Agatha christie - a teia da aranha

234

description

 

Transcript of Agatha christie - a teia da aranha

Page 1: Agatha christie - a teia da aranha
Page 2: Agatha christie - a teia da aranha

Como foi que o corpo do desagradável Oliver Costello

apareceu na sala da casa de campo do distinto casal Henry e

Clarissa Hailsham-Brown? A chuvosa tarde de março decorria

tranquila, e nenhuma das pessoas lá presentes parecia ter

interesse no crime. Acreditando tratar- se de um acidente,

Clarissadecideesconderocadáver.Estáàsvoltascomapenosa

tarefa quando surge o inspetor Lord, um diligente policial que

recebeuumtelefonemadenunciandoohomicídio.

Esteéoromance-atéhojeinéditonoBrasil-queoescritor

CharlesOsborneadaptouapartirdapeçadecomédiaemistério

homônimodeAgathaChristie,de1954.Bem-humorado,comum

enredorepletodetruquesereviravoltas,Ateiadaaranhafaráa

delíciadosfãsdaRainhadoCrime.

Page 3: Agatha christie - a teia da aranha

ATEIADAARANHA

CharlesOsborne

Álibi,aprimeirapeçadeAgathaChristieaserencenada,com

estreianoPrinceofWalesTheatre,emLondres,emmaiode1928,

nãofoiescritapelaprópriaChristie.Consistiaemumaadaptação

deMichaelMortondanovelapolicialdeAgathaOassassinatode

Roger Ackroyd, de 1926, com Charles Laughton no papel de

Hercule Poirot. Christie não apreciou a peça nem a atuação de

Laughton.Devido,emgrandeparte,àsuainsatisfaçãocomÁlibi,

Agatha decidiu levar Poirot ao palco numa peça escrita por ela

mesma.Apeçaresultante,Cafépreto,estreouem1930eficouem

cartazporváriosmesesnoSt.Martin'sTheatre,emLondres.

Sete anos se passaram até Agatha Christie escrever a peça

seguinte,Akhnaton.Nãoeraummistério,massimahistóriado

antigo faraó que tentou persuadir um Egito politeísta a se

converteraocultodeumsódeus,odeus-solAton.Akhnatonnão

chegouaospalcoseficouesquecida.Trintaecincoanosdepois,

durante uma limpeza da casa ao fim do inverno, a autora

reencontrouotextoeopublicou.

Emboraem1928nãotivessegostadodeÁlibi,ao longodos

anos Agatha Christie permitiu que mais cinco de suas obras

fossemadaptadasaoteatroporoutrasmãos.Aprimeiradessasfoi

Love From a Stranger (1936), adaptada do conto O chalé do

rouxinolporFrankVosper,galãdoteatronosanos1920e1930,

queinterpretouopapelprincipal.Anovelade1932comHercule

Poirot,Acasadopenhasco,tornou-sepeçahomônimaem1940,

Page 4: Agatha christie - a teia da aranha

adaptadaporArnoldRidley,conhecidopelaautoriadeTheGhost

Train, peça de sucesso na época. Com Assassinato na casa do

pastor,dramatizaçãode1949porMoieCharleseBarbaraToyda

novelahomônimade1940,outrafamosapersonagemdeAgatha

Christie,MissMarple,estreounospalcos.

Desiludidacomumaouduasdessasadaptaçõesaoteatropor

outrosroteiristas,em1945AgathaChristiecomeçouelamesmaa

adaptar ao teatro algumas de suas novelas já publicadas. O

mistérioOcasodosdeznegrinhos(títulomaistardemodificado,

por razões óbvias, para Então não sobrou nenhum) virou

espetáculodemuitosucessotantoemLondres,em1943,quanto

emNovaYorknoanoseguinte.

AadaptaçãoporChristiedeEncontromarcadocomamorte,

novelapolicialpublicadaem1928, foiencenadaem1945.Duas

outras novelas posteriormente transformadas em peças pela

autora foram Morte no Nilo (1937), encenada em 1945 com o

título Assassinato no Nilo, e A mansão Hollow, publicada em

1946 e encenada em 1951. Essas três novelas tinham como

protagonistaHerculePoirot,mas,aoadaptá-lasaoteatro,Christie

removeu Poirot. "Acostumei-me a ter Poirot em meus livros",

comentouelasobreumadessaspeças,"eassimelenaturalmente

entrou neste, porém acabou meio deslocado. Ele cumpriu bem

seupapel,masfiqueipensandoseolivronãoseriamelhorsema

suapresença.Assim,aoescreverapeça,elimineiPoirot."

SeguindoAmansãoHollow,AgathaChristieverteunãouma

novela,masocontoTrêsratoscegos,quehaviasidoadaptadoda

rádio-novela escrita por ela em1947 emhomenagemaumade

suasmaioresfãs,aRainhaMaria,viúvadoreibritânicoGeorgeV.

A rainha, naquele ano em que celebrava seu octogésimo

Page 5: Agatha christie - a teia da aranha

aniversário,haviaencarregadoaBBCdaproduçãodeumarádio-

noveladeAgathaChristie,eTrêsratoscegosfoioresultado.Para

a adaptação ao teatro, escolheu-se um novo título, pinçado de

Hamlet, de Shakespeare. Durante a performance que Hamlet

promove perante Cláudio e Gertrudes, o rei indaga "Como se

chamaapeça?",aoqueHamletresponde"Aratoeira".Aratoeira

estreouemLondresemnovembrode1952,eseuprodutor,Peter

Saunders, disse a Christie que esperava uma temporada

duradoura,deumanoouatémesmodequatorzemeses."Nãovai

durartantotempo",retorquiuaautoradapeça."Nomáximooito

meses".Cinquenta e seis anosdepois,A ratoeirapermanece em

cartaz-epodeserquepermaneçaparasempre.

Poucas semanas depois da estreia de A ratoeira, Saunders

sugeriuaAgathaChristieaadaptaçãoaopalcodeoutrodeseus

contos, Testemunha da acusação. Imaginando ser uma tarefa

muitodifícil,elarecomendouaSaundersquetentasseelemesmo.

Ditoe feito:emseudevidotempo,ele lheapresentouoprimeiro

rascunho da peça. Após a leitura, Christie disse-lhe que não

consideravaaadaptaçãoboaosuficiente,masquesemdúvidalhe

mostraraocaminho.Seissemanasdepois,estavaprontaapeça

quemais tardeChristie considerariaumadesuasmelhores.Na

noite de abertura, em outubro de 1953, no Winter Garden

Theater, em Drury Lane, a plateia ficou enfeitiçada pela

engenhosi- dade do final surpreendente. Testemunha da

acusação foi encenada em 468 espetáculos, e em Nova York

desfrutoudetemporadaaindamaislonga:646espetáculos.

Pouco depois do lançamento de Testemunha da acusação,

AgathaChristie concordouemescreverumapeçaparaaestrela

britânica Margaret Lockwood, que desejava um papel para

Page 6: Agatha christie - a teia da aranha

explorarseutalentoparaacomédia.Oresultadofoiumadeliciosa

comédia demistério, A teia da aranha, que lançoumão douso

satíricodaquelevelhoestratagemarangedor,apassagemsecreta.

Em dezembro de 1954, a peça estreou no Savoy Theatre, onde

permaneceu em cartaz por 774 espetáculos, rivalizando comAs

ratoeiras Testemunha da acusação. Agatha Christie tinha três

sucessosteatraissimultâneosemcartazemLondres.

Paraopróximoempreendimentoteatral,Christieadaptou,em

colaboraçãocomGeraldVerner,HoraZero,novelapolicialescrita

dezanosantes.EstreandonoSt.James'sTheatreemsetembrode

1956,rendeuumatemporadarespeitáveldeseismeses.Aautora,

entãopertodossetentaanos,continuavaaproduzirpelomenos

umromancepolicial e várioscontosporano,alémde trabalhar

em sua autobiografia. Ela escreveria ainda cinco peças, todas -

com exceção deuma - compostas especialmente para o teatro e

não adaptadas de seus livros. A exceção foi Retorno ao

assassinato, versão teatral do mistério de 1943 com Hercule

Poirot, Os cinco porquinhos. Com Hercule Poirot outra vez

suprimido da trama, o investigador passou a ser um advogado

jovemeatraente.ApeçaestreounoDuchessTheatreemmarçode

1960,masfoicanceladaapós31espetáculos.

Suas quatro peças remanescentes, todos escritas

originalmente para o teatro, foram Veredito, O visitante

inesperado (ambas estrearam em 1958), Rule of Three (1962) e

FiddlersThree(1972).RuleofThreeconsistenaverdadeemtrês

peças de um ato, não interconectadas; a última delas, The

Patient, éumexcelente thriller, comuma fala final insuperável.

Entretanto,opúblico ficou longedesseespetáculode trêspeças

separadas, e Rule of Three encerrou atividades no Duchess

Page 7: Agatha christie - a teia da aranha

Theatreapósdezsemanasemcartaz.

O derradeiro trabalho deChristie no teatro, Fiddlers Three,

nem ao menos foi encenado em Londres. Excursionou pelo

interiordaInglaterraem1971comotítuloFiddlersFive,saiude

cartaz para ser reescrita e foi reencenada no Yvonne Arnaud

Theatre, Guildford, em agosto de 1972. Depois de algumas

semanas bem-sucedidas de excursão, não conseguiu uma sala

adequadaemLondreseencerrouaexcursãopelointerior.

Veredito,queestreounoLondon'sStrandTheatreemmaiode

1958, é incomum porque, embora aconteça um assassinato na

peça,nãohámistériointrínseco-ocrimeécometidoperanteos

olhosdaplateia.Canceladaapósummêsemcartaz,suaotimista

autoracomentou:"Estoucontente,aomenossaiuumaboacrítica

noTheTimes".Deimediatocomeçouacomporumanovapeçaea

completou em quatro semanas. Tratava-se de O visitante

inesperado,que,depoisdeumasemanaemBristol,mudou-seao

DuchessTheatre,emLondres,ondeestreouemagostode1958e

teve uma temporada satisfatória de dezoito meses. Com seu

diálogo cortante e eficiente e sua trama repleta de surpresas,

apesardeeconômicaenãomuitocomplexa,éumadasmelhores

peçasteatraisdeAgathaChristie.Oentusiasmodasresenhasfoi

unânime, e hoje, mais de quarenta anos depois, ganhou novo

soprodevidaemformadenovela.

Poucosmesesantesdesuamorteem1976,AgathaChristie

consentiu com a adaptação ao palco feita por LeslieDarbon de

suanovela de 1950,Convite paraumhomicídio, protagonizada

por Miss Marple. Quando a peça chegou aos palcos

postumamenteem1977,acríticadoFinancialTimespreviuque

ficariaemcartaztantoquantoAratoeira,oquenãoaconteceu.

Page 8: Agatha christie - a teia da aranha

Em 1981, Leslie Darbon adaptou outra novela de Christie,

Cartasnamesa,ummistériocomPoirotpublicado45anosantes.

Seguindoo exemplodaautora,DarboneliminouPoirotda lista

daspersonagens.Atéhoje,nãohouvenenhumaoutraadaptação

das novelas de Agatha Christie. Com Café preto, O visitante

inesperadoe,agora,A teiadaaranha, inicieiuma tendênciana

direçãooposta.

Page 9: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo1

CopplestoneCourt,arequintadaesetecentistacasadecampo

deHenryeClarissaHailsham-Brown,situadanascolinassuaves

do interiordeKent,pareciabonitamesmoao fimdeuma tarde

chuvosa de março. No térreo, na sala de estar finamente

mobiliada, com portas de vidro para o jardim, dois homens

estavamempéjuntoaumamesaestreitaencostadaàparedena

qualdescansavaumabandejacomtrêstaçasdevinhodoPorto,

cadauma comumnúmero: um, dois e três. Tambémhavia na

mesaumlápiseumafolhadepapel.

SirRowlandDelahaye,cinquentãodeaparênciadistinta,com

modos agradáveis e refinados, sentou-se no braço de uma

confortável cadeira. Em seguida, Hugo Birch, sexagenário com

tendênciaaserumtantoirascível,colocouumavendanosolhos

de Sir Rowland e entre- gou-lhe uma das taças. Sir Rowland

bebeu,avaliouporuminstanteedisse:

Achoque...sim...comcerteza...sim:éoDow42.

Murmurando"Dow42",Hugorepôsataçanamesa,anotoue

entregoua taçaseguinte.Denovo,SirRowlandsorveuovinho.

Fezumapausa,tomououtrogoleeacenoucomacabeçademodo

afirmativo.

Agora,sim-afirmouconvicto.-Istoqueéumbomvinhodo

Porto.-Tomououtrogole.-Nãohádúvida:Cockburn27.

DevolveuataçaaHugoeacrescentou:

Page 10: Agatha christie - a teia da aranha

Imaginesó,ClarissadesperdiçarumagarrafadeCockburn27

numaprova tola como esta. É um sacrilégio, semdúvida.Mas,

enfim,mulheresnãoentendemnadadevinhodoPorto.

Hugopegouataça,anotouoveredictonopapelsobreamesa

eentregouaterceirataçaaoamigo.Apósumgolerápido,areação

deSirRowlandfoiimediataeviolenta.

Argh! - exclamoucomrepugnância. -RichRuby,umvinho

"tipoporto".NãoseicomoClarissatemumacoisadestasemcasa.

Apósteraopiniãodevidamenteregistrada,tirouavendados

olhos.

Agoraéasuavez-disseparaHugo.

Tirando os óculos de aros de tartaruga,Hugo permitiu que

SirRowlandcolocasseavendaemseusolhos.

Bem, calculo que ela use esse porto barato paramarinar a

lebreoudarsaboràsopa-sugeriu.-NãoacreditoqueHenrya

deixeoferecê-loaosconvidados.

Pronto, Hugo - afirmou Sir Rowland, terminando de atar a

vencianosolhosdoamigo.

Talvez eudevagirar você três vezescomono jogodacabra-

cega - falou, conduzindo Hugo até a cadeira de braços e o

ajudandoasentar.

Vácomcalma-reclamouHugo, tateandoacadeiraatrásde

si.

Tudocerto?-perguntouSirRowland.

Page 11: Agatha christie - a teia da aranha

Sim.

Então,emvezdissovoumudaraposiçãodastaças-disseSir

Rowland,girandodeleveastaçasnamesa.

Não precisa - disse Hugo. - Acha que possome influenciar

pelo que você disse? Entendo tanto de vinho do Porto quanto

você,emqualquerdiaehora,meucaroRoly.

Não esteja tão certo disso. Seja como for, um homem

prevenidovalepordois-insistiuSirRowland.

Quando estava quase entregando uma das taças aHugo, o

terceiroconvidadodosHailsham-Brownentroudojardim.Jeremy

Warrender, jovem atraente de seus vinte e poucos anos, vestia

umacapade chuvapor cimada roupa.Ofegante e visivelmente

semfôlego,rumouaosofáeestavaprontoparadeixar-secairnele

quandopercebeuoqueestavaacontecendo.

O que diabo vocês dois estão inventando? - perguntou ao

tiraracapaimpermeáveleocasaco.-Ojogodastrêscartascom

taças?

Que foi isso? - quis saber o vendado Hugo. - Parece que

alguémdeixouentrarumcachorronasala.

ÉsóojovemWarrender-garantiuSirRowland.

Comporte-se.

Ah,tiveaimpressãodequeeraumcachorroarfandodepois

deperseguirumcoelhodisseHugo.

Fuitrêsvezesaoportãodochaléevolteidecapadechuva-

Page 12: Agatha christie - a teia da aranha

explicou Jeremy ao afundar pesadamente no sofá. - Ao que

consta,odiplomataherzoslovacofezessepercursoem4minutos

e 53 segundos, como peso extra da capade chuva.Corri tudo

que pude, mas não consegui em menos de 6 minutos e 10

segundos. E não acredito que ele tenha conseguido. Só Chris

Chattaway conseguiria fazer nesse tempo, com ou sem capa de

chuva.

Quemlhecontousobreodiplomataherzoslovaco?

PerguntouSirRowland.

Clarissa.

Clarissa!-exclamouSirRowland,rindodisfarçadamente.

Ah,Clarissa-bufouHugocomdesdém.

NãodevedarcréditoalgumaoqueClarissafala.

Aindarindoconsigo,SirRowlandprosseguiu:

Acho que você não conhece muito bem sua anfitriã,

Warrender.Éumamoçadeimaginaçãomuitofértil.

Jeremylevantou-se.

Querdizerqueelainventoutodaessahistória?

Perguntouindignado.

Elaébemcapazdisso-respondeuSirRowlandaoentregar

umadastrêstaçasparaoaindavendadoHugo.

Ébemotipodepiadaqueelagosta.

Page 13: Agatha christie - a teia da aranha

Émesmo?Esperematé eume encontrar comessamoça—

prometeu Jeremy. - Ela vai ouvir poucas e boas. Nossa, estou

exausto.-Ecaminhouapassoslargosepompososrumoaohall,

levandoacapadechuva.

Parederesfolegarcomoumamorsa-reclamouHugo.-Estou

tentandomeconcentrar.Umanotadecincolibrasestáemjogo.

Rolyeeutemosumaapostaemandamento.

Verdade? E qual é? - indagou Jeremy, retornando para se

empoleirarnobraçodosofá.

ParaverqueméomelhoravaliadordevinhodoPorto-disse-

lheHugo.-TemosCockburn27,Dow42eomelhordamercearia

local.Silêncioagora.Istoéimportante.-Experimentouaprimeira

taçaedepoismurmuroucomindiferença:-Hum...ah.

Eentão?-indagouSirRoland.-Jádecidiuqualé?

NãomeapresseRoly-exclamouHugo.-Nãomefaçacolocar

ocarronafrentedosbois.Cadêopróximo?

Elemanteveataçanamãoenquantooutralheeraentregue.

Bebeuedeclarou:

Sim, tenho certeza absoluta sobre estes dois. - Cheirou as

duastaçasmaisumavez.-OprimeiroéoDow.

Decidiuaoentregarumataça.-OsegundoéoCockburn

Prosseguiu,devolvendoaoutrataça.

SirRowlandrepetiu,enquantoanotava:

Page 14: Agatha christie - a teia da aranha

Taçanúmerotrês,oDow;taçanúmeroum,oCockburn.

Bem,neméprecisoprovaro terceiro-afirmouHugo-,mas

achomelhoriratéofim.

Tomeaí-disseSirRowland,entregandoaúltimataça.

Depois de beber, Hugo deixou escapar uma exclamação de

supremonojo.

Ugh!Queporcariaintragável.-DevolveuataçasirRowland,

puxouum lençodobolsoe enxugouos lábiosparase livrardo

gostoruim.-Vailevarumtempoparaogostodessetroçosairde

minhaboca-reclamou.-Tire-meavenda,Roly.

Podedeixar-ofereceu-seJeremy,levantando-seeindoatrás

dacadeiradeHugoparadesataravenda.SirRowland,pensativo,

bebeuaúltimadastrêstaçasantesderepousá-lanamesa.

Hugo,vocêachaissomesmo?Taçanúmerodois,ovinhoda

mercearialocal?-Elebalançouacabeça.-Besteira!EsseéoDow

42,nãotenhonenhumadúvidadisso.

Hugocolocouavendanobolso.

Tsc,tsc!Vocêperdeuopaladar,Roly-declarou.

Deixe-metentar-propôsJeremy.Indoatéamesa,tomouum

goledecadataça.Hesitou,bebeucadaumadenovoeadmitiu:-

Bem,paramimtodostêmomesmogosto.

Essajuventude!-criticouHugo.-Tudoculpadessemaldito

gimquevocêsnãoparamdebeber.Estragatotalmenteopaladar.

NãoésómulherquenãosabedistinguirvinhodoPorto.Nosdias

Page 15: Agatha christie - a teia da aranha

dehoje,nenhumhomemcommenosdequarentaanossabe.

AntesqueJeremytivesseoportunidadederesponder,aporta

da biblioteca se abriu, e Clarissa Hailsham-Brown, uma linda

morenapertodostrintaanos,entrou.

Olá,meus amores - saudou ela, dirigindo-se sir Rowland e

Hugo.-Játerminaram?

Sim,Clarissa-assegurouSirRowland.-Estamosprontos.

Sei que tenho razão - disse Hugo. - O número um é o

Cockburn,odoiséaimitaçãoeotrêséoDow.Certo?

Bobagem - exclamou Sir Rowland, antes que Clarissa

pudesseresponder.-OuméoDow,odoiséoCockburneotrês

éaimitação.Estoucertoounão?

Queridos! - foi a única e pronta resposta deClarissa. - Ela

beijouprimeiroHugo,depoisSirRowlandeprosseguiu: -Agora

podemlevarabandejadevoltaparaasaladejantar.Agarrafade

cristalestánoaparador.-Sorrindoconsigo,escolheuumatrufa

dabomboneira.

Sir Rowland pegou a bandeja com as taças. Prestes a sair,

estacou.

Agarrafa?-perguntoucircunspecto.

Clarissasentou-senosofá,aninhando-seemcimadospés.

Sim. Só uma garrafa - respondeu com uma risadinha. - É

tudoomesmovinho.

Page 16: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo2

ArevelaçãodeClarissaprovocoudiferentesreaçõesemcada

umdospresentes.Jeremydeuboasgargalhadas,cruzouasalae

beijouaanfitriã,enquantoSirRowlandficouboquiaberto,eHugo

pareceuindecisosobrequeatitudetomarporelaterfeitoosdois

debobos.

QuandoSirRowlandenfimencontroupalavras,foramestas:

Clarissa,sua impostorasemescrúpulos.—Masseutomfoi

afetuoso.

Bem—respondeuClarissa-,choveuatardetoda,evocêsnão

podiam jogar golfe. Precisavam se divertir um pouco e se

divertiramcomisso,nãoémesmo,queridos?

Caramba! - exclamouSirRowland, levandoabandeja até a

porta. - Devia se envergonhar por expor assim seus velhos e

queridos amigos. Acontece que só o jovem Warrender aqui

adivinhouquetodasastaçastinhamomesmoconteúdo.

Hugo, que a esta altura estava rindo, acompanhou-o até a

porta.

Diga-me,quem foi? -perguntou,abraçandooombrodeSir

Rowland.-QuemfoiquedissequereconheciaumCockburn27

emqualquerlugar?

Não tem importância, Hugo - respondeu, resignado, Sir

Rowland-,depoisvamosbebermaisumpoucodaquilo,sejaláo

quefor.-Conversando,osdoissaírampelaportaquedavaparao

Page 17: Agatha christie - a teia da aranha

hall,eHugofechouaportaatrásdeles.

Jeremypostou-sedefronteaosofá.

Poisbem,Clarissa-disseemtomdecensura.-Quehistóriaé

essadediplomataherzoslovaco?

Clarissaolhou-ocominocência.

Quetemele?-indagou.

Apontandoodedoparaela,Jeremyfalouclaroedevagar:

Elecorreutrêsvezesaoportãodochaléevoltou,comcapade

chuva,em4minutose53segundos?

Clarissarespondeucomumsorrisodoce:

O diplomata herzoslovaco é um amor, mas já passou dos

sessenta faz tempo, e duvido muito que nos últimos anos ele

tenhafeitoalgumacorrida.

Entãoémesmotudoinvençãosua.Bemquemedisseramque

issoeraprovável.Masporquê?

Bem-disseClarissa,osorrisoaindamaisdoce-,vocêiaficar

reclamandoodia todopornão ter feito exercício suficiente. Por

isso,acheiqueaúnicacoisaoportunaa fazereraajudarvocêa

praticar algum. Não ia adiantar nada eu sugerir uma corrida

puxadanomeiodobosque,maseusabiaquevocêreagiriaaum

desafio.Entãoinventeialguémcomquemvocêpudessecompetir.

Jeremysoltouumcômicosuspirodeexasperação.

Page 18: Agatha christie - a teia da aranha

Clarissa-indagoualgumavezvocêfalaaverdade?

Claro que sim... às vezes - admitiu Clarissa. -Mas quando

falo a verdade parece que ninguém acredita em mim. É muito

estranho.-Pensouuminstanteeprosseguiu:-Quandoagente

inventaalgo,achoquenosdeixamoslevar,etudosetornamais

convincente.-Eladeslizouatéasportasdevidro.

Eu poderia ter arrebentado um vaso sanguíneo reclamou

Jeremy.-Apostoquevocênemiadarbola.

Clarissariu.Aoabrirasportasdevidro,comentou:

Achomesmoquevailimpar.Vamosterumanoiteagradável.

Que cheirinho bom tem o jardimdepois da chuva. - Curvou-se

paraforaefarejouoar.-Narcisos.

Elafechouasportasdenovo,eJeremyseaproximou.

Gostamesmodemorarnointerior?-perguntou.

Adoro.

Masdevesentirumtédiomortal!-exclamouele.

Não combinacomvocê,Clarissa.Deve sentirmuita faltado

teatro.Soubequevocêeraapaixonadaporteatroquandoeramais

jovem.

Sim,euera.Masdouumjeitodecriarmeupróprioteatropor

aquimesmo-disseClarissacomumarisada.

MaspodiaestarlevandoumavidaanimadaemLondres.

Clarissariudenovo.

Page 19: Agatha christie - a teia da aranha

Oquê...festaseboates?-perguntouela.

Sim, festas. Você daria uma ótima anfitriã - disse Jeremy,

rindo.

Elaoencarou.

Sei, comonaqueles romancesdoperíodoeduardiano -disse

ela.-Dequalquermaneira,festasdiplomáticassãoextremamente

monótonas.

Mas é um desperdício tão grande, você escondida aqui -

insistiu Jeremy, chegando mais perto e tentando pegar a mão

dela.

O que está sendo desperdiçado... eu? - indagou Clarissa,

recolhendoamão.

Sim-respondeuelecomfervor.-EcomHenry.

O que tem Henry? - Clarissa entretinha-se afofando a

almofadadeumapoltrona.

Jeremyolhou-acomfirmeza.

Não consigo entender por que você se casou com ele -

respondeu,criandocoragem.-Ébemmaisvelhoquevocêetem

uma filha em idade escolar. - Curvou-se sobre a cadeira de

braços, ainda observando-a de perto. - Uma pessoa ótima, sem

dúvida,masrealmente,umpedante.Sempredenarizempinado.-

Parou,esperandoumareação.Comonãohouve,emendou:-Eleé

umchato.

Page 20: Agatha christie - a teia da aranha

Elapermaneceucalada.Jeremyvoltouàcarga.

Enão temumpingode sensodehumor - resmungou com

certapetulância.

Clarissaolhouparaele,sorriu,masnãodissenada.

Achaqueeunãodevodizeressascoisas,nãoé?-comentou

Jeremy.

Clarissasentou-senapontadeumbanquinhocomprido.

Ah,eunãoligo-afirmou.-Podedizeroquequiser.

Jeremysentou-seaoladodela.

Você se dá conta então de que cometeu um engano? -

indagouansioso.

Masnãocometienganonenhum-foiarespostadeClarissa,

enunciadaemvozmacia.Eacrescentouprovocante:

Vocêestátomandoliberdadescomigo,Jeremy?

Semdúvida-foiarespostaimediata.

Que adorável - exclamou Clarissa, cutucando-o com o

cotovelo.-Continue.

Acho que sabe o que sinto por você, Clarissa, respondeu

Jeremy,umtantomelancólico.

Masestáapenasbrincandocomigo,não?Flertando.Émais

um de seus joguinhos. Querida, não pode me levar a sério ao

menosumavez?

Page 21: Agatha christie - a teia da aranha

Sério? O que há de tão bom em ser "sério"? - respondeu

Clarissa.-Jáexisteseriedadedemaisnestemundo.Gostodeme

divertiregostoquetodosaomeuredorsedivirtamtambém.

Jeremysorriucomcertamágoa.

Estariamedivertindobemmaisnestemomento se vocême

levasseasério-observou.

Ah,parecomisso-pediuela,brincalhona.

Claroqueestásedivertindo.Vocêénossoconvidadoparao

fim de semana, junto com meu adorável padrinho Roly. Para

completar, o velho e amável Hugo também veio confra-ternizar

estanoite.EleeRolysãotãoengraçadosjuntos.Nãopodedizer

quenãoestásedivertindo.

Claroqueestoumedivertindo-admitiuJeremy.

Masvocênãovaimedeixardizeroqueeu realmentequero

lhedizer.

Nãosejainfantil,querido-respondeuela.-Sabemuitobem

quepodedizeroquequiserparamim.

Verdade?Temcertezadisso?-perguntou.

Claro.

Poismuitobem-disseJeremy.Levantou-sedobancoeolhou

paraela.-Euteamo-afirmou.

Ficomuitocontente-respondeuClarissacomvivacidade.

Nãopodiahaver respostamais errada - reclamouJeremy. -

Page 22: Agatha christie - a teia da aranha

Deviadizer"Sintomuito"emvozsinceraecompreensiva.

Mas não sinto muito - insistiu Clarissa. - Eu me alegro

muito.Gostoqueaspessoasseapaixonempormim.

Jeremysentouaoladodeladenovo,masvirouorosto.Agora

ele aparentava profunda decepção. Obser- vando-o um pouco,

Clarissaindagou:

Fariaqualquercoisanestemundopormim?

