Martins; fábio mira ar elemento de poética

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO CURSO DE ARTES VISUAIS AR ELEMENTO DE POÉTICA FÁBIO MIRA MARTINS Campo Grande MS 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

DEPARTAMENTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

CURSO DE ARTES VISUAIS

AR

ELEMENTO DE POÉTICA

FÁBIO MIRA MARTINS

Campo Grande – MS

2005

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FÁBIO MIRA MARTINS

AR

ELEMENTO DE POÉTICA

Relatório apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Artes Visuais à Banca Examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob orientação da Profª Drª Carla de Cápua

Campo Grande – MS

2005

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Agradeço primeiramente a paciência

irrefutável de minha orientadora, a Profª. Dr.ª Carla

de Cápua, perante minhas incessantes mudanças

nas, segundo ela mesmo nomeia, “idéias

mirabolantes de Fábio”. Agradeço também ao meu

amigo Daniel Augusto, meu pai Nelson Mira e

minha mãe Edir Martins pela ajuda e

companheirismo durante a “corrida” pelas

pesquisas de materiais e orçamentárias. Não

esquecendo dos meus familiares e amigos que

sempre me apoiaram e impulsionaram,

independente das minhas “insanidades”, e aqueles

que me ajudaram na montagem da instalação.

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RESUMO

Oferecer um ambiente propício à meditação, estimulando os

sentidos através de canções, odores e luzes, tem por objetivo apresentar

a natureza do ar, elemento cuja percepção só é possível devido a

variações no movimento e densidade, induzindo a um questionamento da

sua simbologia e proporcionando um resgate da consciência espacial e

sensitiva do ser humano. Dentro desta proposta é possível verificar um

vínculo aos parâmetros conceituais da arte, onde o conceito ou atitude

mental são supremos à aparência da obra, tendo a idéia como material

básico para tal. E a partir deste preceitos utilizar de meios variados para

transmitir significados, popularizando a arte; fazendo com que ela sirva

como veículo de comunicação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................06

Capítulo I

REFERENCIAIS E SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS......................08

I.I. A ARTE DO CONCEITO.....................................................08

I.II. O CONCEITO DE INSTALAÇÃO.......................................12

I.III. DALE CHIHULY………………………………………………13

I.IV. ALEXANDER CALDER.....................................................16

Capítulo II

AR: DA SERENIDADE À AGONIA...................................................18

Capítulo III

ELEMENTOS DA INSTALAÇÃO......................................................27

III.I. FUMAÇA...........................................................................27

III.II. LUZ..................................................................................32

III.III. MUSICA..........................................................................34

III.IV. PROCESSO CRIATIVO-PRODUTIVO...........................37

Capítulo IV

ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS........................................41

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS..................................................45

ANEXOS............................................................................................48

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INTRODUÇÃO

Em meados dos anos 60, a veia analítica que importuna e persegue

a realização artística desde os primórdios de seu surgimento como meio

expressivo, adquiriu grande impulso em relação a concepções que

definem o que é, ou não, arte, abrangendo significativamente suas

discussões e questionamentos. A arte não mais se restringe a imagens

congeladas em tinta ou esculpidas em pedra; ela se apossa de conteúdo,

não apenas narrativo, mas de cunho conceptual, deixando de ser

puramente de aspecto contemplativo para ser referencial de reflexão.

A idéia ocupa a supremacia perante a realização artística não

importando a aparência de sua finalização plástica, e sim o conceito que

envolve a obra; o pensamento que deu origem à concretização. E a partir

deste artifício reflexivo presente na arte conceitual, principalmente sob os

parâmetros da instalação, descrevo neste relatório como o utilizo

enquanto ferramenta para criar um ambiente interativo com o intuito de

instigar a sensibilidade do espectador.

Primeiramente será apresentado no capitulo inicial os referenciais

utilizados para sustentar a proposta e seus respectivos aspectos

históricos e conceituais, ou seja, descrever os ideais da arte conceitual e

suas origens como movimento artístico, além de fornecer uma definição

plausível sobre instalação e sua evolução perante o período

contemporâneo da arte.

Com relação aos artistas presentes no final do primeiro capitulo é

essencial mencionar que a seleção se manteve não pela semelhança

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entre obras, mas sim pelo domínio tanto do material quanto dos

elementos considerados no trabalho realizado.

No capítulo seguinte introduzo o leitor à temática, explicando como e

porque pretendo instituir uma instalação para transmitir um pensamento

e descrevendo os motivos para a escolha do elemento da composição,

as sensações e sentimentos referidos como objetivo final da interação

com o publico, os questionamentos acima da simbologia inerente ao

tema e as etapas previstas do processo interativo.

O terceiro capítulo consiste em um aprofundamento na análise

individual dos elementos relevantes da obra. A música, a luz, a fumaça e

o espaço são argumentados e justificados através de referências

técnicas e analogias simbólicas. Encontra-se também a descrição

metodológica que inclui a menção detalhada dos materiais plásticos

usados e a narrativa do desenvolvimento da produção, desde os testes

de iluminação até as pesquisas orçamentárias.

Para finalizar, o quarto capitulo tece uma investigação dos

resultados obtidos com a instalação, que só poderá ser realizada durante

o andamento da obra e se baseara em examinar primeiramente o corpo

físico em toda a sua montagem, verificando se a iluminação, a

sonoridade e a disposição dos objetos no espaço foram satisfatórios em

promover ao público a interatividade desejada. Se possível, também será

descrito, a partir de observação e possíveis relatos obtidos dos

espectadores, as reações acarretadas comparando-as com as reações

premeditadas pelo autor.

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CAPÍTULO I

REFERENCIAIS E SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS

I.I. A ARTE DO CONCEITO

A proposta da arte conceitual, vanguarda surgida inicialmente na

Europa e nos Estados Unidos no final da década de 1960 e meados dos

anos 1970, considera que a arte não tem que ser incorporada numa

forma física e que a própria idéia é o seu material básico tendo o

conceito ou a atitude mental como prioridade em relação à aparência da

obra. O termo arte conceitual é usado pela primeira vez num texto de

Henry Flynt, em 1961, dentre as atividades do Grupo Fluxus. Nesse

texto, o artista defende que os conceitos são a matéria da arte e por isso

ela estaria vinculada à linguagem. Entretanto, desde Duchamp podem

ser percebidos os primeiros indícios da sobrevalorização do conceito.

“... a Arte Conceitual desafia a nossa definição de arte de forma

ainda mais radical, ao insistir que somente o vôo da imaginação, não

a execução, constitui a arte”. (Janson: 382)

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Um trabalho de arte conceitual, em sua forma mais típica,

costumava ser apresentado ao lado da teoria. Pôde-se assistir a um

gradual abandono da realização artística em si, em nome das discussões

teóricas. Já que as idéias são o mais importante, a execução das obras

fica num segundo plano e tem pouca relevância. Afinal, segundo as

palavras de Janson, toda arte é o documento final do processo criativo,

porque, sem execução, nenhuma idéia pode ser totalmente concretizada.

