Esquizofrenia &Parentalidade

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Licenciatura em Enfermagem 3º Ano – 1º Semestre Orientado por: Dra. Celeste Duque Trabalho elaborado por: Ana Isabel Bruno, nº 28799 Gina Pereira, nº 28808 Mara Rochato, nº 28815 Sandra Forra da Silva, nº 28821 Vera Andrade, nº 29145

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Trabalho da responsabilidade de discentes da disciplina de Psicologia V (Psicologia da Gravidez Maternidade/Paternidade, docente Celeste Duque, ESSaF-UAlg, 2006-2007

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Licenciatura em Enfermagem3º Ano – 1º Semestre

Orientado por: Dra. Celeste Duque

Trabalho elaborado por:Ana Isabel Bruno, nº 28799

Gina Pereira, nº 28808Mara Rochato, nº 28815

Sandra Forra da Silva, nº 28821Vera Andrade, nº 29145

FARO, Out. 2006

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Abreviaturas

Etc. – et cœtera (e o resto)

Pag. – Página

Prof.ª – Professora

Siglas

OMS – Organização Mundial de Saúde

IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social

AEAPE – Associação de Educação e Apoio na Esquizofrenia

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

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“As pessoas não compreendem que isso é uma doença. Dizem: “não consegues simplesmente disciplinar teu pensamento” Mas ninguém consegue disciplinar um vírus, um cancro ou uma perna partida.”

Dean Kernohan, doente com esquizofrenia

“ Eu, sem os medicamentos, nunca passava da cepa torta… Porque era eu a lutar contra eu!”

Ana Cristina, doente com esquizofrenia

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Índice

I – Introdução....................................................................................................................4II – Conhecer a esquizofrenia............................................................................................5

1. Aspectos históricos...................................................................................................52. Aspectos epidemiológicos.........................................................................................73. Teorias etiológicas da esquizofrenia.........................................................................7

3.1 – Teoria Genética................................................................................................83.2 – Teoria Neurobiológica......................................................................................83.3 – Teoria Viral......................................................................................................93.4 – Teoria associada ao neurodesenvolvimento.....................................................93.5 – Teoria familiar................................................................................................103.6 – Teoria psicanalítica.........................................................................................10

4. História natural da doença.......................................................................................105. Sintomatologia e diagnóstico..................................................................................126. Tratamento...............................................................................................................16

6.1 – Tratamento Farmacológico.............................................................................166.1.1. Efeitos secundários dos neurolépticos.......................................................18

6.2 – A electroconvulsivoterapia.............................................................................206.3 – Psicoterapia.....................................................................................................216.4 – Psicoeducação.................................................................................................216.5 – O internamento...............................................................................................22

7. Características associadas ao sexo...........................................................................237.1 – As mulheres e a esquizofrenia........................................................................24

7.1.1. Gravidez e esquizofrenia...........................................................................247.1.2. Maternidade e esquizofrenia......................................................................25

8. Parentalidade e esquizofrenia..................................................................................279. O papel do doente, da familia e dos enfermeiros na esquizofrenia.........................2910. Estruturas de apoio comunitário............................................................................33

10.1 – Hospitais de dia e área de dia.......................................................................3310.2 – Residências terapêuticas...............................................................................3310.3 – Fórum sócio-ocupacional.............................................................................3310.4 – Treino de aptidões sociais............................................................................3410.5 – Associação de educação e apoio na esquizofrenia.......................................34

III – Testemunho real......................................................................................................35IV – Conclusão................................................................................................................36V – Bibliografia...............................................................................................................38

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I – INTRODUÇÃO

A esquizofrenia é uma das doenças menos compreendidas. Para que possamos

compreender realmente esta doença devastadora, é da maior importância desfazer os

mitos que a envolvem.

Ao contrário das ideias vulgarizadas, a esquizofrenia não é personalidade dividida, nem

uma personalidade múltipla. A grande maioria das pessoas que sofrem de esquizofrenia

não são violentas nem representam, como se julga, um perigo para os outros. A

esquizofrenia não tem origem em experiências da infância, em pais descuidados ou na

falta de força de vontade e os sintomas não são idênticos em todos os doentes. De forma

muito abreviada, a esquizofrenia é uma doença da fisiologia do cérebro, que prejudica

seriamente a capacidade de pensar de modo ordenado e de estabelecer relações humanas

normais. Alguns doentes com esquizofrenia têm grandes dificuldades em fazer a

distinção entre o real e o imaginário e de um modo geral são indivíduos que se isolam e

se tornam apáticos.

A doença é comum em todo o mundo. Afectando cerca de 1% da população adulta e

atinge as pessoas sem distinções culturais, económicas ou sociais. Na maioria dos

doentes a doença inicia-se entre os 13 e 25 anos de idade, quando o corpo está sobre a

influência de grandes alterações hormonais e físicas. Visto que esta doença manifesta-se

em idade reprodutiva, muitos destes doentes vêm a ser pais, dai o tema do nosso

trabalho: “Parentalidade e Esquizofrenia”. Este tema despertou-nos a curiosidade e

quisemos saber mais sobre o modelo através do qual irão estes pais educar os filhos e

em que medida o ambiente familiar irá influenciar na construção da sua personalidade.

O presente trabalho foi elaborado com o objectivo de aumentar os nossos

conhecimentos sobre o esquizofrénico enquanto pai/mãe. Perceber a evolução histórica

da doença, quais os sinais e sintomas desta; descobrir o impacto que esta doença tem na

sociedade e a forma como influencia o indivíduo portador; conhecer as suas causas

predisponentes, os possíveis diagnósticos e tratamento existentes, a importância das

intervenções psicossociais e familiares na reabilitação do doente, bem como

compreender o papel do enfermeiro nesta situação.

Na realização deste trabalho recorremos a pesquisas bibliográficas que se efectuaram na

biblioteca municipal de Portimão, de Faro, da ESSaF, nas nossas bibliotecas pessoais e

Internet.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

II – CONHECER A ESQUIZOFRENIA

1. A1. ASPECTOSSPECTOS HISTÓRICOSHISTÓRICOS

As perturbações psicóticas, particularmente a esquizofrenia, encontram-se presentes em

todas as culturas.

As primeiras referências a esta patologia remontam às sociedades egípcias. De acordo

com o “Livro Egípcio dos Corações” dos papiros de Ebers (2000 A.C.), os sintomas

psicóticos eram considerados como provenientes do coração e do útero, associados aos

vasos sanguíneos, materiais fecais e purulentos, venenos e demónios.

Em 1400A.C. a civilização Hindu, nos seus principais textos do hinduísmo, considerava

a saúde como um equilíbrio estável de cinco elementos (Buthas) e três humores (Dosas),

referindo que o seu desequilíbrio levaria à loucura.

Em 1000 A.C. os chineses, no seu livro “O Clássico da Medicina Interna do Imperador

Amarelo”, descreveram os sintomas da insanidade, da demência e das convulsões.

Nestes textos a possessão demoníaca e sobrenatural era frequentemente implicada na

origem dos sintomas psicóticos.

Apesar destas “teorias de influência demoníaca” prevalecerem, em parte, na cultura

grega, as teorias racionalistas começaram a surgir.

Nos séculos V e VI A.C., Platão desenvolveu uma moderna concepção integrativa da

relação entre a mente e o corpo. Platão propôs também a noção de inconsciente e a

existência de processos mentais biológicos, sugerindo que todos os indivíduos teriam

capacidade para o pensamento irracional. Por outro lado, Platão referiu que quando a

alma, que é racional e ligeira na sua orientação, está a dormir e quando a parte que é

selvagem e rude, tendo satisfeitas a sua fome e sede, se solta afasta o sono e procura

consumar as suas práticas. Mais tarde, Freud apoiou-se nas especulações de Platão para

desenvolver as suas teorias do papel dos processos mentais e inconscientes da génese da

doença mental.

Hipócrates, o médico grego considerado como pai da medicina moderna, construiu o

seu saber sobre a tradição grega das explicações racionais e empíricas da natureza e do

comportamento. Rejeitou as ideias de possessão demoníaca na génese das doenças

psicóticas, sugerindo que doenças como a epilepsia, a “confusão” e a loucura teriam

uma origem exclusivamente cerebral.

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As classificações mais sistematizadas e precisas das perturbações mentais começaram a

surgir durante os séculos I e II A.C.

São Tomás de Aquino (1225-1274) abordou este tema, considerando a doença mental

como um estado em que o homem perdia a razão, ficando fora de si (Amens), delirante,

violento e inacessível a uma relação humana (furiosus). Ficava, desta forma, reduzido a

um estado animal, perdendo a alma espiritual, sede da razão, a qual possibilitava

desligar-se do material e chegar ao conhecimento de Deus.

A primeira descrição da esquizofrenia, enquanto doença do sistema nervoso, surge em

1674 sendo o médico Thomas Willis, responsável pela descrição anatómica do polígono

vascular de Willis na base do cérebro. Este, descreve uma doença observada em

adolescentes e adultos jovens, a qual transformava crianças “inteligentes, animadas e

positivas” em adolescentes “obtusos”. Desde esta data passam-se cerca de 150 anos até

surgirem os primeiros escritos descritivos dos médicos franceses Jean Esquirol e

Philippe Pinel.

Um contributo importante foi dado por Hecker em 1871, descrevendo um quadro

clínico caracterizado por uma deterioração mental e comportamentos regressivos, que

surgiram em indivíduos jovens e que denominou de hebefrenia. Cerca de três anos mais

tarde, Kahlbaum acrescenta uma outra forma clínica designada por catatonia, onde

predominavam as perturbações motoras e do comportamento. Na sexta edição do

Tratado de Psiquiatria (1893) foi acrescentado mais uma nova forma clínica desta

“demência precoce” – a paranóide.

No século XX o psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1911) introduziu a designação de

esquizofrenia. A palavra esquizofrenia deriva do grego e etiologicamente corresponde a

schizein, fenda ou cisão, e phrenós, que significa pensamento.

Os limites da esquizofrenia nem sempre foram claros e consensuais. Vários autores

criaram uma ruptura com a concepção dicotómica da psicose clássica kraepeliana

(demência precoce/ psicose maníaco-depressiva). Kasanin, em 1933, descreveu um

quadro clínico em que ocorrem simultaneamente sintomas típicos da esquizofrenia e

sintomas da linha afectiva. Segundo este autor esta seria uma forma atípica de

esquizofrenia a qual acabou por designar como esquizo-afectiva.

Quando falamos de esquizofrenia não podemos ignorar o movimento “anti psiquiatria”

que ficou associado a esta doença. Este movimento consistia no encerramento de

grandes hospitais psiquiátricos que proliferavam naquela época por todo o mundo, os

quais eram considerados por diverso autores “como verdadeiras prisões de indivíduos”.

Os principais aspectos teóricos deste movimento baseavam-se na negação da existência

da doença mental, incluindo a própria esquizofrenia. A esquizofrenia era considerada

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como um estilo de vida e não como uma doença mental. Deste modo, existia uma

dicotomia entre os doentes mentais, que eram oprimidos por um sistema totalitário, e os

opressores, que tinham como agentes os psiquiatras.

Para este movimento a doença mental não tem uma natureza biológica mas sim social,

política e legal. O doente mental é assim rotulado pela sociedade, só pelo facto de

quebrar as regras por ela imposta. O movimento “anti psiquiatria” acabou por perder

significado no final dos anos 1970, tendo contribuído para este declínio o encerramento

dos grandes hospitais psiquiátricos e o aparecimento de outras correntes de psiquiatria

mais voltadas para uma intervenção comunitária e de reabilitação, privilegiando a

reinserção socioprofissional dos doentes psiquiátricos e a sua permanência junto da

comunidade.