Volvendooolharparaela,Jeremyrespondeuansioso:

Sabequesim.Qualquercoisa.Qualquercoisanestemundo-

afirmou.

Verdade? -disseClarissa. -Vamossupor,por exemplo, que

eumatassealguém,vocêmeajudaria...não,émelhoreuparar.

Clarissaseergueuedeualgunspassos.Jeremyaseguiucom

osolhos.

Continue,porfavor-incitouele.

Depoisdeumabrevehesitação,elacomeçouafalar.

Antesmeperguntouseavidaaquino interiornãomedava

tédio.

Foi.

Bem,vamosdizerque,decertaforma,sim-admi-étiu.-Ou

melhor,poderia,nãofossemeuhobbysecreto.

Hobbysecreto?Comoassim?-perguntouJeremyintrigado.

Page 23: Agatha christie - a teia da aranha

Clarissarespiroufundo.

Vejabem,Jeremy-disseela-,minhavidasemprefoipacata

e feliz.Nuncaalgo excitanteaconteceucomigo, então comecei a

fazermeujoguinho.Chama-se"Imagina".

"Imagina"?-indagouJeremy,tomadodecuriosidade.

Sim-disseClarissa,começandoaandardeumladoparao

outro na sala. - Por exemplo, eu poderia dizer a mim mesma,

"Imagina se uma bela manhã eu descesse e encontrasse um

cadáver na biblioteca, o que eu faria?".Ou "Imagina se umdia

aparecesse uma mulher dizendo que ela e Henry haviam se

casadoemsegredoemConstantinoplaequenossocasamentoera

bígamo,oqueeudiriaaela?".Ou"Imaginaseeutivesseseguido

meusimpulsosemetornadoumaatrizfamosa?"Ou"Imaginase

eu precisasse escolher entre trair meu país ou ver Henry ser

baleadobemnaminhafrente?".Entendeoqueeuquerodizer?

SorriuderepenteparaJeremy.

Ou mesmo... - Ela se acomodou na cadeira de braços. -

"ImaginaseeufugissecomJeremy,oqueaconteceria?"

Jeremyajoelhou-seaoladodela.

Estoulisonjeado-disse.-Masalgumavezimaginoumesmo

essasituaçãoemespecial?

Ah,sim-respondeuClarissa,sorrindo.

Eoqueaconteceu?-elepegouamãodela.

Elarecolheuamãonovamente.

Page 24: Agatha christie - a teia da aranha

Deixe-mever, aúltimavez emqueeu joguei, estávamosem

Juan lesPins,naRiviera,eHenryveioatrásdenós.Eleestava

armadocomumrevólver.

Meu Deus! - exclamou Jeremy estupefato. - Ele atirou em

mim?

Clarissasorriuaorecordar.

Quemelembre-contou-eledisse...-Paroue,adotandoum

estilodramático,prosseguiu:-"Clarissa,ouvocêvoltacomigo,ou

eumemato".

Jeremylevantou-seeseafastou.

Muito conveniente da parte dele - comentou, sem se

convencer. - Não consigo pensar em algo menos parecido com

Henry.Mas,enfim,oquevocêrespondeu?

Na verdade, joguei de duas maneiras - admitiu Clarissa,

ainda sorrindo de satisfação. - Numa vez disse aHenry que eu

sentiamuito.Eunãoqueriamesmoqueelesematasse,maseu

estava profundamente apaixonada por Jeremy, e nadame faria

mudardeideia.Henryseatirouaosmeuspés,soluçando,maseu

permaneciirredutível.Disseaele:"Gostodevocê,Henry,masnão

posso viver sem Jeremy. Adeus." Saí apressada para o jardim,

onde vocême esperava.Quandodescíamos correndoo caminho

atéoportãodafrente,ouvimosumtironointeriordacasa,mas

continuamossemolharparatrás.

Minhanossa! -admirou-seJeremy,sem fôlego. - Issoéque

eu chamo de contar tudo. PobreHenry. -Meditou um pouco e

prosseguiu:-Masvocêdissequejogoudeduasmaneiras.Oque

Page 25: Agatha christie - a teia da aranha

aconteceunaoutravez?

Ah,Henryestavatãoarrasadoesuplicoudeummodoqueme

inspirou tanta pena, que eu não tive coragem de abandoná-lo.

DecidiesquecervocêededicarmeusdiasàfelicidadedeHenry.

Jeremyficouemestadodeabsolutadesolação.

Bem, querida - afirmou magoado -, com certeza você se

diverte. Mas, por favor, fale sério um momento. Eu falo sério

quandodigoqueaamo.Enãoédehoje.Vocêdeveterpercebido.

Tem certeza de que não tenho chance? Quer mesmo passar o

restodesuavidacomovelhoetediosoHenry?

Clarissa não precisou responder devido à chegada de uma

criança alta e magricela, de uns doze anos de idade, vestindo

uniforme escolar e carregandoumamochila. Ao entrar na sala,

gritou"Olá,Clarissa!"comoformadesaudação.

Oi,Pippa-respondeuàmadrasta.-Estáatrasada.

Pippalargouchapéuemochilanumapoltrona.

Aulademúsica-explicoulacônica.

Ah,sim-lembrou-seClarissa.-Hojeédiadepiano,nãoé?

Estavainteressante?

Não.Umhorror.Sórepetierepetiexercíciosterríveis.ASrta.

Farrowfalouquefezissoparamelhorarmeudedilhado.Elanão

medeixoutocarosolobonitoquevenhotreinando.Temalgopara

comerporaqui?Estoumorrendodefome.

Clarissalevantou-se.

Page 26: Agatha christie - a teia da aranha

Nãopegouosbolinhosdesempreparacomernoônibus?

-Ah,sim-admitiuPippa-,masissofoimeiahoraatrás.-A

menina lançou a Clarissa um olhar de súplica quase cômico. -

Possocomerbolooubeliscaralgumacoisaantesdojantar?

PegandonamãodePippa,Clarissaa levouàportadohall,

rindo.

Vamosveroquepodemosfazer-prometeu.

Enquantosaía,Pippaperguntoucontente:

Aindatemaquelebolo...aqueledecerejasporcima?

Não-disseClarissa.-Vocêterminoucomeleontem.

Jeremybalançouacabeça,sorrindo,aoescutarasvozesdas

duassumindonohall.Tãologoasvozesficaramforadoalcance,

eleseencaminhourápidoàescrivaninhaecompressaabriuuma

ouduasgavetas.Contudo,aoouvirderepenteumavozfeminina

chamando com entusiasmo do jardim "Ó de bordo!", teve um

sobressaltoefechourápidoasgavetas.Voltou-seatempodever

umamulhercorpulentaejovial,deunsquarentaanos,comum

trajedetweedebotasdeborracha,abrindoasportasdevidro.Ela

parou ao ver Jeremy. No degrau da porta, perguntou

bruscamente:

ASra.Hailsham-Brown?

Devagar, com ar despreocupado, Jeremy rumou da

escrivaninhaaosofáerespondeu:

Sim, Miss Peake. Ela foi à cozinha providenciar algo para

Page 27: Agatha christie - a teia da aranha

Pippacomer.AsenhoraconheceoapetitevorazdePippa.

Criançasnãodevemcomerentreasrefeições—foiaresposta,

pronunciadaemtimbreretumbante,quasemasculino.

Vaientrar,MissPeake?-indagouJeremy.

Não,nãovou,porcausademinhasbotas-explicoucomuma

risadacordial.-Eulevariametadedojardimcomigoseentrasse.-

Riudenovo.-Sóiaperguntarqueverduraselavaiquererparao

almoçodeamanhã.

Bem,receioqueeu...-principiouJeremy,quandoMissPeake

ocortou.

Quer saber deuma coisa? - disse ela repentinamente. - Eu

voltomaistarde.

Fezmençãodeseretirar,masentãosevirouparaJeremy.

Ah,osenhorvai tomarcuidadocomessaescrivaninha,não

vai,Sr.Warrender?-indagou,demaneiraperemptória.

Sim,claroquevou-respondeuJeremy.

É uma antiguidade preciosa, sabe - explicou Miss Peake. -

Nãodeveriapuxarasgavetasdessejeitoviolento.

Jeremyficouconfuso.

Mil desculpas. Eu só estava procurando uma folha em

branco.

Nagavetadomeio-vociferouMissPeake,apontandoaofalar.

Page 28: Agatha christie - a teia da aranha

Jeremyvoltouàescrivaninha,abriuagavetadomeioepegou

umafolhadepapelembranco.

Issomesmo-continuouMissPeake,sendocurtaegrossa.-

Curiosocomoaspessoasmuitasvezesnãoenxergamnemmesmo

oqueestábemnafrentedeseusolhos.

Deuumagargalhadacomgostoeumpassolargodevoltaao

jardim.Jeremyriujuntocomela,mascessouabruptamentetão

logo ela saiu. Estava prestes a voltar à escrivaninha, quando

Pipparetornoumastigandoruidosamenteumbolinho.

Page 29: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo3

Hum...Que delícia - disse Pippa de boca cheia, fechando a

portaatrásdesielimpandoosdedospegajososnasaia.

Oi-cumprimentouJeremy.-Estavaboaaescolahoje?

-Abominável - respondeu Pippa, contente ao colocar o que

restavadobolonamesa.-HojeteveTópicosInternacionais.-Ela

abriu a mochila. - A professora Wilkinson adora Tópicos

Internacionais.Maselaémuitomolenga.Nãoconseguemantera

disciplinanasaladeaula.

Pippatirouumlivrodamochila,eJeremyperguntou:

Qualsuamatériafavorita?

Biologia - foi a resposta instantânea e entusiasmada de

Pippa. -É oparaíso.Ontemdissecamosapernadeumsapo. -

Levouolivroàfrentedorostodele.-Olhasóoqueeuconsegui

nosebo.Umararidade!Comcertezatemmaisdeumséculo.

Oquevemaseristo?

Étipoumlivrodereceitas-explicouPippa,abrindoolivro.-

Éimpressionante,muitoimpressionante.

Masqualémesmooassunto?-quissaberJeremy.

Pippajáestavaabsortafolheandoolivro.

Oquê?-sussurrou,virandoaspáginas.

Page 30: Agatha christie - a teia da aranha

Parecemesmomuitoenvolvente-observouele.

Oquê?- repetiuPippa,aindacomaatençãovoltadaparao

livro.E,acadanovapágina,murmuravaconsigo:-Puxavida!

Está na cara que valeu cada centavo - comentou Jeremy,

apanhandoumjornal.

Intrigadacomumtrechoqueestavalendo,Pippaperguntou:

Qualadiferençaentreumaveladeceraeumadesebo?

Jeremyrefletiuuminstanteantesderesponder.

Imagino que a vela de sebo tenha qualidade bem inferior -

disse ele. - Mas, com certeza, não é de comer? Que livro de

receitasestranho.

Muitoentretida,Pippalevantou-se.

"É de comer?" - declamou ela. - Parece o jogo das vinte

perguntas.-Riu,atirouolivronapoltronaebuscouumbaralho

naestantedelivros.-Sabejogarpaciência?-perguntou.

Aessaaltura,Jeremyestavatotalmenteimersonojornal.Sua

únicarespostafoi"Hum".

Pippatentouatrairaatençãodelemaisumavez.

Nãoquerjogarrouba-monte?

Não - respondeu Jeremy com firmeza. Colocou o jornal no

banco,sentou-seàescrivaninhaeendereçouumenvelope.

É,acheimesmoquevocênãoiaquerer-dissePippa,emvoz

Page 31: Agatha christie - a teia da aranha

baixa e tristonha. Ajoelhando-se no chão no meio da sala,

distribuiuas cartas e começoua jogarpaciência.—Bemquea

gente podia ter umdia bonito para variar - queixou-se.—Que

perdadetempoocampoemdiadechuva!

Jeremyrelanceouoolharnadireçãodela.

Gostademorarnointerior,Pippa?-perguntou.

Muito— respondeu entusiasmada. - É bemmelhor do que

moraremLondres.Estacasaéincrivelmentemágica,temquadra

detênisetudomais.Temosatéumesconderijodepadre.

Umesconderijodepadre?-indagouJeremy,sorrindo.-Nesta

casa?

Temossim!-afirmouPippa.

Nãoacredito—falouJeremy.-Nãoédamesmaépoca.

Pelomenoseuchamodeesconderijodepadre insistiuela.-

Euvoumostrarparavocê.

Elafoiatéoladodireitodaestante,retirouunslivrosepuxou

para baixo uma pequena alavanca na parede atrás dos livros.

Uma seção da parede à direita das prateleiras girou e abriu,

revelando-seumaportaoculta.Atrásdaportahaviaumrecesso

deespaçorazoável,comoutraportaocultanaparededosfundos.

Claro, eu sei que não é bem um esconderijo de padre -

admitiu Pippa. - Mas com certeza é uma passagem secreta. Na

verdade,aquelaportaalidáparaabiblioteca.

Ah, dá? - Jeremy foi investigar. Abriu a porta no fundo da

Page 32: Agatha christie - a teia da aranha

câmara, deuuma rápida olhadanabiblioteca, fechouaporta e

voltouàsala.-Émesmo.

Masétudomuitosecreto.Seeunãotivessedito,vocênunca

teria adivinhado - disse Pippa ao erguer a alavanca e cerrar a

portaescondida.-Eupassoporalitodahora-prosseguiuela.-É

o tipo do lugar bem conveniente para ocultar um cadáver, não

acha?

Jeremysorriu.

Idealparaisso-concordou.

Pippa voltou ao jogo de cartas no chão. Quando Clarissa

entrounasala,Jeremyergueuoolhar.

AAmazonaprocuraporvocê-informouele.

MissPeake?Ah,tédio-exclamouClarissaaopegarobolode

Pippadamesaedarumamordida.

Pippanamesmahoraselevantou.

Ei,issoémeu!-protestou.

Sua comilona egoísta - murmurou Clarissa, entregando o

restodoboloàmenina.Pippaorepôsnamesaevoltouaojogo.

Primeiro ela me saudou como se eu fosse um navio disse

JeremyaClarissa-edepoismesoltouoscachorros,dizendoque

eudeviacuidarmelhordaescrivaninha.

Elaéumapragadosinfernos-admitiuClarissa,curvando-se

sobreumadaspontasdosofáparasondarascartasdePippa.-

Page 33: Agatha christie - a teia da aranha

Masacasaéalugada,eelavemjuntocomopacote,porisso...-

CortouedisseaPippa:-Dezpretonovaletevermelho-antesde

concluir - ...por isso tivemosquemantê-la.Em todoo caso, ela

cuidadireitinhodojardimedahorta.

Sei -concordouJeremy,envolvendoClarissacomobraço. -

Esta manhã eu a vi da janela de meu quarto. Escutei uns

grunhidosdeesforço,espieipelajanelaeláestavaaAmazona,no

jardim,cavandoalgoquemaispareciaumaimensacova.

Chama-sesulcamentoprofundo-explicouClarissa.-Senão

meengano,serveparacultivarcouvesoucoisaparecida.

Jeremyinclinou-seafimdeestudarojogodecartasnochão.

Três vermelho no quatro preto - indicou ele a Pippa, que

respondeucomumolharirado.

SaindodabibliotecacomHugo,SirRowlandfitouJeremyde

modo significativo. Discretamente, ele escorregou o braço e

afastou-sedeClarissa.

Até que enfim parece que o tempo vai limpar anunciou Sir

Rowland. - Mas tarde demais para o golfe. Temos apenas uns

vinte minutos de luz. - Baixando os olhos ao jogo de Pippa,

apontoucomopé.-Olhe,estaaquivaiali-disse.Atravessandoa

salaatéasportasdevidro,nãopercebeuoolhar ferozdePippa

emsuadireção.–Bemdisseele,observandoojardim-,achoque

agorapodemosiràsededoclube,seéquevamoscomerporlá.

Voupegarosobretudo-avisouHugoe,aocruzarporPippa,

debruçou-separadarumpalpite.Pippa,enfurecidaaestaaltura,

inclinouocorpoeescondeuascartas.Hugodirigiu-seaJeremy.

Page 34: Agatha christie - a teia da aranha

Evocê,garoto?-perguntou.-Vemconoscoounãovem?

Sim - respondeu Jeremy. - Só vou pegar o casaco. - Ele e

Hugoentraramjuntosnohall,deixandoaportaaberta.

Temcertezadequenãoseincomodaemjantarestanoiteno

clube,querido?-perguntouClarissasirRowland.

Nemumpouco-garantiu.-Foiumaprovidênciaadequada,

jáqueéanoitedefolgadosempregados.

Elgin, o mordomo de meia-idade dos Hailsham- Brown

entrounasalavindodohalleencaminhou-seaPippa.

O jantar está servido na sala de estudo, Srta. Pippa -

informou.-Leite,frutaseseusbiscoitospreferidos.

Ah,tavanahora!-gritouPippa,levantando-seemumpulo.-

Estouazuldetantafome!

Ela disparou rumo à porta do hall, mas foi bloqueada por

Clarissa,quelhedisseseveramenteparaantesrecolherascartas

eguardá-las.

-Ah,chatice!-exclamouPippa.Retornouàscartas,ajoelhou-

seedevagarinhocomeçouafazerumapilhajuntoaopédosofá.

Elgindirigiu-seàpatroa.

Comsualicença,madame-disseemvozbaixaerespeitosa.

Sim,Elgin,oqueé?-perguntouClarissa.

Omordomonãopareciaàvontade.

Page 35: Agatha christie - a teia da aranha

Houve um pequeno... como direi... mal-entendido com as

verduras-contouele.

Ai,meuDeusdocéu-disseClarissa.-QuerdizercomMiss

Peake?

Sim, madame - prosseguiu o mordomo. - Minha mulher

consideraMissPeakemuitodifícilde lidar,madame.Todahora

elaentranacozinha,criticaefazcomentários.Minhamulhernão

gosta nada disso. Em todos os lugares em que trabalhamos, a

Sra.Elgineeusempretivemosrelaçõesprazerosascomojardim.

Sintomuito - respondeuClarissa,disfarçandoumsorriso. -

Vou...bem...vouveroquepossofazer.VouconversarcomMiss

Peake.

Obrigado,madame-disseElgin.Fezumareverênciaesaiu,

fechandoâportadohall.

Essesempregados...comosãocansativos-observouClarissa

a Sir Rowland. - E como falam coisas curiosas. Como alguém

pode ter relações prazerosas com o jardim? Isso me soa

inadequado,deummodoherético.

MasachoquevocêtemsortecomocasalElgin

ponderouSirRowland.-Ondeosconseguiu?

Ah,naagênciadeempregoslocal-respondeuClarissa.

SirRowlandfranziuocenhoeobservou:

Esperoquenãosejaaquela,comoémesmoonome?Aquela

quesónosmandagentetorta.

Page 36: Agatha christie - a teia da aranha

Torta? - perguntou Pippa, erguendo o olhar do chão, onde

continuavaapôrascartasemordem.

Não,querida.Gentetorta-disseSirRowland.

Lembra - continuou ele, voltando-se a Clarissa - daquela

agênciadenome italianoou espanhol... deBotello,não é?Que

não parava de mandar gente para ser entrevistada, na maioria

imigrantesclandestinos?AndyHulmeeaesposacontrataramum

casalquefezliteralmenteumalimpanacasa.Usaramotrailerde

transportar cavalos de Andy e le-varammetade das coisas. Até

hojenãoforamcapturados.

-Ah,sim-riuClarissa.-Lembrosim.Pippa,vamosrápido!-

ordenouela.

Pippapegouascartaselevantou-se.

Prontinho! - exclamou, petulante, colocando as cartas na

prateleira. - A vida seria bemmelhor se a gente não precisasse

todahoraestararrumandoascoisas.

Ela se dirigiu à porta, mas foi detida por Clarissa, que a

chamou,pegandoorestodoboloqueestavanamesa:

Tomeaqui,leveistocomvocê-eentregou-lheobolo.

Pipparecomeçouaandar.

Amochila-continuouClarissa.

Pippacorreuàpoltrona,apanhouamochilaechispourumo

àportadohall.

Page 37: Agatha christie - a teia da aranha

Ochapéu!-gritouClarissa.

Pippalargouobolonamesa,agarrouochapéuefoisaindo.

Vem cá! - chamou Clarissa outra vez. Tomou o pedaço de

bolo, enfiou na boca de Pippa, pegou o chapéu, enterrou-o na

cabeçadamenina e a empurroupara ohall. -E fecheaporta,

Pippa-ordenou.

Pippa enfim retirou-se, fechando a porta. Sir Row- riu, e

Clarissariujunto,pegandoumcigarrodacaixanamesa.Láfora,

aluzdodiacomeçavaaesmaecer,eolusco-fuscoentravanasala.

Sabe,émaravilhoso!-exclamouSirRowland.

Pippamudoumuito.Vocêtemfeitoumtrabalhonotávelpor

aqui,Clarissa.

Clarissaafundounosofá.

Achoqueagoraelagostamesmodemim-disse.

Econfiaemmim.Estouadorandosermadrasta.

SirRowlandpegouumisqueirodamesinhaaoladodosofáe

acendeuocigarrodeClarissa.

O fato — observou — é que agora ela voltou a ser uma

meninanormalefeliz.

Clarissaconcordoucomacabeça.

Acho quemorar no interior fez a diferença - sugeriu. - Ela

frequentaumaótimaescolaetemfeitomuitosamigosporlá.Sim,

achoqueestáfelize,comovocêdiz,normal.

Page 38: Agatha christie - a teia da aranha

SirRowlandfranziuocenho.

Quecoisachocante -exclamou-verumacriançanoestado

em que ela estava. Eu tinha vontade de torcer o pescoço de

Miranda.Quemãehorrívelelaera.

Sim-concordouClarissa.-Pippatinhamuitomedodamãe

dela.

SirRowlandjuntou-seaelanosofá.

Umcasorevoltante-murmurou.

Clarissacerrouospunhosefezumgestoderaiva.

FicofuriosasódepensaremMiranda-disseela.

Tudooque ela fezHenry sofrer e tudoporque ela fez essa

criançapassar.Aindanãoconsigoentendercomoumamulherfoi

capazdisso.

O vício das drogas é uma coisa sórdida - prosseguiu Sir

Rowland.-Alteratodaasuapersonalidade.

Ficaramumtempoemsilêncio,atéClarissaperguntar:

Como acha que ela começou a usar drogas? -Acho que foi

aqueleamigodela,oporcodoOliver

Costello - respondeu Sir Rowland. - Acredito que ele seja

traficante.

Éumhomemdetestável-concordouClarissa.

Page 39: Agatha christie - a teia da aranha

Muitomau,eusempreachei.

Elessecasaram,não?

Sim,ummêsatrás.

SirRowlandbalançouacabeça.

Bem,tudoindicaqueagoraHenryestá livredeMiranda,de

uma vez por todas - disse ele. - Um sujeito legal, o Henry. -

Enfatizou:-Umsujeitomuitolegal.

Clarissasorriuemurmurouamavelmente:

Achaqueprecisamedizerisso?

Seiqueelenãofalamuito-continuouSirRowland.

É o que poderia se chamar de uma pessoa reservada, mas

íntegra.-Apósumapausa,acrescentou:-Aquelemoço,oJeremy.

Oquesabedele?

Clarissasorriudenovo.

Jeremy?Eleémuitodivertido-respondeu.

Humpf!-bufouSirRowland.-Hojeemdia,parecequeésó

comissoqueaspessoassepreocupam.

Lançou a Clarissa um olhar sério e prosseguiu: - Não vá...

nãovámefazerumabobagem,sim?

Clarissariu.

NãoseapaixoneporJeremyWarrender-respondeuela.-É

Page 40: Agatha christie - a teia da aranha

issoquevocêquerdizer,nãoé?

SirRowlandcontinuouafitá-lasério.

Sim - disse ele -, é exatamente isso que eu quero dizer. É

evidente que ele é seu fã. Parecemesmo incapazde lhe tirar as

mãosdecima.MasseucasamentocomHenryémuitofeliz,eeu

nãogostariaquesearriscasseaperdê-lo.

Clarissarespondeucomumsorrisoafetuoso.

Achamesmoqueeufariaumabobagemdessas?

perguntourisonha.

Certamente isso seria uma grande bobagem- frisou Sir

Rowland. Depois de uma pausa, continuou. - Sabe, Clarissa

querida, eu vi você crescer.Você significa realmentemuitopara

mim. Se algum dia estiver em apuros, sabe que pode contar

comigo,nãosabe?

Claro,meuqueridoRoly - respondeuClarissa.Ela o beijou

nabochecha.-EnãoprecisasepreocuparcomJeremy.Verdade,

nãoprecisa.Seiqueeleémuitoenvolventeecativantee tudoo

mais.Masvocêmeconhece,estouapenasmedivertindo.Apenas

brincando.Nãoénadasério.

Antes que Sir Rowland pudesse responder, Miss Peake de

repentesurgiunasportasdevidro.

Page 41: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo4

Neste meio-tempo, Miss Peake havia tirado as botas e

apareceusódemeias.Tinhanamãoumacabeçadebrócolis.

A senhora não repara eu entrar deste jeito, Sra. Hailsham-

Brown-bradou,caminhandoatéosofá.-Nãoqueriasujarasala

toda, por isso deixei as botas lá fora. Só queria que a senhora

desse uma olhada neste bróco- lis. - Sobre o encosto do sofá,

empurrouaverdurabemembaixodonarizdeClarissa.

Pa... parece muito bonito - foi tudo o que Clarissa pôde

pensarcomoresposta.

MissPeakeempurrouobrócolisparaSirRowland.

Dêumaolhada-mandouela.

SirRowlandobedeceueanunciouseuveredicto.

Não consigo ver nada de errado - declarou. Mas pegou o

brócolis na mão para empreender uma investigação mais

detalhada.

É óbvio quenão temnadade errado - gritouMiss Peake. -

Ontem levei outro igualzinho a este na cozinha, e aquela

mulher... - Interrompeu a fala, como quem abre parênteses: -

Claro, não quero ficar falando dos seus empregados, Sra.

Hailsham-Brown,emboraeuatépudessefalarumpoucodeles.-

Retornando ao tema principal, prosseguiu: - Mas não é que

aquelaSra.Elgin teveapetulânciadedizernaminhacaraque

era um brócolis de qualidade tão inferior que se recusaria a

Page 42: Agatha christie - a teia da aranha

cozinhá-lo? Ela disse bem assim: "Se a senhora não consegue

fazer melhor do que isso na horta é melhor procurar outro

emprego".Fiqueitãobrabaquepoderiatê-laesganado.

Clarissatentoufazerumaparte,mas,indiferente,MissPeake

continuouaseexplicar.

Quero que a senhora saiba que eu não desejo causar

problema - insistiu -,mas não vou entrar na cozinha para ser

insultada.-Depoisdeumapausabrevepararecuperarofôlego,

retomousualadainha.-Deagoraemdiante-declarou-,aSra.

Elginpodedeixarumalistanaportadosfundos,queeulargoas

verdurasdoladodefora.

Aestaaltura,SirRowlandtentoudevolverobróco- lis,mas

MissPeakeoignoroueprosseguiu:

Elapodedeixarumalistadoqueelavaiprecisar.

Econcordouconsigomesma,acenandoacabeçacomvigor.

ClarissaeSirRowlandficaramemudecidos.Nahoraexataem

queajardineiraabriuabocadenovo,otelefonetocou.

Deixequeeuatendo-berrouela.Foiaoaparelhoeergueuo

fone do gancho. - Alô... sim - gritou, limpando a mesa com a

pontadoavental.-AquiéCopplestoneCourt...Querfalarcoma

Sra.Brown?...Sóummomento.

MissPeakeestendeuamãocomoreceptor.Clarissaapagouo

cigarroefoiatender.

-Alô-disseClarissa.-ÉaSra.Hailsham-Brown...Alô...alô?-

Page 43: Agatha christie - a teia da aranha

OlhouparaMissPeake. -Que esquisito exclamou. - Pareceque

desligaram.

Quando Clarissa recolocava o fone no gancho, Miss Peake

subitamente avançou até o consolo e começou a empurrá-lo na

direçãodaparede.

Comsualicença-esbravejouela-,masoSr.Sellongostava

destamesaencostadanaparede.

ClarissasecretamentefezumacaretaparaSirRowland,mas

apressou-seaajudarMissPeakecomoconsolo.

Obrigada -dissea jardineira. -E - emendouela,a senhora

vaitercuidadoparanãodeixarmarcasdetaçasnosmóveis,não

vai, Sra. Brown-Hailsham? - Clarissa olhou angustiada para a

mesa,eajardineiracorrigiu-se.

Medesculpe...euquisdizerSra.Hailsham-Brown.-Elacaiu

numarisadacordial.-Ora,Brown-Hailsham,Hailsham-Brown-

prosseguiu.-Dátudonamesma,nãoé?

Não,MissPeake,nãodá-declarouSirRowland,articulando

claramente as palavras. - Afinal, uma baia equina é algo bem

diferentedeumaequinabaia.

Miss Peake ria jovialmente disso, quando Hugo entrou na

sala.

Comovai?-cumprimentouela.-Estoulevandomeurotineiro

puxãode orelha.Muito irônico comosempre. -Aproximando-se

deHugo,deu-lheumtapinhanascostaseemseguidavoltou-se

aosdemais.-Bem,boanoiteatodos-gritouela.-Estánahora

Page 44: Agatha christie - a teia da aranha

deirandando.Medáaquiessesbrócolis.

