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2 Unidade 32 Nesta Unidade Introdução ........................................ 32 Os Primeiros Filósofos: os chamados Filósofos da Natureza ................... 33 Considerações ................................. 55 Referências Bibliográficas ........... 56 Referências Midiáticas .................. 56 Atividades Veja no Guia da Disciplina as ativi- dades propostas para esta unidade. Filosofia da Educação [Início da Filosofia] Pedagogia – EAD Introdução N a unidade anterior você pôde perceber que o conheci- mento possui diversas ramificações, sendo que enfatiza- mos os conhecimentos científicos e o senso comum. Agora, nesta unidade iremos conhecer um pouco sobre o “mito”, os primeiros filósofos APRENDA A APRENDER: Além de consultar as informações práticas sobre o estudo desta unidade apresentadas no texto principal para pro- gramar seus estudos, é importante que você procure criar um ambiente que permita o máximo possível de concen- tração para ampliar a construção de seus conhecimentos. Para tanto, antecipe o que vai precisar e deixe tudo à mão: livros, apostilas, anotações, dicionário. Se for utilizar o computador, abra os arquivos que serão necessários ou úteis e avise a todos que vai estudar. Imagem 1: “A Escola de Atenas”, Rafael di Sanzio (1483-1520)

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Nesta Unidade

• Introdução ........................................ 32

• Os Primeiros Filósofos: os chamadosFilósofos da Natureza ................... 33

• Considerações ................................. 55

• Referências Bibliográficas ........... 56

• Referências Midiáticas .................. 56

AtividadesVeja no Guia da Disciplina as ativi-dades propostas para esta unidade.

Filosofia da Educação[Início da Filosofia]

Pedagogia – EAD

Introdução

Na unidade anterior você pôde perceber que o conheci-mento possui diversas ramificações, sendo que enfatiza-mos os conhecimentos científicos e o senso comum.

Agora, nesta unidade iremos conhecer um pouco sobre o “mito”, os primeiros filósofos

APRENDA A APRENDER:Além de consultar as informações práticas sobre o estudo desta unidade apresentadas no texto principal para pro-gramar seus estudos, é importante que você procure criar um ambiente que permita o máximo possível de concen-tração para ampliar a construção de seus conhecimentos. Para tanto, antecipe o que vai precisar e deixe tudo à mão: livros, apostilas, anotações, dicionário. Se for utilizar o computador, abra os arquivos que serão necessários ou úteis e avise a todos que vai estudar.

Imagem 1: “A Escola de Atenas”, Rafael di Sanzio (1483-1520)

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Os Primeiros Filósofos: oschamados Filósofos da Natureza

“No princípio era o Verbo.”

Essa é a frase que inicia uma das mais conhecidas narrativas que o mundo conhece e que representa um conjunto de valores que há mais de dois mil anos, vêm influenciando boa parte da humanidade.

Ao estudarmos o início dos primeiros esforços de entendi-mento da realidade praticados pelos gregos a frase inicial poderia ser: No princípio era o Mito.

Antes de prosseguirmos, porém, cabe aqui uma pequena expli-cação do por que começarmos a falar sobre a filosofia discutindo os gregos.

A Grécia é o chamado berço da Civilização Ocidental.

O que é a Civilização Ocidental? É a nossa civilização. A minha, a sua, a civilização que conhecemos e na qual vivemos.

Ela se difere da chamada Civilização Oriental. Só para dar-mos um pequeno e elucidativo exemplo. Quando houve, em 11 de Setembro de 2001 o ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York nos Estados Unidos da América, muito se falou numa guerra entre duas civilizações: a do Oriente contra a do Ocidente.

De um modo bem simples, podemos dizer que a civilização Ocidental é uma civilização que se caracteriza pelo sistema capita-lista de produção, por ter o cristianismo como a religião da grande maioria de sua população (considerando as duas grandes vertentes do cristianismo: o catolicismo e o protestantismo), por um acen-tuado individualismo, por ser uma civilização que se orienta, em quase todos os seus atos, pelo conhecimento científico. É claro que, nem de longe, essa é uma definição da sociedade ocidental, mas como não é este o nosso tema e como é preciso uma prévia definição, fiquemos com essa.

Observe também que a civilização ocidental não se define por

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uma mera questão geográfica, embora a questão geográfica precise ser levada em conta quando nos referimos a essa civilização.

A partir da Grécia, foi irradiado para os demais povos um modo de vida, uma forma de conceber a realidade, um jeito de se viver que, hoje, denominamos por Civilização Ocidental. Quando vamos estudar a história da filosofia, estudamos a história da filo-sofia no Ocidente. Muitos historiadores afirmam que será somente no Ocidente, pois é devido às características dessa civilização, que se forma a Filosofia.

Existe e existiu no Oriente um esforço que caminhou ou que procurou caminhar pelos caminhos percorridos pela Filosofia Ocidental. Contudo, dizem os estudiosos desse tema, foi somente no Ocidente que a Filosofia se desenvolveu.

Essa é uma outra questão que suscita muita discussão e debate. Não é esse o nosso objetivo. Estamos apenas marcando essa ques-tão, pois é necessário que assim o façamos para, a partir de agora, estudar o início desse caminhar, que é o surgimento da Filosofia no mundo grego e por extensão, na sociedade ocidental.

O mito e a realidade

O mito muitas vezes é associado e igualado às lendas e explica-ções simplistas do mundo, mas essa é uma visão equivocada. Presente em todas as civilizações e não somente nas chamadas civilizações “primitivas”, o mito é uma das formas que a humanidade elegeu para ajudá–la na compreensão da realidade na qual está inserida (ARANHA; MARTINS, 1993).

A explicação da realidade pelo mito não é uma explicação que passa pelo julgamento da razão. Ao contrário, essa explicação da realidade utiliza outros recursos como o conhecimento de senso comum, a emoção, a simbolização, a tradição, etc.

Antes de se começar a procurar uma explicação racional para a realidade, antes de os primeiros filósofos ou sábios começarem a fazer os seus questionamentos, encontramos narrativas que procuravam explicar a origem do universo, a origem das alegrias e tristezas do homem. Essas narrativas são compostas, são formadas pelos mitos.