Além disso, caso o projeto da obra venha a ser realizado, não há

exigência de que ele seja construído pelas mãos do artista. Ele pode

muitas vezes delegar para outra pessoa, que tenha habilidade técnica

específica, o trabalho físico. O que importa é a invenção da obra, o

conceito, que é elaborado antes de sua materialização.

“Os fins do Conceptualismo consistem em analisar a Arte a partir dela própria, a Natureza, a obra, o artista, alargá-lo a novas estruturas, explorar os meios de comunicação de massas (mass media) que possam facilitar os contactos e as transmissões, incluindo as da Arte”. (Huertas, 1981: 214)

O uso de diferentes meios para transmitir significados, como explica

Lobo (1981), era comum na arte conceitual. As fotografias e os textos

escritos eram o expediente mais comum, seguida por fitas K-7, vídeos,

diagramas, etc, gerando, nos anos 70, o conceito de "instalação" – um

arranjo cênico de objetos, que vem a se tornar a linguagem

predominante da arte no fim de século.

Os materiais estão carregados de sentidos e deles não se considera

apenas a forma, a textura ou a cor. Alguns artistas buscam,

principalmente, recuperar o significado afetivo e simbólico que foram

estabelecidos com determinados materiais, e muitos não se

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incomodavam em evitar as trivialidades, em criar elementos que

tornassem interessantes suas composições ou realizar composições

agradáveis ao olhar. Pelo contrário, era preferível que nada desviasse a

atenção da idéia que um trabalho deveria expressar. Alguns iam mais

longe, afirmando que essas imagens triviais poderiam refletir a própria

superficialidade de quem as observa.

Devido à grande diversidade, muitas vezes com concepções

contraditórias, não há um consenso que possa definir os limites precisos

do que pode ou não ser considerado como arte conceitual. Segundo

Joseph Kosuth (1945), em seu texto Investigações, publicado em 1969, a

análise lingüística marcaria o fim da filosofia tradicional, e a obra de arte

conceitual, dispensando a feitura de objetos, seria uma proposição

analítica, próxima de uma tautologia1. Como por exemplo em Uma e três

cadeiras, apresenta o objeto cadeira, uma fotografia dela e uma definição

do dicionário de cadeira impressa sobre papel. Utilizando-se de imagens

comuns, a cadeira de Kosuth, em que pode se argumentar não ter

acrescentado nada ao conhecimento de qualquer pessoa, acostumada

com uma cadeira, não costumava ser bem recebida pelo público.

Além disso, o problema maior era que, não acrescentando nada,

essas experiências fora do eixo convencional tornavam difícil o

julgamento do que era realmente uma obra de arte ou simples

amadorismo.

_______________

1 tautologia, s. f. (tauto + logo + ia). 1. Gram. Vício de linguagem, que consiste em repetir o

mesmo pensamento com palavras sinônimas. 2. Lóg. Erro que apresenta, como progresso do pensamento , uma repetição em termos diferentes. Fonte: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

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Entretanto, grande parte dos artistas conceituais tinham por objetivo,

com esse tipo de procedimento, realizar exatamente o contrário:

popularizar a arte, fazer com que ela servisse como veículo de

comunicação. Seria uma oposição ao hermetismo do minimalismo e à

redução da arte às relações, por exemplo, entre forma e pigmentação.

Na verdade, servindo-se de textos abstratos, normalmente

aproveitando-se da lingüística ou da filosofia, acabam por possivelmente

aumentar o hiato entre o artista e o grande público.

Apesar das diferenças pode-se dizer que a arte conceitual é uma

tentativa de revisão da noção de obra de arte arraigada na cultura

ocidental. A arte deixa de ser primordialmente visual, feita para ser

olhada, e passa a ser considerada como idéia e pensamento. Muitos

trabalhos que usam a fotografia, xerox, filmes ou vídeo como documento

de ações e processos, geralmente numa recusa da noção tradicional de

objeto de arte, foram designados como arte conceitual. Além da crítica ao

formalismo, artistas conceituais atacaram ferozmente as instituições, o

sistema de seleção de obras e o mercado de arte.

George Maciunas (1931-1978), um dos fundadores do Fluxus,

redige em 1963 um manifesto, em que dizia: "Livrem o mundo da doença

burguesa, da cultura 'intelectual', profissional e comercializada. Livrem o

mundo da arte morta, da imitação, da arte artificial, da arte abstrata...

Promovam uma arte viva, uma antiarte, uma realidade não artística, para

ser compreendida por todos [...]". A contundente crítica ao materialismo

da sociedade de consumo, elemento constitutivo das performance e

ações do artista alemão Joseph Beuys (1912-1986), pode ser

compreendida como arte conceitual.

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Embora os artistas conceituais critiquem a reivindicação moderna de

autonomia da obra de arte, e alguns pretendem até romper com

princípios do modernismo, há algumas premissas históricas que podem

ser encontradas em experiências realizadas no início do século XX. Os

ready-mades de Marcel Duchamp (1887-1968), em que a “artisticidade”

do objeto é conferida pelo contexto em que é exposto, seria um

antecedente importante para a reelaboração da crítica dos conceituais.

Outro importante antecedente foi o Desenho de De Kooning

Apagado, apresentado por Robert Rauschenberg (1925) em 1953 em

que, como o próprio título enuncia, é um desenho de Willem de Kooning

(1904-1997), artista ligado à abstração gestual surgida nos Estados

Unidos durante o pós-guerra, em que Rauschenberg, com a permissão

de seu colega, apaga e desfaz o gesto de De Kooning. A obra final, um

papel vazio quase em branco, levanta a questão sobre os limites e as

possibilidades de superação da noção moderna de arte.

I.II. O CONCEITO DE INSTALAÇÃO

Este conceito surge no vocabulário das artes visuais em meados da

década de 60, caracterizando assemblages ou ambientes estruturados

nos espaços das galerias e museus. É acoplado em uma modalidade de

produção artística que tem como função lançar a obra no espaço, com o

auxílio de materiais de variados tipos, na tentativa de construir um certo

ambiente ou cena, cujo movimento está dado pela relação entre objetos,

construções, o ponto de vista e o corpo do observador.

Para a apreensão da obra é preciso percorrê-la, passar entre suas

dobras e aberturas, ou simplesmente caminhar pelas veredas e trilhas

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que ela constrói por meio da disposição das peças, cores e objetos. Esse

tipo de trabalho buscava acabar com a passividade do público, buscando

ampliar o seu contato com a obra. Parte da premissa de que é limitante

apreciar uma obra só com o olhar, explorando outros sentidos, como tato

e audição.

Anúncios precoces do que viria a ser designado como instalação

podem ser localizados nas obras Merz (1919) de Kurt Schwitters (1887-

1948) e em duas obras que Marcel Duchamp (1887-1968) realiza para as

exposições surrealistas de 1938 e 1942, em Nova York.

Dentro do Minimalismo é possível localizar também um prenúncio do

que viria a ser nomeado como instalação. Aí, as esculturas saem dos

pedestais e ganham o solo, ocupando, vez por outra, todo o espaço da

galeria. Os objetos dispostos no espaço, na relação que estabelecem

entre si e o observador, constroem novas áreas espaciais, evidenciando

aspectos arquitetônicos. Só que agora a ênfase é colocada mais

fortemente na percepção, pensada como experiência ou atividade que

ajuda a produzir a realidade descoberta.

