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    REGIME POLTICO

    Jorge Reis Novais

    (tpicos de apoio s aulas tericas da turma B de Direito Constitucional I do ano

    lectivo de 2012/2013)

    Sumrio:

    1.Regimes polti cos e formas de governo;2. Regimes polticos de Estado absoluto e de Estado autocrtico:

    2.1. Monarquia absoluta;

    2.2. Ditadura

    3. Regimes polticos de Estado de Direito3.1. Regimes de monarquia consti tucional:

    3.1. Monarquia limitada;3.2. Monarquia orleanista;

    3.3. Regimes de monarquia parlamentar (governo representativo,

    democracia representativa);

    3.2. Governo representativo;3.3. Democracia representativa;

    Quando falamos em regime poltico referimo-nos s diferentes modalidades de

    exerccio do poder poltico no Estado moderno e contemporneo, considerando o

    relacionamento institucional entre governantes e governados e tendo especialmente em

    conta a titularidade e o exerccio efectivo do poder constituinte (a legitimidade originria oudominante), a existncia e peso das instituies representativas e a natureza, graus e formas

    de participao dos governados no exerccio do poder.

    Assim, na caracterizao e distino dos vrios regimes polticos, para alm da

    natureza do poder constituinte originrio e derivado, o principal factor a considerar ser o da

    existncia ou no de instituies representativas dos cidados, o peso real que essas

    instituies tm na conduo da vida poltica, a existncia ou no de pluralismo poltico, o

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    reconhecimento ou no do direito de oposio e de alternncia no poder, o carcter das

    eleies.

    Ser em funo desses parmetros que poderemos determinar o grau e a natureza da

    participao dos cidados no exerccio do poder e o tipo de relao que se estabelece entre

    governantes e governados como factor decisivo na distino entre os regimes polticos,

    mormente entre regimes polticos democrticos e regimes polticos autocrticos.

    1. Regimes polticos e formas de governo

    Como se pode verificar, na enumerao que fizemos dos factores a considerar na

    distino de regimes polticos no referimos a questo da forma de governo. A forma de

    governo restringe-se unicamente a um aspecto particular, o da considerao do tempo e

    modo de sucesso na chefia do Estado, enquanto suprema magistratura de um dado sistema

    poltico, distinguindo-se a forma de governo monrquica da forma de governo republicana

    em funo, respectivamente, do carcter vitalcio ou temporrio do exerccio do cargo e, em

    regra, em funo da via hereditria ou no hereditria de sucesso.

    Ora, do ponto de vista da distino material entre regimes polticos , hoje,

    indiferente a forma de governo adoptada. Para a qualificao do regime poltico tal como o

    entendemos (isto , caracterizado em funo do relacionamento entre governantes e

    governados), no importante tratar-se de uma Monarquia ou de uma Repblica; isso

    porque a diferena na forma de governo no condiciona qualitativamente a natureza ou o

    grau de participao dos cidados no exerccio do poder poltico.

    De facto, uma monarquia pode, tal como uma repblica, constituir-se em regime

    democrtico ou em regime de ditadura, sem que a forma de governo de algum modo

    determine uma ou outra via. Veja-se o caso dos pases vizinhos Portugal e Espanha, com

    regimes polticos idnticos e formas de governo diferentes (actualmente ambos democracias

    representativas e com uma histria de regimes polticos no sculo XX quase paralela, sendo

    que Portugal uma Repblica e a Espanha uma Monarquia).

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    2. Regimes polticos de Estado absoluto e de Estado autocrtico

    No que se refere tipologia de regimes polticos adoptada, e tendo em conta o

    critrio de distino referido, distinguiremos no Estado moderno (incluindo o Estado

    absoluto e o Estado constitucional) os seguintes principais regimes: monarquia absoluta,

    monarquia constitucional (monarquia limitada, monarquia orleanista, monarquia

    parlamentar), governo representativo, democracia representativa e ditadura.

    Porm, h que fazer uma nova distino, a que se refere aos regimes polticos de

    Estado absoluto e de Estado constitucional.

