Música Barroca

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MÚSICA BARROCA 1 – Introdução Os séculos 17 e 18 da história humana são caracterizados pelas grandes disputas nos mares entre Inglaterra, Espanha e Holanda, por causa das colônias americanas e africanas, e pelas guerras religiosas entre católicos e protestantes na Europa. Na política a burguesia apoia os monarcas contra os senhores feudais. Nas ciências (medicina, astronomia, química etc.) e na filosofia há um contínuo desenvolvimento pela pesquisa: a razão passa a ser a primeira condição para a felicidade do ser humano (mais tarde esta maneira de pensar desembocaria no Iluminismo). Os artistas refletiram, então, esta expansão, intensidade, contradição, exuberância e diversidade culturais, buscando expressar toda a infinitude do universo, a transitoriedade do tempo e as contradições de visão de mundo. A palavra barroco vem da língua portuguesa e significa “pérola

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Historia sobre la música barroca

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MÚSICA BARROCA

1 – Introdução

Os séculos 17 e 18 da história humana são caracterizados pelas grandes disputas nos mares entre Inglaterra, Espanha e Holanda, por causa das colônias americanas e africanas, e pelas guerras religiosas entre católicos e protestantes na Europa. Na política a burguesia apoia os monarcas contra os senhores feudais.

Nas ciências (medicina, astronomia, química etc.) e na filosofia há um contínuo desenvolvimento pela pesquisa: a razão passa a ser a primeira condição para a felicidade do ser humano (mais tarde esta maneira de pensar desembocaria no Iluminismo).

Os artistas refletiram, então, esta expansão, intensidade, contradição, exuberância e diversidade culturais, buscando expressar toda a infinitude do universo, a transitoriedade do tempo e as contradições de visão de mundo.

A palavra barroco vem da língua portuguesa e significa “pérola irregular”. Foi adotada internacionalmente para caracterizar um estilo sutil, ornamentado e pomposo nas Artes Plásticas, na Arquitetura e na Literatura dos séculos 16 a 17. Na música, começa em fins do século 16 e vai até meados do século 18. Na época, era um termo pejorativo e tinha a conotação de grotesco. Os historiadores da Arte, a partir do século 19, recuperaram-no com um significado mais conceituado.

2 – Características gerais

Os compositores abandonam a polifonia e a homofonia-coral e adotam a homofonia-melódica (melodia e

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acompanhamento) com a progressão de acordes tonais: I-IV-V-I. Esta progressão constante de acordes, que sustenta a melodia, chama-se baixo contínuo. Como estes acordes não eram escritos com todas as notas, os compositores inventaram o sistema de baixo cifrado: números e símbolos para resumir e indicar a harmonia que seria realizada pelos intérpretes.

Há uma valorização de ritmos de danças, que são utilizados para estruturar as peças. Desde o século 17, os valores se fixam, excluindo as mais longas. Os nomes das figuras foram adaptados conforme o país. Em português a sequência fica: semibreve, mínima, semínima, colcheia, semicolcheia, fusa e semifusa (a palavra colcheia significa “gancho”, do francês). Tomam a forma redonda. As figuras com bandeirolas começam a ser unidas. A unidade básica se torna a semibreve. Inventa-se a barra de compasso, as fórmulas de compasso, as indicações de andamentos, o arco de ligadura, as quiálteras, os acentos e algumas expressões de dinâmica.

Há uma profusão de ornamentos, todos derivados de práticas antigas e populares. No Barroco, tinham dupla função: afirmar a harmonia e dar cor à pouca sonoridade dos instrumentos. Os principais ornamentos são: trinado, grupeto, mordente, apojatura, glissando e floreio.

Os compositores e teóricos elaboraram a Teoria dos Afetos, que consiste em associar as tonalidades, os contornos melódicos, os padrões rítmicos, os timbres e as dinâmicas a determinados sentimentos, humores, ações, ideias, pensamentos, histórias, paisagens etc. Cada músico tinha uma tabela para si, para cada ocasião ou para cada

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obra, que divergiam muito com a lista dos outros compositores.

Com o crescente interesse pela música instrumental, os compositores resolveram determinar os timbres de modo claro e objetivo nas partituras. Só em obras para diletantes havia uma maior liberdade para a escolha dos instrumentos.

