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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

    JULIO CEZAR GONÇALVES

    ESTUDO DOS ASPECTOS CULTURAIS E TRADUTÓRIOS NAS OBRAS:BELOVED  (AMADA), DE TONI MORRISON, E THE COLOR PURPLE  (A COR

    PÚRPURA), DE ALICE WALKER

    DOURADOS-MS

    2010

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    JULIO CEZAR GONÇALVES

    ESTUDO DOS ASPECTOS CULTURAIS E TRADUTÓRIOS NAS OBRAS:BELOVED  (AMADA), DE TONI MORRISON, E THE COLOR PURPLE  (A COR

    PÚRPURA), DE ALICE WALKER

    Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de LetrasHabilitação Português-Inglês da UniversidadeEstadual de Mato Grosso do Sul, como requisito

     parcial para a obtenção do grau de Licenciado emLetras.

    Orientadora: Lucília Teodora Villela de LeitgebLourenço

    DOURADOS-MS

    2010

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    G626e Gonçalves, Julio CezarEstudo dos aspectos culturais e tradutórios nas obras:

     Beloved  (Amada), de Toni Morrison, e The Color Purple (Acor púrpura), de Alice Walker/ Julio Cezar Gonçalves. 

    Dourados: UEMS, 2010.

    40p. ; 30cm.

    BibliografiaMonografia de Graduação –  Curso de Letras Habilitação

    Português-Inglês –  Universidade Estadual de Mato Grossodo Sul, 2010.

    Orientador: Lucília Teodora Villela de Leitgeb Lourenço.

    1.Análise literária. 2. Black English .3. Estudos Culturais.4. Racismo .5. Feminismo. I. Título.

    CDD 20.ed. 801

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    JULIO CEZAR GONÇALVES

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL

    CURSO DE LETRAS HABILITAÇÃO PORTUGUÊS-INGLÊS

    TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

    ESTUDO DOS ASPECTOS CULTURAIS E TRADUTÓRIOS NAS OBRAS:BELOVED  (AMADA), DE TONI MORRISON, E THE COLOR PURPLE  (A COR

    PÚRPURA), DE ALICE WALKER

    APROVADO EM:_______/___________/_________

     _________________________________Orientadora: Profª. MSc. Lucília Teodora Villela de Leitgeb Lourenço

    UEMS

     _________________________________ ______________________________Profª. Rose Prado Profª. MSc. Otília Aparecida Tupan Schoenherr

    UEMS UEMS

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    DEDICATÓRIA

    Dedico este trabalho primeiramente a minha orientadora eamiga, a professora MSc. Lucília Teodora Villela de LeitgebLourenço, que me iniciou nos Estudos Culturais e literaturanegra, além de ter dado grande apoio em momentos detribulação e no início da minha carreira como professor. Eapesar de ter percorrido caminhos nebulosos, continua com umsorriso no rosto, tratando seus semelhantes com afeto e semprecom uma mão amiga estendida pra quem quer que seja. Dedico

    também a minha mãe, Maria Aparecida dos Santos de Abreu,que, assim como a personagem Sethe (“Amada”, Toni

    Morrison), passou por situações de violência, sofrimento e fuga,teve que nos deixar porque sabia que sofreríamos mais ao seulado; a minha irmã, Mariany dos Santos Gonçalves; ao meu pai,Cezar Gonçalves; ao meu irmão, Paulo Cezar Gonçalves; aminha madrasta, Enídia Ferreira Ojeda; aos meus amigos, OsanaConceição da Silva, Dércio Trindade,  André SuehiroMatsumoto, Tamires Kelly Alves, Evaldo Carlos Simis Junior,

     Nair da Silva Barros, Leoíris Martins de Moura, Ivone de Souza,Zilda Calixto Bambil, Paulo Roberto Calixto; e aos meusfamiliares, Santina Nóia Gonçalves, Marly Gonçalves e família,Silas Neiton Gonçalves e família, Marco Antônio Gonçalves,Cid João Gonçalves e família.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeço primeiramente a Deus, por sua graça, misericórdia eamor em todas as instâncias da minha vida, e principalmente porenviar as pessoas certas em meu caminho; a minha orientadora eamiga, profª. MSc. Lucília Teodora Villela de Leitgeb Lourenço,

     pelo grande apoio na elaboração deste trabalho, por sua mãoamiga em todas as situações e por seu incentivo na área

     profissional; a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul(PIBIC), pelo apoio financeiro na época da elaboração desta

     pesquisa (2008-2009); ao meu pai, Cezar Gonçalves, pelo apoio;a minha mãe, Maria Aparecida dos Santos de Abreu, e minhairmã, Mariany dos Santos Gonçalves, pela amizade, carinho e

     palavras de conforto; a minha grande amiga Osana Conceição daSilva e seu esposo Dércio Trindade, pela amizade e por permitirem que eu usasse seu computador para as pesquisas; a Nair da Silva Barros e Leoíris Martins de Moura, escudeiras emtodas as horas; a Tamires Kelly Alves, pelos momentos dediscussões e ajuda na elaboração das idéias; ao André SuehiroMatsumoto e ao Evaldo Carlos Simis Junior, pela amizade eajuda nas formatações; aos meus professores, em especial às

     professoras Otília A. T. Schoenherr e Rosana Prado, pela paciência, compreensão e dedicação; e aos meus colegas de sala, pelo suporte durante os anos de curso.

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    RESUMO

    Os Estudos de Gênero tiveram seu inicio nos Estudos Culturais, este que veio para romper

    com o sistema educacional vigente na Inglaterra e nos Estados Unidos, enfrentando grandesdivergências mesmo em meio às minorias raciais e econômicas, por causa do duplo papelenfrentado pela mulher negra: o de ser mulher e negra. Os Estudos da Tradução se encaixamem nosso trabalho à medida que dão suporte teórico para tratar de questões pertinentes aotexto de partida e o de chegada (a tradução), servindo de introdução para a discussão sobre asobras de Morrison e Walker, respectivamente  Beloved e The Color Purple  e suas traduções,“ Amada” e “ A Cor Púrpura”. Escritos que têm como marca principal, símbolo de resistênciaa uma ideologia dominante e opressora, a variante dialetal Black English, o inglês falado pelonegro norte-americano.

    Palavras chave: Estudos da Tradução.  Black English. Variação Linguística. Estudos deGênero. Racismo.

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    ABSTRACT

    The Gender Studies had their beginning in the Cultural Studies, which was created to break

    with British and American educational system, facing great disagreeing, even in the racial andeconomics minorities‟ environment, because of the double role women has been facing, firstly

    for being woman and secondly for being black. The Translation Studies, find its place in ourresearch, as they give us a theory support to discuss about the pertinent matters related to theoriginal text and its translation; acting as an introduction of a discussion about Walker‟s and

    Morrison‟s works; respectively, “Beloved”  and “The Color Purple”, and their translations,“ Amada”  and “ A Cor Púrpura”. Whose main characteristic, as an oppressing and dominantresistance symbol, the dialectical variant Black English, the English spoken by Afro-American people.

    Keywords: Translation Studies. Black English. Linguistics Variation. Gender Studies.Racism.

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    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO 11

    CAPÍTULO I –  ESTUDOS CULTURAIS –  RUPTURAS: RACISMO E FEMINISMO 121.1- Estudos culturais 121.1.1 - O centro de Estudos culturais Contemporâneos, ou Centre for Contemporary  13Cultural Studies

    1.2- Rupturas –  racismo e feminismo 15

    CAPÍTULO II - O PAPEL DA LINGUAGEM - BLACK ENGLISH  (OU EBONICS ) 18COMO FORMA DE RESISTÊNCIA2.1- A variante dialetal Black English, ou Ebonics 20

    CAPÍTULO III - ESTUDOS DA TRADUÇÃO 22

    CAPÍTULO IV - DISCUSSÃO: ESTUDOS CULTURAIS –  RUPTURAS; 25RACISMO E FEMINISMO E A VARIANTE BLACK ENGLISH  NAS OBRAS“ AMADA” (MORRISON) E “A COR PÚRPURA”(WALKER) 4.1 - Questões tradutórias e a presença da variante Black English nas obras de 29Morrison e Walker  

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 31

    BIBLIOGRAFIA 33

    ANEXO –  RESUMO DAS OBRAS 36

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    TABELAS 

    Tabela 1

    Uso padronizado pela norma culta dalíngua inglesa

    Uso no dialeto Black Engli sh  e na obra

     How have you been, girl, besides

    barefoot?

    “How you been, girl, besides barefoot ?” 

    We are lucky this ghost is a baby “We lucky this ghost is a baby.” You are looking good “You looking good” 

     Boys are gone too “ Boys gone too” 

     It‟s cool out here  “Cool out here.”  I had to. I Coudn‟t be waiting   “Had to. Coudn‟t be no waiting ”  Do you want to soak them? “You want to soak them?”  Both of them left just before Baby Suggs

    died

    “Both of em walked off just before BabySuggs died” 

     My niggers are men every one of them. I

    bought them that way, I raised them that

    way.

    “my niggers is men every one of em.

     Bought em thataway, raised em

    thataway.” 

     Beg to differ, Garner. There is no nigger

    men

    “ Beg to differ, Garner. Ain‟t no niggermen” 

     I wouldn‟t have any nigger men round my

    wife

    “ I wouldn‟t have no nigger men round m y

    wife.” 

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    campo das idéias. A cultura atual é democratizada, o conceito do ideal, de perfeição, já não

     predomina mais; como no campo da arte, que já foi privilégio de alguns, e atualmente tem

    uma nova definição. A arte já faz parte da vida, assim como o comércio e a política.