    No Estado absoluto (at ao sculo XIX) e no Estado autocrtico dos sculos XX eXXI, a ausncia de pluralismo poltico e de verdadeira diviso de poderes determina a

    simplicidade e a uniformidade de regimes polticos, pelo que, a, a tipologia de regimes no

    verdadeiramente importante. Assim, o Estado absoluto identifica-se com o regime poltico

    de monarquia absoluta e no Estado autocrtico contemporneo (sculos XX e XXI), mesmo

    quando h uma Constituio (nominal ou semntica), o regime poltico sempre ditatorial.

    2.1. Monarquia absoluta

    o regime poltico tpico do Estado absoluto. Assenta exclusivamente na

    legitimidade monrquica (de fundamento divino ou de fundamento racional), o que significa

    que o Rei considerado como origem e fundamento do poder. Todo o exerccio de

    autoridade pblica (da Administrao aos tribunais) feito em nome do Rei, que concentra

    na sua pessoa todos os poderes do Estado. No h quaisquer instituies representativas dos

    cidados ou das classes sociais e, consequentemente, no h participao dos sbditos no

    exerccio do poder poltico.

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    2.2. Ditadura

    No conceito de ditadura integramos as vrias, mas substancialmente convergentes,

    formas de exerccio do poder poltico que se verificam no Estado autocrtico dos sculos

    XX e XXI.

    Independentemente das diferenas atinentes aos diversos contextos histricos,

    culturais ou geogrficos em que o Estado autocrtico se concretiza, h sempre, no regime

    poltico ditatorial, um ncleo de princpios que distinguem claramente este regime dos

    regimes democrticos actuais.

    Em certo sentido pode dizer-se que a legitimidade invocada pelas ditaduras continuaa ser uma legitimidade democrtica, mas apenas no sentido de se atribuir teoricamente ao

    Povo a titularidade do poder. Porm, o Povo de que se fala numa ditadura nunca o Povo-

    conjunto de todos os cidados prprio da democracia e que exerce o poder atravs de

    representantes eleitos com igualdade de participao; na ditadura, de uma ou outra forma, o

    conceito democrtico de Povo corrompido na medida em que na prtica, e por vezes

    mesmo no plano da teoria do Estado, o Povo titular do Poder numa ditadura um Povo

    identificado com uma certa raa, com um certo grupo social, com uma certa comunidade

    religiosa ou uma qualquer outra entidade de contornos mais ou menos mticos.

    Por outro lado, tambm as formas que este Povo utiliza para o exerccio concreto do

    poder so radicalmente distintas das formas democrticas de exerccio do poder poltico.

    No h, em ditadura, verdadeira representao poltica, pois o conjunto dos cidados no

    tem uma possibilidade efectiva de designar livremente os representantes que devem exercer

    o poder em seu nome. As instituies representativas, bem como as eleies, ou no existem

    pura e simplesmente ou so meros artifcios de forma, utilizados para fins de propaganda.

    A rejeioproclamada abertamente ou praticada de factodo pluralismo poltico,

    das liberdades democrticas, da alternncia do poder, da livre escolha democrtica, constitui

    o ncleo de princpios identificador, pela negativa, deste regime poltico.

    Pode, em ditadura, haver diferenas na estruturao jurdico-formal dos poderes, mas

    o ponto comum sempre a concentrao efectiva de todo o poder nas mos de um grupo

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    restrito (ou, em ltima anlise, de uma nica pessoa) que se proclama intrprete privilegiado

    ou exclusivo dos desgnios do Povo e se recusa submeter prova de legitimao que

    constitui uma eleio livre em que todos possam participar em condies de igualdade.

    Assim, consoante a natureza do grupo restrito que detm e exerce exclusivamente o

    poder, encontramos a ditadura pessoal, a ditadura de partido nico (ou do seu chefe), a

    ditadura militar, a ditadura de uma casta ou confisso religiosa, a ditadura de um cl ou de

    uma famlia, ou a combinao particular de alguns destes tipos.