Para dar continuidade aos seus estudos, é importante que não fiquem dúvidas para trás. Por isso, sugerimos que, se necessário, retome os conteúdos vistos até o momento.

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Duas dessas narrativas são a Ilíada e a Odisséia, obras atribuídas a Homero. A Ilíada conta a história da guerra de Tróia. Nessa história, é constante a intervenção dos deuses, ora ajudando ora conspirando contra os homens. O que é preciso lembrar dessas narrativas é a utilização de histórias para explicar as ações dos homens. Podemos dizer que é uma época em que o pensamento procura no mito as explicações para a realidade vivida. E a explicação que o mito proporciona satisfaz aos es-píritos dessa época.

Contudo, o mito como forma de explicar e entender a realidade, a partir de um determinado momento, começou a ser substituído por uma outra forma de explicação.Essa mudança ocorreu em vários lugares, em momentos distintos e em velocidades variadas, mas foi na Grécia que ocorreu a passagem do mito para uma forma racional, para um pensamento ordenado. Os pensadores que buscaram uma explicação diferente da explicação proporcionada pelo mito, procuravam entender qual o princípio de tudo, qual a substância ou qual o fundamento da realidade. Esses pen-sadores ficaram conhecidos, na história da filosofia como os filósofos pré–socráticos, pois de certa maneira, todos se diferenciam de Sócrates por ter em comum a busca do princípio que origina todo o conjunto da realidade.

A procura pelo princípio da realidade é uma questão que, na filosofia, denomina–se metafísica. A definição que encontramos de metafísica é “Ciência primeira, por ter como objeto o objeto de todas as outras ciências, e como princípio um princípio que con-diciona a validade de todos os outros.” (ABBAGNANO, 2003, p. 661). Por ciência primeira, podemos entender o esforço que se faz por procurar e conhecer o princípio de todas as coisas. É, portanto uma parte da filosofia que os filósofos denominam ontologia. A ontologia é a parte da filosofia que se ocupa do ser. O que é que estamos dizendo aqui? Vejamos a definição de um grande autor da filosofia sobre o significado desta palavra. “A ontologia, em termos

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gerais, se ocupa do ser, ou seja, não deste ou daquele ser concre-to e determinado, mas do ser em geral, do ser na acepção mais vasta e ampla desta palavra” (MORENTE, 1967, p. 57, grifo nosso).

Observe que a preocupação com o ser não é a preocupação que nos assola em nosso cotidiano, quando nos vemos frente a frente com a necessidade de reconhecimento dos múltiplos “se-res” com os quais travamos contato: nossa cama, nossa escova de dente, nosso carro, nosso caderno, nosso vizinho, etc. O ser que a ontologia se preocupa é um ser que só pode ser compreendido através de um exercício do pensamento. É esse exercício que os primeiros filósofos vão propor para que o ser primeiro, àquele que os demais seres (da poeira aos astros no céu) devem sua origem, seja descoberto e conhecido.

Com essas questões, é preciso que voltemos nossa atenção à palavra filosofia. Formada por duas palavras gregas, philos e sophia, a filosofia significa, literalmente, “amor à sabedoria” (MORENTE, 1967). Mas é preciso que fique claro aqui que a filosofia, com o tempo passará a significar a própria sabedoria. O filósofo é aquele que olha para o mundo e, ao invés de ver e aceitar o que vê, coloca tudo o que vê como um problema a ser pesquisado; vê a realidade como uma fonte de inquietações e indagações.

Foi justamente por esse espírito que os primeiros filósofos começaram a “desconfiar” da realidade que nos cerca. O que é a realidade que nos cerca? Do que essa realidade é composta?

Para o homem comum, essa realidade é formada por coisas: a árvore, a pedra, o rio, as nuvens etc. Essa pergunta satisfaz ao homem comum. Satisfaz e sempre satisfez ao longo do tempo. Mas ao filósofo essa resposta não é suficiente. De posse dessa insuficiência, os primeiros filósofos começaram a suspeitar que as coisas não são como nós as percebemos. Ou melhor, são como as percebemos, mas não conseguimos perceber, de imediato, o princípio dessas coisas, ou da coisa de forma geral.

À pergunta “quem existe”? O homem comum responde: eu existo, as coisas existem, a árvore, o rio, as montanhas existem. Mas essa pergunta não satisfaz o filósofo.

Observe que uma questão simples, ou melhor, aparentemente

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simples como essa “Quem existe?”, torna–se um dos problemas centrais da filosofia: a procura pelo ser.

[...] quem é o ser em si? Não o ser em outro, mas o ser em si. Há uma resposta a essa pergunta, que é a resposta mais natural, natural no sentido biológico da palavra: aquela que a natureza em nós mesmos, como seres naturais, nos dita imediatamente, a mais óbvia, a mais fácil, aquela que ocorre a qualquer um. Quem existe? Pois muito simples: esta lâmpada, este copo, esta mesa, estas campainhas, este giz, eu, esta senhorita, aquele cavalheiro, as coisas e dentre as coisas, como outras coisas, como outros entes, os homens, a terra, o céu, as estrelas, os animais, os rio; isso é o que existe (MORENTE, 1967, p. 65).

A resposta que damos à pergunta “Quem existe?” parece ser a mais óbvia possível. Contudo, lembremo–nos de que não se surpreender com a regularidade, não ter um espírito ques-tionador é uma das características do senso comum. A filosofia distancia–se do senso comum. Como então afastarmo–nos dessa resposta mais óbvia?