2. A2. ASPECTOSSPECTOS EPIDEMIOLÓGICOSEPIDEMIOLÓGICOS A esquizofrenia é uma das doenças mentais mais graves e mais importantes. Encontra-

se identificada praticamente em todo o mundo, atingindo todas as classes sociais e

raças. Em estudos epidemiológicos realizados em países industrializados observou-se

um maior número de casos em populações rurais e nas classes sociais mais

desenvolvidas.

A prevalência da esquizofrenia estima-se habitualmente entre 0,2% e 1% dos indivíduos

da população geral em todo o mundo, mas os valores observados podem variar de

acordo com os critérios de diagnostico utilizados e as populações estudadas.

Sendo distribuída de forma igual pelos dois sexos, manifesta-se habitualmente na parte

final da adolescência ou no início da vida adulta. O seu aparecimento para os indivíduos

do sexo masculino ocorre entre os 15 e os 25 anos de idade, no caso do sexo feminino a

doença ocorre com maior frequência um pouco mais tarde, entre os 25 e 30 anos de

idade.

Contudo, estudos mais fiáveis em patologias de baixa incidência na população como a

esquizofrenia têm encontrado taxas entre 0,15 e 0,42 para a população masculina entre

os 15 e os 59 anos e entre 0,12 e 0,49 para as mulheres, baixando para valores da ordem

de 0,08 e 0,17 quando se tem em conta todos os grupos etários. (OMS).

3. T3. TEORIASEORIAS ETIOLÓGICASETIOLÓGICAS DADA ESQUIZOFRENIAESQUIZOFRENIA A explicação monofactorial de uma doença tão complexa quanto a esquizofrenia, que se

procurou durante tantos anos, apresenta muitas insuficiências e aspectos redutores. Os

estudos clínicos transversais e a sua observação longitudinal de seguimento realçam a

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

inevitabilidade, como em quase toda a patologia mental, da importância explicativa

multifactorial. Esta ruptura com a concepção tradicional da etiopatogenia da doença

propõe o conceito de vulnerabilidade biológica, psicológica e social, agindo de forma

diversa e complexa e que, quando sujeitas a factores de stress de origem biológica ou

ambiental, desencadeiam a doença. Concorrendo entre si, estes múltiplos factores

etiológicos deverão ser entendidos como complementares, pois a sua importância

individual é muito reduzida. Um número crescente de modelos de investigação tem

contribuído para uma melhor compreensão da etiopatogenia da doença, com óbvias

implicações clínicas, terapêuticas e preventivas.

3.1 – TEORIA GENÉTICA

Para além dos factores psicossociais, existe uma componente genética na origem da

doença. Foram envolvidos no estudo genético da esquizofrenia vários cromossomas,

entre os quais os 5, 6, 8, 10, 13, e 22.

Apesar das investigações, o modo de transmissão da doença ainda é desconhecido, uma

vez que está posta de parte uma transmissão do tipo mendeliano (transmissão do tipo

recessivo ou dominante). Parecem então existir vários genes envolvidos e que, em

conjunto com os factores ambientais, contribuem para o aparecimento da doença.

Apresenta-se assim, um caso de transmissão hereditária complexa e com características

multifactoriais.

Sabe-se que a probabilidade de um indivíduo vir a sofrer de esquizofrenia aumenta se

houver um caso desta doença na família. No caso de um dos pais sofrer de

esquizofrenia, a prevalência da doença nos descendentes directos é de 12%. Na situação

em que ambos os pais se encontram atingidos pela doença, esse valor sobe para 40%.

No entanto, mesmo que não haja qualquer familiar afectado, isso não significa que não

venha a existir um elemento da família com esquizofrenia. Sabemos ainda que cerca de

81% dos doentes com esquizofrenia não têm qualquer familiar em primeiro grau

atingido pela doença e cerca de 61% não têm sequer um familiar afectado.

Apesar dos factores genéticos desempenharem um papel importante na etiologia da

doença não são por si só decisivos

3.2 – TEORIA NEUROBIOLÓGICA

As teorias neurobiológicas defendem que a esquizofrenia é essencialmente causada por

alterações bioquímicas e estruturais do cérebro, em especial com a disfunção

dopaminérgica, embora alterações noutros neurotransmissores estejam também

envolvidas. A maioria dos neurolépticos (antipsicóticos) actua precisamente nos

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receptores da dopamina no cérebro, reduzindo a produção endógena deste

neurotransmissor. Exactamente por isso, alguns sintomas característicos da

esquizofrenia podem ser desencadeados por fármacos que aumentam a actividade

dopaminérgica (ex.: anfetaminas). Esta teoria é parcialmente comprovada pelo facto de

a maioria dos fármacos, utilizados no tratamento da esquizofrenia (neurolépticos),

actuarem através do bloqueio dos receptores.

3.3 – TEORIA VIRAL

A possibilidade do envolvimento de um vírus, neste caso um vírus da gripe, na etiologia

da esquizofrenia foi levantado na sequência de um aumento do número de casos de

esquizofrenia em indivíduos cujas mães estiveram sujeitas à infecção por este vírus.

Segundo esta teoria os indivíduos sujeitos a uma gripe materna teriam um risco

aumentado de virem a sofrer de esquizofrenia. Contudo os estudos realizados não

permitiram confirmar uma relação directa entre a infecção viral e a esquizofrenia.

Os retrovírus também foram envolvidos na origem da esquizofrenia. A sua influência

seria feita através da incorporação do genoma e da alteração da expressão dos genes do

hospedeiro. Há autores que defendem que estes retrovírus, nalguns casos, provocariam

alterações neuroquímicas (esquizofrenia tipo I), enquanto noutros dariam origem a uma

encefalite produzindo uma degeneração neuronal e alterações estruturais (esquizofrenia

tipo II).

3.4 – TEORIA ASSOCIADA AO NEURODESENVOLVIMENTO

A hipótese neurodesenvolvimentista baseia-se na possibilidade de a doença ter origem

numa perturbação do desenvolvimento ou maturação do cérebro no período perinatal.

Após ter ocorrido esta anomalia no neurodesenvovimento cerebral, existiria um período

de latência entre a constituição das lesões cerebrais e o aparecimento da esquizofrenia.

Deste modo as lesões surgiriam precocemente mas a doença só se manifestaria mais

tarde, neste caso no final da adolescência ou no início da vida adulta.

Durante o segundo trimestre da gravidez, ocorrem uma série de eventos importantes no

desenvolvimento cerebral, nomeadamente a migração celular para o neocórtex dos

neurónios jovens. Ocorrendo nesta fase um importante crescimento cerebral.

Esta hipótese assenta na possibilidade de surgir, nesta fase do desenvolvimento, uma

perturbação da migração neuronal resultante de factores genéticos ou ambientais.

Ainda segundo esta teoria, as complicações obstétricas poderiam constituir um factor de

risco no aparecimento da esquizofrenia. Os principais factores de risco envolvidos

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

foram a prematuridade, o baixo peso à nascença, a utilização de fórceps à nascença e

outras complicações causadoras de hipoxia.

3.5 – TEORIA FAMILIAR

As teorias familiares, surgidas na década de 50 do século XX, apesar de terem bastante

interesse histórico, são as que menos fundamento científico têm. Baseando-se umas no

tipo de comunicação entre os vários elementos da família e aparecendo outras mais

ligadas às estruturas familiares.

As primeiras abordagens teóricas sobre o envolvimento da família na origem da

esquizofrenia foram centralizadas na relação mãe/filho, uma vez que este elemento era

considerado o mais importante no processo da socialização da criança. As várias

observações clínicas dessa relação acabaram por revelar a existência de um número

elevado de casos em que as mães dos doentes com esquizofrenia tinham em comum o

facto de serem super protectoras e dominadoras relativamente aos seus filhos. Com esta

atitude, estas mães acabariam por impossibilitar um desenvolvimento adequado do ego

da criança numa perspectiva do desenvolvimento inspirada nas ideias psicanalíticas de

Freud. Foi assim que surgiu o conceito de “mãe esquizofrénica”, sugerido pelo

psicanalista Fromm-Reichmann em 1948.

3.6 – TEORIA PSICANALÍTICA

As teorias psicanalíticas ou de relação precoce têm como base a teoria freudiana da

psicanálise, e remetem para a fase oral do desenvolvimento psicológico. Nesta a

ausência de gratificação verbal ou da relação inicial entre mãe e bebé conduz

igualmente a personalidades “frias” ou desinteressadas (ou indiferentes) no

estabelecimento das relações. A ausência de relações interpessoais satisfatórias estaria

assim na origem da esquizofrenia.

Apesar de existirem todas estas hipóteses para a explicação da origem da esquizofrenia,

nenhuma delas individualmente consegue dar uma resposta satisfatória às muitas

dúvidas que existem em torno das causas da doença, reforçando assim a ideia de uma

provável etiologia multifactorial.

4. H4. HISTÓRIAISTÓRIA NATURALNATURAL DADA DOENÇADOENÇA

A esquizofrenia inicia-se normalmente na fase final da adolescência ou no início da

idade adulta, como foi referido anteriormente. O início pode ser súbito e a doença

manifestar-se rapidamente, evoluindo em escassos dias ou semanas, ou por outro lado,

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

apresentar-se de forma mais lenta, demorando vários meses ou até anos para que seja

possível ser feito o diagnóstico, passando despercebida aos pais, familiares e amigos.

O aparecimento tardio, embora raro, observa-se num maior número de casos no sexo

feminino. Este facto foi associado com o efeito antidopaminérgico dos estrogénios

(hormonas sexuais femininas) que funcionam como um factor protector relativamente

ao aparecimento da doença.

Estima-se que cerca de um terço dos casos apresentam uma forma de início lenta,

enquanto que os restantes dois terços surgem de forma aguda.

No caso da evolução lenta da esquizofrenia, o diagnóstico precoce é bastante difícil,

uma vez que o isolamento, a quebra de rendimentos escolares e as alterações de

comportamento que estes doentes por vezes apresentam, são, na maior parte dos casos,

atribuídos às crises da adolescência, sendo por esse motivo frequentemente

desvalorizados.

A observação de uma sintomatologia psiquiátrica durante a infância e a adolescência de

alguns pacientes esquizofrénicos milita a favor de um início muito precoce da doença,

muitos anos antes da descompensação clínica que aparece habitualmente no adulto

jovem.

Spoerry (1964) em estudos verifica que um terço dos indivíduos que se tornam

esquizofrénicos, tem dificuldades antes dos cinco anos de idade, incluindo acidentes

perinatais, atraso da marcha, dificuldades alimentares, perturbações da linguagem e

perturbações do comportamento. Dos seis anos à puberdade, o trabalho escolar é

medíocre, em dois terços dos futuros doentes, com perturbações da linguagem,

perturbações psicomotoras, dificuldades de socialização, atraso do desenvolvimento

afectivo e ideias bizarras. Todas estas perturbações acentuam-se no momento da

puberdade, com dificuldades de inserção, conflitos familiares ou sociais e insucessos na

aprendizagem.

Para além destas alterações do comportamento, o adolescente sente-se muitas vezes

perplexo, desconcentrado, sentindo dificuldade em descrever aquilo que se está a passar.