    3. Regimes polticos de Estado de Direito

    verdadeiramente em Estado de Direito que o conceito de regime poltico adquire

    relevncia e autonomia, uma vez que, num Estado com Constituio normativa, com

    pluralismo, com diviso de poderes e respeitando os direitos fundamentais, podemos

    encontrar tipos de relacionamento estrutural entre governantes e governados

    substancialmente diferentes e que procuramos traduzir numa tipologia que inclui os

    seguintes regimes: monarquia limitada, monarquia orleanista, governo representativo edemocracia representativa.

    3.1. Regimes polticos de monarquia constitucional

    A chamada monarquia constitucional compreende vrios regimes polticos em que se

    compatibiliza a forma de governo monrquica com a vigncia de uma Constituio, o queimplica desde logo, quaisquer que sejam as diferentes modalidades de concretizao, a

    existncia de limitao jurdica do exerccio do poder, ou seja, a existncia de separao de

    poderes, bem como de instituies representativas e de participao dos governados no

    exerccio do poder poltico.

    A monarquia constitucional, mesmo no considerando o caso particular da Gr-

    Bretanha, est presente ao longo dos sculos XIX, XX e XXI, pelo que so necessariamente

    muito diferentes os regimes polticos nela englobados ao longo de mais de dois sculos.

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    Assim, a Espanha, a Blgica ou a Holanda dos nossos dias so monarquias constitucionais;

    Portugal entre 1822 e 1910 foi uma monarquia constitucional; a Inglaterra nos finais do

    sculo XVII era j, de certa forma, apesar da no existncia de uma Constituio em sentido

    formal, uma monarquia constitucional.

    assim possvel e necessrio distinguir, dentro da referncia genrica a monarquia

    constitucional (forma de governo monrquica com Constituio), entre os seguintes regimes

    polticos: a monarquia limitada e a monarquia orleanista (tpicas do sculo XIX) e os

    diferentes regimes da monarquia parlamentar (que perdura desde o sculo XIX at aos

    dias de hoje, pelo que nela devemos distinguir as monarquias de governo representativo

    liberal e as monarquias de democracia representativa).

    3.1.1. Monarquia limitada

    um regime poltico que compatibiliza de modo muito particular a forma de

    governo monrquica com a existncia de uma Constituio e que foi dominante no sculo

    XIX em muitos pases europeus, como na Alemanha, na Frana da Restaurao, e que, em

    certa medida, tambm se concretizou em Portugal, em 1826.

    Trata-se de um regime ainda fundado na legitimidade monrquica, portanto

    considerando o Rei como origem e fundamento do poder, mas j de poder mitigado pela

    existncia de uma Constituio que, todavia, de acordo com os princpios da legitimidade

    monrquica, aprovada pelo monarca. O Rei ainda considerado origem e fundamento do

    poder, mas, aceitou autolimitar-se atravs da outorga ao Povo de uma Constituio (mais

    rigorosamente se deve falar aqui em Carta Constitucional, pois trata-se de um documento

    aprovado e dado pelo Rei ao Povo e no ainda um documento de garantia conquistado e

    imposto ao monarca por uma Assembleia Constituinte formada por representantes do Povo).

    De qualquer forma, a simples existncia de uma Constituio, que consagra a existncia de

    instituies representativas e de uma certa diviso dos poderes, constitui uma limitao

    jurdica do exerccio do poder real.

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    que, quando aceita limitar o seu prprio poder atravs da sua sujeio a regras

    jurdico-constitucionais previamente estabelecidas, o Rei reconhece a existncia de

    instituies representativas dos cidados e, embora continue a deter um papel determinante,

    institui uma certa diviso de poderes. Ou seja, acaba por verificar-se uma dualidade depoder ou um compromisso entre o Rei e as instituies representativas dos cidados: o

    executivo continua a ser titulado pelo Rei, mas o legislativo passa agora a ser atribudo a um

    Parlamento representativo.

    H, assim, no domnio do exerccio de poderes polticos, uma dualidade entre o Rei

    titular do Poder executivo e um Parlamento (poder legislativo) parcialmente electivo, em

    que o Rei procura conservar a sua posio de factor poltico central do regime atravs de umchamadopoder moderador(CONSTANT), isto , um conjunto de faculdades polticas que lhe

    permitem uma interveno decisiva no exerccio dos restantes poderes.