I. III. DALE CHIHULY (Tacoma, Estados Unidos, 1941)

Foi introduzido ao trabalho com vidro durante seus estudos na

University of Washington, onde se formou em 1965. Recebeu, em 1968,

bolsa de estudos da Fundação Fulbright, para trabalhar em Veneza

(Itália). De retorno aos Estados Unidos, fundou, em 1971, a Pilchuck

Glass School, em Washington. O primeiro catálogo de sua obra foi

publicado em 1982. Possui obras em mais de 200 museus do mundo

todo, entre os quais destacam-se: Metropolitan Museum of Art (Nova

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York), Musée des Arts Décoratifs (Paris) e Victoria and Albert Museum

(Londres).

Famoso por utilizar uma paleta rica de cores vivas e formas

extravagantes, o artista revela na sua obra uma sutileza orgânica

extraordinária e grande requinte textural, não apenas nos objetos, mas

também nas mais de 100 instalações públicas que realizou nos cinco

continentes. Percebe-se pleno domínio das técnicas recorrentes ao vidro,

e uma apreciação por intervenções luminosas.

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CRYSTAL GATE, 1998

ATLANTIS RESORT, PARADISE ISLAND, THE BAHAMAS

Fonte: http://www.chihuly.com/

FIORI DI COMO, 1998

BELLAGIO RESORT, LAS VEGAS, NEVADA

Fonte: http://www.chihuly.com/

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I.IV. ALEXANDER CALDER (Pensilvânia, Estados Unidos, 1898)

Filho e neto de escultores, formou-se em Engenharia Mecânica e

exerceu esta profissão durante quatro anos. Aos 25 anos de idade,

largou o emprego e foi para Nova York, onde estudou Artes e trabalhou

de ilustrador na National Police Gazette. Ficou em Paris entre 1926 e

1931 onde conheceu Duchamp, Miró, Arp e Léger, artistas com quem

expôs ao longo de sua carreira em diversos museus. Freqüentou a

Academia de La Grande Chaumière e participou do Grupo Abstraction-

Creation.

Introduziu o movimento motorizado em esculturas-relevo e realizou

os seus famosos móbiles, assim batizados por Duchamp. Os móbiles

respondem às correntes de ar ou à ação do observador, e alteram as

relações espaciais. No fim da década de 30 produziu trabalhos

influenciados por Miró, onde fica evidente a relação com formas

biomórficas de conotação surrealista. Em oposição aos móbiles, surgiram

os stábiles, construções estáveis e estáticas, geralmente de grandes

dimensões. Mais tarde, além de desenhar jóias, fez tapeçarias,

serigrafias e cenários. Viajou para o México e Brasil em 1948. Morreu em

Nova York, em 1976.

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TOWER WITH PINWHEEL, 1951

NATIONAL GALLERY OF ART, WASHINGTON

Fonte: http://www.nga.gov/

BLACK, WHITE, AND TEN RED, 1957

NATIONAL GALLERY OF ART, WASHINGTON

Fonte: http://www.nga.gov/

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CAPÍTULO II

AR: DA SERENIDADE À AGONIA

O ar é o elemento incorpóreo, gasoso. Possui uma denotação muito

específica quanto à substância que respiramos, com uma composição

química de 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e, ainda, pequenas

quantidades de dióxido de carbono, vapor d'água e gases inertes.

Embora seja extremamente estável na sua forma mais pura, sua

composição se altera com o aumento da altitude e em espaços fechados,

onde é utilizado por plantas e animais.

O ar pode ser considerado o elemento mais amistoso e necessário,

misturando-se bem à terra e à água, sendo essencial para a existência

do fogo e indispensável no metabolismo da fauna e da flora. Mas apesar

de sua natureza harmoniosa e versátil, este elemento não está imune à

presença humana e sua propagação em nome do progresso.

A atividade industrial, os veículos automotores e as queimadas em

geral, não só consomem recursos naturais como lançam constantemente

para a atmosfera grandes quantidades de substâncias poluentes, que

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com o tempo a transformam afetando toda a biosfera e alterando

gravemente o equilíbrio dos ecossistemas.

“A poluição atmosférica (ou do ar) pode ser definida como a introdução na atmosfera de qualquer matéria ou energia que venha a alterar as propriedades dessa atmosfera, afetando, ou podendo afetar, por isso, a ”saúde" das espécies animais ou vegetais que dependem ou tenham contato com essa atmosfera, ou mesmo que venham a provocar modificações físico-químicas nas espécies minerais que tenham contato com ela”. (Gil Portugal)

O termo poluição também pode se referir a ondas eletromagnéticas

ou radioatividade. Uma interpretação mais ampla do termo deu origem a

idéias como poluição sonora e poluição visual, assuntos relevantes na

proposta.

“Dá-se o nome de poluição visual ao excesso de elementos ligados à comunicação visual (como cartazes, anúncios, propagandas, banners, totens, placas, etc) dispostos em ambientes urbanos, especialmente em centros comerciais e de serviços. Acredita-se que, além de promover o desconforto espacial e visual daqueles que transitam por estes locais, este excesso enfeia as cidades modernas, desvalorizando-as e tornando-as apenas um espaço de promoção do fetiche e das trocas comerciais capitalistas. Acredita-se que o problema, porém, não é a existência da propaganda, mas o seu descontrole”. (Wikipédia, Enciclopédia livre)

“Poluição sonora é qualquer alteração das propriedades físicas do meio ambiente causada por puro ou conjugação de sons, admissíveis ou não, que direta ou indiretamente seja nociva à saúde, segurança e ao bem. O som é a parte fundamental das atividades dos seres vivos e dos elementos da natureza”. (Wikipédia, Enciclopédia livre)

Não importando classificações ou níveis, a poluição emite efeito

negativo comprovado nos seres humanos, influenciando direta e

indiretamente o corpo e a mente, e assim, como tudo aquilo que agride a

nossa sensibilidade, gerando desequilíbrios psíquicos e doenças físicas

degenerativas, pois, apesar da nossa habilidade evolutiva de adaptação,

não estamos munidos fisiologicamente de reações defensivas a altura de

tal acontecimento.

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Todo ser vivo é dotado de mecanismos de defesa indispensáveis à

sobrevivência no ambiente externo em que vive. Tais mecanismos

constituem-se principalmente dos sentidos da visão, audição, tato, olfato

e paladar; ferramentas presentes quase integralmente em todo reino

animal. Somente eles propiciam completo domínio perceptivo espacial,

proporcionando relações de comprimento, volume e distância; percepção

e distinção dos objetos e suas cores, odores, sabores, texturas, sons e

movimento.

A partir desses sentidos nós compreendemos o ambiente que nos

rodeia, julgando a realidade de acordo com os estímulos externos

enviados ao cérebro através do sistema nervoso.