A orquestra começa a se formar no século 17. O grupo musical recebeu este nome porque os músicos ocupavam o lugar originalmente destinado aos dançarinos nos teatros internos, construídos nos palácios da nobreza nos séculos 15 e 16. A palavra orquestra significa “lugar para a dança” em grego. Num primeiro momento, estas primitivas orquestras, que tocaram as primeiras óperas, balés e faziam músicas para peças teatrais, eram conjuntos amorfos constituídos de flautas-doce, oboés, trompetes, trombones, harpas, cravos, alaúdes, teorbas, violas medievais, entre outros – um verdadeiro “violão gigante”, como apelidaram na época. Na realidade, era um grupo que se juntava, quando da necessidade da produção do espetáculo.

Com o desenvolvimento do tonalismo, os compositores procuraram um maior equilíbrio entre os timbres. Assim, a orquestra padrão ficou formada pelas cordas (família dos violinos) e por um instrumento que fizesse os acordes. As funções eram estas: a melodia sempre a cargo dos primeiros violinos, as notas intermediárias da harmonia a cargo dos segundos violinos e das violas, as notas graves para os violoncelos e contrabaixos e a realização dos acordes para o teclado (órgão ou cravo).

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Mais tarde, começaram a se utilizar dos sopros de madeiras (oboé e fagote) e da trompa. No começo do século 18, acrescentaram a flauta transversal e, mais tarde, clarinetes, trompetes, trombones e percussão. Um ou outro instrumento diferente era utilizado para efeitos cênicos (trompetes e percussão para batalhas) ou para uma personagem: Orfeu com alaúde, Nero com harpa, entre outros.

Para coordenar os conjuntos instrumentais e/ou corais, o maestro (“professor” em italiano) – normalmente o próprio compositor – tocava o baixo-contínuo virado de costas para o público ou usava um bastão para marcar a primeira batida (battuta em italiano) do compasso.

Aparecem os primeiros virtuoses de instrumentos, que são músicos especializados em executar determinados instrumentos com habilidade e técnica perfeitas.

3 – Música vocal

3.1 – Ópera

É uma abreviatura da expressão italiana “opera in musica” ou seja obra literária posta em música. Na época, surgiram também as denominações: favola in musica (“lenda musicada”) ou dramma per musica (“teatro musicado”). Há muitos exemplos de artes cênicas acompanhadas por música em todas as épocas anteriores, tanto no Ocidente quanto no Oriente, mas o processo que levou a criar este espetáculo foi, no mínimo, curioso.

Um grupo de intelectuais de Florença, os membros da Camerata Fiorentina, queria recriar, dentro do espírito renascentista literário, as tragédias gregas, que eram

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acompanhadas por música. Só que ao traduzir uma expressão grega que significava “declamando”, eles a traduziram por “cantando” (nas palavras italianas “per recitare cantando”). De um erro de tradução, sem querer, criaram um novo gênero musical !

Para efetivar o projeto, lançaram mão de uma novidade da época: a monodia (do grego “um som”) ou melodia acompanhada, por entenderem que esta poderia expressar os sentimentos humanos convenientemente, segundo a estética deles. A música polifônica, de acordo com esta tese, seria inadequada.

Após várias tentativas frustradas, a primeira ópera, que poderia receber esta denominação, seria La Dafne de 1597, com música de Jacopo Peri (1561/1633) e Jacopo Corsi (1561/1602) e libreto de Ottavio Rinuccini (1562/1621), baseada na mitologia grega, conforme o gosto renascentista. Infelizmente, a música se perdeu.

A primeira ópera completa que nos resta, com duas versões musicais, é Eurídice de Peri, versão de 1600, e Giulio Caccini (1545/1618), de 1602, e baseadas num libreto de Rinuccini. Cada versão foi concebida para duas festas diferentes.

Uma das mais antigas óperas La favola d”Orfeo, foi estreada em Mântua, no ano de 1607. A música é de Claudio Monteverdi (1567/1643) e o libreto é de Alessandro Striggio (c1540/1592).

Esta ópera rompeu com o padrão anterior, porque Monteverdi queria que a música ajudasse na expressão do texto (stilo concitato, “estilo excitado” em italiano) e não mera acompanhadora da palavra, conforme defendiam os

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florentinos (stilo recitativo ou rapprasentativo). Além disto, as óperas de Monteverdi tinham mais canções e menos recitatos. Foi o começo do bel-canto.