As vivências somáticas podem assumir características pouco familiares e o próprio

corpo é percebido com alguma confusão. Com alguma frequência o jovem ou

adolescente, passa longos períodos de tempo em frente ao espelho a observar o seu

corpo revelando a presença de alterações do seu esquema corporal que podem surgir

associadas à vivência psicótica. Isto não acontece só ao nível do corpo, mas também na

consciência de si próprio, apresentando neste caso sentimentos de despersonalização. O

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

indivíduo responde a estas experiências disruptivas através de uma série de mecanismos

de defesa que passam pela negação e isolamento.

Um terço dos futuros doentes são considerados pelos seus professores como

desagradáveis, anti-sociais, tristes, afectivamente inadaptados, emotivos, negativistas,

egocêntricos e não terminam as tarefas iniciadas.

McGlashan (1984,1986) refere que no início de um seguimento de 15 anos desta

doença, 41% dos pacientes são considerados incapazes de cuidarem de si próprios, 23%

são considerados marginais e 14% apresentam uma forma ligeira da doença. No entanto,

segundo Miller e Cohen (1987), é necessário assinalar que, mesmo ao fim de muitos

anos, as melhoras continuam sempre a ser possíveis.

Apesar de a mortalidade do conjunto dos pacientes psiquiátricos hospitalizados ter caído

significativamente, a mortalidade relativa dos esquizofrénicos manteve-se sem

mudanças e continua a ser cerca de duas vezes mais elevada do que a da população

geral.

5. S5. SINTOMATOLOGIAINTOMATOLOGIA EE DIAGNÓSTICODIAGNÓSTICO A esquizofrenia apresenta um conjunto de sintomas bastante diversificado e complexo,

sendo por vezes de difícil compreensibilidade. Estes sintomas envolvem aspectos

ligados ao pensamento, à percepção, ao rendimento cognitivo, à afectividade, a défices

interpessoais e a uma perda de contacto com a realidade.

Ao longo da história, foram feitas várias descrições dos sintomas da doença. Foram

muitos os que deram o seu contributo. Bleuler distinguiu dois tipos de sintomas

presentes nos vários quadros clínicos da doença. Os sintomas primários ou

fundamentais (ambivalência, autismo, perturbações afectivas e perturbações na

associação de ideias) que se observam em qualquer momento da evolução da doença e

os sintomas secundários ou acessórios que só se revelam em certos períodos da

esquizofrenia.

Por outro lado, Kurt Schneider (1954) tentou dar um carácter predominante clínico e

objectivo na descrição da sintomatologia dividindo-a em: sintomas de primeira ordem e

sintomas de segunda ordem. Nos sintomas de primeira ordem Kurt frisa percepções

delirantes, pensamentos audíveis, alucinações auditivo-verbais com comentários de

vozes, eco do pensamento, alucinações somáticas, sentimentos e impulsos como

provocados ou influenciados por um agente externo. Nos sintomas de segunda ordem

estão incluídas alterações da percepção, ideias delirantes repentinas ou súbitas,

perplexidade, alterações do humor depressivas ou eufóricas e sentimentos de

embotamento emocional.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Uma outra forma clínica de agrupar os sintomas foi proposta por Liddle (1987),

dividindo os sintomas da esquizofrenia em três grupos: I pobreza psicomotora (pobreza

do discurso, embotamento afectivo, diminuição espontânea dos movimentos e

diminuição da mímica facial); II desorganização (alterações da forma do pensamento e

inadequação afectiva); III distorção da realidade (alucinações e delírios).

Actualmente são aceites pela generalidade da comunidade psiquiátrica em todo o

mundo dois sistemas de classificação da esquizofrenia. O primeiro da Organização

Mundial de Saúde e o segundo protagonizado pela Associação Americana de

Psiquiatria. A divisão dos sintomas da doença em positivos e negativos, embora

controversa e provavelmente simplista, é utilizada neste caso com um objectivo

didáctico.

Os sintomas positivos estão presentes com maior visibilidade na fase aguda da doença.

Os delírios são considerados dentro dos sintomas positivos, estes são ideias individuais

do doente que não são partilhadas por um grande grupo, a temática dos delírios pode ser

diversa, mas normalmente predominam os temas de perseguição ou de ameaça para o

doente. No delírio de roubo e divulgação do pensamento os doentes acham que é

possível alguém adivinhar as suas ideias e pensamentos. O delírio de controlo ocorre

quando o doente acredita que alguém controla os seus movimentos e emoções. É ainda

necessário não confundir comportamentos, avaliando-os apenas segundo o nosso ponto

de vista social pois o que à partida aos nossos olhos pode parecer bizarro, para certas

culturas pode ser algo com muita tradição e significado.

As alterações da percepção são usuais. Pode aqui ser dado como exemplo o facto de

uma visita cumprimentar o doente com dois beijos na face e este acreditar que lhe

estavam a fazer aquilo porque ele estava infectado com um vírus mortal.

As alucinações são também frequentes na esquizofrenia, predominando as alucinações

auditivo-verbais que normalmente são críticas e ameaçadoras para o doente. As

alucinações podem ser de qualquer esfera sensorial (auditivas, visuais, tácteis, olfactivas

e cinestésicas), embora estas últimas sejam mais raras. Um exemplo de uma alucinação

auditivo- verbal poderá ser: “Pega fogo na casa, que aquilo está empestado de diabos lá

dentro, pega fogo antes que eles te ataquem!”.

Em relação ao pensamento, o doente pode fazer associações sobre assuntos sem

qualquer relação, pode ter dificuldades em manter conversas, fazendo pausas (bloqueios

do pensamento). O discurso pode ser completamente ilógico, incompreensível e ser

constituído por uma série de palavras isoladas sem qualquer sentido (salada de

palavras). Por vezes surgem ainda novas palavras inventadas pelo próprio doente,

sendo, neste caso, designadas como neologismos.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Os afectos podem encontrar-se alterados através por exemplo de uma rigidez afectiva,

não ocorrendo uma modulação dos afectos. Noutros casos verifica-se uma discordância

afectiva, quando surge uma inadequação entre o afecto e o discurso podemos dar como

exemplo o facto de o indivíduo se rir enquanto relata uma desgraça que aconteceu na

sua vida. A ambivalência afectiva pode também surgir durante o período psicótico,

coexistindo neste caso uma sobreposição de afectos contraditórios (amo-te, odeio-te).

As alterações de comportamento fazem parte dos sintomas da esquizofrenia e podem

manifestar-se através da agressividade, isolamento ou de bizarrias. No caso da

esquizofrenia hebefrénica, o comportamento pode apresentar-se muito regressivo,

perdendo-se inclusivamente regras de comportamentos sociais e de higiene. Os

familiares relatam também, em certos casos, a presença de comportamentos estranhos,

encontrando por vezes o doente a falar sozinho num monólogo absurdo.

O contacto visual com o interlocutor pode ser alterado, o olhar pode ser evitado ou

noutros casos demasiado fixo e vazio.

Existem ainda várias anomalias motoras que estão associadas à esquizofrenia, os

doentes adoptam algumas posturas bizarras (como um braço para cima sem que surja

um cansaço ou desconforto). Noutros casos o doente adopta uma resposta ou atitude

contrária à manifestada pelo interlocutor (negativismo). Outra alteração é designada por

ecopraxia e consiste na imitação repetitiva do interlocutor por parte do doente.

Passando agora aos sintomas negativos, podemos dizer que estes acompanham a

evolução da doença e que reflectem um estado deficitário ao nível da motivação, das

emoções, do discurso, do pensamento e das relações interpessoais.

O isolamento social é um sintoma negativo que se observa com frequência e que se

manifesta geralmente por uma recusa em sair de casa e de se relacionar com os outros.

Existe assim um desinteresse social e um desinvestimento no estabelecimento de

relações íntimas.

No embotamento afectivo os sentimentos tornam-se mais esbatidos e pouco

expressivos, sendo bastante difícil para o doente exprimir sentimentos e emoções.

Na pobreza do discurso, a comunicação é pouco espontânea e fica limitada a algumas

palavras. O conteúdo do pensamento é pobre, restringindo-se a um número reduzido de

temas e assuntos. O diálogo torna-se bastante difícil, podendo o doente passar longos

períodos sem verbalizar uma palavra.

Nalguns casos pode ser difícil distingui se estamos perante os sintomas negativos da

doença ou de uma quadro depressivo.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

De um modo geral e resumido podemos dizer que dentro dos sintomas positivos

podemos incluir as ideias delirantes, as alucinações, os pensamentos e discurso

desorganizados, agitação, ansiedade e impulsos. Nos sintomas negativos podemos

incluir a falta de vontade ou de iniciativa, o isolamento social, a apatia, a indiferença

emocional e a pobreza do pensamento.

Depois de conhecidos e abordados os sintomas da esquizofrenia passaremos então ao

processo de diagnóstico.

Ao contrário de outras doenças orgânicas como, por exemplo, numa infecção urinária

em que é possível detectar o agente através de exames laboratoriais e definir logo à

partida um tratamento eficaz, na esquizofrenia o diagnóstico é mais complexo e tem que

ser feito numa perspectiva longitudinal. Este só pode ser feito pelas manifestações

clínicas da doença, uma vez que não é possível efectuá-lo através de exames

laboratoriais ou imagiológicos. O diagnóstico da esquizofrenia é complexo e faz-se,

muitas vezes, afastando hipóteses de patologias com sintomas similares, como doenças

bipolares, algumas lesões cerebrais e doenças neurológicas, metabólicas ou infecciosas.

O consumo de drogas, alguns medicamentos e intoxicações por metais pesados também

podem ter efeitos semelhantes aos da esquizofrenia. O primeiro passo para identificar o

problema é analisar a história clínica do paciente. A partir desta, é possível averiguar os

antecedentes familiares e dados do período fetal, analisar casos de consumo abusivo de

álcool ou drogas e conhecer as doenças de que o doente já padeceu e os medicamentos

que tomou. Para obter esta informação é indispensável a colaboração do paciente e dos

seus familiares. O doente poderá também ser submetido a um exame físico e uma

avaliação neuropsicológica, o médico pode ainda recomendar analises ao sangue e

exames para avaliar, por exemplo, o funcionamento renal, fígado e tiróide, no entanto

nenhum destes exames laboratoriais vai servir para afirmar que o doente é mesmo

esquizofrénico.

Nalguns casos, antes da doença se manifestar, o paciente já apresenta um

comportamento anormal, expressando pouco as suas emoções, sem grandes aptidões

sociais e com tendência para o isolamento. Por vezes, os primeiros sintomas de alerta

são irritabilidade, medo e dificuldade de raciocínio. Os doentes revelam sentimentos de

estranheza e experiências, ao nível do pensamento, diferentes do habitual. Depois, a

doença pode manifestar-se de forma brusca, em poucos dias ou semanas, ou evoluindo

gradualmente. A última é mais problemática. A depressão, um problema frequente nos

esquizofrénicos, não esta definida como característica da doença, contudo quando existe

está associada a um pior prognóstico.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Por passar despercebida, o doente não recorre logo ao médico, o que atrasa o

tratamento. É ainda de frisar que existem outras situações psiquiátricas cujo diagnóstico

diferencial com a esquizofrenia deverá ser feito.

Existem vários critérios de diagnóstico para a esquizofrenia: a) sintomas característicos

como: ideias delirantes, alucinações, discurso desorganizado, comportamento

desorganizado e outros sintomas negativos. Salienta-se ainda que dois ou mais destes

devem estar presentes por um período de tempo significativo; b) disfunção

social/ocupacional, onde o relacionamento interpessoal ou o auto-cuidado estão

marcadamente abaixo do nível atingido antes do inicio da doença; c) os sinais devem ser

contínuos e persistirem durante um período de pelo menos seis meses entre outros.