    Stuart Hall (1980) ainda observa que a nova definição de cultura (como processo

    integral, onde significados e definições são formados e transformados historicamente)

    considera a literatura e arte como um tipo de comunicação social, sendo esse novo foco o

    impulsionador do desenvolvimento dos Estudos Culturais.

    1.1.1- O Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, ou Centre for Contemporary

    Cultural  Studies

    Schulman (2004, p. 170-176) diz que o Centre for Contemporary Cultural  Studies 

    (CCCS) foi o primeiro programa de pós-graduação em Estudos Culturais e teve início durante

    uma aula inaugural ministrada por Richard Hoggart, da Universidade de Birmingham; o que

    lhe proporcionou um grande ataque por diversas disciplinas, principalmente a Sociologia,

    além disso, Hoggart recebeu cartas de dois cientistas sociais com ameaças. O estudioso

    atacou a forma como a literatura inglesa era ensinada e ofereceu uma nova proposta de se

     pensar a literatura, chamada “Literatura e Estudos Culturais Contemporâneos”, onde a

    interdisciplinaridade era uma característica diferenciada, além disso, apresentou uma divisão

    tripartida na literatura, que incluía a história e filosófica, a sociológica, além da crítica

    literária.

    Cevasco (2003, p. 61) salienta que Hoggart teve que enfrentar a rígida e elitista

    escola de pensamento cultural inglês, favorável a uma dicotomia entre a alta cultura e a vida

    real, a lacuna entre o passado histórico e a contemporaneidade, e entre a teoria e a prática.

    Buscou escrever sobre contenção e a resistência de uma classe social através da leitura de

    textos de alunos, ouvindo as vozes de representantes das classes dos “mal-nascidos”. 

    Através do desenvolvimento dos Estudos Culturais a educação proporcionou aos

    docentes a oportunidade de conhecer melhor a realidade dos trabalhadores e passaram a se

    interessar em acontecimentos do cotidiano de seu aluno. Em sala de aula, era necessário que

    os docentes explicassem suas disciplinas de maneira a ser melhor compreendidas pelas

     pessoas do povo, detentores de pouco vocabulário.

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    O sistema de imposição de valores da classe dominante desabou. Os alunos exigiam

    temas relacionados com suas vidas e, tinham o direito a questionamentos de seu interesse. O

    resultado foi a elaboração de um curso com características interdisciplinares, sendo que essas

    disciplinas eram presentes na plataforma básica dos Estudos Culturais.

     Nas últimas décadas os Estudos Culturais passaram por mudanças de foco, aliaram-

    se ao marxismo nos anos 60, pois a cultura popular exigia sua auto-expressão. Já nos anos 70,

    sob o comando de Stuart Hall, ocorreu a transformação nos textos da mídia, que passaram a

    ser vistos sob o ponto de vista da ideologia, guardiã do pensamento da classe dominante.

    Ainda nessa década, ocorreu a releitura de Gramsci, com relação aos estudos de gênero e raça.

     Nos anos 80, os Estudos Culturais passaram a ver a cultura popular como uma zona de

    resistência e conflito em potencial. (SCHULMAN, 2004).

    O projeto inicial dos Estudos Culturais mudou bastante desde Hoggart, adepto a uma

    sociologia da literatura ou da cultura. Essa visão não encontra repercussão atualmente devido

    a uma inconsistência intelectual, praticada pelos trabalhos dos membros do Centro. Os

    Estudos Culturais passaram a focar mais diretamente o contexto de investigação das

    interações entre as classes, na formação da ideologia, além de visar a raça e o gênero. O

    movimento, inclusive, foi chamado por Hall (1985, p. 110) de “mergulho em um marxismo

    complexo,”. Hall (1985) ainda acrescenta que os Estudos Culturais passaram por todas essasmudanças, podemos dizer, radicais, pois eram ainda muito diversificados e mal definidos,

    além de serem totalmente heterodoxos.

    Hoje os Estudos Culturais procuram investigar os significados da vida humana em

    sua trajetória à medida que estes significados se concretizam na linguagem e em práticas

    institucionais; a composição da sociedade britânica, além dos movimentos políticos atuais.

    Transformaram-se em um movimento internacional, com revistas, associações profissionais,

    conferências e com cursos acadêmicos em muitas faculdades e universidades.A grande contribuição que os Estudos Culturais trouxeram foi o deslocamento da

    atenção dos trabalhos produzidos em Birmingham para outros lugares, além disso, a atuação

    intelectual de Hall, na Open University, também merece reconhecimento. Lá o estudo da

    mídia e da cultura popular encontrou seu espaço. O Centro tornou-se o Departamento de

    Estudos Culturais, com espaço para a graduação. Afortunadamente os Estudos Culturais

    apresentaram crescimento de sua pequena equipe, composta por apenas três professores.

    Diversos professores que passaram pelo Centro levaram suas contribuições para diversos

     países, como a França, África do Sul, Estados Unidos, Canadá e Austrália. (SCHULMAN,

    2004, p. 196-2002).

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    1.2- Rupturas  –  racismo e feminismo

    Apesar de estudar as minorias, os Estudos Culturais excluíam as mulheres e as

    minorias raciais de seus métodos de estudo. Excluíram as mulheres e suas práticas culturais

    como objetos de estudos, por que carregava muitos pressupostos patriarcais e as histórias

    centradas no gênero masculino reproduziam, ainda que inconscientemente, uma atitude

    repressiva, considerando a história da atividade feminina como uma “subcultura” masculina. 

    Em 1974 surgiu o Grupo de Estudos da Mulher dentro dos Estudos Culturais com a

    finalidade de examinar gêneros culturais considerados femininos, tais como a moda e astelenovelas. Esse Grupo pretendia estudar como o público feminino respondia ao conteúdo

    dos meios de comunicação em massa e verificar se suas necessidades pessoais e sociais eram

    atendidas. Essa prática propiciou o resgate da obra literária de escritoras inglesas, além de

    discutir teoricamente o papel do trabalho doméstico na vida da sociedade inglesa. (TURNER,

    1990, p. 169).

    Sobre a inclusão e expansão do feminismo na pauta de Estudos Culturais, Stuart Hall

    fala sobre a “irrupção” do feminismo na vida intelectual dos Estudos Culturais: “Não se sabe,

    de uma maneira geral, onde e como o feminismo arrombou a casa. (...) Como um ladrão no

    meio da noite, ele entrou, perturbou, fez ruído inconveniente, tomou a vez e estourou na mesa

    dos estudos culturais” (1996, p. 269).

     No livro Women Take Issue (1978), que promoveu os Estudos Femininos, Hobson e

    Angela McRobbie trabalhavam como donas de casa, relataram, então, o isolamento em seus

    lares. Além disso, através de pesquisas com adolescentes detectou-se que suas expectativas

    eram pessimistas em meio a uma sociedade patriarcal (ESCOSTEGUY, 2000). Essas

    expectativas faziam, e ainda fazem, parte do pensamento feminino por causa do conformismo,

    ou seja, já que o padrão patriarcal sempre existiu, por que vamos questioná-lo?

    Já em relação à questão racial nos Estudos Culturais, sabemos que atravessou

    inúmeras dificuldades até ser um campo de estudo, enfrentando lutas teóricas acirradas. Teve

    sua primeira manifestação em  Policing the Crisis (1978), responsável pela grande virada,

    determinante nos estudos de Stuart Hall. Schulman (2004, p. 214) diz que Hall e seus

    colaboradores, nessa obra, mostraram como a mídia britânica associava o crime e outros

     problemas sociais à presença das minorias raciais, além de apontar o fato de que a identidade

    nacional era bloqueada, ou em termo mais específicos, manchada, racialmente.

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    Por diversas vezes as pesquisas do Centro de Estudos Culturais sobre gênero e

    racismo, culpavam a estrutura capitalista, instituída na Inglaterra, como responsável por essa

    situação, pois a imigração proveniente das ex-colônias britânicas era associada às minorias

    raciais e às mazelas a elas relacionadas (HALL, 1978, p. 380). O racismo era intrínseco à

    estrutura do capitalismo inglês, pois os imigrantes eram minoria. Em 1985, Hall escreveu sua

     própria experiência, como imigrante do Caribe (Jamaica), dentro de uma sociedade inglesa

    xenófoba.

    O início do século XXI foi um momento de transição, quando tempo e espaço se

    entrelaçaram, destacando identidades e diferenças, inclusão e exclusão, presente e passado,

    trazendo uma sensação de desorientação, mas também um movimento incessante de caráter

    exploratório. Homi Bhabha (2003, p. 27) concebe que, a cultura está em todos os lugares,

     pois é vista como entidade fronteiriça que estabelece o encontro com o novo, diferenciada no

     passado e no presente. Bhabha acredita que é crucial ir além das narrativas subjetivas e

    enfocar os processos que são produzidos na juntura das diferenças culturais, em articulações

    coletivas. Sendo assim, “novos signos de identidade surgem e novos espaços de colaboração

    ou contestação despontam” (BHABHA, 2003, p.19-20).

    É importante  que percebamos os caminhos que permitiram a consolidação do

     pensamento teórico feminista dentro de um quadro epistemológico, que fora causado porcrises e pelo desprestígio das falas que vinham autenticando os projetos sociais, religiosos e

     políticos da atualidade.

    Apesar de o feminismo ter sido identificado desde o século XIX, foi nas duas últimas

    décadas do século XX que o pensamento feminista surgiu como novidade no campo

    acadêmico e se impôs como uma inclinação inovadora e de forte potencial crítico e político.

