Artigo - Quilombolas e o Multiculturalismo

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    O RECONHECIMENTO DO DIREITO TERRA DOS QUILOMBOLAS A PARTIR

    DO MULTICULTURALISMO DOS DIREITOS HUMANOS

    THE ACKNOWLEDGMENT OF PROPERTY TO THE DESCENDENTS OF THEANCIENT QUILOMBOSIN THE HUMAN RIGHTS MULTICULTURALISM

    RESUMO

    O reconhecimento do direito terra para a comunidades remanescentes dos antigos quilombos uma exigncia do constitucionalismo fraternal, expressamente positivado nos termos do art.68 do Ato das isposi!"es #onstitucionais $ransit%rias. Os quilombolas constituem relevanteminoria, sendo que a inclus&o de tais atores sociais afigura'se como essencial para aconcreti(a!&o dos ob)etivos da *ep+blica, em especial a constru!&o de uma sociedade sem

    preconceitos. O presente texto tem o ob)etivo de investigar os limites da aplica!&o domencionado dispositivo, analisando o conceito arqueol%gico e moderno de quilombos- astransforma!"es no significado da igualdade e da propriedade ao longo dos paradigmas liberal,social e fraternal do constitucionalismo- o multiculturalismo dos direitos humanos deoaventura de /ousa /antos. 0inalmente, o estudo dos critrios de identifica!&o de taiscomunidades essencial, pois a partir da correta caracteri(a!&o de tais atores sociais que a

    prote!&o constitucional pode incidir. O texto busca demonstrar o desacerto da caracteri(a!&odo quilombo como realidade arqueol%gica estanque, bem como assentar a correi!&o docritrio da auto'atribui!&o como leg1timo meio para a abertura de um di2logo intercultural.

    PALAVRAS-CHAVE quilombolas- multiculturalismo- auto'atribui!&o.

    ABSTRACT

    $he ac3no4ledgment of propert5 to the descendents of the ancient quilombosconsists in ademand of the fraternal constitutionalism, as expressed in the art. 68 of the ra(ilian#onstitutions transitor5 dispositions. $hat group consists in a relevant minorit5, 4hich

    )ustifies the inclusion of them as social actors essentials to the concreti(ation of the *epublicob)ectives. $he present text has the proposal of investigating the limits to application of theart. 68, anal5(ing the classic and modern concept of quilombos- the transformation in the

    understanding of equalit5 and propert5- the human rights multiculturalism of oaventura de/ousa /antos. At last, the stud5 of the quilombosrecognition criterions is essential to achievethe correct characteri(ation of them, in the 4a5 of obtaining the #onstitution protection. $histext aims to demonstrate that 7 the classical concept of quilombos is 4rong- 9 the self'declaration criterion of identification is a correct 4a5 to achieve a multicultural dialogue.

    KEY-WORDS quilombos- multiculturalism- self'declaration.

    1. Intr!"#$

    /abe'se que a #onstitui!&o 0ederal de 7:88 previu em seu art. 68 do Ato dasisposi!"es #onstitucionais $ransit%rias ;A#$ o direito dos remanescentes das

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    comunidades dos quilombos propriedade de tais terras, cabendo ao m rela!&o necessidade de desapropria!&o,entende'se que AE deve ser )ulgada procedente, pois a #onstitui!&o, de fato, n&o condicionou a emiss&o dot1tulo de propriedade desapropria!&o, sendo necess2ria, no entanto, indeni(a!&o ao antigo propriet2rio. Asquest"es em torno da inconstitucionalidade formal e da desnecessidade de desapropria!&o n&o ser&o abordadasno presente estudo, ante a completa falta de pertinncia com o ob)eto da investiga!&o ora proposta. ?$O, aniel. Territrios quilombolas e Constituio: a ADI 3.239 e aConstitucionalidade do Decreto 4.!"#3. ispon1vel em httpII6ccr.pgr.mpf.gov.brIdocumentos'e'

    publicacoesIdocsJartigosI$erritoriosJKuilombolasJeJ#onstituicaoJr.JanielJ/armento.pdf. Acessado em 9Dde novembro de 9C79.

    http://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdfhttp://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdfhttp://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdfhttp://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdf
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    conceito de quilombo. ?esse ponto, uma breve an2lise sobre as diversas concep!"es do direito

    propriedade e igualdade ser2 lan!ada, chegando'se s contemporLneas concep!"es

    fraternais.

    >m seguida, os critrios de identifica!&o acima elencados ser&o analisados

    lu( do multiculturalismo, com especial aten!&o para a auto'atribui!&o, numa perspectiva,

    principalmente, voltada para a prote!&o dos direitos humanos. emonstrar'se'2 como o

    referido critrio de identifica!&o converte'se no ponto de partida do di2logo intercultural

    proposto por oaventura, real!ando'se, ainda, que os demais critrios identificat%rios est&o

    todos previstos na #onven!&o n@ 76: da Organi(a!&o Enternacional do $rabalho ;OE$, em

    plena vigncia no rasil.

    0inalmente, buscar'se'2 sustentar que a concreti(a!&o do art. 68 do A#$

    somente ser2 poss1vel se o paradigma acerca da busca arqueol%gica da reconstru!&o de fatos

    for substitu1do pelo paradigma da constru!&o argumentativa da verdade.

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    O constitucionalismo e o >stado de ireito, no entanto, n&o surgiram

    preocupados com tais considera!"es de amor ao pr%ximo. ?esse sentido, para se compreender

    o constitucionalismo fraternal do >stado emocr2tico de ireito, deve'se tra!ar uma breve

    evolu!&o, do constitucionalismo liberal ao social, com as respectivas marcas no >stado

    Hiberal e /ocial.

    = conhecido o marco inicial do constitucionalismo cl2ssico, apontado por

    diversos autores a partir das revolu!"es americana de 7BB6 e francesa de 7B8:. $al

    abordagem, no entanto, encontra'se incompleta, como sustenta almo de Abreu allari. xigia'se, unicamente, um

    absente1smo estatal para a prote!&o dos direitos civis.

    A interpreta!&o meramente formal da igualdade seria o ob)eto do maior

    descontentamento da sociedade com o constitucionalismo liberal, quando do agravamento das

    srias tens"es sociais surgidas com o desenvolvimento da *evolu!&o Endustrial. 0icou evidente a

    necessidade de se prover um m1nimo de igualdade material aos indiv1duos, considerando que, de

    fato, h2 desigualdade entre os homens. A f%rmula liberal, assim, aplicada isoladamente, consistiria

    em mera ret%rica. Tanha for!a, desse modo, uma concep!&o material dos direitos, determinando

    3AHHA*E, almo de Abreu.A Constituio na &ida dos (o&os * da idade m+dia ao s+culo ,,I. /&o /,

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    uma postura ativa, prestacional, do >stado no sentido de promover, por exemplo, a igualdade

    material entre os indiv1duos.

    = na terceira fase dessa evolu!&o, no entanto, quando se vai encontrar a

    )ustificativa para o reconhecimento de direito s minorias, como mulheres, crian!as, idosos, 1ndios

    e remanescentes das comunidades dos quilombos. O constitucionalismo fraternal aquele que

    reconhece a diferen!a entre os homens e n&o tenta assimil2'lo, mas sim respeit2'lo. 0ixam'se

    regras b2sicas de convivncia, como o respeito aos direitos fundamentais e democracia e, uma

    ve( cumpridas essas condi!"es, aquela minoria, substancialmente diferente da maioria, tem total

    direito de viver sua vida de acordo com suas cren!as e convic!"es.

