador que entende a educação em Paulo Freire, Miguel Arroyo e
outros no sentido da ação e do pensamento pedagógico dialógico, cuja intervenção na
práxis compreende a reinvenção/recriação da educação em processos auto-
organizativos. Para ambos os autores, os homens/mulheres se educam e aprendem
juntos mediatizados pela contextualização, significando que educandos e educadores viii Na UFRRJ, no Instituto de Agronomia funciona um Programa de Pós-graduação em Educação Agrícola, que os professores do nosso departamento colaboram e são parceiros na idealização do programa, orientação de dissertações, criado desde 2003. Foi recém credenciado pela CAPES, visando apoiar a capacitação de docentes da educação tecnológica/profissional agrícola. Anterior, temos um curso de formação de professores para o ensino técnico, regular, licenciatura plena, que desde a sua criação mobiliza o departamento nos estudos das ciências pedagógicas e sociais de forma a termos ao longo de 45 anos de estreito conhecimento sobre a formação de professores da agropecuária e do ensino técnico agrícola.
ix Maiores detalhes sobre os movimentos sociais estudar o livro de Martins, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis/RJ: Vozes, 1985.
realizam a passagem da consciência ingênua à crítica em co-intenção e co-participação
mediada pelo contexto em que ambos estão submersos. Daí, ambos pensarão em que
bases à educação agrícola consiste e para quem, bem como pensarão e agirão sobre o
projeto de desenvolvimento social e de trabalho adequado à sociedade local-global.
Diz Boaventura Santos que
"vivemos em um mundo complexo, marcado na ordem material pela multiplicação incessante do número de objetos e na ordem imaterial pela infinidade de relações que os objetos nos unem. (...) Nosso mundo é complexo e confuso ao mesmo tempo, graças à força com a qual a ideologia penetra objetos e ações. (...) Na era da ecologia triunfante é o homem quem fabrica a natureza ou lhe atribui valor e sentido, em curso ou meramente imaginários". (2000, p. 171-72)
O mundo complexo de nossos tempos, de que nos fala Boaventura Santos, nos
traz desafios não alcançados na modernidade; desafios cada vez mais comprometidos
com a justiça e à cidadania social e planetária, o que significa dizer que ainda temos
desafios postos na conquista e na concretização da educação, saúde, ciência, moradia,
trabalho para todos no campo. Talvez por isso Giddens se refira ao termo, como
modernidade tardiax. Uma pós-modernidade onde as instituições voltem à atenção para
preparar não indivíduos, mas pessoas em sujeitos/agentes para uma cidadania
planetária, onde o princípio de convivência social, de produção, de trabalho, ambiental
e familiar seja pautado na qualidade da relação ser humano-natureza-solidariedade e não
capital-consumo. Observa-se que a utilização de recursos naturais, degradando de forma
intensa e intensiva o ambiente acirrou a miséria em que uma grande parte da população
dos países periféricos se acha mergulhada. A violência cada vez mais presente no
cotidiano das grandes cidades, dentre outras características deletérias do mundo
contemporâneo vêm exigir atitudes críticas e ações, que vão desde as políticas públicas,
até as posturas individuais e coletivas, somente possíveis nas relações intersubjetivas do
cotidiano, como na educação co-participe com finalidades voltadas para o desvelamento
das ambigüidades que cercam a vida social e o ser humano.
x Isso significa que Giddens (1991, 2002) remete a sua discussão sobre pós-modernidade se baseando nos aspectos da organização social, aos estilos de vida, no nosso caso, a uma cidadania que hoje se apresenta madura em movimentos sociais emancipados da estrutura arcaica, tradicional, mesmo que tardiamente, porque em pleno século XX os movimentos carregam traços da modernidade onde se prometeu liberdade e igualdade.
De um lado o avanço tecnológico acelera e intensifica novas demandas do
conhecimento, de outro, a transnacionalização do capital, a biotecnologia, a revolução
da microeletrônica, os transgênicos, o campo hegemônico da informação e da
comunicação, demandam de cientistas, educadores e de sujeitos comuns grandes
esforços para lidar com a natureza, no sentido de limitar as formas de produção agrícola
e de serviços no campo no âmbito da sustentabilidade. Sustentabilidade passa a ser um
conceito e uma prática inerente à realidade da vida produtiva e cidadã contemporânea.