    Os estudos feministas condizem com os estudos étnicos ou antiimperialistas, que tomam

    como ponto de partida em suas análises o direito de voz aos grupos marginalizados. Essesgrupos passam a ser representados nos domínios políticos e intelectuais, levando-se em

    consideração que são constantemente excluídos, usurpados de suas funções de significação e

    de representação.

    Jacques Derrida (2002) foi quem dispôs uma preocupação com a questão da mulher

    enquanto participante na filosofia ocidental. Em vários trabalhos estabeleceu como linha de

    uma metafísica excludente, o fonocentrismo, como o reinado do sujeito ou a prioridade da voz

    da consciência; o logocentrismo, a prioridade da palavra como lei; e o falocentrismo, como a

     prioridade do falar como o definidor da identidade.

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    Destacamos ainda que o que se diferencia de outras questões presentes nos Estudos

    Culturais é o compromisso feminista com a articulação crítica da hegemonia do idêntico e da

    legitimidade dos sentidos absolutos e universais com os processos históricos de construção e

    de representação da categoria “mulher”. O feminismo tem sido considerado, no pós-

    modernismo, como uma das alternativas palpáveis para a renovação da prática política e para

    as estratégias de defesa da cidadania.

    Atualmente percebemos dois pólos no campo da produção teórica feminista: o

    feminismo anglo-americano e o feminismo francês. A corrente anglo-americana procura

    denunciar os aspectos arbitrários e manipuladores das representações da imagem feminina,

    além de privilegiar a escrita de mulheres como o lugar para a experiência social feminina.

    Essa tendência se foca em apontar, denunciar, a ideologia patriarcal que está inserida na

    crítica tradicional e que determina a composição do cânone literário. Além de questionar a

    legalidade do que é considerado literário e não-literário. Esse campo ainda desenvolve uma

    arqueologia literária, ou seja, o resgate de trabalhos de mulheres que foram silenciados ou

    excluídos da história literária. Percebe-se que há um comprometimento no trabalho de

    recuperação da identidade feminina, e também a rejeição das pressuposições da crítica

    literária tradicional que, identificam a escrita feminina como “sensibilidade contemplativa” ou

    como “linguagem imaginativa” (SHOWALTER, 1985, p.176). Diferentemente o pólo francês do feminismo é vinculado especialmente à

     psicanálise, trabalha na identificação de uma possível “subjetividade feminina”. As francesas

    entendem a psicanálise como uma teoria capaz de promover a exploração do inconsciente e a

    libertação do “pessoal” feminino, possíveis meios para a análise da opressão da mulher. 

    Essa aparente oposição entre as duas tendências, torna-se menos evidente a cada dia,

     pois a força do pensamento crítico feminista reside na procura de resolução das contradições

    existentes no âmbito do próprio gênero e não apenas nas duas vertentes que lutam entre si.

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    2- O PAPEL DA LINGUAGEM - BLACK ENGLI SH  (OU EBONICS ) COMO FORMA

    DE RESISTÊNCIA

    O papel da linguagem, como bem frisa Monteiro (2002), não é apenas a transmissão

    de informações, mas também estabelecer e manter relações entre as pessoas. Essa relação é

    ainda mais profunda, a língua como sistema acompanha de perto a evolução da sociedade e

    reflete os padrões de comportamento que variam em função do tempo e espaço. Assim se

    explica o fenômeno da diversidade e até mesmo mudança linguística.

    Pode-se supor que algumas atitudes sociais, ou manifestações do pensamento, sejam

    influenciadas pelas características que uma língua apresenta. Humboldt diz que há uma

    relação entre a língua e a mentalidade nacional, ou seja, os povos não pensariam da mesma

    forma (pensamento um tanto perigoso, segundo Monteiro (2002), o que leva a questão de

    culturas ou povos “puros, superiores”). Sapir e Whorf dizem que um falante nativo

    desenvolve uma série de categorias, através das quais percebe o mundo. Ou seja, a língua

     pode mudar a sociedade, pode até controlar a visão de mundo de seus falantes. (apud  

    MONTEIRO, 2002) 

    Vale frisar, ainda, que Trudgill (1979, apud  Monteiro 2002, p. 19) e outros autoresdão vários exemplos que mostram os efeitos da sociedade sobre a língua e como o mundo

    exterior nela se reflete. Um deles fala sobre como o ambiente físico pode refletir na

    organização do léxico de uma língua; como por exemplo, enquanto no português temos

    apenas uma palavra para definir o conceito neve no esquimó há distinções lexicalizadas sobre

    os tipos de neve, sendo que no português usamos neve fina, neve macia...

    Monteiro (2002,  p. 19) afirma que “Cada língua existe, pois, em função das

    necessidades sociais de designar ou nomear a realidade. Numa sociedade onde os camelosfazem parte das condições básicas da vida, a língua correspondente deverá ter inúmeras

     palavras pra expressar essas condições”.

    Ainda, o célebre autor Labov (1968, p. 111, apud  MONTEIRO, 2002) diz que:

    a variação no comportamento lingüístico em si mesmo não exerce umadecisiva influencia no desenvolvimento social nem afeta as oportunidadesde vida do indivíduo. De modo oposto, a forma de comportamentolingüístico muda rapidamente quando muda a posição social do falante.

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    Com relação ao conceito de agramaticalidade do discurso, sendo que muitos não

    usam um nome tão polido quanto este ao referir-se ao “erro”, a teoria sociolinguística

    demonstrou que ela, na fala cotidiana, é na verdade um mito, sendo que qualquer enunciado

     pode ser descrito, “não passando de mera diferença dialetal, o que muitas vezes se julga uma

    frase impossível”. Labov afirmou que em todos os dados que coletou as frases eram formadas

    corretamente, “a possibilidade de que alguém produza uma sentença agramatical é quase

    nula”. (MONTEIRO, 2002, p. 32).

    E isso quebra com o “mito”, como já dito, de que a pessoa  que usa um discurso

    “errado” é caipira ou que tem problemas mentais. Na verdade, a variante que o indivíduo usa,

    seja ela o  Black English (abordado em nosso trabalho) ou uma das diversas variantes que o

    Brasil possui é fruto de várias circunstancias, sejam sociais, políticas, históricas ou

    econômicas.

    O autor Marcos Bagno (2007, p.10) faz uma comparação entre a gramática

    normativa e um igapó, que “é um trecho de mata inundada, uma grande poça de água

    estagnada às margens de um rio, sobretudo depois da cheia”, ou seja, a gramática normativa é

    um “brejo”, um “charco”, enquanto a língua “é um rio caudaloso, longo e largo, que nunca se

    detém em seu curso”, ou seja, está sempre se renovando e está sempre em movimento.

    Enquanto a gramática está parada em um período de tempo, a língua se renova todo omomento, construindo um enorme abismo entre o real e o ideal. 

    Os falantes de qualquer língua são criativos de tal maneira (para o desespero dos

     puristas) que são capazes de ou manter característica antigas de uma língua, ou criar novos

    significados para algumas palavras. Bagno (2007) critica o fato de que tudo o que é diferente

    do que é dito nos manuais de gramática é considerado uma forma “errada, feia, estropiada,

    rudimentar, deficiente”.

    O autor salienta que muitos ainda consideram quem diz coisas como: “Craúdia,chicrete, praça” e “broco”, como pessoas com atraso mental. Há pessoas, de renome, que

    chegam a taxá-las de “asnos” e “idiotas”, porém, os linguístas explicam que muitas dessas

    variantes linguísticas vêm de suas raízes históricas, sendo que o falante apenas mantém o que

    era dito anteriormente, nas origens da língua. Esse mito é fruto do preconceito social, pois é

    somente a língua falada pelas camadas mais baixas da sociedade que é taxada de “errada”,

    sendo que uma palavra que era escrita anteriormente pelos “cultos” hoje é escrita de uma

    maneira diferente.

    Quanto a questão da homogeneidade de qualquer língua, defendida por alguns

    teóricos, Nancy Dorian (1994, p, 631-696) diz que cada vez mais se aceita a idéia de que a

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    heterogeneidade linguística reflete a variabilidade social e as diferenças no uso das variantes

    lingüísticas correspondem às diversidades dos grupos sociais e à sensibilidade que eles

    mantêm em termos de uma ou mais obras de prestígio.

    2.1- A variante dialetal Black Engli sh , ou Ebonics .

    O Black English, ou como é conhecido em termos mais científicos  African American

    Vernacular English  (AAVE),  constitui uma variedade linguística considerada dialeto,

    socioleto e etnoleto da Lingua Inglesa Norte-Americana, sendo coloquialmente conhecido

    como Ebonics (uma junção de ebony com  phonics).  Com uma pronúncia parecida ao inglês

    falado no sul dos Estados Unidos da América, a variedade é falada por muitos negros nos

    EUA e entre minorias étnicas pelo mundo inteiro. Suas origens gramaticais e suas

    características prosódicas mantêm parentesco com várias línguas da África Ocidental.

    A ampliação desse dialeto tem origem no comércio de escravos, além de carregar

    características do inglês falado na Grã Bretanha e na Irlanda durante os séculos XVI e XVII.

