COMPLIANCE PÚBLICO: O DESAFIO CONTEMPORÂNEO

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COMPLIANCE PÚBLICO: O DESAFIO CONTEMPORÂNEO Cristina Barbosa Rodrigues 1 Arthur Bezerra de Souza Junior 2 Miguel Ângelo Marques 3 RESUMO Como resultado de diversos acordos internacionais firmados e ratificados pelo Brasil no tocante ao combate à corrupção, foi inserida no ordenamento jurídico nacional a chamada Lei Anticorrupção Empresarial, a Lei nº 12.846/2013, a qual confere ao Poder Público instrumentos para responsabilizar as corporações privadas e seus representantes que, na 1 Professora Universitária, Mestre em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, Pós-Graduada em Direito Administrativo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogada Especializada em Licitações e Contratos Públicos, Consultora de Órgãos Públicos Municipais e de Entidades do Terceiro Setor e autora de diversos artigos na área do Direito Administrativo. Email: [email protected] 2 Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito (Justiça, Empresa e Sustentabilidade) pela Uninove – Universidade Nove de Julho. Especialista em Direito Processual pela UNISUL. Professor Universitário. Advogado. Email: [email protected] 3 Doutorando e Mestre em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Professor na Universidade Paulista – UNIP, onde leciona as disciplinas de Direito Internacional Público, Direito Internacional Privado e Direitos Fundamentais . Email: [email protected]

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COMPLIANCE PÚBLICO: O DESAFIO CONTEMPORÂNEO

Cristina Barbosa Rodrigues 1

Arthur Bezerra de Souza Junior2

Miguel Ângelo Marques3

RESUMO

Como resultado de diversos acordos internacionais firmados e ratificados pelo Brasil no

tocante ao combate à corrupção, foi inserida no ordenamento jurídico nacional a chamada

Lei Anticorrupção Empresarial, a Lei nº 12.846/2013, a qual confere ao Poder Público

instrumentos para responsabilizar as corporações privadas e seus representantes que, na

1 Professora Universitária, Mestre em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU, Pós-Graduada

em Direito Administrativo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogada Especializada em Licitações e

Contratos Públicos, Consultora de Órgãos Públicos Municipais e de Entidades do Terceiro Setor e autora de

diversos artigos na área do Direito Administrativo. Email: [email protected]

2 Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito

(Justiça, Empresa e Sustentabilidade) pela Uninove – Universidade Nove de Julho. Especialista em Direito

Processual pela UNISUL. Professor Universitário. Advogado. Email: [email protected]

3 Doutorando e Mestre em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.

Professor na Universidade Paulista – UNIP, onde leciona as disciplinas de Direito Internacional Público, Direito

Internacional Privado e Direitos Fundamentais . Email: [email protected]

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atuação junto à Administração Pública, agem em desconformidade com as normas vigentes,

e obter o ressarcimento do erário em face de atos de corrupção e fraudes praticadas nessa

relação. Assim, considerando que os programas de compliance, previstos na aludida norma,

constituem verdadeiros mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia

de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da

empresa privada, é imperioso que Administração Pública, com auxílio do seus sistemas de

controle, também estabeleça políticas e programas de integridade nos seus diversos

órgãos e entidades no cumprimento da sua missão de zelar pelo interesse público,

protegendo os recursos arrecadados na sociedade das condutas corruptas, que dilapidam o

patrimônio público, cumprindo os ditames dos princípios constitucionais que pautam a sua

atuação.

Palavras Chave: Compliance; Administração Pública; Empresa Pública; Interesse Público

ABSTRACT

As a result of several international agreements signed and ratified by Brazil in relation to the

fight against corruption, the so-called Corporate Anti-Corruption Law, Law No. 12,846 /

2013, has been inserted into the national legal system, which gives the Public Power

instruments to hold corporations accountable and Their representatives acting in the Public

Administration act in disagreement with current regulations, and obtain reimbursement of

the treasury in the face of acts of corruption and fraud practiced in this relationship.