    #arlos A5res ritto sinteti(a o constitucionalismo fraternal do seguinte modo

    >fetivamente, se considerarmos a evolu!&o hist%rica do #onstitucionalismo,podemos facilmente a)ui(ar que ele foi liberal, inicialmente, e depois social.#hagando, nos dias presentes, etapa fraternal da sua existncia. esde queentendamos por #onstitucionalismo 0raternal esta fase em que as #onstitui!"esincorporam s franquias liberais e sociais de cada povo soberano a dimens&o da0raternidade- isto , , !')+n%$ !,% ,#2+% +%t,t,'% ,'r),t'3,%, que s&o atividadesassecurat%rias da abertura de oportunidades para os segmentos sociaishistoricamente desfavorecidos, como, por exemplo, os negros, os deficientes f1sicose as mulheres ;para alm, portanto, da mera proibi!&o de preconceitos. e par comisso, o constitucionalismo fraternal alcan!a a dimens&o da luta pela afirma!&o dovalor do esenvolvimento, do Feio Ambiente ecologicamente equilibrado, daemocracia e at de certos aspectos do urbanismo como direitos fundamentais.$udo na perspectiva de se fa(er da intera!&o humana uma verdadeira comunidade.Esto , "), 0)"n4$ !+ 3'!,, pela conscincia de que, estando todos em ummesmo barco, n&o tm como escapar da mesma sorte ou destino hist%rico.

    /e a vida em sociedade uma vida plural, pois o fato que nin)u+m + c(ia $iel denin)u+m, ent&o que esse pluralismo do mais largo espectro se)a plenamente aceito.Fais at que plenamente aceito, que ele se)a cabalmente experimentado e

    proclamado como valor absoluto. > nisso que se exprime o n+cleo de umasociedade fraterna, pois uma das maiores violncias que se pode cometer contraseres humanos negar suas individuali(adas preferncias estticas, ideol%gicas,

    profissionais, religiosas, partid2rias, geogr2ficas, sexuais, culin2rias, etc. Assimcomo n&o se pode recusar a ningum o direito de experimentar o esenvolvimentoenquanto situa!&o de compatibilidade entre a rique(a do specificamente no Lmbito do reconhecimento do direito propriedade aos

    remanescentes das comunidades quilombolas, percebe'se, no contexto do constitucionalismo

    fraternal, o acerto do constituinte de 7:88 em consagrar a norma prevista no art. 68 do A#$.

    Hevando em conta o passado de forte exclus&o vivido pelas comunidades

    quilombolas ou seus remanescentes, seu passado de resistncia opress&o bem como suas

    especiais e pr%prias formas de fa(er, viver e criar, tem'se a caracteri(a!&o de um grupo com

    cultura pr%pria, diferente da maioria circundante. Alm disso, a 1ntima rela!&o com a terra em que

    5*E$$O, #arlos A5res. Teoria da constituio. *io de Vaneiro 0orense, 9CCD. p, 976'97B.

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    habitam ou pretendem habitar torna ainda mais necess2ria a existncia do art. 68, pois, como se

    sabe, muitas das consequncias nefastas da escravid&o perduram at ho)e.

    2.2 A r+%%'/n''0,#$ ! !'r+'t 5 '/",(!,!+ + !+ rr'+!,!+

    $ra!ada a evolu!&o do constitucionalismo liberal, social e democr2tico, deve'se ter

    em mente que os direitos consagrados nos mais diversos ordenamentos )ur1dicos sofrem nova

    leitura sempre que se tem o advento de um novo paradigma. ?o presente texto, essencial a

    an2lise da mudan!a de entendimento operada em torno da igualdade e da propriedade.6

    >m rela!&o igualdade, o estudo se )ustifica porque a partir do reconhecimento

    da diferen!a entre os diversos grupos formadores da sociedade brasileira que se pode cogitar da

    implementa!&o de pol1ticas p+blicas e consequente concreti(a!&o de direitos fundamentais que

    tratem com o devido respeito essas minorias. #om isso, busca'se afastar qualquer tendncia de

    assimila!&o dessas minorias pela maioria hegemGnica.

    ?esse sentido, a igualdade evoluiu de um aspecto meramente formal, como antes

    mencionado, para uma concep!&o material e, finalmente, fraternal ou inclusiva.B A igualdade

    liberal contentava'se com a mera afirma!&o legal de que todos s&o iguais perante a lei, sendo um

    avan!o em face do fim dos privilgios de classe. >sse avan!o, no entanto, foi parcial, se)a por n&o

    se ter conferido direitos pol1ticos ampla maioria da popula!&o ou por n&o se ter levado em

    considera!&o as graves diferen!as econGmicas existentes entre os homens.8

    A primeira releitura ao princ1pio da igualdade foi determinada pelo advento do

    >stado /ocial, como assenta aniel /armento, nestes termos

    O advento do >stado /ocial, )2 no sculo QQ, provocou no mundo todo umareleitura do princ1pio da igualdade. A crescente interven!&o estatal na seara dasrela!"es econGmicas foi acompanhada por uma preocupa!&o maior com a igualdadematerial. Aos poucos, os >stados e as constitui!"es v&o reconhecendo novos direitosvoltados para a popula!&o mais pobre, que envolviam presta!"es positivas edemandavam uma atua!&o mais ativa dos poderes p+blicos, voltada para a garantiade condi!"es m1nimas de vida para todos. O culto autonomia da vontade no campo

    6

    O tema se insere no estudo das Ngera!"es de direitos fundamentais e da recorrente cr1tica a essa nomenclatura,preferindo'se a express&o Ndimens"es, a fim de afastar qualquer interpreta!&o que leve conclus&o de que anova gera!&o revoga as conquistas da gera!&o anterior, de acordo o principal te%rico brasileiro sobre o assunto,videntemente, o ob)eto do preste artigo n&o analisar as diversas dimens"es de direitosfundamentais. /obre o tema, conferir O?AUE>/,

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    negocial e a prote!&o exacerbada da propriedade privada cederam espa!o para umdireito mais intervencionista, que se valia com frequncia cada ve( maior de normascogentes para prote!&o das partes vulner2veis, como se v, por exemplo, no ireitodo $rabalho, novo ramo da cincia )ur1dica que se emancipou do ireito #ivil na erado 6el$are 7tate.:;destaque no original

    O aspecto prestacional da atividade estatal levou a uma verdadeira infla!&o

    legislativa, uma ve( que o >stado havia se alargado nas suas fun!"es e finalidades, na tentativa de

    alcan!ar os novos ob)etivos postos pelo bem estar social. A prote!&o ao trabalhador, como

    mencionado por aniel /armento, foi uma das marcas do per1odo, criando'se um sistema de

    previdncia social para a supera!&o de certos infort+nios, bem como garantindo, atravs da lei,

    direitos que pudessem tornar menos desigual a rela!&o empregador'trabalhador. Ue)a'se, portanto,

    que o fundamento b2sico da leitura social da igualdade era o reconhecimento de desigualdades

    econGmicas entre os homens.

    ?o final do sculo QQ o est2gio atual da isonomia come!a a ganhar contornos

    cada ve( mais n1tidos. /em negar o avan!o da doutrina social, a qual reconheceu as diferen!as

    econGmicas entre os homens, constata'se que o >stado /ocial n&o despendera a mesma aten!&o

    com outras minorias, diferenciadas das classes hegemGnicas em face, por exemplo, de possu1rem

    uma cultura pr%pria.7C

    ?esse sentido, somente nesta terceira fase evolutiva os remanescentes das

    comunidades de quilombos poderiam reivindicar o reconhecimento de seus direitos. Afastando'sede uma concep!&o integracionista, a qual reconhecia a diferen!a, mas n&o a respeitava, tem'se o

    surgimento do multiculturalismo como forma de alcan!ar o constitucionalismo fraternal antes

    estudado.