O compositor de ópera precisa de um libreto (“livrinho” em italiano), que é o poema ou o texto no qual se baseia para escrever a música. Pode ser do próprio compositor ou pode encomendar a outros. Naquela época, adoravam temas pastoris, lendas gregas, história romana e contos bíblicos. Em outros períodos, escolhem conforme o estilo literário e momento sócio-político.

Dois importantes libretistas deste período foram Apostolo Zeno (1668/1750) e Pietro Mestastasio (1698/1782), cujos textos foram colocados em música por muitos compositores durante quase dois séculos. No início da História da Ópera, havia um equilíbrio entre texto e música, mas isto logo foi rompido por Monteverdi. Eis a razão pela qual lembramos o nome do compositor e não do libretista deste gênero de espetáculo.

As partes de uma ópera variam conforme o estilo artístico vigente. O padrão geral segue mais ou menos assim:

- ABERTURA – Uma peça instrumental de forma variada. Pode ser simples acordes, uma colcha de retalhos com temas da ópera ou mesmo uma música qualquer que o compositor tenha à mão. Nos primeiros tempos, era para acalmar o tumulto que havia nas plateias de teatro da época ou para anunciar a entrada de alguma autoridade importante (rei, cardeal, mecenas etc.). Durante o século 17, apareceram dois modelos: a Abertura Italiana, que consiste em um andamento rápido, depois um lento e a volta do rápido, encadeados sem interrupção, e a Abertura Francesa, que começa com uma marcha solene e lenta e

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finaliza com um andamento rápido, também encadeado sem interrupção. Apesar dos modelos nacionalistas, os compositores escolhiam uma ou outra conforme a ocasião. Sinônimos de Abertura: sinfonia, prelúdio e protofonia.

- PRÓLOGO – Muito comum nas óperas do século 17, normalmente com dois ou três personagens introduzindo ou resumindo o enredo, agradecendo a presença do público ou fazendo um elogio ao mecenas, patrocinador do espetáculo. Caiu em desuso com o tempo.

- ATOS / CENAS / QUADROS - São as divisões dramáticas do enredo e é mais uma preocupação do libretista do que do compositor.

- NÚMEROS – O compositor e o libretista, para facilitar a composição e os ensaios, subdividem a ópera em pequenas unidades; os principais números são:

- Recitativo seco – Número musical entre o canto e a fala, acompanhado apenas pelo cravo contínuo (podendo ser um diálogo). Antecede uma canção ou um prólogo.

- Recitativo acompanhado – Do mesmo jeito anterior, só que acompanhado pela orquestra.

- Ária (do italiano aria, que significa “ar”) – É uma canção onde a personagem revela sua personalidade, conta seus propósitos, declara seus pensamentos e expressa os seus sentimentos mais íntimos. Existem vários modelos formais de árias, sendo que o modelo mais importante é a aria-da-capo (“ária da cabeça” ou “ária do começo” em italiano), na qual a primeira parte é repetida com ornamentações. Derivados da ária, surgem o arioso (ária curta e melodiosa) e a arietta (“pequena ária”). Entre uma estrofe

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ou outra havia o ritornello (“retorno”), um tema musical instrumental.

- Conjunto – Quando há dois ou mais cantores num mesmo trecho musical.

- Coral – Música para coro.

- Instrumental ou sinfonias ou, mesmo, ritornello – Serve para diversas funções como ligar cenas, indicar passagem de tempo, dar algum efeito especial ou servir de interlúdio entre os atos etc… Também poderiam ser marchas e danças para balé.

A ópera se espalhou rapidamente pelo resto da Itália e, pouco depois, conquistou a Europa. As companhias italianas, junto com seus compositores, libretistas cantores, instrumentistas e cenógrafos, entre dezenas de outros, cruzavam todo o continente, apresentando o seu repertório e ensinando aos outros como fazê-lo. Por causa disto, é que na música, a terminologia usada é de origem italiana. Por contraposição ou por influência da ópera italiana, surgiram vários gêneros nacionalistas:- França: Tragedie lyrique; Vaudeville; Ópera-bailado- Alemanha: Singspiel- Espanha: Zarzuela; Tonadilla- Inglaterra: Masque

No final do século 17, desenvolveu-se a ópera napolitana, na qual a música dominou completamente o texto. Além disso, ela atraía o público porque tinha uma profusão de melodias e uma trama simplificada. O seu principal compositor foi Alessandro Scarlatti (1660/1725). Com o passar dos anos, descambou para enredos rocambolescos e pornográficos, estrelismo dos cantores, com músicas fora

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do contexto e encenações ridículas. Estes problemas foram superados somente na segunda metade do século 18 com Gluck e Mozart.