Considering that the compliance programs provided for in the aforementioned standard are

real internal mechanisms of integrity, auditing, encouraging the reporting of irregularities

and the effective application of codes of ethics and conduct within the scope of private

enterprise, it is imperative that Public Administration , With the help of its control systems,

also establish policies and programs of integrity in its various organs and entities in the

fulfillment of its mission of guarding the public interest, protecting the resources collected in

society from corrupt conduct that squander public assets, fulfilling The dictates of the

constitutional principles that guide their performance.

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Keywords: Compliance; Public administration; Public company; Public interest

Sumário: 1- Introdução; 2- O Compliance no Poder Público; 3- Conclusão; 4-Referências

Bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

Da leitura dos princípios que regem a administração pública, explicitados no

artigo 37 da Constituição Federal de 1988, os quais enfocam a legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e a eficiência como vetores da gestão pública, nota-se a evidente

preocupação de afastar a corrupção das entranhas da estrutura estatal, na medida que tais

comandos da Carta Magna consolidam o oposto do que se obtém com as práticas corruptas,

as quais, no entendimento do homem médio, configuram a vantagem ilícita, a fraude, a

falsificação, o peculato, o suborno, o clientelismo, entre outras condutas que desvirtuam e

desconfiguram os ideais republicanos de igualdade e democracia.

Contudo, é forçoso reconhecer que a corrupção não é um conceito fácil de

definir, posto que é um fenômeno complexo, passível de análise a partir de múltiplas

perspectiva e, ainda que não exista uma definição positivada acerca do que, efetivamente,

consiste a corrupção, verifica-se um forte consenso de que ela é um ato portador de grande

nocividade, com potencial de afetar negativamente o desenvolvimento econômico-social

do país onde se instala e se expande (LUZ, 2011, p. 429-470) contaminando o funcionamento

das instituições públicas e privadas, que não mais agem em conformidade com as diretrizes

do ordenamento jurídico vigente, mas em prol de interesses de grupos econômicos, que

através dela se perpetuam no poder.

Envolto a esse cenário, foi aprovada no Brasil chamada lei anticorrupção

empresarial - Lei nº 12.846/2013 - que diante de acordos internacionais firmados em

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convenções da ONU,4 da OEA5 e, principalmente da OCDE6, conferiu ao Poder Público

instrumentos para responsabilizar as corporações privadas e seus representantes e obter o

ressarcimento do erário em face de atos de corrupção e fraudes praticadas por pessoas

jurídicas e seus agentes, especialmente nas licitações públicas e na execução dos contratos

administrativos, exigindo dessas instituições a criação, implantação e efetiva aplicação de

normas de condutas íntegras e compatíveis com o seu âmbito de atuação e respectiva

legislação (GABARDO; CASTELLA, 2015, p. 115).

Tal norma, ao ser incorporada no ordenamento jurídico vigente passou a

integrar, nos dizeres de Diogo de Figueiredo Moreira Neto e o chamado “sistema legal de

defesa da moralidade”, composto pela Lei nº 8.429/1992, Lei de combate à improbidade

administrativa, pela parte penal da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (artigos 90

et seq. da Lei nº 8.666/1993), pela Lei nº 12.529/2011, Lei de Defesa da Concorrência, pela

Lei Complementar nº 135/2010, Lei da Ficha Limpa e pelo artigo 312 do Código Penal, que

disciplinam os crimes praticados contra a Administração Pública (MOREIRA NETO; FREITAS,

2014, p. 09-20), normas que ainda não se aplicavam com a devida efetividade tocante às

empresas privadas e seus dirigentes.

Com a entrada em vigor da Lei 12.846/2013, tornou-se relevante o

desenvolvimento dos programas de compliance pelas pessoas jurídicas, principalmente as

que atuam junto ao Poder Público, a fim de serem detectadas, processadas e solucionadas

condutas condenadas nessa lei anticorrupção no âmbito interno da empresa, providências

capazes de amenizar as possíveis sanções, no âmbito administrativo ou judicial, decorrentes

do comportamento em desconformidade com as norma vigentes para o seu ramo de

atuação.