Vivemos um paradoxo? Alcançamos um alto nível tecnológico e não podemos usufruir,
pois o conforto de uma classe coloca a outra ao desconforto da miséria. A representação
social de alta tecnologia seria entendida como superior porque foi criada em meio da
comunidade científica? Não podemos construir tecnologias de alto nível em outras
circunstâncias de relações sócio-educacionais e científicas? Como aquelas que vêm
sendo configuradas em redes sócio-técnicas, redes unindo produtores, agricultores
familiares e instituições de ensino-pesquisa, por exemplo, na conformação
agroecológica.
A Guisa de Uma Finalização
Então porque não falamos de educação do campo ao invés de educação
agrícola, uma vez que ao falar de pós-modernidade é impossível não remeter as
identidades sociais e profissionais hegemônicas e subalternas construídas na
modernidade, sobretudo, ainda, identidades compreendidas na constituição do rural
brasileiro. Entretanto, por força das redes contra-hegemônicas envolvendo vários atores
coletivos em ações e fóruns, intensificam-se processos socioculturais e políticos que
desconstroem os laços com o passado que oprimiam os indivíduos a uma visão
homogênea e hegemônica de campo e campesinato, por conseguinte de educação
agrícola. Ao imprimir a dialética crítica como o paradigma de pensamento e ação
pedagógica para orientar a construção e estreitamento de laços na realidade da educação
do campo não basta. Precisamos avançar utilizando a dialogicidade ancorada em
princípios que solapam a disciplinaridade moderna, de modo a seguirmos orientados
para uma prática pedagógica auto-organizativa. Educandos e educadores mudam
mentalidades se se entendem parceiros e subjetivamente enredados por meio da
diversidade e multiplicidade em que os conhecimentos e saberes se assentam para assim
projetarem a reconstrução e ressignificação da práxis. Se assim for possível, que sejam
os processos formativos e curriculares universitários e escolares capazes de efetivarem
também pelos valores, emoções, gostos, identidades socioculturais. Há menos 20 anos
discutimos e pesquisamos sobre o paradigma da complexidade, mas até quando o
denominaremos de emergente?
No movimento de educação do campo, os atores compreendem que não existe o
rural agrícola somente, o rural tem também o setor de serviços, de administração
pública, do planejamento e da pavimentação, do saneamento, da educação, da reforma
agrária, etc. Mesmo que tivesse só voltado à educação agrícola, no projeto de formação
e capacitação para o trabalho e a cidadania não poderia estar em conectividade
explicitada num único modo/modelo de produção da agricultura/pecuária e de
organização da vida sociocultural. Vários autores, brasileiros e estrangeirosxi, em
diferentes eventos e publicações, vêm defendendo essa nova postura diante da
complexidade que é a realidade atual; defendem processos formativos vislumbrando
uma solidariedade efetiva, pautado num outro “saber cuidar” humano e da natureza.
Assim, o componente ético e humano com o qual a educação superior e as instituições
educacionais têm que estar afinadas não se esgota num código profissional, mas nas
experiências e expressões de alteridade de grupos sociais unidos em projetos políticos e
públicos.
A educação agrícola é um campo de poder das hegemonias políticas e
econômicas, as elites agrárias que controlam a produção agrícola e o espaço tempo rural
de socialização. Infelizmente, essa é uma constatação, mesmo quando nós estudiosos
buscamos relativizar o debate, inserindo as transformações sociopolíticas e culturais que
desde o período da redemocratização no Brasil entram em cena, os protagonistas dos
movimentos sociais do campo, onde o MST é a referencialidade de luta exitosa,
utilizando processos modernosxii de formação para mobilizar os sujeitos visando
alcançar suas expectativas de posse da terra, educação, organização política dos
assentamentos, comercialização, inserção no mercado, etc. enfim, o movimento dos sem
terra é de emancipação das elites e luta pela inclusão social. Por outro lado, no mesmo
sentido do MST, os movimentos do campo de tempo em tempo unidos em diversas
“tribos”xiii (indígenas, trabalhadores rurais, agricultores familiares, ong’s, militantes na
educação, escolas agrícolas, etc. se reúnem num discurso único, interdependente, para
xi Poderíamos citar vários desses autores, mas para iluminar esse trabalho é fundamental destacar Boaventura de Souza Santos, Miguel Arroyo e Leonardo Boff.
colocarem as suas visões de cultura, educação, produção, trabalho e meio ambiente. Em
rede social e política, os atores coletivos reivindicarem os direitos de viver e produzir
com qualidade social e ambiental, defendendo um modo de produção e de cultura
baseada na Agricultura Ecológica, Orgânica, Agroecológica, enfim uma agricultura
sustentável inserida em projetos de socialização e de formação profissional seja capaz
de reduzir as desigualdades sociais, a discrepante desigualdade na distribuição de renda,
a diversidade de indivíduos e projetos que constituem o campo brasileiro.
