Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação...

32
Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009. Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade Práticas de certificação participativa na agricultura eco- lógica: rede, selos e processos de inovação * Guilherme Francisco Waterloo Radomsky 1 O trabalho analisa a certificação na agricultura ecológica, a partir de um estu- do sobre a Ecovida, rede de agroecologia que congrega diversos atores sociais no Sul do Brasil. Abordando de modo geral os diferentes sistemas de certificação, o estudo examina particularmente a certificação participativa no âmbito da Rede Ecovida. Ainda que a certificação participativa esteja relacionada aos dispositi- vos de poder das agências, instituições e organizações internacionais vinculadas à agricultura orgânica (não sendo, entretanto, efeito direto), o trabalho procura demonstrar como práticas locais na agroecologia podem ser inovadoras quando distintos atores sociais operam para criar selos de modo endógeno. Além do pro- cesso de certificação, o trabalho aborda o modo como são ressemantizadas as relações entre dádiva e mercadoria no interior da rede com a possibilidade de formação de circuitos de relações específicas, propiciando também a criação de uma comunidade imaginada. Certificação; Agroecologia; Comunidade Imaginada. * Uma versão deste artigo foi apresentada no IIº Colóquio Agricultura Familiar e Desen- volvimento Rural, em Porto Alegre, 2008. Gostaria de agradecer os comentários e as sugestões de Ondina Fachel Leal, José Carlos dos Anjos, Sergio Schneider, Paulo Wa- quil, Eric Sabourin, Adriana Paredes Peñafiel, Marcelo de Souza, Roni Blume, Glauco Schultz e os pareceristas da Revista IDEAS. Também agradeço o apoio financeiro do CNPq para a pesquisa. 1 Mestre em Desenvolvimento Rural pelo PGDR/UFRGS, Doutorando em Antropologia Social no PPGAS/UFRGS e bolsista do CNPq. Endereço eletrônico: [email protected]

Transcript of Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação...

Page 1: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Práticas de certificação participativa na agricultura eco-lógica: rede, selos e processos de inovação*

Guilherme Francisco Waterloo Radomsky1

O trabalho analisa a certificação na agricultura ecológica, a partir de um estu-

do sobre a Ecovida, rede de agroecologia que congrega diversos atores sociais no

Sul do Brasil. Abordando de modo geral os diferentes sistemas de certificação, o

estudo examina particularmente a certificação participativa no âmbito da Rede

Ecovida. Ainda que a certificação participativa esteja relacionada aos dispositi-

vos de poder das agências, instituições e organizações internacionais vinculadas

à agricultura orgânica (não sendo, entretanto, efeito direto), o trabalho procura

demonstrar como práticas locais na agroecologia podem ser inovadoras quando

distintos atores sociais operam para criar selos de modo endógeno. Além do pro-

cesso de certificação, o trabalho aborda o modo como são ressemantizadas as

relações entre dádiva e mercadoria no interior da rede com a possibilidade de

formação de circuitos de relações específicas, propiciando também a criação de

uma comunidade imaginada.

Certificação; Agroecologia; Comunidade Imaginada.

* Uma versão deste artigo foi apresentada no IIº Colóquio Agricultura Familiar e Desen-volvimento Rural, em Porto Alegre, 2008. Gostaria de agradecer os comentários e as sugestões de Ondina Fachel Leal, José Carlos dos Anjos, Sergio Schneider, Paulo Wa-quil, Eric Sabourin, Adriana Paredes Peñafiel, Marcelo de Souza, Roni Blume, Glauco Schultz e os pareceristas da Revista IDEAS. Também agradeço o apoio financeiro do CNPq para a pesquisa. 1 Mestre em Desenvolvimento Rural pelo PGDR/UFRGS, Doutorando em Antropologia Social no PPGAS/UFRGS e bolsista do CNPq. Endereço eletrônico: [email protected]

Page 2: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

Introdução

A constatação de que a economia contemporânea tem gerado um oceano de produtos de distinção ou de qualidade não é nova. Já nos anos 1970, Pierre Bourdieu realizou pesquisas sobre o consumo na França e mos-trou que ele era um poderoso demarcador de classes (BOURDIEU, 2007). Naquele momento, Bourdieu mostrava-se insatisfeito com a ma-neira com que a pesquisa sociológica analisava o problema de classes, pois se o caráter econômico era (e é) indiscutível na separação e forma-ção de grupos sociais, não havia tratamento para a dimensão propria-mente simbólica deste problema. Para o autor, era justamente neste aspecto que residia a força da economia (e poderíamos acrescentar: eco-nomia capitalista): as condição de que as disparidades sociais eram legi-timadas por esquemas de significados tão expressivos e, ao mesmo tem-po, pouco perceptíveis para muitos sujeitos – as marcas, as antiguida-des, os móveis, o gosto pelas obras de arte, as preferências culinárias e os hábitos à mesa. Verdadeiramente, estaríamos frente a um capital associado à distinção cultural.

Contudo, mais do que isso é curioso ver um duplo desdobramento. Pri-meiro, a projeção que adquiriu a noção de capital cultural para as eco-nomias de distinção. Pois se era no consumo (os que compravam) que ele geralmente podia ser acumulado, agora pode-se perceber que ele é um ativo essencial para a produção, para aqueles que vendem. É verdade que isto já existia – sobretudo para artigos de costura e arte – mas não se pode afirmar que era uma estratégia tão eloquente como agora se observa. As economias de qualidade, das quais nos falam Callon et al. (2002), parecem insistir sobre a singularização de mercadorias proveni-entes de infinitos recônditos. Segundo, as transformações gerais na soci-edade pautada pelo conhecimento e pela informação mostraram uma crescente necessidade de distinguir e qualificar os produtos, mas como comprovar sua originalidade e autenticidade? Visto que as tecnologias são cada vez mais hábeis na reprodução de originais, a economia capita-lista passou a requerer sistemas de verificação e conformidade que ad-ministrassem e combatessem essa prática considerada por muitos como tão inconveniente para o pensamento ocidental: a apropriação indevida por meio da cópia. Advindas como uma resposta a este “problema”, as

Page 3: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 135

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

certificações de todo tipo entram no cenário como mecanismos de verifi-cação e comprovação.

Pesquisas mostram que a certificação tem sido prática crescente nos últimos anos e esteve vinculada ao aumento do comércio mundial desde a abertura crescente das economias nacionais, à valorização das econo-mias locais e dos produtos de qualidade. Nisto, a certificação impõe im-perativos tanto para um comércio de longa como para o de curta distân-cia aplicando qualificativos essenciais aos produtos. Sobre este aspecto espacial e globalizado, Renting et al. (2003) observam que as especiali-dades regionais convertem longas distâncias em uma cadeia curta, isto porque o conhecimento do produto pelo consumidor e o enraizamento (embeddedness) desses artigos no local em que são gerados criam cone-xões e sentidos partilhados.

Uma situação mais relevante para o qual os processos de certificação têm sido implementados é relativa aos alimentos agroecológicos. Devido ao fato de que os agroecológicos possuiriam uma condição em que uma pessoa comum dificilmente consegue diferenciá-los de um produto con-vencional, os selos que atestam sua autenticidade se tornaram frequen-tes. A isto Fonseca (2005) e Barbosa e Lages (2006) atribuem uma ideia curiosa: os orgânicos ou ecológicos seriam “bens de crença”, por não se-rem verificáveis as qualidades intrínsecas do produto por parte consu-midor. É quase evidente que todo bem tem uma face de crença num cer-to sentido, pois antes de experimentá-lo o consumidor “crê” que ele pos-sa satisfazer seus desejos. Porém, na agricultura ecológica a situação é mais minuciosa, uma vez que produtos convencionais e ecológicos colo-cados lado a lado são, em alguns casos, difíceis de serem distinguidos, e até mesmo o sabor e a contextura interna podem ser semelhantes.

Outro fator crucial na certificação de produtos agroecológicos e orgâni-cos2 é o crescimento substancial do comércio destes bens em nível mun-dial. Ainda que a produção de ecológicos e orgânicos seja pequena em relação à convencional, ela não é inexpressiva e as transações interna-cionais crescem significativamente. Fonseca (2005) pontua que a agri-cultura orgânica foi o segmento que mais cresceu em vendas globais na indústria alimentar nos últimos anos, próximo a 20% entre 1997 e 2001.

2 Neste texto não serão exploradas as diferenças e semelhanças entre agroecologia e agricultura orgânica; para tal remeto o leitor ao artigo de Assis e Romeiro (2002).

Page 4: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 136

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

Isso ocorreu fundamentalmente na América do Norte e na Europa, mas também houve ascensão importante no Japão, Oceania e América Lati-na. A tendência, segundo projeções, é a continuidade deste crescimento para os próximos anos.