SirRowlandodevolveu.

Baiaequina...equinabaia!-exclamouela.-Essafoiboa!Não

vou me esquecer, pode deixar. - Com outra risada estrondosa,

sumiupelasportasdevidro.

HugoobservouMissPeakeseafastar.Voltou-separaClarissa

eSirRowland.

Porquecargasd'águaHenryaguentaessamulher?Admirou-

se.

Na verdade, ele a considera difícil de engolir - respondeu

Clarissa. Pôs o livro de Pippa namesa e se deixou afundar na

poltrona.Hugorespondeu:

Eutambém.Elaseachatãoesperta!Semprecomaquelejeito

animadodeestudante.

Temo que seja um caso de atraso na idade mental

acrescentouSirRowland,meneandoacabeça.

Clarissasorriuedisse:

Concordoqueelaquaseenlouqueceagente,maséumaótima

jardineira e, como faço questão de repetir, ela vem junto coma

casa,ejáqueacasaéumamaravilhadetãobarata...

Barata?Émesmo?-interrompeuHugo.-Nãoimaginava.

Uma pechincha - disse-lheClarissa. - Saiu um anúncio no

jornal.Nósviemosparavê-launsdoismesesatrásenamesma

Page 45: Agatha christie - a teia da aranha

horaaalugamosporseismeses,commobíliaetudo.

Aquempertenceacasa?-indagouSirRowland.

EradeumtalSr.Sellon-respondeuClarissa.

Mas ele morreu. Era um comerciante de antiguidades em

Maidstone.

Ah,sim!-exclamouHugo.-Seiquemé.Sellon&Brown.Um

tempoatráscompreiumespelhoestiloChippendalemuitobonito

na lojadeleemMaidstone.Sellonmoravaaquinocampoe iaa

Maidstonetodososdias,masachoqueàsvezeseletraziaclientes

aquiparamostrarascoisasquemantinhaemcasa.

Nemme fale - contouClarissa aos dois amigos -, esta casa

temalgumasdesvantagens.Ontem,porexemplo,umhomemde

trajexadrezberrantechegouguiandoumcarroesporteefezuma

propostaporessaescrivaninha-apontouela.-Eudisseaeleque

não era nossa e que por isso não podíamos vendê-la, mas ele

simplesmentenãoescutouoqueeudiziaecontinuouaaumentar

opreço.Nofimchegouaquinhentaslibras.

Quinhentas libras! - exclamou Sir Rowland, realmente

estarrecido.Cruzouasalaatéaescrivaninha.-MeubomDeus!-

continuou.-Puxa,achoquenemmesmonafeiradeantiguidades

alcançariaumpreçopertodisso.Éumapeça interessante,mas

comcertezanãoparticularmentevaliosa.

EnquantoHugojuntava-seaelepertodaescrivaninha,Pippa

retornouàsala.

Aindaestoucomfome-reclamou.

Page 46: Agatha christie - a teia da aranha

Nãoépossível—Clarissadissecomfirmeza.

Estousim-insistiuPippa.—Leiteebiscoitosdechocolatee

umabanananãoenchemabarrigadeninguém-falou,jogando-

senacadeiradebraços.

SirRowlandeHugoaindaperscrutavamaescrivaninha.

Sem dúvida, é umamesa bonita - observou Sir Rowland. -

Ummóvelbemautêntico,imagino,masnãoexatamenteoqueeu

chamariadeumapeçadecolecionador.Nãoconcorda,Hugo?

-Sim,mastalveztenhaumagavetasecretacomumcolarde

diamantesescondido-brincouHugo.

Temumagavetasecreta.—intrometeu-sePippa.

Oquê?-espantou-seClarissa.

Achei no sebo um livro sobre gavetas secretas em móveis

antigos-explicouPippa.-Depoisandeiolhandoasescrivaninhas

eoutrascoisaspelacasa.Masessaéaúnicaquetemumagaveta

secreta - Levantou-seda cadeira. -Olhem - convidouela. -Vou

mostraravocês.

Ela caminhou até a escrivaninha e abriu uma das gavetas.

Clarissaveioe inclinou-sesobreosoíaparaobservar,enquanto

Pippadeslizavaamãodentrodagaveta.

Viram?-disseemostrou.-Ésódeslocarissodaquiprafora,

etemumtipodelinguetaembaixo.

Humpfl - grunhiu Hugo. - Não vejo nada demuito secreto

nisso.

Page 47: Agatha christie - a teia da aranha

Ah,masissonãoétudo-continuouPippa.-Vocêapertaisso

aqui embaixo e... salta um escaninho. - De novo, fez conforme

descreveu,eumescaninhofoiejetadodamesa.-Estãovendo?

Hugopegouoescaninhoeretiroudeleumpedaçodepapel.

Olhem-disse -,oqueserá isso? -Leuemvozalta: - "Seus

trouxas!"

Quê?! - exclamou Sir Rowland. Pippa caiu na risada, e os

outrosa imitaram.SirRowland,brincalhão,sacudiuPippa,que

fingiurevidarcomumsocoesevangloriou:

Fuieuquecoloqueiistoali!

Sua malandrinha! — disse Sir Rowland, descabelando a

menina. - Está me saindo pior que a Clarissa em matéria de

truquesinfantis.

Na verdade - contou Pippa -, tinha um envelope com um

autógrafodarainhaVitóriadentro.Vejam,voumostrarpravocês.

- Disparou até as prateleiras, enquanto Clarissa recolocava o

escaninhoefechavaagavetadaescrivaninha.

Numa das prateleiras inferiores da estante de livros, Pippa

abriu uma caixinha, pegou um envelope antigo e mostrou três

pedaçosdepapelaogrupoalireunido.

Colecionaautógrafos,Pippa?-perguntouSirRowland.

Nãoexatamente-respondeuPippa.-Apenascomoatividade

secundária.-EntregouumdospedaçosdepapelaHugo,quedeu

umaolhadaepassouadiantesirRowland.

Page 48: Agatha christie - a teia da aranha

Uma garota da escola é filatelista, e o irmão dela tem uma

coleçãofabulosa—contouPippa.-Nooutonopassado,eleachou

quetinhaconseguidoumseloigualaoquetinhavistonojornal...

umselosuecoousuíçoquevaliacentenasdelibras.Entregouos

doisautógrafosrestanteseoenvelopeaHugo,queospassousir

Rowland.

Oirmãodeminhaamigaficoubastanteanimado-continuou

Pippa-elevouoseloaumavaliador.Masoavaliadordisseaele

queaquelenãoeraoseloqueeleestavapensando,masmesmo

assim era um ótimo selo. Em todo caso, ele pagou cinco libras

peloselo.

Sir Rowland devolveu os dois autógrafos a Hugo, que os

entregouaPippa.

Cinco libras é um bom preço, não é? - perguntou Pippa, e

Hugoconcordoucomumgrunhido.

Pippabaixouoolharparaosautógrafos.

QuantovocêsachamquevaleoautógrafodarainhaVitória?-

quissaberela.

Eudiriaqueentrecincoadezxelins-informouSirRowland,

observandooenvelopequecontinuavaasegurar.

TemdoJohnRuskinedoRobertBrowningtambém-contou

Pippa.

Que, receio, também não tenham muito valor -falou Sir

Rowland, entregando o autógrafo remanescente e o envelope a

Hugo,queosrepassouaPippa,nãosemcomentar,emvozbaixa

Page 49: Agatha christie - a teia da aranha

ecompassiva:

Sintomuito,meubem.Nãoestácommuitasorte,nãoé?

PenaqueeunãotenhodoNevilleDukeedoRogerBannister

-murmurou Pippa com ansiedade. - Pelo jeito esses autógrafos

históricos são muito batidos. - Guardou o envelope com os

autógrafosnacaixa,repôsacaixanaprateleiraefoisaindoparao

hall.-Possoverseaindatembiscoitodechocolatenadespensa,

Clarissa?-perguntouesperançosa.

Sim,sevocêquiser—disseClarissacomumsorriso.

Estamos saindo - disse Hugo. Seguiu Pippa até a porta e

chamounaescadaria:

Jeremy!Ei!Jeremy!

Já vai! - respondeu Jeremy, descendo as escadas depressa,

comumtacodegolfenamão.

Henrydeveestarchegando-murmurouClarissa,tantopara

sicomoparaosoutros.

Hugocruzouasalaatéaportadevidro,avisandoJeremy:

Melhorsairporaqui.Émaisperto.-Virou-separaClarissa.-

Boa noite, Clarissa querida - disse ele. - Obrigado por nos

suportar. Talvez eu vá do clube direto para casa, mas prometo

mandarinteirososhóspedesdofimdesemana.

Boa noite, Clarissa - despediu-se Jeremy, seguindo Hugo

jardimafora.

Page 50: Agatha christie - a teia da aranha

Clarissa acenavapara eles, quandoSirRowlandapareceu e

passouobraçoemvoltadela.

Boanoite,querida-disse. -Warrendereeuvamosvoltar lá

pelameia-noite.

Clarissaoacompanhouatéaportadevidro.

Queanoiteceragradável-observouela.-Voucomvocêatéo

portãodocampodegolfe.

Caminharam lado a lado no jardim, sem tentar alcançar

HugoeJeremy.

AquehoraschegaHenry?-perguntouSirRowland.

-Ah,nãotenhocerteza.IssovariaDaquiapouco,acho.Seja

comofor,vamosfazerumarefeiçãoleveeterumanoitetranquila.

Quandovocêsvoltaremjáestaremosnacama.

Sim,nãoesperepornós,peloamordeDeus-aconselhouSir

Rowland.

Andaram em silêncio amistoso até o portão do jardim,

quandoClarissafalou:

Éisso,querido,nosvemosmaistarde,oumaiscertonocafé-

da-manhã.

SirRowlanddeu-lheumbeijinhoafetuosonafaceeapertouo

passo para alcançar os outros. Clarissa deumeia-volta rumo a

casa.Caminhoudevagarnanoiteaprazível,detendo-seaquieali

para saborear aspectos e aromas do jardim, dando rédeas ao

pensamento.Riusozinhaaolembrar-sedaimagemdeMissPeake

Page 51: Agatha christie - a teia da aranha

com seus brócolis. Sorriu ao pensar em Jeremy e a sua

atabalhoadaintençãodecortejá-la;meioàtoa,ficouimaginando

seele estava falandosério.Aoaproximar-sedacasa, começoua

considerar,comprazer,aperspectivadeumanoitecomomarido

naplacidezdolar.

Page 52: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo5

PoucodepoisdeClarissaeSirRowlandteremsaído,Elgin,o

mordomo, entrou na sala vindo do hall, trazendo uma bandeja

com bebidas e repousando-a na mesa. Quando tocou a

campainha da frente, foi atender. Era um homem moreno de

charmeartificial.

Boanoite,senhor-saudouElgin.

Boa noite. Quero falar com a Sra. Brown - disse o homem

comcertarispidez.

Poisnão, senhor, tenhaabondade -disseElgin.Ohomem

entrou,eElginfechouaporta.-Aquemdevoanunciar?

Sr.Costello.

Poraqui,meusenhor.-Elginmostrouocaminhoatravésdo

hall. Ele ficou de lado para permitir que o recém- chegado

entrassenasaladeestaredisse:-Podeesperaraqui,senhor.A

madameestáemcasa.Vouverseconsigoencontrá-la.-Começou

aseafastar,emseguidaparouedirigiu-seaohomem.-Osenhor

disseSr.Costello?

Exato-respondeuodesconhecido.-OliverCostello.

Pois não,meu senhor -murmurou Elgin, saindo da sala e

fechandoaportaatrásdesi.

Ao se ver sozinho, Oliver Costello percorreu a sala com o

olhar, caminhou primeiro à porta da biblioteca, ficou alguns

Page 53: Agatha christie - a teia da aranha

segundosescutandoefezomesmonaportadohall.Aproximou-

sedaescrivaninha,curvou-sesobreelaeexaminouasgavetasde

perto. Escutando um ruído, afastou-se rapidamente da mesa.

EstavaparadonomeiodasalaquandoClarissaentroupelaporta

devidro.

Costellovirou-se.Aoverquemera,pareceuadmirado.

FoiClarissaquemfalouprimeiro.Comexpressãode intensa

surpresa,exclamouofegante:

Você?

Clarissa! O que está fazendo aqui? - exclamou Costello,

soandoigualmentesurpreso.

Pergunta cretina, não acha? - retrucouClarissa. - Esta é a

minhacasa.

Suacasa?-perguntoudemodocético.

Não faça de conta que não sabe - disse Clarissa, com

veemência.

Costellofitou-aemsilêncioporumtempo.Derepentemudou

deatitudeedisse:

Quecasaencantadora.Pertenciaaovelho...comoémesmoo

nomedele?Ovendedordeantiguidades,nãoé?Lembroqueele

metrouxeaquiumavezparamemostrarumascadeirasLuísXV.

-Pegouumacigarreiradobolso.

Aceitaum?-ofereceu.

Page 54: Agatha christie - a teia da aranha

Não,obrigada-respondeuClarissacomaspereza.

E - acrescentou - achomelhor você ir embora.Meumarido

estáparachegaraqualquermomentoeelenãovaigostarnadade

vervocêporaqui.

Costelloreagiucomdivertimentoumpoucoatrevido.

Mas é justamente com ele que eu quero falar. Para falar a

verdade, é por isso que estou aqui, para discutir um acordo

adequado.

Acordo?-perguntouClarissaperplexa.

UmacordosobreaPippa-explicouCostello.

MirandaatéconcordaemdeixarPippacomHenrypartedas

fériasdejulhoetalvezumasemananoNatal.Masaforaisso...

Clarissacortouríspida.

Oquevocêquerdizer?-indagouela.-AcasadePippaéaqui.

Costello caminhou descansadamente até a mesa com as

bebidas.

Minha cara Clarissa - exclamou - sabe muito bem que o

tribunaldeuacustódiadacriançaaMiranda.

Pegouumagarrafadeuísque.-Posso?-Semesperarresposta

serviuumdrinque.-Nãohouvecontestação,lembra-se?

Clarissaoencarouhostilmente.

HenrysóconcordouemdarodivórcioaMiranda

Page 55: Agatha christie - a teia da aranha

declaroudemaneiraclaraeconcisa-depoisdeficaracertado

entre eles, em particular, que Pippa ia morar com o pai. Se

Miranda não tivesse concordado com isso, Henry não teria

consentidoemdarodivórcio.

Costellodeuumarisadaquebeirouoescárnio.

NãoconheceMirandamuitobem,nãoé?-perguntou.—Ela

estásempremudandodeideia.

Clarissaafastou-sedele.

Ninguém vai me convencer - disse ela com desprezo - que

Mirandaquermesmo ficar coma criança; elanãodáamínima

paraPippa.

Masvocênãoéamãe,queridaClarissa-respondeuCostello

impertinente. - Posso chamá-la de Clarissa, não? - continuou,

comoutrosorrisodesagradável.-Afinal,agoraqueestoucasado

comMiranda,vocêeeusomosquaseparentes.

Virouodrinquedeumsógoleebaixouocopo.

Sim, posso garantir - prosseguiu ele agora o instinto

maternodeMirandaafloroudeverdade.ElaquerPippamorando

conoscoamaiorpartedotempo.

Nãoacredito-retorquiuClarissa.

-Você é que sabe - disse Costello, acomodando-se

confortavelmente na cadeira de braços. - Mas não tem sentido

contestaragora.Afinaldecontas,oacertofoiapenasverbal.

VocêsnãovãoficarcomPippa-disseClarissa,tenazmente.-

Page 56: Agatha christie - a teia da aranha

Ela chegou aqui com os nervos em frangalhos. Agora está bem

melhor,feliznaescola,eéassimqueelavaipermanecer.

Comovaiconseguirisso,querida?-zombouCostello.-Alei

estádonossolado.

O que há por trás disso tudo? - indagou Clarissa

desnorteada. - Vocês não gostam de Pippa. Qual o seu real

interesse?-Refletiuumpoucoebateunatesta.-Ah!Comosou

boba.Chantagem,éclaro.

QuandoCostelloestavapararesponder,Elginsurgiu.

Procuravaasenhora,madame-falouomordomoaClarissa.-

ASra.Elgineeupodemossairagora,madame?

Claroquesim,Elgin-respondeuClarissa.

Nossotáxichegou-explicouomordomo.-Aceiaestáservida

na sala de jantar. - Ele estava saindo, mas voltou-se para

Clarissa. - A senhora quer que eu feche a sala, madame? -

perguntou,observandoCostellodesoslaio.

Não precisa, pode deixar que eu cuido disso - assegurou

Clarissa.-Osenhoresuaesposapodemtirarsuafolgaagora.

Obrigado,madame-disseElgin.Girouemdireçãoaohalle

completou:-Boanoite,madame.

Boanoite,Elgin-respondeuClarissa.

Costelloaguardouomordomofecharaportaerecomeçou.

Chantageméumapalavramuitofeia-elesalientoudemodo

Page 57: Agatha christie - a teia da aranha

pouco original. - Devia tomar mais cuidado antes de fazer

acusaçõesinjustas.Poracasoeufaleiemdinheiro?

Até agora não - respondeu Clarissa. - Mas é isso que você

pretende,nãoé?

Costello deu de ombros e estendeu as mãos num gesto

expressivo.

Éverdadequenãoestamosemmuitoboasituação-admitiu.

-Miranda sempre foi extravagante, você sabemuito bem. Acho

que ela quer queHenry restabeleça amesadadela.Afinal, ele é

rico.

Clarissa aproximou-se de Costello e o encarou firme e

diretamente.

Agoraescute-ordenouela.-NãopossofalarporHenry,mas

posso falarpormim.Tente levarPippaembora,evou lutarcom

unhasedentes. -Fezumapausaeacrescentou:-Evouusara

armaqueestiveràmão.

Fazendo pouco caso da explosão dela, Costello disfarçou o

riso,masClarissacontinuou:

-Não vai ser difícil conseguir comprovação médica de que

Mirandaéviciadaemdrogas.PossoatémesmoiràScotlandYard

falarcomadivisãodeNarcóticosesugerirquefiquemdeolhoem

você.

Costelloreagiucomsobressalto.

Henry é muito correto para apoiar esses seus métodos -

comentou.

Page 58: Agatha christie - a teia da aranha

Pois então Henry vai ter que tolerá-los - retorquiu ela com

ferocidade.-Oqueimportaéacriança.Nãovoudeixarninguém

maltratarouassustarPippa.

Neste momento, Pippa entrou na sala. Ao ver Costello,

estacouaterrorizada.

Oi, Pippa, como vai?Como você está crescida - saudou ele,

indoemdireçãoàmenina.

Pippadeuumpassoparatrás.

Vimespecialmenteparafazerumacordoemrelaçãoavocê-

contouele.-Suamãenãovêahoradevocêirmorarcomelade

novo.Elaeeunoscasamose...

Nãovou-gritouPippa,muitonervosa,correndoatéClarissa

para buscar proteção. - Não vou. Clarissa, eles não podemme

forçar,podem?Elesnão...

Nãosepreocupe,Pippaquerida-disseClarissa,abraçandoa

menina.-Seularéaqui, juntocomseupaiecomigo.Vocênão

vaiirembora.

Mas eu lhe garanto - começou Costello, apenas para ser

cortadocomraivaporClarissa.

Saiadaquiagora-gritouela.

Fingindodemodoirônicoestaramedrontado,Costellojogou

asmãosacimadacabeçaeafastou-se.

Agora!-repetiuClarissa.Eavançounadireçãodele.-Enão

meapareçamaisaqui,entendeu?

Page 59: Agatha christie - a teia da aranha

Miss Peake apareceu nas portas de vidro com um grande

forcadonamão.

Ah,Sra.Hailsham-Brown-começouela-,eu...

MissPeake-interrompeuClarissa.-PodeacompanharoSr.

Costellopelojardimatéoportãodosfundos?

CostellofitouMissPeake,quelevantouoforcadoaoretribuir

oolhar.

Miss...Peake?-indagouele.

Prazer em conhecê-lo - respondeu com sua voz áspera. -

Cuidodahortaedojardim.

Sim,éclaro-disseCostello.-Eujávimaquiumavez,talvez

asenhoralembre,olharunsmóveisantigos.

Ah, sim - respondeuMiss Peake. - Na época do Sr. Sellon.

Mas,sabe,osenhornãovaipodervê-lo.Elemorreu.

Não,eunãovimparavê-lo-afirmouCostello.

Eu vim para ver... a senhora Brown. - Deu ao nome certa

ênfase.

Ah, sim? Verdade? Bem, agora o senhor já a viu disse-lhe

Miss Peake. Parecia ter percebido que o visitante não era mais

bem-vindo.

Costellodirigiu-seaClarissa.

Atémaisver,Clarissa-disse.-Vairecebernotíciasminhas,

podetercerteza-avisoueleemtomquaseameaçador.

Page 60: Agatha christie - a teia da aranha

Poraqui-disseMissPeake,indicandoasportasdevidrocom

umgesto.Efoiatrásdele,perguntandoaosaírem:-Osenhorvai

pegaroônibus,ouveiodecarro?

Atravessavamojardim,quandoCostelloinformou:

Estacioneiocarropertodoestábulo.

Page 61: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo6

Tão logo Oliver Costello se retirou com Miss Peake, Pippa

desatouachorar.

Elevaimelevaremboradaqui- lamentou,aconchegando-se

nosbraçosdeClarissa,emmeioasoluçosdeamargor.

Não, não vai - garantiu Clarissa, mas a única resposta de

Pippafoigritar:

OdeioOliver.Sempreodiei.

Com medo de que a menina estivesse à beira da histeria,

Clarissachamouaatençãodelacomveemência:Pippa!

Ameninaafastou-sedeClarissa.

Nãoquerovoltarparaminhamãe,prefiromorrer-berroude

formaestridente.-Prefiromorrer.Voumatá-lo.

Pippa!-repreendeuClarissa.

Nestemomento,Pippapareciairrefreável.

Eu me mato - bradou. - Corto meus pulsos e sangro até

morrer.

Clarissasegurou-afirmepelosombros.

Pippacontrole-se-ordenou.-Estátudobem,acredite.Estou

aqui.

Page 62: Agatha christie - a teia da aranha

Maseunãoquerovoltarparaminhamãe,eeuodeioOliver-

exclamou Pippa em desespero. - Ele é malvado, malvado,

malvado.

Sim, querida, eu sei disso - murmurou Clarissa, tentando

reconfortá-la.

Mastemumacoisaquevocênãosabe-dissePippa,soando

ainda mais desesperada. - Não contei tudo para você antes...

Quando eu vim morar aqui. Não consegui tocar no assunto.

Mirandametratavamalebebiaotempotodo,maseunãovimsó

porcausadisso.Umanoite,elasaiunãoseiparaonde,eOliver

ficousozinhocomigo... achoqueele estavamuitobêbado...não

sei... mas... - Parou e por um instante pareceu incapaz de

continuar. Em seguida, fazendo um esforço, baixou o olhar e

disse,numsussurroindistinto:-Eletentoufazercoisascomigo.

Clarissaficouhorrorizada.

Pippa, o que você quer dizer? - perguntou. - O que está

tentandodizer?

Desesperada, Pippa olhou em torno, como se procurasse

alguémquepudessefalarporela.

Ele... ele tentoumebeijar e, quando eu o empurrei, eleme

agarrou e começou a arrancar o meu vestido. Daí ele... - De

repente,parouejrrompeuempranto.

Venha cá, meu bem - murmurou Clarissa, abraçando a

menina. - Tentenãopensarnisso. Jápassou.Nuncamais algo

assimvaiacontecercomvocê.NãovoudescansarenquantoOliver

não tenha sido punido pelo que fez. Aquele animal asqueroso.

Page 63: Agatha christie - a teia da aranha

Issonãovaificarassim.

Desúbito, ohumordePippamudou.Suavozassumiuum

quêdeesperançaaolheocorrerumaideianova.

Bemqueumraiopodiacairemcimadele -pensouconsigo

emvozalta.

Podiamesmo-concordouClarissapodiamesmo.-Seurosto

serevestiudeumafirmezainabalável.

Agora se acalme, Pippa.Está tudobem - garantiuClarissa,

puxandoumlençodobolso.-Tome,assueonariz.

Pippaobedeceuelogoemseguidausouolençoparaenxugar

aslágrimasderramadasnovestidodeClarissa.

Comcertoesforço,Clarissaconseguiuachargraçadofato.

Agora, já para cima tomar seu banho - ordenou, fazendo

Pippa dar meia-volta rumo ao hall. - E pode caprichar... seu

pescoçoestáimundo.

Pippapareciamaiscalma.

Sempreestá-respondeuelae foisaindo.Masaochegarna

portavirouderepenteecorreuparaClarissa.

Nãovaideixarelemelevar,nãoé?-suplicou.

Sóporcimadomeucadáver-respondeuClarissa,decidida.

Então se corrigiu. - Ou melhor, só por cima do cadáver dele.

Pronto!Estábomassim?

Pippaassentiucomacabeça,eClarissabeijousuatesta.

Page 64: Agatha christie - a teia da aranha

Agora,vamosandando-ordenou.

Pippadeumaisumabraçonamadrastaesaiu.Clarissaficou

umtempopensando;aoperceberqueasalaescurecera,acendeu

asluzesindiretas.Entãofechouasportasdevidroesentou-seno

sofá,absortaempensamentos,oolharperdido.

Um ou dois minutos depois, ao escutar a porta da frente

sendo fechada, olhou comexpectativapara a porta dohall, por

onde logo entrou o seu marido, Henry Hailsham- Brown, um

homembem-apessoado,deseusquarentaanos,orostoumtanto

inexpressivo, usando óculos de aros de tartaruga e carregando

umavalise.

Oi, querida - saudou Henry, acendendo as arandelas e

repousandoavalisenapoltrona.

Oi,Henry-respondeuClarissa.-Quediahorrível,nãoacha?

Mesmo?-cruzouasala,debruçou-seporcimadoencostodo

sofáebeijouaesposa.

Nem sei por onde começar - disse ela. - Tome um drinque

antes.

Agora não - respondeu Henry, indo até a porta de vidro e

fechandoascortinas.-Quemestáemcasa?

Umpoucosurpresacomapergunta,Clarissarespondeu.

Ninguém.É quinta-feira, a noite de folga dosElgin. Vamos

jantar presunto frio e mousse de chocolate, e o café vai estar

saborosoporqueeumesmavoupreparar.

Page 65: Agatha christie - a teia da aranha

Henryrespondeuapenascomumenigmático"Hum?".

Intrigadacomojeitodomarido,Clarissaindagou:

Henry,algumproblema?

Bem,sim,decertaforma-reconheceu.

Algoerrado?-perguntouela.-ÉMiranda?

Não,naverdadenãohánadadeerrado-assegurouHenry.-

Pelocontrário.Sim,muitopelocontrário.

Querido - falouClarissa, em tom afetuoso, com apenas um

suave toque de deboche -, estou enganada ou percebo por trás

dessa impenetrável fechada de Relações Exteriores uma certa

palpitaçãohumana?

Henryadotouumardedeleiteantecipado.

Bem - admitiu de certomodo, émesmopalpitante. - Pouco

depoisacrescentou:—Porcoincidência,umlevenevoeiroformou-

seemLondres.

Eissoépalpitante?-perguntouClarissa.

Não,onevoeironão,éclaro.

Então?-provocouClarissa.

Henryolhourapidamenteemtorno,comoparaseassegurar

dequeninguémpoderiaescutá-lo.Emseguida,atravessouasala

esentou-senosofáaoladodeClarissa.

Você precisa guardar segredo - enfatizou com a voz muito

Page 66: Agatha christie - a teia da aranha

séria.

Sim?-incitouClarissaesperançosa.

Émesmoconfidencial-reiterouHenry.-Ninguémpodeficar

sabendo.Mas,naverdade,vocêprecisasaber.

Bem,vamoslá,conte-estimulouela.

Henryolhouaoredormaisumavezevoltou-separaClarissa.

É tudo muito sigiloso - insistiu. Fez silêncio para causar

impressão e declarou: - Kalendorff, o premier soviético, está

chegandoaLondresamanhãparaumaimportantereuniãocomo

primeiro-ministro.

Nemumpoucoimpressionada,Clarissarespondeu:

Sim,eusei.

Henryfitou-aperplexo.

Comoassim,sabe?-indagou.

Li no jornal domingo passado — ela informou com

naturalidade.

Nãoentendocomovocêconsegueleressesjornaisdequinta

categoria-censurouele,parecendorealmente incomodado.-De

qualquer maneira - prosseguiu -, os jornais não tinham como

saber sobre a vinda de Kalendorff . Essa informação é

ultrassecreta.

Meu pobre docinho - murmurou Clarissa, numa voz que

misturava pena e incredulidade. - Ultrassecreta? Francamente!

Page 67: Agatha christie - a teia da aranha

Vocês,funcionáriosdoaltoescalão...acre-ditamemcadauma!

Henry levantou-se e começou a andar de um lado para o

outro,semesconderatensão.

Droga,anotíciadevetervazado-sussurrou.

Euachava-observouClarissaemtommordaz

que a esta altura do campeonato você já sabia que notícias

semprevazam.Aliás,euachavaquevocêestariapreparadopara

isso.