    E com uma gama tão grande de linguagens, houve uma necessidade do aperfeiçoamento dacomunicação entre os africanos cativos e seus captores, mas foi durante a Guerra Civil

    americana que a língua dos escravos tornou-se familiar a um grande número de brancos

    cultos. A população começou a ter o conhecimento dos dialetos:  Hausa,  Yoruba,  Dogon,

     Akan, Kimbundu, Bambara, entre outras línguas africanas, então desenvolveram  pidgins, que

    são misturas simplificadas de duas ou mais línguas e com o passar do tempo, muitos desses

     pidgins  evoluíram para creoles  nas Américas. Há um número significativo de negros que

    ainda falam alguns desses creoles nos EUA, especialmente nas ilhas da Carolina do Sul e daGeórgia.

    Os traços do AAVE que o distinguem do inglês padrão incluem: estruturas

    gramaticais detectáveis como provenientes de línguas africanas ocidentais; mudanças na

     pronúncia em creoles e em dialetos de outras populações de padrões definíveis, que são em

    grande parte encontrados nos descendentes dos habitantes da África Ocidental, mas que

    também afloram em dialetos provenientes do inglês da  Newfoundland   (Terra Nova); o

    vocabulário apresenta-se distinto, além de diferenças marcantes no uso dos tempos verbais. O

    AAVE também contribuiu para a formação do inglês padrão norte-americano, com palavras

    de origem africana como: yam, banjo, além de expressões como cool , hip, entre outras.

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    A resistência apresentada pelo  Ebonics  ao inglês padrão dos EUA é fruto das

    diferenças culturais entre negros e brancos, uma vez que a linguagem se tornou um meio de

    auto-diferenciação e que ajudou a constituir a identidade do grupo, em uma mistura de

    solidariedade e orgulho. O  Ebonics  sobreviveu e cresceu durante os séculos, também como

    resultado de vários graus de isolamento entre o inglês sulista e o inglês padrão norte-

    americano, em razão da marginalização dos negros.

    É bom salientar que boa parte dos falantes do  Ebonics  são bidialetais, sendo que

    tanto usam a norma padrão quanto o dialeto. A maioria dos negros, independentemente de

    nível socioeconômico, escolaridade ou região geográfica que habitam, usa alguma forma de

    AAVE em comunicações informais e intra-étnicas.

     Nos anos de 1990, o  Ebonics teve seu reconhecimento formal como língua distinta e

    seu uso foi proposto como ferramenta educacional para ajudar estudantes negros a se

    tornarem mais fluentes no inglês padrão, o que se tornou um assunto de contestação nos

    Estados Unidos da América.

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    3- ESTUDOS DA TRADUÇÃO 

    Os Estudos da Tradução nasceram como disciplina acadêmica nos finais da década

    de setenta. Surgiu pela dificuldade de leitura sem o questionamento de que se os fenômenos

    linguísticos e culturais seriam realmente traduzíveis, se realmente havia o conceito de

    equivalência entre eles.

     Normalmente, entende-se por tradução a transferência de um texto originalmente

    escrito em uma língua, a língua de partida (LP), para uma língua de chegada (LC), garantindo

    que o significado dos dois textos seja aproximadamente o mesmo e que as estruturas da LP

    sejam preservadas o máximo possível, mas não tanto que distorçam gravemente as estruturas

    da LC. (BASSNET, 2003)

    Os Estudos da Tradução, em franca expansão tendo há alguns anos ganhado o  status 

    de disciplina, compreendem uma diversidade e uma quantidade considerável de revistas

    científicas, congressos internacionais, dissertações de mestrado, teses de doutoramento,

    associações de profissionais, catálogos de publicações, num testemunho da vitalidade desse

    campo de estudo anteriormente considerado à margem (BASSNETT, 1993).

    O conceito de tradução baseado no modelo norte-americano foi aliado dainferiorização dos Estudos da Tradução em razão do embasamento calcado nos valores

    universais dos textos literários, sendo que os processos de transferência de um contexto para

    outro não eram considerados como dignos de estudo pelos comparatistas, na realidade eram

    vistos como uma área a ser explorada pelos linguistas. Havia também a prática editorial de

    relegar as traduções à uma categoria apartada, como atividade de remuneração irrelevante,

    considerando-se ainda a tradução como um trabalho menos crítico, que não envolvia

    criatividade alguma. (BASSNETT, 1993)Susan Bassnett (1993, p. 1401) afirma que continuar a acreditar que “uma tradução

    trai, diminui, reduz, perde parte do original, possui natureza derivativa, sendo uma reação

    mecânica e secundária, ou que a poeticidade se perde e que determinados autores são

    “intraduzíveis”, são afirmações despidas de confirmação prática”. 

    Os Estudos da Tradução historicamente passaram por três fases. A primeira,

     bastante influenciada pela teoria dos polissistemas, envolveu uma série de desafios ao

    1  O texto de Susan Bassnett (1993) está em língua inglesa. Sendo todas as inserções neste trabalho,traduzidos pela profª. MSc. Lucília T. Villela de Leitgeb Lourenço.

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    discurso inferiorizado estabelecido sobre tradução. O trabalho descontextualizado dos

    linguistas também era desafiado, bem como o trabalho assistemático dos Estudos Literários, o

    que provocou debates críticos sobre a teoria da equivalência da tradução. O problema com a

    teoria da equivalência é a negação da existência de relações hierárquicas entre os textos de

     partida e os de chegada. A teoria dos polissistemas, ao contrário, argumenta sobre o

     posicionamento nunca idêntico dos sistemas.

    A segunda fase preocupou-se com o estabelecimento de padrões da atividade

    tradutória em determinadas épocas, marcando a retirada de cena da Teoria dos Polissistemas,

    significando um passo adiante rumo aos estudos tradutórios pós-estruturalistas, os quais são

    desempenhados por tradutores que utilizam a linguagem figurativa, normalmente evidenciada

    nos prefácios das obras traduzidas.

    A terceira fase, a atual, abarca os estudos metafóricos iniciados nos anos 80,

    carregando traços de polissistemas. Naquela década, operou-se uma reviravolta nos Estudos

    da Tradução e o trabalho dos tradutores diversificou-se enormemente, sendo concebido como

    uma das variáveis nos processos da manipulação textual, em que o conceito de fidelidade é

    substituído pelo conceito de pluralidade e a “originalidade” é desafiada por outros

     pressupostos mais abrangentes, de ordem cultural. Assim, o texto traduzido também é um

    original, em virtude da sua existência continuada em outro contexto (BASSNETT, 1993).Segundo a concepção de Derrida (1995, p. 25) a tradução não é vista como um

    acontecimento secundário ou simplesmente derivado em relação a uma língua ou a um texto

    de origem. Em uma cadeia de substituições, a desconstrução é uma palavra e um processo

    essencialmente de substituição, que ocorre em relação ao escritor traduzido, e a construção em

    relação à língua do tradutor. A possibilidade para a desconstrução é que outra palavra seja

    encontrada ou inventada em outro idioma, significando a mesma coisa, ou seja, há a condução

    de um vocábulo a um outro lugar, o da sua escritura e da sua transcrição.A teórica indiana Tejaswini Niranjana (1992) argumenta que a problemática

    tradutória em um período pós-colonial torna-se palco de discussões de representação, de

     poder e de historicismo, tendo como grande questão a contestação, tentando considerar a

    discordância das relações entre os povos, etnias e idiomas. As práticas de sujeição em

    oposição à subjugação, implícitas nos empreendimentos coloniais, não atuavam unicamente

     por intermédio de artefatos repressivos, mas principalmente por meio dos discursos

    filosóficos, históricos, antropológicos, filológicos, linguísticos e literários.

     Niranjana (1992) enfatiza que a atividade tradutória depende das noções de realidade

    da filosofia ocidental, da representação e do conhecimento. Sendo a realidade colonialista

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    vista como algo sem problemas, entretanto o conhecimento deveria envolver a representação

    fiel da realidade. Logo, o discurso filosófico gera a prática tradutória empregada para fins de

    dominação colonialista.

    A teórica ainda argumenta que a tradução no contexto colonialista produz e apóia a

    economia dentro do discurso da filosofia oriental, funcionando como um filosofema, que

    constitui a unidade básica de um conceito filosófico. A tradução, então, traz conceitos de

    realidade e de representação, ao formular certo tipo de assunto ou ao apresentar versões

     particulares dos colonizados, portanto, produz estratégias de contenção e de coerção.

    (NIRANJANA, 1992)

     No ponto de vista assumido por Niranjana (1992), o repensar nas questões da

    tradução se torna uma tarefa crucial, dentro de um contexto em que desde o Iluminismo

    europeu (século XVIII) a ação tradutória, por vezes, tem sido utilizada para firmar práticas de

    sujeição. Para aqueles que foram colonizados, tal tarefa faz-se urgente para a defesa de uma

    teoria pós-colonial que planeja entender os temas que já estão traduzidos, buscando retomar a

    noção de tradução através de sua desestruturação e reeditando todo o seu potencial como uma

    estratégia de resistência.

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    4- DISCUSSÃO: ESTUDOS CULTURAIS  –  RUPTURAS; RACISMO E FEMINISMO

    E A VARIANTE BLACK ENGLI SH  NAS OBRAS “AMADA” (MORRISON) E “A COR

    PÚRPURA” (WALKER)

    Por causa das grandes Guerras Mundiais, as mulheres norte-americanas foram as

     primeiras a serem convocadas para trabalhar em fábricas de armas, e, justamente por causa

    dessa afloração da atividade feminina sobre assuntos que antes pertenciam aos homens, ou

    seja, o início de uma ruptura no sistema patriarcal, pesquisas sobre gênero começaram a surgir

    nos Estados Unidos da América; além disso, vale ressaltar que as mulheres também tiveram

    direito ao voto no fim do século XIX.