    >m rela!&o ao direito propriedade, a simples leitura do art. 68 do A#$ )2

    demonstra que esses remanescentes de antigas comunidades quilombolas apresentam 1ntima

    rela!&o com a terra em que ocupam ou ocupavam, a ponto de se )ustificar a emiss&o do

    correspondente t1tulo de propriedade sobre a mesma.

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    determinado quem pode ser titular do direito, deve'se analisar quais os poderes, direitos e deveres

    agora submetidos ao propriet2rio e ao restante da sociedade.7779

    #omo ser2 visto adiante, no constitucionalismo de terceira gera!&o que a

    diferen!a entre o direito propriedade e direito de propriedade ganha mais relevo. ?esse

    terceiro paradigma, at mesmo grupos tnicos historicamente discriminados ter&o reconhecido

    seu direito propriedade.

    Eniciando a linha evolutiva, tem'se que propriedade liberal concebida como

    absoluta. Atravs dela, o su)eito pode usar, go(ar, dispor da coisa, bem como persegui'la de quem

    in)ustamente a possua ou detenha sem qualquer limita!&o de ordem interna. >ventuais restri!"es

    decorreriam, unicamente, de imposi!"es administrativas, como as decorrentes do poder de pol1cia,

    sendo, portanto, externas ao direito de propriedade.7D

    >ssa concep!&o informou a declara!&o dedireitos do homem e do cidad&o de 7B8:, o #%digo #ivil ?apoleGnico e o #%digo #ivil brasileiro

    de 7:76.

    m verdade, todas as concep!"es acerca do direito de propriedade s&o hist%ricas, n&o

    podendo se desvincular esse direito de sua realidade sub)acente. ?esse sentido

    A condi!&o absoluta da propriedade somente pode ser entendida como forma de

    supera!&o da realidade pr'revolucion2ria, portanto vinculada ao contexto de suapoca, o que explica os seus excessos. A manuten!&o desta perspectiva parcial,entretanto, somente pode ser )ustificada pelo aspecto ideol%gico de que se revestiu a

    11*O#SA, #armn H+cia Antunes. / (rinc1(io constitucional da $uno social da (ro(riedade. En. *evistaHatino'Americana de >studos #onstitucionais, n+mero 9, )ulhoIde(embro de 9CCD, p, RD'R:. Nireito de

    propriedade o regime )ur1dico que incide sobre a propriedade, quer di(er, sobre a liga!&o havida entre opropriet2rio e o bem ob)eto submetido sua vontade e disposi!&o, nos termos )uridicamente havido comov2lidos. O que se denomina direito de propriedade , pois, um regime de direito, con)unto de deveres, direitos eresponsabilidades decorrentes do uso ;ou do n&o uso, do dispor ou do fruir de algo que se su)eita a umadestina!&o e que, afetando determinada finalidade havida como pr%pria no sistema )ur1dico, h2 que se cumprirsegundo os des1gnios do propriet2rio e os ditames da norma )ur1dica. >m rela!&o ao direito propriedade N?a

    segunda express&o se contm o direito que determinado sistema assegura a todos os que cumpram os requisitos econdi!"es previstos no ordenamento de virem a se tornar propriet2rios de bem, ou se)a, de vir a titulari(ar odireito de propriedade. A autora ainda aponta a diferencia!&o entre aqueles conceitos e o de propriedade em siconsiderado. ?esse sentido No latim(ro(rietas, propriedade significa algo inerente a uma pessoa ou ob)etoespecificado, quer di(er, atributo que singulari(a, identificando a pessoa ou o bem, aquilo que configuracaracter1stica determinante e distintiva concernente a algum ou a alguma coisa. esse sentido etimol%gicosurgiu a compreens&o de ser a propriedade algo que identifica, distingue e caracteri(a um bem ou a rela!&o destecom outro, ou o cuidado de uma pessoa sobre um bem.12Vo&o Huis ?ogueira Fatias, partindo do texto constitucional, tambm fa( a diferencia!&o estudada. #omo sesabe, a #onstitui!&o prev o direito de propriedade no artigo R@, caput e incisos QQEE e QQEEE, bem como noartigo 7BC, incisos EE e EEE. A partir dessa divis&o poss1vel entender a diferencia!&o discriminada, no sentido deque se protege Na propriedade como forma de reali(a!&o pessoal ;direito propriedade e como instrumento paraexerc1cio da atividade econGmica ;direito de propriedade. FA$EA/, Vo&o Huis ?ogueira. / $undamentoecon8mico e as no&as $ormas de (ro(riedade. In: studos de direito de (ro(riedade e meio ambiente . FA$EA/,Vo&o Huis ?ogueira- [A#SO[E#Y, Farcos ;coord. 0lorian%polis 0unda!&o oiteux, 9CC:. p, 7CB'7C8.13$>E?O, Tustavo.A $uno social da (ro(riedade e o meio ambiente. *evista $rimestral de ireito #ivil,v. DB. p. 7DD, 9CC:.

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    O ineg2vel avan!o acerca do reconhecimento de uma fun!&o social da

    propriedade tambm padecia da mesma vis&o parcial da isonomia material, a saber, uma

    preocupa!&o marcantemente econGmica, no sentido de se garantir a propriedade aos mais

    pobres, que dela quisessem tirar seu sustento.

    #om o constitucionalismo fraternal, a propriedade ganha novas fun!"es, alm

    da social. Assim, a propriedade passa a ter uma fun!&o ambiental, porque informada por este

    direito fundamental t1pico da terceira gera!&o78. >ssa funcionali(a!&o, no entanto, n&o se

    redu( a essa nova ressignifica!&o unicamente na seara ambiental. *etomando os conceitos de

    direito de propriedade e de direito propriedade, tem'se que este +ltimo conceito vai

    encontrar sua maior consagra!&o na terceira fase do constitucionalismo.

    *econhecendo'se a acep!&o de direito propriedade como aquele direitofundamental de todos ;n&o importando a ra!a, cor, sexo ou etnia possu1rem algo que possam

    classificar como Nseu, )2 se come!a a perceber o avan!o lan!ado pelo novo paradigma, o

    qual n&o se prende unicamente s quest"es econGmicas. ?&o se quer com isso di(er que no

    Lmbito do >stado /ocial inexistia o direito propriedade. O que se sustenta que esse direito

    ganhou uma amplitude ainda maior no constitucionalismo fraternal a ponto de se garantir a

    propriedade para grupos tnicos historicamente perseguidos. #ertamente um alargamento

    conceitual desse tipo n&o fora concebido no paradigma anterior.A imposi!&o ao ?>/, Tilmar 0erreira- #O>HSO, Enocncio F2rtires-

    *A?#O, d. /&o

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    /em d+vida alguma a delimita!&o conceitual do termo Nquilombos essencial

    para a compreens&o do art. 68 do A#$ e dos critrios postos no ecreto .88BI9CCD para

    identifica!&o dos remanescentes daquelas 2reas. /obre o tema, duas principais correntes

    conceituais se apresentam a primeira prop"e uma leitura arqueol%gica do termo, nos moldes em

    que classicamente concebido, enquanto a segunda apregoa uma evolu!&o interpretativa.