“A maior parte do sistema nervoso é iniciada pela experiência sensorial que emana dos receptores sensoriais, quer sejam os receptores visuais dos olhos, os receptores auditivos nos ouvidos, os receptores táteis sobre a superfície do corpo, ou outros tipos de receptores. A experiência sensorial pode causar reação imediata do cérebro, ou a memória da experiência pode ser armazenada no cérebro por minutos, semanas ou anos e determinar reações corporais em alguma data futura”. (Guyton e Hall, 2002: 478)

No ser humano, estes mecanismos sensoriais encontram-se em

estágio evoluído devido à habilidade de escolha voluntária do objetivo

para as funções, não se restringindo somente a instintos primários, mas

vinculando-se diretamente aos sentimentos e sensações relacionados

desde à satisfação incalculável até o completo desgosto.

Apesar dessa consciência adquirida, a percepção espacial, sensível

principalmente a variações no campo visual, auditivo e olfativo, é fato

desgastado no ser humano contemporâneo. A poluição devido ao

excesso de informações e acontecimentos sujeitaram-no à uma

seletividade restrita a concepções de primeira ordem, relativas às

necessidades do mundo moderno.

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Essa carência sensitiva afeta não somente sua integridade física

submetendo-o a enfermidades (como exemplo de moléstia de grande

amplitude podemos citar o stress), mas consideravelmente sua psique,

sua identidade como indivíduo pensante em toda singularidade e ao

mesmo tempo insignificância perante a imensidão do mundo.

Estímulos aos sentidos através de canções, odores e luzes,

oferecendo um ambiente propício à meditação, livre de interferências

externas, resgatam a sensibilidade extra-sensorial encravada no

subconsciente instintivo, não utilizada de maneira usual para a

sobrevivência, mas como intermédio do prazer.

Prazer concebido através de um processo contemplativo presente

na cena artística-cultural, que consiste no afastamento de todo e

quaisquer pensamento irrelevante para se concentrar física e

emocionalmente no objeto a ser foco da atenção, inerte ou em

movimento.

Este processo defino como atalho para os sentimentos humanos,

portanto o caminho ideal para expor uma idéia ao julgamento público de

maneira alternativa. “Um gesto vale mais que mil palavras” – ao invés de

expressar pensamentos através da argumentação, utilizo os ideais da

arte conceitual quanto meio de comunicação em massa, mais

precisamente os princípios da instalação, como ferramenta para criar um

ambiente de completa inteiração, e assim atingir o objetivo de induzir o

espectador a uma introspecção reflexiva, vivenciando um paradoxo de

sentimentos e sensações que envolvem a obra.

O título “Ar, elemento de poética” remete ao elemento cuja

percepção é praticamente impossível quando este não se encontra em

movimento ou não se origina de uma combustão orgânica como a

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fumaça, se mostrando o caminho ideal para “desencravar” uma

sensibilidade mais aguçada.

A proposta consiste em apresentar a leveza, tão clara e óbvia,

inerente ao ar; a liberdade por ele concedida - mas ao mesmo tempo

induzir a um questionamento dessa liberdade, sobrepujando a sensação

à uma reflexão baseada nos princípios fundamentais da física.

Tal proeza só poderá ser concretizada devido à capacidade da

matéria em transitar entre seus estados físicos naturais, pois através do

processo de sublimação direta (passagem direta do estado sólido para o

estado gasoso) pode-se obter a fumaça - imprescindível para a

visualização do elemento gasoso, ou seja, o ar - concebida quando o

objeto sólido atinge seu ponto de sublimação através da combustão

(oxidação). Essa mudança nos estados físicos da matéria tem por

objetivo demonstrar ao espectador a condição existencial infinita, pois

“nada se perde, tudo se transforma”.

A partir de defumadores (variação de formato do incenso

convencional) a fumaça será adquirida, e assim impregnando o recinto

com o aroma de Camomila, planta pertencente à família das

Compostas2, reconhecida pelas propriedades calmantes. A fumaça

liberada estará envolta por um paralelepípedo de vidro transparente, cujo

intuito é submetê-la a uma semiclausura, permitindo sua liberação

apenas por orifícios presentes em toda a extensão lateral, mas não

comprometendo a inter-relação do movimento da fumaça com o espaço

limite à ela designado.

_____________

2Compostas, s. f. pl. Bot. Família (Compositae) da ordem das Campanuladas, cujas espécies

são, na maioria, ervas, e somente nas zonas tropicais e subtropicais chegam a formar arbustos e até arvores. Essa família se distribui em todas as zonas do globo. S. f. Espécime das Compostas. Fonte: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

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Cada bloco de vidro incluído o defumador (dois no total) será

disposto sobre um suporte de madeira abrigando na sua extremidade

superior uma fonte luminosa direcionada para o alto, e assim

proporcionando uma claridade de tom azulado devido à placa de vidro de

coloração azul-real da base.

Os dois conjuntos vidro-defumador-base se encontrarão enfileirados

no centro de uma sala retangular, munido, cada um, de uma almofada à

sua frente, onde o espectador terá a oportunidade de sentar e relaxar, e

através de um som ambiente concentrar-se no agente principal.

Não podendo ser considerada como apenas um elemento

secundário da instalação, a trilha sonora ocupa o papel importante de

agente indutor dos sentimentos cronologicamente estipulados,

constituindo-se de duas canções distintas, e assim, dividindo o período

de duração em três segmentos, sendo eles: o primeiro momento que

consiste na entrada do espectador, período em que todas as fontes

luminosas, diretas e difusas, permanecerão acesas permitindo assim, o

acomodamento dos presentes nos respectivos assentos.

Durante todo o contato primário a canção estará em andamento,

proporcionando o tempo necessário para uma contemplação inicial e

familiarização com o espaço ocupado.

O segmento seguinte consiste apenas na intersecção causada por

uma interferência repentina da música; momento de ruptura da

iluminação difusa, permanecendo acesos somente os feixes luminosos

oriundos da base dos suportes.

Page 24: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

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A partir daí, dar-se-á início ao segundo momento; o ápice da obra. O

momento de conflito e contemplação máxima, entrando em vigor as

sensações propostas e seus contrapostos.

Mediante ao contato espontâneo, individual e subjetivo com a obra,

o espectador se verá diante de uma situação não-cotidiana e superficial,

improvisada temporariamente com o intuito de tocar, pelo momento

seguinte, seus sentimentos.

Esse encontro instigará primeiramente o desejo de contemplação,

único artifício de interesse para a absorção do pensamento, rejeitando o

racional; o ato de pensar é expressamente desnecessário, evitando

interferências na concentração dos sentidos em captar o som, o odor e o

movimento.

A intenção geral da instalação é induzir à um estado hipnótico ao

observar a fumaça em toda sua liberdade e leveza, se desfazendo

temporariamente de problemas e preocupações para ouvir – sentir o som

através da pele; e ver – sentir com os olhos as texturas e cores; e assim

transpor tais sensações a si mesmo, ou seja, sentir-se leve e livre.

Uma alusão à percepção do planeta, receber sua presença e

mesclar-se à sua atmosfera, mergulhando o espectador, que deixa seu

posto de receptor passivo para fazer parte do todo, em um surrealismo

imperceptível à razão e à lógica, mas inquestionavelmente presente na

realidade, estimulando a percepção espacial e assim originando o

sentimento eufórico e uma provável sensação asfixiante.