    A condição da população afro-americana, considerada como uma minoria

    marginalizada, não era e não é uma das mais favoráveis, retomando o sentimento anti-Estudos

    Culturais representados em seus primórdios, Inglaterra, que dizia que essas minorias

    manchavam a cultura local. Felizmente essa minoria viu em 1970 uma grande mudança na

    valorização de sua cultura, podemos ressaltar os estudos de William Labov sobre uma

    variante linguística denominada  African American Vernacular English, ou simplesmente, 

     Ebonics ou Black English, além de pessoas como Martin Luther King e as autoras de nossa pesquisa.

    Vale refletir também o duplo papel da mulher nesse contexto de minoria, onde, se o

    homem é discriminado, ou por sua posição social, ou por sua condição étnica, a mulher o é

    não apenas por essas duas, mas por ser mulher também, ou seja, isenta de qualquer

     participação em uma sociedade patriarcal, que, apesar de em nossos dias apresentar uma

    melhora quanto ao seu ponto de vista, não muda em nada a mentalidade de alguns homens e

    ainda pior, a questão salarial, tão debatida no meio feminino.Ainda, podemos refletir sobre o porquê de a mulher não se libertar dessa estrutura

    “carcerária-emocional”, uma vez que, sua identidade vinha sendo oprimida e escondida pelos

    maridos e pais da sociedade tradicional. A resposta que procuramos talvez esteja no

    conformismo, assim como Celie, personagem da obra “ A Cor Púrpura”, que desde criança

    nunca questionou o modo como era tratada, sempre se submetendo a tudo o que lhe era

    imposto. Porém, assim como ocorreu com as mulheres na ruptura feminista, Celie, ajudada

     por Docí Avery uma mulher muito à frente de seu tempo, quebrou com todos os paradigmas e

    enfrentou seu marido opressor, libertando não somente a ela, mas a ele também. 

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     Nosso estudo se volta principalmente para questão étnica-feminina, onde temos

    como base para análise as autoras afro-americanas Toni Morrison e Alice Walker, mais

    especificamente suas obras “ Amada” e “ A Cor Púrpura”. Para tal, vale observar que essas

    autoras quebraram com vários paradigmas e romperam com algumas estruturas patriarcais.

    Toni Morrison foi a primeira escritora negra a ganhar o Prêmio Nobel (The Nobel Prize in

     Literature  1993), sua obra “Beloved” foi transformado em filme, dirigido por Jonathan

    Demme e tendo Oprah Winfrey como protagonista; a obra “The Color Purple” além de

    também render a Alice Walker uma obra fílmica, dirigida por Steven Spielberg, lhe

     proporcionou o Prêmio Pulitzer  de Literatura em 1983. 

    Digo “algumas estruturas patriarcais”, pois as obras de autoras  como as de nossa

     pesquisa, entre outras, não recebem o devido valor no meio literário, obras como essas estão à

    margem do cânone literário. Podemos exemplificar tal afirmação considerando a falta de tais

    obras em países como o Brasil, que apresenta uma vasta produção literária, além de público

     para literatura, onde essas obras tardaram a chegar e hoje dificilmente as encontramos em

    alguma livraria e principalmente em bibliotecas.

    Linda Hutcheon (1991, p. 90-95) diz que foi de vital importância, no meio cultural, o

    movimento pelos direitos civis nos anos 60 nos Estado Unidos; as vozes de protesto negro

    militante tiveram grande influência política, onde a literatura negra foi uma das bases pararetomadas de consciência que ultrapassaram fronteiras, vitalizando o protesto feminino e

    desmoralizando o etnocentrismo.

    Após essa contextualização, podemos refletir um pouco sobre nossas obras de

    estudo. Inicialmente tomemos a obra de Toni Morrisson, “ Amada”, que, indiscutivelmente,

    apresenta características marcantes, como o mistério, o desenrolar dos fatos que não se dão de

    forma linear e, apesar disso são engenhosamente ligados, o que permite ao leitor, como um

    detetive, fazer suposições, então crescer a cada novo fato apresentado.A obra apresenta traços muito mais fortes de racismo do que relacionados ao

    feminismo, mas ainda assim remete ao tema. Na fala de seus personagens apresenta um forte

    traço de ódio e muita tristeza em relação aos “brancos”, como no trecho:  

    Os brancos ainda estavam à solta m 1874. Negros eram expulsos de algumas cidades;oitenta e sete linchamentos num único ano em Kentucky; quatro escolas para negrostotalmente queimadas; adultos apanhando como crianças; crianças apanhando comoadultos; mulheres negra estupradas; propriedades roubadas; pescoços quebrados. Stamp

    Paid sentia o cheiro de pele, pele e sangue quente. A pele era uma coisa, mas o sanguehumano cozido (...) era muito diferente. (...) Stamp (...) vira uma coisa vermelha boiando naágua (...) com um galho de árvore, puxara a coisa para mais perto: era uma fita vermelha,

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    amarrada num cacho de cabelos encarapinhados, ainda grudado em um pedacinho de courocabeludo. (...) tivera de esperar o mal-estar passar para poder continuar. (...) voltara-se paraolhar o caminho que fizera, gritando para a lama congelada e o rio mais além: - Que coisa éessa gente? Diga-me, Jesus. Que coisa é essa gente. (MORRISON, 1987, p.210-211)

    Isso talvez explique o fato de haver uma total separação entre “negros” e “brancos”

    nos EUA, além de certa antipatia por parte de algumas pessoas afro-americanas em relação

    aos outros. Mas “ Amada” não trata apenas da diferença étnica, mas também fala do papel da

    mulher, onde, com uma das personagens central, a relação de dependência da mulher em

    relação ao marido praticamente não existe, uma vez que ela conduz sua casa sozinha, cuidou

    da sogra e da filha; ou seja, quebra um pouco com o padrão patriarcal, que, para nossa

    tristeza, também é presente na mente dos afro-descendentes. Porém, depois Paul D entrou emsua vida a situação mudo um pouco, na verdade houve a questão da persuasão masculina e do

    domínio sobre a casa, mais especificamente no trecho em que Paul expulsa o espírito que

    atormenta a 124 (casa da família) e em seguida conquista o respeito e a admiração de Sethe

    (personagem principal da obra). 

    Outro fato que nos chama a atenção é a questão dos movimentos anti-escravagistas,

     personificados no Sr. Bodwin, que ajudou Baby Suggs após esta ter sua liberdade comprada

     por seu filho Halle. O Sr Bodwin ajudou-a com uma moradia (a 124, cenário da narrativa) emtroca de alguns trabalhos, além de ter ajuda Sethe a se livrar da forca após ela ter assassinado

    sua filha.

    Diferentemente a obra de Alice Walker “ A cor púrpura” já apresenta traços mais

    marcantes sobre gênero e racismo. A obra já começa com a questão do estupro, coisa muito

    comum no decorrer da história, que faz com que a mulher se sinta como um objeto sexual,

    como algo que só serve para satisfazer ao homem. A personagem principal, Celie, não só

     passa por esse abalo emocional, mas também por pensar que seus filhos são seus irmãos (oque é desmistificado mais tarde, sendo que na verdade o homem que a criou não é seu pai).

    Além disso, é dada a Sinhô como se fosse uma mercadoria; e na casa desse homem seu papel

    é reduzido a cuidar da casa, dos filhos e satisfazer ao marido, não podendo nem manifestar

    opiniões ou sentimentos.

    O racismo é mostrado através da experiência de mulheres dentro da obra, nesse

     ponto difere da obra de Morrison; como por exemplo, o tratamento que uma mulher recebia

    ao entrar em uma loja para comprar mantimentos, ou quando se dirigia a outra pessoa, tinha

    que ser o mais suave possível, pois qualquer demonstração de alteração acarretaria em

    consequências sérias. Para exemplificar, tomemos um trecho referente a uma personagem que

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    não suportou ser humilhada pela mulher de um prefeito e por isso reagiu; foi espancada e

     presa por muito tempo e o pior de tudo é que teve que trabalhar na casa da senhora que a

    humilhou: “Sofia faz até um morto rir contando os casos dessas pessoa da casa onde ela

    trabalha. Eles tem o displante de querer fazer a gente pensar que a escravidão acabou por

    nossa culpa. Que a gente num teve juízo bastante pra fazer ela durar.” (WALKER, 1986,  p.

    119)

    Walker mostrou bem a questão da ruptura feminista em sua obra, na verdade,

    concebemos que a autora personificou a questão feminina na própria Celie, que após tanto

    tempo de humilhações, finalmente se libertou dessas cadeias do preconceito e foi em frente,

    aprendeu a se reconhecer como um ser pensante e participante das decisões do mundo. Albert

    (Sinhô) representa o papel da sociedade patriarcal, opressor e cego, uma vez que não percebeu

    que a mulher tem um papel de vital importância na construção da humanidade, não só por

    causa da maternidade, mas por ser conselheira, um braço direito. Docí Avery e Sofia

    representam o papel de um sentimento que era (é) inerente às mulheres, o sentimento de

    identidade e liberdade; o próprio Albert reconheceu que elas eram diferentes, logo depois que

    Celie rompeu com as cadeias que a prendiam.