Junto com as encenações de óperas com assuntos lendários e históricos, apareceu o intermezzo (“intermediário” em italiano), que eram pequenas óperas apresentadas entre os atos do espetáculo principal. Seu enredo era cômico, satirizando situações cotidianas e o roteiro simples, tendo poucas personagens (no máximo três). A música era muito melodiosa. Dentro da produção operística, o intermezzo tinha a função de testar novos artistas (compositores, libretistas, cantores e outros), manter integrantes da companhia trabalhando (quando não estavam na peça principal), segurar o público dentro do prédio teatral e, finalmente, abafar o barulho das máquinas trocando os cenários atrás das cortinas fechadas.

Com o tempo, o público desinteressou-se pela ópera principal e só assistia ao intermezzo. Os empresários viram nisto uma nova forma de lucro e trocaram de investimento, criando casas de espetáculos somente para este tipo de obra que passou a se chamar opera buffa (“ópera com assunto grotesco” em italiano). Um dos principais compositores de óperas bufas é Giovanni Battista Pergolesi (1710/1736).

Todos os tipos de óperas propiciaram o aparecimento do cantor solista de grande virtuosidade. Normalmente, o compositor treinava os seus solistas com muita rigidez. Ele também tinha uma rede de informantes, para descobrir talentos em coros de pequenas igrejas, festas populares e espetáculos de saltimbancos.

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A cantora principal era apelidada de prima donna (“principal mulher” em italiano) ou diva (“deusa” em italiano), o cantor principal era o primo uomo (“principal homem” em italiano) e o castrato (“castrado” em italiano) era o primo musico (“primeiro músico” em italiano).

A história deste último tipo de cantor é a seguinte: quando algum professor de música percebia que um menino tinha uma voz muito boa para o canto, convencia a sua família a fazer uma operação no seu sexo a troco de dinheiro. Esta prática, segundo os registros, já era feita pelos povos antigos, para suas músicas religiosas e de entretenimento.

Importada pela Igreja Católica, durante a Idade Média, o castrato foi amplamente aproveitado na ópera desde o seu início até o final do século 18. Ele se valorizava e se valorizou, recebendo vultosa quantia financeira e muito prestígio social. Era também visto como uma monstruosidade ou aberração. Esta prática começou a ser proibida no século 18 e desapareceu por completo há cerca de cento e cinquenta anos. Hoje, ninguém sabe como soaria um castrato. Atualmente as personagens escritas para castrato, são substituídas por homens ou mulheres, conforme a filosofia da montagem.

O compositor coordenava a produção, ensaiava cada cantor e a orquestra, tocava o cravo nos recitativos e dirigia o espetáculo todo. Os cantores nesta época encenavam com a partitura na mão. Só os mais capacitados a dispensavam, decorando a música e o texto.

As encenações de qualquer estilo operístico tornaram-se, com tempo, cheias de fausto (cenários e figurinos caros) e a maquinaria teatral para efeitos cênicos (terremotos,

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carros voadores, batalhas marítimas, por exemplo) era engenhosamente fabulosa.

Com o crescente interesse pela ópera (dinheiro, fama e prestígio social), as rivalidades entre artistas, companhias e nacionalidades não tardaram a surgir e a história está repleta de brigas intermináveis entre compositores, libretistas, cantores, castrati, instrumentistas, coreógrafos, cenógrafos, auxiliares-técnicos dos grupos, empresários, políticos, religiosos e até o público em geral !

Alguns outros dos principais compositores de óperas do século 17 e início do 18 são:- Jean-Baptiste Lully (1632/1687- Marc-Antoine Charpentier (1645?/1704)- Henry Purcell (1659/1695)- Antonio Vivaldi (1678/1741)- Jean-Philippe Rameau (1683/1764)- Georg Friedrich Händel (1685/1759)

A imensa maioria das óperas deste período desapareceu e das que nos restam só uma mínima parcela tem condições de ser remontada hoje em dia, por causa da repetição de efeitos musicais e textos fracos.

As Igrejas Católica e Protestante proibiram a produção de óperas em seus territórios. Elas censuravam o uso de temas pagãos e o tratamento pornográfico dado aos assuntos. Além disto, envolvia preconceitos sociais tremendos: mulheres trabalhando como atrizes, a ambiguidade dos castrati, religiosos envolvidos nas montagens, confusões e bebedeiras na plateia, entre outras coisas. Assim, muitos músicos migraram para outras cidades mais liberais ou as compunham às escondidas. Ou criaram um gênero híbrido: o oratório.