A euforia refere-se ao simbolismo, à sensação de liberdade causada

pela percepção do ar à volta de tudo e de todos, através do simples ato

de: ver as partículas se desmembrando da massa sólida que as

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encarceravam, jogando-se no infinito coletivo e à ele se misturando e

dissolvendo; sentir o odor e o movimento constante do ar, o que remete,

de uma forma direta, ao paladar e ao tato; ouvir a canção para ter noção

da “espacialidade” infinita.

Contraposto deste estado eufórico adquirido a partir da tranqüilidade

e do comodismo fornecidos pelo ambiente, a sufocação, ou asfixia, é

classificada como um fim paralelo ocasional. Tal sensação não tem

origem apenas nas reações nicto-claustrofóbicas3 com relação ao

espaço compacto e carente de iluminação, mas também, no paradoxo da

liberdade em questão, cujo questionamento se baseia em um princípio

fundamental da física: a lei da impenetrabilidade.

“impenetrabilidade, s. f. (impenetrável + dade). 2. Fís. Propriedade em virtude da qual dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço”. (Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa)

Sendo assim, sujeito o simbolismo e associações convencionais

incumbidos ao ar à uma analogia a partir de uma visão cética e científica,

resultando em uma percepção do ar quanto atmosfera - infinitas

partículas aglomeradas como um bloco maciço de gás; uma submersão

em átomos que se alastram irremediavelmente, impregnando tudo e

todos, além de oferecer resistência aos movimentos devido ao atrito.

Essa percepção remete à condição emocional produzida pelo

afogamento, ao desespero causado pela clausura e deficiência

respiratória.

Vivenciar o paradoxal, os momentos singulares de serenidade e

agonia, através de um processo artístico, foi o caminho escolhido para

induzir ao resgate da consciência espacial e sensitiva do ser humano,

levando-o a experimentar a beleza e perfeição da natureza e ao mesmo

tempo adquirir valores e mandamentos morais de preservação, afinal

Page 26: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

26

todos os seres vivos e “não-vivos” consistem em uma comunhão

recíproca, cujo desequilíbrio afeta a todos.

_____________

3 nictofobia, s. f. (nicto + fobia) Med. Medo mórbido da noite. Fonte: Dicionário Brasileiro da

Língua Portuguesa

claustrofobia, s. f. (claustro + fobo + ia) Med. Medo mórbido da clausura ou dos pequenos espaços. Fonte: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

Page 27: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

27

CAPÍTULO III

ELEMENTOS DA INSTALAÇÃO

III.I. FUMAÇA

“O termo fumaça é normalmente utilizado para definir um sistema que inclui produtos de combustão incompleta de substâncias orgânicas na forma de partículas sólidas ou líquidas suspensas no ar e produtos gasosos misturados com o ar. A densidade óptica de uma fumaça geralmente é suficientemente grande para se tornar visível e para interceptar ou obscurecer perceptivelmente a visão”. (João Antonio Munhoz, Químico Industrial)

Devido à composição e densidade visual, a fumaça mostrou-se

como único artifício viável que capacita visualizar uma formação gasosa

em seu processo de dissipação na atmosfera, portanto, primordial para

que haja referência direta com a temática proposta. Além disso, ela atua

de maneira significativa no corpo humano, estimulando tanto as

percepções visuais e olfativas, quanto as táteis e gustativas, sendo que,

a intensidade interventiva é volúvel com relação à quantidade e à

composição química, podendo causar desde morte por asfixia até alívio

para enxaquecas.

Page 28: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

28

“Cientificamente algumas pesquisas indicaram que, ao ser queimado, o incenso desprende uma substância chamada tetraidrocanabinol (THL) que tem qualidades inebriantes e anestésicas, que atenuam inclusive dores de cabeça ou de dente. Isso é comprovado devido ao fenol exalado pela fumaça do incenso atuar no córtex cerebral e sobre o sistema neurovegetativo”. (Flávio Pedro dos S. Pita, Terapeuta Holístico, CRT nº 35906)

Este trecho justifica a escolha do incenso como meio para obtenção

da fumaça, pois além dos benefícios descritos acima, ele também

oferece uma grande variedade de aromas, cada qual com prescrições

distintas, permitindo pré-induzir o espectador a condições mentais

segundo as propriedades da essência utilizada. No caso desta proposta,

a essência escolhida é a da Camomila (Matricaria chamomilla): planta

herbácea4 pertencente à família das Compostas, nativa dos campos da

Europa; uma das plantas mais antigas que se têm notícia na medicina

tradicional européia, remontando o seu uso comprovadamente há 2000

anos por Dioscorides na Grécia antiga. Seu uso mais freqüente é em

forma de chá ou decoto de suas flores como tônico amargo, adstringente,

analgésica, anti-séptica, antialérgica, antiinflamatória, calmante,

carminativa, cicatrizante, desinfetante, emoliente, refrescante, digestiva,

para facilitar a eliminação de gases, combater cólicas e estimular o

apetite.

CAMOMILA (Matricaria chamomilla)

____________

4herbáceo, adj. (1. herbaceu). Bot. 1. Que diz respeito a erva. 2. Diz-se da planta que tem as

características da erva. 3. Designativo das plantas cujos ramos e hastes não são lenhosos e perecem depois da frutificação. Fonte: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa

Page 29: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

29

Dentre as propriedades inerentes à Camomila, a de maior relevância

para a instalação é a capacidade de proporcionar relaxamento,

acalmando o sistema nervoso e apaziguando os ânimos dos que dela

usufruem. Ela adquire a função de preparar o espectador para o evento

desconhecido, “anestesiando-o” durante todo o seu andamento,

permitindo assim, maior concentração e aproveitamento.

É indispensável salientar também, uma presença importante

enquanto ferramenta para promover um encerramento da seqüência

perceptiva do ar, complementando concretamente o círculo dos cinco

sentidos – cabe à ela a responsabilidade pela experiência tátil. A brisa,

adquirida por intermédio artificial (ventiladores), possui denotação sobre

a simbologia referente a fumaça, ambas constituídas de composição

gasosa, reforçando o ideal de libertação sugerido pelo vento, apesar de

sua carência em intensidade para ser nomeada como tal.

O ar que respiramos circunda a Terra como um imenso invólucro,

mantendo-se em constante movimento, resultante de diferenças de

pressão atmosférica, proveniente, na maioria dos casos, de variações de

temperatura. Essa movimentação - o vento - consiste no deslocamento

em sentido horizontal de grandes massas de ar, que se movem em torno

da superfície terrestre a velocidades muito variáveis, abrangendo áreas

cujas amplitudes são igualmente diversas. Tal amplitude extensiva é

determinada pela configuração e volume do espaço “vazio”, ou seja,

ausente de matéria líquida e sólida; variável a interferências causadas

pelo próprio ciclo de movimentação e dos corpos ativos que o circundam.

Seguindo esta lógica, a distribuição do ar escolhida tende a se

aproveitar dos limites impostos pela sala, consistindo-se de duas fontes

de ventilação dispostas aos cantos próximos as paredes, de maneira que

não intervenham na atenção do público; ambas com movimento

Page 30: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

30

semicircular opostos entre si, proporcionando uma dispersão irregular e

mais completa do ar, e direcionadas para o alto com o intuito de evitar

uma percepção forçada pelo espectador.