Com o aumento das transações globais e com o “suposto” fim das barrei-ras comerciais na implementação das diretrizes da Organização Mundi-al do Comércio (1994), outros impedimentos foram criados. É o caso, por exemplo, do Acordo TBT (Technical Barriers to Trade) de 1995 que terá papel central para imposição de barreiras não tarifárias na OMC. Este acordo passou a dispor sobre a conformidade, as características e os mé-todos de produção ou processamento dos produtos (FONSECA, 2005, p. 158). Além deste, muitos outros mecanismos foram formulados. As certi-ficações de modo geral representam esse movimento que reconstitui e renova os poderes das organizações e instituições que têm capacidades de atuação internacional e que, não raro, falam em nome de atores soci-ais do Norte Global.

O objetivo deste texto é analisar um caso diferenciado de certificação na agricultura ecológica. A Ecovida, rede de agroecologia que se espalha por inúmeros municípios do Sul do Brasil, procurou, ao longo de sua formação, construir um formato de certificação próprio, que não depen-desse das organizações e institutos acreditados por federações e orga-nismos internacionais. Brevemente, pode-se afirmar que a Rede preza pela certificação participativa, ou seja, um tipo de reconhecimento que não passa por mecanismos de verificação realizados por técnicos ou cien-tistas, mas os próprios membros a efetivam: agricultores, consumidores e mediadores da Rede.

A finalidade é entender de que maneira as práticas de certificação po-dem ser inovadoras quando distintos atores sociais operam para criar selos de modo endógeno. Assim, o estudo procurará mostrar em que me-dida o caso analisado consiste em uma expressão de inovação social a partir de formas locais de ação gerando uma comunidade de interação e de sentido.

Mais especificamente, a ideia é verificar em que medida a certificação por redes de credibilidade, realizada por coletivos de agricultores jun-tamente com outros atores sociais locais, afronta a lógica da mercadoria para a qual convergem as relações sociais no capitalismo. Ela faria cir-

Page 5: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 137

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

cular não só o selo internamente gerado, mas também os saberes, as sementes, os valores e os produtos em relações de reciprocidade. Do pon-to de vista do desenvolvimento rural, poder-se-ia afirmar que são es-quemas de ação que os atores mobilizam para o reconhecimento de seus produtos e, antes disto, o próprio reconhecimento e engajamento dos sujeitos que empreendem as iniciativas. A dificuldade que se observa é a justaposição de circuitos econômicos, em que uma economia de dádiva pode preponderar (apenas) no interior da rede. Porém se torna impres-cindível interagir com os circuitos de mercados circundantes cuja simbó-lica imanente e sua força é conseguir trazer para o interior da rede a lógica de uma mercadoria-símbolo, chancelada pelo selo.

Embora esteja em análise a Rede como um todo, especial atenção é dada a sua territorialização no oeste do estado de Santa Catarina (particu-larmente no município de Chapecó, núcleo da rede em que interagem atores coletivos diversos, tais como associações, organizações sociais rurais e urbanas, cooperativas de crédito), local onde os atores foram entrevistados e onde feiras e eventos foram observados. Além de Chape-có, foram feitas visitas e entrevistas nos municípios de Seara, Quilombo, Guatambu e Novo Horizonte. Para fins deste trabalho, são utilizadas também fontes de dados secundários, como compilações, artigos, textos da própria Rede Ecovida e informações provenientes da Internet.

A pesquisa de campo de caráter qualitativo e de abordagem etnográfica foi realizada em parte de 2007 e retomada em setembro de 2008 para ser finalizada em junho de 2009. Foram acompanhados diversos episó-dios, tais como reuniões do grupo de agricultores, assembleia da diretiva regional, visitas a propriedades rurais e ao centro de treinamento da Epagri (Empresa de pesquisa agropecuária e extensão rural de Santa Catarina), além das feiras locais. Foram entrevistados 11 agricultores, todos eles procurados mais de uma vez em suas propriedades rurais, em feiras ou outros eventos, sempre tendo em vista a construção da agroe-cologia e a certificação participativa no roteiro que guiou as indagações. Mas é justo dizer que muitos outros agricultores foram consultados nes-tes mesmos eventos, mantendo-se diálogos que complementavam as entrevistas. Além destes, seis mediadores (técnicos de organizações ou do Estado) foram entrevistados, somados a quatro consumidores. No entanto, o grupo dos consumidores contou com outras diversas contribu-

Page 6: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 138

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

ições, sobretudo dos envolvidos na constituição de uma cooperativa de consumo ecológico em Chapecó, de cujas reuniões participei durante o período de quatro meses. Ao longo do texto, busco as informações secun-dárias e as intercalo com a discussão teórica e com os dados obtidos em campo. Neste texto são exploradas com mais acuidade as entrevistas e observações junto ao grupo dos agricultores e dos mediadores.

O texto está dividido em cinco partes, sendo a primeira esta introdução. A seguir, analiso brevemente a história da Rede Ecovida e seu vínculo com os movimentos ambientais no Sul do Brasil. Logo após, examino a teoria social que se dedica a entender a certificação na agroecologia. A quarta parte busca compreender em que medida a certificação participa-tiva coloca em movimento atores sociais e possibilita a criação de uma comunidade e, por último, algumas considerações finais são tecidas.

Um pouco da história e das características da Rede Eco-

vida

A Rede Ecovida de Agroecologia surge no âmbito dos movimentos ambi-entalistas ligados à agricultura no Sul do Brasil. Após a implementação e o “sucesso” do ímpeto modernizante para a agropecuária nacional, uma série de contestações aparecem com o objetivo de recuperar as ba-ses ditas naturais da agricultura. Graziano da Silva (1998) mostra que a modernização da agricultura brasileira foi seletiva em vários aspectos, tais como nos grupos sociais (privilegiaram-se classes abastadas e em-presariais do campo) e nos produtos (os que compunham a pauta de ex-portações da nação, por exemplo, a laranja e o café).

Muitos dos agricultores familiares que entraram neste processo senti-ram os efeitos da modernização, uma vez que ela foi determinante das transformações sociais no meio rural entre as décadas de 1960 e 1980.

Sobretudo nos anos 1980 e 1990 surgem movimentos ligados ao mesmo tempo ao meio ambiente e à agricultura no Brasil, assim como também é neste período que ONGs preocupadas com os efeitos danosos da produ-ção agrícola moderna sobre a natureza são fundadas no Sul do país. Ini-ciativas concretas para organizar o desenvolvimento de agriculturas

Page 7: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 139

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

alternativas (BYÉ et al, 2002) questionavam fortemente o modelo que a “revolução verde”3 preconizava e que tinha sido amplamente implanta-do.

No Sul do país, um expressivo movimento em prol de uma agricultura mais sustentável elabora programas de ação e diretrizes para reconver-sões; este movimento recebeu o nome de Agricultura Alternativa, inici-almente (REDE ECOVIDA, 2007). Nos anos subsequentes o debate em torno da produção de orgânicos se tornou mais efetivo e a possibilidade da criação de mercados especiais para estes produtos fez com que hou-vesse uma multiplicação de práticas de agricultura com menos impacto ambiental. Também começam a se multiplicar as feiras ecológicas. E no final da década de 1990 surgem a Rede Ecovida e a discussão de formas participativas de certificação (REDE ECOVIDA, 2007, p. 8), uma vez que os marcos legais para a produção de orgânicos no Brasil já estavam adiantados4.

Portanto, ainda que a organização deste formato da Rede possa ser con-siderada recente, ela tem uma trajetória importante no bojo dos movi-mentos sociais do campo, sobretudo os vinculados à agricultura alterna-tiva, tais como o TA-Sul, rede de tecnologias alternativas.

Não há estimativa exata do número de agricultores que a constitui atu-almente, contudo a informação no sítio oficial na Internet apresenta a rede abrangendo 24 núcleos nos três estados do Sul e o sul de São Paulo, cerca de 170 municípios envolvidos, aproximadamente 200 grupos de agricultores, 20 ONGs, dez cooperativas de consumidores e mais de 100 feiras livres ecológicas e outras formas de comercialização.

Os objetivos da Rede são vários, dentre os quais podem ser destacados: desenvolver e multiplicar as iniciativas em agroecologia; proporcionar espaços de formação e educação; fomentar o intercâmbio e a valorização

3 Sobre a “revolução verde”, ver Navarro (2001, p. 84) e Conterato et al. (2007, p. 181). 4 A legislação brasileira atual mais importante referente ao tema consiste no Decreto-lei n. 6.323, de dezembro de 2007, e na Instrução Normativa n. 64, de 18 de dezembro de 2008 (Min. da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Estes documentos possuem inte-ração com a legislação e disposições de conformidade orgânica (e formas de acreditação) da União Europeia, dos Estados Unidos e da IFOAM (sigla em inglês para Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica). Neste artigo, não me detenho na análise desse material.

Page 8: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 140

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

dos saberes populares; organizar a rede sem hierarquias; reconhecer os grupos de agricultores e suas famílias; aproximar de forma solidária setores urbanos e rurais; construir e articular políticas públicas afins; consolidar a soberania e a segurança alimentar; e fortalecer formas de cooperação e associativismo.