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3.2 – Oratório e paixão

A palavra significa “sala de reza”. O oratório nasceu da lauda spiritual (“louvação espiritual” do latim), que eram músicas que narravam a vida e os milagres dos santos. Tais “laudi” eram apresentadas na sala do oratório da Congregação de São Felipe Neri em Roma.

Os compositores, proibidos de compor óperas, desenvolveram as “laudi”, baseando-se em histórias do Velho Testamento e encenando-as. As autoridades eclesiásticas, percebendo a manobra, proibiram a encenação de tais espetáculos e, daí em diante, só podiam ser apresentados em forma de concerto, sem atuação, figurino e cenografia e somente em dias e lugares religiosos e cantadas em latim. E batizaram o novo gênero de oratório, em homenagem ao local onde foi iniciado o movimento.

O primeiro de que temos registro é La rappresentazione di Anima e di Corpo de Emilio Cavalieri (c1550/1602) com libreto de Agostini Manni, apresentada em 1600 na cidade de Roma (alguns pesquisadores acham que esta peça é mais uma ópera do que um oratório !).

Musicalmente falando, o gênero não se diferencia muito de uma ópera, excetuando a temática, a encenação e a exuberância virtuosística dos cantores. Tem árias, conjuntos, corais e trechos instrumentais. Devido ao dinheiro e ao prestígio que lhes rendiam, muitos compositores e libretistas de óperas fizeram oratórios também. Com o desenrolar dos anos, os protestantes o adotaram, só que nos seus idiomas nacionais.

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Alguns compositores que trabalharam neste gênero:- Heinrich Schütz (1585?/1672)- Giacomo Carissimi (1605/167)- Dietrich Buxtehude (c1637/1707)- Alessandro Stradella (1644/1682)- Marc-Antoine Charpentier (1645?/1704)- Johann Pachelbel (1653?/1706)- Alessandro Scarlatti (1660/1725)- Georg Friedrich Händel (1685/1759)- Johann Sebastian Bach (1685/1750)

Peças deste gênero são compostas até hoje com temática, forma e idioma variados. Alguns diretores até encenam os oratórios antigos.

Um gênero específico de oratório é a Paixão (“sofrimento” em latim). Desenvolvido a partir de modelos católicos medievais, a paixão é uma espécie de oratório específico, baseado nos Evangelhos. Um destaque é a presença do “narrador”, que é o evangelista eleito pelo compositor, conduzindo a história. O idioma original era o latino, mas depois liberou-se. Peças deste gênero são compostas até hoje.

Compositores importantes- Heinrich Schütz (1585?/1672)- Dietrich Buxtehude (c1637/1707)- Johann Pachelbel (c1653/1706)- Johann Sebastian Bach (1685/1750)

3.3 – Cantata

Esta palavra significa música para ser “cantada”. A cantata segue as mesmas características musicais do período. A temática pode ser religiosa ou cotidiana. Compõem-se

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cantatas até os dias de hoje. Compositores importantes:- Luigi Rossi (c1597/1653)- Johann Sebastian Bach (1685/1750), entre outros.

3.4 – Gêneros religiosos

As Igrejas Católica e Protestante encomendavam muitas obras musicais a uma grande quantidade de compositores, que eram padres ou pastores. Missas, hinos, ladainhas, corais, anthem (hino da igreja anglicana), saltérios (música calvinista baseada nos salmos), entre outros, além dos oratórios, paixões e cantatas, eram criados aos milhares semanalmente. Umas mais contidas, outras mais esfuziantes, todas tinham as mesmas características estilísticas do período. A maior parte se perdeu, outras caíram no esquecimento e só uma parcela muito ínfima tem condições de ser ressuscitada hoje em dia.

3.5 – Outros gêneros menores

Árias, canções, baladas, madrigais e outros gêneros eram cultivados por todos os compositores, muitas vezes encomendadas, outra vezes para promover algum cantor, cantora ou castrato. Todas estas músicas seguem o estilo geral da época.