Umpoucoofendido,Henryexplicou:

Oficialmente a notícia foi liberada hoje à noite. O voo de

KalendorffdevechegaraHeathrowàs8h40,masnaverdade...-

Inclinou-se sobre o sofá e fitou a esposa com ar duvidoso. -

Falandosério,Clarissa-perguntousolenemente-,possoconfiar

emsuadiscrição?

Soubemmaisdiscretaqueosjornaisdedomingo

protestou Clarissa, jogando os pés à frente e aprumando o

corponosofá.

Henrysentounobraçodosofáedebruçou-sesobreClarissa

demodoconspirativo.

A reunião será amanhã emWhitehall - revelou -,mas seria

muitoproveitososeantesdissopudessehaverumaconversaem

particular entre Sir John eKalendorff. Como é de se imaginar,

todososrepórteresestarãoaguardandoKalendorffemHeathrow,

edepois queo aviãopousar osmovimentosdeKalendorff serão

Page 68: Agatha christie - a teia da aranha

públicos.

Mais uma vez olhou ao redor, como se temesse descobrir

membros da imprensa espiando por cima de seu ombro, e

prosseguiunumtomdeanimaçãocrescente:

Felizmente,essecomeçodenevoeirocaiudocéu.

Continue - encorajou Clarissa. - Por enquanto está

emocionante.

No último momento - contou Henry-, por questões de

segurança,foidecididoqueoaviãonãovaipousaremHeathrow.

Opousoserátransferido,comoécomumnessascircunstâncias...

Para Bindley Heath - atalhou Clarissa. - São apenas 24

quilômetrosdaqui.Jáseiaondevocêquerchegar.

Vocêésempremuitoperspicaz,Clarissaquerida-comentou

Henry,umpoucoreprovador.-Sim,vouterqueiratéoaeroporto

agoraemmeucarro.VoumeencontrarcomKalendorffetrazê-lo

até aqui. O primeiro-ministro está vindo para cá de automóvel

diretodeDowningStreet.Meiahoraserátemposuficienteparao

queelesprecisamdiscutir,edepoisKalendorffviajaparaLondres

comSirJohn.

Henry fez uma pausa. Levantou-se, deu alguns passos,

voltou-seedisseaelacomfranqueza:

Sabe,Clarissa, issopode terenorme importânciaemminha

carreira.Estãodepositandomuitaconfiançaemmimaofazeresse

encontroaqui.

Efazemmuitobem-respondeuClarissacomvozfirme,indo

Page 69: Agatha christie - a teia da aranha

atéomaridoeoabraçando.-Henry,querido-exclamou-,acho

tudoissomaravilhoso.

Apropósito-informouHenrysoleneKalendorffseráchamado

apenasdeSr.Jones.

Sr. Jones? - perguntou Clarissa, tentando, sem muito

sucesso,nãotransparecerumtoquedeceticismodivertidonavoz.

Exato-explicouHenry-,numcasodesses,émelhornãousar

osnomesverdadeiros.Prudêncianuncaédemais.

Sim...mas...Sr.Jones?-indagouClarissa.-Nãopodiamter

pensado em algo melhor que isso? - Acenou a cabeça, com ar

incerto,econtinuou:-Equantoamim?Poracaso,recolho-meao

harém,porassimdizer,ousirvoasbebidas,cumprimentoosdois

edesapareçodiscretamente?

Sem esconder certa inquietude, Henry observou a esposa e

advertiu:

Develevarissoasério,meubem.

Mas,Henry, querido - insistiuClarissa -, nãoposso levar a

sérioemesmoassimmedivertirumpouquinho?

PorumbreveinstanteHenryconsiderouapergunta,antesde

respondercomgravidade:

Pensandobem,achomelhorvocênãoaparecer,Clarissa.

Clarissapareceunãoseimportarcomisso.

Tudo bem - concordou. - E quanto à comida? Vão querer

Page 70: Agatha christie - a teia da aranha

algo?

Ah,não -disseHenry. -Não é o casode sepreocupar com

umarefeição.

Quetalunssanduíches?-sugeriuClarissa.Sentounobraço

do sofá e continuou: - Sanduíches de presunto seriam osmais

adequados. Envoltos em guardanapos paramanter o frescor. E

café quente, numagarrafa térmica.Sim, isso seria perfeito.E a

mussedechocolatepodedeixarqueeulevoparaoquartocomo

consoloporserexcluídadareunião.

Clarissa, não é hora... - começou Henry, desapro- vador,

somente para ser interrompido pela esposa, que se levantou e

atirouosbraçosemvoltadopescoçodele.

Querido, estou falandosério, verdade - garantiu. -Nadavai

darerrado.Nãovoupermitir.-Elaobeijoucomcarinho.

Henrygentilmentelivrou-sedoabraço.

EquantoaovelhoRoly?-perguntou.

Ele e Jeremy estão jantando na sede do clube comHugo -

contouClarissa.-Vãojogarbridgedepois,porissoRolyeJeremy

voltamsópelameia-noite.

EosElginsaíram?-perguntouHenry.

Querido, sabe que eles sempre vão ao cinema às quintas-

feiras-lembrouClarissa.-Esóvoltambemdepoisdasonze.

Satisfeito,Henryexclamou:

Page 71: Agatha christie - a teia da aranha

Ótimo.Parecequetudovaifuncionaracontento.SirJohneo

senhor...hum...

Jones-lembrouClarissa.

Exato, querida.Oprimeiro-ministro e o Sr. Jones terão ido

emboramuitoantesdeelesvoltarem.-Henryconsultouorelógio.

-Bem,émelhoreutomarumbanhorápidoantesdeiraBindley

Heath-afirmou.

E émelhor eu preparar os sanduíches de presunto - disse

Clarissa,saindodepressadasala.

Pegandoavalise,Henrycomentou:

Não deixe as luzes acesas, Clarissa. - Foi até a porta e

desligou a iluminação indireta. - Nós produzimos nossa

eletricidade por aqui a um custo alto. - Apagou também as

arandelasdeparede.-NãoestamosemLondres.

Depois de uma rápida olhada na sala, agora imersa na

escuridãoexcetopelatênueluzdohall,Henryassentiuefechoua

porta.

Page 72: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo7

No clube de golfe, Hugo reclamava do comportamento de

ClarissanoepisódiodaprovadevinhodoPorto.

Estánahoradeelapararcomessesjoguinhos,sabe-disse,

enquantosedirigiamaobar.-Lembra,Roly,daquelavezemque

eurecebiumtelegramadeWhitehallinformandoquemeunome

estaria na próxima lista anual de títulos honoríficos e que eu

seriaagraciadocomotítulodeCavaleiro?Umanoite,quandoeu

jantava com os dois, confidenciei o assunto a Henry. Ele

demonstrou surpresa, mas Clarissa começou a rir... Só então

percebiquetinhasidoelaquemenviaraotaltelegrama.Elasabe

serinfantilàsvezes.

SirRowlandriudiscretamente.

Sim,ecomosabe.Eadorarepresentar.Averdadeéqueela

roubavaacenanoclubedeteatrodaescola.Umaépocachegueia

pensar que ela ia levar a sério e seguir carreiranospalcos.Ela

convenceatémesmoquandocontaasmentirasmaisdeslavadas.

Sim,éissoqueosatoressão.Mentirososconvincentes.

Ficouuminstanteimersoemlembranças.Depoisprosseguiu:

AmelhoramigadeClarissanaescolaeraumamoçachamada

Jeanette Collins. O pai dela tinha sido um famoso jogador de

futebol,eaprópriaJeanetteerafanáticaporfutebol.Bem,umdia

Clarissa ligou para Jeanette, disfarçando a voz, e disse ser a

agente de relações públicas de um time qualquer. Contou que

Jeanettehaviasidoescolhidaanovamascotedo time,mascom

Page 73: Agatha christie - a teia da aranha

umacondição:queela fosseàquelatardeaoestádiodoChelsea,

fantasiadadecoelhinha,eficassedoladodefora,pertodasfilas

de entradados torcedores.Não se sabe como,mas o fato é que

Jeanettedeuumjeitodealugarumafantasiaelásefoivestidade

coelhinhaaoestádio,ondefoicaçoadaporcentenasdepessoase

fotografadaporClarissa,queestavaesperandopor ela.Jeanette

ficoufuriosa.Achoqueaamizadenãoresistiuaisso.

Não é de se admirar — rosnou Hugo resignado. Pegou o

cardápio e começou a dedicar atenção à importantematéria de

escolheroquecomeriamaistarde.

Nesse meio tempo, na sala de estar vazia dos Hailsham-

Brown,minutosdepoisdeHenry tersaídopara tomaraducha,

Oliver Costello entrou sorrateiramente pela porta de vidro,

deixando as cortinas abertas para que o luar penetrasse. Com

cuidado, percorreu a sala com o foco de uma lanterna, foi à

escrivaninha e acendeua lâmpada.Depoisde erguer a lingiieta

do escaninho secreto, de repente apagou a lâmpada e ficou

imóvel, como se tivesse escutado algo. Aparentemente

tranquilizado, acendeu de novo a lâmpada da mesa e abriu o

escaninho.

Atrás de Costello, a parede ao lado da estante de livros se

abriu devagar e silenciosa. Junto à escrivaninha, ele fechou o

escaninho,apagoualâmpadaeseviroubruscamente.Nembem

andouelevouumviolentogolpenacabeça,desferidoporalguém

escondidonointeriordonicho.Costellodesabounahora,caindo

atrásdosofá,eaportasecretafechoudepressa.

A sala permaneceu na escuridão um instante, até Henry

Hailsham-Brown entrar vindo do hall, acender as arandelas e

Page 74: Agatha christie - a teia da aranha

chamar "Clarissa!".Ele colocouosóculos e, quandoabasteciaa

cigarreiracomoscigarrosdeumacaixanamesinhapertodosofá,

Clarissaentrou,dizendo:

Estouaqui,querido.Querumsanduícheantes

deir?

Não, acho melhor eu sair logo - respondeu Henry, dando

tapinhasnervososnocasaco.

Masvocêvaichegarmuitocedo-disseClarissa.

Sãosóvinteminutosdecarroatélá.

Henrymeneouacabeça.

Nuncasesabe-declarou.-Possofurarumpneu,ouocarro

podequebrar.

Não se preocupe à toa, meu bem - repreendeu Clarissa,

endireitando a gravata dele. - Tudo vai correr conforme o

planejado.

MasequantoaPippa?-perguntouHenryansioso.

Temcertezadequeelanãovaidescereaparecerbemnomeio

da conversa sigilosa entre Sir John e Kalen... quero dizer, Sr.

Jones?

Não,nãoháperigodisso-garantiuClarissa.-Vousubirao

quartodelaevamosfazerumbanquete.Vamosassaraslinguiças

docafé-da-manhãerepartiramoussedechocolate.

VocêéperfeitacomPippa,meubem-dissecomumsorriso

Page 75: Agatha christie - a teia da aranha

afetuoso.-Esseéumdosmotivosporquelhesoumuitograto.-

Hesitou,umtantoatrapalhado,eprosseguiu:-Nuncafuideme

expressar muito bem... eu... sofri tanto... e agora é tudo tão

diferente.Você...-apertouClarissajuntoaopeito.

Por alguns instantes, os dois esqueceram do mundo num

beijo apaixonado.Em seguida,Clarissa escapou suavemente do

abraçoeentrelaçousuasmãosnasdele.

Vocêmefazmuitofeliz,Henry—disse.-Evaificartudobem

comPippa.Elaéumacriançaadorável.

Henrysorriucomternura.

Agora, vá se encontrar comesse taldeSr. Jones - ordenou

ela,empurrando-orumoàportadohall. -Sr.Jones-repetiu.-

Vocêsnãotinhamumnomemenosridículoparaescolher?

HenryestavaparasairdasalaquandoClarissaperguntou:

Vão entrar pela porta da frente? Quer que eu a deixe

destrancada?

Eleparounasoleiradaporta,meditouerespondeu:

Não.Achoquevamosentrarpelojardim.

Émelhorcolocarosobretudo,Henry.Estáesfriando-avisou

Clarissa,empurrando-oaohall. -E talvezocachecol também.-

Obediente, ele apanhou o sobretudo de um cabideiro no hall.

Clarissa o acompanhou até a porta da frente e deu mais um

conselho.

Cuide-senaestrada,querido.

Page 76: Agatha christie - a teia da aranha

Pode deixar - respondeu Henry. - Sabe que eu sempre me

cuido.

Depois que ele saiu, Clarissa fechou a porta e foi até a

cozinhaterminaropreparodossanduíches.Mesmoatarefadaem

dispor os sanduíches num prato, envoltos era guardanapos

úmidos paramanter o frescor, o pensamento teimava em recair

no recente e exasperador encontro comOliverCostello. Comas

sobrancelhas franzidas, levou os sanduíches à sala de estar,

repousando-osnamesinha.

Derepente,temerosadeprovocarairadeMissPeakeporter

marcadoamesa,pegouopratodenovo,esfregousemsucessoa

marcadeixadaesolucionouaquestãocobrindoamarcacomum

vasodefloresqueestavaperto.

Transferiu o prato de sanduíches para o banquinho e em

seguidasacudiucomcuidadoasalmofadasdosofá.Pegouolivro

dePippaeolevouàestante,cantarolando:

"Se alguém encontrasse alguém, atravessando o campo de

cen..." - de súbito, paroude entoar a cantiga e soltouumgrito

estridenteaotropeçaremOliverCostelloequasecairsobreele.

Curvando-sesobreocorpo,Clarissareconheceuquemera.

Oliver!—exclamou sem fôlego. Horrorizada, fitou-o por um

tempo que pareceu uma década. Persuadida de que ele estava

morto, endireitou-se depressa e correu à porta para chamar

Henry,maslogosedeucontadequeelesaíra.Voltouaocorpo,

correuatéotelefoneetirouofonedogancho.Começouadiscar,

parouepôsofonenoganchodenovo.Ficouumtempopensando

e observou a porta secreta na parede. Tomando uma decisão

Page 77: Agatha christie - a teia da aranha

rápida, olhouaparede outra vez e, com relutância, curvou-se e

começouaarrastarocorpoemdireçãoaela.

EnquantoClarissa fazia isso, aporta secretaabriudevagar.

Pippasaiudacâmara,comumchambresobreopijama.

Clarissa! - gemeu a menina, correndo com ímpeto para a

madrasta.

Tentando ficar entre Pippa e o corpo de Costello, Clarissa

procurouafastarameninacomumleveempurrão.

Pippa-implorou-,nãoolhe,querida.Nãoolhe.

Comavozsufocada,Pippagritou:

Foisemquerer.Verdade,foisemquerer.

Apavorada,Clarissasegurouacriançapelosbraços.

Pippa!Foi...você?-falouelasemfôlego.

Ele estámorto, não é?Morto de verdade? - indagou Pippa.

Entresoluçosconvulsivos,lamentou:-Eunão...queriamatá-lo.

Nãotiveintenção.

Calma, tenhacalma-murmurouClarissa,con-solando-a. -

Estátudobem.Venha,senteaqui.-LevouPippaatéacadeirade

braçoseafezsentar-se.

Eunãoqueria.Nãoqueriamatá-lo-choramingouPippa.

Clarissaajoelhou-seaoladodela.

Claro que você não queria - concordou. - Agora escute,

Page 78: Agatha christie - a teia da aranha

Pippa...

Pippanãoparavadechorar, ficandocadavezmaisnervosa.

Clarissaralhoucomela.

Pippa,presteatenção.Tudovaiacabarbem.Precisaesquecer

oqueaconteceu.Esquecertudo,entende?

Sim-soluçouPippa-,mas...maseu...

Pippa - continuou Clarissa com mais energia -, precisa

confiar em mim e acreditar no que eu estou falando. Vai ficar

tudobem.Masprecisasercorajosae fazerexatamenteoqueeu

disser.

Aindaemmeioasoluçosconvulsivos,Pippatentoudesviaro

rosto.

Pippa! - gritou Clarissa. - Vai fazer o que estou pedindo? -

Puxouameninade volta eaolhoubemdeperto. -Vai ounão

vai?

Sim,vousim-chorouPippa,aninhandoacabeçanopeitode

Clarissa.

Está bem. - Clarissa adotou um tom consolador e ajudou

Pippaalevantar-sedacadeira.-Agorasubaeváparaacama.

Vemcomigo,porfavor-suplicouamenina.

Sim, sim - assegurou Clarissa. - Vou subir daqui a pouco,

assimqueeupuder, e vou lhedarumbomcomprimido.Então

você vai adormecer e amanhã tudo vai parecer bem diferente. -

Olhouocorponochãoeacrescentou:-Nãovaihavermaisnada

Page 79: Agatha christie - a teia da aranha

parasepreocupar.

Maseleestámorto...nãoestá?-perguntouPippa.

Não, não, talvez não esteja - respondeu Clarissa de modo

evasivo.-Voudescobrir.Agoravamos,Pippa.Obedeça.

Soluçando, Pippa saiu da sala e subiu a escada correndo.

Clarissa observou-a saindo; em seguida, volveu o olhar para o

corpoestiradonochão.

Imagineseeuencontrasseumcadávernasaladeestar,oque

eu faria?—murmurou consigo. Ficouporum tempo absorta e

exclamoucommaisênfase:-Ai,meuDeus,oqueeuvoufazer?

Page 80: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo8

Quinzeminutosdepois,Clarissapermanecianasaladeestar,

murmurando consigo.Mas estivera ocupada nessemeio tempo.

Agora, todas as luzes estavam acesas, e a porta na parede,

cerrada.Ascortinashaviamsidocorridassobreasportasdevidro

abertas. O corpo de Oliver Costello jazia atrás do sofá, mas

Clarissa movera a mobília e dispusera no centro da sala uma

mesadebridgedobrável,comcartasemarcadoresparabridge,e

quatrocadeirasdeespaldaraltoeretoaoredordamesa.

Em pé ao lado damesa, Clarissa rabiscava anotações num

dosmarcadores.

-Trêsdeespadas,quatrodecopas,quatrosemtrunfos,passo

-murmurou,apontandocadamãodecartasaomarcar. -Cinco

de ouros, passo, seis de espadas... dobro... e acho que não

cumprem o contrato. - Após uma pausa, baixou o olhar e

continuou. - Vamos ver... dobre vulnerável, duas vazas,

quinhentos...oudeixofazer?Não.

Foi interrompida pela chegada de Sir Rowland, Hugo e o

jovemJeremy,queentrarampelaportadevidro.Hugoparouum

instanteefechouumadasfolhasdaportaenvidraçada.

Deixando omarcador e o lápis namesa de bridge,Clarissa

correuaoencontrodeles.

Graças a Deus, vocês chegaram - disse ela, muito

transtornada,sirRowland.

Page 81: Agatha christie - a teia da aranha

O que houve, querida? - perguntou Sir Rowland com

preocupaçãonavoz.Clarissadirigiu-seaostrês.

Meusqueridos-gritouela-,vocêsprecisammeajudar.

Jeremynotouamesacomascartasdistribuídas.

Parece que alguém andou jogando bridge - comentou

alegremente.

Nãosejamelodramática,Clarissa-opinouHugo.

Oqueandouaprontando,menina?

Clarissaagarrou-sesirRowland.

Ocaso é grave - insistiu. -Gravíssimo.Vãomeajudar,não

vão?

Claroquevamosajudar,Clarissa-garantiu-lheSirRowland-

,masoquefoiquehouve?

Sim, conte, o que foi desta vez? - indagouHugo com certo

enfado.

Jeremytambémnãodemonstrouemoção.

Clarissa,oquevocêestáinventando?-quissaberele.-Oque

foi?Encontrouumcorpooucoisaparecida?

Exato-contouClarissa.-Encontrei...umcorpo.

Comoassim...encontrouumcorpo?-perguntouHugo,mais

perplexodoqueinteressado.

Page 82: Agatha christie - a teia da aranha

ÉbemcomooJeremydisse-respondeuClarissa.

Entreiaquiedeidecaracomumcorpo.

Hugopassouosolhosnasala.

Doquevocêestáfalando?-reclamou.-Quecorpo?Ondeele

está?

Nãoestoubrincando,estoufalandosério-gritouenraivecida.

- Está ali. Vejam com seus próprios olhos. Atrás do sofá. -

EmpurrouSirRowlandemdireçãoaosofáerecuou.

Hugo foi depressa até o sofá. Jeremy o seguiu e curvou-se

sobreoencosto.

Minhanossa,éverdade-murmurouJeremy.

SirRowlandjuntou-seaeles.EleeHugoinclinaram-separa

examinarocorpo.

Puxa,éOliverCostello-exclamouSirRowland.

MinhanossaSenhora! -Jeremycorreuàsportasdevidroe

fechouascortinas.

Sim-disseClarissa.-ÉOliverCostello.

O que ele estava fazendo aqui? - perguntou Sir Rowland a

Clarissa.

VeioànoitinhaconversarsobrePippa-respondeuClarissa.-

Logodepoisquevocêssaíramparaoclube.

SirRowlandindagoudesconcertado:

Page 83: Agatha christie - a teia da aranha

OqueelequeriacomPippa?

Ele e Miranda estavam ameaçando levar Pippa embora -

contouClarissa. -Masagoranadadisso importa.Mais tardeeu

contoavocês.Temospressa.Nãohátempoaperder.

SirRowlandergueuumadasmãosemsinaldeadvertência.

Sóummomento - ordenou, aproximando-se deClarissa.—

Precisamos esclarecer os fatos. O que aconteceu quando ele

chegou?

Clarissabalançouacabeçadeformaimpaciente.

Eu avisei que Miranda e ele não iam levar Pippa, e ele foi

embora.

Maselevoltou?

Éóbvioquesim-disseClarissa.

Como?-perguntouSirRowland.-Quando?

Não sei - respondeu Clarissa. - Só sei que entrei na sala,

como já disse, e o encontrei... daquele jeito. - Fezumgesto em

direçãoaosoía.

Entendi-disseSirRowland,recuandoedebruçando-sesobre

o corpo no chão. - Entendi. Bem, ele está mortinho da silva.

Acertaramacabeçadelecomalgopesadoepontudo.—Olhouem

voltaparaosdemais.

Receio que isso não seja um negócio muito agradável

prosseguiu,mas não temos outra coisa a fazer. - Foi falando e

Page 84: Agatha christie - a teia da aranha

cruzandoasalarumoaotelefone.-Temosqueligarparaapolícia

e...

Não!-exclamouClarissacategórica.

SirRowlandjáestavatirandoofonedogancho.

Oquantoantesfizermosisso,melhor,Clarissa

aconselhouele.-Mesmoporquenãocreioqueelessuspeitem

devocê.

Não, Roly, pare- insistiu Clarissa. Cruzou a sala correndo,

tirouofonedamãodeleerepousou-onogancho.

Minhafilha...-tentouargumentarSirRowland,masClarissa

nãolhepermitiucontinuar.

Eu mesma poderia ter avisado a polícia, mas não quis -

admitiu. -Eu sabia perfeitamente que era a coisa certa a fazer.

Atécomeceiadiscar.Então,emvezdisso, ligueiparaoclubee

pedi a vocês três que viessem até aqui com urgência. - Ela se

voltouparaJeremyeHugo.-Evocêsaindanemmeperguntaram

oporquê.

Podedeixar tudoconosco - garantiu-lheSirRowland. -Nós

vamos...

Clarissaointerrompeucomenergia.

Parece que vocês não estão entendendo - insistiu ela. - Eu

quero queme ajudem.Vocês disseramqueme ajudariam se eu

estivesse em apuros. - Ela virou para incluir os outros dois

homens.-Queridos,vocêsprecisammeajudar.

Page 85: Agatha christie - a teia da aranha

Jeremypostou-se demodo a esconder o corpo deOliver da

vistadeClarissa.

Oquevocêquerqueagentefaça,Clarissa?-perguntoucom

polidez.

Livrem-sedocadáver-foiarespostainesperada.

Menina, deixe de bobagem - ordenou Sir Row- land. -

Estamosfalandodeassassinato.

Exatamenteporisso-ponderouClarissa.-Ocorponãopode

serencontradonestacasa.

Hugobufouinquieto.

Vocênãotemnoçãodoqueestáfalando,mocinhaexclamou.

- Anda lendo muitos livros policiais. Na vida real não se pode

fazeressetipodebrincadeira,ficarremovendocadáveres.

Maseujáomovi-explicouClarissa.-Euovireiparaverse

eleestavamortoecomeceiaarrastá-loatéoesconderijo.Quando

percebi que ia precisar de ajuda, liguei para o clube.Enquanto

esperavaporvocês,boleiumplano.

Que inclui amesa de bridge, suponho - comentou Jeremy,

mostrandoamesa.

Clarissapegouomarcadordebridge.

Sim-respondeuela.-Estevaisernossoálibi.

Que diabo... - começou Hugo, mas Clarissa não lhe deu

chancedeterminar.

Page 86: Agatha christie - a teia da aranha

Bridgerodado,meiodaterceirarodada-avisou.

Imaginei todas asmãos e anotei os pontos nestemarcador.

Claro,agoravocêstrêsprecisampreencherosoutrosmarcadores

comsuasrespectivasletras.

SirRowlandafitou,bastantesurpreso,edeclarou:

Estálouca,Clarissa.Completamentelouca.

Clarissanãolhedeuatenção.

Pensei em tudo - retomou. - O corpo precisa ser retirado

daqui.-OlhouparaJeremy.-Vaiserprecisodoisdevocêspara

fazer isso - recomendou ela. - É bem difícil lidar com um

cadáver...experiênciaprópria.

-Aonde afinal você espera que o levemos? - indagou Hugo

exasperado.

Clarissaestiveraestudandooassunto.

AchoqueomelhorlugarseriaMarsdenWoodrecomendou.-

Ficaaapenastrêsquilômetrosdaqui.

Fezumgestoàesquerda.-Vocêssaempeloportãodafrentee

poucosmetrosdepoispegamaquela estrada secundária.Éuma

estrada estreita, quaseninguémpassa por ela. - Virou paraSir

Rowlandedeuasinstruções.

Sigamatéentrarnomatoedeixemocarroaoladodaestrada.

Depoisvoltemcaminhandoparacá.

Estarrecido,Jeremyperguntou:

Page 87: Agatha christie - a teia da aranha

Seeuentendibem,vocêquerqueagentedesoveocorpona

mata?

Não.Podemdeixá-lodentrodocarro-explicouClarissa.-Éo

carro dele, entenderam? Ele o deixou estacionado perto do

estábulo.

A esta altura, todo o trio estampava a mesma expressão

desconcertada.

Vai ser tudomuito fácil - garantiuClarissa. - Se por acaso

alguémvervocêsvoltando,anoiteestábemescura.Eninguém

vai conseguir reconhecer vocês. E temos um álibi. Nós quatro

estávamosaqui,jogandobridge.

Ela repôs o marcador na mesa de bridge, quase satisfeita

consigo.Oshomensfitavam-naestupefatos.

Hugocomeçouaandaremcírculos.

Eu... eu... - balbuciou, abanando as mãos no ar. Clarissa

retomouasinstruções.

Usemluvas,éclaro-disseela-,paranãodeixarimpressões

digitaisemnenhumasuperfície.Jáestoucomelasprontasaqui.-

AfastandoJeremyda frente, ela foiaosofá,pegou trêsparesde

luvasdebaixodeumadasalmofadaseasdispôsnumdosbraços

dosofá.

SirRowlandnãotiravaosolhosdeClarissa.

Seu talento nato para o crime me deixa sem palavras -

alfinetou.

Page 88: Agatha christie - a teia da aranha

Jeremyaolhoucomadmiração.

Elapensouemtudo,nãoémesmo?–comentouele.

Sim - admitiu Hugo mas tudo isso não deixa de ser um

grandeabsurdo.

-Agora,apressem-se -determinouClarissacomveemência. -

Àsnovehoras,HenryeoSr.Jonesvãochegar.

Sr.Jones?QuemraioséSr.Jones?-perguntouSirRowland.

Clarissalevouamãoàcabeça.

Puxa vida - exclamou ela -, nunca tinha imaginado quanta

explicação é necessária em caso de assassinato. Achava que

bastariapedirajuda,vocêsmeajudariam,epronto,tudoestaria

resolvido.-Olhouaoredorparaotrio.-Ah,queridos,precisam

meajudar.-PassouamãonocabelodeHugo.—Hugo,querido...

A atuação está ótima, meu bem - disse Hugo, nitidamente

incomodado-,masumcadáveréumacoisasériaedesagradável.

Ficarfazendotravessurascomelepoderesultarnumaverdadeira

confusão.Ninguémsaiporaítransportandocadáveresnacalada

danoite.

ClarissafoiatéJeremyerepousouamãonobraçodele.

Jeremy,querido,vocêvaimeajudar,tenhocerteza.Nãovai?-

perguntoucomumtomdesúplicanavoz.

Jeremyfitou-acomadoração.

Page 89: Agatha christie - a teia da aranha

Está bem, eu topo - respondeu animado. - O que é um

cadáveramaisouamenosentreamigos?

Alto lá,mocinho-ordenouSirRowland. -Nãovoupermitir

isso.-Evirando-separaClarissa:-Presteatenção,Clarissa,você

precisaouvirmeusconselhos.Euinsisto.Afinal,precisamoslevar

Henryemconta.