Esta resposta é a mais natural de todas, a mais espontânea e é aquela que a humanidade repetidas vezes e constante-mente tem enunciado. Muitos séculos demorou a humani-dade a mudar de modo de pensar sobre esta pergunta e ainda que tenha mudado o modo de pensar dos filósofos, continua pensando desta forma todo o mundo, todo aquele que não é filósofo. Mais ainda: continuam pensando desta forma os filósofos enquanto não o são; isto é, o filósofo não é filósofo as vinte e quatro horas do dia, só o é quando filosofa e eu me atreveria a dizer que todos os filósofos antigos e modernos, presentes e futuros, enquanto não são filósofos, espontânea e naturalmente, vivem na crença de que o que existe são as coisas, entre as quais, naturalmente e sem distinção, estamos nós (MORENTE, 1967, p. 65)

A procura pelo ser, então, na filosofia, tem um esforço pri-meiro de se distanciar da resposta mais óbvia, da resposta que

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nos vem em primeiro lugar. Dizer que tudo existe, portanto, não é responder satisfatoriamente à pergunta que a filosofia faz para saber quem é o ser.

Veja que a palavra ser designa, na língua portuguesa, um subs-tantivo e também um verbo. A procura pelo ser é a procura pelo substantivo. Contudo, muitas vezes é preciso atenção para não confundir o vocábulo ser. Estamos empregando aqui esse vocábulo como substantivo. Muitas vezes, numa frase, utilizamos os dois sen-tidos, então fique atento a isso: o ser que a filosofia procura é aquele em que a dimensão da palavra ser se manifesta como substantivo.

A procura do ser, ser substantivo é uma procura que vai ocupar os primeiros filósofos.

Lembre–se de nossa lição anterior...

... Vimos que existe uma diferença muito grande entre sen-so comum e conhecimento científico. Pois bem, a filosofia é um tipo de conhecimento (mas não é só isso) organizado, sistematizado. Essa primeira sistematização que a filosofia faz para encontrar o ser primeiro, ou também o chamado ser em si, é uma tarefa que vai distanciá–la do senso co-mum. Por isso a resposta à pergunta “quem existe?” é uma para o senso comum e outra para a filosofia. No entanto, é importante frisar que, mesmo o filósofo, quando não está filosofando, também se utiliza do senso comum.

Dito isso, voltemos aos fragmentos de texto apresentado. O homem comum, como dissemos, fica satisfeito com essa resposta mais imediata, que diz que o que existe são as coisas.

Em latim, a palavra para designar coisa é res. Pode–se dizer que esta resposta mais espontânea dada para designar o ser é uma primeira forma de realismo. Contudo, nenhum filósofo é realista desta forma. E não encontramos nenhum filósofo realista neste sentido porque esta resposta não consegue permanecer de pé depois de uma cuidadosa análise feita pelo espírito inquisidor dos filósofos (MORENTE, 1967).

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Os filósofos desconfiam que essa aparência mostrada pela resposta “as coisas existem”, esconde a sua essência. Essa des-confiança fez com que os primeiros filósofos procurassem a es-sência do ser em uma substância diferente daquele que os nossos sentidos apontam como o que existe. Mas essa procura precisa ser feita com um olhar atento, um olhar que vai apontar para direções completamente diferentes daquela apontada pelo senso comum.

Lembre-se de que participar é fundamental para a cons-trução do conhecimento. Dessa forma, você estará junta-mente com seus colegas e tutor discutindo sobre diferentes situações e conhecendo a realidade de várias salas de aula.

Os primeiros filósofos

A Grécia é o berço da filosofia. Essa afirmação encontra res-paldo em muitos autores. Somente na Grécia temos o surgimento da magnífica ferramenta que foi capaz das grandes proezas e tam-bém dos grandes flagelos da humanidade: o pensamento racional.

Houve em outros lugares a formação de um conhecimento sobre a realidade, questionamentos sobre a vida, o homem, a natu-reza, a religião, enfim, sobre todas as coisas. Contudo, será somente na Grécia que esse questionamento será organizado, orientado pelo pensamento racional, pela razão, pelo pensamento organizado e orientado por rígidas regras (MORENTE, 1967).

Muitos autores, além de concordarem que a origem e a aplicação pela primeira vez do pensamento racional ocorre na Grécia, também praticamente entram em consenso ao considerar a Grécia como o berço da civilização Ocidental, a civilização a que nós pertencemos. Encontramos vários autores que apontam as contribuições do pensamento grego. Fiquemos apenas com o fragmento de um texto que indica a importância e exclusividade da contribuição dos gregos:

Apenas no Ocidente existe a “ciência” num estágio de desenvolvimento que atualmente reconhecemos como

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“válido”. Os conhecimentos empíricos, as reflexões sobre os problemas do mundo e da vida, a sabedoria filosófica e a teológica do tipo mais profundo não lhe são confina-dos [...] Conhecimento e observação de grande acuidade existiram também em outras civilizações, principalmente na Índia, na China, na Babilônia e no Egito. Mas, à astro-nomia babilônica e às outras faltava – o que torna mais espantoso o seu desenvolvimento – a fundamentação

matemática que lhe foi dada pela primeira vez pelos

gregos. À geometria da Índia faltava a prova racional; foi

este outro produto do intelecto grego, que também

foi o criador da mecânica e da física. As ciências nat-urais indianas se bem que, desenvolvidas na observação, careciam do método experimental, que foi, exceto nos seus primórdios na antiguidade, essencialmente um produto do Renascimento, assim como o foi o moderno laboratório, sem o qual a medicina, especialmente a indiana, altamente desenvolvida em seu aspecto técnico–empírico, era de-sprovida de fundamentos biológicos, e especialmente de fundamentos bioquímicos. Uma química racional tem estado ausente de todas as culturas que não a ocidental (WEBER, 1987, p. 1, grifo nosso).

Pois é esse povo, o povo grego, que descobre a filosofia. Des-cobre as ferramentas necessárias para o fazer e o viver filosófico.

E uma das primeiras preocupações que os primeiros filóso-fos terão será encontrar o ser em si, isto é, o ser que não deriva de nenhuma outra coisa, mas, ao contrário, dele derivam todas as coisas que compõem o universo.

Começamos a partir do século VII antes de Cristo (vale lem-brar que, antes de Cristo o tempo é contado decrescentemente). Nessa época encontramos muitos filósofos que encaminham suas preocupações para encontrar o princípio de todas as coisas.