As pessoas envolvidas na Rede têm diferentes atribuições. Agricultores são responsáveis pela produção e também pela certificação, porém al-guns adquirem maior prestígio ao se tornarem líderes locais ou coorde-nadores das atividades de âmbito regional. Consumidores possuem o importante papel de regular a produção e a concessão de selos, no en-tanto é manifesto que a participação de consumidores é insuficiente. Os técnicos mediadores são essenciais na elaboração da assistência técnica, no estímulo à agroecologia em novos espaços e na formulação de projetos para angariar recursos. Uma ótima caracterização das relações entre organizações, núcleos e pessoas encontra-se em Rede Ecovida (2007).

A respeito dos objetivos da Rede, é muito peculiar o que os entrevistados elaboram discursivamente. Isto porque o conjunto de temas abordados nos documentos é sintetizado em alguns poucos aspectos vinculados a condutas sociais. Uma das mais expressivas e repetidas pelos sujeitos é a que salienta o estilo de vida ligado às práticas agroecológicas. Quase todas as pessoas com quem mantive contato durante a pesquisa reitera-ram que a agroecologia não é uma técnica, mas um modo de vida. Ela representa, mais que uma modificação para inserção mercantil, uma mudança de pensamento. Um deles, agricultor residente em um muni-cípio vizinho a Chapecó, salientou fortemente: “É preciso ver que não é um meio de ganhar dinheiro, agroecologia trata de inclusão”. Outro foi mais simples na formulação: “Agroecologia é uma opção de vida”; e rela-cionando processo de vida com a produção agrícola, um feirante refor-çou: “A agroecologia é convivência...”. Mas é preciso ver o lugar que o mercado assume na agroecologia de modo crítico e complexo - princi-palmente quando envolve a produção certificada -, por essa razão volto a ele mais adiante no texto.

Faço questão de ressaltar aqui os objetivos atrelados à certificação, que aparecem muitas vezes em materiais da Rede. Neste aspecto, um dos objetivos fundamentais é a “construção da geração de credibilidade com-partilhada e avaliação da conformidade participativa e sob controle so-

Page 9: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 141

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

cial” (REDE ECOVIDA, 2007, p. 14). Conexo a este, outra finalidade da Rede foi adotar um selo próprio de avaliação e, como consequência, as-sumir uma marca-selo que seja símbolo de uma forma de identidade que a Rede propõe.

O documento reforça que a certificação é reorientada com base nas prá-ticas e nos contextos locais. Essa perspectiva, enfatizada tanto nos do-cumentos escritos da Rede como nas falas cotidianas dos atores sociais, mostra o quanto se pode perceber um movimento de duplo sentido nas relações global-local. Formas particulares e contextualizadas de agência não são separadas dos eventos e dos processos mundializados, nas quais a insistência para uma crescente certificação de produtos é eminente. Todavia, conforme pontua Escobar (1995), os discursos e dispositivos globais são resistidos, hibridizados e transformados no nível local, o que implica pensar, tal qual sustentou Appadurai (2000), numa globalização com raízes locais.

Conforme descrevi acima, a Rede possui diversos núcleos. Estes núcleos são o principal espaço de organização no qual interagem os agricultores, pois é neles que as ações locais são tomadas. Cada núcleo, que pode ser relativo a um ou mais municípios, possui um rol de atores sociais vincu-lados, como associações de agricultores, comerciantes, cooperativa de consumidores e grupos diversos.

Os núcleos são o resultado da agregação de famílias e atores sociais co-letivos, que podem ser grupos, organizações, cooperativas ou associa-ções. Portanto, a Rede Ecovida que abrange diversos núcleos é uma rede extraterritorial que relaciona redes menores e comunidades locais. A sistemática de criação de novos núcleos supõe que estes somente serão formados se forem aprovados e monitorados por outros dois grupos, co-mo uma espécie de filiação.

Interessante observar que o caráter local e particular dos núcleos é en-fatizado, pois um dos princípios da Rede é o respeito à diversidade cul-tural. Assim, se é possível afirmar que há uma identidade que circula nos diferentes espaços (ligada à ideia de agricultura familiar e produ-ção/consumo ecológicos), também se constatam as feições específicas que cada espaço gera. Isso se manifesta, por exemplo, no fato de que cada núcleo congrega atores coletivos distintos; em alguns, aparecem mais associações; em outros, há ONGs e cooperativas. Do mesmo modo, as

Page 10: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 142

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

dimensões étnicas, religiosas e históricas de cada espaço são variáveis para a composição da Rede em cada um de seus “nós”.

Existem encontros e plenárias onde se discutem os desafios da Rede, a conjuntura social e econômica, as técnicas mais apropriadas e outros assuntos relevantes para a agroecologia. Destacam-se nestes encontros as diferentes festas e os eventos comunitários realizados pelos núcleos. Neles, há a troca de experiências, almoços ecológicos, atividades de for-mação e descontração, ações de cunho religioso (“benção dos alimentos”), visitas a campo, feiras e festas de sementes5. Em virtude do fato de que desde a implementação da modernização da agricultura nos anos 1960 via incorporação de tecnologias e disponibilização de crédito subsidiado as sementes se tornaram mercadorias, as trocas são formas de escapar deste controle. A preservação das sementes locais (variedades crioulas) é tanto um modo de ação (e resistência) frente aos condicionantes de mer-cado como uma maneira de expressar um ponto de vista, um pensamen-to sobre o que seja (e deva ser) a natureza.

Este é um tema capital tanto na Rede como um todo como no grupo dos agricultores de Chapecó e proximidades. Diversas ações têm sido im-plementadas e planejadas para disseminar sementes livres e formar bancos de sementes. A Epagri produz diversos cultivos que podem ser distribuídos entre os agricultores, cujo principal objetivo são as cobertu-ras de solos. Além disso, há experimentos de outras agências estatais com milhos de polinização aberta, outros cultivares (grãos, por exemplo) e também iniciativas da sociedade civil para manter variedades sempre disponíveis. A aproximação destas práticas com a crítica das atuais for-mas de propriedade intelectual sobre formas de vida é evidente.

Realizadas a descrição e a caracterização da Rede e sua articulação no nível local, a seguir, analiso a teoria social que se dedica a entender os

5 As festas remetem ao problema de que é difícil manter-se na agroecologia sem que uma comunidade possa ser construída e nutrida para não perder a vivacidade. Aqui nos a-proximamos da noção durkheimiana de eventos extraordinários como realimentadores da coesão grupal (DURKHEIM, 1996, p. 215 e ss.). Estudiosa do fenômeno da festa no Brasil, Amaral (2005) mostra que as “festas são capazes de estabelecer a mediação entre a utopia e a ação transformadora”. É exatamente nas festas que ocorre um dos princí-pios fundamentais da Rede: a troca de sementes e conhecimentos locais. E nelas há a aproximação entre os dois atores-chave, os consumidores e os produtores. Para Byé et al. (2002) esse nexo de proximidade é essencial para cimentar relações e constituir um ide-ário comum entre os membros.

Page 11: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 143

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

processos de certificação, com especial atenção ao caso da agroecologia. Da mesma maneira, estabeleço as relações entre esses estudos e o caso aqui examinado de certificação participativa e seu conteúdo inovativo.

Sobre as certificações e a inovação social

Estudos mostram não unicamente o crescimento do uso de selos de certi-ficação em produtos agrícolas e ecológicos, mas o processo de certificação como um esquema geral concernente aos mercados contemporâneos e à expansão do capitalismo. Citaria como exemplos o trabalho de Mansfield (2004) que pesquisa as certificações para produtos aquáticos orgânicos, o de Damboriarema (2001) acerca da rotulagem de cultivares em geral, os de Raynolds (2002) e Renard (2005) relativos à certificação para o co-mércio justo, as pesquisas de Moran (1993) e Bowen e Valenzuela Zapa-ta (2009) sobre os terroir, havendo ainda os estudos dedicados a cosmé-ticos, florestas, biodiesel, certificação biodinâmica, artesanato, gestão ambiental, processos de trabalho (por exemplo, que certificam o não uso de mão de obra infantil ou escrava), softwares e outros.

Para compreender o fenômeno de um ponto de vista mais geral, não se pode desprezar aquilo que não representa a certificação estrito senso, pois há um movimento geral de relocalização de produtos, selos de qua-lidade, selos que atestam a artesanalidade dos produtos. Portanto, a questão é observar a importância que tem sido dada à essencial distin-ção e simbolização dos produtos e dos espaços (RAY, 1998, p. 4) para sua realização nos mercados.

Tendo em vista os mais variados problemas de massificação e de homo-geneização que a agricultura de grande escala consolidou – tais como o uso intenso de venenos e defensivos agrícolas, que tiveram a relevância para tornarem mais agudos os problemas ambientais e sociais – o final do século XX e o início do século XXI marcam um período em que há uma preocupação capital com a manutenção não apenas de recursos naturais como também das formas sociais no campo. Sob estes impera-tivos, ideias vinculadas à noção de retorno, como “reconexão” (ILBERY; MAYE, 2007; ILBERY et al, 2005), ou “volta para casa para comer” (DUPUIS; GOODMAN, 2005), mas também ligadas às noções de proxi-

Page 12: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 144

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

midade e qualidade se tornaram comuns como uma oposição ao antigo modelo de produção e consumo e reavivam o sentimento do valor moral do local (GOODMAN; GOODMAN, 2007). Como afirmam Ilbery et al. (2005, p. 117): se o paradigma modernista era ancorado sob uma espécie de industrialização da agricultura e com a distinção funcional do rural como sinônimo do agrícola, seu sucessor precisa ser visto em termos de um crítico processo de reconexão.