Clarissafulminou-ocomoolharedeclarou:

MaséjustamenteHenryqueestoulevandoemconta.

Page 90: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo9

Os três homens receberam o comunicado de Clarissa em

silêncio.Demodo grave, Sir Rowland balançou a cabeça,Hugo

permaneceuatônito,eJeremyapenasdeudeombros,comoquem

desistecompletamentedeentenderasituação.

Respirandofundo,Clarissadirigiu-seaotrio.

Algoincrivelmenteimportantevaiaconteceraquihojeànoite

-disse.-Henrysaiupara...paraseencontrarcomumapessoae

trazê-la até aqui. Trata-se de algo imprescindível e confidencial.

Umsegredopolíticomuitoimportante.Ninguémdevesaberdisso.

Nãodevehaverpublicidadealguma.

HenrysaiuparaseencontrarcomumtaldeSr.Jones?-Sir

Rowlandindagoudemodocético.

Éumnomesimples,concordo-disseClarissa-,maséassim

que resolveram chamá-lo. Não posso revelar o nome verdadeiro

dele. Não posso falar mais nada. Prometi a Henry não contar

nadaparaninguém,masprecisoquevocêsentendamqueeunão

estou apenas... - virou para Hugo antes de concluir - ...sendo

estúpidaebancandoaatriz,comoHugoinsinuou.

ElasevoltouparaSirRowland.

QuetipodeefeitovocêachaqueterianacarreiradeHenry-

perguntou-seeleentrasseaquicomessapessoa ilustre (ecom

outrapessoamuitoilustreviajandoespecialmentedeLondressó

para essa reunião) e encontrasse a polícia investigando um

Page 91: Agatha christie - a teia da aranha

crime...oassassinatodohomemrecém-casadocomaex-mulher

deHenry?

Meu bom Deus! - exclamou Sir Rowland. Então encarou

Clarissa e acrescentou em tomduvidoso: -Não está inventando

tudoisso,está?Essenãoésómaisumdeseusjogossofisticados

comoobjetivodenosfazerdebobos?

Clarissabalançouacabeçacompesar.

Nuncaacreditamemmimquandofaloaverdade,protestou.

Sinto muito, querida - disse Sir Rowland. - Sim, agora

entendoqueoproblemaémaiscomplicadodoqueeuimaginava.

Entende?- insistiuClarissa.-Por issoqueéabsolutamente

crucialremoverocorpodaqui.

Ondeestámesmoocarrodele?-indagouJeremy.

Pertodoestábulo.

Eosempregadossaíram,peloqueentendi?

Clarissaacenoucomacabeça.

Sim.

Jeremypegouumpardeluvasdosofá.

Certo-exclamoudecidido.-Levoocorpoatéocarro,outrago

ocarroatéocorpo?

SirRowlandestendeuobraço,numgestodecontenção.

Page 92: Agatha christie - a teia da aranha

Espereumpouco-recomendou.-Nãodevemosnosprecipitar

assim.

Jeremy largou o par de luvas, mas Clarissa voltou-se sir

Rowland,numgritodesesperado:

Mastemosquenosapressar!

SirRowlandaobservoudemodosério.

Não estou convencido de que esse seu plano é o melhor,

Clarissa-declarou.-Querodizer,sepudéssemosapenasretardar

a descoberta do corpo até amanhã demanhã... penso que isso

resolveriaoproblemasemmaiorescomplicações.Demomento,se

apenas levássemosocorpoaoutroaposento,porexemplo,acho

queissopoderiaserjustificável.

Clarissadirigiu-sediretamenteaele.

Évocêquemeutenhoqueconvencer,nãoé?disseela.

OlhandoparaJeremy,prosseguiu:-Jeremyestáprontopara

ajudar.-LançouumolharparaHugo.

EHugoresmunga,balançaacabeça,masacabacolaborando.

Évocêque...

Abriuaportadabiblioteca.

-Vocês dois nos dão licença um minuto? - perguntou a

JeremyeHugo.-QuerofalarasóscomRoly.

Nãodeixaelateenrolar,Roly-preveniuHugoefoideixando

asalajuntocomJeremy.

Page 93: Agatha christie - a teia da aranha

Jeremy deu um sorriso tranquilizador a Clarissa e

murmurou:

Boasorte!

SirRowland,sisudo,sentou-seàmesadeleitura.

Poisbem!-exclamouClarissaaosentar-sedooutroladoda

mesaefitá-lo.

Querida-advertiuSirRowland-,euamovocê,esemprevou

amarcomternura.Mas,antesquevocêmepergunte,nestecaso,

arespostasimplesmentetemquesernão.

Clarissafaloucomseriedadeeênfase:

Ocorpodaquelehomemnãopodeserencontradonestacasa-

insistiuClarissa.-SeeleforencontradoemMarsdenWood,posso

dizer que ele ficou pouco tempo aqui. Posso dizer à polícia

inclusiveahoraexataemqueelesaiu.Naverdade,MissPeakeo

acompanhouatéasaída,oqueacabousendoumasorte.Nãohá

motivoparamencionarqueelevoltou.

Elarespiroufundo.

Mas se o corpo dele for encontrado aqui - retomou -, todos

nósvamosser interrogados. -Fezumapausaantesde concluir

semhesitação:-EPippanãovaiconseguirsuportar.

Pippa?-perguntouSirRowlandclaramentesurpreso.

OrostodeClarissaestavasombrio.

Sim,Pippa.Elavaiperderocontroleeconfessarocrime.

Page 94: Agatha christie - a teia da aranha

Pippa!-repetiuSirRowland,enquantoassimilavadevagaras

recentesinformações.

Clarissaassentiucomacabeça.

MeuDeus!-exclamouSirRowland.

Ela ficou apavorada quando ele veio aqui hoje contou

Clarissa.

Tenteitranquilizá-la,dizendoqueeunãoiapermitirqueelea

levasse embora,mas acho que ela não acreditou emmim. Você

sabe tudo o que ela passou... o colapso nervoso que ela teve?

Bem,achoqueelanãosobreviveriasefosseobrigadaamorarde

novo com Oliver e Miranda. Pippa estava aqui quando eu

encontreiocorpodeOliver.Elamedissequenãoteveintenção,

eu tenho certeza de que ela estava falando a verdade. Foi puro

pânico.Elapegouaquelebastãoeoatingiusempensar.

Quebastão?-indagouSirRowland.

Aqueledosuportenohall.Estánoesconderijo.Deixeionde

estava,nãotoqueinele.

Sir Rowland pensou por um momento. Então perguntou

incisivo:

OndeestáPippaagora?

Na cama - disse Clarissa. - Dei um comprimido para ela

dormir.Nãodeveacordarantesdoamanhecer,quandovoulevá-la

aLondres.Minhaantigababávaicuidardelaporumtempo.

SirRowlandlevantou-see foiatrásdosofáolharocorpode

Page 95: Agatha christie - a teia da aranha

OliverCostello.Retornando,beijouClarissa.

Meubem,vocêvenceu-disseele.-Meperdoe.Pippanãodeve

ser obrigada a enfrentar uma situação como esta. Chame os

outrosdevolta.

Ele fechouaoutra folhadaportaenvidraçada.Clarissa,por

suavez,abriuaportadabibliotecaechamou:

Hugo,Jeremy.Podemretornar,porfavor?Osdoisvoltaramà

sala.

EssemordomodevocêsnãofechaacasadireitoavisouHugo.

-Ajaneladabibliotecaestavaaberta.Acabodefechá-la.

Dirigindo-sesirRowland,perguntoudechofre:

Eentão?

Fuiconvencido-foiarespostaigualmenteconcisa.

Muitobem-comentouJeremy.

Nãohátempoaperder-declarouSirRowland.

Antesdemaisnada,asluvas.

Ele apanhou um par e o colocou. Jeremy pegou um par e

entregououtroaHugo;osdoiscolocaramasluvas.SirRowland

foiatéaportasecreta.

Comoseabreestacoisa?-perguntou.Jeremyaproximou-se.

Assim-disseele.-Pippamemostrou.-Moveuaalavancae

abriuaportasecreta.

Page 96: Agatha christie - a teia da aranha

SirRowlandexaminouoesconderijo,estendeuobraçopara

dentroepegouobastãodecaminhada.

Sim,épesadoobastante-comentou.-Ebemnacabeça.Por

outrolado,eunãoimaginavaque...-Eleparou.

Oquevocênão imaginava? -quissaberHugo.SirRowland

meneouacabeça.

Eu imaginava - respondeu ele - que tinha sido algo com a

pontamaisafiada...emetálica.

Querdizerumaespéciedecutelo-observouHugo,ríspido.

Não sei,não -disseJeremy. -Paramimessebastãoparece

bemmortal.Pode-sefacilmenteesfacelaracabeçadealguémcom

ele.

Evidente que sim - disse Sir Rowland, em um tom seco.

Voltou-seaHugoeentregou-lheobastão.-Hugo,façaofavorde

queimaristonafornalhadacozinha-orientou.

Warrender,nósdoisvamoslevarocorpoatéocarro.

EleeJeremyseagacharam,cadaqualaumladodocorpo.No

momentoemquefaziamisso,tocouumacampainha.

Oquefoiisso?-indagouSirRowlandatônito.-Acampainha

dafrente-disseClarissadesorientada.

Todosficarampetrificadosporuminstante.-Quemserá?

-pensouconsigoClarissaemvozalta.—Émuitocedopara

Henrye...ahn...osr.Jones.TalvezsejaSirJohn.

Page 97: Agatha christie - a teia da aranha

Sir John? - indagou Sir Rowland, ainda mais perplexo. -

Querdizerqueoprimeiro-ministroéesperadoaquihojeànoite?

Sim-respondeuClarissa.

Hum... - murmurou Sir Rowland, numa indecisão

momentânea. Então sussurrou: - Certo. Bem, precisamos fazer

algumacoisa.-Acampainhatocoudenovo,eeleentrouemação.

- Clarissa - ordenou —, vá atender a porta. Use todas táticas

possíveisdedemora.Nestemeio-tempo,damosumjeitoporaqui.

Clarissasaiurapidamenteemdireçãoaohall,eSirRowland

voltou-separaHugoeJeremy.

Escutembem-explicouemtomdecidido.-Vamosescondê-lo

naquele nicho. Mais tarde, quando eles estiverem no meio da

reunião,podemosretirá-lopelabiblioteca.

Boa ideia - concordou Jeremy, auxiliando Sir Rowland a

erguerocorpo.

Precisamdeajuda?-perguntouHugo.

Não, está tudobem - respondeuJeremy.Ele eSirRowland

ergueram o corpo de Costello pelas axilas e o carregaram para

dentrodoesconderijo;Hugopegoualanterna.Poucodepois,Sir

Rowland saiu e acionou a alavanca, seguido pelo apressado

Jeremy.Rapidamente,Hugoesgueirou-sesobobraçodeJeremy

esconderijo adentra, coma lanterna e o bastão.Aporta secreta

fechou.

SirRowland,depoisdeexaminaroseucasacoparaversenão

haviamanchasdesangue,murmurou:

Page 98: Agatha christie - a teia da aranha

As luvas. - Tirou as luvas e colocou-as embaixo de uma

almofada no sofá. Jeremy fez o mesmo. Então, Sir Rowland

lembrou:

Bridge!

Sentou-seapressadoàmesadebridge.

Jeremyoimitouepegouascartasàsuafrente.

Vamos,Hugo,mova-se-apressouSirRowiand,aopegarsuas

cartas.

Comoresposta,ouviuumabatidanointeriordoesconderijo.

Derepente,notandoaausênciadeHugo,SirRowiandeJeremy

se entreolharamsobressaltados. Jeremycorreuaté a alavanca e

abriuaportasecreta.

Vamos,Hugo- repetiuSirRowiand, inquieto,quandoHugo

apareceu.

Depressa,Hugo-resmungouJeremy,impaciente,acionando

aalavancaefechandoaportaoutravez.

Sir Rowiand arrancou as luvas de Hugo e escon- deu-as

embaixo da almofada do sofá. Os três prontamente tomaram

lugaràmesadebridgeeapanharamascartas.NissoClarissaveio

dohalleentrounasala,seguidapordoishomensfardados.

Emtomdesurpresainocente,Clarissaanunciou:

TioRoly,éapolícia.

Page 99: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo10

O mais antigo dos dois policiais, um grisalho atarracado,

seguiu Clarissa sala adentro, e o seu colega ficou esperando à

portadohall.

Esteéo inspetorLord-apresentouClarissa.-E...elavirou

para o policialmais novo, ummoreno de vinte e poucos anos,

comacompleiçãodeumjogadordefutebol.

Desculpe-me,comoémesmooseunome?-perguntou.

Oinspetorrespondeuporele.

ÉoguardaJones-informou.Dirigindo-seaostrêshomens,

ele prosseguiu: - Desculpe a intromissão, cavalheiros, mas

recebemosadenúnciadequeteriasidocometidoumassassinato

nestacasa.

Clarissa e seus amigos falaram todos ao mesmo tempo,

demonstrandosurpresacompleta.

Oquê?-bradouHugo.

Umassassinato!-exclamouJeremy.

Céus!-gritouSirRowland.

Nãoéextraordinário?-disseClarissa.

Sim, recebemos um telefonema na delegacia- esclareceu o

inspetor.ComumacenodecabeçaparaHugo,acrescentou:-Boa

noite,sr.Birch.

Page 100: Agatha christie - a teia da aranha

Ahn...boanoite,inspetor-balbuciouHugo.

Parecequealguémandou lhepassandoumtrote, inspetor-

sugeriuSirRowland.

Sim-concordouClarissa.-Jogamosbridgeanoitetoda.

Osoutrosconfirmaram,eClarissaindagou:

Apessoaqueligoudissequemfoiassassinado?

Não foram mencionados nomes - comunicou o inspetor. -

Quemligoudisseapenasqueumhomemhaviasidoassassinado

em Copplestone Court e pediu que viéssemos imediatamente.

Desligouantesquepudessemserobtidasinformaçõesadicionais.

Deve ter sido um trote - declarou Clarissa. Acrescentou de

maneiravirtuosa:-Quecoisamaisvil.

Hugofez"Tsc,tsc"emdesaprovação,eoinspetorrespondeu:

Asenhoraficariasurpresasesoubesseasmaluquicesqueas

pessoasfazem.

Fez uma pausa, olhou um por um dos interlocutores e

continuou,dirigindo-seaClarissa:

Muito bem, de acordo com a senhora, não aconteceu nada

foradocomumaquiestanoite?-Semesperarresposta,emendou:

-Talvezsejamelhoreufalartambémcomosr.Hailsham-Brown.

Ele não está em casa - disse Clarissa ao inspetor. - Só vai

chegartardedanoite.

Page 101: Agatha christie - a teia da aranha

Entendo-respondeu.-Quemestáhospedadonacasaagora?

Sir Rowland Delahaye e o Sr. Warrender - disse Clarissa,

indicando-os. Ela completou: - E o Sr. Birch, que o senhor já

conhece,veioparaanoite.

SirRowlandeJeremyaquiesceramcommurmúrios.

Ah, claro - prosseguiu Clarissa, como se tivesse lembrado

naqueleinstanteeminhapequenaenteada.

Deu ênfase à palavra "pequena". - Está no quarto dela,

dormindo.

Equantoaosempregados?-quissaberoinspetor.

Temosdois.Marido emulher.Mas é anoite de folga deles.

ForamaocinemaemMaidstone.

Sei-disseoinspetorsério,acenandoacabeça.

Naqueleexatomomento,Elginentrounasalapelaportado

hall,quasetrombandocomoguardaqueestavaalidesentinela.

Apósum rápido olhar de dúvida ao inspetor,Elgin dirigiu-se à

patroa.

Asenhoradesejaalgumacoisa,madame?-perguntou.

OinspetorlançouumolharmordazaClarissa,queexclamou

surpresa:

Penseiquevocêstinhamidoaocinema,Elgin.

Tivemos que voltar logo, madame - explicou o mordomo. -

Minhamulhernãoestavasesentindobem.

Page 102: Agatha christie - a teia da aranha

Cheiodededos,acrescentou:-Um...probleminhaestomacal.

Devetersidoalgoqueelacomeu.-Olhouparaoinspetor,depois

paraoguardaeperguntou:-Háalgo...errado?

Qualoseunome?-perguntouoinspetor.

Elgin, senhor - respondeu o mordomo. - Espero realmente

nãohavernada...

Alguém ligou à delegacia e disse que um assassinato havia

sidocometidoaqui-atalhouoinspetor.

Umassassinato?-indagouElginsemfôlego.

Sabedealgumacoisa?

Nada,senhor.Nadamesmo.

Quer dizer, então, quenão foi você que ligou? perguntou o

inspetor.

Não,nãofoi.

Quandovocêvoltouparacasa,entroupelaportadosfundos,

imagino?

Sim,meu senhor - respondeuElgin, adotandoumaatitude

maisrespeitosadevidoaonervosismo.

Notoualgodiferente?

Omordomomeditouumpoucoerespondeu:

Pensando bem, agora que o senhor falou, havia um carro

Page 103: Agatha christie - a teia da aranha

desconhecidopertodoestábulo.

Umcarrodesconhecido?Comoassim?

NahorafiqueipensandodequempodiaserrelembrouElgin.

-Mepareceuumlugarcuriosoparaestacionar.

Haviaalguémnocarro?

Nãoqueeutenhavisto,senhor.

Vádarumaolhada,Jones-ordenouoinspetoraoguarda.

Jones!-exclamouinvoluntariamenteClarissa,desobressalto.

Algumproblema?-disseoinspetor,virando-separaela.

Clarissarecompôs-sedepressa.Comumsorriso,murmurou:

Nada não... só achei que nem parece que ele é do País de

Gales.

Comumgesto,oinspetorindicouaoguardaJoneseaElgin

queseretirassem.Osdoisdeixaramjuntosasala,eseguiu-seum

silêncio. Um momento depois, Jeremy sentou-se no sofá e

começouacomerossanduíches.Oinspetordescansouoquepee

as luvasnacadeiradebraçose, respirando fundo,dirigiu-seao

gruporeunido.

Tudoindica-declarounumafalalentaecalculada-queuma

pessoa esteve aqui hoje à noite sem que ninguém percebesse. -

Olhou para Clarissa. - Tem certeza de que não esperava mais

ninguém?-perguntou.

-Ah...claroquetenhocerteza-respondeuClarissa.

Page 104: Agatha christie - a teia da aranha

Nãoqueríamosqueninguémmaisaparecesse.Láestávamos

emquatroparaobridge.

É mesmo? - disse o inspetor. - Eu também gosto de jogar

bridge.

O senhor gosta? - respondeu Clarissa. - Joga a convenção

Blackwood?

Sóumjoguinhosimples-disseo inspetor. -Diga-me,Sra.

Hailsham-Brown - retomou ele -, não faz muito tempo que a

senhoramoraaqui,nãoémesmo?

Não-contouela.-Umasseissemanas.

Oinspetorobservou-adetidamente.

Enãoaconteceunadasuspeitodesdequevocêssemudaram

paracá?-perguntou.

AntesdeClarissaresponder,SirRowlandinterpôs:

O que o senhor quer dizer mais exatamente com nada

suspeito,inspetor?

Bem,éumahistóriarealmentecuriosa-informouopolicial,

dirigindo-seaSirRowland.-Estacasapertenciaaosr.Sellon,o

vendedordeantiguidades.Elemorreuseismesesatrás.

Sim-lembrou-seClarissa.-Sofreuumaespéciedeacidente,

nãofoi?

Exato-disseoinspetor.-Caiudepontacabeçanaescada.-

VolvendooolharaJeremyeHugo,emendando:

Page 105: Agatha christie - a teia da aranha

Morteacidental, foioquealegaram.Podeserquesim,pode

serquenão.

Osenhorquerdizer -perguntouClarissa -queelepode ter

sidoempurrado?

Ou isso - concordou,voltando-separaela -, ouelepode ter

levadoumapancadanacabeça...

Houveumsilênciotenso,outravezquebradopeloinspetor:

Alguém pode ter disposto o corpo de Sellon ao pé da

escadaria.

Naescadariadestacasa?-indagouClarissanervosamente.

Não,aconteceunalojadele-informouoinspetor.-Nãohavia

provas concludentes, é claro... mas o sr. Sellon escondia um

poucoojogo.

Comoassim,inspetor?-perguntouSirRowland.

Bem-oinspetorrespondeu-,vamosdizerqueumaouduas

vezeseleprecisounosdarexplicações.Eemoutraoportunidadea

divisão de Narcóticos desceu de Londres para ter uma

conversinhacomele...-fezumapausa,antesdeconcluir—,mas

nãoseconseguiuprovarnada.

Osenhorquerdizeroficialmente-observouSirRowland.

É verdade - disse o inspetor de modo expressivo. -

Oficialmente.

Aopassoquenão-oficialmente...?-instigouSirRowland.

Page 106: Agatha christie - a teia da aranha

Receionãopodertocarnesseassunto-respondeuoinspetor.

Continuou:-Houve,porém,umacircunstânciainsólita.Haviana

escrivaninha do Sr. Sellon uma carta inacabada, na qual ele

mencionava estar em posse de algo descrito por ele como uma

raridade incomparável e que ele iria... - neste ponto o inspetor

parou, como se estivesse tentando recordar aspalavras exatas -

...primeiro se certificar de que não era uma falsificação para

depoisvenderporquatorzemillibras.

Pensativo,sirRowlandmurmurou:

Quatorze mil libras. - E continuou, aumentando o tom de

voz:-Semdúvida,ébàstantedinheiro.Oquepoderiaser?Uma

jóia, suponho, mas a palavra falsificação sugere... não sei, um

quadro,talvez?

Jeremy continuava a mastigar os sanduíches de modo

ruidoso.Oinspetorrespondeu:

Sim,talvez.Nãohavianadanalojaquevalesseumagrande

soma de dinheiro. O inventário do seguro não deixou dúvidas

quantoaisso.Os.r.Sellontinhaumasócia,donadeseupróprio

negócio em Londres. Essa senhora escreveu dizendo que não

sabiadenadaquepudessenosajudarouinformar.

SirRowlandbalançouacabeçadevagar.

Elepodetersidoassassinado,eotalobjeto,sejaqualfor,ter

sidoroubado-sugeriuele.

Éumapossibilidade, sir-concordou o inspetor,mas outra é

queosupostoladrãonãotenhaconseguidoencontraroobjeto.

Page 107: Agatha christie - a teia da aranha

Ora,porqueosenhorpensaisso?-indagousirRowland.

Porque - respondeu o inspetor - de lá para cá a loja foi

arrombadaduasvezes.Arrombadaereviradadecimaabaixo.

Confusa,Clarissaquissaber:

Porqueestánoscontandotudoisso,inspetor?

Porque, Sra. Hailsham-Brown—volveu o inspetor -, passou

pela minha cabeça que, seja lá o que for que o s.r. Sellon

escondeu, ele pode ter escondido aqui nesta casa e nãona loja

dele emMaidstone. Por isso, perguntei se a senhora não ficou

sabendodealgoestranho.

Erguendoamãocomosederepentetivesselembradodealgo,

Clarissadisseagitada:

-Alguém ligou hoje, pediu para falar comigo e, quando eu

atendiotelefone,desligou.Éumpoucoesquisito,nãoacha?-Ela

se virou para Jeremy e acrescentou: - Ah, sim, é claro. Houve

também aquele homem que veio outro dia e queria comprar

coisas...umgrosseirãovestindoumternoxadrez.Queriacomprar

aquelaescrivaninha.

Oinspetorcruzouasalaparaexaminaraescrivaninha.

Estaaqui?-perguntou.

Sim-respondeuClarissa.-Éclaroqueeudisseaelequenão

podíamos vender, afinal o móvel não era nosso, mas ele não

acreditouemmim.Ofereceuumaquantiaalta,bemmaisdoque

Page 108: Agatha christie - a teia da aranha

vale.

Muito interessante - comentou o inspetor, perscrutando a

escrivaninha.-Emgeral,essascoisastêmumagavetasecreta.

Sim, esta tem - revelou Clarissa. - Mas não tinha nada de

muitointeressantenelaSóunsautógrafosantigos.

Interessado,oinspetorperguntou:

Autógrafos antigos podem valer bastante dinheiro, que eu

saiba-falou.-Dequemeram?

Posso garantir-lhe, inspetor — informou Sir Rowland que

essesnãoeramrarosobastantenemparavalermaisdeumaou

duaslibras.

Aportadohallabriu,eoguardaJonesentrou,trazendoum

livrinhoeumpardeluvas.

Eentão,Jones?Qualorelatório?-perguntouoinspetor.

Examinei o carro - respondeu. - Só um par de luvas no

assento do motorista. Mas encontrei esta agenda na bolsa da

porta.-Entregouaagendaaoinspetor,eClarissatrocousorrisos

comJeremypelofortesotaquegalêsdoguarda.

Oinspetorexaminouaagendaeleuemvozalta:

"Oliver Costello, Moigan Mansions, 27, Londres, SW3". -

Então, perguntou a Clarissa demodo incisivo: - Por acaso um

homemchamadoCostellonãoesteveaquihoje?

Page 109: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo11

Os quatro amigos trocaram olhares furtivos de culpa Tanto

ClarissaquantoSirRowlandfizerammençãoderesponder,mas

foiClarissaquemfalourealmente.

84

Sim-admitiu.-Eleesteveaquiporvolta...-Hesitou.-Deixe-

mever...-prosseguiu.-Sim,porvoltadasseisemeia.

Eleéseuamigo?-perguntouoinspetoraela.

Não, eu não o chamaria de amigo - respondeu Clarissa. -

Encontrei-mecomelesóumaouduasvezes.

Demodointencional,assumiuumaexpressãoconstrangidae

disse vacilante: - É... um pouco complicado mesmo... - Olhou

suplicanteaSirRowland,comopassandoabolaaele.

Este cavalheiro prontamente atendeu ao não pronunciado

pedidodaamiga.

Inspetor - disse ele -, talvez fosse melhor eu explicar a

situação.

Porfavor-respondeuoinspetorumtantolacônico.

Bem - prosseguiu Sir Rowland -, o caso tem a ver com a

primeiraSra.Hailsham-Brown.Fazpoucomaisdeumanoque

ela e Hailsham-Brown se divorciaram, e não faz muito ela se

casoucomos.r.OliverCostello.

Page 110: Agatha christie - a teia da aranha

Certo-observouoinspetor.-Eos.r.Costelloveioaquihoje.-

Voltou-separaClarissa.-Porquemotivoperguntou,-Eleavisou

quevinha?

Ah,não-respondeuClarissacomnaturalidade.

Para ser mais exata, quando Miranda e meu marido se

divorciaram,elalevoujuntoumaouduascoisasquenaverdade

nãolhepertenciam.OliverCostellocasualmenteestavapassando

poraquiefezumavisitinhaparadevolver.

Quetipodecoisas?-foiaperguntainstantâneadoinspetor.

Clarissaesperavaessapergunta.

Nada importante - disse com um sorriso. Pegou a pequena

cigarreira prateada da mesinha ao lado do sofá e estendeu ao

inspetor.

Isto, por exemplo - disse ela. - Pertenceu à mãe de meu

maridoetemvalorsentimentalparaele.

Pensativo,oinspetorfitouClarissaporuminstante,antesde

perguntar:

O s.r. Costello chegou às seis e meia e ficou por quanto

tempo?

Ah, pouco tempo - respondeu ela ao repor a cigarreira na

mesa.-Dissequeestavacompressa.Unsdezminutos,eudiria.

Nãomaisdoqueisso.

Eaconversafoibemamigável?-inquiriuoinspetor.

Page 111: Agatha christie - a teia da aranha

Ah,sim-assegurouClarissa.-Acheimuitagentilezadelese

importaremdevolverascoisas.

Oinspetorpensouummomentoeindagou:

Elemencionouparaondeiadepois?

Não - respondeu Clarissa. - Na verdade, ele saiu por ali—

prosseguiu, apontando a porta envidraçada de duas folhas. -

Inclusivenossa jardineira,MissPeake,estavaaquieseofereceu

paraacompanhá-lopelojardimaoportãodasaída.

Sua jardineira... ela mora na propriedade? - quis saber o

inspetor.

Sim,masnãonacasa.Elamoranochalé.

Gostariadeterumapalavrinhacomela-decidiuoinspetor.

Voltou-separaoguarda.-Jones,váchamá-la.

Háumaconexãotelefônicaentreacasaeochalé.Querque

euachame,inspetor?-ofereceu-seClarissa.

Se não for incômodo, Sra. Hailsham-Brown - respondeu o

inspetor.

De modo algum. Ela ainda deve estar acordada - disse

Clarissa,apertandoumbotãonotelefone.Abriuumsorrisopara

o inspetor, que reagiu com timidez. Jeremy sorriu consigo e

pegoumaisumsanduíche.

Clarissafalouaotelefone.

Alô,MissPeake.AquiéaSra.Hailsham-Brown...Asenhora

Page 112: Agatha christie - a teia da aranha

seimportadeviratéaqui?Aconteceuumacoisamuitoséria...Ah,

sim,claro,nãotemproblemaObrigada.

Elarepôsofonenoganchoevoltou-seaoinspetor.