4 – Música instrumental

4.1 – Concerto grosso

Esta expressão italiana significa “grande concerto”. A palavra concerto é de origem controvertida, sendo que muitos musicólogos e historiadores defendem a tese de que a origem é de consertare (“juntar” ou “arrumar” do latim) e não concertare (“rivalizar” do latim). Assim, concerto seria juntar, num todo, instrumentos e vozes. No

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século 16, dava-se o nome de concerto, indiferentemente, a motetos, cantatas e peças instrumentais diversas. (Mais tarde a palavra também tomou o significado de audição ou recital; há ainda o significado de acordo e combinação).

O concerto grosso é um gênero instrumental no qual solistas se contrapõem à massa orquestral, ambos apoiados pelo baixo contínuo. Cada um destes grupos recebe uma denominação diferente e uma função específica:

Nome Tradução do italiano

Instrumento Função

Concertino

Pequeno concerto

Solistas, geralmente compostos de dois instrumentistas agudos e um grave

Fazem a melodia e exibem virtuosidade

Ripieno

ou

Tutti

Pleno

ou

Todos

Orquestra formada somente por instrumentos de cordas

Lançam os temas e preenchem a harmonia na parte interme-diária

Basso-contínuo

Baixo-freqüente

Várias opções. Para produzir os acordes: cravo, clavicembalo, órgão, alaúde, harpa, Para reforçar as notas graves melo-dicamente:

Faz o grave e os acordes, preenchendo a harmonia

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violoncelo, contra-baixo, viola da gamba, fagote, trombone, etc.

É elaborado em vários andamentos (influência cruzada da suíte com a abertura da ópera). Normalmente na sequência lento-rápido-lento-rápido.

Quanto à forma de cada andamento, o compositor pesquisava diversos procedimentos. O andamento lento inicial é uma marcha em estilo de abertura francesa, com notas pontuadas e de caráter solene, enquanto que, no intermediário, pode ser em forma de ária da capo, igual às melodias líricas das óperas ou em forma binária de dança ou, ainda, em estilo fugato. As opções eram variadas para os andamentos rápidos: estilizações de danças, tema e variação; ritornello; rondó etc. Todos os andamentos tem a mesma tonalidade. Em muitos casos de tonalidade em menor, o último movimento termina na relativa maior ou na homônima maior.

Não se sabe quem denominou este gênero assim, mas os historiadores dão preferência ao compositor italiano Archangelo Corelli (1653/1713).

Principais compositores:- Archangelo Corelli (1653/1713)- Antonio Vivaldi (1678/1741)- Georg Philipp Telemann (1681/1767)- Georg Freidrich Händel (1685/1759)- Johann Sebastian Bach (1685/1750) etc.

4.2 – Concerto solo

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É derivado do concerto grosso, mas com somente um solista e em três andamentos, à maneira da abertura italiana: rápido-lento-rápido. As formas de cada andamento normalmente são as seguintes: o primeiro andamento em forma de imitação ou ritormello, o segundo andamento em forma de ária e o terceiro andamento em forma de ritornello, dança ou rondó.

Principais compositores:- Antonio Vivaldi (1678/1741)- Georg Philipp Telemann (1681/1767)- Georg Freidrich Händel (1685/1759)- Johann Sebastian Bach (1685/1750)

4.3 – Trio sonata

Derivada da canzona da sonar e da sonata renascentista, a trio-sonata barroca, na realidade, era tocada por quatro instrumentistas: dois instrumentos solistas e o baixo contínuo, formado por um instrumento melódico (violoncelo, viola da gamba, fagote, entre outros) e um instrumento que pudesse dar acordes (cravo, clavicórdio, órgão, alaúde, etc.). Tinha vários andamentos, igual ao concerto ou à suíte.

Compositores mais importantes:- Archangelo Corelli (1653/1713)- Georg Friedrich Händel (1685/1759)- Johann Sebastian Bach (1685/1750)

No período barroco, as sonatas para cordas renascentistas sobreviveram com dois tipos:- sonata da câmara: para ser tocada nos saraus, com o cravo ou clavicórdio como contínuo;- sonata da chiesa: para ser tocada em igrejas católicas,

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com o órgão como contínuo.Exercícios para teclado também eram chamados de sonatas.

4.4 – Suíte

É uma palavra de origem francesa que significa “série” ou “sequência”. Outros nomes alternativos aparecem: ordre; partita; lesson; abertura; sonata etc. É preciso ter um pouco de paciência e verificar o conteúdo destas composições, pois muitos compositores denominavam as peças de maneira confusa.