Tales (624–23 – 546–45) da cidade de Mileto (é muito co-mum, entre os gregos dessa época, associar ao nome do indivíduo o nome da cidade de onde o indivíduo é e essa prática é muito comum para os filósofos), é um dos primeiros filósofos de que

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temos informações mais ou menos exatas. Pois bem, para Tales de Mileto, o ser em si, o ser do qual se originam todas as demais coisas do universo é a água. Esse era o ser inicial para este filósofo (MORENTE, 1967).

O que significa dizer que tudo provém da água? Significa dizer que eu, você, as pedras das construções, as árvores, enfim, todo o universo deriva da água. Essa era, para o filósofo, a definição do ser em si, do ser que derivavam todas as demais coisas.

Um outro filósofo, por essa mesma época, chamado Anaxi-mandro (610–609 – segunda metade do século VI A.C.), também atribuiu a algo material o princípio de todas as coisas. Porém, dife-rente de Tales, Anaximandro indicou que o ser em si, o ser do qual as demais coisas derivam, não é uma coisa com forma e substância determinada, era uma espécie de protocoisa, que ele denominou ápeiron (MORENTE, 1967).

A crítica que Anaximandro faz a Tales é de que a água é uma substância derivada de outra substância. O princípio (a palavra grega arché) das coisas, o ser em si tem que ser algo indefinido, algo privado de limites, o significado da palavra ápeiron (ANTISERI, 1990).

Esse elemento (ápeiron) não era nem água, nem fogo, nem ar, nem pedra, nem nada que pudéssemos nomear, mas todas essas coisas e todas as demais coisas do universo, segundo sua descoberta, derivam–se dele (MORENTE, 1967).

Anaxímenes (528–25 a.C) foi outro filósofo que procurou encontrar o ser em si em uma outra substância. Ao contrário dos demais filósofos, Anaxímenes, através de suas pesquisas, encontrou o ar como o elemento do qual todas as demais substâncias derivam.

As razões pela escolha de Anaxímenes bem como a crítica que faz à escolha de Tales é um indicativo bem claro dos proces-sos lógicos por trás da procura empreendida por esses primeiros filósofos. O fragmento a seguir é muito claro em mostrar esses raciocínios lógicos utilizados pelo filósofo

[...] Ademais, o ar se presta melhor do que qualquer outro elemento às variações e transformações necessárias para

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fazer nascer as diversas coisas. Ao se condensar, resfria–se e se torna água e, depois, terra; ao se distender e dilatar, esquenta e torna–se fogo. Um claro testemunho antigo reg-istra: “Anaxímenes diz que o frio é a matéria que se contrai

e condensa, ao passo que o calor é a matéria dilatada e

distendida (é exatamente essa a expressão que ele usa). Assim, segundo Anaxímenes não sem razão se diz que o homem deixa sair da boca o quente e o frio: com efeito, a respiração esfria se for comprimida pelos lábios cerrados, mas, ao contrário, torna–se quente pela dilatação se sair da boca aberta” (ANTISERI, 1990, p. 34–35, grifos do autor).

É interessante observarmos que a escolha do ar obedece a um conjunto de argumentações. Hoje, esse raciocínio pode parecer infantil, mas estamos nos referindo ao século VII – VI antes de Cristo. Naquela época esse pensamento, essa construção racional era talvez o que de mais avançado havia em termos de pensamen-to organizado. E isso vale não só para Anaxímenes, mas para os demais filósofos que, como ele, procuravam encontrar o ser em si, o ser que fazia derivar de si todas as coisas do universo.

Observe que, mesmo para a época em que esses filósofos surgiram, cerca do século VII A.C., as explicações dadas como origem das coisas não foram prontamente aceitas. Como imaginar que o mármore, algo duro e maciço tivesse sua origem na água ou mesmo no ar? (MORENTE, 1967).

Como resposta a essas críticas e também como fruto de sua pesquisa, um outro filósofo chamado Empédocles (483 – 430 a.C.) apresenta a sua teoria para a origem das coisas no universo. A ex-plicação de Empédocles varia das explicações dos demais filósofos na medida em que atribui a quatro elementos os responsáveis pelas demais coisas no universo. São eles: a água, o ar, a terra e o fogo. A essas coisas, Empédocles deu o nome de elementos. Essa teoria teve uma grande sobrevida, chegando até o começo da Renascença, quando desapareceu (MORENTE, 1967).

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Curiosidade: Você já viu, especialmente em épocas de final de ano, algumas empresas fechadas com um cartaz na porta: “Fechado para Balanço”? Isso significa que esta empresa utiliza o Sistema de Inventário Periódico.

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Você deve estar se perguntando o porquê disso tudo. Por que, quando vamos estudar a filosofia temos que ler esses primeiros filósofos? Temos que ouvir explicações que mesmo naquela época, eram explicações que recebiam muitas críticas?Se você tem essas dúvidas, isso é muito bom, pois é um indicativo de que está fazendo uma leitura crítica, não está apenas lendo, mas também reagindo ao texto. Ape-sar de essas perguntas serem pertinentes, observe que esses primeiros filósofos fazem alguns questionamentos que sobressaem aos demais questionamentos do homem comum: em primeiro lugar, duvidam da existência que os sentidos (a visão, o olfato, etc.) dão às coisas que os cer-cam. Em segundo lugar, de posse dessa dúvida, procuram encontrar o princípio, a substância que está por trás das demais substâncias da natureza. Em terceiro lugar, empre-gam o pensamento para empreender essa busca. Mas não qualquer pensamento, um pensamento já orientado por algumas regras, um pensamento diferente daquele que é inerente ao senso comum.

Observe as ações: duvidar, suspeitar do que é visto – elevar à condição de problema o conhecimento sobre a realidade – procu-rar conhecer por meio de um pensamento organizado. Isso tudo não é pouco. Não é pouco para nós hoje e não era pouco para os gregos daquela época.

Mesmo que as explicações desses filósofos pareçam a nós, algo absurdo, para a época é um grande exercício do pensamento e esses primeiros filósofos já ensaiam a utilização dessa formidável ferramenta: o pensamento racional.