    9.1 O 0n0+'t ,r&"+(7/'0 !+ &"'()*

    O termo quilombo possui defini!&o cl2ssica, atrelada legisla!&o repressiva do

    per1odo imperial brasileiro. ?esse sentido, quilombo foi concebido como Ntoda habita!&o de

    negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que n&o tenham ranchos

    levantados e nem se achem pil"es nele. $al conceito, de acordo com a informa!&o de Alfredo

    [agner erno de Almeida, foi formulado como uma Nresposta ao rei de o quinto seria essa premissaNnem se achem pil"es nele. Kue significa Npil&o nesse contextoZ O pil&o,enquanto instrumento que transforma o arro( colhido em alimento, representa os1mbolo do autoconsumo e da capacidade de reprodu!&o. /ob esse aspecto, gostariade sublinhar que foi a partir de uma pesquisa sobre conflitos envolvendo fam1lias

    camponesas, que representam simultaneamente unidades familiares detrabalhoIprodu!&o e de consumo, que cheguei s denominadas terras de (reto. Mmdado de pesquisa que nessas situa!"es sociais o pil&o tradu( a esfera de consumo econtribui para explicar tanto as rela!"es do grupo com os comerciantes que atuamnos mercados rurais quanto sua contradi!&o com a grande planta!&o monocultora.Ali2s, ao contr2rio do que imaginaram os defensores do Nisolamento como fator degarantia do territ%rio, foram essas transa!"es comerciais da produ!&o agr1cola eextrativa dos quilombos que a)udaram a consolidar suas fronteiras f1sicas, tornando'as mais vi2veis porquanto acatadas pelos segmentos sociais com que passavam ainteragir.97;destaques no original

    20AHF>EA, Alfredo [agner erno de. /s quilombos e as no&as etnias. En uilombos * identidade +tnica eterritorialidade. O[^>*, >liane #antorino ;Org.. *io de Vaneiro 0unda!&o 0TU, 9CC9. p, B.21Edem. p, 8':. O intuito de Alfredo [agner erno de Almeida, no seu artigo ora em estudo, desconstruiresse conceito Nfrigorificado de quilombo.

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    O conceito proposto, como ser2 visto, sofreu diversas impugna!"es,

    apresentando varia!"es que culminaram, hodiernamente, com o reconhecimento dos

    quilombolas como entidade tnica su)eita prote!&o estatal. Mma dessas varia!"es apontada

    no trecho transcrito, referindo'se diminui!&o do n+mero de escravos fugidos para fins de

    caracteri(a!&o dos quilombos. Alm disso, o pr%prio conceito como um todo fora abandonado

    quando do advento da *ep+blica, como se, num passe de m2gica, simplesmente n&o mais

    existissem os quilombos.99

    ?o contexto das cr1ticas lan!adas ao conceito, pode'se assentar que a ideia de

    fuga como +nico meio de forma!&o dessas comunidades incompleta.9D ?&o foram raras

    opera!"es como as de doa!&o, principalmente em face da crise econGmica que atingiu o pre!ode produtos como algod&o e cana'de'a!+car, fa(endo com que diversos engenhos fossem

    desarticulados, com o consequente abandono ou doa!&o de tais bens, pelos grandes

    propriet2rios, aos escravos. Alm disso, estes, simplesmente, ocupavam tais terras

    abandonadas, existindo, ainda ho)e, testamentos e invent2rios comprovando essa forma de

    aquisi!&o da propriedade.9

    Outra cr1tica feita ao conceito refere'se necess2ria distLncia entre o quilombo

    e o restante da sociedade, notadamente da casa do senhor de engenho. ?ovamente, oargumento econGmico serve para )ustificar a presente impugna!&o, pois, como a diminui!&o

    do poder dos grandes propriet2rios, estes n&o mais puderam conter o avan!o e crescimento

    daquelas comunidades, as quais puderam se desenvolver at bem pr%ximo dos antigos locais

    de opress&o, como a casa'grande. O caso 0rechal um exemplo dessa constata!&o, pois tal

    quilombo fora constitu1do a 7CC metros da casa'grande.9R

    As duas +ltimas caracter1sticas do conceito em estudo, quais se)am, a

    habitualidade da moraria dos ocupantes dos quilombos bem como a utili(a!&o de tais terras

    que acabaram por diminuir os poderes dos senhores de engenho, fa(endo com que estes perdessem,gradativamente, a possibilidade de impor sua vontade violentamente aos escravos fugidos.22Edem. p, RD.23*O$S>?M*T, [alter #laudius.Direitos dos descendentes de escra&os ;remanescentes das comunidadesde quilombos?$O, aniel- E\A[A, aniela-/A?, 0l2via ;Orgs.. *io de Vaneiro Humen Vuris, 9CC8. p, :.24AHF>EA, Alfredo [agner erno de. Ob. cit. p, 6D.

    25 Edem. p, R. Os efeitos da crise economia s&o bem analisados pelo autor, nestes termos N#aso nosempenhemos numa releitura das fontes documentais e arquiv1sticas, veremos que h2 ind1cios dessa idia dequilombo enquanto processo de produ!&o autGnomo, no momento em que os pre!os dos produtos do sistema de

    monocultura agr2rio'exportador estavam em decl1nio no mercado internacional. >sse quadro propiciavasitua!"es de autoconsumo e de autonomia a pouca distLncia da casa'grande. $ratava'se de fam1lias de escravosque mantinham uma forte autonomia em rela!&o ao controle da produ!&o pelo grande propriet2rio, que n&o eramais o organi(ador absoluto da produ!&o diante das dificuldades com a queda do pre!o de seu produto b2sico.

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    para sua subsistncia, n&o se afiguram, em si mesmas, incorretas. ?esse sentido, como ser2

    analisado adiante quando da proposi!&o de releitura daquele conceito, a especial forma de

    intera!&o entre as comunidades quilombolas e a terra configura'se um tra!o marcante para a

    caracteri(a!&o delas como entidades tnicas, cu)os direitos culturais devem ser protegidos.

    9.: O )!+rn 0n0+'t !+ &"'()*

    V2 se demonstrou que o conceito cl2ssico de quilombo n&o resiste s cr1ticas

    antes apontadas, concernentes na origem exclusiva na fuga dos escravos, na necess2ria

    distLncia entre o quilombo e a casa'grande e na fixa!&o fechada de um n+mero m1nimo de

    ocupantes do territ%rio.

    A ressignifica!&o do conceito de quilombo culmina com a caracteri(a!&o das

    comunidades a ele ligada como entidades tnicas, ou se)a, minorias com pr%prias maneiras defa(er, viver e criar que bem as diferenciam da sociedade que a circunda. Vorge Firanda aponta

    a dificuldade em se definir o termo Ncultura. Fesmo assim, o autor aponta o conte+do do

    mesmo Ntudo aquilo que tem significado espiritual e, simultaneamente, adquire relevLncia

    coletiva- tudo que se reporta a bens n&o econ%micos- tudo que tem ver com obras de cria!&o

    ou de valora!&o humana, contrapostas s puras express"es da nature(a.96

    ?&o dif1cil encontrar nos direitos dos remanescentes das comunidades de

    quilombos e no pr%prio termo Nquilombos a caracteri(a!&o apresentada pelo autor portugusmencionado. Enicialmente, deve'se consignar que a rela!&o daqueles su)eitos com a terra em

    que ocupam ou exploram n&o caracteri(ada pela marca individual, mas sim coletiva. ?esse

    sentido, o pr%prio art. 7B do ecreto n@ .88BI9CCD reconhece, corretamente, que os t1tulos de

    propriedade ser&o expedidos de forma coletiva, cabendo s associa!"es legalmente

    constitu1das a representa!&o das comunidades.9B

    Alm disso, o intuito da propriedade quilombola n&o o aumento do

    patrimGnio de seus membros. A tais comunidades, na sua ampla maioria formada por pessoaspobres, deferido, unicamente, o direito de propriedade para fins de explora!&o para sua

    pr%pria subsistncia. = nesse sentido que o mencionado art. 7B determina a obrigatoriedade de

    cl2usula de inalienabilidade em tais t1tulos de propriedade, fortalecendo a ideia de que o