Apesar de todas as funções e simbologia incumbidos à brisa, seu

objetivo principal perante a obra é garantir a inteiração e integração da

fumaça com o espaço interno delimitado pelo vidro através da fluência

constante da massa de ar externa; e a partir deste processo contínuo,

promover o desenvolvimento da instalação ante o tempo e espaço - fator

recorrente ao artifício atrativo mais intenso para adquirir a atenção: o

movimento.

Essa variação motora perante o espaço pressupõe ao espectador

uma ascendência interativa influenciada principalmente por variações no

campo visual, mas instigando igualmente a sensibilidade tátil.

“É compreensível que se tenha desenvolvido no animal e no homem uma resposta tão intensa e automática ao movimento. O movimento implica numa atenção nas condições ambientais, e mudança pode exigir uma reação. Pode significar a aproximação do perigo, o aparecimento de um amigo ou de uma presa desejável. E como os olhos se desenvolveram como instrumentos de sobrevivência, adaptaram-se a sua tarefa.” (Arnheim, 2004: 365)

Seguindo uma linha analítica baseada em classificar a evolução do

movimento presente na instalação, particularmente o de natureza visual,

enfatizo a característica inerente ao deslocamento gasoso constante na

atmosfera, a casualidade física, onde ordem e coordenação dos

deslocamentos aos vários níveis são permitidos mudar ao acaso e as

surpresas das configurações não prescritas constituem um fator

contemplativo agradável, sugerindo uma hipnose por empatia.

“Quando o acontecimento é desorganizado ou incompreensível, a seqüência se interrompe tornando-se uma mera sucessão. Perde sua principal característica; e mesmo a sucessão dura apenas enquanto seus elementos estão sendo pressionados através de

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31

desfiladeiros próximos. A execução torna-se caleidoscópica: há mudança constante mas nenhuma progressão, e não há motivo para lembrar fases passadas do espetáculo, exceto talvez para admirar sua variedade. Nenhum tempo liga estas fases momentâneas, porque só o tempo pode criar sucessão, mas não ordem. Ao contrário, qualquer experiência de tempo pressupõe algum tipo de ordem.” (Arnheim, 2004: 368)

Essa inconstância é variável na relação espacial dentro de um

conjunto de elementos ligados. Juntos, os meios seqüenciais e não

seqüenciais interpretam a existência em seu aspecto duplo de

permanência e de transformação. Esta complementaridade se expressa

numa relação recíproca entre espaço e força: o espaço é definido pelas

forças motoras que neles se encontram; a expansão torna-se real

quando o agente percorre este espaço, a distância é criada pelas

partículas que se afastam uma da outra.

Com relação ao espaço é cabível também se referir às

demonstrações feitas por Karl Duncker, comentadas por Arnheim (2004),

sobre o campo visual, onde os objetos são vistos numa relação

hierárquica de dependência. As leis de Duncker indicam que, num

deslocamento motor, a moldura de referência tende a ser percebida

como se estivesse imóvel e o objeto dependente, em movimento.

Utilizo esta lei como mera referência a uma interpretação inversa do

significado que não somente o vidro, mas sim toda o espaço envolto à

fumaça, é parte integrante do “fundo”, criando uma moldura que enfatiza

sua supremacia sobre os demais elementos da instalação. Tanto a

“movimentação” da música ante o tempo, quanto as intersecções

cronológicas na iluminação, formam um grupo que direciona a atenção

para a protagonista da obra.

Page 32: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

32

III.II. LUZ

“Se quiséssemos começar com as primeiras causas da percepção visual, um exame da luz devia ter precedido todos os outros porque sem luz os olhos não podem observar nem forma, nem cor, nem espaço ou movimento. Mas a luz é mais do que apenas a causa física do que vemos. Mesmo psicologicamente continua sendo uma das experiências humanas mais fundamentais e poderosas, uma aparição compreensivelmente venerada, celebrada e solicitada nas cerimônias religiosas”. (Arnheim, 2004: 293)

Através deste trecho venho enfatizar a importância da luz como

elemento essencial da instalação, pois para o ser humano, como para

todos os animais diurnos, ela é pré-requisito dominante para a maioria

das atividades, portanto indispensável para a interação do espectador.

Ela entra na cena da arte como um agente vivo, proporcionando a

claridade necessária para a visualização da fumaça.

A claridade que vemos depende, de um modo complexo, da

distribuição de luz na situação total, dos processos ótico e fisiológico nos

olhos e sistema nervoso do observador, e da capacidade física de um

objeto em absorver e refletir a luz que recebe. Esta capacidade física é

chamada luminância ou qualidade refletiva. É uma propriedade constante

de qualquer superfície. Dependendo da força da iluminação5, um objeto

refletirá mais ou menos luz, mas sua luminância, isto é, a porcentagem

de luz que ele reflete, permanece a mesma.

Devido a esses fatores uma distribuição de luz criteriosa foi utilizada

para obter uma unidade e ordem não apenas à configuração dos objetos

isolados, mas igualmente à do conjunto inteiro, a fim de guiar a atenção

seletivamente de acordo com o significado desejado, especialmente no

segundo momento.

Apesar da presença de mais de uma fonte luminosa, cada conjunto,

constituído de uma luz direcional6 e uma difusa7, é dotado de

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33

singularidade, como câmaras individuais dispostas de modo que não

haja interferências na focalização do objeto da ação, formando assim o

coletivo, cujo propósito é agilizar a inteiração do público com a obra.

Parte relevante e não menos importante, a obscuridade presente no

segundo momento refere-se à dramaticidade, o antigo jogo das forças de

luz e escuridão, feito para prender o objeto único no qual o conflito entre

a unicidade e a dualidade cria um alto nível de tensão e o conflito de dois

opostos, numa união não consumada, causados pelo alto contraste

calculadamente proposital.

Uma vez que a claridade da iluminação significa que uma dada

superfície está voltada para a fonte de luz, enquanto a obscuridade

significa que está afastada, a distribuição de claridade ajuda a definir a

orientação dos objetos no espaço, neste caso, com o intuito de enfatizar

o foco principal que supera o nível de claridade média estabelecido por

sua localização do espaço total, assim destacando o misterioso brilho da

fumaça quando colocada em ambiente de maior nível de escuridão.

Descrevendo através das palavras de Arnheim (2004), a

obscuridade é tão profunda que produz uma não existência de realce

negro dando ao observador a convincente impressão de que as coisas

emergem de um estado de não ser e de tender a retornar a ele.

____________ 5Iluminação é a ação de controlar as luzes e as sombras para mostrar a forma e a textura de

um rosto ou um objeto, sugerir um ambiente em particular ou, como acontece com a música, criar uma atmosfera. E seja que se ilumine para uma produção dramática ou de outro tipo, existem muitas soluções para um mesmo problema. Fonte: http://www.luzfria.com.br 6A luz direcional gerada por luzes diretas que iluminam áreas relativamente pequenas, tem

um facho de luz muito marcado, que produz sombras densas e bem definidas. O sol de um dia claro e sem nuvens, atua como um gigantesco spotlight que produz sombras densas e definidas. Fonte: http://www.luzfria.com.br 7A luz difusa ilumina áreas relativamente grandes através de um facho amplo e pouco

definido. Se produz por meio de luzes difusas ou floodlights, as quais geram sombras suaves e transparentes. O sol de um dia nublado atua como uma luz difusa ideal, já que as nuvens transformam os severos raios do sol em luz altamente difusa. Fonte: http://www.luzfria.com.br

Page 34: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

34

Com relação às percepções propostas como resultantes, a ausência

de luz remete-se ao simbolismo; à sensação de asfixia resultante de um

nível nicto e claustrofóbico mínimo, variável em sua intensidade de

pessoa à pessoa.