4 BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a

Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil

em 9 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasíl ia. DF, 1º fev.

2000. 13

5 BRASIL. Decreto nº 4.411, de 07 de outubro de 2002. Promulga a Convenção Interamericana contra a

Corrupção, de 29 de março de 1996, com reserva para o art. XI, parágrafo 1º, inciso “c”. Diário Oficial da União

[da] República Federativa do Brasil, Brasíl ia, DF, 08 out. 2002

6 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Relatório sobre aplicação

da convenção sobre o combate ao suborno de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais

internacionais da OCDE de dezembro de 2007. Disponível em. http://www.cgu.gov.br/assuntos/articulacao-

internacional/convencao-da-ocde/arquivos/avaliacao2_portugues.pdf/view. Acesso em: 29/07/2017.

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Conforme assevera o artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção das empresas, os

programas de compliance se constituem de mecanismos e procedimentos internos de

integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de

códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica privada. Tal dispositivo teve sua

redação espelhada no artigo 12, 2, “f”, do Capítulo II, da Convenção das Nações Unidas

Contra a Corrupção7, que trata de medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas

contábeis e de auditoria no setor privado.

Nessa esteira, havendo por parte do setor privado todo um movimento no

sentido de implantar e seguir programas de integridade, buscando que o exercício da

atividade empresarial seja realizado em conformidade com regras estatutárias e legais em

vigor, torna-se essencial que Administração Pública, com auxílio do seus sistemas de

controle, estabeleça políticas e programas de integridade no cumprimento da sua missão

de zelar pelo interesse público, protegendo os recursos arrecadados na sociedade das

condutas corruptas, que dilapidam o patrimônio público, em estrita observância aos

princípios constitucionais que moldam a sua atuação, dentre os quais a legalidade,

impessoalidade, moralidade publicidade e a eficiência.

2. O COMPLIANCE NO SETOR PÚBLICO

7 “Artigo 12 - Setor Privado

1. Cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, adotará

medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria no setor privado, assim

como, quando proceder, prever sanções civis, administrativas ou penais eficazes,

2. As medidas que se adotem para alcançar esses fins poderão consistir, entre outras coisas, em:

(...)

f) Velar para que as empresas privadas, tendo em conta sua estrutura e tamanho, disponham de suficientes

controles contábeis internos para ajudar a prevenir e detectar os atos de corrupção e para que as contas e os

estados financeiros requeridos dessas empresas privadas estejam sujeitos a procedimentos apropriados de

auditoria e certificação;” disponível em:

www.unodc.org/documents/lpobrazil/Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf . Acesso em

29/07/2017.

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O significado do termo compliance tem origem na língua inglesa e significa

conformidade com as normas, diretrizes de certa empresa ou instituição, tanto no

contexto interno como externo, com o objetivo de, com a implantação de mecanismos que

almejam um padrão ético-comportamental no ambiente corporativo, prevenir ilícitos que

afetem sua governança e reputação, bem como possibilitar uma adequada gestão de riscos

da atividade empresarial.

Com efeito, referido comportamento promove uma cultura de boa governança

corporativa e de observância às regras no ambiente empresarial, por parte de todos

colaboradores, de todos os escalões na estrutura hierárquica para que a empresa possua

segurança institucional e jurídica no seu ramo de atuação, bem como transmita aos seus

consumidores e fornecedores essa segurança.

Tal conduta tem como expoente o Foreign Corrupt Practices Act, lei americana

anticorrupção no âmbito internacional que entrou em vigor os EUA em 1977, instituindo

sanções cíveis, administrativas e penais à pessoas e empresas americanas que, em atividade

comercial no exterior, praticam corrupção para obter vantagem nas transações comerciais

que realizam com outros países, criando uma estrutura administrativa para combater tais

ilegalidaes, com possibilidade de redução das sanções aplicadas às empresas violadoras

quando estas implantam em suas organizações programas de compliance.