6. T6. TRATAMENTORATAMENTO

Apesar de não haver cura para a esquizofrenia, o tratamento bem sucedido com

medicações antipsicóticas pode aliviar os sintomas da doença de forma que os

indivíduos possam levar vidas bem próximas do normal e produtivas do ponto de vista

pessoal e de trabalho. O desenvolvimento de várias medicações e intervenções psico-

sociais tem melhorado muito a perspectiva de pacientes com esquizofrenia. No entanto,

o tratamento completo da esquizofrenia requer abordagens farmacológicas, psicológicas

e sociais, dependendo do estágio da doença. A administração da medicação, o apoio

psicológico e familiar, a reabilitação vocacional e a ajuda da comunidade,

desempenham juntos, um papel fundamental para um excelente cuidado às pessoas com

esquizofrenia.

6.1 – TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

Até ao início da década de 1950, o tratamento farmacológico era bastante limitado e

pouco eficaz. O arsenal terapêutico ficava assim praticamente limitado aos opióides,

barbitúricos, brometos e anti-histamínicos. Estes fármacos, por sua vez, limitavam-se a

controlar a ansiedade e a agitação de alguns dos doentes.

Na década de 50 surgiram os primeiros medicamentos antipsicóticos. Conhecidos como

antipsicóticos típicos. A sua acção farmacológica faz-se sentir através do bloqueio no

cérebro dos locais de actuação do neurotransmissor designado como Dopamina. Sendo

desta forma diminuída a actividade desta substância. Este bloqueio ao nível da via

dopaminérgica mesolímbica provoca uma diminuição dos sintomas positivos da doença

(alucinações, delírios, etc.). Por outro lado, o bloqueio das restantes vias

dopaminérgicas dão origem a alguns dos seus efeitos indesejáveis: agravamento dos

sintomas negativos, aumento da prolactina (galactorrela) e efeitos extrapiramidais.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Estas substâncias revelaram-se particularmente eficazes no controlo dos sintomas

positivos da doença, nomeadamente as alucinações, as ideias delirantes e outras

perturbações do pensamento. A sua actividade sedativa permitiu melhorar

significativamente o comportamento e a agitação destes doentes.

No entanto, apesar da sua eficácia no controlo destes sintomas, este grupo de

medicamentos tinha pouca actividade sobre os sintomas negativos da doença e os seus

efeitos secundários eram, por vezes, bastante incómodos e pouco toleráveis.

Mais recentemente, na década de 90, surgiu uma nova geração de antipsicóticos,

designados por «novos antipsicóticos ou atípicos». Estes novos fármacos têm a

particularidade de serem igualmente eficazes no controlo dos sintomas positivos da

doença, de terem efeito sobre os sintomas negativos, ao contrário dos anteriores, de

terem ainda menos efeitos secundários, principalmente ao nível dos efeitos

extrapiramidais e de serem, por isso, melhor tolerados pelos doentes.

O mecanismo de acção de alguns neurolépticos atípicos, através do antagonismo de

vários receptores, nomeadamente, dopaminérgicos, colinérgicos, histaminérgicos, alfa-

adrenérgicos, serotoninérgicos, deixa antever a grande complexidade e interacção dos

vários neurotransmissores e dos seus receptores na fisiopatologia desta doença.

Podemos contudo considerar, em termos gerais, que a maioria dos neurolépticos

atípicos partilha um efeito antagonista a nível dos receptores dopaminérgicos e

serotoninérgicos.

O aparecimento destes novos neurolépticos nos últimos anos tem vindo a levantar novas

esperanças no tratamento desta doença, já que a sua utilização tem permitido uma

melhor possibilidade de intervenção reabilitativa.

Os neurolépticos têm um efeito não só na fase aguda da doença como na fase de

manutenção, prevenindo o aparecimento de novos surtos psicóticos. Ao fim de um ano,

cerca de 60% dos doentes recaem. Este valor desce para cerca de 15%, se estiverem

medicados com neurolépticos

Alguns exemplos de antipsicóticos:

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

6.1.1. Efeitos secundários dos neurolépticos

Como já referimos, estes fármacos, nomeadamente os conhecidos por antipsicóticos

atípicos, têm uma série de efeitos secundários, sendo os mais frequentes:

Neurodislépticos: correspondem a uma rigidez muscular (distonia aguda), principalmente ao nível dos músculos do pescoço, membros superiores e músculos oculares. O seu aparecimento encontra-se associado a doses mais elevadas e aos neurolépticos de maior potência. Estes efeitos secundários são habitualmente reversíveis com utilização de um outro grupo de medicamentos designado por antiparkinsónicos, como, por exemplo, o biperideno (Akineton®) ou o tri-hexifenidilo (Artane®).

Parkinsonismo secundário: Tremor das mãos, Outras alterações do movimento Inexpressividade facial Aumento de peso Alterações hormonais Galactorreia (produção de leite através das glândulas mamárias) Alterações menstruais Disfunção sexual Diminuição da libido Impotência Anticolinérgicos Obstipação Visão desfocada Boca seca Dificuldade em urinar Sedação ou sonolência Sialorreia – Aumento da produção de saliva Acatisia: esta situação manifesta-se pela incapacidade de o doente estar quieto no mesmo

sítio, tendo uma necessidade imperiosa de permanecer em constante movimento. Por vezes é confundida com ansiedade ou agitação psicomotora. Perante este efeito secundário deverá ser feita a substituição do neuroléptico prescrito, associando por exemplo ainda uma benzodiazepina (ansiolítico), havendo contudo alguns casos de difícil tratamento.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Síndrome maligna dos neurolépticos: é uma situação bastante rara, mas de grande gravidade. Os sintomas instalam-se habitualmente ao fim de dez dias de terapêutica com neurolépticos e os principais sinais clínicos são: hipertermia, rigidez muscular, alteração do estado de consciência, taquicardia, hipo ou hipertensão arterial, diaforese ou sialorreia, tremor e incontinência dos esfíncteres. É uma situação de urgência médica e deve ser tratada em ambiente hospitalar, de modo a reduzir as eventuais complicações graves dela decorrentes.

Discinesia tardia: trata-se de um efeito secundário com aparecimento tardio, geralmente ao fim de alguns anos de medicação neuroléptica. Surge com maior frequência em indivíduos do sexo feminino, verificando-se ainda a presença de um factor de uma sensibilidade individual. Caracteriza-se pelo aparecimento de movimentos involuntários e repetidos, envolvendo com maior frequência os músculos da boca, face e língua. Este efeito secundário tem características crónicas e é de difícil tratamento.

Estes efeitos secundários anteriormente descritos devem ser sempre comunicados ao

médico, para que este possa reduzir a dose ou eventualmente alterar a terapêutica

instituída.

Relativamente ao tempo que o utente deverá fazer a medicação não existe consenso.

Cada caso deverá ser avaliado individualmente pelo médico psiquiatra, devendo este

considerar o risco/benefício para o doente na continuação da terapêutica de manutenção.

Habitualmente após um episódio psicótico com critérios de esquizofrenia, a terapêutica

devera ser mantida por um período mínimo de 1 a 2 anos. Se houver mais episódios

agudos da doença, o período deverá ser alargado. Com frequência, existem doentes que,

dado o número elevado de recaídas e a gravidade clínica das mesmas, necessitam de

manter a terapêutica de uma forma continuada.

A adesão a um tratamento prolongado é uma tarefa que infelizmente muitos doentes não

assumem. Umas vezes falha a persuasão médica, que não é suficientemente clara e

insistente, alertando para os riscos de uma interrupção da medicação. Poderão não ter

sido adequadamente informados sobre a necessidade e importância da mesma. Pode

também acontecer que, embora bem informado/a, o/a doente julgue que a medicação

não serve para nada, que “até faz mal”, pois não tem uma noção clara da sua doença,

que minimiza e nega. De notar que entre os sintomas de esquizofrenia conta-se a

dificuldade da pessoa em reconhecer as perturbações mentais como manifestação da

doença, vivendo-as como “verdades” que os outros não entendem, ou aceitando

passivamente o seu estado. Outras vezes são os efeitos adversos da medicação que

levam o paciente a interromper o tratamento. É possível reduzir esses efeitos ao

mínimo; cabe ao médico escolher o medicamento que melhor se ajusta a cada doente,

reduzindo, se possível, a dose, ou combinando medicamentos apropriados. De realçar

que uma dose insuficiente é causa de recaída, que pode ocorrer alguns meses mais tarde.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

A possibilidade de evitar recaídas graves depende muito da adesão continuada à

terapêutica medicamentosa. Sem a medicação, a percentagem de recaídas no ano que se

segue a um surto agudo é de 75%. A manutenção de uma medicação apropriada permite

reduzir esse risco para 15%.

6.2 – A ELECTROCONVULSIVOTERAPIA

A electroconvulsivoterapia foi introduzida como técnica de tratamento da esquizofrenia,

em 1938, por Cerletti e Bini. O objectivo desta técnica é induzir, através de um estímulo

eléctrico, uma crise convulsiva no doente.

Ao longo dos anos têm sido várias as vozes que se ergueram, condenando este tipo, de

tratamento, considerando-o desumano e bárbaro. A realidade é que a

electroconvulsivoterapia, não só na data da sua introdução como ainda hoje, se revela

como uma forma de tratamento eficaz na esquizofrenia.

Na aplicação da electroconvulsivoterapia, recorre-se à anestesia geral, ao relaxamento

muscular e a uma monitorização rigorosa dos principais sinais vitais. Sendo que o risco

para o doente é muito baixo, apresentando uma taxa de mortalidade de 1 para 10000.

Os principais efeitos secundários correspondem a náuseas, cefaleias, dores musculares,

alterações cognitivas, principalmente da memória. Contudo estes efeitos secundários

normalmente são moderados e transitórios.

Apesar de não ser considerado um tratamento de primeira linha para a esquizofrenia,

são várias as situações em que o seu uso se encontra indicado, nomeadamente em

situações refractárias à terapêutica farmacológica, nas formas de esquizofrenia

catatónica, em depressões severas com elevado risco de suicídio ou acompanhadas de

sintomas psicóticos, etc.

Existem ainda situações em que o seu uso se torna indispensável, designadamente

quando a terapêutica farmacológica se encontra contra-indicada ou desaconselhada,

como por exemplo na gravidez.

Habitualmente são programadas 6 a 12 sessões de electroconvulsivoterapia, com uma

frequência de duas a três vezes por semana, podendo estas serem repetidas se houver

justificação clínica.

As principais contra-indicações relativas da aplicação deste tipo de tratamento referem-

se a doenças cardiovasculares, como a presença de um enfarte recente, insuficiência

cardíaca congestiva, alterações da condução cardíaca, aneurismas, etc. A presença de

uma lesão tumoral intracraniana também pode limitar a sua utilização.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Em suma podemos afirmar que o uso da electroconvulsivoterapia no tratamento da

esquizofrenia mantém-se actual, embora como um tratamento de 2ª linha para situações

mais graves ou casos refractários ao tratamento farmacológico. As indicações clínicas

devem ser avaliadas caso a caso, tendo em consideração o risco/benefício deste

tratamento para o doente.

6.3 – PSICOTERAPIA

A psicoterapia é um tratamento psicológico, complementar ao farmacológico e que

ajuda o doente a elaborar e a integrar a sua experiência psicótica.

Após a saída da crise, o doente adquire alguma crítica face à doença, embora, muitas

vezes, tornando-se difícil para ele compreender e explicar o período de alienação e de

delírio em que se viu envolvido. Esta fase é vivida muitas vezes pelo doente com grande

angústia, levando-o a sentir-se só e deprimido.