Pitágoras, Heráclito e Parmênides

Os três filósofos citados acima são também chamados de filósofos pré–socráticos, mas eles ganham destaque na história da filosofia porque a contribuição desses três filósofos se diferencia

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das contribuições dos filósofos anteriormente apresentados.

Não estamos dizendo que esses três são mais importantes ou melhores. Nada disso, pois os primeiros filósofos foram como que desbravadores de um terreno até então pouco explorado, ou falando com maior propriedade, foram os desbravadores com um novo tipo de exploração. Têm, pois, a sua importância.

Os três filósofos que ora começamos a discutir avançam um pouco mais na utilização do pensamento racional e deixam grandes contribuições que permanecem até os dias de hoje.

Comecemos com Pitágoras.

Pitágoras (nasceu aproximadamente em 571–70 e morreu 497–96 a.C.), foi um gênio de seu tempo. Era um sábio por exce-lência. Conhecia música, matemática e, como os outros filósofos que procuravam o princípio das coisas, o ser em si, também em-preendeu a sua busca pelo ser.

Existem muitas lendas sobre o Pitágoras histórico, isto é, o homem que viveu e construiu sua sabedoria. De acordo com his-toriadores da Filosofia, é bem provável que Pitágoras não tenha escrito nenhum texto, tendo seu conhecimento passado de forma oral aos seus discípulos (ABBAGNANO, 1969).

Existe uma aura de mistério sobre Pitágoras e seus seguidores. A escola pitagórica era conhecida por seus ensinamentos e também por sua doutrina que apresentava elementos religiosos. Também tinha uma preocupação política. A escola pitagórica reunia esses três elementos: a filosofia, a religião e a política. Suspeita–se que para se pertencer à escola de Pitágoras, o candidato teria que pas-sar por provas e testes para ser admitido (ABBAGNANO, 1969).

Poderíamos nos estender e falar muitas coisas sobre Pitágoras e sua escola. Mas, neste momento, o que nos interessa é sabermos como foi que Pitágoras respondeu à questão que os outros filó-sofos haviam respondido. Quem é o ser? Qual é o princípio de todas as coisas?

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A resposta que será dada por Pitágoras será única até então. Pitágoras diz que o princípio de todas as coisas é algo que não se vê, não se ouve, não se toca, não se sente. Essa coisa é o número. É a primeira vez, na história da filosofia, que um filósofo atribui a algo dessa natureza, isto é, algo que não se vê, não se toca, não se sente, como o princípio das demais coisas do universo. Para Pitágoras as coisas que existem na realidade, no universo são números, escondem dentro de si números (MORENTE, 1967).

Pitágoras tinha um grande conhecimento sobre música. Fez várias descobertas nesse campo. Por exemplo, descobriu que uma nota musical guardava íntima proporção com o comprimento da corda do instrumento. Em outras palavras, conforme se dividisse uma corda de um instrumento (lembremos que a lira, um instru-mento de corda, era muito usada nessa época) obtinha–se uma nota musical correspondente a essa divisão: se dividisse a corda ao meio teríamos uma nota, se dividíssemos a corda um quinto de seu tamanho, teríamos outra nota e assim sucessivamente.

Essa descoberta e outras que fez nesse campo, fez com que Pitágoras descobrisse as relações numéricas existentes entre as notas musicais. De posse dessa descoberta, pode intuir que as demais coisas da natureza apresentam relações numéricas entre si: são quantidades, são definidas por determinadas quantidades que são números (MORENTE, 1967).

Expliquemos melhor a afirmação anterior. Por exemplo, uma montanha é, em última análise, uma certa quantidade de rocha, tem um determinado peso; uma árvore tem uma certa quantidade de galhos, de folhas, tem um certo peso; um rio tem uma certa quan-tidade de água, tem um determinado volume. Todas as coisas da natureza são quantidades de peso, de volume, de grandeza. Tudo são números.

Um grande filósofo, posterior a Pitágoras e que estudou tudo o que havia sido escrito antes dele, ao estudar os escritos de Pitágoras, escreveu textos que chegaram até nós. Devemos a esse

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filósofo, Aristóteles, muitas das informações que temos sobre Pi-tágoras. Num de seus escritos, vemos a seguinte análise sobre os pitagóricos, os discípulos de Pitágoras:

Primeiro, os pitagóricos se dedicaram à matemática e a fiz-eram progredir. Nutridos por ela, acreditaram que os seus princípios fossem os princípios de todas as coisas que ex-istem. E, como na matemática, por sua natureza, os números são os princípios primeiros e nos números, precisamente, mais do que no fogo, na terra e na água, eles acreditavam ver muitas semelhanças com as coisas que existem e se geram [...]; e, ademais, como viam que as notas e os acordes musicais consistiam em números; e, por fim, como todas as outras coisas, em toda a realidade, pareciam–lhes que fos-sem feitas à imagem dos números e que os números fossem aquilo que é primário em toda a realidade, pensaram que os elementos do número fossem elementos de todas as coisas e que todo o universo fosse harmonia e número (REALE; ANTISERI, 1990, p. 40–41).

Observe que Pitágoras e seus seguidores utilizam o pensamen-to racional e fazem comparações interessantes sobre os elementos da realidade.

Lembre–se de que uma das características que vimos na unidade anterior sobre o pensamento científico é que esse pensamento procura encontrar em coisas aparentemente distintas os mesmos elementos. É isso que podemos observar, pelo fragmento de texto apresentado, que Pitágoras e seus seguidores fazem. Analisam a música, analisam a matemática e aplicam os resultados dessa análise à toda a realidade.

Essa ação é uma ação que depende de um pensamento orga-nizado, orientado por regras. É uma ação do pensamento racional. Essa é a novidade que os filósofos gregos descobrem e empregam. E Pitágoras avança mais do que os seus predecessores no emprego do pensamento racional.