    Ele falou que ama o jeito dela. Ele falou que, pra falar a verdade, Docí tem mais jeito dehomem que a maioria dos homens. Eu quero dizer que ela é direita, honesta. Fala o que

     pensa e o diabo que leve o resto, ele falou. Você sabe que a Docí é de briga, ele falou. (...)Ela tá dicidida a viver a vida dela e ser ela mesma num importa o que. Sinhô acha que tudoisso é coisa de homem. Mas o Harpo num é assim, eu falo pra ele. Você num é assim. O quea Docí faz é coisa de mulher, eu acho. Principalmente porque ela e a Sofia é que são as

     pessoa que tem esse jeito. Sofia e Docí num são como os homem, ele falou, mas elastambém num são como as mulher. Você que dizer que elas num são nem como você nemcomo eu. Elas num dependem de ninguém, ele falou. E isso é diferente. (WALKER, 1987,

     p.294-295)

    Sabemos que há muito mais a ser discutido sobre esse tema, também sabemos que

    apesar dos esforços de uma grande parcela da população mundial para minimizar o racismo,

    as questões de gênero além da xenofobia, ainda há lugares e casos onde seres-humanos são

    tratados como não deveriam, e não apenas isso, temos consciência que esses assuntos são tão

    arraigados em nossa cultura que o sentimento, apesar de não demonstrado ou de estar presente

    em palavras mal colocadas, ainda impera em muitas pessoas.

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    4.1- Questões tradutórias e a presença da variante Black Engli sh  nas obras de Morrisone Walker

     Nas obras desse estudo há de forma marcante a presença dialetal, não porque as

    escritoras não dominassem a norma padrão do inglês norte americano, mas como forma de

    orgulho e resistência, como comentamos anteriormente. Entre as diferenças da norma padrão

     podemos citar o não uso da partícula does para a terceira pessoa do singular, em interrogações

    e negações, ao invés disso usam do; não há o uso do verbo to have  em interrogativas no

     present perfect continuous: “ How you been, girl, besides barefoot ?”; a omissão do verbo to

    be, como em: “We lucky this ghost is a baby”, “You looking good ”, ou em: “ Boys gone too”; a

    supressão do pronome it em alguns casos: “Cool out here”; e do pronome I : “ Had to. Coudn‟t

    be no waiting ” (questão da dupla negação); a eliminação do auxiliar do: “You want to soak

    them?”; a elipse do fonema th: “Both of em walked off just before Baby Suggs died”; o uso

    de  y‟all , característica comum na região sul dos EUA (BERNSTEIN, 2003); o uso da

    conjugação do verbo to be, is, ao invés de are no plural: “my niggers is men every one of em.

     Bought em thataway, raised em thataway.”; o uso de ain‟t, que é a contração de am not, is

    not, are not, has not ou have not , como em: “ Beg to differ, Garner. Ain‟t no nigger men”; O

    não uso de any em formas negativas: “ I wouldn‟t have no nigger men round my wife.”

    (MORRISON, 1987, p. 03-11)2 

    Sabendo que a escritora afro-descendente marcava o diálogo de seus personagens

    com a variante  Black English, notamos que a tradução da obra para o português (feita por

    Evelyn Kay Massaro, editora  Best Seller ) não apresenta traços dessa marca, nem mesmo um

    escritura diferente para enfatizar a fala do negro, podendo ser uma das variantes que o Brasil

     possui. Como exemplo, extraimos algumas falas das personagens de Morrisson (1987) e suas

    respectivas traduções (publicada pela editora Best Seller ):

    „Not a house in the country  ain‟t packed to its rafters with some dead Negro‟s grief. Welucky this ghost is a baby.‟ (p. 5)- Não existe uma casa no país que não esteja cheia da dor de algum negro morto. Temos

    sorte por esse fantasma ser um bebê. (p. 14)„ Now at Sweet Home, my niggers is men every one of em. Bought em thataway, raised emthataway. Men every one‟ (p. 10)Mas, em Sweet Home, os negros são todos homens. Comprei-os homens, criei-os comohomens. (p. 20)„ Beg to differ, Garner. Ain‟t no nigger men.‟ (p. 10)

    ²Para comparar a norma culta da língua com o dialeto Black English, consultar tabela 1.

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    - Por favor, Garner, considere a diferença. Não existem homens negros. (MORRISON,1987, p. 20)

    Vale também pontuar a ausência, na tradução, de um marcador muito importante que

    sinaliza bem a questão da posse do negro, várias vezes enfatizados na obra original, é o

     pronome possessivo my  (meu, minha, meus e minhas). O trecho “my niggers is men every

    one of em.” pontua bem a questão, sendo que na tradução observamos essa ausência: “os 

    negros são todos homens”. Podemos nos questionar se tal tradução para um termo com

    significado completamente diferente, e aqui cabe a tradução literal, foi feita de propósito ou

     por motivos de estética?

    Isso só a tradutora pode nos responder, porém, se a tradução fosse realmente voltada

     para transmitir um “retrato poético e cruel da condição do negro na época imediatamente

     posterior à guerra” como retrata a orelha do livro de Morrison (1987) traduzido, então seria

    necessário a preservação do dialeto e dos termos que marcavam o ódio contra o negro, a

    relação de posse e a resistência, essa por parte dos afro-descendentes, assinalada pela

    linguagem diferenciada. Uma vez que, se novamente considerarmos o mesmo trecho “retrato

     poético e cruel”, podemos concluir que a poeticidade foi omitida pela tradutora, sendo que

    Morrison poetizou a fala do afro-americano através do uso da variante dialetal.

    Em relação à tradução da obra de Walker (A Cor Púrpura), verificamos que ostradutores, Peg Bodelson, Betúlia Machado e Maria José Silveira, respeitaram o falar

    “diferente” dos personagens, não usaram a nor ma padrão brasileira, como na tradução da obra

    de Toni Morrison, sim uma variante comum na fala do brasileiro, que muitas vezes é chamado

    de “asno”, como o já citado Bagno (2007) salienta em sua obra. Seguem-se alguns trechos da

    obra original e de sua tradução:

     He say, she near twenty. And another thing –  She tell lies (p. 18). Ele fala, ela tá perto dos vinte. E outra coisa… Ela é mentirosa. (p.18) Know I‟m not as pretty or as smart as Nettie, but she say I ain‟t dumb (p. 19). Eu sei queu num sou nem tão bunita nem tão isperta quanto a Nettie, mas ela falou queu eunum sou boba. (p. 19)

     I lay there thinking bout Nettie while he on top of me, wonder if she safe  (WALKER, 1982; p. 21).Eu fiquei lá pensando na Nettie quanto ele tava em cima de mim, imaginado se ela tavasalva. (WALKER, 1986; p. 22)

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    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Depois de todas as ponderações sobre os conceitos de Estudos culturais, Estudos da

    Tradução e referentes à dialetologia ( Black English), vale dizer que o tradutor não deve

    realmente ser visto como gerador de um “trabalho menor”, sim como o canal  criativo que

    conduzirá o texto original dentro da língua de chegada, a portuguesa, de maneira a garantir

    sua preservação, principalmente quando se trata de questões linguísticas. (BASSNETT, 2003)

    O dialeto, que assim como uma língua marca a identidade de uma comunidade de falantes.

    Quando se trata dos Estudos Culturais, percebemos que é um campo de estudo em

    alta dentro de algumas universidades brasileiras, entretanto, quando nos voltamos para a

    escola pública percebemos que a literatura negra brasileira, indígena e a literatura regional

    não são muito valorizadas. As grandes discussões sobre o ensino na escola pública se referem

    à adequação do conteúdo com a realidade do aluno, entretanto, quando se fala em literatura

    não vemos essa adequação, uma vez que se escritores que expressam uma vertente social,

    como Conceição Evaristo, fossem inseridos no meio escolar, daí sim poderíamos falar em

    adequação e até mesmo em inclusão.

    Entendemos a importância do estudo de autores clássicos na escola, porém acontínua propagação de elementos clássicos não vai gerar um pensamento crítico atual. Com a

    inclusão da literatura regional e de cunho crítico que levanta questões sociais, os alunos terão

    mais suporte para engendrar discussões, que servirão para seu crescimento como cidadão

    constituinte de uma gama cultural muito abrangente. Além disso, o cidadão que é consciente

    de seu meio cultural (sua produção intelectual) dificilmente vai aderir a movimentos de

    diáspora, ou de supervalorização da cultura alheia.

    Lourenço (2007, p. 121) corrobora que temos sofrido o mesmo mal da reescrita do personagem Friday, da obra “ Robinson Crusoé”, “ele é mudo porque lhe cortaram a língua, e

    o outro, Crusoé, conta sua a história”. A autora diz que devemos contar nossa própria história

    de escravidão e de subserviência. As dominações que nós brasileiros sofremos foram tantas,

    como a política e as ditaduras, que não sabemos ainda com que “olhos vê-las e com que voz

    contá-las”; assim como as personagens de Morrison e Walker, citadas durante o texto,

    devemos contar nossa própria história, e “não esperar como Pecola3, que por um passe de

    3 Personagem da obra “The Bluest Eye” (O olho mais azul), de Toni Morrison, que como a maioria das meninasde sua época o sonho era ser como suas bonecas, ou seja, brancas e de olhos azuis.

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    mágica ou por um milagre qualquer tenhamos os olhos azuis e a tez alva”, adquirindo uma

    identidade cultural que não nos pertence.

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    ANEXO - RESUMO DAS OBRAS

    Amada, de Toni Morrison

    Em Amada, Sethe é uma mulher negra que vive com uma filha Denver e sua sogra

    Baby Suggs em uma misteriosa casa na Bluestone Road, Ohio; a 124, que outrora fora

    altamente procurada por todos na região, agora é movida por um ente sobrenatural,

    mostrando-se muito hostil, às vezes. Sethe arranjara um emprego como cozinheira em um

    restaurante “de brancos” e levava uma vida aparentemente sossegada e rotineira,  mesmo após

    a morte da sogra, até que uma maré de mudanças ocorre em sua vida.