Como não acreditamos que as relações sociais de produção sejam tão
determinantes na inculcação de valores dominantes em meio educacional, no cotidiano,
daí parto do princípio que muito do que as políticas educacionais propalaram em
discursos e textos legais não se realizaram de modo crítico, porque as relações de poder
na academia e na gestão escolar atuam como representações políticas daqueles que
emanam as medidas legais. Fazer e pensar a educação agrícola torna-se recorrente trazer
para a cena, a questão das relações entre educação e trabalho em que sujeitos e produção
contraditoriamente se relacionam na configuração do campo brasileiro. Nessa
perspectiva, questionamos esta tentativa constante das políticas educacionais excluírem
dos projetos educativos do setor primário as contradições que assolam o campo
brasileiro. Simplesmente olhar para a educação agrícola favorecendo apenas o projeto
hegemônico do agrobusiness, da monocultura, das práticas de produção dominantes é
olhar para as EAF’s e CEFET’s numa perspectiva alheia aos novos projetos
desenhados/tecidos nas redes sociais, de sujeitos mediados pela dialética que norteia a
xii Falo no sentido da organização pedagógica e política que eles atuam na formação. Possuem teses teóricas e empíricas publicadas, material e pessoal de mídia e jornalismo, promovem cursos, seminários para estudos, formação e capacitação técnica e política, enfim, estão inseridos em várias dimensões socioculturais do campo do urbano.xiiiFalo no mesmo sentido de Michel Mafessoli no seu livro Tempo das Tribos, onde o autor coloca a questão das identidades na pós-modernidade. Para o autor as identidades estão em crises, por fazerem parte de processos que o sujeito não se apresenta tão uniformizado ou unificado na medida em que suas referências pessoais e coletivas da modernidade estão cada vez mais sendo questionadas, uma desordem se apresenta na instabilidade, descentrando e deslocando o indivíduo de suas permanências, regularidades e certezas. Assim Mafessoli acha que a pós-modernidade traz um “tribalismo”, que seria a emergência de “tribos”, “grupos afins em estilo de vida social e de pensamento”, contudo, efêmeros e passageiros. Podem ser grupos que se articulam em diversas causas fincados no presente, sem esperar as promessas de uma emancipação baseada na modernidade. O presente é o aqui e agora sem ancoras em promessas do passado; são grupos que esgotados pela espera da liberdade retomam suas subjetividades em identidades coletivas que se formam num quadro de referencias dos próprios grupos afins. Para maiores estudos sugiro Maffesoli, M. O Tempo das Tribos. Rio de Janeiro: Forense,1998.
realidade concreta do campo, sobretudo, significa ignorar que no interior circulam
diferentes projetos de vida, sociedade e trabalho que perpassam as novas ruralidades.
Para finalizar alguns dados sobre o que falamos de educação do campo exitosa
que pouco foi levado em conta socialmente, mas demonstra a ação coletiva e auto-
organizativa de sujeitos permeados de um projeto dialético-crítico. Na atualidade a
experiência do MST, descrita em números por Leher (2007) traz em evidência que “o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST é hoje estruturado em 23
estados. Estima-se que ele tenha cerca de 1 milhão de integrantes, perto de 1.200
assentamentos, uma rede de 12 mil escolas primárias e secundárias, 88 cooperativas
rurais e 96 indústrias processadoras de alimentos” (p.48); quanto aos princípios
filosóficos enfatizados “está a educação para a transformação social; para o trabalho e a
cooperação; para o desenvolvimento das várias dimensões da pessoa humana; educação
com valores humanistas e socialistas; e educação como processo permanente de
formação e transformação humana (...) os números do MST apontam para 17 mil alunos
na Ciranda Infantil (projeto premiado pela ONU) ; 75 mil crianças e adolescentes (7 aos
18 anos) nas escolas de 1ª a 8ª séries) e 800 adolescentes cursando o secundário em
escolas dentro e fora do assentamento, 200 alunos cursando nível superior” (Revista
Educação, n.220, agosto de 1999, PP.33-35).
Para finalizar, gostaria de dizer que a educação agrícola é uma das
modalidades de educação do campo, onde o eixo primordial de formação e
capacitação está permeado por teorias e práticas pedagógicas e políticas, criadas no
próprio movimento e fundamentado no respeito às novas ruralidades, as diferenças, a
política de igualdade, o respeito à especificidade de projetos sociais no campo e à
diversidade de sujeitos (Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo,
Luziânia/GO, 2004).
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