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Para que o raciocínio de Pitágoras e seus seguidores fiquem mais claros para nós, é preciso que compreendamos um pouco mais sobre como os gregos daquela época entendiam e concebiam o número. O trecho a seguir é muito esclarecedor sobre essa questão

De todo modo, está muito claro o processo através do qual os pitagóricos chegaram a colocar o número como

princípio de todas as coisas. Entretanto, o homem con-temporâneo talvez tenha dificuldades para compreender profundamente o sentido dessa doutrina se não procurar re-cuperar o sentido arcaico do “número”. Para nós, o número é uma abstração mental e, portanto, um ente da razão; para o antigo modo de pensar (até Aristóteles), porém, o número era uma coisa real e até mesmo a mais real das coisas – e precisamente enquanto tal é que veio a ser considerado o “princípio” constitutivo das coisas.[...] Considerando a concepção arcaica aritmético–geométrica do número de que falamos, não será difícil compreender como os pitagóricos puderam deduzir as coisas e o mundo físico do número. Com efeito, os números eram concebidos como pontos, ou seja, como massas, e consequentemente eram concebidos como sólidos – assim, era obvia a passagem do número para as coisas físicas (REALE; ANTISERI, 1990, p. 41–42 e 44, grifos do autor, sublinhado nosso).

Podemos perceber pelo fragmento acima que a concepção da realidade formada pelos números é produto de um pensamento or-ganizado. Existe a análise dos vários aspectos que formam a realidade (a música, as relações matemáticas, etc.) e há também a aplicação dessa análise a toda a realidade que cerca os gregos daquela época.

Podemos dizer que esse exercício do pensamento ganha com Pitágoras um pouco mais de sofisticação. Já vinha se desenvolvendo a partir das primeiras tentativas de se encontrar o ser, o verdadeiro ser. Irá continuar com outros filósofos depois de Pitágoras e a so-fisticação desse pensamento também irá aumentar como veremos com os próximos filósofos.

Outro filósofo que apresenta um grande avanço na utilização

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do pensamento racional é Heráclito. Este filósofo também possuiu um gênio muito grande. O que ele faz? Ele examina todas as respos-tas que foram dadas por seus antecessores para a pergunta: o que existe? Vê as respostas dadas e conclui que todos os filósofos estão enganados. Estão enganados porque encontramos na realidade que nos cerca todas as respostas dadas e, principalmente, porque para Heráclito é impossível fixar alguma coisa, isto é, uma coisa é neste momento, mas não é mais essa mesma coisa no momento seguinte. Heráclito proclama, pois, o fluir da realidade. Temos aqui uma outra explicação para a determinação do ser em si.

Observe que existe um desenvolvimento dessa idéia desde que começamos a nomear os filósofos e suas respostas ao problema do ser. De coisas perceptíveis pelos sentidos (água, ar, fogo, etc.) para uma coisa que os sentidos não podem nos informar (número) e agora chegamos a um movimento (o fluir da realidade).

Heráclito pertencia à nobreza de sua cidade, Éfeso, e viveu entre os séculos VI e V a.C. Escreve um livro chamado Sobre a Natureza, livro do qual apenas fragmentos chegaram até nós.

Heráclito tem uma frase muito famosa que, de certo modo, sintetiza o seu pensamento. De acordo com o filósofo,

Não se pode descer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, pois, por causa da impetuosidade e da veloci-

dade da mudança, ela se dispersa e se reúne, vem e

vai [...] Nós descemos e não descemos pelo mesmo rio, nós próprios somos e não somos (REALE; ANTISERI, 1990, p. 35–36, grifo nosso).

Essa é uma grande novidade dentre os filósofos que respon-dem à pergunta: quem é o ser? Para Heráclito o verdadeiro ser, o ser que é o princípio de todas as coisas é o movimento, o devir. Devir quer dizer justamente isso, o movimento.

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Estamos diante de um grande avanço do pensamento racional.

Lembre–se que essas definições podem parecer–nos um tanto quanto infantis, um tanto quanto fáceis. Mas não se esqueça de que estamos falando de um período que remonta a cerca de seiscentos anos antes de Cristo. E, além disso, não são coisas tão simples assim.

A percepção de Heráclito sobre a realidade é algo que po-demos exemplificar facilmente. Você pode pensar: mas eu sou o mesmo desde que nasci. Não mudei nada. Embora a afirmação de Heráclito esteja se referindo a algo bem mais profundo do que os nossos corpos, mesmo se referirmos a nossos corpos poderemos entender que mudamos o tempo inteiro.

Quando acordamos e passamos um dia inteiro trabalhando, conhecendo pessoas, lendo, escrevendo, ou mesmo não fazendo nada, estaremos sofrendo um número muito grande de influências: as pessoas que conhecemos e que tomamos contato nos comuni-cam idéias, que por sua vez nos influenciam: concordamos com elas ou reagimos a elas.

Mesmo se passarmos o dia todo sem fazer nada, estaremos pensando. Ao final do dia seremos um pouco diferente de quando acordamos, até mesmo porque teremos uma experiência de não ter feito nada o dia todo. Essa será uma experiência que trará algo para nós e acabará por nos modificar, mesmo que somente um pouco.

Podemos pensar também em nosso corpo. Ao longo do dia nosso corpo reage aos vários elementos que nos cercam. Se estiver muito frio teremos um tipo de reação, se estiver muito calor, outro tipo de reação. Tudo isso são mudanças.

Imagine também todas as células de nosso corpo. Enquanto você está aqui lendo e estudando nossa disciplina, há um constante movimento de suas células. Enquanto lemos e pensamos nossas células nervosas mandam, a todo momento, informações para nosso cérebro. Enfim, temos muitos exemplos de que mudamos o tempo inteiro.

Um último exemplo. Quando lemos um livro, quer gostemos ou não, esse ato sempre acaba nos modificando. Se gostarmos do livro, aprenderemos as lições que ele nos deu e se a aprendermos iremos aplicá–la em nossa vida. Muitas vezes temos mudanças

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de comportamento, de visão de mundo motivadas pela leitura de um livro.

Se não gostarmos, mudaremos também nossa posição. Sempre que nos depararmos com um livro que trata de um tema parecido, teremos uma grande probabilidade de não lermos o livro e de termos confirmado nossa posição de desagrado sobre o tema do livro que lemos e não gostamos.