    26 FE*A?A, Vorge. =otas sobre cultura Constituio e direitos culturais. ispon1vel emhttpII444.fd.ul.ptI

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    aspecto econGmico e patrimonial, para as comunidades remanescentes de quilombos,

    totalmente secund2ria. ?&o se quer com isso sustentar que eventuais excedentes encontr2veis

    na explora!&o sustent2vel das 2reas n&o possam ser ob)eto de apropria!&o pela comunidade. A

    busca por melhores condi!"es de vida, com a aplica!&o do super2vit fruto de excedentes da

    produ!&o, n&o est2 vedada, pelo que se busca garantir o desenvolvimento das comunidades.

    0inalmente, as mencionadas formas pr%prias de criar, fa(er e viver de tais

    comunidades transformam a rela!&o ordin2ria e marcantemente patrimonial que a maioria da

    sociedade apresenta em rela!&o nature(a. #omo cria!&o tipicamente humana, essas novas

    formas de enxergar os bens ambientais credenciam, mais uma ve( e de acordo com o +ltimo

    conte+do proposto por Vorge Firanda, o reconhecimento da cultura pr%pria dos quilombolas.

    >ssas caracter1sticas agora apontadas como as mais relevantes para acaracteri(a!&o moderna dos quilombos foram levadas em conta, com extrema seriedade, pela

    Associa!&o rasileira de Antropologia ;AA, como apontado por >liane #antorino

    OX45er. A autora, ap%s assentar a necessidade Nde se perceberem os fatos a partir de uma

    outra dimens&o que venha a incorporar o ponto de vista dos grupos sociais que aspiram

    vigncia do direito atribu1do pela #onstitui!&o 0ederal, transcreve o entendimento b2sico

    daquela associa!&o sobre a caracteri(a!&o dos remanescentes da comunidades de quilombos,

    nestes termosNo termo quilombo tem assumido novos significados na literatura especiali(ada etambm para grupos, indiv1duos e organi(a!"es. Ainda que tenha um conte+dohist%rico, o mesmo vem sendo Wressemanti(adoX para designar a situa!&o presentedos segmentos negros em diferentes regi"es e contextos do rasil. ;...#ontemporaneamente, portanto, o termo quilombo n&o se refere a res1duos ouresqu1cios arqueol%gicos de ocupa!&o temporal ou de comprova!&o biol%gica.$ambm n&o se trata de grupos isolados ou de uma popula!&o estritamentehomognea. a mesma forma, nem sempre foram constitu1dos a partir demovimentos insurrecionais ou rebelados mas, sobretudo, consistem em grupos quedesenvolveram pr2ticas cotidianas de resistncia na manuten!&o e reprodu!&o deseus modos de vida caracter1sticos e na consolida!&o de um territ%rio pr%prio. ;...

    ?o que di( respeito territorialidade desses grupos, a ocupa!&o da terra n&o feitaem termos de lotes individuais, predominando seu uso comum. A utili(a!&o dessas2reas obedece sa(onali(a!&o das atividades, se)am agr1colas, extrativistas ououtras, caracteri(ando diferentes formas de uso e ocupa!&o dos elementos essenciaisao ecossistema, que tomam por base la!os de parentesco e vi(inhan!a, assentadosem rela!"es de solidariedade e reciprocidade.98

    28 O[^>*, >liane #antorino. Introduo os quilombos e a (r%tica (ro$issional dos antro(lo)os. Enuilombos * identidade +tnica e territorialidade. O[^>*, >liane #antorino ;Org.. *io de Vaneiro0unda!&o 0TU, 9CC9. p, 78'7:. ?o mesmo sentido, aniel /armento aponta que N

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    As caracter1sticas culturais do grupo est&o todas claramente postas no

    mencionado documento 7 origem n&o necessariamente insurreicional, mas marcada pela

    existncia de grupos que resistem no sentido de manter suas pr%prias formas de vida- 9

    territorialidade- D coletividade e sustentabilidade no uso dos recursos naturais-

    solidariedade entre os membros.

    >ssa evolu!&o das comunidades quilombolas, com o reconhecimento do direito

    a diferen!a delas, aponta para o constitucionalismo fraternal e para a caracteri(a!&o dos

    direitos humanos numa perspectiva multicultural. = esse novo paradigma, por exemplo, que

    vai tornar essencial e legitimador a aceita!&o do critrio da auto'atribui!&o como requisito

    para a identifica!&o das comunidades remanescentes e consequente reconhecimento do seudireito de propriedade.

    #omo o reconhecimento desses direitos somente poss1vel numa perspectiva

    multicultural, a partir desse ide2rio que ser&o analisados os critrios identificadores dos

    remanescentes das comunidades quilombolas. = a concep!&o multicultural dos direitos

    humanos que )ustifica o reconhecimento do direito diferen!a, com o consequente respeito

    que maioria hegemGnica tem de ter com as minorias.

    4. D, '!+nt''0,#$ !% r+),n+%0+nt+% !,% 0)"n'!,!+% !+ &"'()*% , ,rt'r !

    )"(t'0"(t"r,('%) !+ B,3+nt"r, !+ S";, S,nt%

    #omo dito anteriormente, o ecreto n@ .88BI9CCD aponta os seguintes critrios

    para identifica!&o dos remanescentes das comunidades dos quilombos, de acordo com seu art.

    9@ 7 a auto'atribui!&o- 9 a tra)et%ria hist%rica pr%pria no contexto do coletivismo- D

    territorialidade- a presun!&o de ancestralidade negra relacionada com a resistncia

    opress&o hist%rica sofrida.

    $al regulamenta!&o amplamente informada pelo multiculturalismo dos

    direitos humanos, pois expressamente reconhece os quilombolas como grupo diferente da

    maioria e n&o pretende assimil2'los a ela.

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    fria, assim, foi palco de uma cis&o at mesmo no campo dos direitos humanos. O tema assim

    desenvolvido por Falcolm /ha4

    e modo geral, a vis&o ocidental ;dos stado. #om efeito, este era visto como a pr%pria fonte dos

    princ1pios de direitos humanos.;...>m outras palavras, o ponto focal n&o era o indiv1duo ;como nas concep!"es dedireitos humanos dos pa1ses ocidentais de stado. Os direitos humanos n&o eram diretamente regulados pelo direitointernacional, e os indiv1duos n&o eram su)eitos de direito internacional. Os direitoshumanos, implementados pelo >stado, eram um assunto pertencente essencialmente ordem interna dos >stados.;...>m outras palavras, a Mni&o /ovitica estava perfeitamente disposta a assinar osmais diversos acordos internacionais sobre direitos humanos, pressupondo que aobriga!&o recairia somente sobre o >stado, sem nenhum v1nculo direito com oindiv1duo, e que a mesma obriga!&o poderia ser interpretada pelos diversos pa1ses lu( de seus diversos sistemas socioeconGmicos. A chave dessa abordagem era asupremacia ou centralidade do >stado. Alm disso, a abordagem sovitica davasalincia aos direitos econGmicos e sociais, minimi(ando a importLncia tradicionaldos direitos civis e pol1ticos.DD

