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    A grande maioria dos brasileiros acorda atra-

    sada ou em cima da hora quase todos os dias; sai

    de casa sem tomar caf da manh; faz a maquia-

    gem ou ajeita a gravata no carro, enquanto est

    parado no trnsito; vive correndo contra o tempo;

    no consegue esperar cinco minutos para receberuma informao ou mesmo para sentar-se mesa

    do restaurante e almoar sem atender a uma liga-

    o no celular; e para completar, est sempre recla-

    mando que no tem tempo para nada; hora de

    puxar o freio de mo e repensar a vida.

    H uma grande probabilidade de que esse tipo

    de pessoa esteja sofrendo da chamada sndrome

    da pressa e isso no um bom sinal. A pessoa que

    vive acelerada estimula mais descarga de adrena-

    lina do que realmente necessitaria. Isso faz com

    que o organismo v se desgastando e tornando--se mais vulnervel s doenas, alerta a psic-

    1 4 6 G U I A D A F A R M C I A O U T U B R O 2 0 1 4 FOTOS: SHUTTERSTOCK

    loga do Centro Psicolgico de Controle do Stress (CPCS),

    Dra. Eliana Torrezan Silva. E esse o primeiro passo para

    o desenvolvimento de um quadro de estresse.

    Poluio, violncia urbana, trnsito, clima, filas, lugares

    cheios, relaes de trabalho e sociais, entre outros, so

    alguns dos fatores que levam a situaes de estresse. Deacordo com pesquisadores da Harvard Medical School

    (EUA), entre 60% a 90% de todas as consultas mdicas

    no mundo so devidas s doenas ligadas ao estresse.

    A informao do psiclogo clnico e coordenador do

    Programa de Avaliao do Estresse do Hospital Benefi-

    cncia Portuguesa de So Paulo, Armando Ribeiro. Ainda

    segundo Ribeiro, no Brasil, a prevalncia do estresse na

    populao economicamente ativa varia entre 32% e 70%.

    O estresse uma reao psicofisiolgica natural frente

    ao esforo de adaptao das adversidades. um problema

    que afeta a todos, mas pode ter fontes ambientais, sociaisou at mesmo ser resultado de doenas. No Brasil, cerca

    ESTRESSE

    O mal do mundo modernoO ESTRESSE EST RELACIONADO A SITUAES QUE VO DESDE O TRNSITO

    DAS GRANDES CIDADES AT RELACIONAMENTOS PESSOAIS. O FATO QUEO BRASILEIRO ANDA ESTRESSADO DEMAIS, O QUE PODE LEVAR A QUADROSNEUROLGICOS MAIS COMPLICADOS E AT AO APARECIMENTO DE DOENAS

    POR ADRIANA BRUNO

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    de 60% da populao adulta lida com o estresse, sendo

    que mulheres tm cerca de duas vezes mais chances de

    apresentar quadros de estresse e as crianas tambmso vulnerveis, principalmente quando so criadas por

    famlias estressadas. um crculo vicioso, crianas apren-

    dem a lidar com o estresse por meio dos modelos fami-

    liares, diz Ribeiro.

    A forma e o ambiente em que a criana educada esto

    relacionados ao modo como ela, quando adulta, ir lidar

    com situaes de estresse. Quando a criana consegue

    lidar bem com seu meio ambiente; quando este no lhe

    impe a necessidade de exibir uma resistncia acima de

    sua capacidade ainda limitada; quando a ansiedade

    gerada pela vida no est alm de sua capacidade de lidarcom ela e a criana consegue se adaptar s tenses, ela

    cresce para ser um adulto mais competente no manejo do

    estresse. Quando, no entanto, as circunstncias da vida

    so exageradamente estressantes e no permitem uma

    adaptao saudvel, reaes ao estresse inadequadas so

    aprendidas, a pessoa ter na idade adulta a tendncia de

    emitir estas respostas inapropriadas nas horas de tenso.

    Sendo elas respostas inadequadas, frequentemente so

    ineficientes na resoluo das dificuldades e, deste modo,

    tornam-se fontes internas de estresse e acrescentam sua

    prpria contribuio para que um nvel ainda maior de

    estresse seja gerado, diz a diretora do Instituto de Psi-

    cologia e Controle do Stress (IPCS), Dra. Marilda Lipp.