    Nesse mesmo sentido, a prevalncia da legitimidade monrquica manifesta-se na

    prpria estrutura e natureza do parlamento. Em monarquia limitada, tradicionalmente o

    Parlamento composto por duas cmaras, sendo que os poderes da 'cmara baixa' (eleita

    pelo Povo) so atenuados pela existncia de uma segunda cmara, a 'cmara alta', no-electiva, com membros nomeados pelo Rei e dele dependendo politicamente.

    Portanto, apesar de a existncia da Carta Constitucional resultar numa atenuao dos

    poderes do Rei, este continua a ser ainda o factor poltico central da monarquia limitada, na

    medida em que, alm de deter o poder executivo por direito prprio, o monarca tem uma

    influncia significativa nos restantes poderes. Fala-se, ento, no exerccio da parte do Rei do

    referido quarto poder(designado por BENJAMIN CONSTANT porpoder moderador), atravs

    do qual o Rei, a pretexto de moderar os eventuais excessos dos restantes poderes, estende a

    sua influncia ao poder legislativo e judicial. Nesse quarto poderse incluem as faculdades

    constitucionalmente reconhecidas ao monarca de nomear membros da cmara alta do

    Parlamento, de exercer o direito de veto, de poder dissolver a cmara baixa, de nomear e

    destituir os juzes.

    3.1.2. Monarquia orleanista

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    A monarquia orleanista (designao derivada do regime do prncipe Lus Filipe,

    duque de Orlans, na Frana de 1830) um regime baseado, na sua origem, na existncia de

    um poder constituinte pactuado entre a legitimidade democrtica e a legitimidade

    monrquica, com a correspondente dualidade no exerccio do poder.

    No h apenas uma dualidade do exerccio do poder poltico (como acontecia na

    monarquia limitada), mas o prprio regime nasce de um verdadeiro compromisso ou pacto

    celebrado entre a legitimidade monrquica e a legitimidade democrtica no prprio

    momento constituinte. Ou seja, a Constituio nem uma Carta Constitucional outorgada

    pelo monarca (como acontecia na monarquia limitada), nem uma Constituio livremente

    aprovada pelos representantes do Povo reunidos em Assembleia constituinte (comoacontecer na monarquia parlamentar): a Constituio da monarquia orleanista aprovada

    por uma Assembleia constituinte popular, mas s entra em vigor se obtiver simultaneamente

    a aquiescncia efectiva (e no meramente formal, como acontecer na monarquia

    parlamentar) do monarca.

    Desta origem dualista e pactuada da Constituio resulta, tendencialmente, uma

    estruturao compromissria dos poderes, com o Rei a perder o poder moderador, atravsdo qual influenciava e manietava os restantes poderes, e as instituies representativas a

    surgirem reforadas, com uma diviso de poderes mais efectiva e com o Governo

    politicamente responsvel no apenas perante o Rei, mas j tambm perante um Parlamento

    em que o peso da Cmara baixa tende a ser predominante ou exclusivo.

    3.1.3. Regimes de monarquia parlamentar

    A monarquia parlamentar assenta j exclusivamente na legitimidade democrtica (a

    Constituio feita pela assembleia representativa popular, os rgos que efectivamente

    exercem o poder recolhem a sua legitimidade da eleio, o Poder considerado como

    residindo originariamente no Povo), embora sob uma forma de governo monrquica.

    A Constituio exclusivamente aprovada pelos representantes do Povo reunidos em

    Assembleia constituinte, ainda que o Rei venha a apor-lhe formalmente uma

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    assinatura/promulgao que no reflecte j qualquer partilha real do poder constituinte,

    antes significando o reconhecimento da soberania popular por parte de um monarca na

    realidade desprovido de poder poltico.

    Com estas caractersticas gerais, a monarquia parlamentar vai assumir uma natureza

    muito diferenciada consoante se trate de monarquia parlamentar no sculo XIX ou

    monarquia parlamentar da segunda metade do sculo XX e sculo XXI. O Reino Unido ou

    a Espanha, por exemplo, so hoje monarquias parlamentares, tal como eram no sculo XIX;

    todavia, o regime poltico (as relaes entre governantes e governados, a estrutura do poder,

    a natureza das eleies) substancialmente diferente num caso e noutro, isto , era um

    governo representativo no sculo XIX e uma democracia representativa nos dias de hoje.