Foram várias as abordagens psicoterapêuticas utilizadas no tratamento da esquizofrenia.

Na maioria dos casos, os resultados eram pouco animadores ou de eficácia reduzida. As

psicoterapias dinâmicas influenciadas pela psicanálise de Freud acabaram por não

revelar eficácia no tratamento destes doentes.

A psicoterapia cognitivo-comportamental é uma técnica psicoterapêutica que tem sido

utilizada no tratamento da esquizofrenia com algum sucesso no que diz respeito ao

tratamento dos sintomas positivos da doença, designadamente nas ideias delirantes e nas

alucinações auditivas. Nesta o doente é ensinado a compreender e alterar o seu modo de

pensar, de forma a reagir de maneira diferente às situações que lhe causam ansiedade.

Com esta abordagem terapêutica procura-se, em conjunto com o doente, encontrar

modelos alternativos na explicação dos sintomas psicóticos da doença. Desta forma,

reduz-se o sofrimento associado à experiência psicótica.

Actualmente as abordagens psicoterapêuticas, como forma de tratamento único na

esquizofrenia, encontram-se desaconselhadas, uma vez que o tratamento farmacológico

deve estar sempre presente.

6.4 – PSICOEDUCAÇÃO

A psicoeducação, no contexto do tratamento da esquizofrenia, é uma técnica que visa

melhorar a compreensão da doença pelos doentes e suas famílias e, desta forma,

melhorar o seu comportamento e atitude face à doença.

Esta técnica deve ser encarada como uma parte do tratamento, devidamente enquadrada

num projecto terapêutico. Dentro deste contexto terapêutico, o indivíduo adquire um

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

papel activo no tratamento da sua doença. Procura-se assim fornecer informação aos

doentes sobre vários aspectos da própria doença, de uma forma sistematizada,

englobando áreas como os sintomas da doença, as suas possíveis etiologias, o

tratamento e o curso da doença, procurando melhorar a adesão à terapêutica e o próprio

insight do doente face à doença.

Os objectivos gerais dos programas de psicoeducação na esquizofrenia são:

Melhorar o autoconhecimento face à doença; Melhorar a adesão à terapêutica; Diminuir o risco de recaída; Detectar e intervir precocemente nas recaídas; Adoptar estratégias concretas durante a crise psicótica.

Os programas psicoeducativos podem ser realizados em sessões modulares temáticas

englobando tópicos como:

Aspectos diagnósticos; Prevalência da doença; Etiologia; Evolução; Terapêutica; Factores de stress; Recursos comunitários; Abuso de substâncias; Aspectos legais; Sinais de recaída.

A experiência psicótica é sempre um processo individual, que pode ter um impacto

profundo na estrutura familiar e social do doente. A abordagem terapêutica deve ser

feita de uma forma suficientemente flexível, para que o doente e a sua família, tendo em

conta o seu perfil social e cultural, possam integrar as explicações dadas sobre a

experiência psicótica.

6.5 – O INTERNAMENTO

Por vezes, na fase aguda ou de crise da doença, torna-se necessário recorrer ao

internamento. Este pode durar algumas semanas ou por vezes meses. O objectivo

principal é estabilizar o doente para que seja possível o seu regresso à comunidade o

mais rapidamente possível.

Os motivos que normalmente levam ao internamento são:

Dificuldade de diagnóstico diferencial e necessidade de realizar exames complementares de diagnóstico;

Controlo de efeitos secundários mais graves, como a acatisia ou a síndrome maligna dos neurolépticos;

Resistência à terapêutica;

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Com o objectivo de retirar o doente de um ambiente sociofamiliar conflituoso para um ambiente terapêutico;

Necessidade de realização de tratamentos especiais; Risco de suicídio ou presença de comportamentos violentos e agressivos; Perante um surto psicótico em que ocorra recusa da terapêutica ou não exista um apoio

familiar adequado.

7. C7. CARACTERÍSTICASARACTERÍSTICAS ASSOCIADASASSOCIADAS AOAO SEXOSEXO As características associadas ao sexo dizem respeito à adaptação pré-morbida e às

particularidades clínicas e evolutivas da doença.

Entre as perturbações pré-morbidas da adaptação, os rapazes apresentam uma tendência

para os comportamentos anti-sociais e um comportamento de hiper-reactividade mais

acentuados do as jovens. Estas perturbações acompanham frequentemente uma

personalidade esquizóide. Em contrapartida, apesar de apresentarem um maior número

de perturbações de tipo pseudoneurótico, provocadas por timidez e evitamento social, as

jovens conservam durante mais tempo uma melhor adaptação aparente, tanto durante a

infância como durante a adolescência.

Apesar das diferenças comportamentais pré-morbidas se desvanecererm à medida que

se aproxima a idade de eclusão dos primeiros sintomas claramente psicóticos, as

mulheres jovens pré-esquizofrenicas encontram-se melhor adaptadas do que os homens

antes da descompensação clínica da doença. Este fenómeno refere-se ao casamento

(40% das mulheres são casadas antes do primeiro internamento contra 30% dos

homens), o desenvolvimento psicossexual (somente 16% das mulheres nunca tiveram

relações sexuais com o individuo do sexo oposto antes do inicio da doença contra 40%),

mas também às relações sociais, de trabalho, etc.

Já no que se refere às particularidades clínicas e evolutivas da doença, diversas

investigações indicam uma tendência para a manifestação de sintomas positivos mais

abundantes e maior prevalência de sintomas timicos na mulher, ao passo que nos

homens os sintomas negativos parecem ser mais frequentes. Se bem que os resultados

não sejam homogéneos e as diferenças sejam, por vezes, de fraca amplitude.

Relativamente à evolução de longo prazo da esquizofrenia os estudos não demonstram

consenso. Aproximadamente metade destes estudos defendem uma evolução menos

grave nas mulheres, com menos recidivas, menos hospitalizações, internamentos de

menor duração e uma melhor adaptação social. Na outra metade, dos estudos, não

encontramos estes resultados, mas a grande heterogeneidade dos protocolos utilizados

torna a análise difícil.

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Para além das particularidades clínicas acima mencionadas, as mulheres parecem ser

mais sensíveis às medicações anti-psicóticas. As jovens mulheres esquizofrénicas

necessitariam de neurolépticos menos fortes do que os homens, mas, acima dos 40 anos

de idade, elas necessitariam de doses mais elevadas.

7.1 – AS MULHERES E A ESQUIZOFRENIA

7.1.1. Gravidez e esquizofrenia

Muitas esquizofrénicas já são ou virão a ser mães. A sua transição para a maternidade

poderá ser problemática devido à própria doença e às muitas dificuldades psicossociais

associadas à perturbação mental crónica.

A taxa de gravidez em doentes esquizofrénicas tem vindo a aumentar desde a sua

desinstitucionalização, ocorrida há algumas décadas. Apesar de iniciarem a vida sexual

activa tão cedo quanto a população em geral, esta reveste-se de alguns aspectos

particulares. O desejo e prazeres sexuais estão diminuídos (pela esquizofrenia em si ou

pelo tratamento farmacológico), a contracepção é inconsequente, o número de parceiros

sexuais é maior e as relações que estabelecem são menos estáveis, o que justifica altas

taxas de separação e divórcio, viverem muitas vezes sozinhas. São mais frequentes as

gravidezes não desejadas e não planeadas assim como a violência física, a violação e a

prostituição, quer antes quer durante a gravidez. O diagnóstico da gravidez é realizado

tardiamente devido ao facto de a doente não ter a capacidade de associar os sintomas de

uma gravidez e ainda devido às suspeitas de que os profissionais de saúde lhe possam

retirar o filho após o nascimento. As mulheres, com perturbações psicóticas, podem

fazer uma interpretação distorcida das mudanças e experiências associadas à gravidez.

Nomeadamente as esquizofrénicas experimentam uma intensificação das ideias

delirantes precipitadas pelos movimentos do feto. Também poderão ter dificuldades em

cooperar com os procedimentos pré-natais. O impacto da gravidez na esquizofrenia

depende da gravidade da doença, de variáveis psicológicas e sociais e das complicações

da própria gestação.

O risco associado à gravidez não planeada e a necessidade de formação no planeamento

familiar é particularmente evidente nestas mulheres. As oito primeiras semanas de

gestação são fundamentais para o desenvolvimento neuronal, estando o cérebro

altamente susceptível aos agentes teratogénicos durante este período da vida

embrionária. Uma gravidez não planeada diminui as oportunidades de preparar e

optimizar as condições para o feto desde o momento da concepção. Este tipo de mulher

poderá estar sob o efeito de diversas modificações, a fumar muito ou a consumir

substâncias ilícitas. Devido a más condições sociais ou pobreza elas poderão não

satisfazer as exigências nutricionais adequadas. É possível que estes factores venham a

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

ter um impacto na adesão da mãe aos cuidados pré-natais, na sua capacidade de ser mãe

e no seu estado mental.

Entre os riscos da gravidez da mãe esquizofrénica, além daqueles vindos das próprias

alterações psíquicas que a gestação favorece, estão os efeitos secundários dos

medicamentos usados para essa doença. Esses psicofármacos anti-psicóticos podem

afectar o feto, principalmente quando usados nos três primeiros meses de gestação.

Quando a mãe usa psicofármacos no final da gravidez o filho pode sofrer complicações

de parto. As mulheres com esquizofrenia têm maior probabilidade de problemas,

incluindo períodos mais curtos de gestação e de baixo peso no recém-nascido.

A gravidez parece ter um impacto imprevisível e muitíssimo variável na saúde mental.

Relativamente a esse impacto, da gravidez na evolução da esquizofrenia, as conclusões

dos diversos estudos realizados são contraditoras, o que reflectirá talvez a variabilidade

do seu impacto e dependerá não apenas do diagnóstico como também de uma gama de

variáveis psicológicas e sociais.

7.1.2. Maternidade e esquizofrenia

As pessoas com doença mental grave têm as mesmas aspirações de maternidade e

enfrentam os mesmos desafios associados do que os outros membros da comunidade. O

casamento e a maternidade são marcos esperados na vida da maioria das mulheres que

assinalam a transição para a idade adulta e são, muitas vezes, acompanhados por ritos e

cerimónias especiais.

Para algumas mulheres com esquizofrenia, a maternidade resulta numa melhoria das

redes sociais, na redução do sentimento de confusão, de identidade e de estigma. Mas

para outras a maternidade está associada ao sofrimento, perda e frustração. O estigma

associado à doença mental grave parece ampliar-se quando se trata de pais com estas

doenças.

As crianças com pais portadores de esquizofrenia têm maior risco de desenvolver a

respectiva doença apresentando taxas mais altas de perturbações comportamentais e

emocionais.

O impacto de um progenitor mentalmente doente no funcionamento da família é

mediado por interacções complexas que incluem factores relacionados com a doença

(por exemplo: os sintomas nucleares da doença, efeitos secundários da medicação e

necessidade de hospitalização) e factores psicossociais secundários (por exemplo: a

perda de competências de parentalidade, conflito conjugal, isolamento social, habitação

insegura e pobre, desemprego e pobreza, entre outros). Todos estes factores contribuem

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

para que ao stress, sentido pelas mulheres com esquizofrenia, se acrescentem mais

alguns devido ao próprio papel de mãe.