O paradoxo existente no segundo momento não se limita apenas ao

conflito entre luz e escuridão. Sujeita também à uma analogia do estado

sensível do ar, que afeta diretamente os órgãos dos sentidos corporais,

através do hábito de usar as sensações de temperatura para descrever

as cores.

“Ninguém nega que as cores carregam intensa expressividade, mas ninguém sabe como tal expressividade ocorre. Admite-se, é amplamente aceito que a expressividade se baseia na associação”. (Arnheim, 2004:358)

Assim, como a luz é contraparte visual do calor, utilizo as teorias da

distinção entre cores quentes e frias para manter um equilíbrio resultante

do conflito físico-simbólico criado entre a característica inerente à luz em

fornecer calor e a iluminação azulada escolhida.

O azul é refrescante como a água - a cor desperta em nós a reação

provocada pela estimulação do calor, e as palavras “quente” e “fria” são

usadas para descrever cores, simplesmente porque a qualidade

expressiva em questão é mais forte e biologicamente mais vital no

âmbito da temperatura.

III. III. MÚSICA

“Ora, a musica é algo audível, como uma pintura é algo visível, não meramente em sua concepção, mas em sua existência sensível. Quando uma peça de musica esta inteiramente realizada, ela está ali para ser ouvida pelo ouvido físico bem como pelo ouvido interior”. (Langer, 1980:127)

Page 35: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

35

Esta é a intenção que justifica a presença da música na instalação;

todas as artes exercem um certo hipnotismo perante o público, mas

nenhuma o faz tão pronta e patentemente quanto a música.

Apesar de consistir de identidade artística própria, essa estrutura

fisicamente não-sensorial é utilizada na arte efêmera como um

suplemento dos recursos para a transmissão de um pensamento ou

idéia, ocupando o cargo de agente indutor, na crença de que a função

apropriada da música, é provocar um tipo refinado de prazer sensorial

que, por sua vez, evoque uma sucessão de sentimentos estipulados e

pressupostos pelo autor.

Pois, segundo a teoria apresentada por Susanne Langer (1980), as

estruturas tonais a que chamamos de música têm uma intima

semelhança lógica com as formas dos sentimentos humanos – formas de

crescimento e atenuação, fluência e estagnação, conflito e decisão,

rapidez, parada violenta, excitação, calma, ou ativação sutil e lapsos

sonhadores.

A trilha sonora consiste em uma montagem a partir de canções já

existentes, constituída de duas extensões distintas, divididas entre si por

uma intervenção aguda de alta amplitude.

As duas canções principais são de autoria da banda islandesa Sigur

Rós, presente no repertório do álbum Hlemmur Soundtrack – trilha

sonora criada especialmente para o documentário islandês Hlemmur

(2002). Sendo que a primeira, “Hlemmur 3” (1:19 mins), pode ser descrita

como uma extensão contínua de caráter ressonante e harmoniosa

sobreposta por um ruído áspero e cortante. Esse contraste de

sonoridade proposto inclui a lista de paradoxos que simbolizam o conflito

Page 36: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

36

de sentimentos e sensações, assim como o jogo de claro-escuro

presente na iluminação.

HLEMMUR SOUNDTRACK (2002)

Fonte: http://www.sigur-ros.co.uk/

A segunda, “Jósef Tekur Fimmuna í Vinnuna” (3:04 mins), é mais

progressiva, desenvolvendo-se suavemente até um ápice ressonante,

marcada também por ruídos metálicos que remetem simbolicamente às

súbitas mudanças ocasionais na coreografia da fumaça, e “chacoalhos

percussivos” que induzem o ritmo.

Já a intersecção é proveniente da música “The Main Access

Corridor” (12:04 mins) presente no álbum Selections From The Motion

Picture Soundtrack Event Horizon, trilha sonora do filme “Além do

Horizonte” (Event Horizon - 1997) escrito e executado por Michael

Kamen e Orbital. A sua alta amplitude tem por motivo recapitular a

atenção do espectador à nova condição proposta pelo ambiente,

ocasionando um “susto” que acarretará em um clima de suspense; ideal

para a assimilação das sensações negativas (asfixia).

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37

SELECTIONS FROM THE MOTION PICTURE SOUNDTRACK EVENT HORIZON (1997)

Fonte: http://www.amazon.com

O caráter sonoro de toda a trilha é marcado por uma sutileza

melódica proveniente da característica ressonante que predomina em

ambas as canções. Segundo consta no Dicionário Brasileiro de Língua

Portuguesa, ressonância é a prolongação de um som causada por sua

reflexão, ou por sua repercussão em outros corpos que entram em

vibração. Essa propriedade reflexiva está intimamente ligada ao termo

“espacialidade infinita” mencionado no capitulo anterior, designando “a

grandeza e brevidade e o passar eterno de tudo”.

III. IV. PROCESSO CRIATIVO-PRODUTIVO

O processo de criação e desenvolvimento do projeto caracterizou-se

pelas constantes mudanças tanto na linguagem artística a ser utilizada,

quanto nas configurações e artifícios de apresentação da obra, mas não

interferindo em sua essência original.

A proposta inicial consistia em criar esculturas transparentes com

formas sinuosas e leves, imitando um movimento gasoso, e dotadas de

orifícios por onde seria liberado a fumaça. Desde o inicio o elemento

principal da proposta é a fumaça, que remete ao elemento da temática,

Page 38: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

38

ou seja, o ar. Percebeu-se então que o que importava era a idéia por trás

das obras; idéia que somente a fumaça poderia transmitir e que corria o

risco de ter a atenção desviada pelas esculturas em si. Daí deu-se início

à evolução da proposta enquanto instalação, não se limitando a sugerir,

mas induzir ao pensamento, apresentando um ambiente dotado de sons,

luzes e movimentos.

A pretensão passou a ser de enclausurar a fumaça, possibilitando o

espectador assisti-la em todo o seu movimento no espaço. Mas para que

isso fosse possível, sua “prisão” deveria promover um bom deslocamento

de ar, evitando assim, o consumo completo do suprimento de oxigênio

para a combustão.

De início seria usado globos ovais de vidro com orifícios aleatórios,

mas devido à inviabilidade no mercado regional eles deram lugar a

paralelepípedos de vidro montados com conectivos que deixariam fendas

estreitas nas intersecções entre as folhas de vidro promover a liberação

da fumaça. Mas pesquisas definiam que, para a montagem sugerida,

vidros temperados seriam o ideal, portanto, devido ao custo e à

viabilidade do material, os blocos de vidro evoluíram de quadrangular

simétrico para retangular assimétrico, possuindo 70 (setenta) centímetros

de altura por 20 (vinte) centímetros de largura e 1 (um) metro de

comprimento. As frestas são substituídas por orifícios ao longo das

laterais (quarenta e dois no total), pois os conectivos não mais ligariam

as folhas de vidro, e sim as cantoneiras, devido à possibilidade do uso de

vidro normal.