    Por isso, em rigor, a monarquia parlamentarno ser um regime poltico com uma

    identidade individualizada, j que tanto pode surgir como governo representativo (no se

    distinguindo materialmente, nesse caso, do governo representativo republicano) ou como

    democracia representativa.

    3.2. Governo representativo

    O Governo representativo (ou governo representativo liberal) um regime poltico

    de legitimidade democrtica, portanto de Constituio aprovada por uma Assembleia

    constituinte eleita pelo Povo, que pode existir sob forma de governo monrquica

    (monarquia parlamentar) ou sob forma de governo republicana (repblica parlamentar

    representativa).

    O Parlamento a instituio representativa nacional, mas, comparado com os actuais

    Parlamentos, tem uma legitimidade democrtica atenuada j que eleito por sufrgio

    acentuadamente restrito (designadamente, sufrgio censitrio, capacitrio, rcico e

    masculino). H, da, uma homogeneidade poltica e social do corpo eleitoral e a eleio tem

    o carcter de uma escolha individual e no programtica nem ideolgica dos deputados. O

    mandato dos deputados nacional e representativo, os partidos polticos so ainda

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    incipientes, com a natureza de partidos de quadros e a sua actividade limitada aos perodos

    eleitorais.

    Trata-se do regime poltico tpico do Estado liberal do sculo XIX, com continuidade

    poltica e institucional at ao fim da primeira Guerra mundial.

    Independentemente da forma de governo adoptada (tanto pode ser uma monarquia

    como uma repblica), a legitimidade em que se funda o exerccio e fundamento do Poder

    a legitimidade democrtica, ou seja, considera-se que o Poder reside originariamente no

    Povo (ou na Nao, segundo a frmula de algumas Constituies) e que exercido pelos

    seus representantes eleitos.

    A Constituio, como decorre da legitimidade democrtica em que assenta o regime,

    exclusivamente aprovada por uma Assembleia Constituinte representativa, ainda que

    formalmente o Rei (quando se trate de monarquia parlamentar) manifeste a sua

    concordncia, apondo-lhe a sua assinatura, mas sem que isso signifique uma partilha de

    poder constituinte entre Povo e monarca (como de resto acontece com a generalidade dos

    actos polticos e legislativos praticados pelo Governo e pelo Parlamento e que o Rei

    igualmente assina ou promulga).

    O centro do poder poltico o Parlamento, instituio representativa nacional e rgo

    revelador da vontade geral. O Chefe do Estado (que tanto pode ser um Rei como um

    Presidente da Repblica) no um rgo politicamente activo e o Executivo um rgo

    colocado progressivamente sob a dependncia poltica do Parlamento e perante ele

    exclusivamente responsvel.

    Isto significa que quando este regime poltico existe sob forma de governo

    monrquica, ao contrrio do que acontecia quer em monarquia absoluta, quer mesmo em

    monarquia constitucional limitada, o Rei no exerce, de facto, poderes polticos; ele limita-

    se a constituir uma referncia de carcter simblico, representando a unidade e a soberania

    do Estado, mas cujos poderes, mesmo aqueles que lhe so expressamente atribudos pela

    Constituio, no passam de poderes meramente formais que, na realidade, so praticados

    pelo Governo. Por sua vez, quando o Chefe de Estado um Presidente da Repblica

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    (repblica parlamentar) normalmente designado ou eleito pelo Parlamento e, em geral,

    pode ser por ele destitudo.

    Quanto ao tipo de representao, diferentemente do que acontecia nas instituies

    representativas medievais onde os procuradores das vrias classes ou estamentos tinham

    nas Cortes um mandato imperativo e fraccionado, ou seja, eram apenas a voz do grupo ou

    classe que os elegera, no Parlamento moderno do governo representativo os deputados

    tm um mandato nacional e representativo. Isto significa, por um lado, que cada deputado

    se considera representante de toda a colectividade nacional e no apenas dos eleitores do

    crculo eleitoral por onde foi eleito; por outro lado, que cada deputado se considera portador

    de uma vontade poltica prpria segundo a qual procurar interpretar os interesses nacionais.