    A interdependncia dos direitos humanos, isto , a caracter1stica que reafirma a

    inexistncia de hierarquia entre eles, n&o importando sua Ngera!&o, bem com sua

    universalidade, foi reafirmada na #onven!&o de Uiena de 7::D, a qual, logo em seu artigo 7@,

    assenta que

    A #onferncia Fundial sobre ireitos Sumanos reafirma o empenho solene detodos os >stados em cumprirem as suas obriga!"es no tocante promo!&o dorespeito universal, da observLncia e da prote!&o de t!%os ireitos Sumanos eliberdades fundamentais para todos, em conformidade com a #arta das ?a!"es

    Mnidas, com outros instrumentos relacionados com os ireitos Sumanos e com oireito Enternacional. A n,t"r+;, "n'3+r%,( !+%t+% !'r+'t% + ('*+r!,!+% ='n&"+%t'n>3+(. ;sem destaques no original

    Apesar dessa reafirma!&o do car2ter universal dos direitos humanos, fato que

    ambas as posi!"es podem ser usadas ret%rica e ideologicamente, como arma para esconder a

    real motiva!&o dos benefici2rios de tal uso. Assim, o discurso universalista pode ser usado de

    maneira hegemGnica, para impor concep!"es de mundo aos mais fracos.

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    falaciosa da cultura de certo povo. = a partir dessa constata!&o que oaventura de /ou(a

    /antos vai pensar numa concep!&o multicultural de direitos humanos, com forma de superar o

    debate entre universalismo e relativismo cultural.

    4.2 O )"(t'0"(t"r,('%) !+ B,3+nt"r, !+ S"%, S,nt%

    = conhecido o texto b2sico do autor sobre o tema, intitulado NMma concep!&o

    multicultural de direitos humanos, atravs do qual ele busca superar os entraves entre

    relativismo e universalismo dos direitos humanos partindo da seguinte indaga!&o levando em

    conta o v2cuo deixado pelo socialismo, no caminho para a emancipa!&o do ser humano, seria

    poss1vel a utili(a!&o dos direitos humanos como ferramenta para se alcan!ar tal fimZ /ua

    resposta um Nsim muito condicional.D

    ?o mencionado estudo, o autor, inicialmente, desenvolve suas ideias sobre

    globali(a!&o, seguindo na sustenta!&o sobre as condi!"es e possibilidades dos direitos

    humanos enquanto guias emancipat%rios, finali(ando com a constru!&o de uma hermenutica

    voltada para o multiculturalismo, a hermenutica diat%pica. O desenvolvimento do trabalho

    parte do reconhecimento de trs tens"es dialticas vividas no mundo contemporLneo,

    baseadas no confronto entre 7 regula!&o e emancipa!&o social- 9 sociedade civil e >stado-

    D o >stado'na!&o e a globali(a!&o. As quest"es culturais envolvendo os direitos humanos s&o

    intensificadas no contexto da globali(a!&o, ra(&o pela qual o autor aprofunda suas ideias apartir da an2lise desse fenGmeno.DR

    Analisando criticamente o in1cio de seu texto, )2 poss1vel perceber a rique(a

    do mesmo no que tange a essa an2lise sobre a globali(a!&o. oaventura n&o se limita a fa(er

    um estudo de tal fenGmeno unicamente sobre o prisma econGmico, voltado para a

    transnacionali(a!&o da economia e do mercado financeiro, como normalmente ocorre. O autor

    n&o se contenta com essa ideia, partindo para uma an2lise da globali(a!&o sobre o prisma

    social, pol1tico e cultural.

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    exemplo, a globali(a!&o do $ast $ood americano leva, necessariamente, locali(a!&o da

    fei)oada brasileira, a ponto de torn2'la cada ve( mais um particularismo da cultural brasileira.

    A globali(a!&o n&o , necessariamente, uma forma de neocolonialismo.

    oaventura diferencia quatro formas de globali(a!&o 7 o localismo globali(ado, pelo qual

    uma pr2tica local consegue se expandir pelo resto do mundo, locali(ando seu antagonista- 9 o

    globalismo locali(ado, que a imposi!&o de certas pr2ticas pelos

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    diferen!a e da igualdade entre os homens, concep!"es essas ;diferen!a e igualdade t&o

    vari2veis conforme a cultura.

    O autor n&o tergiversa, quando, ao analisar a hermenutica diat%pica, retoma a

    an2lise dessas duas +ltimas condi!"es para sustentar que a concep!&o cultural que mais atribui

    direitos aos homens, ampliando o c1rculo de reciprocidade, a concep!&o marxista de direitos

    humanos, pois leva a igualdade para alm do mero aspecto pol1tico, albergando o dom1nio

    social e econGmico. Alm disso, as quest"es interculturais envolvendo igualdade e diferen!a

    entre os homens devem ser resolvidas a partir da seguinte constru!&o, a qual )2 se constitui

    passagem cl2ssica em qualquer an2lise sobre o direito igualdade Numa ve( que todas as

    culturas tendem a distribuir pessoas e grupos de acordo com dois princ1pios concorrentes de

    igualdade e diferen!a, as pessoas e os grupos sociais tm o direito de ser iguais quando adiferen!a os inferiori(a, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteri(a.D:

    >ssa compreens&o de diversidade e diferen!as entre as culturas somente

    poss1vel a partir de uma interpreta!&o dos fenGmenos envolvidos que siga um mtodo

    hermenutico diat%pico. A hermenutica diat%pica normati(a a interpreta!&o no contexto do

    di2logo intercultural, levando em conta, seriamente, as diferen!as e semelhan!as entre as

    culturas. ?o entanto, o papel desse mtodo n&o busca a igualdade, mas sim frisar as

    desigualdades entre as culturas. Assim est2 caracteri(ado esse procedimentoA hermenutica diat%pica baseia'se na ideia de que os topoi de uma dada cultura,

    por mais fortes que se)am, s&o t&o incompletos quanto a pr%pria cultura a quepertencem. $al incompletude n&o vis1vel do interior dessa cultura, uma ve( a que aaspira!&o totalidade indu( a que se tome a parte pelo todo. O ob)ectivo dahermenutica diat%pica n&o , porm, atingir a completude _ um ob)ectivoinating1vel _ mas, pelo contr2rio, ampliar ao m2ximo a conscincia de incompletudem+tua atravs de um di2logo que se desenrola, por assim di(er, com um p numacultura e outro, noutra. ?isso reside o seu car2ter diat%pico.C

    oaventura tem plena conscincia de que a hermenutica diat%pica pode se

    utili(ada para fins hegemGnicos ou de flagrante viola!&o dos direitos humanos, escudando'o

    atravs do r%tulo do multiculturalismo.

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    c1rculo de reciprocidade de direitos, destinando'os a um maior n+mero de pessoas- 9 no

    contexto do direito igualdade, admiss&o desta, quando a diferen!a inferiori(e as pessoas, e

    reconhecimento da diferen!a, quando a igualdade as descaracteri(e.

    >sse di2logo intercultural, se cumpridas as premissas emancipat%rias dos

    direitos humanos e os imperativos interculturais da hermenutica diat%pica, servem para

    )ustificar, por exemplo, o critrio da auto'atribui!&o no contexto da identifica!&o dos

    remanescentes das comunidades de quilombos.