Em função destas mudanças, Winter (2003) escreve a respeito de uma virada de qualidade no consumo (quality turn) cujo momento de apari-ção é recente e na qual as preocupações dos consumidores seriam cres-centes em relação à saúde, à segurança alimentar, às consequências ambientais da agricultura industrializada e globalizada, ao bem-estar animal e ao comércio justo. Para este autor, isto seria um indicativo do movimento em direção à qualidade vista como algo do local e dos ali-mentos mais “naturais”.

Sob este prisma, é notável o fato de que têm sido apreciados os produtos que possuem denominação de origem, são considerados de boa qualida-de, estão de acordo com a preservação de recursos naturais, são produ-zidos de forma socialmente justa e exercem efeitos positivos sobre a sa-úde humana. E Goodman e Goodman (2007) já veem neste momento um movimento em direção ao “pós-orgânico” no qual o sentimento localista é tão ferrenho que ultrapassa a possibilidade única do selo agroecológico e embasa iniciativas de certificação local, marcos na apropriação imaterial do espaço e em sua constituição enquanto propriedade intelectual.

Howard e Allen (2006, p. 439) citam três principais funções dos selos na agricultura. Primeiro, os selos informam aos consumidores a respeito de características do produto que não são visíveis, aparentes ou capazes de serem verificadas no ato da compra (uso de mão de obra, venenos etc.). Segundo, os selos podem servir como mecanismos para implementação de políticas públicas, tal como de redução de pesticidas. Terceiro, eles podem favorecer nichos de mercado, facilitando o preço-prêmio6 e o cres-

6 Preço-prêmio é o preço acima do normalmente pago no mercado que é atribuído a um bem ecológico ou orgânico. É uma compensação ao produtor por este não utilizar insu-mos químicos e pesticidas em seus cultivares. Mas pode ocorrer também para produtos de valor cultural ou patrimonial (FAURE, 1999).

Page 13: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 145

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

cimento das vendas para os produtores que seguem os processos ecológi-cos.

A partir de uma pesquisa na Europa e na América do Norte, Ilbery et al. (2005) observam que os esquemas de certificação geralmente se funda-mentam em três elementos: o produto, o processo e o lugar, e que a mai-or parte dos casos utiliza dois destes aspectos combinados. A certificação funciona como um diferenciador; ela atesta a origem e incide no produto (se é raro, de qualidade etc.) associado à maneira como é produzido (por exemplo, a artesanalidade) ou ao lugar (se as condições sociais e natu-rais são um aspecto essencial na fabricação ou produção agrícola). Em outro artigo, Ilbery e Maye (2007, p. 512-513) mostram que a combina-ção formaria dois pares com racionalidades distintas. No primeiro, a racionalidade do desenvolvimento territorial associa o produto ao lugar (território) e o objetivo é proteger modos de vida locais, construir identi-dade local e assegurar a coesão comunitária. No segundo, a racionalida-de é combinar produtos particulares a processos. Embora para esta se-gunda combinação a ênfase encontrada em sua pesquisa seja a proteção ambiental, o objetivo também pode ser social e distributivo e, de modo geral, a finalidade é evitar massificação de produtos e/ou a injustiça so-cial.

Desse modo, se as funções mais explícitas das certificações na agricultu-ra estão voltadas para a informação e para a transformação dos proces-sos produtivos, a racionalidade dos selos apela geralmente para duas combinações: vincular produtos a territórios ou produtos a processos (os modos de fazer). Porém, ao final estas duas perspectivas podem se com-binar.

É preciso observar que no Brasil os processos de certificação para a agri-cultura ecológica obedeceram a duas lógicas. Uma de formato burocráti-co, identificada com organizações e institutos que emitem certificados como uma terceira parte, ou seja, neutros em relação às propriedades rurais avaliadas, e a outra, de formato mais horizontal e identificada às associações de agricultores ou ONGs ligadas ao meio rural, as quais Mesquita (2002) denominou de redes de credibilidade. Bastante referida nos estudos acadêmicos, a cooperativa de Coolmeia consumidores, de Porto Alegre, foi uma das pioneiras no Brasil a fornecer credenciais a produtores ecológicos. Entretanto, ambas formas de certificar são conhe-

Page 14: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 146

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

cidas e implementadas hoje em outros países e sobretudo são valoradas em termos desiguais no sistema de conformidade orgânica internacio-nal. A última forma, por redes de credibilidade (também reconhecida como Sistema Participativo de Garantia), é a que a Rede Ecovida toma como princípio, por seus membros entenderem que nela se conforma um tipo de avaliação menos impessoal e preocupado com a formação e a e-ducação do agricultor.

Logo, observei a insistência discursiva por parte dos entrevistados de que na Rede a avaliação de conformidade é feita com base no processo amplo de construção da agroecologia. E de acordo com o caderno de for-mação da Rede Ecovida (2007, p. 38), a certificação que se realiza na Rede é definida como “um processo de geração de credibilidade em rede” e se constitui de forma descentralizada. Por ser participativa e operada em rede, a certificação precisa atestar um processo de controle social da produção.

Formalmente, pode-se afirmar que a certificação de uma dada proprie-dade rural compreende distintas fases. A família que quer “se converter” começa a compartilhar das reuniões do grupo local e permanece um ou dois anos no processo de transição (em casos nos quais o solo está muito degradado, há necessidade de esperar mais tempo). Nesse período, de-vem seguir as normas da Ecovida que é dada num caderno. A própria família deve fazer um mapa da propriedade e preencher um cadastro descrevendo a propriedade em detalhes, usos de produtos químicos ou naturais, histórico da área de cultivos etc. Então, um agrônomo da pre-feitura ou do serviço de extensão deve acompanhar a propriedade perio-dicamente fazendo visitas e depois fazer um laudo. Logo após, o coorde-nador local encaminha para a comissão de ética fazer uma visita na propriedade. Feita a visita pela comissão, esta encaminha para a coor-denação regional, mas não são necessárias outras inspeções, somente naqueles casos em que se desconfia da idoneidade. Nesse caso, uma ou-tra comissão é designada para retornar à propriedade rural. Caso não haja problemas, a instância regional admite a família e ela pode ter o selo.

A propriedade pode ter apenas uma parte certificada, porém a condição é a família se propor a ampliar gradativamente até possuir toda a área certificada (a proposição geral da Rede é que a propriedade rural seja

Page 15: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 147

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

certificada em sua integralidade). A certificação é participativa e sem custo (embora haja um pagamento simbólico anual bastante irrisório). O “custo” real sempre mencionado por todos é o das pessoas se deslocarem e participarem dos eventos (ter disponibilidade de tempo). Ou seja, é essencial, pelas características do método de concessão dos selos, que os membros do grupo local conheçam e visitem periodicamente as proprie-dades dos pares como forma de controle e, em especial, a comissão ética, que faz visitas extraordinárias aos estabelecimentos.

O que observei na prática é menos esquemático e mais propício à ade-quação contextual e momentânea. A certificação é fornecida desde que os agricultores participem das reuniões nas propriedades dos membros do grupo, “abram” a sua propriedade de forma transparente para os ou-tros e tenham na agroecologia uma opção de vida, como relatado muitas vezes. Portanto, a conversão desejada pelo grupo é a que preza por um ideal, não uma conversão pelo mercado, ou seja, apenas interessada nos lucros econômicos da agricultura ecológica certificada. Mas o detalhe é que durante as diferentes reuniões o tema “mercado” é essencial e sem-pre debatido; na realidade, é preciso entender que os agricultores falam dele como uma consequência do trabalho na agroecologia, por isso com-preendem a ideia de conversão como dada pelo conjunto de valores soci-ais e simbólicos das práticas.

Entrevistados salientaram os aspectos éticos da certificação, mas tam-bém a importância do acompanhamento como uma forma de garantia. A isto contrapuseram o processo de certificação por terceira parte, que realiza a avaliação somente em um momento do ano. Assim, justifica-ram a conduta que opta por dar confiabilidade ao agricultor. Um agri-cultor afirmou:

Muito passa pela crença [reiterando a tese de Barbosa e Lages, 2006], desde o consumidor que acredita no se-lo da Ecovida - como em qualquer outro -, mas também na crença do agricultor para ele transformar sua pro-priedade e apostar na ecologia.

Page 16: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 148

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

Outro entrevistado, agricultor e estudante da região de São Lourenço do Oeste, sugeriu que a certificação da Ecovida pode até mesmo ser mais efetiva que as feitas por auditoria. Afirmou que “ela é feita de forma participativa e responsabilizada: se em um dos membros do núcleo for encontrado resíduo de veneno em sua plantação, todos do grupo perdem a certificação”. Este respaldo coletivo geraria um sistema de reciproci-dade.