    Assim, o Parlamento o rgo que revela a vontade geral e o regime poltico nele

    assente pode ser caracterizado como governo representativo, ou seja, um regime

    politicamente baseado na eleio dos representantes do Povo ao Parlamento.

    No entanto, a legitimidade democrtica no , neste regime, levada at s suas

    ltimas consequncias, na medida em que a ideologia liberal da poca e os interesses

    econmicos e sociais em que o regime assentava assentava lhe impunham srias

    limitaes, que, no fundo, vo permitir distinguir o governo representativo da

    contempornea democracia representativa

    que, sendo certo que, tal como acontece na democracia representativa, este regime

    se baseia na legitimidade democrtica e, logo, o Poder considerado como residindo

    originariamente no Povo e exercido pelos seus representantes eleitos, a concepo de Povo

    que aqui prevalece muito redutora.

    De facto, na medida em que os direitos polticos, nomeadamente o direito de voto,

    no so generalizados a toda a populao, mas so apenas privilgio de uma minoria muito

    restrita (recordem-se as significativas restries de voto fundadas no sexo, na condio

    econmica, na capacidade intelectual, na raa), o Povo-Nao em que se funda o governo

    representativo , tambm, uma minoria dentro do Povo real. Tudo se passa como se s uma

    certa camada da sociedade mormente as classes proprietrias integrasse

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    Ainda assim, em regime de governo representativo, trata-se principalmente de

    partidos de quadros, organizados em torno de notveis locais que, nas eleies, dispem de

    um poder de influenciao do sentido do voto; no se preocupam com o recrutamento de um

    grande nmero de aderentes, no se estruturam de forma centralizada, no dispem de umadireco unificada, nem de uma disciplina interna uniformizadora de comportamentos

    polticos, caracterizando-se, no terreno ideolgico, por uma grande fragilidade

    programtica.

    No que respeita relao entre eleitorado e composio do Parlamento, uma vez que

    no se verifica no corpo eleitoral uma diviso cristalizada em tendncias polticas opostas,

    no se faz ainda sentir a necessidade de garantir, no Parlamento, uma expresso das vriascorrentes polticas. Nesses termos, o sistema eleitoral enquanto mtodo de traduo do

    nmero de votos em nmero de mandatos parlamentares ainda pouco desenvolvido ou

    complexo, tendendo a reduzir-se sua expresso mais simplificada: eleito o candidato que

    no crculo eleitoral obtm mais votos, ou seja, o modelo de sistema eleitoral maioritrio e

    uninominal.

    Por ltimo, uma vez que a eleio no representa uma escolha programtica, umaopo entre vrias propostas polticas diferenciadas ou opostas, o candidato a deputado no

    se apresenta s eleies apoiado em qualquer programa partidrio, nem vinculado a um

    compromisso poltico a estabelecer com os eleitores. Ento, uma vez eleito, tem condies

    polticas para exercer o seu mandato com a maior margem de liberdade e autonomia; s tem

    de prestar contas sua conscincia ou aos interesses particulares que se prope defender.

    E, de certa forma, a autonomia dos membros assim eleitos para o Parlamento e a

    natureza no vinculada do mandato que se propem exercer que faz do Parlamento um

    rgo com um peso intrnseco e uma legitimidade prpria, e que lhe permite, reforada que

    est, assim, a sua posio relativa face aos outros rgos e instituies polticas, afirmar-se

    como centro crescente da vida poltica.

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    3.3. Democracia representativa

    A democracia representativa o regime poltico que, nas novas condies dos

    sculos XX e XXI, d continuidade ao princpio fundamental que informava o governo

    representativo: a ideia de que o Povo o detentor do poder e que o deve exercer atravs de

    representantes peridica e livremente eleitos.