    ?$O, aniel. Territrios quilombolas e Constituio: a ADI 3.239 e a Constitucionalidade doDecreto 4.!"#3. ispon1vel em httpII6ccr.pgr.mpf.gov.brIdocumentos'e'publicacoesIdocsJartigosI$erritoriosJKuilombolasJeJ#onstituicaoJr.JanielJ/armento.pdf. Acessado em 9Dde novembro de 9C79.

    http://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdfhttp://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdfhttp://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdfhttp://6ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Territorios_Quilombolas_e_Constituicao_Dr._Daniel_Sarmento.pdf
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    referente promulga!&o da #onstitui!&o. ?ovamente, a imprecis&o e a desvincula!&o com a

    realidade social manifesta, pois um grupo que, eventualmente, tenho sido expulso de suas

    terras, at mesmo violentamente, n&o pode ser privado do direito 2rea, mesmo n&o a

    ocupando em R de outubro de 7:88. = evidente que um su)eito n&o pode ter seu direito

    sonegado em face de fato de outrem, ainda mais diante de eventual violncia. Alm do mais,

    ambas as datas s&o inconstitucionais por apontarem restri!"es ao art. 68 sem qualquer

    autori(a!&o constitucional, chegando, praticamente, a inviabili(ar sua concreti(a!&o.9#omo

    se sabe, as normas constitucionais, principalmente as consagradoras de direitos fundamentais

    devem ser interpretadas de modo a que se retire a m2xima efetividade das mesmas,

    garantindo'se direitos na m2xima amplitude poss1vel.D A regula!&o ora criticada parte, no

    entanto, de uma m1nima efic2cia do texto.?&o bastassem essas inconstitucionalidades, as disposi!"es do ecreto antigo,

    por n&o respeitarem a auto'atribui!&o, a territorialidade, a coletividade e tradi!&o de

    resistncia opress&o daqueles grupos, afigurar'se'ia manifestamente inconvencional, por

    violarem frontalmente as disposi!"es da #onven!&o n@ 76: da OE$, a qual, por ter nature(a de

    tratado internacional sobre direitos humanos, tem car2ter supra'legal, de acordo com o

    entendimento do /upremo $ribunal 0ederal ;/$0.R As quest"es em torno da

    inconvencionalidade, no entanto, n&o foram levantadas diante da revoga!&o do ecreto oraem comento e tambm porque esse entendimento do /$0 somente foi adotado em 9CC8, ap%s,

    portanto, a publica!&o do ecreto.

    A busca pela verdade no caso, a saber, caracteri(ar corretamente um su)eito

    como remanescente de comunidade quilombola n&o pode, a pretexto de se alcan!ar uma

    verdade absoluta, fixar critrios manifestamente contr2rios aos direitos culturais de uma

    42eborah uprat bem analisou essas inconstitucionalidades nestes termos N Ao dispor que aos remanescentes

    das comunidades dos quilombos que este0am ocu(ando suas terras + recon-ecida a (ro(riedade de$initi&ade&endo o stado emitirl-es os t1tulos res(ecti&os, o art. 68 do A#$ n&o apresenta qualquermarco temporalquanto antig`idade da ocupa!&o, nem determinaque ha)a uma coincidncia entre a ocupa!&o origin2ria e aatual.O fundamental, para fins de se assegurar o direito ali previsto, que de comunidades remanescentes dequilombos se cuide e que,concorrentemente, se lhe agregue a ocupa!&o das terras enquanto tal.Assim, os doistermos ] remanescentes de comunidades de quilombos e ocupa!&o de terras ] est&o em rela!&o decomplementaridade eacessoriedade, de tal forma que a compreens&o de um decorre necessariamente do alcancedo outro. > estes, e apenas estes, s&o necess2rios interpreta!&o do comando constitucional. O que n&o seadmite,certamente, que um mero decreto ] o que sequer lei se autori(a ], numa vis&o unilateral, opere umreducionismo no conte+do de sentido da norma. ;destaques no original. *>E*A, eborah Facedo uprat derito.@re&es Consideraes sobre o Decreto =o 3.9B2"#B. En. Kuilombos * identidade +tnica e territorialidade.O[^>*, >liane #antorino ;Org.. *io de Vaneiro 0unda!&o 0TU, 9CC9. p, 98D.43/A?$EHE, Vuliana. 7ocioambientalismo e no&os direitos * (roteo 0ur1dica ' di&ersidade biol)ica e cultural.

    /&o ditora 66.DD.

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    minoria tnica. A busca por essa verdade deve ser tambm ressignificada, partindo'se da

    premissa, ho)e cada ve( mais difundida no direito processual, de que a verdade algo em si

    inating1vel.

    sses problemas reconstru!&o dos fatos, no processo civil, s&o de diversas ordens, como a

    sub)etividade do testemunho de quem os tiver presenciado ou mesmo a veda!&o posta pelo

    ordenamento acerca da admissibilidade de provas il1citas. >videntemente, tal veda!&o

    correta, mas, )untamente com o problema anterior, ela leva a uma conclus&o inafast2vel n&o

    se pode alcan!ar uma verdade absoluta atravs de qualquer procedimento. O que se devebuscar, assim, uma verdade poss1vel, constru1da argumentativamente pelas partes

    envolvidas no lit1gio.6

    O alcance a essa verdade poss1vel, negado pelo ecreto anterior, garantido

    pelo atual. #omo dito anteriormente, o art. 9P do ecreto n@ .88BI9CCD fixa os seguintes

    critrios para identifica!&o dos remanescentes N#onsideram'se remanescentes das

    comunidades dos quilombos, para os fins deste ecreto, os grupos tnico'raciais, segundo

    critrios de auto'atribui!&o, com tra)et%ria hist%rica pr%pria, dotados de rela!"es territoriaisespec1ficas, com presun!&o de ancestralidade negra relacionada com a resistncia opress&o

    hist%rica sofrida.

    #omo ser2 estudado adiante, a atual regulamenta!&o, alm de fixar aqueles

    critrios sub)etivos e ob)etivos para a identifica!&o dos remanescentes das comunidades de

    quilombos, prev a participa!&o de eventuais pre)udicados no procedimento de demarca!&o,

    garantindo'se o contradit%rio necess2rio para a constru!&o dialogada da verdade.BA busca por

    essa verdade poss1vel na caracteri(a!&o dos quilombolas, no entanto, n&o pode se converterem instrumento para acobertar fraudes, devendo essa preocupa!&o ser levada a srio quando

    da an2lise dos critrios postos para identifica!&o.

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    como forma de n&o se impor uma verdade hegemGnica da maioria sobre a vida dessa minoria.

    A auto'atribui!&o est2 prevista no art. 7@, item 9 da #onven!&o 76: da OE$, o qual

    expressamente consigna que NA conscincia de sua identidade ind1gena ou tribal dever2 ser

    considerada como critrio fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as

    disposi!"es da presente #onven!&o.

    Ap%s lan!adas as considera!"es anteriores sobre o multiculturalismo e,

    principalmente, sobre as condi!"es para os direitos humanos atingirem seu potencial

    emancipat%rio, fica f2cil )ustificar a legitimidade do presente critrio. >le assume o car2ter de

    ponto de partida necess2rio para o di2logo intercultural, o qual decorre, como visto, da

    constata!&o de que as culturas apresentam diferentes e incompletas concep!"es de dignidade

    da pessoa humana.?&o se desconhece a diferencia!&o que a doutrina constitucional fa( entre

    direitos fundamentais e direitos humanos, situando os primeiros na ordem interna de

    determinado >stado ;como previsto na #onstitui!&o e os segundos na ordem internacional

    ;como consagrado nos tratados. ?esse sentido, poder'se'ia ob)etar que a quest&o de

    identifica!&o dos quilombolas, por ser assunto de direito interno, n&o deveria sofrer os

    influxos da teoria multicultural dos direitos humanos, a qual, na pr%pria formula!&o de

    oaventura de /ousa /antos, est2 situa!&o no contexto da globali(a!&o e internacionali(a!&odo discurso daqueles direitos.