MissPeakeestáacabandodelavarocabelo,maslogovaise

vestirevirparacá.

Obrigado -disseo inspetor. -Afinal, épossívelqueCostello

tenhamencionadoaondeia.

Sim,épossívelmesmo-concordouClarissa.

Intrigado,oinspetordeclarouatodos:

OquemedeixaapreensivoéporqueocarrodoSr.Costello

aindaestáaquieondeestáoSr.Costello?

Clarissalançouumolharinvoluntárioàestantedelivroseà

porta secreta; em seguida, caminhou até a porta de vidro para

esperar Miss Peake. Jeremy, notando o olhar de Clarissa,

recostou-seinocentementenosofáecruzouaspernas.Oinspetor

continuou:

Tudo indica que essaMiss Peake foi a última pessoa a ver

Costello.Elesaiu,comoasenhoradisse,poressaportadevidro.

Asenhoraafechoudepois?

Não - respondeu Clarissa, defronte à porta envidraçada, de

costasparaoinspetor.

Mesmo?-perguntouoinspetor.

AlgonavozdelefezClarissasevirar.

Page 113: Agatha christie - a teia da aranha

Bem,eu...achoquenão-dissehesitante.

Então ele pode ter retornado e entrado por aí - observou o

inspetor.Respirou fúndoeparticipousolenemente: -Creio, sra.

Hailsham-Brown, que, com sua permissão, eu devo revistar a

casa.

Fiqueàvontade-respondeuClarissacomumsorrisoafável.-

Bem,estasalaosenhorjáviu.Ninguémpoderiaestarescondido

aqui. - Segurou a cortina aberta por um instante, como se

esperasseMissPeake,eexclamou:-Olhe,poraquiéabiblioteca.

-Abriuaportadabibliotecaeconvidou:-Osenhorquerdaruma

olhada?

Obrigado-disseoinspetor.-Jones!-Nomomentoemqueos

dois policiais entravam na biblioteca, o inspetor emendou: -

Verifique aonde vai dar esta porta, Jones -mostrando comum

gestooutraportabemnaentradadabiblioteca.

Pode deixar, senhor - respondeu o guarda, entrando pela

portaindicada.

Logo que suas vozes ficaram fora do alcance, Sir Rowland

aproximou-sedeClarissa.

Oquehádooutro lado?-perguntoubaixinho, indicandoa

portasecreta.

Umaestantedelivros-respondeuconcisamente.

Ele balançou a cabeça e rumou com indiferença ao sofá.

Entãoseouviuavozdoguarda:

Éapenasoutraportaparaohall,senhor.

Page 114: Agatha christie - a teia da aranha

Osdoispoliciaisretornaramdabiblioteca.

Certo-disseoinspetor.OlhouparaSirRowland,obviamente

percebendoqueelehaviatrocadodelugar.

Agoravamosvasculharorestodacasa-avisouele,rumando

aohall.

Voujuntocomossenhores,senãoseimportaremofereceu-se

Clarissa-,casominhaenteadaacordeefiqueassustada.Nãoque

eu ache que ela vá acordar. Incrível como é pesado o sono das

crianças. Para fazê-las despertar, você praticamente tem de

sacudi-las.

Quandooinspetorabriuaportadohall,Clarissaindagou:

Osenhortemfilhos,inspetor?

Ummeninoeumamenina-respondeusucinto;emseguida

saiudasala,atravessouohallecomeçouasubirasescadas.

Nãoémaravilhoso?-comentouClarissa.Evoltando-separao

guarda:-Sr.Jones.-Comumgesto,elaconvidouoguardaasair

nafrenteeseguiulogoatrás.

Assim que eles saíram, os três remanescentes na sala se

entreolharam.Hugoenxugouasmãos,eJeremypassouamãona

testa.

Eagora?-indagouJeremy,pegandooutrosanduíche.

SirRowlandmeneouacabeça.

Page 115: Agatha christie - a teia da aranha

Nãoestougostandonadadisto-revelou.-Estamoscadavez

maisenvolvidos.

Se querem saber minha opinião - aconselhou Hugo -, só

temosumacoisaa fazer: contaraverdade.Confessarantesque

sejatarde.

Droga, não podemos fazer isso - exclamou Jeremy. - Seria

umadeslealdadecomClarissa.

Mas se continuarmos com isso vamos deixá-la numa

enrascada ainda pior - insistiu Hugo. - Como vamos conseguir

removeromorto?Apolíciavaiapreenderocarrodele.

Podemosusaromeu-sugeriuJeremy.

Bem, não gosto disso - persistiu Hugo. - Não gosto nada

disso. Raios, eu sou juiz de paz do condado. Minha reputação

comapolícialocalestáemjogo.-Voltou-separaSirRowland.-O

quemediz,Roly?Seucérebrosemprefuncionoubem.

SirRowlandrespondeusério:

Tenho de admitir que isso nãome agrada nem um pouco,

maspessoalmenteestoucomprometidocomaempreitada.

Hugo,perplexo,disseaoamigo:

Nãoentendovocê.

Confie emmim, se puder, Hugo - disse Sir Rowland. Com

expressão grave, continuou: -Estamosnuma situaçãoperigosa,

todosnós.Mascomuniãoeumaboadosedesorte,háchances

deescaparmosdesta.

Page 116: Agatha christie - a teia da aranha

Jeremyfezmençãodeabriraboca,masSirRowlandergueu

amãoeprosseguiu:

Assim que a polícia se convencer de que Costello não está

nestacasa,vaiemboraparaprocuraremoutraparte.Afinal,pode

havermuitasrazõesparaeleterabandonadoocarroeidoembora

a pé. - Fez um gesto aos dois e completou: — Somos todos

cidadãos respeitáveis: Hugo é juiz de paz, como acabou de nos

lembrar,eHenryHailsham-Brown,diplomatadoaltoescalãodo

ministériodasRelaçõesExteriores.

Sim,sim,evocêtemumacarreirailibadaeconhecida,todos

sabemosdisso - interveioHugo. -Tudobem, se é issoque você

quer,vamosenfrentaresta.

Jeremylevantou-seemostrouoesconderijocomumacenode

cabeça.

Nãopodemosfazeralgoimediatamente?-perguntou.

Agoranãohátempo-determinouSirRowlandemtombreve.

-Elesvãovoltaraqualquerminuto.Eleestáseguroali.

Jeremybalançouacabeçaemconcordânciarelutante.

ÉprecisoreconhecerqueClarissaémaravilhosa-comentou

Jeremy.-Friacomopedra.Aqueleinspetorestácomendonamão

dela.

Acampainhatocou.

DeveserMissPeake,suponho-declarouSirRowland.-Podia

atenderefazê-laentrar,Warrender?

Page 117: Agatha christie - a teia da aranha

Tão logo Jeremy saiu, Hugo acenou para Sir Rowland se

aproximar.

Oque estáhavendo,Roly? - sussurrou comansiedade. -O

queClarissacontouquandovocêsestavamasós?

Sir Rowland começou a falar, mas, escutando as vozes de

Jeremy e de Miss Peake trocando cumprimentos na porta da

frente,fezumgestoquesignificava"Agoranão".

Achomelhorasenhoraesperarnasala-JeremydisseaMiss

Peakeaofecharaportadafrente.Uminstantedepois,precedendo

aJeremy,ajardineiraentrounasala,aparentandotersevestido

commuitapressa.Traziaumatoalhaenroladanacabeça.

Porquetudoisto?-quissaberela.-ASra.Hail-sham-Brown

todamisteriosanotelefone.Aconteceualgumacoisa?

SirRowlandfaloucomsupremacortesia.

Sintomuitoportermostiradoasenhoradecasadessejeito,

MissPeake - desculpou-se. -Sente-se, por favor. - Indicouuma

cadeiraàmesadebridge.

HugopuxouacadeiraparaMissPeake,queagradeceu.Elese

acomodouentãoemumapoltronamaisconfortável.SirRowland

informouàjardineira:

Naverdade,apolíciaestáaquie...

Apolícia?-interrompeuMissPeakeestarrecida.-Houveum

roubo?

Não,umroubonão,mas...

Page 118: Agatha christie - a teia da aranha

Parou de falar quando Clarissa, o inspetor e o guarda

retornaram à sala. Jeremy sentou-se no sofá; Sir Rowland, por

suavez,posicionou-seatrásdosofá.

Inspetor-apresentouClarissa-,MissPeake.

Oinspetoraproximou-sedajardineira.Seu"Boanoite,Miss

Peake"foiseguidodeumalevereverência.

Boanoite, inspetor - respondeuMissPeake. -Agoramesmo

eu perguntava a Sir Rowland... houve um furto ou coisa

parecida?

Poruminstante,o inspetorobservou-ademodoperspicaze

falou:

Umtelefonemaumtantocuriosonostrouxeatéaqui-contou

ele. -Eachamosquea senhora talvezpudessenos esclarecer o

assunto.

Page 119: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo12

Miss Peake recebeu o comunicado do inspetor com uma

sonorarisada.

Nãodisse?Issoestámuitomisterioso.Estoumedivertindo,e

como—exclamoudeliciada.

Oinspetorfranziuocenho.

TemavercomoSr.Costello-explicou.-Sr.OliverCostello,

residente em Morgan Mansions, 27, Londres SW3. Se não me

engano,ficanaregiãodeChelsea.

Nuncaouvifalardessehomem-foiarespostadeMissPeake,

robustamenteenunciada.

Ele esteve aqui hoje à tardinha, visitando a Sra.Hailsham-

Brown-lembrouoinspetor-,epeloquefuiinformadoasenhora

lhemostrouasaídapelojardim.

MissPeakedeuumtapanacoxa.

Ah,aquelesujeito-recordouela.-ASra.Hail-sham-Brown

nãomedisseonomedele.

Ela observou o inspetor, demonstrando-se um pouco mais

interessada.

Poisnão,oqueosenhorquersaber?-indagou.

Gostariadesaber-ponderouoinspetordevagar-exatamente

oqueaconteceuequandofoiqueasenhoraoviupelaúltimavez.

Page 120: Agatha christie - a teia da aranha

MissPeakepensouantesderesponder.

Deixe-mever-disseela.-Saímosparaojardim,eeuconteia

elequehaviaumatalhoatéaparadadeônibus.Eledissequenão

precisava, pois tinha vindo de carro e estacionado perto do

estábulo.

Sorriuradianteparaoinspetor,comoseesperasseumelogio

pela concisa lembrança dos fatos,mas ele apenas comentou de

modoabsorto:

Nãoéumlugarestranhoparasedeixarocarro?

Foiissomesmoqueeupensei-concordouMissPeake,dando

umtapinhanobraçodoinspetor.Elereagiucomsurpresa,mas

elaprosseguiu:-Omaisnormalteriasidovirdiretopela frente,

nãoacha?Mastemcadapessoaesquisita.Agentenuncasabeo

quevãofazer.-Edeuumadesuasgargalhadasjoviais.

Eoqueaconteceudepois?-inquiriuoinspetor.

MissPeakedeudeombros.

Bem, ele foi até o carro, e imagino que tenha ido embora -

respondeu.

Asenhoranãooviupartir?

Não...euestavaguardandominhasferramentasfoiaresposta

dajardineira.

Eessafoiaúltimavezqueoviu?-indagouoinspetor,com

ênfase.

Page 121: Agatha christie - a teia da aranha

Sim,porquê?

Porqueocarrodeleaindaestáaqui-revelouoinspetor.Em

tom pausado e incisivo, prosseguiu: - Às 7h49, recebemos um

telefonemanadelegaciadizendoqueumhomemhaviasidomorto

emCopplestoneCourt.

Chocada,MissPeakeexclamou:

Morto?Aqui?Queabsurdo!

Parece que isso é o que todo mundo pensa - observou o

inspetorsecamente,comumolharsugestivoaSirRowland.

Claro-retomouMissPeake—,seiqueháessesloucosporaí

atacandomulheres...masosenhorestádizendoqueumhomem

foimorto...

A senhora não escutou outro carro esta noite? cortou o

inspetorabruptamente.

Sóodos.r.Hailsham-Brown-respondeuela.

Sr. Hailsham-Brown? - indagou o inspetor, erguendo as

sobrancelhas.-Pensavaqueelesóeraesperadotardedanoite.

MirouClarissa,queseapressouaesclarecer.

Éverdade,meumaridoesteveaqui,masprecisousairdenovo

logodepois.

Oinspetoradotouumaatitudedepaciênciadeliberada.

Ah, é mesmo? - comentou em tom de estudada polidez. -

Quando,maisexatamente,eleesteveaqui?

Page 122: Agatha christie - a teia da aranha

Vamos ver... - Clarissa começou a gaguejar. - Deve ter sido

maisoumenos...

Uns quinze minutos antes de eu terminar meu serviço -

interrompeu Miss Peake. - Eu trabalho bastante depois do

expediente,inspetor.Nuncamebaseionashorasregulamentares

- explicou Miss Peake. - Faça seu trabalho com seriedade e

entusiasmo, costumo dizer - continuou, batendo na mesa ao

falar. -Sim,os.r.Hail- sham-Browndeve terchegadoàssetee

quinze.

Isso deve ter sido pouco depois que o Sr. Costello saiu -

observouoinspetor.Caminhouaocentrodasala,eoseujeitofoi

mudando quase imperceptivelmente ao prosseguir: - É bem

provável que ele e o Sr. Hailsham- Brown tenham passado um

pelooutro.

Osenhorquerdizer-comentouMissPeake,pensativa-que

elepodetervoltadoparafalarcomos.r.Hailsham-Brown.

Oliver Costello não voltou aqui, sem sombra de dúvida -

atalhouClarissadeformacategórica.

Mas a senhora não pode ter certeza disso - redarguiu a

jardineira. -Elepode terentradopelaportadevidrosemquea

senhoratenhanotado.-Apósumapausa,exclamou:-MeuDeus!

Nãoestãopensandoqueelematouos.r.Hailsham-Brown,nãoé?

Ah,medesculpem.

Claro que ele não matou Henry - vociferou Clarissa

exasperada.

Page 123: Agatha christie - a teia da aranha

Para onde foi seu marido ao sair daqui? - perguntou o

inspetor.

Não tenho a mínima ideia - respondeu Clarissa de modo

breve.

Elenãocostumaavisaraondevai?-insistiuoinspetor.

Nuncafaçoperguntas-revelouClarissa.-Paraumhomem,

deveserumtédioumaesposasemprefazendoperguntas.

MissPeakesoltouumguinchorepentino.

Mas que estupidez a minha - gritou. - Claro, se o carro

daquele homem ainda está aqui, deve ter sido ele quem foi

assassinado.-Edeuumarisadaestrepitosa.

SirRowlandlevantou-se.

Não há razão alguma para crermos que alguém foi

assassinado,MissPeake-repreendeu,comdignidade.

Narealidade,o inspetoracreditaquetudonãopassadeum

trotebobo.

MissPeakeobviamentenãotinhaamesmaopinião.

Mas e o carro? - insistiu ela. — Ainda acho que é muito

suspeito esse carro continuar por aqui. - Ela se ergueu e

caminhou em direção ao inspetor. - O senhor já procurou o

corpo,inspetor?-indagouansiosa.

O inspetor já vasculhou a casa - respondeu Sir Rowland,

antesqueopolicial tivesseoportunidadede falar.Em troca, ele

Page 124: Agatha christie - a teia da aranha

recebeuumolhar penetrante do inspetor, emquemMiss Peake

davatapinhasnoombro.Elacontinuouaexporsuasteorias.

Tenho certeza de que a Elgin tem algo a ver com isso... o

mordomo e aquela mulher dele, que se considera cozinheira -

assegurou a jardineira ao inspetor com convicção. - Sempre

suspeitei deles. Agorinhamesmo, quando eu estava vindo para

cá,viluznoquartodeles.Eisso,porsisó,jáésuspeito.Éanoite

de folgadeles enormalmente só voltambemdepoisdas onze. -

Ela pegou o inspetor pelo braço. - O senhor revistou o quarto

deles?perguntouinquieta.

O inspetor abriu a boca para falar, mas ela o interrompeu

comoutrotapinhanoombro.

Agora me escute - iniciou ela. - Vamos supor que o Sr.

Costello tenha reconhecido Elgin como alguém com ficha na

polícia. Costello pode ter decidido voltar para prevenir o Sr.

Hailsham-Brown,eElginoatacou.

Muitosatisfeitaconsigo,correuoolharentreospresentese

continuou:

Claro,Elginteriadeesconderocorporapidamenteemalgum

lugarparaquepudessedarumdestinoaelemaistarde.Agora,

fico pensando... onde ele poderia tê-lo escondido? - perguntou

retoricamente,absortaemsuatese.Comumgestoemdireçãoà

portadevidro,elacomeçou:-Atrásdeumacortinaou...

FoiinterrompidacomraivaporClarissa.

Francamente,MissPeake.Nãoháninguémescondido atrás

das cortinas. E tenho certeza de que Elgin nunca matou

Page 125: Agatha christie - a teia da aranha

ninguém.Issoéridículo.

MissPeakeretrucou,emtomdecensura:

Asenhoraconfiademaisnaspessoas,Sra.Hailsham-Brown.

Quando a senhora tiver a minha idade, vai perceber como é

comumencontrarpessoasquenaverdadesãobemdiferentesdo

queaparentamser.-Deusuarisadajovialevoltou-seaoinspetor.

Quando o inspetor abriu a boca, Miss Peake deu outro

tapinhanoombrodele.

Vamos ver - prosseguiu ela -, ondeumhomem comoElgin

esconderia o cadáver? Talvez naquele nicho do armário entre a

salaeabiblioteca.Suponhoquejáderamumaolhadaali?

SirRowlandinterveiocélere.

Miss Peake, o inspetor já procurou aqui e na biblioteca -

enfatizouele.

O inspetor, porém, lançou um olhar expressivo para Sir

Rowlandevoltou-separaajardineira.

O que a senhora quer dizer mais exatamente com "aquele

nichodoarmário",MissPeake?-indagouele.

Um certo nervosismo dominou a sala ao Miss Peake

responder:

Ah, é perfeito para brincar de esconde-esconde. Você nem

sonhaqueolugarexiste.Voumostrarparaosenhor.

Page 126: Agatha christie - a teia da aranha

Ela caminhou para a porta secreta, seguida pelo inspetor.

Jeremyergueu-senomesmomomentoemqueClarissaexclamou

comenergia:

-Não!

OinspetoreMissPeakevoltaram-seaela.

Não tem nada ali agora - Clarissa informou. - Sei disso

porqueagoramesmofuiàbibliotecaporali.

A voz dela foi murchando. Miss Peake, desapontada,

murmurou:

Bem, neste caso... - e afastou-se da porta secreta. Mas o

inspetor a chamou de volta. - Mostre-me assim mesmo, Miss

Peake—solicitou.-Eugostariadever.

MissPeakeaproximou-sedaestante.

Originalmente era uma porta - explicou. - Ficava bem na

frentedaoutra.-Elamoveuaalavanca,explicandocomofazer.-

Ésópuxarestatramelaparatrás,eaportaseabre.Estãovendo?

A porta secreta abriu, e o corpo de Oliver Costello caiu

emborcado.MissPeakegritou.

Pelovisto-observouo inspetorcomumolharsombriopara

Clarissa-,asenhoraestavaenganada,Sra.Hailsham-Brown.Ao

queparecehouveumassassinatoaquiestanoite.

OgritodeMissPeakealcançouoápice.

Page 127: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo13

Dez minutos depois, as coisas estavam um pouco mais

calmas.Miss Peake não estavamais na sala, tampoucoHugo e

Jeremy. O cadáver de Oliver Costello prostrado no esconderijo

aberto. Clarissa, estendida no sofá, era esti-mulada por Sir

Rowlandabeberumcálicedeconhaque.Oinspetoraotelefone,e

oguardaJonesdesentinela.

Sim,sim-diziaoinspetor.-Oquefoi?...Omotoristafugiu

sem prestar socorro?... Onde?... Ah, sei... Tudo bem,mande-os

paracáassimquepuder...Queremosfotos,claro...Sim,aperícia

completa.

Repôsofonenoganchoeaproximou-sedoguarda.

Tudoaconteceaomesmotempo-reclamou.-Nadaacontece

durantesemanas,ejustoagoraomédico-legistasaiparaatender

umgraveacidentedecarro...umdesastrenarodoviadeLondres.

Tudoissovairesultarnumbomatraso.Enquantoomédiconão

chega, vamos fazendo o que estiver a nosso alcance. - Fez um

gestonadireçãodocadáver. -Melhornãomexermosneleantes

da perícia fotográfica - sugeriu. - Não que isso vá nos informar

algo.Elenãofoimortoali,foicolocadoalidepois.

Comoosenhorpodetercerteza?-indagouoguarda.

Oinspetorbaixouoolharparaotapete.

É possível notar que os pés foram arrastados - salientou,

agachando-se atrás do sofá. O guarda ajoelhou-se ao lado do

Page 128: Agatha christie - a teia da aranha

inspetor.

Sir Rowland espiou sobre o encosto do sofá e depois

perguntouparaClarissa:

Comoestásesentindoagora?

Melhor.Obrigado,Roly-respondeucomavozabatida.

Osdoispoliciaisergueram-se.

Talvez fosse melhor fechar essa tal porta da estante -

recomendouoinspetoraocolega.-Chegadeataqueshistéricos.

Certo, senhor - respondeu o guarda. Em seguida, fechou a

portadoesconderijoparaocorponãosermaisavistado.

Logodepois,SirRowland levantou-sedosofáe falouparao

inspetor:

A Sra. Hailsham-Brown passou por um grave abalo. Seria

bomelasubiraoquartoesedeitarumpouco.

Compolidez,mascomcertareserva,oinspetorreplicou:

Com certeza, senhor, mas não agora. Antes eu gostaria de

fazerumasperguntasaela.

SirRowlandtentoupersistir.

Ela realmente não está em condições de ser interrogada

agora.

Estou bem, Roly - interpôs Clarissa com a voz fraca. -

Verdade,estousim.

Page 129: Agatha christie - a teia da aranha

Está sendomuito corajosa, querida - disse-lhe Sir Rowland

emtomdeaviso-,mascreioqueseriamesmomaissensatovocê

subiredescansarumpouquinho.

QueridotioRoly!-respondeuClarissacomumsorriso.Disse

aoinspetor:-ÀsvezesochamodetioRoly,emboraelesejameu

anjodaguardaenãomeutio.Maseleésempretãodocecomigo.

Sim,jápercebiisso-foiarespostaseca.

Pode me perguntar o que o senhor quiser, inspetor -

prosseguiuClarissademodocortês. -Masnaverdadeachoque

nãovoupoderajudarmuito,poissimplesmentenãoseidenada

sobreisso.

SirRowlandsuspirou,meneouacabeçade leveedesviouo

rosto.

Não vamos tomar muito seu tempo, senhora - garantiu o

inspetor. Indo à porta da biblioteca, ele a segurou aberta e

dirigiu-sesirRowland.-Osenhornãogostariadese juntaraos

demaisnabiblioteca?-sugeriu.

Achomelhorficaraqui,nocasode...-começouSirRowland,

atésercortadopeloinspetor,agoraemtommaisincisivo.

Chamo o senhor se for preciso. Espere na biblioteca, por

favor.

Depois de um breve duelo de olhares, Sir Rowland

reconheceuaderrotaefoiàbiblioteca.Oinspetorfechouaportae

indicou silenciosamente ao guarda que sentasse e fizesse

anotações. Clarissa escorregou os pés para fora do sofá e

Page 130: Agatha christie - a teia da aranha

endireitouapostura.Porsuavez,Jonesempunhouumblocoe

umlápis.

Muitobem,Sra.Hailsham-Brown-iniciouoinspetor-,sea

senhoraestiverpronta,podemoscomeçar.

Pegouacigarreiradamesinhaaoladodosofá,virou-a,abriu-

aeavaliouoscigarros.

Omeuquerido tioRolysempre tentameprotegerde tudo -

contou Clarissa com um sorriso encantador. Então, ao ver o

inspetor manusear a cigarreira, ficou receosa. - Não vão usar

meios ilícitos no interrogatório, não é? - indagou, num esforço

paradaràperguntaumtomdebrincadeira.

Nadadessetipo,senhora,eulheasseguro-disseoinspetor.-

Apenasalgumasquestõestriviais.-Virouparaoguarda.-Pronto,

Jones? - indagou, puxando uma cadeira da mesa de bridge

defronteaClarissaesentando.

Tudopronto,senhor-respondeuoguardaJones.

Certo. Muito bem, Sra. Hailsham-Brown - começou o

inspetor. - A senhora confirma que não sabia da existência do

corpoescondidonaquelerecesso?

O guarda começou a tomar notas, e Clarissa respondeu de

olhosarregalados:

Confirmo. Claro que não sabia. Que coisa horrível!

Estremeceu.-Horríveldemais.

Comolharindagador,oinspetorprosseguiu.

Page 131: Agatha christie - a teia da aranha

Quandoestávamosvasculhandoestasala,porqueasenhora

nãomencionouaexistênciadaqueleesconderijo?

Clarissa confrontou o olhar fixo do inspetor com olhos

arregaladosdeinocência.

Sabe - disse ela - que nem cheguei a pensar nisso. Nunca

usamosoesconderijo,demodoquenãomepassoupelacabeça.

Oinspetornãodeixouescaparadeixa.

Mas a senhora disse - relembrou - que tinha acabado de

cruzarporaliemdireçãoàbiblioteca.

Ah,não - exclamouClarissa, sem titubear. -Osenhordeve

termeentendidomal.-Apontouparaaportadabiblioteca.-Eu

quisdizerquetínhamosidoàbibliotecaporaquelaporta.

Sim,vaiverqueeuacompreendimal-observouo inspetor

sombrio.-Noentanto,deixe-meaomenosesclarecerumponto.A

senhoraaleganãosaberquandooSr.Costellovoltouparacá,ou

omotivoporqueeleretornou?

Não, simplesmente não consigo imaginar o porquê -

respondeuClarissa,transbordandocanduranavoz.

Masofatoéqueelevoltou-persistiuoinspetor.

Sim,éclaro.Agorasabemosdisso.

Bem,eledevetertidoalgummotivo-argumentouoinspetor.

Suponho que sim - concordouClarissa. -Mas não tenho a

mínimaideiadoquepossatersido.

Page 132: Agatha christie - a teia da aranha

Oinspetorpensouuminstanteeresolveuexperimentaroutra

linhadeabordagem.

Asenhoraachaquetalvezelequisessefalarcomseumarido?

-sugeriu.

Ah, isso não - respondeu Clarissa prontamente. - Tenho

certezadequenão.Henryeelenuncasederambem.

Ah!—exclamou o inspetor. - Eles nunca se deram bem. Eu

nãosabiadisso.Houvealgumadiscussãoentreeles?

Denovo,Clarissarespondeudepressaafimdeimpediruma

novaepotencialmenteperigosalinhadeinvestigação.

Ah,issonão-assegurouela-,elesnuncadiscutiram.Henry

sónãoiamuitocomacaradele.-Sorriusimpática.-Sabecomo

oshomenssãoesquisitos.

Oolhardo inspetorsugeriuqueelepessoalmentenãotinha

conhecimentosobreisso.

Tem certeza absoluta de que Costello não voltou aqui para

falarcomasenhora?-perguntououtravez.

Comigo? - ecoou Clarissa candidamente. - Ah, não, tenho

certezadequenãofoiporisso.Quemotivoelepoderiater?

O inspetor respirou fundo. Lenta e deliberadamente,

perguntou:

Há alguém mais nesta casa com quem ele talvez quisesse

falar?Porfavor,pensebemantesderesponder.

Page 133: Agatha christie - a teia da aranha

De novo, Clarissa fitou o inspetor com um olhar meigo de

inocência.

Nãoconsigoimaginar-insistiuela.-Querodizer,comquem

maispoderiaser?

O inspetor ergueu-se, viroua cadeira ea empurrou juntoà

mesa de bridge. Com passos lentos, começou a tecer

considerações.

OSr.Costello vemaqui - recomeçoudevagar - e devolve os

objetos que a primeira Sra. Hailsham-Brown tinha levado do

maridoporengano.Elesedespede.Masdepoisretornaàcasa.

Caminhouatéasportasdevidro.

Presume-se que ele tenha entrado por aqui - prosseguiu,

mostrandoaporta envidraçada. -Ele éassassinado... o corpoé

empurradoparadentrodaqueleesconderijo... tudonumperíodo

dedezavinteminutos...

ElesevoltouparaencararClarissa.

E ninguém escuta nada? - finalizou com entonação

ascendente.-Achoissomuitodifícildeacreditar.

Sei - concordou Clarissa. - Acho tão difícil de acreditar

quantoosenhor.Émesmoincrível,não?

Certamente-anuiuoinspetor,comumclarotomdeironia.

Fezumaúltimatentativa.-Sra.Hailsham-Brown,asenhoratem

certeza absolutade quenão ouviunada? - perguntoude forma

incisiva.

Page 134: Agatha christie - a teia da aranha

Nãoescuteinada-respondeu.-Émesmobizarro.

Quase bizarro demais - comentou o inspetor sombrio. Após

umapausa,foiàportadohalleabriu-a.-Bem,porenquantoé

só,Sra.Hailsham-Brown.

Clarissalevantou-seecaminhouligeiroparaabiblioteca,mas

foiinterceptadapeloinspetor.