    Neste sentido, encontramos na democracia representativa as caractersticas que,

    embora com uma compreenso diferente, estavam j presentes no governo representativo:

    legitimidade democrtica (independentemente de a forma de governo em que se inscreve ser

    monrquica ou republicana, o que significa que podemos ter uma repblica democrtica ou

    uma monarquia democrtica), instituies representativas livremente eleitas, pluralismo

    poltico, diviso de poderes.

    Contudo, a forma como estes princpios so agora entendidos confere democracia

    representativa uma natureza significativamente distinta do governo representativo, o que

    justifica a sua autonomizao como regime poltico prprio, assente na legitimidade

    democrtica, no pluralismo poltico, no sufrgio universal e na eleio livre e regular dos

    titulares do poder. H agora uma heterogeneidade poltica e social do corpo eleitoral e os

    partidos polticos, em geral de massas, vo exercer o papel decisivo no exerccio do poder,

    distinguindo-se em funo de diferentes programas e da representao de interesses

    diversos. A eleio tem um carcter representativo, mas tambm uma funo retributiva e

    de avaliao poltica do exerccio do mandato do Governo anterior e de formao do novo,

    e, logo, constitui-se como instrumento popular de controlo e de garantia da alternncia no

    poder.

    Pode dizer-se que s na democracia representativa se retiram todas as consequncias

    do princpio democrtico (ou da legitimidade democrtica), pois s agora o Povo

    considerado como Povo de todos os cidados, sem discriminao econmica, de sexo, de

    religio ou de raa. O alargamento progressivo do direito de voto e a institucionalizao

    posterior do sufrgio universal ao longo do sculo XX so os dados mais importantes desta

    nova concepo da legitimidade democrtica. Em ltima anlise, o carcter universal do

    sufrgio que distingue a democracia representativa de outros regimes polticos que, embora

    reconheam na entidade Povo o titular ltimo do Poder, no o entendem como sendo

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    constitudo, sem discriminaes, por todos os cidados; esse o caso do governo

    representativo do sc. XIX e de outros regimes que, no sc. XX, adoptam instituies de

    tipo democrtico, mas sem reconhecimento do sufrgio livre e universal.

    A institucionalizao do sufrgio universal transforma, desde logo, o carcter das

    eleies. O corpo eleitoral, ou seja, o conjunto de cidados que participa nas eleies,

    agora constitudo por uma massa com interesses diversificados e contraditrios, com

    enormes diferenas ideolgicas e culturais, com objectivos polticos conflituantes. Ora, com

    base nessas diferenas, a sociedade politicamente interveniente agora atravessada por

    diferentes projectos de organizao econmica e social, a que correspondem diferentes

    programas polticos que se apresentam concorrencialmente ao eleitorado.

    Assim, o importante nas eleies no j a mera designao da pessoa que vai

    exercer fisicamente o mandato de deputado, mas muito mais a escolha entre aquelas

    diferentes propostas polticas, ou seja, em ltima anlise, a escolha do Governo que resulta

    da adeso maioritria do eleitorado a um dos programas polticos em competio.

    Neste novo contexto, em que o importante a apresentao e a escolha entre vrios

    programas de governo, os partidos polticos adquirem uma importncia decisiva. Eles so,

    no apenas os proponentes e portadores desses programas de governo, como so tambm

    eles que detm a quase exclusividade de apresentao de candidaturas e, por essa via, so

    eles que detm a quase exclusividade da representao poltica.

    Ento, para responderem cabalmente s novas exigncias, os partidos alteram

    profundamente a sua natureza, a sua estrutura e o seu tipo de funcionamento. Na democracia

    representativa, os partidos polticos so, na sua maioria, estruturas de carcter permanente,

    que mantm uma organizao mesmo para alm dos perodos eleitorais, que se dotam de

    uma verdadeira e forte disciplina interna e de uma direco centralizada. So, entre si, muito

    diferenciados poltica, ideolgica e culturalmente, tm histrias muito particulares,

    preservam uma memria e uma identidade prprias, e com base nessa identidade que

    procuram, de forma permanente e organizada, recrutar o maior nmero de aderentes e

    alargar a sua influncia a toda a sociedade.

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    Os novos partidos polticos tpicos da democracia representativa so o que se

    designa, em geral, por partidos de massas, contrapostos aos partidos de quadros do sc.