    Primeiro chega Paul D, trazendo consigo a lembrança de toda uma história de vida

    em um lugar chamado Sweet Home e a presença masculina em uma casa que até o momento

    era habitada apenas por mulheres; Paul também traz segurança, uma vez que expulsa o

    fantasma do bebê que tanto assombra a 124; traz companheirismo, tendo em vista que após

    quebrar a cozinha da velha casa e expulsar o “tormento”, faz com que Sethe se entregue ao

    seu amor; além de um certo estranhamento por parte da jovem Denver, que por culpa desse

    estranho homem perdera a única companhia que tinha, já que ninguém os visitava e ela não

    ultrapassava os limites da propriedade.

    Depois, com a estranha chegada de uma moça, que após cair adoentada a única coisa

    que se lembra do passado é um nome, Amada. A moça muda todo o ritmo da 124, Denver

     passa a cuidá-la com todo zelo de uma irmã, pois finalmente achou uma pessoa para ser sua

    cúmplice e, de qualquer modo manteria sua mãe longe dela. Quando Amada finalmente serecupera, exceto a memória, começa a demonstrar um enorme interesse por Sethe, fazendo-

    lhe perguntas que só uma pessoa muito íntima sabe a respeito, e sempre vai esperá-la na volta

    do trabalho no restaurante. Denver, apesar de perceber esse estranho interesse de Amada por

    sua mãe, não comenta nada por temer que a moça os deixe.

    Amada causa sentimentos estranhos em Paul D, que, tendo “um pé atrás” a questiona

    sobre seu passado sempre que tem oportunidade. Algum tempo depois Paul D não consegue

    encontrar aconchego na casa, primeiro na cama de Sethe, depois na sala, no quarto que fora deBaby Suggs, até finalmente ir parar em uma casinha nos fundos.

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    Uma série de fatos marcantes, então, se sucede, primeiramente Amada e Paul D

     passam a dormir juntos na casinha dos fundos, em seguida, instigado por um recorte de jornal,

    Paul D questiona Sethe sobre a morte de um de seus filhos e a partida de dois deles, Howard e

    Buglar, e descobre a verdadeira história do declínio da 124, do desgosto de Baby Suggs, a

    santa, e da partida dos rapazes. Após perceber que a bem planejada fuga de Sweet Home (que

    outrora realmente foi um doce lar) fora mal sucedida, pois o Professor (que assumira a

    fazenda com a morte do proprietário, Sr. Garner) desconfiou do plano e acabou matando dois

    escravos e colocando outro em uma coleira de ferro. No meio dessa confusão, Sethe, incerta

    sobre o que ocorrera ao seu marido, decidiu fugir sozinha com os filhos (dois meninos, uma

    menina pequena e Denver, que ainda estava em seu ventre).

    Após várias tribulações deu a luz a Denver em meio à floresta, com a ajuda de uma

    moça branca, foi socorrida por um atravessador de fugitivos chamado Stamp Paid, que cuidou

    dela e a conduziu à casa de Baby Suggs. A mãe de Halle recebeu a nora e os netos com muito

    apreço, cuidou de todos os ferimentos de Sethe e do bebê, também mimou as crianças,

    inclusive pintou a escada de branco para que a menina maior (que começava a engatinhar)

     pudesse subi-la sem riscos. O verdadeiro perigo veio após uma pomposa festa na 124,

    causando tanta inveja por parte dos convidados, que no dia seguinte não se prestaram a avisar

    o pessoal da 124 sobre a chegada dos estranhos.

    O professor e alguns capangas localizaram o paradeiro da escrava e foram reavê-la;

    Sethe ao avistar o chapéu do professor, imediatamente pegou seus filhos e se fechou em uma

    casa nos fundos da propriedade. Momentos depois, quando Stamp Paid entrou no galpão sua

    visão foi totalmente aterrorizante, os dois meninos estavam caídos no chão, Sethe com uma

    mão segurava o bebê mais novo e com a outra segurava o outro bebê, de quem acabara de

    cortar a garganta, então com um movimento rápido Stamp agarrou a menina Denver que amãe acabava de jogar contra a parede. O professor tentou levar Sethe, mas não o fez, a polícia

    a levou, ficou presa por quinze anos, conseguindo manter Denver perto de si enquanto a

    amamentava, Howard e Buglar ficaram tão traumatizados que não saiam mais de perto um do

    outro, Baby Suggs perdeu completamente a vontade de viver, como antes vivia, rezando pelos

     bosques e pregando coisas boas aos amargurados.

    Após descobrir esses fatos, Paul D decide abandonar a 124, mas antes questiona

    Sethe porque ela assassinou a filha. Ela explica que preferia ver os filhos mortos ao permitirque sofressem tudo o que ela e os outros negros sofriam nas mãos dos brancos. O desespero e

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    o amor a levaram a isso. Com a saída de Paul D as três mulheres pareciam mais unidas do que

    nunca, se divertiam com diversas brincadeiras, tanto na casa quanto em um riacho perto dela;

    até o momento em que Denver começa a ser deixada de lado. Sethe, em certo momento

    começa a se questionar sobre Amada, logo começa a perceber o quão cega fora ao não notar

    que aquela era sua filhinha, agora quase adulta. Aquele rosto, as perguntas que a moça fazia.

    Sethe logo começa a dar tanta atenção à filha, tentado se redimir, que começa a

    chegar atrasada ao trabalho até o ponto em que é demitida. Começa a fazer todos os gostos de

    Amada, que age como uma menininha mimada, mas isso começa a mudar de figura quando

    começam a discutir, a ponto da moça quase bater em sua mãe. Denver logo percebe o quão

    dominadora sua irmã se torna e o quão deprimida e magra sua mãe acaba ficando; agora

    entende o que levou Sethe a fazer o que fez e preocupa-se com a falta de comida e recursos.

    Denver, então, resolve ultrapassar barreiras que antes não ultrapassava, retorna à rua

    sozinha, como quando era criança, para arranjar um emprego. Consegue reconhecer tudo o

    que vê, inclusive a casa da professora na qual frequentou algumas vezes, onde entra em busca

    de algo. A professora fica surpresa ao ver sua antiga aluna novamente e diante da história de

    Denver (que narrou o estado em que a mãe se encontrava) ofereceu um pouco de comida, mas

    não só naquele dia, mobilizou toda a vizinhança para ajudá-la e a cada dia Denver encontravano jardim um prato diferente.

    As mulheres daquela comunidade resolveram quebrar com todas as barreiras e

    rancores do passado e ir à luta para ajudar Sethe e Denver. No primeiro dia de trabalho de

    Denver, no qual seu patrão, o Sr. Bodwin (dono da velha casa da Bluestone Road), a tomaria

    em casa, um grupo de mulheres se reuniu e foi em conjunto para frente da 124, começaram a

    cantar, algumas de olhos fechado e outras olhando para o céu. Sethe e Amada logo

     perceberam a estranha movimentação e saíram da casa.

    As mulheres puderam ver Denver sentada na varanda e Sethe de mãos dadas com

    uma moça que de tão gorda parecia grávida. Sethe viu que alguém chegava de carroça e, ao

    ver um chapéu com abas que escondiam o rosto de seu dono, correu em direção à multidão,

    em suas mãos havia um picador de gelo, não permitiria que um homem branco levasse sua

    filha. Denver felizmente a impediu de fazer coisa pior ao Sr Bodwin, dono da casa em que

    moravam, patrão de Denver e adepto ao movimento anti-escravagista. Após esse incidente

    não se soube mais da misteriosa moça e Sethe não foi presa por seu ato de violência.

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    Com o misterioso desaparecimento de Amada as coisas tomaram rumos melhores

     para os moradores da 124, Denver trabalhava para os Bodwin e pretendia frequentar uma

    escola com a ajuda da senhorita Bodwin, Paul D retornou para cuidar de Sethe, que ainda

    lamentava o desaparecimento de Amada.

    A Cor Púrpura, de Alice Walker

    Em A Cor Púrpura, Celie é uma pobre moça negra, não muito bonita aos olhos das

     pessoas, quase analfabeta e, mesmo antes de sua mãe falecer, começa a ser estuprada pelo pai,

    que mesmo depois de se casar novamente não deixa de violentá-la. Como fruto desse

    relacionamento ilícito nascem dois filhos, ambos são tomados do colo da mãe e são entregues

    a um casal de religiosos que não conseguem gerar filhos. Mesmo debaixo de tanta dor Celie

    continua submissa ao pai e por causa da gravidez é forçada a abandonar os estudos, causando

    muita tristeza em sua irmã, que a encoraja a estudar em casa.

    O pai de Celie se mostra cada vez mais interessado na filha mais nova e quando

    aparece um homem, conhecido como Sinhô, pedindo-a em casamento ele não aceita, dizendo:

    “Ela é nova dimais. Num sabe de nada, só o  que a gente fala pra ela. Depois, eu quero que ela

    fique mais tempo na escola. Quero fazer uma professora dela”, porém, diz que Sinhô pode

    levar a mais velha (Celie), “Ela pricisa casar primeiro. Ela também num é mocinha (...) Ela já

    foi manchada. Duas vezes. (...) Ela é feia. Ele fala. Mas num istranha o trabalho duro. E é

    limpa. E Deus já deu um jeito nela.” (1986, p. 18)

    Sinhô acaba concordando em levar a moça feia, e no momento que deixa a casa Celiefica preocupada com o destino de sua irmã, que dias depois consegue fugir e pedir abrigo na

    casa de Sinhô. Ao chegar à casa de seu marido, Celie recebe mais um duro golpe da vida, os

    filhos dele não gostam nenhuma pouco dela, além disso, o serviço doméstico é bem pesado.