Nesse diapasão, verifica-se que, por meio dos programas de compliance, os

integrantes de uma corporação reforçam seu compromisso com os valores e objetivos

explicitados, primordialmente com o cumprimento da legislação. Esse objetivo requer não

apenas a elaboração de uma série de procedimentos, mas também uma mudança na cultura

corporativa.

Contudo, vale frisar que o programa de compliance de uma organização apenas

terá resultados positivos quando conseguir incutir nos colaboradores da organização a

importância das condutas adequadas, demonstrando suas vantagens, sendo que:

A estratégia mais ampla deve ser a de incorporar o compliance

à cultura de negócios da empresa, de modo que não seja

possível dissociar seu comprometimento com a observância

das leis de suas normas internas. A partir daí, o programa

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correrá menor risco de ser visto como um entrave para o

alcance das metas de performance e passará a ser considerado

e incorporado como parte das regras fundamentais do

negócio. (CADE, [201?], p.10)

Vale asseverar também que o comportamento correto não se restringe às regras

ou procedimentos internos, posto que:

referidos programas são desenvolvidos a partir de um

mecanismo regulatório paradigma que visa, entre tantos

objetivos, a prevenção dos atos ilícitos praticados por

funcionários, tanto no interior quanto no exterior de uma

empresa. Ou seja: a regra matriz não cobra um

comportamento ético, consoante as normas morais e legais de

boa conduta, apenas dentro do ambiente corporativo, senão

também nas relações que a empresa tem com a sociedade, aí

inclusa a relação com seus fornecedores, seus consumidores e

com o próprio Estado. (BREIER, 2015, p.51)

Ademais disso, nesse contexto, depreende-se que:

Um programa de compliance raramente abarcará a legislação

pertinente a apenas um setor ou endereçará apenas um tipo

de preocupação. O mais comum é que os programas tratem

simultaneamente de diversos aspectos e diplomas normativos.

Por isso, cada agente econômico deve levar em consideração

suas próprias particularidades quando da implementação de

um programa de compliance. (CADE, [201?], p.09)

Na prática, a formalização dos programas de compliance concretiza-se com a

sistematização dos denominados códigos de conduta, que nos dizeres de Rosa Morato

Garcia representam:

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O instrumento regulatório que contém o sistema de

orientações para que a empresa adote como forma de

integração de valores e de práticas estratégicas para sua

melhor organização, visando principalmente a incorporação de

princípios fundamentais para a efetivação de sua função no

meio social. Todas as regras de qualquer Código de Conduta

empresarial estão intimamente relacionadas com práticas

éticas na condução negocial de qualquer natureza. Uma

corporação empresarial que tenha um efetivo Código de

Conduta, aliás uma exigência já em várias políticas

internacionais como em várias legislações locais, como forma

de combate a corrupção, está fortalecida, principalmente pela

transparência, confiabilidade e segurança de como atua no

mercado. (MORATO GARCÍA, 2011, p.414)

Em paralelo aos mencionados programas de integridade do setor privado,

notadamente das empresas que contratam com o Poder Público, um dos grandes desafios

atuais da Administração Pública brasileira em todas as esferas de poder é a implantação

efetiva de programas de compliance customizados e adaptados às peculiaridades inerentes à

gestão pública, criando um padrão integrado de governança transparente e responsável no

tocante à fiscalização, gestão e gasto dos recursos arrecadados na sociedade para a

consecução do interesse público.

Nesse diapasão, tornou-se essencial promover a integração e o aperfeiçoamento

das regras de compliance, notadamente nas áreas em que há convergência de interesses

públicos e privados que, embora aparentemente distintos, devem trilhar o mesmo caminho:

o do cumprimento das regras estabelecidas para esse vínculo, notadamente os princípios

constitucionais, que de um lado prestigiam a livre iniciativa, mas por outro, asseveram

comandos basilares para o agir do administrador público. Comandos estes que se revelam,

em especial no artigo 37 da Carta Magna, os quais impõem a observância da legalidade, da

impessoalidade, moralidade, publicidade e da eficiência.