    XIX.

    Por outro lado, no Parlamento, atravs da constituio de grupos parlamentares, os

    partidos polticos enquadram poltica e organizativamente os deputados e, com base num

    funcionamento desses grupos parlamentares baseado na disciplina interna e na solidariedade

    partidria, procuram uniformizar a interveno e o sentido de voto dos deputados que

    integram o grupo parlamentar; por sua vez, os deputados, pressionados pela exclusividade

    que os partidos tm na apresentao de candidaturas com possibilidades de xito, sabem que

    arriscam o futuro da sua carreira poltica em caso de uma actuao individual divergente dasorientaes da direco partidria, pelo que tendem a condicionar o seu comportamento

    poltico no sentido da mais estrita observncia das directivas partidrias.

    Tudo isto contribui para uma reduo significativa da autonomia e margem de

    actuao parlamentar dos deputados. No fundo, o mandato parlamentar no conferido

    pelos cidados aos deputados individualmente considerados (note-se que nos grandes

    crculos eleitorais os eleitores no conhecem sequer o nome dos candidatos em que votam),mas antes conferido aos partidos polticos.

    Com propriedade se dir, ento, que a democracia representativa um Estado de

    partidos. Mas isso no significa, note-se, um mal em si, na medida em que a interveno

    dos partidos polticos, enquanto mediadores da representao poltica, que confere ao voto

    dos cidados um peso efectivo nas sociedades desenvolvidas que de outra forma nunca teria.

    De facto, no s um verdadeiro pluralismo poltico e uma garantia da liberdade de escolha e

    da existncia de alternativas so impossveis sem a liberdade de formao de partidos

    polticos, como tambm s atravs deles possvel aos cidados utilizarem retributivamente

    o seu direito de voto.

    Isto : se um cidado, em democracia representativa, est descontente com o governo

    actual e pretende substitu-lo por um governo diferente, tem um poderoso instrumento para

    realizar esse objectivo, ou seja, nas prximas eleies penaliza o governo votando num

    partido da oposio; se, pelo contrrio, pretende manifestar a sua adeso ao governo actual,

    nas prximas eleies votar no partido que apoia esse governo. Ora, sem a interveno dos

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    partidos polticos, que o cidado individual pode castigar ou recompensar atravs do sentido

    do seu voto, o cidado, isolado entre milhes de outros votantes, no teria qualquer peso

    eleitoral, uma vez que podia dispor de um voto para escolher uma pessoa no seu crculo,

    mas muito dificilmente poderia influenciar o sentido da poltica nacional, o sentido daformao do novo governo.

    Assim, a possibilidade de uma representao real das vrias correntes polticas nas

    instituies representativas , no s uma consequncia natural do pluralismo que

    caracteriza a prpria sociedade, como uma exigncia da prpria existncia da democracia

    representativa, pelo que a problemtica do sistema eleitoral, ou seja, a questo de saber

    como se traduz um certo nmero de votos recolhidos por uma candidatura em nmero demandatos parlamentares, assume uma importncia at ento desconhecida.

    Surgem agora preocupaes do tipo de fazer das instituies representativas

    verdadeiros 'espelhos' da correlao de foras que existe na comunidade, com o que se

    desenvolvem mtodos eleitorais representativamente mais justos que o tradicional mtodo

    maioritrio (o mandato era atribudo em cada crculo eleitoral exclusivamente lista ou

    candidato que obtivesse mais votos, sem representao das candidaturas minoritrias), comoseja, o sistema proporcional (o nmero total de mandatos parlamentares correspondente a

    cada crculo eleitoral fixado em funo da respectiva populao e o nmeros de mandatos

    parlamentares que cada fora obtm distribudo a cada lista ou candidatura em proporo

    do nmero de votos que obtiveram na eleio).

    Para alm disso, outro tipo de preocupaes, como as de garantir a estabilidade dos

    governos ou a proximidade entre governantes e governados, conduz sofisticao dos

    sistemas eleitorais, surgindo mtodos mais complexos ou mistos que procuram reunir as

    vantagens de uns e outros dos sistemas eleitorais.