Contudo, na visão de Byé et al. (2002), o que a Rede executa é uma transferência de dispositivos com apropriação do que se realiza nos EUA e na Europa para certificar produtos de origem animal e vegetal. Até determinado ponto, concordo com os autores na recolocação deste pro-blema, uma vez que formas de controle atualizam relações de poder no panorama político-econômico internacional. Destaco inclusive que a IFOAM tem em suas ações programáticas o reconhecimento dos siste-mas participativos de garantias, contudo é transparente nos documentos da Federação que formas alternativas de certificação – diferentes da realizada por organismo independente (terceira parte) – são menos prestigiadas. Penso que a interpretação de Byé et al. não valoriza ade-quadamente a possibilidade de inovação que existe nos outros sistemas, inclusive na Rede Ecovida. Embora existissem distintas formas de certi-ficação ecológica no Brasil antes da Ecovida implementar seu modo, ob-servo que houve uma elaboração programática bastante vinculada àqui-lo que se desejava defender e promover, ou seja, existiu um processo criativo que foi formulado por atores sociais preocupados com questões locais, mas conhecendo o contexto internacional.

Sob este aspecto, poderíamos acompanhar a proposta de “invenção cul-tural” de Roy Wagner, pois a Rede construiu seu processo de certificação a partir de um referente simbólico constituído (uma convenção, no sen-tido de Wagner, 1981) – que consistia na condição das certificações exis-tentes até então junto à concepção e ao diagnóstico sobre a agricultura familiar no Sul do Brasil.

O interessante é atentar-se para o fato de que a ação inventiva executa algum tipo de reprodução, pois talvez sejam impossíveis inovações sem precedentes. É o que Sahlins procura mostrar quando escreve que as pessoas agem de acordo com suas pressuposições culturais, isto é, as categorias socialmente dadas. Mas nos eventos, as categorias são poten-

Page 17: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 149

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

cialmente reavaliadas na prática e funcionalmente redefinidas (SAHLINS, 1981, p. 67). A relação entre reprodução e transformação é complexa; e a certificação em rede, mesmo inovando a partir de uma conjuntura específica e de desejos particulares das pessoas envolvidas, reproduziu, em parte, o esquema geral da avaliação de conformidades.

Por fundamentar-se na ideia de rede de credibilidade, o selo da Rede pressupõe dois princípios contrários, porém complementares. De um lado, demanda a “palavra” do agricultor, ou seja, sua seriedade quanto ao processo produtivo ser feito sem uso de agrotóxicos; de outro, institui os comitês de ética locais (compostos por pessoas também agricultoras, junto a técnicos e consumidores) que zelam pelos princípios e podem fazer inspeções eventualmente.

Esta certificação também se vale de um selo, mecanismo de verificação difundido nos mercados para a aceitação dos produtos agroecológicos. Portanto, além de requisitar uma confiança que não deve ser colocada em questão, a mesma demanda um selo que chancela a mercadoria, re-vestindo-a de uma roupagem que poderia isentá-la da força da palavra do agricultor. Neste aspecto o mecanismo social de geração de garantia se torna interessante, pois os próprios consumidores e agricultores reco-nhecem que colocar um selo é relativamente simples para alguém mu-nido de vontade de burlar o sistema7. Portanto, a crença no modus ope-randi do agricultor (por parte do consumidor e dos outros agricultores que nele depositam confiança) jamais é dispensada. Sem alongar em demasia, apresento dois depoimentos que exprimem bem essa proble-mática.

O primeiro ocorreu numa das vezes que estive na sede da associação que apoia pequenos agricultores no oeste de Santa Catarina e conversei com três pessoas, um técnico e dois agricultores. Falávamos sobre vários as-suntos e quando indaguei sobre a relação entre os selos e as interações pessoais de feirantes e compradores, o técnico afirmou, enfatizando e gesticulando, que “é porque o agricultor ‘olha nos olhos’ do consumidor e diz que ele consome aquele produto” que advém a confiança.

O segundo, num momento subsequente, ocorreu em um diálogo com um agricultor que se diz ecológico - todavia não é certificado - durante uma

7 Apesar desses depoimentos, cumpre recordar que os selos emitidos são controlados.

Page 18: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 150

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

observação à principal feira dos produtores do centro da cidade de Cha-pecó. Depois de me contar muitas justificativas para não ter os selos (principalmente porque os vizinhos usam veneno em abundância, por-tanto ele jamais conseguiria passar pela comissão de ética da Rede), este comentou que era importante vender “produtos ecológicos porque a fa-mília come o mesmo alimento vendido ao consumidor na feira”. Em am-bos os casos as palavras de veracidade aparentemente bastariam; no entanto, sem que as afirmações contivessem indicações expressivas de que os produtores se alimentam dos mesmos produtos comercializados, parecia não haver “evidências” de que o alimento era realmente sano. A eficácia do discurso procurava se fundamentar numa prática alimentar (corporal) e numa perspectiva de que o conteúdo ético consiste em ja-mais distinguir o processo de produção do alimento da família daquele que viria a ser vendido, fato que, segundo alguns entrevistados, aconte-ce corriqueiramente entre produtores convencionais.

Portanto, um dos sentidos da Rede foi fomentar algo mais que mercados consumidores para produtos ecológicos, embora não se possa deixar de observar que sem eles seria impossível construir uma comunidade. Isso nos leva a pensar como os sujeitos na prática compreendem, ativam e ressemantizam relações econômicas e sociais, mercantilização e recipro-cidade.

Essas considerações guiam novamente ao tema da inovação e do papel do conhecimento no processo. Apesar de inúmeras formas de privatiza-ção do conhecimento e da existência de maneiras de monopolizá-lo cada vez mais potentes, eles sempre se amparam em formas de conhecimento tácito, não capturado. Isso é central para mostrar que é o saber difuso que permite inovações. Este conhecimento tácito viaja disperso em re-des, mas geralmente no interior de grupos sociais relativamente defini-dos (STRATHERN, 1996) ou circula em territórios. O argumento de S-trathern é semelhante ao de Perelman (2003) que, num texto crítico das atuais formas de propriedade intelectual e da mercantilização dos co-nhecimentos, observa que as invenções são usualmente fruto de um con-junto de redes de informação bastante ampliadas e difundidas.

Porém, é um especialista em Melanésia, James Leach, que fornece uma boa formulação para os modos de produção de conhecimentos e suas ca-pacidades inventivas. Até mesmo a criatividade é um elemento-chave

Page 19: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 151

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

que circula para além do indivíduo. Leach mostra que a engenhosidade é subsidiada por um processo coletivo de produção das capacidades e das habilidades:

Meu argumento tem sido sobre a concepção particular de criatividade que nós operamos no Ocidente, baseado na mente individual como o local do esforço criativo; temos tido dificuldades em registrar exatamente o tipo de criatividade dispersa que exibe o empenho colabora-tivo (LEACH, 2005, p. 39-40 – tradução minha).

Para além dos estudos de Callon e Latour que enfatizam sobretudo as redes de pesquisadores e seus aparatos nas inovações, é necessário mos-trar que o conhecimento válido está longe de permanecer cercado na esfera da ciência. Novidades e inovações surgem nas práticas cotidianas dos agricultores (PLOEG et al., 2004) e são reforçadas pelos diálogos que se estabelecem entre atores sociais que ocupam diferentes posições no espaço social – redes de “cooperação”, tal como elaboram Stuiver et al. (2004, p. 97)8.

Essa ordenação assume papel de configuração tanto no desenvolvimento da agroecologia como nos formatos de certificação, que, no caso da Rede, representa mais que um ato de atribuição de credenciais: ela desenha práticas que se tornam efetivas para acesso a mercados e sensibilização de consumidores; orienta inovações que disseminam técnicas e cultivos a fim de “quebrar as rotinas” (PLOEG et al., 2004, p. 1) e nutre uma capa-cidade de agência e de protagonismo entre as pessoas.

8 Embora seja útil do ponto de vista heurístico, não faço aqui a distinção entre inovação e novidade que propõem Oostinide e Broekhuizen (2008, p. 68). Os autores referem-se à novidade como algo que se localiza na fronteira entre o conhecido e o não conhecido, algo novo que pode ser até mesmo inesperado. Enquanto a inovação já é um conhecimento codificado que pode se deslocar no espaço, a novidade se associa a um conhecimento fortemente enraizado e gerado no contexto local.

Page 20: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 152

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

Circulação do selo na Rede e invenção de uma comunidade

Na efetivação da Rede, supôs-se que seria mais aglutinador e condizente com um projeto social subjacente à introdução dos selos a construção de uma “ideia”, isto é, um mote pelo qual as pessoas poderiam se identifi-car e participar solidariamente. Não somente entre mediadores e agri-cultores, a intenção da Ecovida sempre foi trazer consumidores à frente das questões de sustentabilidade e valorização de uma produção mais limpa.