Especialmente no tocante ao princípio da legalidade, temos que a Administração

Pública e seus gestores devem se pautar nos estritos comandos legais, ou seja, agir em

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conformidade com as normas do ordenamento jurídico vigentes, posto que, conforme

assevera Celso Antônio Bandeira de Melo:

o princípio da legalidade é da completa submissão da

Administração às leis. Essa deve então tão-somente obedecê-

las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos

os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o

Presidente da República, até o mais modesto dos servidores,

só pode ser a de a de dóceis, reverentes, obsequiosos

cumpridores das disposições gerais fixadas pelo poder

legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito

Brasileiro. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, P. 101)

Ainda no contexto do compliance público, importante ainda é o princípio da

moralidade administrativa, na medida em que:

de acordo com ele, Administração e seus agentes têm de

atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará

violação do próprio Direito, configurando ilicitude que

assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal

princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do

art. 37 da Constituição. (BANDEIRA DE MELLO, 2011, P. 119)

Contudo, é importante também ressaltar o vínculo estreito entre a legalidade e a

moralidade administrativa, posto que, conforme ensina Márcio Cammarosano, o princípio da

moralidade administrativa não é uma remissão da moral comum, mas está reportado aos

valores morais albergados nas normas jurídicas. (CAMMAROSANO, 2006)

Nesse trilhar, constata-se que o compliance público pode ser identificado como

um programa de moralidade pública inserido num sistema de controle, de matriz

constitucional, mediante criação, implantação, gestão e fiscalização de medidas

institucionais com mecanismos e procedimentos de integridade, análise e gestão de riscos,

comunicação, auditoria, monitoramento e denúncia que tenham por meta impor ao órgão

ou entidade a atuação em conformidade, ou seja, de acordo com as diretrizes internas e

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externas que lhes são peculiares, assegurando o seu desempenho pleno, em conformidade

com a legislação vigente, a qual, inclusive, deve plena submissão.

Entretanto, o compliance da Administração Pública, embora inserido no sistema,

não deve se limitar aos parâmetros de controle interno estatal, delineados no artigos 70 e

74 da Carta Magna, pois este trata da regulação que busca a eficiência e eficácia, distribuída

em camadas que se controlam mutuamente, dado que o setor público, como forma de

organização, não é sujeito diretamente aos mecanismos de governança do mercado (BRAGA;

GRANADO, 2017), impedindo o seu aperfeiçoamento também em razão da concorrência e

do risco do abalo causado pela má reputação, ainda que a efetivação das sua políticas

públicas possam trazer riscos relacionados à conformidade com as normas e princípios legais

norteadores da atividade estatal.

Até porque, com a concorrência, com a disputa por mercados

(...) os agentes privados que não são eficientes tendem a

desaparecer pela concorrência e temos a

Regulação/Compliance funcionando como freio para as suas

externalidades negativas. No setor público, a regulação busca

dimensões de conformidade e desempenho que coexistem, e

nesse sentido, a Administração Pública precisa transcender

somente a discussão de Compliance, como preconizado para o

setor privado, agregando a esta uma dimensão finalística, de

igual estatura, no contexto dos riscos de uma Política Pública

não lograr êxito. (BRAGA; GRANADO, 2017, p.72)

É importante mencionar ainda que o art. 41 do Decreto nº 8.420/2015 definiu

que “Programa de Integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de

mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de

irregularidade e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes

com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados

contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.