Os pais com esquizofrenia encontram-se muitas vezes, num ciclo vicioso – os stressores

do ambiente têm impacto no progenitor e na criança exacerbando os sintomas do

primeiro e os problemas de comportamento do segundo, contribuído para as

dificuldades de interacção entre ambos. Estes stressores adicionais exacerbam os

sintomas podendo conduzir ao internamento hospitalar do progenitor doente, e

consequentemente pode colocar a criança em cuidados alternativos. Isso é capaz de

causar stress no casal, podendo atrasar a recuperação do progenitor doente e criar

problemas de vinculação e de relacionamento nos membros da família. Estas famílias

geralmente enfrentam múltiplos problemas, uma vez que estão expostas a uma vasta

gama de stressores aumentando a probabilidade de disfunção familiar.

É indiscutível a importância do aleitamento materno no estreitamento precoce da

relação mãe/filho, na passagem de anticorpos protectores que aumentam a resistência às

infecções do recém-nascido e também pelo seu valor nutricional. No caso das puérperas

portadoras de esquizofrenia a amamentação está formalmente contra-indicada se o

período de aleitamento coincidir com uma fase de surto. Em doentes compensados, sob

medicação e tendo em consideração que todos os anti psicóticos passam através do leito

maternos, a amamentação deve ser desaconselhada. Caso a mãe insista em amamentar

deve ser informada dos riscos da sua decisão, a qual implica a redução da posologia ao

mínimo eficaz.

Os indivíduos com esquizofrenia têm muitas necessidades relacionadas com a sua

doença principal e incapacidades associadas. As necessidades das mães com

esquizofrenia requerem uma atenção especial uma vez que os conhecimentos sobre a

maternidade escasseiam. As mães com esquizofrenia apresentam problemas

relacionados com o estigma da doença mental: dificuldades em lidar com as tarefas

rotineiras da maternidade; o impacto da gestão da doença mental e o medo de perder o

contacto com os filhos.

Estas mães necessitam de informações frequentes sobre o seu papel durante a

maternidade, necessitando igualmente de apoio por parte dos familiares saudáveis.

Outro factor, extremamente importante para que a progenitora esquizofrénica consiga

ultrapassar o impacto da doença na sua vida, é ter um marido compreensivo, transmissor

de confiança e de carinho ajudando a mulher na prestação de cuidados ao filho e nos

serviços domésticos.

O problema surge quando o marido também sofre de esquizofrenia, quer por factores

genéticos quer pelo contacto permanente com a sua mulher. Neste caso os serviços de

/CDuque 2008-11-14 26

Page 28: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

saúde e os familiares desempenham um papel importante para ajudar a família a atingir

o equilíbrio.

8. P8. PARENTALIDADEARENTALIDADE EE ESQUIZOFRENIAESQUIZOFRENIA As relações do esquizofrénico, com a sua família, têm sido exclusivamente estudadas

numa tentativa de se encontrarem padrões comportamentais e comunicacionais que

possam contribuir para a etiologia e compreensão da doença. A esquizofrenia manifesta-

se de diferentes formas no que respeita aos comportamentos e tarefas que têm de ser

desempenhados pelo pai ou pela mãe. A mãe com esquizofrenia é descrita como fria,

distante, agressiva, hiperprotectora e ansiosa relativamente aos filhos. O pai é descrito

como crítico, hostil e demasiado envolvente. Quando no sistema familiar ambos os

progenitores, ou apenas um deles possui a doença de esquizofrenia ocorre certamente,

alterações marcantes na dinâmica familiar. A existência de pais esquizofrénicos, numa

família, é altamente destabilizadora conduzindo frequentemente a alterações

comportamentais na criança (filho). Neste contexto a assistência terapêutica passa pela

colaboração da família na recuperação do doente, contribuindo decisivamente para a

adesão ao tratamento e para o despiste precoce de eventuais descompensações.

A existência de filhos nascidos num casal em que um ou ambos os progenitores sofrem

de esquizofrenia levanta dois tipos de problemas. Por um lado coloca-se a probabilidade

de os descendentes virem a contrair a doença, por outro, a questão sobre a capacidade

dos pais se encarregarem da educação dos filhos, nascidos nestas circunstâncias. Na

maioria das situações tal é possível, desde que, em caso de descompensação da doença,

esteja assegurada uma alternativa educacional por parte de familiares próximos ou, em

alternativa, seja accionada uma resposta institucional.

Os filhos de pais esquizofrénicos enfrentam determinados problemas e preocupações

encarando este problema de forma muito singular. Contudo, a maioria destas crianças

cria mecanismos de defesa para lidar com esta situação.

Todas estas crianças, mais novas ou mais velhas, têm sentimentos fortes em relação aos

seus pais, à sua infância e à doença que os afecta, de múltiplas maneiras ao longo das

suas vidas. Muitos vão escolher (ou já escolheram) vários mecanismos de defesa para

ajudá-los a lidar com a sua situação particular, envolvendo-se (e culpabilizando-se),

revelando tristeza e pena, negação e exclusão defensiva (indiferença). Estes esforços de

protecção podem, eventualmente, conduzir ao longo do tempo a padrões emocionais

como “ansioso e ambivalente”, “preocupação compulsiva” ou a evitar os “laços

afectivos”.

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Page 29: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Alguns dos problemas mais comuns levantados pelas crianças filhas de pais

esquizofrénicos são:

Fronteiras: quando se cresce com pais que invadem todos os aspectos da suas vidas de maneira imprevisível e por vezes perigosa, não se consegue aprender quando dizer não ou quando deixar de depender dos outros, etc.

Problemas de lealdade: algumas vezes, especialmente, quando os pais são paranóicos, a criança é colocada repetidamente numa situação onde precisa de provar que eles não fazem parte dos vilões. Este é parte dos problemas de fronteiras – é um problema complexo, tentar manter a sua sanidade enquanto tentam bloquear uma pessoa insana sendo uma criança.

Aptidões sociais: quando chegam à idade adulta os filhos de pais esquizofrénicos têm dificuldade em saber a quem e como se abrirem com outras pessoas, ou como confiar nos próprios instintos e em geral como lidar com pessoas “normais” pois eles foram isolados do resto do mundo tanto físico como psicológico devido aos pais.

Actividades de vida: os pais esquizofrénicos, apresentam dificuldades em ensinar os filhos a realizar as suas actividades de vida, o que vai fazer com que muitas vezes, estes mesmos filhos não sejam capazes de cuidar de uma casa e de se tornarem independentes futuramente tão facilmente como os filhos de pais sem doença mental.

Lidar com a raiva, depressão e stress: as crianças de pais esquizofrénicos têm muita tendência para a depressão sendo que muitos têm terapeutas pessoais, estão envolvidos em grupos de aconselhamento e suporte, ou tomam medicação para distúrbios de depressão, ansiedade e comportamento.

Lidar com a culpa: estas crianças são especialmente susceptíveis a sentir muita culpa acerca de tudo, sendo que muitos passam por uma fase de se culparem a eles próprios pela doença dos pais. Quase todos sentem-se angustiados por não fazer o suficiente (ou por fazer demais) pelo progenitor, outros irmãos, ou pelo resto da família.

Medo: as crianças revelam medo de ficar doentes como o progenitor, mudando o trajecto de vida de muitas crianças. Os filhos de pais esquizofrénicos acabam por ter filhos tarde por medo de transmitir a doença aos filhos; casar-se tarde porque não querem ter filhos ou porque não querem magoar alguém especial por se tornarem doentes mentais no futuro.

Problemas em assumirem compromissos: muitos evitam compromissos, ou tornam-se envolvidos em compromissos abusivos ou demasiado exigentes.

Perdão: é normalmente confundido com aceitação. Aceitar a doença mental de um progenitor é um passo importante para a auto-cura e recuperação.

Os descendentes de pais esquizofrénicos orientam-se melhor quando têm várias fontes

de apoio: relações apoiadas com o progenitor saudável (caso apenas um dos

progenitores seja esquizofrénico), nos familiares, nos amigos ou apoio dos profissionais

de saúde.

Dependendo da sua situação pessoal ou sentimentos, os filhos de pais esquizofrénicos

podem, ou não, ficar em contacto com o progenitor depois de se tornarem

independentes. Essa decisão vai depender das características pessoais do filho do

esquizofrénico, no entanto, o aconselhamento ou grupos de suporte podem ajudar a lidar

com inevitáveis culpas, frustração, ou incertezas acerca da decisão tomada.

A afectividade, definida como a capacidade de vivenciar sentimentos e emoções, é uma

experiência sentida pelo próprio e observada pelos outros. Esta encontra-se

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Page 30: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

profundamente afectada, na esquizofrenia. Estas alterações caracterizam-se por: redução

da resposta afectiva – nalguns doentes parece existir uma perda absoluta de toda a vida

emocional a qual se traduz por uma completa indiferença pelo seu bem-estar e pelo dos

outro. Nas formas menos acentuadas da doença a manifestação dos afectos é superficial,

fria e distante (esgotamento afectivo). O doente poderá ainda referir uma perda total de

prazer em actividades que anteriormente o satisfaziam. A ressonância afectiva, simpatia,

empatia, compaixão, características do ser humano, estão quase ausentes nos

esquizofrénicos, o que torna o relacionamento interpessoal difícil e pouco gratificante.

O esquizofrénico poderá reagir com um sorriso perante uma situação dramática, ou pelo

contrário, reagir afectivamente perante um acontecimento banal (incoerência afectiva).

Ao contrário do humor, que não tem objecto, e do afecto que se relaciona com objectos

(pessoas significativas) previamente conhecidos, a emoção relaciona-se com a situação

presente ou futura. As reacções emotivas da esquizofrenia variam de acordo com o tipo

de esquizofrenia e a fase da doença. Nos tipos de esquizofrenia que se caracterizam com

a indiferença ao mundo exterior, o esquizofrénico mantém esta indiferença em relação

aos estímulos que habitualmente despertam emoções mais intensas na maioria das

pessoas. Por outro lado, nas fases iniciais de uma esquizofrenia paranóide, o

esquizofrénico vê-se sozinho contra o mundo que interpreta como estranho e

ameaçador. Daí que se encontre dominado por emoções intensas como o medo, a

perplexidade o desamparo, o desespero, a cólera, a ansiedade ou o pânico. Estas

emoções permitem compreender alguns dos seus comportamentos como a agitação, a

agressividade ou violência, quando se lhe tenta impor limitações que ele interpreta

como ameaças à sua autonomia e integridade.

O uso de anti-psicóticos, ao possibilitar internamentos menos frequentes ou mais curtos,

aliados a medidas de reabilitação e de ressocialização, tem levando a um aumento de

casamentos dos doentes esquizofrénicos. Apesar desse aumento, a taxa de casamentos é

muito menor do que a da restante população, traduzindo as dificuldades relacionais

características da doença. Por outro lado, a taxa de divórcios em doentes

esquizofrénicos está aumentada.

9. O 9. O PAPELPAPEL DODO DOENTEDOENTE, , DADA FAMILIAFAMILIA EE DOSDOS ENFERMEIROSENFERMEIROS NANA ESQUIZOFRENIAESQUIZOFRENIA

É fundamental que o doente esquizofrénico normalize a sua vida e assuma todas as

tarefas possíveis, lutando contra a doença, mesmo que esta persista e que alguns

sintomas perdurem.

Segundo a Fundação Holandesa para doentes esquizofrénicos, estes devem:

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Page 31: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Permanecer fiéis ao tratamento; Ter cuidado em conservar um ritmo de sono e vigília correcto, com as necessárias horas

de sono; Evitar o stress; Ter um quotidiano como o das outras pessoas; Evitar o consumo de drogas; Ter uma vida organizada; Fixar um programa de actividades para cada dia; Permanecer em contacto com outras pessoas; Manter o contacto com o psiquiatra e equipa de saúde mental; Praticar desporto pelo menos uma vez por semana.