A idéia de reunir, numa sequência, danças e canções vem sendo registrada desde a Idade Média. Só que no século 17 os franceses, mestres da dança, levaram esta idéia à perfeição. Eles reuniram exemplos de nacionalidades, aspectos rítmicos, caráter e colorido diferentes.

Na suíte barroca temos a seguinte ordem de danças, mais ou menos obrigatórias:

Nome da dança

Significado País de origem

Características musicais

Alemanda “dança alemã”

(francês)

Alemanha Compasso quaternário e andamento moderado

Courante “corrida”

(francês)

França Compasso Ternário, andamento rápido e caráter leve

Sarabanda nsala-banda em kikongo:

América latina, através da

Compasso Ternário, andamento lento e

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capa de um ritual afro-cubano

Espanha, com influência árabe

ornamentação nas notas longas

Giga (não conhecido)

Itália, Escócia ou outro

Compasso quaternário simples ou composto e andamento rápido

Outras danças eram incluídas dependendo de múltiplos fatores, como encomendas, tipo de festa, instrumental à disposição, etc. Assim, pode aparecer a gavota, a passepied, a bourrée, a rigadon etc. Há ainda a chacona (de origem latino-americana), que é uma dança onde a melodia no grave é variada, e a passacalha (de origem espanhola), cujo tema no grave é repetido constantemente, chamado, por isto, de basso ostinato (“baixo obstinado” em italiano). Algumas danças da suíte recebem o complemento double (“duplo” ou “dobrado” em francês). Isto significa que a dança era repetida com ornamentação ou com variações.

Outro termo usado é o trio. Nada mais é que uma segunda dança do mesmo tipo da anterior, só que em arranjo a três partes, dando um caráter mais tímido à música. Isto teve origem do seguinte fato: numa orquestra, depois de tocar dezenas de peças, precisando descansar um pouco, assumiriam somente três instrumentistas – dois agudos e um grave – para que a música não parasse totalmente; pouco depois a orquestra retomava completa.

Além das danças, peças de outros tipos poderiam entrar na suíte: prelúdio (uma curta abertura para preparar a tonalidade ao ouvinte), ária (melodia lírica tendo como

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modelo a ária de ópera), tema e variações, fantasia, toccata, marcha e outras opções. Todas as peças da suíte tinham a mesma tonalidade. Apesar de ser puramente instrumental, muitos compositores, principalmente os franceses, batizavam as suítes porque pretendiam contar uma história, descrever uma paisagem, criticar inimigos etc.

Os principais compositores:- Henry Purcell (1659/1695)- François Couperin (1668/1733)- George Friedrich Händel (1685/1759)- Johann Sebastian Bach (1685/1750) etc.

As suítes nos séculos posteriores receberam outros nomes como serenata, cassação, divertimento ou serviram para outros propósitos, como reunir uma sequência de temas ou trechos importantes de uma ópera, balé, teatro ou filme.

4.5 – Fuga

A fuga é uma peça contrapontística. Sua provável evolução foi a seguinte: Cânone à Caccia à Ricercare / Canzona / Fantasia à Fuga Idade Média Século 16 século 17

A forma da fuga é:

Seção Exposição

Episódio Stretto Reexposição

Relação

Tonal

Tom principal

Modulações passageiras para tonalidades vizinhas e

Modulações de retorno para o tom principal

Tom principal

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relativas

Na exposição, o tema é apresentado numa voz e, a seguir, vêm as respostas, ou seja, as outras vozes, cada uma por sua vez, entram imitando a primeira. Enquanto é tocada a resposta, a primeira voz (e as outras vozes na sua vez) expõe o contratema. No final da seção há uma codetta (diminutivo de coda).

Ao se apresentarem em registros diferentes, indo em direção ao grave ou ao agudo e modificando-se tonal e ritmicamente, as vozes dão ao ouvinte a percepção de que estão se distanciando uma das outras ou, em num termo mais vulgar, parecem fugir… daí o nome de fuga para este tipo de composição (denominação que já existia no final da Idade Média para pequenas peças nas quais se usava o recurso da imitação).

No episódio, o compositor imprime uma série de mudanças ao tema: inverte os intervalos, faz movimentos retrógrados, retroinverte o tema, aumenta ou diminui as durações, faz jogos entre as vozes, fragmenta o tema entre as vozes, modula, coloca um acompanhamento acórdico, usa uma nota ou várias como pedal e outros processos composicionais.