    Além de ter que suportar um marido omisso e violento, que praticamente a estupra todos os

    dias. Mas ela não reclama de nada, a única coisa que ouve suas amarguras é o papel, ela

    escreve para Deus todos os dias.

     Nettie fica na casa de Sinhô por alguns dias, ele sempre fica de olho nela, até que umdia a manda embora, pois ela rejeita seus carinhos. Esse é um dos momentos mais difíceis

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     para Celie, mas ela não reclama, pede apenas que sua irmã escreva sempre que puder, o que

    não acontece durante muitos anos.

    Algum tempo depois, outra pessoa especial aparece na vida da Celie, desde o primeiro dia em que vê o retrato de Docí Avery não para de pensar em conhecê-la, até que

    certo dia ouviu rumores de que a mulher do retrato estava na cidade, viria com toda sua

    companhia musical, e sinhô foi vê-la, arrumou-se especialmente para isso, Celie parecia não

    se importar muito, pois inclusive ajudou-o a se arrumar. Docí estava muito doente e ninguém

    queria cuidá-la, então, Sinhô decide levá-la para sua casa, Celie ficou demasiadamente

     perplexa e ao mesmo tempo entusiasmada com a presença da “Rainha das Abelhas de Mel”,

    como costumavam chamá-la.

    “Ela ta descendo entre o Harpo e Sinhô. E ela tá vistida linda de morrer. Ela tá com

    um vistido de lã vermelho e o peito cheio de contas preta. Um chapéu preto brilhantecom o que parece uma pena de gavião (...) Entra, eu quero gritar. Berrar. Entra. Com aajuda de Deus Celie vai fazer você ficar boa. Mas eu num digo nada (...) Também,ninguém me pergunta nada.” (WALKER, 1986, p. 57)

    Logo, apesar de Docí ser muito brava e dominadora (principalmente com o Sinhô ou

    Albert, como ela mesmo chamava), Celie toma conta dela e acaba adquirindo a confiança da

    mulher que seu marido tanto ama.

    Uma coisa muito boa acontece à Celie, tudo o que ela fez àquela mulher foi

    retribuído através de uma canção que recebeu seu nome, além disso Celie recebeu uma coisa

    que só havia sentido por parte de sua querida irmã, mas totalmente diferente do carinho que as

    irmãs costumam dar, um carinho que nem um dos homens que a tocaram lhe deram, talvez se

    entregou a essa paixão com Docí por ter recebido só coisas ruins dos homens, ou talvez

     porque isso era o que ela sempre quis, mesmo que inconscientemente. Mas Docí logo que fica

     boa vai embora, Celie tenta acompanhá-la, mas não consegue se desprender dos laços

    dominadores do marido.

    Em alguns meses Docí acaba voltando, porém, agora, já casada, mas mesmo assim

    ela e Celie continuam dormindo juntas, e em um desses dias Docí começa a fazer perguntas a

    respeito de Nettie. Celie conta-lhe tudo, inclusive sobre a promessa da irmã de lhe escrever, e

    que, porém nunca recebeu nada.

    Docí Avery fica desconfiada de Sinhô, principalmente quando Celie diz que ele não permitia que ela recebesse o correio. Então, aproxima-se dele e consegue pegar uma carta de

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    seu bolso, mas Celie, mesmo tendo provas da omissão do marido, não acredita que ele seja

    capaz de privá-la de notícias da pessoa que ela mais ama. Sinhô havia escondido todas as

    cartas de Nettie por muitos anos, e Celie fica tão furiosa que quase faz uma besteira, por sorte

    Docí não permitiu que fizesse o que pretendia com uma navalha nas mãos, enquanto barbeava

    o marido.

     Nettie, de acordo com as cartas, estava razoavelmente bem, havia sido acolhida pelo

    casal de religiosos e foi com eles para a África como babá das duas crianças, Adam e Olívia,

    que ela tinha quase certeza serem filhos de sua irmã. Nas correspondências relata o quão

    difícil era lidar com os nativos, também fala sobre dificuldades em meio à tribo, como a

    construção de uma estrada que fez com que todo aquele povo fosse expulso de sua terra, os

     problemas que Adam enfrentou com uma moça da tribo, de quem gostava, e também da morte

    de Corrine, esposa do religioso (Samuel), porém, há alegrias também, como a união entre

     Nettie e Samuel, mais tarde, e entre Adam e Tashi.

    As cartas fizeram com que a esperança crescesse novamente em Celie, que, para

     parar de pensar em vingança, começa a costurar junto com Docí, as duas começam a fazer

    calças femininas. Mas é também através dessas cartas que Celie descobre toda a verdade

    sobre sua vida, descobre que o homem que abusava dela na verdade não era seu pai, logo,seus filhos não eram seus irmãos; descobre também que seu verdadeiro pai foi linchado por

    comerciantes brancos de sua cidade que não aceitaram perder sua clientela para um negro,

    uma vez que o verdadeiro pai de Celie era muito rico e próspero.

    Quando Docí resolve ir embora novamente, chama Celie para acompanhá-la, ela

    acaba aceitando sem titubear. Antes da partida, enquanto todos estavam reunidos para um

    almoço, Docí Avery conta ao Albert (Sinhô) que a Celie iria junto com ela para Memphis, ele

    tenta contestar, mas Celie finalmente disse tudo aquilo o que seu coração precisava dizer:

    “Você é um cão ordinário, é isso que tá errado, eu falei. Já é hora de deixar você ecomeçar a viver. E o seu cadáver será o bom começo que eu priciso (...) Você afastouminha irmã Nettie para bem longe de mim, e ela era a única pessoa no mundo que meamava. (...) Mas Nettie e meus filhos logo vão voltar pra casa, eu falei. E quando elavoltar, a gente se junta pra dar uma surra em você.” (WALKER, 1986, p. 222)

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    Ele tenta de tudo para não perder sua “pose” de marido, primeiro ameaça bater na

    mulher, que revida avançando com uma faca, depois, em coro com outros homens que estão à

    mesa, começa a dizer coisas que as mulheres não devem fazer aos homens, e diante disso

    várias mulheres começam a rir da cara deles. E quando ela esta de partida Sinhô tenta mais

    uma vez humilhá-la.

    “Sinhô tentou fazer de conta que ele num tava importando deu ir embora. Você vai voltar elefalou. Num tem nada lá no norte pruma pessoa como você. A Docí tem talento, ele falou. Elacanta. Ela tem garra. (...) Docí faz vista, ele falou. Quando ela levanta as pessoa olham praela. Mas você, o que você tem? Você é feia. Magricela. Você tem um jeito engraçado. Vocêé medrosa dimais pra abrir a boca na frente das pessoa. (...) Você também num é boacuzinheira. (...) E também ninguém é tão louco ou atrasado pra querer casar com você. Oque você vai fazer? Impregar numa roça?” (WALKER, 1986, p. 228)

    Mas Celie é mais forte que a pressão imposta, não cede às chantagens do marido,

    inclusive o pragueja por causa de tudo o que ele havia feito a ela. Em Menphis começa a levar

    uma vida diferente, primeiro faz calças para os amigos, depois quando todos começam a ver

    as peças de roupa, principalmente as que a Docí usa, os pedidos começam a chegar aos

    montes; ela, então, abre um ateliê.

    Algum tempo depois volta à casa de Sinhô e descobre que ele estava levando uma

    vida diferente, mas ela não acredita muito de começo, mas com o tempo e com a perda de

    Docí (que havia encontrado um rapazote), Sinhô e Celie começam a se relacionar

    cordialmente, inclusive costuram juntos, os dois passam horas a fio falando sobre o que

    gostam em Docí. O Sinhô

    “... falou que ama o jeito dela. Ele falou que, pra falar a verdade, Docí tem mais jeito dehomem que a maioria dos homens. Eu quero dizer que ela é direita, honesta. Fala o que

     pensa e o diabo que leve o resto, ele falou. Você sabe que a Docí é de briga, ele falou. (...)Ela tá dicidida a viver a vida dela e ser ela mesma num importa o que.” (WALKER, 1986, p.294)

    Além dessa mudança de consciência por parte de Albert, que causa uma aproximação

    dos dois, Celie acaba herdando a casa em que passou sua infância. Com a morte do padrasto,ela e Nettie eram as únicas herdeiras da propriedade e do lugar que fora a loja de ferragens de

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    seu verdadeiro pai, onde posteriormente Celie transforma em sua loja de calças. Ainda, para

    completar o quadro de reviravoltas na trajetória dessa mulher sofredora, sua irmã consegue

    voltar para casa com toda sua nova família, esse é um dia muito especial para ambas.

    “Aí o carro parou debaixo das árvores do quintal e todas aquelas pessoas vistida como

    velhos saíram do carro. Um homem alto e grande de cabelo branco com um colarinho branco engomado, uma mulher gordinha com o cabelo branco arrumado com trança no altoda cabeça. Um jovem alto e duas jovem bem robusta. (...) Nessa altura meu coração tava naminha boca e eu num conseguia mexer. (...) Aí nós duas começamo a gemer e a chorar.Corremo uma prá outra como a gente fazia quando era criança. Mas a gente tá se sentindotão fraca que quando tocamo uma na outra nós duas caímo. Mas o que importa? Nóssentamo e ficamo lá na varanda um nos braço da outra.” (WALKER, 1986, p. 313)