As pessoas que sofrem de esquizofrenia são mais vulneráveis aos efeitos nocivos e

destrutivos da maioria das drogas, uma vez que estas conduzem a um agravamento da

doença. As drogas são pois um factor de sabotagem da recuperação da saúde,

produzindo novos transtornos mentais e físicos, prejudicando a acção dos

medicamentos, contribuindo assim para a deterioração da personalidade e para a

desinserção social. Por todas estas razões o esquizofrénico deverá evitar por completo o

consumo de drogas.

Para conseguir uma maior inserção, do doente esquizofrénico na sociedade e para que

aprendam uma profissão e consigam ser independentes, é importante desenvolver

programas de reabilitação. Infelizmente, no nosso país ainda existem poucos programas

deste género. Além das intervenções dos profissionais de saúde é imprescindível o

apoio da família e amigos. Estes devem evitar envolver o paciente em ambientes hostis,

carregados de crítica, gritos e incompreensão, mas também atitudes demasiado

protectora, que os tornam dependentes. Em ambas as situações a probabilidade de

recaída é maior. O mais indicado é um ambiente tolerante, onde haja apoio, mas que

fomente a capacidade de superação e independência do paciente. Os familiares do

doente devem estar bem informados sobre a doença a fim de poderem ajudar o doente

sempre que necessário. O enfermeiro deve dar toda a informação sobre a doença de uma

forma simples e compreensível.

A esquizofrenia é uma doença que afecta profundamente a família, que leva algum

tempo até à sua aceitação. Na nossa sociedade existe um grande estigma à volta das

pessoas que sofrem de doenças mentais, não existindo grande conhecimento sobre estas.

Quando a esquizofrenia surge, no seio de uma família, esta não sabe como agir com o

seu familiar, não compreende os seus comportamentos cada vez mais anormais e não

sabe a quem deve recorrer, por este facto fica cada vez mais sujeita a grandes pressões.

Quando uma pessoa é afectada por esta doença toda a sua família sofre com isso.

Depois do diagnóstico feito é perfeitamente normal que surjam na família sentimentos

de culpa, ressentimento, raiva, vergonha e amargura. Num primeiro instante tenta-se

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Page 32: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

esconder a doença por causa de dos preconceitos sociais. Quando alguém na família

adquire esquizofrenia é necessário que esta mude e se adapte para continuar a ser feliz

apesar da dor.

A presença de uma pessoa com esquizofrenia em casa pode resultar em sobrecarga

financeira, ser emocionalmente fatigante, bem como, afectar o trabalho e a vida social

dos restantes membros. Nem sempre a família lida bem com esta situação, acabando por

negligenciar o seu familiar, chegando mesmo a desejar a sua morte.

É importante que a família tenha em mente que deve proporcionar uma atmosfera calma

em vez de argumentativa, com atitudes previsíveis em vez de inconscientes, com apoio

e tolerância para o doente, em vez de rejeição.

Para que a família possa caminhar ao lado do doente, e não no sentido contrário, é

imprescindível que os vários elementos da família respeitem as necessidades de cada

um, devem decidir que tipo de comportamento é inaceitável e devem ser capazes de

impor esses limites. Quando é um dos elementos do casal, é importante manter um

equilíbrio de poder entre eles, ajustar os papéis dos membros para que o doente possa

encontrar uma área de competência que contribua para o bem estar da família e

assegurar que o outro membro do casal possa ter um tempo para si.

O papel activo da família é essencial para o tratamento, reabilitação e reinserção social

do doente que sofre de esquizofrenia. Muitas famílias procuram o apoio junto dos

técnicos de saúde, permitindo assim que estas superem e sobrevivam às dificuldades

que encontram, no entanto, há aqueles que não o fazem, levando ao seu adoecimento, ou

seja, não conseguem lidar com as crises, conduzindo à sua desestruturação e destruição.

A família deve estar preparada para o facto do doente poder ter recaídas ao longo do

tempo, o que pode conduzir a um possível internamento hospitalar. É bastante

importante o apoio da família ao doente, durante o tempo da sua permanência no

hospital, através de reforço positivo, comunicação, visitas e mostrar interesse em saber

como vai a evolução da sua doença.

Para poder ajudar o doente e família é necessário que o enfermeiro conheça a

sintomatologia das alterações comportamentais. O plano de cuidados de enfermagem

deve ser centrado num ser pessoal, com as suas características específicas e reflectir

acerca das respostas comportamentais esperadas face a determinada alteração.

O planeamento dos cuidados à doente esquizofrénica deve ser centrado nos seguintes

aspectos: na independência da mãe, na vinculação à criança, na integração familiar, nas

competências parentais e cuidados à criança e na manutenção da gestão doméstica. É

vital que o plano de alta seja cuidadosamente desenvolvido com a colaboração da

família/equipa de saúde.

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Page 33: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

Nos cuidados à mulher com esquizofrenia o enfermeiro deve considerar os seus efeitos

na família: se a mãe não se sente bem, é incapaz de se adaptar a si própria ou à criança,

isola-se ou está tão fatigada que a família é inevitavelmente afectada. Os factores de

stress são agravados o que pode resultar no isolamento da mãe, alteração do

relacionamento com o companheiro ou impacto negativo na parentalidade. O

enfermeiro deve estar alerta para estes sinais de disfunção e preparado para promover a

vinculação mãe/filho indicando à família fontes de suporte e aconselhamento.

Visto que na doença abordada o doente, muitas das vezes, tem uma percepção diferente

da realidade por vezes acontece que a mãe se convence de que alguém lhe quer tirar o

bebé e agarra-se a este como forma de protecção, pode também acreditar que a criança

vai morrer, que tem alguma anomalia ou que Deus cuida dela e por isso não necessita de

cuidados.

O enfermeiro deve estar atento aos sintomas da doença presentes no doente. Estes

podem manifestar-se através da agitação psicomotora, alterações nos padrões de

sono/repouso, perda de interesse, pensamento lento ou concentração alterada e possível

idealização do suicídio. A mulher pode ainda necessitar de assistência para a realização

de cuidados de higiene básicos.

O plano de alta feito pelo o enfermeiro tem por objectivo responder às necessidades da

criança enquanto a mãe está a integrar a sua experiência. Durante o internamento o

enfermeiro deve observar a mulher para verificar o comportamento de vinculação e

pertença. Os comportamentos de vinculação são demonstrados através de certos gestos

como: acarinhar, falar com a criança, chama-la pelo nome, olhar olho no olho, contactar

fisicamente, tocar, bem como iniciar os cuidados necessário quando apropriados (por

exemplo: mudar a fralda do bebé sempre que seja necessário).

O enfermeiro deve fazer os ensinos necessários encorajando a mãe, elogiando-a quando

fizer algo positivo, transmitindo-lhe sentimentos de auto-estima e auto-confiança. O pai

também deve ser inserido nos cuidados.

Se a mãe durante o internamento foi capaz de prestar cuidados com qualidade

permitindo o bem-estar da criança e da sua família será mais fácil adaptar-se, de forma

eficaz, a esta nova etapa da vida, desenvolvendo padrões de crescimento saudáveis.

/CDuque 2008-11-14 32

Page 34: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

10. E10. ESTRUTURASSTRUTURAS DEDE APOIOAPOIO COMUNITÁRIOCOMUNITÁRIO

10.1 – HOSPITAIS DE DIA E ÁREA DE DIA

Os Hospitais de dia e as áreas de dia são estruturas terapêuticas que reúnem uma série

de técnicos de saúde que proporcionam aos doentes com esquizofrenia, e com outras

doenças psiquiátricas, um programa terapêutico abrangente e junto da comunidade.

Estas estruturas oferecem aos doentes actividades terapêuticas como psicoterapia

individual ou em grupo, pela terapia familiar, terapia ocupacional e programas

psicoeducativos. O internamento em hospital de dia permite ainda uma intervenção

terapêutica baseada na mudança, uma monitorização da terapêutica farmacológica e um

ajuste terapêutico em função da evolução clínica do doente.

10.2 – RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS

As residências terapêuticas vieram contrariar o ambiente de institucionalismo

(internamentos prolongados em instituições psiquiátricas) a que estes doentes

anteriormente estavam condenados.

Nas residências terapêuticas, os doentes vivem em regime comunitário, de autonomia

variável, sendo supervisionados por um técnico de saúde mental. Sendo que a própria

residência funciona como um instrumento de reabilitação, já que permite o treino de

competências para uma vida mais autónoma e integrada na comunidade. O doente

desempenha uma série de actividades domésticas que permitam satisfazer as suas

necessidades básicas, aprende regras sociais, de higiene e de controlo de despesas e

gastos económicos com o apoio do grupo, o que permite uma maior autonomia e

responsabilidade.

Estas residências procuram ainda estimular a toma individual da medicação reforçando

a importância desta no controlo dos sintomas da doença e das recaídas, reforçando deste

modo a adesão à terapêutica.

10.3 – FÓRUM SÓCIO-OCUPACIONAL

O objectivo terapêutico do fórum sócio-ocupacional é a ocupação dos tempos livres,

preenchendo assim os longos períodos de ócio a que estes doentes estão frequentemente

sujeitos. Nestes são programadas várias actividades ocupacionais manuais ou

intelectuais, com o objectivo terapêutico de promover a auto-estima e a tomada de

decisões. O planeamento do tempo livre e a sua ocupação com actividades estruturantes

e lúdicas é concretizado através de trabalhos manuais, ateliers de pintura, ateliers de

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Page 35: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

fotografia, etc., geridos por organizações não governamentais, com apoio e supervisão

do serviço local de saúde mental da área e financiamento da segurança social.

10.4 – TREINO DE APTIDÕES SOCIAIS

Esta é uma técnica frequentemente utilizada no tratamento e reabilitação dos doentes

com esquizofrenia. A simples tarefa de ir ao supermercado mais próximo, comprar um

pacote de açúcar, requer um conjunto de aptidões sociais que muitos destes doentes não

possuem.

Torna-se assim necessário treinar um conjunto de aptidões sociais que podem passar

pelo simples contacto com o olhar, a forma de iniciar uma conversa mantendo um

volume de voz adequado, seleccionar os tópicos adequados para mantê-la e saber como

terminá-la.

O treino de aptidões sociais pode ser dirigido quer aos comportamentos mais simples,

quer a outros mais complexos. Habitualmente, este tipo de intervenção terapêutica é

realizado com pequenos grupos de doentes, procurando-se, através da repetição,

promover a retenção de informação. São utilizadas com frequência nestas sessões

exercícios de role-playing, em que são simuladas várias situações práticas,

proporcionando, deste modo, aos doentes uma participação activa e directa no seu

processo terapêutico-reabilitativo.

10.5 – ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO E APOIO NA ESQUIZOFRENIA

A associação de educação e apoio na esquizofrenia (AEAPE) foi criada a 10 de Julho de

2002, com o estatuto de IPSS, com sede provisória no Hospital Júlio de Matos, em

Lisboa. A AEAPE tem como objectivo o apoio a pessoas com esquizofrenia e suas

famílias, dentro de uma perspectiva de humanização de cuidados e pleno respeito,

propondo-se, nomeadamente a:

Intervir, a todos os níveis na defesa dos direitos, legítimos interesses e qualidade de vida das famílias como prestadores informais de cuidados;

Sensibilizar as instâncias oficiais competentes no sentido do reconhecimento do papel das famílias como prestadoras informais de cuidados;

Proporcionar informação científica e pedagógica para a promoção da saúde, a luta contra a doença, a prevenção de recaídas, a reabilitação psicossocial e a inserção social dos doentes;

Promover acções de investigação, informação e formação, com destaque para o combate ao estigma e exclusão social e a abertura a uma cultura de cidadania, co-responsabilidade e solidariedade;

Colaborar com instâncias oficiais centrais e locais e cooperar com instituições nacionais e estrangeiras que prossigam fins similares;

Promover a publicação de documentação especializada no âmbito da associação.