Poraínão,porfavor-pediuele,conduzindo-aaohall.

Maseuachoquedeviamereuniraosdemais-protestouela.

Mais tarde, sea senhoranão se importar -disseo inspetor

secamente.

Commuitarelutância,Clarissasaiupelaportadohall.

Page 135: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo14

OinspetorfechouaportadohallatrásdeClarissaefoiatéo

guardaJones,queaindatomavanotas.

Ondeestáaoutramulher?Ajardineira.Miss...ahn...Peake?

-indagouoinspetor.

Deixei-anacamadoquartodehóspedes-contouoguardaao

chefe. - Quero dizer, isso depois que ela se acalmou da crise

nervosa.Passeipormausbocadoscomela,nãoparavaderirede

gritar.Ficounumestadohorrível.

Nãoimportaseasra.Hailsham-Brownfalarcomela-disseo

inspetor. - Mas o que ela não pode é falar com aqueles três

homens.Precisamosquecadaumrecordedosfatoseconteasua

própriaversão.Presumoquevocêtenhachaveadoaportaentrea

bibliotecaeohall?

Sim,senhor-assegurouoguarda.-Tenhoachavecomigo.

Nãoseioquefazercomessepessoal-confessouoinspetorao

colega. - São todos altamente respeitáveis. Hailsham-Brown,

diplomatadoministériodasRelaçõesExteriores;HugoBirch,juiz

de paz, nosso conhecido; e os outros dois hóspedes dos

Hailsham-Brown me parecem cidadãos decentes, bem-

posicionados na sociedade... Bem, você sabe o que eu quero

dizer...Mas temalgo estranhoacontecendo.Nenhumdeles está

sendo honesto conosco... e nisso se inclui a Sra. Hailsham-

Brown.Estãoescondendoalgo,eestoudeterminadoadescobriro

queé,tendoounãotendoalgoavercomesseassassinato.

Page 136: Agatha christie - a teia da aranha

Estendeuosbraçosparacima,comoseprocurasseinspiração

doscéus,edirigiu-seaoguardanovamente:

Bem,émelhorcontinuarmos -disseele. -Vamos interrogá-

losumdecadavez.

Quandooguardalevantou-se,oinspetormudoudeideia.

Não.Espereumpouco.Primeirovouterumapalavrinhacom

aquelenossomordomo-decidiu.

Elgin?

Sim, Elgin. Vá chamá-lo. Estou comumpalpite de que ele

sabedealgo.

Poisnão,senhor-respondeuoguarda.

Deixandoasala,oguardaencontrouElginrondandoaporta

dasaladeestar.Omordomofingiuencami-nhar-seàescadaria,

mas parou ao ser chamado; entrou na sala sem esconder o

nervosismo.

O guarda fechou a porta do hall e reassumiu seu posto de

anotador.Oinspetorindicouacadeirapróximaàmesadebridge.

Elginsentou-se,eoinspetorcomeçouointerrogatório.

Muito bem, você foi ao cinema esta noite - recordou ele ao

mordomo-,maslogovoltou.Podeexplicarporquê?

Eujádisse,senhor-respondeuElgin. -Minhamulhernão

estavasesentindobem.

Oinspetorobservou-odetidamente.

Page 137: Agatha christie - a teia da aranha

Foi você quem fez o Sr. Costello entrar na casa quando ele

esteveaquiestanoite,nãofoi?-indagou.

Sim,senhor.

Oinspetordistanciou-sealgunspassosdeElginederepente

deumeia-volta.

Por que vocênão falou logo que era o carrodoSr.Costello

queestavaláfora?-perguntou.

Eunãosabiadequemeraocarro,senhor.OSr.Costellonão

veio guiando pela frente. Eu nem sabia que ele tinha vindo de

carro.

Não acha isso muito curioso? Deixar o carro perto do

estábulo?-sugeriuoinspetor.

Sim, senhor, acho que sim - respondeu omordomo. -Mas

talvezeletenhatidoseusmotivos.

Oqueestáinsinuando?-perguntouoinspetorprontamente.

Nada, senhor - respondeu Elgin. Deu a impressão de estar

quasesatisfeitoconsigo.-Nadamesmo.

JátinhavistooSr.Costelloalgumaoutravez?-perguntouo

inspetorcomavozsevera.

Nunca,senhor-garantiu.

Oinspetorindagouemtomsugestivo:

NãofoiporcausadoSr.Costelloquevocêvoltouestanoite?

Page 138: Agatha christie - a teia da aranha

Jálhedisse,senhor-falouElgin.-Minhamulher...

Não quero mais saber de sua mulher - cortou o inspetor.

Afastando-se deElgin, prosseguiu: -Há quanto tempo trabalha

paraaSra.Hailsham-Brown?

Seissemanas,senhor-foiaresposta.

OinspetorvirouparaencararElgin.

Eantesdisso?

Eu...fiqueiumtempo...descansando-respondeuomordomo

inquieto.

Descansando?-ecoouoinspetordesconfiado.Fezumapausa

eacrescentou:-Temconsciênciadeque,numcasocomoeste,as

suasreferênciasserãometiculosamenteverificadas?

Elgincomeçouaselevantar.

Seissoeratudo...-começou,masparouevoltouasentar.-

Eu...eunãoqueroenganá-lo,senhor-prosseguiu.-Nãofiznada

deerrado.Oqueeuquerodizeréque...acartaderecomendação

tinhaserasgado...ecomoeunãolembravaotextodireito...

Fezsuasprópriasreferências-cortouoinspetor.-Clichê.

Nãotiveaintençãodeprejudicarninguém-protestouElgin.

-Precisavadoempregopara...

Oinspetorcortou-onovamente.

Page 139: Agatha christie - a teia da aranha

Nestemomento,nãoestouinteressadoemreferênciasfalsas-

disseaomordomo.-Querosaberoqueaconteceuaquiestanoite

eoquevocêsabesobreoSr.Costello.

Nuncaoviantes - insistiuElgin.Olhouemdireçãoàporta

dohallecontinuou:-Masimaginoporqueeleveioaqui.

Ah,mesmo,eporquê?-quissaberoinspetor.

Chantagem-contouElgin.-Elesabiadealgosobreela.

Por"ela"-disseoinspetor-presumoquevocêqueiradizera

Sra.Hailsham-Brown.

Sim-continuouElginansiosamente.-Euvimparasaberse

elaqueriamaisalgumacoisaeescuteiumpoucodaconversa.

Oquevocêescutouparasermaisexato?

Escutei-adizendo:"Masissoéchantagem.Eunãovouaceitar

isso".-respondeuElgin,adotandoumaentonaçãobemdramática

aocitaraspalavrasdeClarissa.

Hum...-respondeuoinspetor,umpoucocético.-Algomais?

Não-admitiuElgin.-Pararamdeconversarquandoeuentrei

e,depoisqueeusaí,começaramafalarmaisbaixo.

Sei — comentou o inspetor. Com expressão concentrada,

esperouomordomoretomarapalavra.

Elgin levantou-se da cadeira. Sua voz era quase um

choramingoaosuplicar:

Osenhornãovaisermuitodurocomigo,nãoé,meusenhor?

Page 140: Agatha christie - a teia da aranha

Deumjeitooudeoutro,játenhoproblemassuficientes.

O inspetor o avaliou mais um tempo para em seguida

dispensá-lo:

Bem,porenquantoéisso.Podeseretirar.

Sim, senhor. Obrigado, senhor - apressou-se a responder

Elgin,debandandoparaohall.

Oinspetorobservouasaídadomordomoedepoissedirigiu

aoguarda.

Chantagem, hein? - murmurou, trocando olhadelas com o

colega.

EaSra.Hailsham-Brownpareceumasenhora tãocorreta -

comentouoguardaJones,comumcertodecoro.

Sim, mas não se deve pôr a mão no fogo por ninguém -

ponderouoinspetor.Apósumapausa,ordenoudemodoconciso:

-AgoravoufalarcomoSr.Birch.

Oguardafoiatéabiblioteca.

Sr.Birch,porfavor.

Hugosurgiunaportacomumarobstinadoedesafiador.O

guardafechouaportaatrásdeleesentou-seàmesa.Oinspetor

cumprimentou-oalegremente.

Entre,Sr.Birch-convidou.-Sente-seaqui,porgentileza.

Hugosentou-se,eoinspetorprosseguiu:

Page 141: Agatha christie - a teia da aranha

Temo que este assunto seja muito desagradável, senhor. O

queosenhortemanosdizer?

Jogando o estojo dos óculos namesa, Hugo respondeu em

tomdedesafio:

Absolutamentenada.

Nada?-inquiriuoinspetorsurpreso.

Oqueosenhoresperaqueeudiga?-disseHugoemtomde

reprimenda.-Amalditajardineiraabreamalditaportasecretae

desaba um maldito cadáver. - Bufou impaciente. - De tirar o

fôlego-declarou.-Aindanãoconseguimerecuperar.-Lançouao

inspetorumolharpenetrante.-Nemébommeperguntarnada-

dissecomfirmeza-,porqueeunãoseidenada.

Por um momento, o inspetor observou Hugo serenamente

antesdeperguntar:

Éesseoseudepoimento?Queosenhornãosabedenada?

Estoulhedizendo-repetiuHugo.-Eunãomateiosujeito.-

De novo, fitou o inspetor com expressão desafiadora. - Nem ao

menosoconhecia.

Nãooconhecia-repetiuoinspetor.-Muitobem.Nãoestou

sugerindo isso. E certamente não estou sugerindo que foi o

senhor quem o matou. Mas não posso acreditar que o senhor

"nãosabedenada",comoosenhordisse.Quetalcolaborarpara

descobrirmos o que o senhor realmente sabe? Para começar, o

senhorjátinhaouvidofalardele,nãotinha?

Sim - retorquiuHugo ríspido. - Ouvi falar que não era flor

Page 142: Agatha christie - a teia da aranha

quesecheire.

Comoassim?-perguntouoinspetorserenamente.

Sei lá - vociferouHugo. - O tipo de sujeito admirado pelas

mulheresedesprezadopeloshomens.Essetipodecoisa.

Oinspetorfezumapausaeindagoucomcautela:

O senhor não imagina por que ele voltou a esta casa uma

segundavezhojeànoite?

Nãotenhoamínimaideia-esquivou-seHugo.Oinspetordeu

algunspassospelasala.Então,virou

abruptamenteparaencararHugo.

O senhor acha que havia algo entre ele e a atual Sra.

Hailsham-Brown?-perguntou.

Chocado,Hugorespondeu:

Clarissa? Bom Deus, não! Clarissa é uma boa moça. Tem

muito bom senso. Ela não olharia duas vezes para um sujeito

comoesse.

Novapausa,eoinspetordisseporfim:

Querdizerqueosenhornãopodenosajudar.

Sintomuito.Maséissomesmo-respondeuHugo,simulando

indiferença.

Na tentativa derradeira de ao menos extrair migalhas de

informaçãodeHugo,oinspetorperguntou:

Page 143: Agatha christie - a teia da aranha

O senhor realmente não sabia que o corpo estava naquele

esconderijo?

Claroquenão-rebateuHugo,aparentandoestarofendido.

Obrigado,senhor-disseoinspetor,afastando-sedele.

Oquê?-indagouHugovagamente.

Isso é tudo.Muito obrigado, senhor - repetiu o inspetor ao

pegarumlivrodecapavermelhanaescrivaninha.

Hugolevantou-seeapanhouoestojodosóculos.Jácruzavaa

salarumoàbibliotecaquandooguardaseergueuebloqueousua

frente.EntãoHugovirourumoàportadevidro,eoguardadisse:

Por aqui, Sr. Birch, por favor - e abriu a porta do hall.

Desistindo,Hugosaiueopolicialfechouaportaatrásdele.

O inspetorsentou-seàmesadebridgeepassoua folhearo

pesadolivrovermelho.Jonescomentoucomironia:

QueminadeinformaçãooSr.Birch,hein?Sebemquenão

devesernadabomparaumjuizdepazseenvolvernumcasode

assassinato.

Oinspetorcomeçoualeremvozalta.

"Delahaye,SirRowlandEdwardMark,cavaleirocomandante

daOrdemdoBanho,membrodaRealOrdemVitoriana..."

Oqueosenhorestálendoaí?-perguntouoguarda,espiando

porcimadoombrodoinspetor.-Ah,Queméquem.

Oinspetorretomoualeitura.

Page 144: Agatha christie - a teia da aranha

"Educação: Eton... Universidade Trinity..." Hum! "Adido

consular...segundosecretário...Madri...plenipotenciário."

Uau!-exclamouoguardaaoescutarestaúltimapalavra.

Oinspetoromiroucomirritaçãoeprosseguiu:

Constantinopla...missãoespecialconcedida...Clubes...sócio

doBoodle'seWhite's.

Devochamá-loagora,senhor?-perguntouoguarda.

Oinspetorpensouuminstante.

Não-decidiu.-Eleéomaisinteressantedogrupo,porisso

vou deixá-lo por último. Vamos falar agora com o jovem

Warrender.

Page 145: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo15

OguardaJones,naportadabiblioteca,chamou:

Sr.Warrender,porfavor.

Jeremy entrou, tentando sem sucesso parecer com-

pletamente à vontade. O guarda fechou a porta e retomou seu

lugar àmesa. O inspetor ergueu-se parcialmente e puxou uma

cadeiradamesadebridgeparaJeremy.

Sente-se - ordenou, um tanto brusco, ao retomar assento.

Jeremyobedeceu,eoinspetorperguntouemumtomimpessoal:-

Nome?

JeremyWarrender.

Endereço?

Broad Street, 340, e Grosvenor Square, 34 - disse Jeremy

numesforçoparaaparentardesinteresse.Olhoupara o guarda,

que anotava tudo, e acrescentou: - No interior: Hepplestone,

Wiltshire.

Parece que o senhor vive de rendimentos - comentou o

inspetor.

Infelizmente,não-admitiuJeremycomumsorriso.-Souo

secretário particular de Sir Kenneth Thomson, diretor da

CompanhiaPetrolíferaAnglo-Árabe.Osendereçosqueeudeisão

dele.

Page 146: Agatha christie - a teia da aranha

Oinspetoracenoucomacabeça.

Sei.Trabalhaparaelehámuitotempo?

Jáfazcercadeumano.Antesdisso,durantequatroanosfui

assessorpessoaldoSr.ScottAgius.

Ah,sim-disseoinspetor.-Aquelericoempresáriodocentro

financeiro de Londres, não é? - Meditou um pouco antes de

prosseguir:-ConheciaesseOliverCostello?

Não,nuncatinhaouvidofalardeleatéhojeànoite-contou

Jeremy.

E não o viu quando ele veio aqui no começo da noite? -

continuouoinspetor.

Não-respondeuJeremy.-Eutinhaidoaoclubedegolfecom

os outros. Fomos jantar lá. Hoje é a noite de folga dos

empregados,eoSr.Birchnosconvidoupara jantarcomeleno

clube.

O inspetor assentiu com a cabeça. Um pouco depois,

indagou:

ASra.Hailsham-Browntambémfoiconvidada?

Não,nãofoi-disseJeremy.

Oinspetorergueuassobrancelhas,eJeremyemendou:

Querodizer-explicou-,elapoderiateridosequisesse.

Estámedizendo-perguntouoinspetor-,então,queelafoi

convidada?Equerecusou?

Page 147: Agatha christie - a teia da aranha

Não,não-apressou-seemresponderJeremy,dandosinaisde

estar ficando aturdido. - O que eu quero dizer é que... bem,

Hailsham-Brown costuma chegar bem cansado, e Clarissa nos

disse que eles fariamuma refeição frugal aquimesmo, comode

costume.

Perplexo,oinspetorcomentoudeformamordaz:

Deixe-meverseeuentendo.ASra.Hailsham-Brownesperou

omaridoparajantarcomeleaqui?Elanãoesperavaqueelefosse

sairdenovologodepoisdechegar?

Jeremyaestaalturaestavatodoperdido.

Eu... ahn... bem... hum... na verdade,não sei - gaguejou. -

Não... agora que o senhor falou, acredito que ela comentou

mesmoalgosobreisso,queeleiasairhojeànoite.

O inspetor ergueu-se e deu alguns passos para longe de

Jeremy.

Seéassim,pareceesquisito-observou-queaSra.Hailsham-

Brown não tenha ido ao clube com vocês, em vez de jantar

sozinhaemcasa.

Jeremyvoltou-senacadeiraparaencararoinspetor.

Bem... eh... bem... - iniciou e, ganhando confiança,

completourapidamente-querodizer,foiamenina...

Pippa. Clarissa não ia gostar de sair e deixar a menina

sozinhaemcasa.

Page 148: Agatha christie - a teia da aranha

Ou quem sabe - comentou o inspetor de forma muito

sugestiva quem sabe ela estivesse com planos de receber uma

visitinhaespecial?

Jeremylevantou-se.

Queinsinuaçãomaissórdida-exclamouexaltado.

Isso é uma inverdade. Tenho certeza de que ela nunca

planejoualgosemelhante.

No entanto, Oliver Costello veio até aqui para se encontrar

comalguém-ressaltouoinspetor.-Eraanoitedefolgadocasal

de empregados. Miss Peake fica em seu chalé. Não havia mais

ninguémparaeleencontraralémdaSra.Hailsham-Brown.

Tudo que eu posso dizer é que... - começou Jeremy. Em

seguida,desviandooolhar,acrescentouvacilante:

Bem,émelhorosenhorperguntaraela.

Jápergunteiaela-informouoinspetor.

Eoqueeladisse?-indagouJeremy,mirandoopolicial.

Exatamenteoqueosenhordisse-respondeuoinspetorcom

polidez.

Jeremysentou-sedenovoàmesadebridge.

Estávendo?-observou.

O inspetor caminhou pela sala, olhando o chão, como se

estivesseconcentradoemdivagações.Desúbito,encarouJeremy

outravez.

Page 149: Agatha christie - a teia da aranha

Agora me diga apenas - inquiriu - por que todos vocês

acabaramvoltandodoclubeparacá.Eraesseoplanejado?

Sim - respondeu Jeremy, mas se corrigiu de imediato. -

Querodizer,não.

Afinal,simounão?-indagouplacidamenteoinspetor.

Jeremyinspiroufundo.

Bem-começouele-,foiassim.Todosnósfomosaoclube.Sir

RowlandeovelhoHugoforamdiretoaosalãoderefeições,eufui

logodepois.Éumbufêdepratosfrios.Fiqueidandotacadasaté

escurecereentão...Bem,alguémdisse"Quetalumbridge?",eeu

comentei"Bem,porquenãovoltamosaoaconchegodacasados

Hailsham-Brownejogamoslá?".Ditoefeito.

Sei-observouoinspetor.-Querdizerqueaideiafoisua?

Jeremyencolheuosombros.

Na verdade, não lembro quem sugeriu primeiro admitiu. -

AchoquepodetersidoHugoBirch.

Eaquehorasvocêschegaramaqui?

Jeremymeditouporuminstanteeabanouacabeça.

Não posso dizer com certeza -murmurou. - É provável que

tenhamossaídodoclubeumpoucoantesdasoito.

Eissodáoque...-calculouoinspetor-...unscincominutos

apé?

Page 150: Agatha christie - a teia da aranha

Sim,mais oumenos isso.O campo de golfe faz divisa com

estejardim-respondeuJeremy,olhandoemdireçãoàsportasde

vidro.

Oinspetorchegoupertodamesadebridgeeolhouascartas.

Edepoisvocêsjogarambridge?

Sim-confirmouJeremy.

Oinspetorbalançouacabeçadevagar.

Issodevetersidounsvinteminutosantesdeeuchegaraqui-

estimou.Sempressa,começouaandaraoredordamesa.-Com

certeza,vocêsnão tiveramtempodecompletarduasrodadase -

levantouomarcadordeClarissaeomostrouaJeremy-começar

umaterceira?

Como?-Jeremyconfundiu-se,maslogodisse:

Ah,não.Não.Essaprimeirarodadadevetersidoapontuação

deontem.

Indicando os outros marcadores, o inspetor observou

pensativo:

Apenasumapessoaparecetermarcadoospontos.

Sim-concordouJeremy.-Achoquetodossomosumpouco

preguiçososparamarcar.DeixamosissoparaClarissa.

Oinspetorcruzouasalarumoaosofá.

Sabiadapassagementreestasalaeabiblioteca?Indagou.

Page 151: Agatha christie - a teia da aranha

Osenhorquerdizerolugarondefoiencontradoocorpo?

Exato.

Não.Não,nemimaginava-asseverouJeremy.

Camuflagem fantástica, não? Ninguém adivinha sua

existência.

Oinspetorsentou-senumdosbraçosdosofá.Aoreclinar-se

para trás, tirou uma almofada do lugar e percebeu as luvas

escondidas sob a almofada. Seu rosto assumiu uma expressão

graveaodizercalmamente:

Portanto, Sr. Warrender, o senhor não poderia saber que

haviaumcorponapassagem.Poderia?

Jeremyafastou-se.

Quasecaíduro,comosediz-respondeuele.

Um melodrama sensacional. Não conseguia acreditar em

meusolhos.

Enquanto Jeremy falava, o inspetor organizava as luvas no

sofá.Segurouumpar,meioàmodadeummágico.

Apropósito,estepardeluvaséseu,Sr.Warrender?

perguntou,tentandosoardeimproviso.

Jeremyofitou.

Não.Querodizer,sim-respondeuJeremy,confuso.

Page 152: Agatha christie - a teia da aranha

Denovo,senhor?Simounão?

Sim,émeu,acho.

Osenhorestavadeluvasquandoveiodoclubedegolfe?

Sim - fez menção de recordar Jeremy. - Agora me lembro.

Sim,estavadeluvas.Temumafriagemnoarestanoite.

O inspetor levantou-se do braço do sofá e aproximou-se de

Jeremy.

Achoqueosenhorestáenganado.-Mostrandoasiniciaisnas

luvas, frisou: - A face interna das luvas têm as iniciais do Sr.

Hailsham-Brown.

Enfrentandooolhardo inspetor com tranquilidade,Jeremy

retorquiu:

Ah, que engraçado. Tenho um par igualzinho. O inspetor

retornou,sentou-senobraçodosofánovamentee,inclinando-se,

mostrouosegundopardeluvas.

Quemsabenãoéesteoseupar?-sugeriu.Jeremyriu.

Osenhornãovaimepegardenovo-respondeu.

Afinal,osdoisparessãoiguais.

Oinspetorapresentouoterceiropardeluvas.

Trêsparesdeluvas-murmurou,examinando-os.

Todos com as iniciais de Hailsham-Brown por dentro.

Curioso.

Page 153: Agatha christie - a teia da aranha

Bem,estaéacasadele,afinal-mencionouJeremy.

Porqueelenãopoderiatertrêsparesdeluvasporaí?

O mais curioso - respondeu o inspetor - é que o senhor

pensouquepudessemsersuas.E,senãoestouenganado,suas

luvasestãoaparecendonobolsoagora.

Jeremylevouamãoaobolsodireitodocasaco.

Nãoesse,ooutro-falouoinspetor.

Tirandoasluvasdobolsoesquerdo,Jeremyexclamou:

Ah,sim.Sim,estãomesmo.

Não sãomuitoparecidas comestas.Ousão? - perguntouo

inspetorincisivamente.

Para falar a verdade, estas são minhas luvas de golfe -

respondeuJeremycomumsorriso.

Muito obrigado, Sr. Warrender. Por enquanto, é só -

dispensouo inspetor,demodorepentino,colocandoaalmofada

nolugar.

Jeremylevantou-seaborrecido.

Olhe aqui - exclamou. - O senhor não está pensando... -

parou.

Nãoestoupensandooquê?-indagouoinspetor.

Nada-respondeuJeremyindeciso.Apósumapausa,dirigiu-

se à biblioteca, mas foi interceptado pelo guarda. Volvendo ao

Page 154: Agatha christie - a teia da aranha

inspetor,Jeremyapontoumudoeindagadorparaohall.Comum

acenode cabeça, o inspetor fez que sim, e Jeremy saiu da sala

fechandoaportadohallatrásdesi.

Deixandoasluvasnosofá,oinspetoraproximou-sedamesa

debridge,sentou-seeconsultounovamenteoQueméquem.

Achei-murmurou.Começoualeremvozalta:

"Thomson, Sir Kenneth. Diretor da Companhia Petrolífera

Anglo-Árabe,dogrupoPetróleodoGolfo."Hum,..Impressionante.

"Hobbies: filatelia, golfe, pesca. Endereço: Broad Street, 340;

GrosvenorSquare,34."

O inspetor continuou a ler, e o guarda Jones cruzou até a

mesinhaaoladodosofáecomeçouaapontarolápisnocinzeiro.

Agachando-separa juntarumasaparasno chão, viuumacarta

debaralhocaídaeatrouxeatéamesadebridge,largando-abem

nafrentedochefe.

Oquetemosaqui?-indagouoinspetor.

Sóumacarta,senhor.Acheiali,embaixodosofá.

Oinspetorpegouacarta.

O ás de espadas - observou. - Que carta interessante! Mas

espereumpouco.-Olhounoversodacarta.

Vermelho.Éomesmobaralho.-Espalhouascartasnamesa.

Oguardaajudouasepararobaralho.

Comopensei:nenhumásdeespadas-exclamouoinspetor.

Page 155: Agatha christie - a teia da aranha

Levantou-sedacadeira.-Ora,issonãoéextraordinário,Jones?-

perguntou, colocando a carta no bolso e indo ao sofá. -

Conseguiramjogarbridgesemperceberafaltadoásdeespadas.

Sem dúvida, isso é extraordinário, senhor - concordou o

guardaJonesaoarrumarascartasnamesa.

Oinspetorrecolheuostrêsparesdeluvasdosofá.

Chegou a hora de Sir Rowland Delahaye - orientou ele ao

guarda,enquantodispunhaemparesasluvasnamesadebridge.

Page 156: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo16

Oguardaabriuaportadabibliotecaechamou:

SirRowlandDelahaye.

Sir Rowland deteve-se na soleira da porta, e o inspetor

convidou:

Entre,senhor.Porfavor,sente-seaqui.

Sir Rowland aproximou-se da mesa de bridge, hesitou um

momentoaonotarasluvasdispostasnamesaesentou-se.

Seu nome é Sir Rowland Delahaye? - indagou o inspetor

formalmente.Recebendoumacenodecabeçaafirmativo e sério,

perguntou:-Ondeosenhormora?

LongPaddock,LittlewichGreen,Lincolnshire-respondeuSir

Rowland. Batendo de leve com o dedo no exemplar deQuem é

Quem,acrescentou:-Nãoconseguiuachar,inspetor?

Oinspetorpreferiuignorarocomentário.

Agora, seo senhor tiverabondade -disse -, eugostariade

ouvir o seu relato sobre o que ocorreuhoje à noite, depois que

vocêssaíramdaqui,poucoantesdassete.

EraóbvioqueSirRowlandpensarasobreisso.

Passouodiatodochovendo-começouemvozbranda-ede

repenteotempolimpou.Tínhamoscombinadojantarnoclubede

golfe,poiseranoitedefolgadosempregados.Foioquefizemos.-

Page 157: Agatha christie - a teia da aranha

Deu uma olhada para o guarda para se certificar de que ele

acompanhava e prosseguiu: - Quando terminávamos a janta, a

Sra.Hailsham-Brownligou,noscontandoqueomaridotiverade

sairdevidoaumcompromissoinesperadoenosconvidandopara

voltar e jogar bridge.Voltamos.Começamosa jogar euns vinte

minutos depois o senhor chegou, inspetor. O resto... o senhor

sabe.

Pensativo,oinspetorobservou:

Nãoébemessaaversãodosr.Warrender.

Mesmo?-disseSirRowland.-Eoquefoiqueeledisse?

Queapropostadevoltaraquiejogarbridgesurgiudeumde

vocês.Provavelmente,dosr.Birch.

Ah-retorquiuSirRowlandsempestanejar-,masvejabem,

talvezosenhornãosaibaqueWarrendersóapareceunosalãodo

restaurantedoclubebemdepois.Elenemsequerpercebeuquea

sra.Hailsham-Browntinhaligado.

SirRowland e o inspetor trocaramolharesdesafiadores.Sir

Rowlandcontinuou:

Osenhordevesabermelhordoqueeu,inspetor,oquantoé

raro o relato de duas pessoas sobre omesmo fato coincidir. Na

verdade, senós três contássemos exatamenteamesmahistória,

euconsiderariaissosuspeito.Suspeitoatédemais.

O inspetorpreferiunãocomentaressaobservação.Puxando

umacadeiraparapertodeSirRowland,sentou-se.

Page 158: Agatha christie - a teia da aranha

Gostariadediscutirocasocomosenhor,comsuapermissão

-propôs.

Émuitadelicadezasua,inspetor-respondeuSirRowland.

Depoisdeolharpensativamenteotampodamesaporalguns

segundos,oinspetorcomeçouaargumentar.

O morto (sr. Oliver Costello) veio a esta casa com algum

objetivo específico. - Fez uma pausa. - O senhor concorda que

devetersidoissooqueaconteceu?

No meu ponto de vista, ele veio para devolver a Henry

Hailsham-Brown certos objetos que a na época sra. Miranda

Hailsham-Brownlevarajuntocomelaporengano-respondeuSir

Rowland.