    FATORES AMBIENTAISCom o estilo e o ritmo de vida que se leva, pode-se

    concluir que viver estressante. Mas importante res-

    saltar que o estresse no uma doena e sim uma rea-

    o, uma resposta do organismo frente a situaes que

    deixem a pessoa irritada, confusa, amedrontada e at

    mesmo feliz. Essa reao tem componentes fsicos,

    mentais, emocionais e qumicos, ou seja, quando a pes-

    soa est sob estresse, h uma quebra da homeostaseinterna, explica Eliana.

    Para a presidente da Associao Brasileira de Stress

    (ABS) e psicloga do IPCS, Aretusa dos Passos Baechtold,

    o estresse pode ser originado de fontes estressoras inter-

    nas e externas. As externas independem do modo de

    funcionamento do sujeito e podem estar relacionadas a

    uma mudana de emprego, acidentes ou qualquer outro

    evento que ocorra fora do corpo e da mente da pessoa.

    Os estressores internos so desencadeados pelo prprio

    sujeito, devido ao seu estilo de ser, seus aspectos pes-

    soais, como timidez, ansiedade, dificuldades em expres-sar-se, entre outros, explica.

    Aretusa relata ainda que, em 2013, o IPCS realizou uma

    pesquisa on-linecom 2.195 pessoas, de vrias regies do

    Brasil, com idade entre 18 e 75 anos, sendo 26% homense 74% mulheres, a qual apontou que mais de um tero

    dos entrevistados acreditam estar mais estressados nos

    ltimos tempos e tambm que 52% j tiveram ou tm

    diagnstico de estresse.

    Tambm apuramos que 34% sentiam que o nvel de

    estresse estava extremo no momento da pesquisa e 37%

    relataram que o nvel de estresse era maior que no ano

    anterior. Lembramos que o estresse no causa doena,

    mas a quebra no equilbrio do organismo, em especial no

    sistema imunolgico, provocada pela reao de estresse,

    pode facilitar o surgimento de algumas doenas ou ace-lerar o curso de outras. Em especial doenas autoimunes,

    como gripes, resfriados, herpes, entre outras, alm das

    relacionadas aos hbitos de vida, como hipertenso, dia-

    betes, gastrite, ansiedade e depresso, comenta Aretusa.

    Classicamente, os nveis de estresse so definidos

    em: alerta, resistncia, quase exausto e exausto. De

    acordo com a psicloga do Hospital Israelita Albert

    Einstein, Ana Lcia Martins da Silva, na fase de alerta,

    a pessoa sente desconfortos, como ps e mos frios,

    taquicardia, caractersticos de reao de luta e fuga.

    Na fase de resistncia, a pessoa j se acostumou com

    os sintomas e deixa de se preocupar.

    O QUE MAIS ESTRESSA O BRASILEIRO

    Relacionamentos

    Problemas financeiros

    Sobrecarga de trabalho

    Trabalho

    Maneira depensar

    18%

    17%

    16%

    13%

    8%Fonte: pesquisa on-line realizada pelo Instituto de Psicologia eControle do Stress (IPCS), em 2013, com 2.195 participantes em

    vrias regies do Brasil

    ESPECIAL SADE ESTRESSE

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    Na fase de quase exausto, a pessoa sente-se sobre-

    carregada e na fase de exausto, j adoeceu. Existem

    escalas padronizadas para a avaliao de estresse para a

    populao brasileira que considera tanto aspectos fsicos

    quanto psicolgicos e comportamentais, mas o profissio-

    nal de sade treinado pode identific-lo pelo exame cl-

    nico e entrevista, avalia.

    Ainda segundo a especialista, mais do que os fatores

    ambientais, a percepo pessoal em relao aos fato-

    res estressores que configuram o problema. O estresse

    enquanto desafio para encontrarmos solues aos pro-

    blemas ou nos protegermos de perigos natural e essen-

    cial vida. O que pode levar a pessoa a adoecer o sofri-

    mento causado por estressores crnico para os quais a

    pessoa no encontra uma sada e com os quais se habi-

    tua a conviver. O estresse agudo advindo de situaes gra-

    ves pode levar a um transtorno de estresse ps-traum-

    tico que, diferente do estresse crnico, pode ser incapa-

    citante. importante valorizar os problemas e desconfor-

    tos e buscar uma forma saudvel e funcional de enfrent-

    -los e solucion-los, orienta.

    Entre os sintomas mais comuns para quem estvivendo um quadro de estresse esto: ansiedade, preo-

    cupao excessiva, mau humor, pessimismo, tristeza,

    irritabilidade, fadiga, tenso e dores musculares, dor de

    cabea, insnia, problemas dermatolgicos, dificuldade

    de concentrao, falta de memria, alteraes gastroin-

    testinais, entre outros.