O curioso é que, de um certo modo, a teoria antropológica tem reconhe-cido que a noção de rede permanece ainda num polo utilitarista da ação social. Elemento que é notável em trabalhos de antropólogos dos anos 1950 e 1960 (Barnes, Mayer e outros), mas que também adquire expres-são em pesquisas de sociólogos e cientistas políticos preocupados com os “ganhos” na ação coletiva em rede, na análise das redes sociais no acesso às políticas públicas etc.

A estas posições poderíamos contrapor um ponto de vista que procura retornar a noção de comunidade. Foi o cientista político Benedict Ander-son que primeiramente utilizou a ideia de comunidade imaginada para pensar a construção da nação. A nação, na acepção de Anderson (1993), seria irremediavelmente imaginada, porque mesmo que as pessoas não se conheçam a aspiração de comunhão é real. Até mesmo a linguagem de Anderson é enfática: é uma comunidade, não uma sociedade; ela im-plica um “companheirismo profundo e uma fraternidade”, mesmo que haja desigualdades de fato (1993, p. 25)9.

Penso que as comunidades (amplo sentido) tenham um modo de opera-ção muito semelhante ao que propõe o autor acima mencionado para a análise da nação moderna. O sistema de ideias da agroecologia constitui uma gama de códigos que circulam aparentemente com base na raciona-lidade da proposta (uma produção agrícola mais limpa, manejo dos cul-tivares, formas de cuidado do corpo etc.), no entanto obtém sua institui-ção quando elementos significativos (e até mesmo emotivos) conseguem

9 Sobre a relação entre comunidade e sociedade na teoria social e observando particu-larmente a primeira categoria numa proposta de construção da agroecologia entre agri-cultores, ver o trabalho de Oliveira (2008).

Page 21: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 153

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

convencer produtores e consumidores. E nesse processo não apenas um passado é recuperado e reinventado, mas também um grupo; um con-junto de pessoas que se espalham – muitos dos quais sem se conhecerem –, mas cujos sentimentos permitem uma interação. É uma comunidade que se imagina e que se constitui nas práticas e nos símbolos, o que não se traduz em uma forma de relação isenta de conflito; ao contrário, pelas relações de proximidade e por ideais arraigados, as disputas irrompem.

No entanto, a prática antropológica incita ao exame do discurso local, no qual ele deve(ria) ser levado a sério tal qual operando conceitos que e-mergem da prática dos agentes (GOLDMAN, 2001). Neste sentido, per-ceber a formação de uma comunidade de sentidos não significa descons-tituir os discursos “nativos” que se fundamentam na ideia de uma rede – a Rede Ecovida.

As conclusões de Byé et al. (2002) convergem a esta possibilidade de análise: em seu exame da Ecovida, mostram que emerge a possibilidade na Rede de um consumidor parceiro, por isso são enfatizados os laços a serem construídos por relações de proximidade, fundamentais para uma socialidade recíproca (RADOMSKY; SCHNEIDER, 2007). Esta proposi-ção de formação da Rede Ecovida se afronta com a ideia de posicionar consumidores e agricultores de modo diametralmente opostos, embora não se possa afirmar, tal como antes mencionei, que não haja negociação (às vezes com conflitos) sobre preços, formas de comercialização, emis-são de selos e outros.

Para Byé et al. (2002, p. 84), o selo ganha sentido como “um modo de identificação”; assim, seria secundário o controle sobre a produção ecoló-gica e mais relevante o agenciamento de uma comunidade que ele pode ensejar, versão que diverge do estudo de Oliveira (2008) sobre a comu-nidade moral de agricultores ecológicos no Rio Grande do Sul. A ideia de comunidade fortalece também o valor simbólico que adquire a venda direta nas feiras (nas quais se dispensa a visibilidade excessiva dos se-los nos produtos), mostrando-se também crucial nas reuniões constantes dos núcleos. Aqui existe uma diferença expressiva da certificação por credibilidade quando comparada com a certificação por terceira parte. Enquanto a primeira é feita por meio de um trabalho formativo ao longo de tempos, que implica reuniões periódicas e diálogos, a segunda é um mecanismo de verificação técnico que é realizado uma vez ao ano e sem

Page 22: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 154

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

acompanhamento. Ainda, conforme pude observar e ouvir nas múltiplas vozes de agricultores certificados e mediadores, a certificação por tercei-ra parte não se afirma como prática construtiva10.

As informações disponíveis nos materiais referentes à Ecovida e os da-dos obtidos no campo apontam na direção de um discurso que superva-loriza o compromisso à certificação por redes de credibilidade. O com-promisso interpela e inclui o sujeito na comunidade, pois seria inadmis-sível para o grupo que alguém venha a falhar (mas acontece). Diferente das certificações burocráticas, cujo aspecto principal é a individualidade do processo de verificação e conformidade, na Rede a comunidade neces-sita existir para que as pessoas possam da sua forma de certificação fazer parte. Eles próprios instituem o processo de verificação, mas em razão de que a comunidade se alicerça em laços sociais e simbólicos. Por essa razão, o processo de certificação, que depende dos fundamentos racionais e científicos para legitimar-se, é do mesmo modo construído com base em outros eventos, relações sociais de proximidade, crença na agroecologia e trocas.

Uma das preocupações de Byé et al. consiste em mostrar que na Ecovida existe um apelo a não tornar a certificação um produto de mercado. O mercado não deveria ser o essencial, pois ele gera indústrias de certifi-cação apenas interessadas nos lucros advindos desta prática valorizada nos mercados da Europa, Japão e Estados Unidos. Entretanto, aqui re-side um problema interessante, pois é difícil observar onde é o limite que separa uma postura utilitarista do selo de uma predisposição gene-rosa e preocupada com a identidade da rede ou com os ideais da agroeco-logia.

Venda e doação de tecnologia. Interrompo brevemente a análise para descrever mais detalhadamente o caso de um agricultor da Rede e vin-culado ao grupo local de Chapecó. D.V. faz parte da Rede Ecovida há cerca de nove anos. Entrou nos pacotes tecnológicos nos anos 1980, mas depois saiu. De um tempo para cá, resgatou técnicas de 40 anos atrás que seu pai utilizava na propriedade. Seu pai fazia “tudo ecológico”, an-tes dos pacotes modernizadores invadirem a agropecuária. O agricultor

10 Se de fato é “verdade” que não há acompanhamento na certificação de terceira parte pouco importa neste contexto, pois o que se destaca é o que os atores vinculados aos sistemas participativos de garantia verbalizam.

Page 23: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 155

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

tem uma propriedade rural bastante diversificada em Chapecó; embora tenha pouca terra afirmou que chega a ter 36 produtos ao longo do ano.

O agricultor e feirante confessou que é um dos precursores da Ecovida no local; em uma das conversas que tive com ele, afirmou que “vende” tecnologia. Então perguntei como ele vendia a tecnologia, e ele logo disse que, na realidade, “doa” tecnologia - em visitas em sua propriedade, nas trocas de experiências, nos eventos etc. No caso das mudas de cultivos ocorre algo semelhante, pois ele começou a plantar amora para vender e divulgou as mudas a outros agricultores. Mas, ao mesmo tempo, salien-tou que nas muitas visitas que costuma receber nas suas terras, sente-se obrigado a cobrar diárias. Isto porque tem muitas atividades e não pode perder tanto tempo sem remuneração. Vê-se, de algum modo, a ordenação de circuitos de relações (GREGORY, 1994), nas quais algu-mas são propícias ao aparecimento de dádivas e em outras a mercantili-zação é precípua.

Essa dimensão da certificação participativa sugere uma tensão entre polos divergentes, pois de um lado está a dádiva e de outro está a mer-cadoria. Embora alguns autores mostrem que ambas não aparecem pu-ras na realidade social (GODELIER, 2001; STRATHERN, 2006; CAIL-LÉ, 2006), elas podem funcionar como princípios de relações em certas sociedades, e no capitalismo a forma mercadoria assume uma centrali-dade. Portanto, a Ecovida faz circular diversos elementos entre os atores sociais, tais como saberes, sementes, valores, selos, informações, confi-gurando um circuito que busca a fuga das relações baseadas na ótica da mercadoria. Desse modo, há construções particulares destas relações econômicas, combinando parcelas de reciprocidade e intercâmbio (NIEDERLE; RADOMSKY, 2007) ou um continuum entre graus de in-timidade e impessoalidade (ZELIZER, 2005a)11.

Contudo, como mostra Zelizer (2005b) em outro momento, as relações de intercâmbio podem ser muito poderosas e os circuitos fechados de rela-ções de troca não mercantilizadas têm dificuldades de se manter. E é interessante verificar que as pessoas, na concepção de Zelizer, partici-pam de diversos círculos, nos quais alguns são mais impessoais, outros

11 Estes temas são centrais para os debates em torno do que se convencionou chamar de Nova Sociologia Econômica (GRANOVETTER, 1985; ABRAMOVAY, 2004). Embora a literatura dessa área seja fecunda, não irei discuti-la diretamente neste texto.