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Page 36: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

III – TESTEMUNHO REAL

“Tudo começou (agora tenho consciência) numa noite fria de Inverno. Chovia

torrencialmente… Saíra há pouco tempo de casa dos meus avós, para ir viver com o pai

da minha filha. Depois de um dia de trabalho, preparo o jantar e espero que o meu

companheiro chegue. De repente toca o telefone, era ele dizendo-me para não esperar

por ele, pois iria fazer serão. Conformada, janto sozinha, arrumo a cozinha. Acendo um

cigarro, vou fumá-lo para a varanda. Continuava a chover… Subitamente começo a

ouvir passos vindos do meu quarto. Entrei em pânico, meu coração batia

descompassadamente. Era impossível ser alguém, pois estava sozinha! Continuava a

ouvi-los cada vez mais próximos de mim! Não via ninguém, e o ruído era cada vez mais

assustador… estava estática, de tanto medo que senti. Nessa noite, não "preguei olho".

Além dos passos, ouvia vozes de gente que não conhecia. Eram gritos aflitos de quem

precisava de ajuda. O que seria? Perguntava a mim mesma. Não contei a ninguém… O

tempo foi passando, e eu a olhos vistos piorava, continuando a não pedir ajuda, pois

achava que eram almas perdidas, pedindo-me auxílio. Fui a várias "videntes"e todas

elas me davam a mesma resposta: "É médium!" Estava assustadíssima. Não comia, não

dormia, começara a ter problemas no trabalho. Era uma incompreendida! (achava eu)

Entretanto engravido. Por incrível que pareça os sintomas da doença foram

diminuindo. Passei, a gravidez, sem sobressaltos. Apesar de continuar, a ver, sentir,

cheirar… (com menos intensidade).

Nasce a Sara, e retomo a minha vida: trabalho, bebé, marido. Estava feliz! Mas más

notícias aguardavam-me. Minha querida avó falecera. Foi o choque. Nova recaída.

Achava que o espírito dela estava comigo, perseguia-me, por todo o lado, não para me

fazer mal, mas sim para me proteger e à minha filha.

Depois de 4 anos de união, separo-me. Vou para casa da minha (falecida) mãe. Foi

uma fase difícil, pois tinha que trabalhar, noite e dia para criar a minha filhota. Para

além dos sintomas já citados, sentia-me, triste, angustiada, vazia, pois a vida não me

sorria, parecia que o azar me perseguia. Fartava-me de trabalhar e nada tinha.

Relacionamentos falhados, excesso de trabalho, a incompreensão por parte dos meus

pais (achavam que estava metida na droga). Fui ao fundo do poço, julgava adivinhar o

futuro dos "meus amigos", tirei cartas, tinha visões de figuras bíblicas (incluindo

Jesus). Eu achava que era um "ser especial". Até conhecer o pai do meu filho. Estava

feliz (novamente) tinha uma casa, um bom ordenado, e mais abençoada com o meu

segundo filho. Tudo piorou 2 anos depois. Estava desequilibrada! Não conhecia

ninguém, não comia, não dormia, não cuidava da casa, faltava constantemente ao

/CDuque 2008-11-14 35

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

trabalho. Só queria estar em Igrejas pois pensava, que era "solo sagrado" estando lá,

os espíritos largavam-me. Mas na realidade era bem diferente!

Estava a perder o juízo.

Fui abandonada pelo pai do meu filho.

Humilhou-me, tirou a minha dignidade, o meu filho, o meu dinheiro, a minha casa…

finalmente fui internada. Comecei a ter consciência do que estava a acontecer.

Nos primeiros 15 dias, continuava a viver no mundo da ilusão. Tinha medo… medo de

não ser boa pessoa, boa esposa, boa mãe, boa filha, boa irmã…

Mas graças ao médico que me assiste, a quem devo a minha gratidão tenho esperança

de um dia poder contar, principalmente aos meus filhos, o porquê do meu sofrimento,

meu, e de quem gosta de mim.

Presentemente, não tenho tido recaídas. Mas não me sinto como há 10 anos atrás. Era

uma rapariga alegre e desinibida.

Hoje sinto-me mais retraída, mais apática, por vezes com falta de iniciativa,

complexada (engordei 40 Kg) por vezes triste, pois quem eu julgava ser meu amigo,

simplesmente ignorava-me, achando que sou doida. Mas apesar de tudo isto, tomei

consciência da realidade e do meu problema, e tudo farei, dentro das minhas

limitações, para conquistar o meu amor próprio e o respeito por mim mesma e

simplesmente aceitar a minha actual condição.

Faço-o por mim, pelos meus filhos e irmãos. (Tenho um irmão que sofre da mesma

doença.)”

Paula Santos

IV – CONCLUSÃO

A esquizofrenia foi durante muitos anos sinónimo de exclusão social. Estes doentes

eram, até há algum tempo atrás, frequentemente colocados em hospitais psiquiátricos ou

asilos para doentes mentais, ficando nestes locais durante muitos anos ou até o resto das

suas vidas.

A doença não é anónima. Tem nome. O nome é “esquizofrenia”. Não envergonha

ninguém. E se alguns usam o termo “esquizofrénico” com o intuito de ofender outra

pessoa deviam pensar melhor, pois o nome de uma doença, que aflige pessoas e

familiares, deve ser respeitado!

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Page 38: Esquizofrenia &Parentalidade

Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

O nome não deve assustar. Maior problema está em não diagnosticar a tempo para

evitar uma maior deterioração ou minimizar a doença. Ou não fazer a terapêutica certa

para evitar recaídas e o consequente agravamento. A pessoa com esquizofrenia é uma

pessoa. Pensa, sente, avalia, age, tem as suas ideias sobre o que se passa consigo

próprio. Tem desejos, poderá ter projectos. Assim que lhe criem as condições de apoio

para o seu tratamento e recuperação para uma vida social activa. A pessoa pode e deve

ser, com todo o tacto, no momento certo, levada a saber sobre a doença, sobre os

sintomas e como evitá-los, sobre os tratamentos, etc. Deve poder aprender a queixar-se,

a saber avaliar os efeitos do tratamento, deve saber reivindicar os seus direitos, pode e

deve “desalienar-se” numa interacção aberta com os outros.

Por sua vez, o público em geral tem ainda muito que aprender sobre as doenças

psiquiátricas: são as doenças que mais dizem sobre a natureza humana, um livro por

abrir sobre os nossos limites e fragilidades.

A pessoa fala, tem direito à palavra, tem direito a ser ouvida, tem direito a ser

respeitada, mesmo no seu desacerto temporário ou persistente. Tem direito a saber mais,

a aprender, a ser reconhecida. Mas mal iríamos se, num grande salto para o erro, a

doença fosse subestimada, considerada nada, como se não existisse já, como se a

pessoa, por ter estatuto igual, pudesse ser sujeita ao mesmo stress, às agruras da vida,

sem protecção, sem apoio, sem a primazia do direito à saúde mental, só possível através

do conveniente tratamento psiquiátrico, incluindo uma necessária hospitalização ou vida

apoiada.

Mal seria que não se desse a devida atenção aos limites e às possibilidades de cada um,

num voluntarismo desajustado, apenas válido para ensaios políticos e bonitos currículos

sem contacto real com pessoas portadoras de esquizofrenia. A dimensão da saúde

mental não se mede pelo rendimento da pessoa. Poderá medir-se pela aceitação do que

melhor se ajusta a cada pessoa sem prejudicar a saúde e o equilíbrio.

Fingir que a pessoa portadora de esquizofrenia não tem dificuldades e limitações é uma

normalização fictícia, inconsciente da realidade da doença e ignorante dos princípios

humanistas.

No que se refere particularmente ao esquizofrénico enquanto pai e/ ou mãe talvez os

maiores problemas sejam, realmente, na esfera da atenção parental e na possibilidade da

transmissão genética da esquizofrenia. Geralmente, apenas 30% das crianças filhas de

pacientes com problemas psiquiátricos graves (Psicose Puerperal, Esquizofrenia e

Episódios agudos de Transtorno Bipolar) recebem atenção parental satisfatória.

A melhor conduta que se pode idealizar, na questão das pacientes esquizofrénicas e do

ponto de vista científico, é prevenir a gravidez. Conhecendo os riscos, a própria paciente

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

ou, mais provavelmente, os familiares, devem optar por algum método anticonceptivo

constante ou até definitivo.

Eticamente, não se pode proibir que as pacientes psicóticas engravidem. Caso isso

aconteça, as atenções pré-natais devem ser redobradas, valendo-se de um psiquiatra

juntamente com o obstetra e com o apoio da família é possível que os pais

esquizofrénicos consigam educar os seus filhos.

Como já referimos a família tem um lugar essencial, sendo que quase sempre os

familiares são os maiores conhecedores das verdadeiras necessidades dos utentes,

necessidades assistenciais, reabilitativas, ocupacionais, habitacionais, jurídicas,

patrimoniais, etc… Uma família saudável, abnegada, dedicada, cria condições para uma

recuperação mais conseguida. Por outro lado um tecido familiar destruído, com

carências, pobreza, discórdia, terreno fértil para a pessoa doente ser mais um mal para

os outros e para o próprio.

Em suma podemos concluir que a esquizofrenia, pelas suas características, requer uma

abordagem terapêutica abrangente. É por isso necessário intervir não só ao nível

farmacológico, controlando os sintomas da doença, como também é importante intervir

ao nível social, psicoterapêutico, psicoeducativo, familiar e ocupacional… para que

serve controlarmos os sintomas da doença se não apoiamos o doente na sua reintegração

social? É importante para estes doentes sentirem que podem voltar a ter uma

oportunidade em desempenharem um papel activo na sociedade. E nós, como futuros

enfermeiros, vamos ter um papel essencial… é necessário acabar com esta

discriminação!

V – BIBLIOGRAFIA

AFONSO, Pedro – Esquizofrenia: Conhecer a Doença. 2ª Edição; Lisboa; Climepsi

Editores; 2002

AMARO, Thierry; DALERY, Jean – A Esquizofrenia: Investigações actuais e

perspectivas. 1ª Edição; Lisboa; Climepsi Editores; 2001

BASTEIRO, Sílvia; GIL, Carmen; MARÍN, Remédios – Guia para Familiares de

Doentes Mentais. 1ª Edição; Lisboa; Edições FNAFSAM; 2003

BRAGANÇA, Miguel; MATOS, Manuel; SOUSA, Rui – Esquizofrenia de A e Z. 1ª

Edição; Lisboa; Climepsi Editores; 2003

CASTLE, David; KULKARNI, Jayashri; McGRATH, John – As Mulheres e a

Esquizofrenia. 1ª Edição; Lisboa; Climepsi Editores; 2003

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Parentalidade e Esquizofrenia Ano lectivo 2006-2007 Psicologia V

CUNHA, Inês; DINIS, Marina; NOBRE, Alice – A(s) Esquizofrenia(s). Lisboa;

Nastintas; 2001

Sites Consultados

http://www.aeape.pt

http://www.openthedoors.com/

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