Essa percepção de Heráclito, somos e não somos ao mes-mo tempo - porque o que somos agora já não somos mais no momento seguinte - não deixa de conter um pouco de ceticismo. Ceticismo em relação à capacidade do homem poder conhecer realmente as coisas, conhecer realmente o ser em si. Se a realidade é a eterna mudança, podemos talvez conhecer um instante, um instantâneo como se diz em linguagem fotográfica. Se imaginarmos a realidade como um filme, a teoria de Heráclito nos permite que da realidade tiremos apenas fotos. Só poderíamos conhecer o momento em que “aprisionamos” o ser. Mas aquele momento é um momento fugidio. Quando aprisionamos o ser naquele momento ele já mudou é outra coisa (MORENTE, 1967).

E assim termina a filosofia de Heráclito. Termina colocando essa nota de ceticismo, de impossibilidade de se conhecer o ser.

Mas nessa mesma época surge um outro filósofo que irá fazer uma profunda crítica ao pensamento de Heráclito. É um filósofo que tem uma importância tremenda para a filosofia. Sua contri-buição é tamanha que ainda hoje, pleno século XXI, estamos sob a influência da contribuição desse filósofo.

Estamos falando de Parmênides. A sua grandeza é muito exaltada pelos autores que estudam a filosofia. O fragmento a seguir dá uma boa dimensão da importância e grandeza de Parmênides

E neste momento [...] surge no pensamento grego o maior

filósofo que conhecem os tempos helênicos. O maior,

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digo, porque Platão, que foi discípulo seu, assim o qualifi-cou. Platão nunca usa adjetivos, de louvor ou pejorativos, para qualificar qualquer dos filósofos que o precederam. Nomeia–os cortesmente. O único ante o qual ele fica pas-mado de admiração é Parmênides de Eléia. A Parmênides chama sempre nos seus diálogos “o grande”, “Parmênides, o grande”; sempre lhe dá este epíteto como os epítetos que recebem os heróis de Homero (MORENTE, 1967, p. 69, grifo nosso).

Como pode ser visto no fragmento acima, Parmênides tinha o reconhecimento de seus iguais. Esse é o verdadeiro reconheci-mento. O adjetivo helênico é sinônimo de grego. Os gregos são conhecidos também por helênicos. Mas por que Parmênides tem essa importância?

Para responder a essa pergunta, temos que entende que o pen-samento de Parmênides se desenvolve na medida em que faz uma crítica ao pensamento de Heráclito. Para ser mais bem compreen-dido, devemos entender o pensamento de Parmênides dentro da polêmica, dentro do debate que se estabelece com o pensamento de Heráclito (MORENTE, 1967).

De certa maneira, podemos dizer que esse filósofo representa o ponto alto de um processo que se inicia com os primeiros ques-tionamentos dos filósofos que buscaram entender o que é o ser. As respostas dadas por Parmênides imprimem ao pensamento um modo de operar, de funcionar, que perdura até os nossos dias. De fato, esse filósofo descobre uma regra, um elemento que se torna essencial ao pensamento organizado, ao pensamento racional.

Parmênides descobre o que, hoje, os lógicos, os estudiosos da lógica, uma disciplina dentro da filosofia, chamam de princípio de identidade. Esse princípio o filósofo assim o formula: “[...] o ser é; o não–ser não é. Tudo que fugir disto é despropositado, e jogar–se, precipitar–se no abismo do erro” (MORENTE, 1967, p. 70, grifo nosso).

Isso pode nos parecer confuso e sem sentido, mas vamos ver mais de perto o significado dessa afirmação de Parmênides. Como dissemos, quanto mais estudarmos os dois filósofos (Heráclito e

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Parmênides) mais compreensível fica a filosofia de Parmênides. O que dizia Heráclito? Que o ser é o movimento, o devir. Parmênides critica essa posição.

A crítica de Parmênides diz que a filosofia de Heráclito é ininteli-gível, isto é, não é possível entender o que Heráclito diz. Para Parmê-nides, o que Heráclito diz é: o ser é e não é. E isso ao mesmo tempo.

Para desfazer essa confusão que Parmênides atribui à filosofia de Heráclito, o filósofo apresenta as características do ser: o ser, para Parmênides é: único, eterno, imutável, ilimitado e imóvel.

Vamos ver apenas a justificativa de uma dessas características, a unicidade do ser. O fragmento a seguir elucida uma dessas carac-terísticas do ser atribuídas por Parmênides.

Podemos afirmar, primeiramente, que o ser é único. Não pode haver dois seres; não pode haver mais que um só

ser. Porque suponhamos que haja dois seres; pois, então, aquilo que distingue um do outro “é” no primeiro, porém “não é” no segundo. Mas se no segundo não é aquilo que no primeiro é, então chegamos ao absurdo lógico de que o ser do primeiro não é no segundo. Tomando isto absolu-tamente, chegamos ao absurdo contraditório de afirmar o não–ser do ser. Dito de outro modo: se há dois seres, que há entre eles? O não–ser. Mas dizer que há o não–ser é dizer que o não–ser, é. E isto é contraditório, isto é ab-surdo, não tem cabimento; essa proposição é contrária ao princípio de identidade (MORENTE, 1967, p. 71, grifo do autor, sublinhado nosso).

Antes que você desanime e desista, achando tudo isso muito confuso, deixe–me tentar esclarecer esse enunciado.

Observe a parte sublinhada do fragmento de texto. Ela é a chave para entendermos o que Parmênides está dizendo. Nesse trecho fica evidente que o não–ser é sinônimo de negação. Lembre–se do enunciado: o não–ser não é. Não é, não existe, não está aqui. Dizer que o não–ser existe é dizer

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que uma coisa existe e não existe ao mesmo tempo. Como isso é possível de dizer sem ferirmos à lógica mais elementar?Pense em você. Você existe, está aí, lendo este texto, esquen-tando a sua cabeça procurando entender essa disciplina. Pois bem, se dissermos que você existe e não existe ao mesmo tempo, você vai, com razão, nos chamar de louco, não? Vai dizer: “essas pessoas são insanas, pois estão afirmando a existência de duas coisas contraditórias entre si.”. Em outros termos, foi isso que Parmênides falou sobre a filosofia de Heráclito.