Page 24: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 156

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

envolvem proximidade. O paradoxo é que os circuitos não capitalistas (redes de troca, comunidades de cooperação etc.) são alimentadores dos capitalistas. Zelizer chega a indagar: o mundo do século XXI será de uma total mercantilização? Analisando o caso das moedas sociais e das situações de caridade a autora sugere que as relações capitalistas e não capitalistas se retroalimentam de tal forma que é impossível uma total mercantilização das relações sociais. Continua a autora, é precisamente porque os mercados ‘dominados pelo capital servem aos interesses do capital’ que as pessoas não conseguem, através dele, resolver grande parte de seus problemas concretos: criar solidariedade, promover segu-rança, realizar caridade.

É neste sentido que se pode entender o selo da Ecovida desde uma pers-pectiva dialética. De um lado, há forças sociais que promovem um cir-cuito não capitalista ancorado nas relações de reciprocidade e proximi-dade para a circulação de objetos, sementes, informações e saberes na rede; de outro lado, o selo acaba sendo sustentáculo de uma forma de trazer o esquema do mercado capitalista para as relações, uma vez que, mesmo afrontando a lógica do mercado, faz a certificação validar produ-tos para fora da rede, criando valores de troca. O selo torna-se símbolo e representação para administrar valores econômicos.

Um dos problemas consequentes disto é que alguns agricultores acabam por se sensibilizarem pelo poder da certificação (e não sem razão, poder-se-ia dizer). É o caso dos que utilizam dois selos, um da Ecovida associa-do a outro de uma certificadora por terceira parte, geralmente mais a-ceita nos mercados distantes. Para Azambuja (2005), as redes de credi-bilidade que fornecem selos são excelentes mecanismos para comércio local ou regional, entretanto para supermercados mais exigentes (cujas relações são mais impessoais), ou com objetivo de exportação, torna-se muito difícil de escapar da forma auditada de verificação, por enquanto.

Mesmo assim, não deixa de ser surpreendente que o próprio selo da E-covida – e outros gerados por meio do compromisso social – tenha um valor nesse “mercado de certificações”, ainda que se deva descobrir qual é exatamente. Quando indaguei a um agricultor da região metropolitana de Porto Alegre o porquê de ele utilizar dois selos, sendo um deles da Ecovida, respondeu-me: “a gente [da associação] sempre vai manter o selo da Ecovida, porque ele é importante aqui no Sul. Certificamos pela

Page 25: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 157

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

Ecocert porque eles baixaram muito o preço e havia tempos que nos ofe-reciam este serviço”.

O discurso do agricultor parece mostrar três coisas importantes. Em primeiro lugar, sugere que o poder dos selos é diferenciado ou mesmo que um deles pode possuir mais valor simbólico e nas interações de pro-ximidade (Ecovida) do que o outro, de maior poder mercadológico em relações distantes e impessoais. Em segundo lugar, revela que as certifi-cações não impõem identidades rígidas, mas esquemas sob os quais os atores podem se deslizar conforme suas capacidades de agência (e como envolvem recursos e poderes, é de se esperar que alguns exercitem a ação com mais liberdade que outros). E por último, mesmo que o objetivo seja o acesso aos mercados mais vantajosos para vendas de agroecológi-cos, uma ação coletiva pode inverter os termos da mercantilização, ou pelo menos proceder a uma relativização, pois foi somente quando a or-ganização certificadora externa mudou seus parâmetros e estabeleceu um preço bastante abaixo do usual para certificar que sua associação aceitou.

Ao invés de logo pensarmos na sedução que o mercado propicia, pode-mos imaginar um outro sentido, uma efetiva negociação sobre visões de mundo, valores econômicos e preceitos morais, que envolve ética e eco-nomia, princípios de justiça e relações de poder. Essa última questão é essencial, ela sugere que os selos distribuídos pela certificação participa-tiva da Rede estão proporcionando efeitos expressivos no campo, obri-gando as certificadoras acreditadas no sistema internacional de confor-midade orgânica a reagirem.

Considerações finais

Este texto mostrou a construção da agroecologia na Rede Ecovida e sua proposição a respeito de uma forma de certificação participativa e res-ponsabilizada nos atores sociais que compõem a rede.

A certificação para produtos agroecológicos se insere num movimento geral que é próprio dos mercados capitalistas contemporâneos e efetiva o poder dos selos, das organizações certificadoras e da distinção dos pro-

Page 26: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 158

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

dutos, seja pelo processo neles investidos, pelo território onde emergem, pelas características intrínsecas dos próprios produtos, seja pela combi-nação entre estes três aspectos.

Nesse processo, o poder de organismos de atuação internacional é cruci-al, uma vez que geram discursos e representações que legitimam práti-cas e conformidades, na tentativa (muitas vezes bem-sucedida) de en-quadrar os atores sociais locais. Mas no nível local há um espaço para a reavaliação funcional das categorias administradas por estas organiza-ções, o que implica resistência, hibridação, reprodução, transformação e inovação.

A implementação da certificação participativa e por credibilidade com-partilhada no âmbito da Rede conseguiu envolver diversos atores sociais individuais e coletivos, permitiu a organização de eventos e feiras conse-cutivas, estimulou novos hábitos de consumo – ainda que sobre um pe-queno percentual da população – e de controle sobre a produção agríco-la. Também incentivou o pensamento crítico sobre as práticas de certifi-cação, gerando um sentimento de que são possíveis outras maneiras de verificação e controle da produção agroecológica, que sejam socialmente construídas.

Nos formatos em que a Rede existe, por meio da interação dos sujeitos, há espaços mais propensos para circulação de dádiva, enquanto em ou-tros há a predominância de relações fundadas na troca de mercadorias e na monetarização. Diferentes circuitos de relações mantêm a Rede, mas o contexto demandante de certificação gera uma intromissão da lógica da mercadoria, até mesmo porque as credenciais ecológicas despertam um sentido comercial que os selos podem administrar aos produtos.

Mesmo assim, com a dialética das relações capitalistas e não capitalis-tas, no confronto que gera uma zona nebulosa entre dádiva e mercadori-a, e cujos vetores têm forças desiguais, poderíamos parafrasear Viveiros de Castro (2007, p. 92) para salientar que “fluxos de desejo sobem à su-perfície” para inscrever novas socialidades.

A questão é considerar se a certificação participativa e responsabilizada pode traduzir uma estratégia alternativa ao tipo de desenvolvimento que temos visto insistir desde o pós-guerra (ESCOBAR, 1995; 1997), sobretudo o viés modernizante, funcional e que prioriza tanto a integra-

Page 27: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 159

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

ção sistêmica quanto a racionalidade ocidental como modelos, cujos ve-tores de força são a forma-mercadoria e o individualismo. Apesar das vicissitudes, como em qualquer projeto constituído coletivamente e no qual inovações são avaliadas no momento de sua tentativa prática, a Rede estimula e agencia a valorização dos conhecimentos locais e tradi-cionais, das práticas políticas e dos saberes que geralmente encontram-se à margem, dos modos de vida que representam outros formatos de organizar a experiência.

Referências

ABRAMOVAY, R. Entre deus e o diabo: mercados e interação humana em Ci-ências Sociais. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, v. 16, n. 2, p. 35-64, 2004.

AMARAL, R. Festa à Brasileira: sentidos do festejar no país que "não é sério". 2005. Tese (Doutorado em Antropologia) – Programa de pós-graduação em An-tropologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em: http://www.aguaforte.com/antropologia/festaabrasileira/festa.html. Acesso: 12 jun. 2008.

ANDERSON, B. Comunidades imaginadas: reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo. Ciudad del México: Fondo de Cultura Económica, 1993.

APPADURAI, A. Grassroots globalization and the research imagination. Public Culture, v. 12, n. 1, p.1-19, 2000.

ASSIS, R. L.; ROMEIRO, A. R. Agroecologia e agricultura orgânica: controvér-sias e tendências. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 6, p. 67-80, jul./dez. 2002.

AZAMBUJA, S. Representações e práticas socioambientais: o caso dos agriculto-res ecologistas da AECIA. 2005. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.

BARBOSA, L.; LAGES, A. Crença e certificação de produtos orgânicos: o exem-plo da feira livre de Maceió. In: III Encontro da ANPPAS, Brasília. Anais... p. 1-16. 2006.

BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.

Page 28: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 160

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

BOWEN, S.; VALENZUELA ZAPATA, A. Geographical indications, terroir, and socioeconomic and ecological sustainability: the case of tequila. Journal of Ru-ral Studies, v. 25, n. 1, p. 108-119, 2009.

BYÉ, P.; SCHMIDT, V.; SCHMIDT, W. Transferência de dispositivos de reco-nhecimento da agricultura orgânica e apropriação local: uma análise sobre a Rede Ecovida. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 6, p. 81-93, jul./dez. 2002.

CAILLÉ, A. O Dom entre o interesse e o ‘desinteressamento’. In: MARTINS, P. H.; BIVAR, R. C. Polifonia do Dom. Recife: Editora Universitária da UFPE. p. 25-65, 2006.