    ESTRESSE NO AMBIENTE DE TRABALHONas empresas, um funcionrio pode apresentar falta

    de concentrao, desnimo, tristeza, apatia, irritao,

    tenso muscular e queda no desempenho profissional.Esse quadro ruim, no somente pessoa que est

    sofrendo os efeitos do estresse, mas tambm para a

    equipe de trabalho e a organizao como um todo,

    como afirma Eliana.Muitas vezes, o funcionrio pode estar em um cargo

    em que no se adapta, pode estar insatisfeito com o sal-

    rio, pode ter dificuldades em lidar com a chefia. neces-

    srio identificar se o estresse advm do meio externo ou

    do interno. Ser que a empresa que estressa o fun-

    cionrio, ou ele prprio que cria o estresse. Atualmente,

    observa-se uma grande concorrncia no mercado de tra-

    balho, isto pode ser algo ameaador para algum que se

    encontra empregado, caso comece a pensar: ah! ser

    que vou ser demitido, pois pode aparecer algum mais

    capacitado, parece que a diretoria quer inovar. Mas seo funcionrio reconhece que, realmente, pode perder o

    emprego, mas que tentar se esforar para mant-lo,

    com atitudes positivas, como, por exemplo, procurando

    esclarecer as dvidas, conversando com as pessoas com

    as quais tem dificuldade no trabalho, aprofundando seus

    conhecimentos, atualizando-se, ento ele, provavelmente,

    lidar melhor com o agente estressor a possibilidade de

    perder seu cargo. E talvez consiga manter-se no cargo e

    at melhorar seu desempenho, diz.

    Ainda segundo Eliana, as empresas tm se preocupado

    em criar programas de qualidade de vida, para adminis-

    trar o estresse, combater o tabagismo, obter controle da

    presso arterial, entre outros problemas. O empresrio,

    chefe, supervisor pode desenvolver programas de geren-

    ciamento de estresse por intermdio de palestras infor-

    mativas, para que os funcionrios tenham conhecimento

    do que estresse e quais seus efeitos; pode formar mul-

    tiplicadores de combate ao estresse, os multiplicadores

    podem estar inseridos em departamentos, setores de uma

    empresa e assim podem realizar um trabalho de identifi-

    cao do estresse e o que a empresa pode oferecer para

    ajudar a gerenciar o estresse. Muitas vezes, oferecer tra-

    tamento especializado para aqueles que esto sofrendoos efeitos do estresse elevado, indica.

    PREVENO, TRATAMENTOE QUALIDADE DE VIDAUma das formas mais eficazes para combater e redu-

    zir as tenses do dia a dia que podem levar a quadros de

    estresse a prtica regular de atividade fsica. Segundo

    Aretusa, presidente da ABS, pesquisas indicam que o exer-

    ccio fsico, mantido sem interrupo por 30 minutos,

    capaz de levar nosso corpo a produzir uma substncia cha-

    mada beta-endorfina que d uma sensao de conforto,prazer, alegria e bem-estar. Alm disso, a beta-endor-

    ESPECIAL SADE ESTRESSE

    FARMACUTICO DEVE SEGUIR

    SEMPRE A TICA E A MORAL AOLIDAR COM O PACIENTE QUE BUSCAALGUM TIPO DE ORIENTAO,ESPECIALMENTE QUANDO AQUEIXA ESTIVER RELACIONADAAO SISTEMA NERVOSO CENTRAL,POIS DEPENDE DE UMA

    VARIAO MAIOR DE FATORES

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    do Einstein, a psicoterapia deve ser considerada a fim

    de auxiliar na reflexo sobre os problemas e na busca

    coerente de solues.Quando o estresse j exacerbou doenas fsicas ou

    desencadeou transtornos de humor, a ajuda mdica

    necessria e o uso de medicamentos pode ser necessrio

    para tratar doenas associadas, mas no existem medi-

    camentos para tratar o estresse, pois ele um fenmeno

    comportamental, diz.

    Ainda segundo a psicloga, os medicamentos podem

    ajudar a tratar as doenas desencadeadas ou auxiliar a

    pessoa a adquirir uma condio fsica e psquica mais for-

    talecida para enfrentar os problemas e encontrar solues.

    fina anestesia o organismo, fazendo as dores desapare-

    cerem no momento.