Mas, assim como você deve estar pensando, não escapou a Parmênides fatos elementares da realidade: a realidade é feita, é formada por múltiplos seres (o ser é único); a realidade é composta por movimentos: o movimento das folhas ao vento, das ondas do mar, das nuvens e dos astros no céu (o ser é imóvel); a realidade é formada por nascimento, vida e morte (o ser é eterno); a realidade muda constantemente: depois de uma tempestade, por exemplo, o local onde a tempestade existiu muda quase sempre (o ser é imutável). Colocamos entre parênteses as características do ser apontadas por Parmênides para ficar evidente a diferença entre a realidade e as características do ser de Parmênides.

Como o filósofo resolve esse problema?

A resolução desse problema será, mais uma vez, uma grande contribuição de Parmênides ao pensamento racional, contribuição que perdura até os dias de hoje.

Diante desse mundo móvel, limitado, finito, o filósofo mos-tra que a percepção sensível que temos é uma percepção ilusória e conclui que há um mundo sensível e um mundo inteligível (MORENTE, 1967).

É a primeira vez, na história da filosofia, que alguém faz a distinção entre o mundo sensível e o mundo inteligível. E essa distinção perdura até os dias atuais. O mundo sensível, para Parmê-nides, é o mundo que conhecemos pelos sentidos e que, segundo o filósofo, é um mundo ininteligível, isto é, um mundo que é absurdo frente ao princípio descoberto por ele (MORENTE, 1967).

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Frente ao mundo sensível, mundo que tem todas as caracterís-ticas contrárias às características do ser proposta por Parmênides, está o mundo inteligível, um mundo que não pode ser visto, tocado, mas que podemos compreendê–lo pela utilização do pensamento racional, pois este mundo está sujeito à lei lógica do princípio da não contradição ou princípio de identidade. O mundo inteligível é, segundo Parmênides, autêntico e o mundo sensível é o mundo dos enganos, um mundo puramente falso.

É preciso também que se diga que Parmênides considera as propriedades essenciais do ser são as mesmas propriedades essen-ciais do pensamento. “Ser e pensar é uma e só coisa”. Essa é uma das frases de Parmênides que chegou até nós (MORENTE, 1967).

Essa associação entre ser e pensar é uma das contribuições de Parmênides que perduram até os dias de hoje. Sem dúvida alguma, entre os filósofos chamados de pré–socráticos, os filósofos que procuraram formar uma filosofia que nos indicasse os fundamentos de nossa realidade, Parmênides se desponta.

Sabemos agora, o que motivou o nascimento da filosofia no mundo grego. A procura por uma explicação racional, lógica, foi o que animou todos esses filósofos e ainda anima os filósofos contemporâneos.

Se pudermos definir uma lição desse movimento todo, essa lição seria a importância do pensamento racional, do pensamento lógico para o entendimento da realidade que nos cerca. Também seria a lição sobre a complexidade da realidade que nos cerca.

Essa realidade, a nossa realidade, tende a se tornar, conforme o tempo passa, cada vez mais complexa, cheia de nuances. O pensa-mento racional, organizado, bem como as lições que nos deixaram os primeiros filósofos ao procurar desvendar essa realidade nos ajudarão a entendê–la e decifrá–la.

De tudo o que vimos nessa unidade, fica evidente para nós o esforço que devemos empreender quando quisermos, dentro dos limites do pensamento lógico, racional, e por que não dizer, científico, compreender a realidade que nos cerca.

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Considerações

Vamos recordar...

Vimos nesta unidade:

• Os primeiros filósofos e sua procura pelo princípio de todas as coisas.

• A procura pelo “ser em si” foi feita utilizando o pensamento racional.

• Temos um desenvolvimento do pensamento lógico, racional conforme avançamos, entre os filósofos pré–socráticos, na procura do ser.

• Heráclito e Parmênides têm uma contribuição inegável para o pensamento racional, para o pensamento filosófico e científico.

• A contribuição de Parmênides permanece até os dias de hoje.

• Até aqui, vimos que o movimento da filosofia foi o de procurar o verdadeiro ser, o ser que dele deriva as demais coisas da realidade.

• Os séculos VII e VI antes de Cristo, na filosofia, têm mar-cado esse movimento: a busca de respostas às perguntas: o que existe? Quem é o ser em si?

• A partir do século V antes de Cristo, um homem, um filó-sofo, vai reorientar as preocupações da filosofia. De posse das conquistas feitas pelos filósofos, dá prosseguimento às suas questões, influenciando os filósofos que virão após ele.

Trataremos desses filósofos na próxima unidade.

APRENDA A APRENDER:Terminado o estudo desta unidade é importante que você reflita sobre os conteúdos estudados bem como sobre as das técnicas e estratégias propostas para sua aprendizagem. Identifique o que foi útil e, portanto, pode ser incorporado e o que pode ser dispensado. Em caso de eventuais dúvidas, retome o estudo do conteúdo, realize pesquisas e interaja na Sala de Aula Virtual com seus colegas de curso e com seu tutor. Você é o protagonista de sua aprendizagem. Participe!

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Referências Bibliográficas

ABBAGNANO, N. História da Filosofia. 2. ed. v. 1. Lisboa–PT: Editorial Presença, 1969.

______. Dicionário de Filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, 1014 p.

ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando. Introdução à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993.

JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

MORENTE, M. G. Fundamentos de Filosofia. Lições Preliminares. 3. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1967

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. v. 1. São Paulo: Paulus, 1990.

WEBER, M. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

Referências Midiáticas

Imagem 1: A Escola de Atenas, Rafael di Sanzio (1483-1520). Disponível em: http://caminhodomeio.files.wordpress.com/2008/12/raphael-school-of-athens.jpg. Acesso em: 2 fev. 2010.

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