    >ssa eventual ob)e!&o, de car2ter meramente formal, n&o poderia proceder. =

    certo que a quest&o quilombola, numa an2lise a partir unicamente do art. 68, poderia se

    apresentar como quest&o de direito de unicamente interno, n&o atraindo as preocupa!"es do

    multiculturalismo. ?o entanto, toda quest&o de direito fundamental ;analisada, portanto, sob o

    Lngulo interno tambm se afigura como um problema de direitos humanos medida em que,

    caso o >stado em quest&o n&o atue, ser2 poss1vel o acionamento de cortes internacionais dedireitos humanos. Alm disso, o paradigma da soberania absoluta dos >stados est2 superado,

    admitindo'se interven!"es internacionais ;n&o meramente estrangeiras com a finalidade de

    proteger os direitos humanos.

    Fas n&o s%. = certo que a concep!&o multicultural dos direitos humanos,

    como formulada por oaventura de /ousa /antos, preocupa'se com o desenvolvimento dos

    direitos humanos no contexto da globali(a!&o, num cen2rio que coloca em )ogo dominadores

    e dominados, tendncias hegemGnicas e contra'hegemGnicas. Ora, qual seria a situa!&o dos

    remanescentes das antigas comunidades de quilombos, aqui no rasil, sen&o a de um grupo

    historicamente dominado e exclu1do, como se a maioria da sociedade brasileira impusesse,

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    hegemonicamente, um globalismo locali(ado a esta minoriaZ /endo assim, manifesta a

    aplicabilidade do multiculturalismo hip%tese.

    Admitindo'se sua utili(a!&o, deve'se, igualmente, admitir como leg1timo o

    critrio da auto'atribui!&o, pois atravs dele que o >stado e a sociedade circundante, os

    quais formam a maioria que pode tender opress&o, conseguir&o entender os remanescentes

    de quilombos a partir de sua pr%pria linguagem. $rata'se, assim, do in1cio de um di2logo

    intercultural.

    Ue)a'se que n&o se trata, por outro lado, de um di2logo acabado. Mma das

    cr1ticas feitas ao presente critrio a possibilidade de manipula!"es e fraudes pelas partes

    benefici2rias. $al cr1tica verdadeira no sentido de que, realmente, tais v1cios podem ocorrer,

    cabendo ao ireito combat'los.8 ?o entanto, essa ob)e!&o erra quando busca, pura esimplesmente, a proscri!&o desse critrio de identifica!&o, pois, como ser2 visto adiante, ele

    n&o o +nico critrio posto.:i('se, assim, que o di2logo intercultural n&o se encerra com a

    auto'atribui!&o porque aqueles outros critrios previstos ;territorialidade, coletividade e

    passado de resistncia opress&o tambm devem ser ob)eto do di2logo. #om a an2lise desses

    +ltimos critrios ob)etivos, afasta'se a preocupa!&o acerca das fraudes, sempre num contexto,

    relembre'se, de que a verdade absoluta inating1vel.

    ?$O, aniel. Territriosquilombolas e Constituio: a ADI 3.239 e a Constitucionalidade do Decreto 4.!"#3. ispon1vel emhttpII6ccr.pgr.mpf.gov.brIdocumentos'e

    publicacoesIdocsJartigosI$erritoriosJKuilombolasJeJ#onstituicaoJr.JanielJ/armento.pdf. Acessado em 9Dde novembro de 9C79.50e acordo com o art. 7D.7 da #onven!&o 76: da OE$ , tem'se a consagra!&o do critrio da territorialidade e do

    coletivismo, adiante analisado N?a aplica!&o das disposi!"es desta

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    Outro parLmetro importante na identifica!&o das comunidades quilombolas apercep!&o de como as terras s&o utili(adas pelas mesmas. A territorialidade umfator fundamental na identifica!&o dos grupos tradicionais, entre os quais se inseremos quilombolas. $al aspecto desvenda a maneira como cada grupo molda o espa!oem que vive, e que se difere das formas tradicionais de apropria!&o dos recursos da

    nature(a. /&o as terras de uso comum, em especial as Nterras de preto, cu)aocupa!&o n&o feita de forma individuali(ada, e sim em um regime de uso comum.R7

    Assim, mesmo que determinada comunidade se auto'declare como

    remanescente de quilombo, se n&o restar caracteri(ada, cabalmente, qualquer rela!&o especial

    da mesma com a terra em que ocupa ou pretenda ocupar, aquela n&o poder2 titulari(ar o

    direito previsto no art. 68. >videntemente que uma desocupa!&o violenta ou coativa n&o tem o

    cond&o de afastar esse especial v1nculo com a terra.

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    art. 68. >ventualmente, o grupo poder2 ser caracteri(ado como popula!&o tradicional, a

    merecer prote!&o a partir do art. 97R e 976 da constitui!&o.

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    /endo assim, esse passado de ancestralidade n&o precisa se reportar a tempos

    imemoriais ou, necessariamente, at 7888. Fesmo ap%s essa data houve opress&o hist%rica

    aos ancestrais do grupo.

    . Cn0("%$

    O presente texto procurou demonstrar como o constitucionalismo fraternal tem

    a capacidade de ressignificar diversos conceitos, como o de quilombo, acarretando

    consequncias impens2veis at bem pouco tempo atr2s, quando se viva unicamente o

    paradigma do >stado /ocial. A principal consequncia estudada ao longo do texto foi a

    consagra!&o de um direito diferen!a e inclus&o, nos moldes preconi(ados pela prote!&o

    internacional dos direitos humanos, notadamente postos na #onven!&o 76: da OE$.Outra ressignifica!&o relevante apontada no texto di( respeito ao conceito de

    quilombo. sses novos significados s&o ainda mais real!ados no contexto do

    multiculturalismo como teoria capa( de superar o debate entre universalismo e relativismo

    dos direitos humanos. Ap%s a s1ntese do texto b2sico de oaventura de /ousa /antos sobre o

    tema, demonstrou'se como o critrio da auto'atribui!&o converte'se em verdadeiro

    propiciador do di2logo intercultural, abrindo as portas para a cultura hegemGnica entender a

    da minoria.

    0inalmente, conclui'se que a proeminncia do critrio da auto'atribui!&o n&o

    pode, necessariamente, coloc2'lo num grau hier2rquico superior aos demais critrios no

    sentido de que bastaria o reconhecimento do acerto da auto'atribui!&o para a autom2tica

    prote!&o constitucional incidir. A fim de evitar eventuais fraudes, o critrio da auto'atribui!&o

    pode ceder ante fort1ssima carga argumentativa proveniente de um )u1(o negativo sobre a

    territorialidade, coletivismo e sobre a presun!&o de ancestralidade ligada luta contra a

    repress&o. A auto'atribui!&o determina, portanto, que a conscincia da pr%pria comunidade

    sobre sua constitui!&o possa ser externada e levada a srio no di2logo proposto, n&o se

    convertendo em critrio autom2tico para a incidncia do art. 68 do A#$ .

    . R++rn0',% *'*('/r>'0,%

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    $>E?O, Tustavo. $emas de ireito #ivil. P >d. *io de Vaneiro *enovar, 9CC8.