Por causa desta mudança, os módulos de madeira sofreram

alterações, assim como a quantidade de peças sugeridas, passando de

cinco para somente duas. Este último fato se justifica pelo maior

aproveitamento do espaço sugerido pela “finura” das peças,

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39

possibilitando a disposição de dois espectadores por bloco, um à frente e

outro atrás.

O módulo de madeira consiste em um bloco oco medindo

exatamente 60 (sessenta) centímetros de altura, cuja ponta superior

abriga uma “caixa” fechada, onde se encontra uma lâmpada fluorescente

de 110 volts, coberta com uma tampa de vidro azulada direcionando a

luz para cima.

Os elementos plásticos utilizados na instalação, os paralelepípedos

de vidro e os módulos de madeira, não serão de produção própria,

ambos construídos e montados por profissional especializado.

A instalação consiste em apresentação única e limitada, por isso não

está imune a imprevistos e improvisações durante a realização. A

montagem será concentrada em uma sala, de preferência vazia e ampla,

onde serão dispostos dois módulos de madeira centralizados, um ao lado

do outro. Sob os mesmos serão colocados os paralelepípedos de vidro,

cada um encaixado sob seu respectivo módulo. Dentro haverá os

defumadores, onde serão acesos liberando a protagonista da obra.

Caberá à fluência da fumaça no momento da apresentação a quantidade

de defumadores em cada bloco de vidro, sendo premeditado o uso de

apenas dois por vez em cada um.

Os defumadores se encontrarão sob os módulos, dentro de cada

bloco, centralizado no suporte de vidro abaixo de onde se origina o feixe

luminoso. A essência a ser usada será a Camomila; os blocos terão

reposição constante ao término da combustão dos defumadores.

Ao chão da sala haverá tapetes e almofadas à frente e trás dos

módulos, onde o público poderá se acomodar. De maneira discreta,

Page 40: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

40

ventiladores estarão aos cantos movimentando o ar e assim,

aumentando o fluxo de oxigênio usado na combustão dos defumadores;

e caixas de som se encontrarão ao alto, para melhor propagar a canção

no ambiente.

A sala permanecerá, durante parte do processo de realização,

escura, livre de qualquer interferência luminosa externa; para isso será

utilizado tecido blackout para vedar janelas e portas, presos por fitas

adesivas transparentes, possibilitando domínio da iluminação.

Encontra-se ainda em pesquisa o local favorável a uma boa

ventilação, tanto para evitar a asfixia acidental e mal-estar do espectador

como para promover maior interatividade da fumaça.

O período de duração é referente ao tempo da canção, que é de

aproximadamente seis minutos. Sendo assim os espectadores terão os

dois primeiros minutos para se familiarizarem com o local e se

acomodarem em seus respectivos assentos. Um grupo altamente

instruído controlará o fluxo de pessoas que entram e saem da obra,

seguindo corretamente o itinerário proposto.

Page 41: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

41

CAPÍTULO IV

ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS

Na afirmação de Susanne K. Langer (1980) sobre a relação entre a

obra e seu público, a produção artística, em um sentido, pode-se dizer

que o artista produz cada peça para si mesmo, para sua própria

satisfação; em outro sentido, contudo, ele a faz para outras pessoas. No

caso desta proposta há uma miscigenação entre os dois sentidos, devido

a sua essência original enquanto meio de comunicação em massa

mesclar-se com a necessidade do autor em devanear sua inspiração.

“ Uma obra de arte tem seu público – ao menos um público hipotético; e sua intenção social, que lhe é essencial, estabelece seu padrão de significação. Mesmo uma pessoa que produza uma obra tão pouco familiar, tão difícil e original que não alimenta esperanças de encontrar compreensão intuitiva por parte de seus conterrâneos, trabalha com a convicção de que, quando eles a tiverem contemplado suficientemente, a intuição de sua significação virá”. (Langer 1980: 407)

Sendo assim, mesmo enquanto a público presencia um choque

perante a confusão e alienação, haverá aqueles que, apesar de

Page 42: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

42

atordoados pela novidade, percebem, de pronto, seu formato dominante

como um todo, e suspeitam de sua grande visão emotiva.

Esse “sentimento” não é comunicado, mas revelado; a obra criada o

“tem” , de modo que a percepção do objeto é ao mesmo tempo a

percepção de seu sentimento espantosamente integrado e intenso.

A proposta da instalação, que requer uma extensão apreciável,

portanto, devendo ser testemunhada em sua totalidade antes de ser

julgada, promove uma experiência estética direta, não apenas de cunho

contemplativo, mas reflexivo, provocando uma formulação de nossas

concepções de sentimento e nossas concepções de realidade visual,

factual e audível, em conjunto, resultando emoções e estados de ânimo.

Analisando tais emoções e estados oriundos do “auditório”, segundo

observações e relatos obtidos tanto diretamente do publico quanto de

terceiros, as reações perante a instalação foram das mais variadas

possíveis, revelando desde recordações de infância, a associações com

a vida e seu gradativo esmorecimento. Mas apesar de todas essas

interpretações, relativas à subjetividade dos espectadores, uma única

reação apresentou-se unânime entre qualquer outra: a referente à

simbologia – a liberdade proposta pelo relaxamento, o qual propicia e é

objetivo do ambiente.

A asfixia , classificada na proposta como um fim ocasional,

manifestou-se em apenas um espectador, não obtida através dos

questionamentos da simbologia do ar propostos pelo autor, mas sim, a

partir de fatores biológicos, mais precisamente, deficiências no sistema

respiratório.

Page 43: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

43

Com relação ao corpo físico, apesar do local que mostrou-se

disponível não representar o ideal (corredor do Departamento de Música,

Bloco 08 – UFMS), e os elementos físicos utilizados serem alternativos

devido ao baixo custo, foi possível criar com sucesso um ambiente imune

a interferências luminosas e sonoras externas, propiciando assim, um

perfeito isolamento que capacitou a concentração do público.

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44

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste relatório foi possível um aprofundamento nos

aspectos reflexivos da arte, tendo ela, não apenas como material para

contemplação, mas como semente para a reflexão; seus pensamentos

onde não existe recorrência a palavra “insanidade”. E a partir de um

pensamento foi possível conceder estruturas a uma instalação que

permite as pessoas embarcar no surrealismo da realidade através dos

seus próprios sentidos e assim resgatar a sensibilidade em toda sua

integridade.

Instigar sempre foi e sempre será uma necessidade ao ser humano.

Da maneira sistemática, materialista e por muitas vezes irresponsável a

qual a civilização impõe, o resultado sempre beira à degradação da

humanidade enquanto peça integrante do sistema natural. Sendo assim,

fazer-lo recordar da beleza e perfeição, não só ao público geral, mas

também ao próprio autor, é um caminho ao respeito; à consideração por

tudo e todos.

Page 45: Martins; fábio mira   ar elemento de poética

45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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