    Um dos resultados de se utilizar tcnicas de manejo

    do estresse, entre elas o exerccio fsico, a melhora que

    se obtm em nossa qualidade de vida. A sade melhora,

    nos sentimos de bem com o mundo e, consequentemente,

    a vida social e afetiva tambm melhoram. Alm disso, at

    a qualidade de vida na rea profissional melhora, pois a

    pessoa fica menos tensa e mais aberta para os desafios

    do trabalho, comenta.

    Quando apenas as mudanas de hbito no so

    suficientes, preciso discutir, com o profissional ade-

    quado, outras formas de tratamento. Para Ana Lcia,

    conversam com amigosou familiares

    70%

    fazem atividade fsica

    63%

    lem revistas e livros59%

    comem

    53%procuram um psiclogo

    42%fazem compras

    38

    %

    vo ao salo debeleza

    32%

    procuram ummdico

    25%

    utilizammedicamentos 22%

    ingerem bebidas alcolicas

    16%

    fumam

    8%

    fazem uso de drogas

    3%

    O JEITO DE CADA UM PARA SE LIVRAR DO ESTRESSE

    Fonte: pesquisa on-line realizada pelo Instituto de Psicologia e Controle do Stress (IPCS), em 2013, com 2.195 participantes em vrias regies do Brasil

    ESPECIAL SADE ESTRESSE

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    O perigo utilizar medicaes, principalmente os anal-gsicos e psicotrpicos, para suportar o sofrimento sem

    resolv-lo, alerta.

    Entre todas as formas de tratamento, fundamental

    descobrir a causa do problema e desenvolver estratgias

    de enfrentamento para lidar no s com o episdio pre-

    sente, mas tambm com futuras ameaas de estresse

    excessivo. A medicao pode, sim, ajudar a pessoa a se

    recuperar no momento, porm no a protege de futuras

    dificuldades. Quem teve uma forte crise de estresse pos-

    sui uma grande probabilidade de reincidncia, a no ser

    que aprenda a: (1) entender o que o estressou, (2) reco-nhecer os sintomas, (3) identificar seus limites de resistn-

    cia e (4) lidar com as causas, finaliza Aretusa.

    NO BALCO DA FARMCIAAo surgirem alguns dos sintomas j relacionados nesta

    matria, muitas pessoas vo farmcia em busca de

    medicamentos sintticos e fitoterpicos que possam aju-

    dar a reduzir ou eliminar o problema. Como agir em uma

    situao assim? Para o presidente do Conselho Regional

    de Farmcia do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Marcus Athila,

    o estresse algo que somente profissionais especializa-

    dos, como psiquiatras, neurologistas e clnicos gerais,

    podem fazer a avaliao do estado de sade do paciente

    de uma forma mais correta.

    Pode ser consequncia de um desequilbrio hormo-

    nal, ento, talvez seja necessrio realizar uma bateria de

    exames para o diagnstico correto. Apenas um mdico

    pode fazer isso. Portanto, em um caso desses, onde no

    existe um diagnstico, o farmacutico deve orientar o

    paciente a procurar um profissional especfico em rela-

    o aos seus sintomas para que, baseado nesse diagns-

    tico, possa fazer com segurana um tipo de indicao ou

    prescrio, mesmo que seja de um Medicamento Isentode Prescrio (MIP), orienta.

    Athila ainda acrescenta que o farmacutico deve seguir

    sempre a tica e a moral ao lidar com o paciente que

    busca algum tipo de orientao, especialmente quando

    a queixa estiver relacionada ao sistema nervoso central,

    pois depende de uma variao maior de fatores. Isso

    diferente de uma pessoa que, por exemplo, chega far-

    mcia se queixando de males menores, como cefaleia ou

    diarreia. O farmacutico tem mais segurana para dar uma

    orientao melhor em relao ao uso de medicamentos,

    mas precisa de um diagnstico seguro para no expor opaciente a riscos maiores, alerta.

    NVEL DE ESTRESSE POR OCUPAO

    Juzes do Trabalho

    Bancrio

    Policiais Militares

    Jornalistas (mdia escrita diria)

    Atletas juvenis(tnis e basquete)

    Atletas (futebol)

    Executivos

    Professores

    Psiclogos clnicos:sem estresse significativo

    Atletas juvenis(natao)

    70%

    65%

    65%

    62%

    50%

    45%

    40%

    37%

    35%

    Fonte: dissertaes de mestrado e pesquisas orientadas pelapresidente do Centro Psicolgico de Controle de Stress, Dra.

    Marilda Novaes Lipp

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