O stretto (“estreito” em italiano) é a parte onde o tema vai gradualmente retomando à sua feição original e à tonalidade principal. A reexposição é a reprodução do início da música. Algumas outras seções podem ser incluídas excepcionalmente: prelúdio, fantasia e/ou toccata, ária e coda final.

A fuga desapareceu durante a segunda metade do século 18 até o 19, permanecendo só o estilo fugado (que é um

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recurso composicional baseado na imitação entre as vozes, mas sem a complexidade do gênero). A causa disto é que os compositores clássicos e românticos só se preocupavam basicamente com a homofonia, isto é com a textura da melodia-acompanhamento. Encontramos, porém, alguns deles (Haydn, Mozart, Beethoven, Chopin, Brahms e Liszt, entre outros), utilizando-se momentaneamente desta técnica. No século 20, a fuga é matéria obrigatória de estudo para qualquer compositor, não importando a sua tendência.

4.6 – Outros gêneros instrumentais

- Prelúdio – Peça curta para demonstrar a afinação do instrumento e a tonalidade da música.

- Invenção – Peça em estilo imitativo, para estudo de composição.

- Fantasia – Peça livre, geralmente, na forma tema e variação.

- Toccata – Peça virtuosística para teclado

5 – Vida musical

A vida dos compositores era a mesma de um criado comum dentro de uma corte, castelo, palácio ou igreja. Raras eram as revoltas ou as reivindicações. Pelo contrário, a obtenção de um cargo era considerada uma benevolência e, depois de conquistado, havia uma briga para mantê-lo e, se possível, usava-se da intriga para liquidar outros concorrentes. Os músicos tinham contratos rigorosos com os nobres ou com as igrejas. Somente em algumas cidades, que possuíam casas de espetáculos

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comerciais rentáveis, os músicos se tornavam independentes.

Não havia escolas de música, excluindo-se as mantidas pela igreja. Muitos estudavam em corais com “mestres de capela”, em conjuntos instrumentais com o “mestre da música” do castelo ou canto lírico com o maestro da ópera (“professor” em italiano). O normal era aprender com o pai ou com um parente músico. Os nobres contratavam músicos para seu aprendizado particular, de sua esposa e de seus filhos. De vez em quando, um compositor arranjava algum discípulo em especial, mas somente quando lhe convinha perpetuar seu estilo.

Raros tinham a preocupação em entrar para a história. Os compositores queriam algo mais imediato e substancioso: dinheiro e altos cargos e, se possível, no centro político mais poderoso. Havia grandes doses de oportunismo, adulações, golpes publicitários e brigas entre os músicos.

A execução de uma obra tinha um caráter prático. Eram encomendadas para serem tocadas em jantares, festas, desfiles, cerimônias políticas e religiosas, banhos, cura de insônia etc. Tocava-se a música, aplaudia-se, se ainda houvesse um mínimo de atenção, e, depois de passada a ocasião que propiciou sua feitura ou se a tendência saísse de moda, a música iria para o armário ou baú do compositor para possível reciclagem, ou era abandonada em qualquer depósito do palácio ou da igreja, ou era atirada ao lixo.

Por isto é que esta produção foi desaparecendo, mesmo sendo tão grande a obra destes compositores. Só as óperas eram repetidas várias vezes por causa da temporada nos teatros… isto se ainda fizesse sucesso. Caso contrário, era

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retirada de cartaz imediatamente e passava-se para outro espetáculo. As óperas encomendadas pelos nobres – para uma festa, por exemplo – eram encenadas nos castelos e raramente ultrapassavam uma récita, sendo depois esquecidas. Temos de lembrar que muitas destas óperas obtiveram estrondosos sucessos na sua época e, hoje, nem vale a pena dar uma ouvida. E os compositores não ficavam se lamentando, pois tinham plena consciência do risco e logo partiam para uma nova composição.

Os luthiers (“fabricante de alaúde” do francês – depois tomou o significado fabricante de instrumentos, em geral) encomendavam obras especiais para divulgação do seu material e frequentemente contratavam um compositor para acompanhar o desenvolvimento acústico do instrumento.

A imprensa musical se desenvolveu bastante quando os compositores definiram a grafia musical. Editoras surgiram na Europa inteira e encomendavam tanto composições, quanto tratados teóricos. Os nobres patrocinavam alguma edição de seu criado-músico. Vários compositores, quando chegavam na velhice, pagavam do próprio bolso edições de obras que consideravam importantes.