CALLON, M.; MÉADEL, C.; RABEHARISOA; V. The economy of qualities. Economy and Society, v. 31, n. 2, p. 194-217, may 2002.

CONTERATO, M. A.; SCHNEIDER, S.; WAQUIL, P. D. Desenvolvimento rural no Estado do Rio Grande do Sul: uma análise multidimensional de suas desi-gualdades regionais. Redes. Santa Cruz do Sul, v. 12, n. 2, p. 163-195, 2007.

DAMBORIAREMA, E. Certificação e rotulagem na cadeia dos hortifrutigranjei-ros no estado do Rio Grande do Sul: um estudo de caso – CEASA/RS. 2001. Dissertação (Mestrado em Administração) – Escola de Administração, Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2001.

DUPUIS, E. M.; GOODMAN, D. Should we go ‘‘home’’ to eat?: toward a reflexi-ve politics of localism. Journal of Rural Studies, n. 21, p. 359–371, 2005.

DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996 (Coleção Tópicos).

ESCOBAR, A. Encountering development: the making and unmaking of the Third World. Princeton: Princeton University Press, 1995.

_____. Antropología y desarrollo. Revista Internacional de Ciencias Sociales, n. 154. p. 1-32. 1997 (fotocópia). Disponível em: http://www.unc.edu/~aescobar/html/texts.htm. Acesso: 18 set. 2008.

FAURE, M. Un produit agricole "affiné" en objet culturel. Le fromage beaufort dans les Alpes du Nord. Terrain. n. 33, p. 81-92, 1999.

FONSECA, M. F. de A. C. A institucionalização dos mercados de orgânicos no mundo e no Brasil: uma interpretação. 2005. Tese (Doutorado em Desenvolvi-mento, Agricultura e Sociedade) – Programa de pós-graduação em Desenvolvi-mento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2005.

GODELIER, M. O enigma do dom. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

Page 29: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 161

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

GOLDMAN, M. Segmentaridades e movimentos negros nas eleições de Ilhéus. Mana: estudos de antropologia social, v. 7, n. 2, p. 57-93, 2001.

GOODMAN, D.; GOODMAN, M. Localism, livelihoods and the ‘post-organic’: changing perspectives on alternative food networks in the United States. In: MAYE, D.; HOLLOWAY, L.; KNEAFSEY, M. (ed.). Alternative food geographi-es: representation and practice. Amsterdan: Elsevier, 2007. p. 23-38.

GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of em-beddedness. American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985.

GRAZIANO DA SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira. 2. ed. rev. Campinas: Unicamp IE, 1998.

GREGORY, C. A. Exchange and reciprocity. In: INGOLD, T. (ed.). Companion Encyclopedia of Anthropology: humanity, culture and social life. London: Rou-tledge, 1994. p. 911-939.

HATANAKA, M.; BAIN, C.; BUSCH, L. Third-party certification in the global agrifood system. Food Policy, n. 30, p. 354-369, 2005.

HOWARD, P. H.; ALLEN, P. Beyond organic: consumer interest in new labe-ling schemes in the Central Coast of California. International Journal of Con-sumer Studies, v. 30, n. 5, p. 439-451, September 2006.

ILBERY, B.; MORRIS, C.; BULLER, H.; MAYE, D.; KNEAFSEY, M. Product, process and place: an examination of food marketing and labelling schemes in Europe and North America. European Urban and Regional Studies, v. 12, n. 2, p. 116-132, 2005.

ILBERY, B.; MAYE, D. Marketing sustainable food production in Europe: case study evidence from two dutch labelling schemes. Tijdschrift voor Economische en Sociale Geografie, v. 98, n. 4, p. 507–518, 2007.

LEACH, J. Modes of creativity and register of ownership. In: GHOSH, R. (ed.) CODE: Collaborative Ownership and Digital Economy. Cambridge; London: The MIT Press, 2005. p. 29-44.

MANSFIELD, B. Organic views of nature: the debate over organic certification for aquatic animals. Sociologia Ruralis, v. 44, n. 2, p. 216-232, 2004.

MESQUITA, Z. Certificação de produtos orgânicos: percepções no setor de eco-tecnologias – ECOTEC – da Cooperativa Ecológica Coolmeia: primeiras apro-ximações. In: V Simpósio Latino-americano sobre Investigação e Extensão em Sistemas Agropecuários – IESA, Florianópolis, 2002. p. 1-17.

MORAN, W. Rural space as intellectual property. Political Geography, v. 12, n. 3, p. 263-277, 1993.

Page 30: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 162

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

NAVARRO, Z. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os ca-minhos do futuro. Estudos Avançados (USP), 15 (43), p. 83-100, 2001.

NIEDERLE, P.; RADOMSKY, G. F. W. Atores sociais, mercados e reciprocida-de: convergências entre a nova sociologia econômica e o “paradigma da dádi-va”. Teoria & Sociedade (UFMG), v. 15, p. 146-177, 2007.

OLIVEIRA, V. “Usando máscara e fazendo vista grossa”: a agricultura ecológica e sua dimensão moral. Revista Ideas: interfaces em desenvolvimento, agricultu-ra e sociedade, v. 2, n. 1, 32-52, jan-jun, 2008.

OOSTINIDE, H.; BROEKHUIZEN, R. van. The dynamics of novelty producti-on. In: PLOEG, J.D. van der; MARSDEN, T. Unfolding webs: the dynamics of regional rural development. Assen: Van Gorcum, 2008. p. 68-86.

PERELMAN, M. Intellectual property rights and the commodity form: new dimensions in the legislated transfer of surplus value. Review of radical politi-cal economics, v. 35, n. 3, p. 304-311, summer 2003.

PLOEG, J. D. van der et al. On regimes, novelties, niches and co-production. In: WISKERKE, J.; PLOEG, J. D. van der. (Org.). Seeds of transition: essays on novelty production, niches and regimes in agriculture. Assen: Van Gorcum, 2004. p. 1-30.

RADOMSKY, G. F. W.; SCHNEIDER, S. Nas teias da economia: o papel das redes sociais e da reciprocidade nos processos locais de desenvolvimento. Socie-dade e Estado, Brasília, v. 22, n. 2, p. 249-284, maio/ago, 2007.

RAY, C. Culture, intellectual property and territorial rural development. Socio-logia Ruralis, v. 38, n. 1, p. 3-20, 1998.

RAYNOLDS, L. Poverty alleviation through participation in fair trade coffee networks: existing research and critical issues. Background paper prepared to project funded by the community and resource development program, The Ford Foundation, USA. p. 1-30. 2002.

REDE ECOVIDA. Uma identidade que se constrói em rede. Lapa, PR, julho de 2007. p. 1-46. (Caderno de Formação 01).

RENARD, M. C. Quality certification, regulation and power in fair trade. Jour-nal of Rural Studies, v. 21, n.4, p. 419-431, 2005.

RENTING, H.; MARSDEN, T.; BANKS, J. Understanding alternative food networks: exploring the role of short food supply chains in rural development. Environment and Planning, v. 35, p. 393-411, 2003.

Page 31: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 163

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

SAHLINS, M. Historical metaphors and mythical realities: structure in the Early History of the Sandwich Islands Kingdom. Ann Arbor: University of Mi-chigan Press, 1981.

STRATHERN, M. Potential property. Intellectual rights and property in per-sons. Social Anthropology, v. 4, n. 1, p. 17-32, 1996.

______. O gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas: Ed. da Unicamp, 2006.

STUIVER, M.; LEEUWIS, C.; PLOEG, J. D. van der. The power of experience: farmers’ knowledge and sustainable innovations in agriculture. In: WISKERKE, J.; PLOEG, J. D. van der. (ed.). Seeds of transition: essays on novelty production, niches and regimes in agriculture. Assen: Van Gorcum, 2004. p. 93-118.

VIVEIROS DE CASTRO, E. Filiação intensiva e aliança demoníaca. Novos Es-tudos CEBRAP, 77, p. 91-126, março de 2007.

WAGNER, R. The invention of culture. Chicago and London: The University of Chicago Press, 1981.

WINTER, M. Geographies of food: agro-food geographies making reconnections. Progress in Human Geography, v. 27, n. 4, p. 505-513, 2003.

ZELIZER, V. Intimité et economie. Terrain, n. 45, p. 13-28, 2005a.

______. Circuits within capitalism. In: NEE, V.; SWEDBERG, R. (ed.) The eco-nomic sociology of capitalism. Princeton: Princeton University Press, 2005b. p. 289-321.

Page 32: Práticas de certificação participativa na agricultura eco ... · Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 134 Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164,

Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica... 164

Revista IDeAS, v. 3, n. 1, p. 133-164, jan./jun. 2009.

Artigo recebido para publicação em:

03 de abril de 2009.

Artigo aceito para publicação em:

28 de junho de 2009.

Como citar este artigo:

RADOMSKY, Guilherme Francisco Waterloo. Práticas de certificação participativa na agricultura ecológica: rede, selos e processos de inovação. Revista IDeAS - Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e

Sociedade, Rio de Janeiro, v. 3, n.1, p. 133-164, jan./jun. 2009.