Nesse sentido, podemos concluir que um sistema de gestão de integridade no

âmbito da administração pública:

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diz respeito a um conjunto de arranjos institucionais,

regulamentações, instrumentos de gerenciamento e controle,

além do fortalecimento de valores éticos com o objetivo de

promover a integridade, a transparência e a redução do risco

de atitudes que violem os padrões e políticas formalmente

estabelecidos. A gestão da integridade envolve a coordenação

de atores e a utilização de instrumentos que perpassam

diversas áreas de uma entidade pública, tais como Comissão

de Ética, Auditoria Interna, Gestão de Riscos, Recursos

Humanos, Corregedoria, Jurídico, Área Contábil, Controles

Internos, Gestão de Documentos, etc. (BRASIL, 2015, p. 13)

Neste cenário, cumpre frisar que há no Brasil um arcabouço jurídico, construído

paulatinamente em decorrência do amadurecimento e da maior participação da sociedade,

já em vigor, que chancela e consolida a perspectiva do compliance sob o prisma da

Administração Pública, dentre as quais podemos mencionar a Lei de Responsabilidade

Fiscal, Lei Complementar 101/2001, Lei Anticorrupção, Lei n.º 12.846/2013, a Lei do Acesso

a Informação, Lei nº 12.527/2011 e o Estatuto Jurídico da Empresa Pública, da Sociedade de

Economia Mista e suas Subsidiárias no âmbito da União, dos Estados, do Dis trito Federal e

dos Municípios, Lei 13.303/2016, que impõem a imediata adoção de verdadeiras medidas de

compliance, com concretos programas de integridade devidamente sistematizados de forma

personalizada para os diversos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública

Direta e Indireta, sem os quais não sobreviverá o nosso Estado Democrático de Direito, cujos

alicerces, inclusive, já estão fissurados pela corrupção.

3. CONCLUSÃO

Conforme acima aduzido, constata-se que em meio a um ambiente de corrupção

endêmica e diante de acordos internacionais firmados para combatê-la, notadamente no

âmbito internacional, foi criada no Brasil chamada Lei Anticorrupção Empresarial,a Lei nº

12.846/2013, a qual confere ao Poder Público instrumentos para responsabilizar os

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responsáveis e obter o ressarcimento do erário em face de atos de corrupção e fraudes

praticadas por pessoas jurídicas privadas e seus agentes no trato com a Administração

Pública, especialmente nos certames públicos e na execução dos contratos administrativos

deles resultantes, exigindo dessas instituições a criação, implantação e efetiva aplicação de

normas de condutas íntegras e compatíveis com a legislação disciplinadora da sua atuação

empresarial.

Nessa seara, consta-se que com a entrada em vigor da Lei 12.846/2013, tornou-

se relevante o desenvolvimento dos programas de compliance pelas pessoas jurídicas,

principalmente as que atuam junto ao Poder Público, a fim de serem detectadas,

processadas e solucionadas condutas previstas na lei anticorrupção no âmbito interno da

empresa, providência capaz de amenizar as possíveis sanções, sejam administrativas ou

judiciais decorrentes do comportamento em desconformidade com as norma vigentes para

o seu ramo de atuação.

Nesse diapasão, conforme assevera o artigo 7º, inciso VIII, da Lei Anticorrupção,

com amparo nas orientações da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, que

tratou de medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria

no setor privado, os programas de compliance se constituem em mecanismos e

procedimentos internos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e

a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.

Dessa forma, no seio do ordenamento jurídico brasileiro, a Lei Anticorrupção da

Empresas passou a integrar o conjunto de normas já existentes sobre improbidade

administrativa, de defesa do patrimônio público, de responsabilidade fiscal, transparência

e moralidade que representam também um conjunto de iniciativas definidoras de um

verdadeiro programa de compliance público, na medida em que impõem aos gestores

públicos comportamentos que além de legais, sejam éticos, responsáveis e, notadamente,

transparentes para que os controles internos e externos, aos quais se sujeitam a

Administração Pública, garantam a conformidade de sua atuação em face do interesse

público diante da sua constante integração com a iniciativa privada, resultando num

completo e integrado sistema de controle da integridade público-privada.

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4. REFERÊNCIAS BIBLOGRÁFICAS

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