Essepodetersidoopretextodele-frisouoinspetor-,embora

nemdissoeuestejacerto.Masestoucertodequeessenãofoio

motivorealqueotrouxeatéaqui.

SirRowlandencolheuosombros.

Osenhorpodeterrazão-observou.-Nãoseidizer.

Oinspetorprosseguiurápido.

Eleveio,talvez,paraveralguémemespecial.Podetersidoo

senhor,podetersidoosr.Warrender,ouquemsabeosr.Birch.

SeelequisessefalarcomoSr.Birch,quevivenestaregião-

salientou Sir Rowland -, teria ido à casa dele. Não teria vindo

aqui.

Page 159: Agatha christie - a teia da aranha

Certamente-concordouoinspetor.-Portanto,issonosdeixa

a opção de quatro pessoas. O senhor, o sr. Warrender, o sr.

Hailsham-Brown e a sra. Hailsham- Brown - fez uma pausa e,

encarandoSirRowlandcomumolharperscrutador,perguntou:-

Diga-me,osenhorconheciabemOliverCostello?

-Muito superficialmente.Encontrei-oumaouduas vezesno

máximo.

Ondeosenhoroencontrou?-indagouoinspetor.

SirRowlandpensouumpouco.

Duas vezesna casadosHailsham-Brown emLondres,mais

oumenosumanoatrás,eumaveznumrestaurante,senãome

engano.

Masosenhornãotinhamotivoparaquerermatá-lo?

Issoéumaacusação,inspetor?-perguntouSirRowlandcom

umsorriso.

Oinspetormeneouacabeça.

Não,SirRowland-replicouopolicial.-Euchamariamaisde

umaeliminação.Nãocreioqueosenhortivessequalquermotivo

paradarumfimemOliverCostello.Sobramassimtrêspessoas.

Issoestácomeçandoaparecerumavariantede "Ocasodos

deznegrinhos"-comentouSirRowland,sorrindo.

Oinspetorsorriudevolta.

Opróximodalistaseráosr.Warrender-propôsele.-Diga-

Page 160: Agatha christie - a teia da aranha

me,háquantotempooconhece?

Conheci-o aqui mesmo, dois dias atrás - respondeu Sir

Rowland.-Elepareceserummoçoagradável,deboafamília,com

boainstrução.ÉamigodeClarissa.Nãoseinadasobreele,mas

nãoacreditoquesejaumassassino.

Éosuficientesobreosr.Warrender-observouoinspetor.-

Issomelevaàpróximapergunta.

Antecipando-seaele,SirRowlandbalançouacabeça.

SeeuconheçobemHenryHailsham-Browneseeuconheço

bemasra.Hailsham-Brown.Éissoqueosenhorquersaber,não

é?-indagou.-Naverdade,conheçomuitobemHenryHailsham-

Brown. É um velho amigo. Quanto à Clarissa, sei tudo o que

preciso saber sobre ela. Ela é minha protegida, e é impossível

expressaroquantoeuaadmiro.

Sim, senhor - disse o inspetor. - Acho que essa resposta

esclarecebemascoisas.

Esclarece,mesmo?

Oinspetorlevantou-seedeualgunspassosnasalaantesde

sevirareconfrontarSirRowland.

Porquevocêstrêsmudaramdeplanoestanoite?-indagou.-

Porquevoltaramaquipara fazerdecontaqueestavam jogando

bridge?

Fazerdeconta?-exclamouSirRowland,comveemência.

Oinspetorpuxouacartadobolso.

Page 161: Agatha christie - a teia da aranha

Estacarta-disseele-foiencontradanooutroladodasala,

embaixo do sofá. É difícil de acreditar que vocês jogaram duas

rodadasdebridgeecomeçaramumaterceiracomumbaralhode

cinquentaeumacartas,comoásdeespadasfaltando.

Sir Rowland pegou a carta, examinou-a frente e verso e a

devolveuaoinspetor.

Sim-admitiu. -Talvez issosejamesmoumpoucodifícilde

acreditar.

Oinspetorergueuosolhos,desanimado,ecompletou:

Tambémachoqueestestrêsparesdeluvasdosr.Hailsham-

Brownexigemcertaexplicação.

Umpoucodepois,SirRowlandrespondeu:

Receio, inspetor, que de mim o senhor não vai conseguir

explicaçãoalguma.

Sei que não - concordou o inspetor. - Entendo que está

fazendoomelhoremconsideraçãoaumacertasenhora.Masisso

nãoénadabom,senhor.Averdadevaiacabarvindoàtona.

Me pergunto se vai mesmo - foi a única resposta de Sir

Rowlandaocomentário.

Oinspetorfoiàportasecreta.

ASra.Hailsham-BrownsabiaqueocorpodeCos-telloestava

noesconderijo-insistiu.-Seelaoarrastouatéalisozinha,ouse

foiajudadaporvocês,nãosei.Masestouconvencidodequeela

sabia. -EncarouSirRowlandeprosseguiu. -Meupalpiteéque

Page 162: Agatha christie - a teia da aranha

Oliver Costello veio se encontrar com a Sra. Hailsham-Brown e

extorquirdinheirodelapormeiodeameaças.

Ameaças?-perguntouSirRowland.-Quetipodeameaças?

Isso vai aparecer no seu devido tempo, não tenho dúvida -

assegurou o inspetor. - A Sra. Hailsham-Brown é jovem e

atraente. Esse Sr. Costello fazia sucesso com asmulheres, pelo

que dizem. Bem, a Sra. Hailsham-Brown casou-se há pouco

tempoe...

Espere!-cortouSirRowlanddemodoperemptório.-Preciso

colocá-lo a par de certas coisas. O senhor pode facilmente

confirmar o que vou dizer. O primeiro casamento de Henry

Hailsham-Brown não deu certo. A mulher dele, Miranda, era

bonita,masneuróticaedesequilibrada.Asaúdeeadisposiçãode

espíritodeMirandasedegradaramdemaneiratãoalarmanteque

afilhinhadelestevedesertransferidaparauminternato.

Refletiuerecomeçou:

Sim,umasituaçãorealmentechocante.Tudoindicavaqueela

haviasetornadoumaviciadaemdrogas.Nãosedescobriucomo

Mirandaconseguiaasdrogas,masseriabemplausível imaginar

queo fornecedoreraessehomem,OliverCostello,porquemela

estavaapaixonada.Nofim,acaboufugindocomele.

Depoisdenovapausaedeoutroolharaoguarda,paraverse

eleacompanhava,SirRowlandretomouseurelato.

HenryHailsham-Brown,quetempontosdevistaantiquados,

concedeu o divórcio a Miranda - explicou. - Agora, Henry

encontroupazefelicidadenocasamentocomClarissa,eeuposso

Page 163: Agatha christie - a teia da aranha

lhe garantir, inspetor, que não há nenhum segredo na vida de

Clarissa. Não havia nada, eu posso jurar, com que Costello

pudesseameaçá-la.

Oinspetornadadisse,permanecendoabsorto.

SirRowlandlevantou-se,encostouacadeiranamesaefoiao

sofá.Voltando-seoutravezaopolicial,sugeriu:

Nãoachaqueestáseguindoapistaerrada,inspetor?Porque

temtantacertezadequeCostelloveioaquiatrásdealguém?Por

quenãopoderiaseratrásdealgo?

O que o senhor quer dizer com isso? - indagou o inspetor

perplexo.

QuandoosenhorfalouconoscosobreofalecidoSr.Sellon-

recordouSirRowland -,mencionouqueadivisãodeNarcóticos

tinha interesse nele. Não é possível que haja uma ligação?

Drogas...Sellon...casadeSellon?

Silenciou.Comonãohouvereaçãodoinspetor,prosseguiu:

Queeusaiba,Costelloesteveaquiantes.Supostamente,para

olharasantiguidadesdeSellon.VamossuporqueOliverCostello

quisessealgoqueestivessenestacasa.Naquelaescrivaninha,por

exemplo.

O inspetor olhou de relance a escrivaninha, enquanto Sir

Rowlanddesenvolviamelhorsuatese.

Houve aquele curioso incidente do homem que veio aqui e

ofereceu um valor exorbitante por aquela escrivaninha. Vamos

suporqueOliverquisesseexaminar (ou investigar,comoqueira)

Page 164: Agatha christie - a teia da aranha

aquelaescrivaninha.Vamossuporquealguémo tivesseseguido

até aqui. E que esse alguém o tivesse golpeado perto da

escrivaninha.

Oinspetornãodemonstrouemoçãoalguma.

Émuitasuposição...-começou,masfoiinterrompidoporSir

Rowland,queinsistiu:

Éumahipótesebemplausível.

Ahipótese—inquiriuoinspetor-dequeessealguémtenha

colocadoocorponoesconderijo?

Exato.

Nessecaso,deveriaseralguémquesoubessedaexistênciado

esconderijo-observouoinspetor.

Poderia ser alguém que conhecesse a casa na época do Sr.

Sellon-salientouSirRowland.

Sim, tudo isso émuito bonito, senhor - replicou o inspetor

impaciente-,masumacoisacontinuasemexplicação...

Oquê?-perguntouSirRowland.

Oinspetoroencaroudetidamente.

A Sra. Hailsham-Brown sabia que o corpo estava no

esconderijo.Elatentounosimpedirdeprocurarali.

Sir Rowland fez menção de falar, mas o inspetor ergueu a

mãoeemendou:

Page 165: Agatha christie - a teia da aranha

Nemtentemeconvencerdocontrário.Elasabia.

Porumbrevemomento,vigorouumsilêncionervoso,quando

entãoSirRowlanddisse:

Inspetor, o senhor me permitiria conversar com minha

protegida?

Sónaminhafrente-foiarespostaimediata.

Estábem.

Oinspetorconcordoucomacabeça.

Jones!-Oguarda,entendendo,retirou-sedasala.

Estamos basicamente em suas mãos, inspetor - disse Sir

Rowlandaopolicial.-Voulhepedirquefaçatodasasconcessões

possíveis.

Minhaúnicapreocupaçãoéchegaràverdade,sir,edescobrir

quemmatouOliverCostello-respondeuoinspetor.

Page 166: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo17

O guarda retornou à sala, segurando a porta aberta para

Clarissa.

-Entre,porfavor,Sra.Hailsham-Brown-solicitouoinspetor.

Ao Clarissa entrar, Sir Rowland aproximou-se dela e falou

solenemente:

Clarissa,minha querida. Faria uma coisa pormim?Queria

quecontasseaoinspetoraverdade.

Averdade?-ecoouClarissa,semconvicção.

Averdade-repetiuSirRowlandcomênfase.-Éaúnicacoisa

a fazer. Estou falando sério. - Por um instante, fitou-a com

firmezaegravidade,depoissaiudasala.Oguardafechouaporta

evoltouaopostodeanotador.

Sente-se,Sra.Hailsham-Brown - convidouo inspetor,desta

vezindicandoosofá.

Clarissasorriu-lhe,maselerespondeucomumolharsevero.

Ela caminhou devagar ao sofá, sentou-se e esperou um pouco.

Disseenfim:

Sinto muito. Sinto muitíssimo por ter contado ao senhor

todasaquelasmentiras.Não era essaminha intenção. - Parecia

mesmoarrependidaaocontinuar:-Agenteacabaseenvolvendo,

osenhorentendeoqueeuquerodizer?

Nãopossodizerquesim-respondeuoinspetorcomfrieza.-

Page 167: Agatha christie - a teia da aranha

Agora,porfavor,vamosaosfatos.

Bem,érealmentemuitosimples-explicouela,enumerando

os fatos com os dedos ao falar. - Primeiro, Oliver Costello foi

embora.Depois,Henrychegou.Depois,euovisaindodecarrode

novo.Depois,euvimparacácomossanduíches.

Sanduíches?-indagouoinspetor.

Sim. É que o meu marido vai trazer aqui em casa um

representanteestrangeiroimportantíssimo.

Ah, é? E quem é esse representante? - indagou o inspetor

interessado.

Umtaldesr.Jones-revelouClarissa.

Como? - disse o inspetor, com uma olhadela ao guarda

Jones.

Sr.Jones.Estenãoéoseunomeverdadeiro,maséassimque

foi combinado chamá-lo. É tudo muito sigiloso. - Clarissa

continuou a falar. - Eles iam comer sanduíches durante a

conversa,eeuiacomermussenasaladeestudo.

Perplexo,oinspetormurmurou:

Musse na... sim, entendi - dando a impressão de não ter

entendidonada.

Deixei os sanduíches aqui - contou Clarissa, apontando o

banco - e comecei a arrumar tudo. Fui guardar um livro na

estantee...então...praticamentetropeceiemcimadele.

Page 168: Agatha christie - a teia da aranha

Tropeçounocorpo?-indagouoinspetor.

Sim.Estavaaqui,atrásdosofá.Eudeiumaolhadaparaver

se... se ele estava morto e estava. Reconheci Oliver Costello e

fiquei sem saber o que fazer. Por fim, liguei ao clubede golfe e

pediaSirRowland,sr.BircheJeremyWarrenderquevoltassem

logo.

Curvando-sesobreosofá,oinspetorperguntoucomfrieza:

Asenhoranãolembroudeavisarapolícia?

Lembreisim-Clarissarespondeu-,mas...-Sorriumaisuma

vez.-Bem,nãoavisei.

Nãoavisou-murmurouoinspetorconsigo.Afastou-se,olhou

para o guarda, ergueu as mãos em desespero e virou-se para

encarar Clarissa. - Por que a senhora não avisou a polícia? -

indagou.

Clarissaestavaprontaparaessapergunta.

Bem, achei que não seria bom para o meu marido —

respondeu. - Não sei se o senhor conhece funcionários do

ministério das Relações Exteriores, inspetor, mas eles são

discretos ao extremo. Gostam de tudo muito na surdina, sem

chamar a atenção. O senhor há de admitir que assassinatos

chamambastanteaatenção.

Imagino que sim - foi tudo o que o inspetor pôde formular

comoresposta.

Estoutãofelizcomasuacompreensão-declarouClarissa,de

modoafetuoso,quasesentimental.Prosseguiucomorelato,mas,

Page 169: Agatha christie - a teia da aranha

àmedidaquecomeçouaperceberqueahistórianãoevoluía,sua

falafoisetornandocadavezmenosconvincente.-Querodizer-

ponderou -, ele estava morto mesmo, pois não tinha pulso, de

formaquenãopudemosfazernadaporele.

Oinspetorandavadeumladoparaooutro,semresponder.

Seguindo-ocomosolhos,Clarissacontinuou.

Oqueeuquerodizeréqueelepoderia tersidomorto tanto

emMarsdenWoodcomoemnossasaladeestar.

Oinspetorviroudemodoenérgicoeafitou.

Marsden Wood? — perguntou abruptamente. - O que tem

MarsdenWoodavercomessahistória?

Erapara láqueeuestavapensandoem levá-lo - respondeu

Clarissa.

Oinspetorcolocouamãonapartedetrásdacabeçaeolhou

opiso, comoàprocurade inspiração.Sacudindoa cabeçapara

desanuviar,dissedemodoincisivo:

Sra. Hailsham- Brown, nunca ouviu falar que em caso de

suspeitadecrimejamaissedeveremoverumcadáver?

Sei muito bem - retorquiu Clarissa. - Todo livro policial

mencionaisso.Masestamosfalandodavidareal.

Oinspetorergueuasmãosemdesalento.

Merefiro-continuouela-aofatodequenavidarealébem

diferente.

Page 170: Agatha christie - a teia da aranha

O inspetor olhou Clarissa com silêncio incrédulo por um

momento,antesdeperguntar:

Asenhoratemconsciênciadagravidadedoqueestádizendo?

Claro que tenho - replicou - e estou lhe dizendo a verdade.

Emsuma,resolviligarparaoclubeetodosretornaramparacá.

E a senhora os persuadiu a esconder o corpo nesse

esconderijo.

Não - corrigiuClarissa. - Essa ideia surgiu depois.Nomeu

plano original, como lhe contei, eles deviam levar o corpo de

OliveraocarrodeleedeixarocarroemMarsdenWood.

E eles concordaram? - o ceticismo na voz do inspetor era

evidente.

Sim,concordaram-disseClarissa,sorrindo.

Francamente, sra. Hailsham-Brown - afirmou o inspetor de

modo rude -, não acredito numa palavra dessa história. Não

acreditoquetrêshomensresponsáveisconcordariamemobstruir

ocursodajustiçadessamaneirapormotivotãodesprezível.

Clarissa levantou-se. Afastando-se do inspetor, disse mais

parasidoqueparaele:

Eusabiaqueosenhornãoacreditariaemmimseeucontasse

averdade.-Voltouorostonadireçãodele.

Noqueosenhoracredita,afinal?-perguntouela.

ObservandoClarissadeperto,oinspetorretrucou:

Page 171: Agatha christie - a teia da aranha

Só consigo imaginar uma razão pela qual aqueles senhores

concordariamemmentir.

Ah,é?Oqueosenhorquer insinuar?Queoutra razãoeles

teriam?

Eles concordariam em mentir - completou o inspetor - se

acreditassemou,oqueémaisprovável,setivessemcertezadeque

foiasenhoraqueomatou.

Clarissaofitou.

Maseunãotinhamotivoparamatá-lo-protestou.

Motivo nenhum. - Afastou-se dele. - Ah, eu sabia que o

senhorreagiriaassim-exclamou.-Éporisso...

Elasecaloudesúbito,eoinspetorindagoucomrispidez:

Éporissooquê?

Clarissa permaneceu pensando. Alguns momentos se

passaram,esuaatitudepareceumudar.Começouafalardeum

modomaisconvincente.

Está bem - anunciou, com o ar de quem vai fazer uma

confissãocompleta.—Voucontaroporquê.

Acho que seria mais inteligente de sua parte - disse o

inspetor.

Sim - concordou ela, voltando o rosto para mirá-lo

honestamente. - Suponho que o melhor a fazer é contar a

verdade-elaenfatizouapalavra.

Page 172: Agatha christie - a teia da aranha

Oinspetorsorriu.

Possolheassegurar-ponderouele-quecontarummontede

mentiras à polícia não vai ajudá-la em nada, Sra. Hailsham-

Brown.Émelhormecontarahistóriareal.Tintimportintim.

Vou contar - prometeu Clarissa. Sentou-se numa das

cadeiras à mesa de bridge. - Puxa vida - suspirou -, e eu que

pensavaestarsendotãoesperta.

É melhor deixar a esperteza de lado - disse o inspetor ao

sentar-se defronte a Clarissa. - Muito bem - indagou -, o que

realmenteaconteceuestanoite?

Page 173: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo18

Clarissa ficouemsilêncioporalgumtempo.Então,olhando

serenanosolhosdoinspetor,começouafalar.

Tudo começou daquele modo que eu já lhe expliquei.

Despedi-medeOliverCostello,eeleseretirou,acompanhadode

MissPeake.Não imaginavaqueelevoltariaeaindanãoconsigo

entenderporqueelevoltou.

Fez uma pausa, dando a impressão de estar tentando se

lembrardoqueocorreradepois.

Ah, sim - continuou. - Meu marido chegou em casa,

explicandoquelogoteriadesairdenovo.Elesaiudecarro,efoi

só eu fechar a porta da frente e me assegurar de que estava

chaveadaetrancada,quederepentecomeceiaficarnervosa.

Nervosa?-indagouoinspetor,sementender.

Porquê?

Bem,emgeralnãosounervosa-revelou,falandocomgrande

emoção-,masmedeicontadequenuncatinhaficadosozinhaà

noitenestacasa.

Hesitouumpouco.

Isto,váemfrente-encorajouoinspetor.

Disseamimmesmaparadeixardeserboba.Penseicomigo:

"Você tem telefone, não tem?Qualquer coisa é só ligar pedindo

Page 174: Agatha christie - a teia da aranha

ajuda. Ladrões não agem cedo da noite. Agem de madrugada."

Maseunãotiravadacabeçaasensaçãodeterescutadooruído

deumaportasefechandoemalgumlugardacasaoupassosno

meu quarto lá em cima. Então pensei que era melhor fazer

algumacoisa.

Hesitoudenovo,emaisumavezoinspetoraestimulou.

-Sim?

Fui à cozinha — disse Clarissa - e fiz os sanduíches para

Henry e o sr. Jones comerem quando chegassem. Deixei todos

prontinhos no prato, envoltos em guardanapos para manter o

frescor, e estava cruzandoohall para trazê-los aqui quando... -

cortouafalademododramáticoeurealmenteescuteialgo.

Onde?-perguntouoinspetor.

Nestasala-contouela.-Dessavezeutinhacertezaquenão

estavaimaginando.Ouvigavetassendoabertasefechadas.Logo

me lembrei que a porta de vidro não havia sido trancada. Nós

nuncaatrancamos.Alguémtinhaentradoporali..

Denovo,elasedemorou.

Prossiga,sra.Hailsham-Brown-falouoinspetorimpassível.

Clarissafezumgestodedesamparo.

Eunãosabiaoquefazer.Fiqueiparalisada.Pensei:"Eseeu

estiversómepreocupandoàtoa?EseHenryresolveuvoltarpor

algummotivo... ouatémesmoSirRowland,ouumdosoutros?

Vouficarcomcaradebobaseforláemcimanaextensãoeligarà

polícia."Foiquandomeocorreuumplano.

Page 175: Agatha christie - a teia da aranha

Fez uma nova pausa, e desta vez o "Sim?" do inspetor

transpareceuumquêdeimpaciência.

Fuiatéosuportedohall-disseClarissadevagarepegueio

bastãomais pesado que encontrei. Em seguida fui à biblioteca.

Não acendi as luzes. Fui tateando no escuro até chegar ao

recesso.Abri-osuavementeedeslizeiparadentro.Meuplanoera

entreabrir a porta do lado de cá e espiar quem estava aqui. -

Apontouaportasecreta. -Amenosqueapessoa já saiba,nem

sonhaquealitemumaporta.

Sim-concordouoinspetor-,nemsonhamesmo.

A esta altura, Clarissa aparentava estar quase gostando de

suanarrativa.

Acionei de leve a alavanca - recomeçou -, masmeus dedos

escorregaram,eaportaabriudesupetão,batendonumacadeira.

Um homem perto da escrivaninha endireitou o corpo. Vi algo

brilhante e luminoso namão dele. Pensei que era um revólver.

Fiqueiaterrorizada.Penseiqueeleiaatiraremmim.Comtodaa

minhaforça,acerteiobastãonacabeçadele,eelecaiu.

Elaseprostrounamesacomorostoentreasmãos.

Eu... euposso tomarumpoucode conhaque?Pediu ela ao

inspetor.

Claroquesim.-Oinspetorlevantou-se.-Jones!Chamou.O

guarda encheu um cálice de conhaque e entregou ao inspetor.

Clarissa havia erguido o rosto, mas o cobriu depressa com as

mãos outra vez. Nesse meio- tempo, o inspetor trouxe-lhe o

conhaque.Elabebeu,tossiuedevolveuocálice.OguardaJones

Page 176: Agatha christie - a teia da aranha

repôsocálicenamesinhaeretomouolugareasanotações.

OinspetorfitouClarissa.

Pode continuar, Sra. Hailsham-Brown? - perguntou

compreensivo.

Sim - respondeuClarissa, levantando o olhar para ele. - O

senhorémuitogentil. -Tomou fôlegoecontinuouo relato. -O

homemficoulánochão.Semsemexer.Acendialuzeviqueera

OliverCostello.Estavamorto.Foihorrível.Eu...eunãoconseguia

entender.

Mostrouaescrivaninhacomumgesto.

Nãoconseguiaentenderoqueeleestavafazendoali,mexendo

naescrivaninha.Tudopareciaumpesadelomedonho.Fiqueitão

assustadaqueligueiparaoclubedegolfe.Queriameuprotetora

meu lado. Os três vieram. Implorei que me ajudassem, que

levassemocorpoembora...paraalgumlugar.

Oinspetorolhouparaelacomatenção.

Masporquê?-perguntou.

Clarissadesviouorosto.

Porque eu estava com medo — disse ela. - Um medo

mesquinho.Medodapublicidade,deenfrentarumtribunal.Seria

péssimoparaomeumaridoeparaacarreiradele.

Volveuorostoparaoinspetor.

Se fossemesmoum ladrão, talvez eupudesse superar,mas

Page 177: Agatha christie - a teia da aranha

sendoalguémconhecido,alguémcasadocomaprimeiramulher

de Henry... ah, simplesmente achei que eu não seria capaz de

levartudoissoaofim.

Talvez - insinuou o inspetor - porque o morto tivesse, um

poucoantes,tentadochantageá-la?

-Mechantagear?Queabsurdo!-retorquiuClarissacomplena

convicção.-Issoéumatolice.Nãohánadacomquealguémpossa

mechantagear.

Elgin, o seu mordomo, escutou detrás da porta a palavra

chantagem-revelouoinspetor.

Nãoacreditoqueeletenhaescutadonadaparecido-rebateu

Clarissa. - Não poderia ter escutado. Se quer saber a minha

opinião,achoqueeleestáinventando.

Falando sério, sra. Hailsham-Brown - insistiu o inspetor -,

estáquerendomeconvencerdequeapalavrachantagemnunca

foi mencionada? Por que o mordomo inventaria uma coisa

dessas?

Juro que não houve menção a chantagem - exclamou

Clarissa, batendo com a mão na mesa. - Eu lhe garanto... —

Clarissadeteveamãonoarederepentecaiunarisada.-Ah,que

tolice.Éclaro.Foiaquilo.

Asenhoralembrou?-indagouoinspetortranquilamente.

Nãofoinada,mesmo-assegurouClarissa.-Oliversóestava

comentandoalgosobreospreçosexcessivosdoalugueldecasas

mobiliadas. Falei que tínhamos uma sorte incrível e que

Page 178: Agatha christie - a teia da aranha

estávamospagandoapenasquatroguinéusporsemanaporesta

aqui.Entãoelefalou:"Malpossoacreditar,Clarissa.Quetrapaça

éessa?Sópodeserchantagem."Eudeiumarisadaerespondi:

"Issomesmo.Chantagem."

Riudenovo,comoseestivesserecordandoaconversa.

Sóummodotolodeseexpressar,umabrincadeira.Eunem

melembravamais.

Sintomuito,Sra.Hailsham-Brown-disseoinspetor-,masé

impossívelacreditarnisso.

Clarissapareceuatônita.

Éimpossívelacreditarnoquê?

Queestãopagandosóquatroguinéusasemanaporestacasa

todamobiliada.

Maséverdade!Osenhorémesmoohomemmaiscéticoque

conheci em toda minha vida - afirmou Clarissa, levantando e

dirigindo-seàescrivaninha.-Tenhoaim-pressãodequeosenhor

não acreditou em nada do que eu contei esta noite. Não tenho

comoprovaramaioriadascoisas,masessaeuposso.Edestavez

voulheprovar.

Abriuumagavetadaescrivaninhaeremexeuemunspapéis.

Aquiestá-exclamou.-Não,nãoé.Ah!Pronto.

Pegouumdocumentodagavetaemostrouaoinspetor.

Este é o contrato de aluguel desta casamobiliada. Foi feito

Page 179: Agatha christie - a teia da aranha

porumaempresadeadvogadosaserviçodosinventariantes.Pode

conferir...quatroguinéusporsemana.

Odiaboquemecarregue!-exclamouoinspetor,estarrecido.-

Émesmoincrível.Incríveldemais.Imaginavaquevaliabemmais

doqueisso.

Clarissaabriuumdeseussorrisosencantadores.

Nãoachaquemedevedesculpas,inspetor?-comentou.

Oinspetorinseriuumcertocharmenavozaoresponder:

Desculpe-me, Sra. Hailsham-Brown - disse ele -, mas a

senhorahádeconvirqueémesmoextremamenteestranho.

Porquê?Oqueosenhorquerdizer?-disseClarissaaorepor

odocumentonagaveta.

Bem,acontece-redarguiuoinspetor-queumcasalandava

aquinaregiãocomointuitodeverestacasa,eamulheracabou

perdendoumbrochemuito valioso nas redondezas. Ela passou

nadelegaciapara registrar a ocorrência emencionou esta casa.

Comentouqueosdonostinhampedidoumpreçoabsurdo.Achou

ridículoalguémpedirdezoitoguinéusporsemanaporumacasa

nointerior,longedetudo.Euconcordeicomela.

Sim, isso é extraordinário, muito extraordinário concordou

Clarissa com um sorriso afável. - Entendo a sua desconfiança.

Mastalvezagoraosenhoracrediteemalgumadasoutrascoisas

quefalei.

Não estou duvidando de sua versão mais recente, Sra.

Hailsham-Brown - garantiu o inspetor. - Em geral, sabemos

Page 180: Agatha christie - a teia da aranha

quandoestão falandoaverdade.Eusabia, também,quedeveria

haver algum motivo grave para aqueles três cavalheiros

inventaremessedesatinadoplanodeencobrimento.

O senhor não deve responsabilizá-los demais, inspetor -

defendeu-osClarissa.-Aculpafoiminha.Tivedeinsistirmuito

comeles.

Já consciente da capacidade de persuasão de Clarissa, o

inspetorrespondeu:

Ah,nãotenhodúvidadisso.Mascontinuosementenderuma

coisa.Quemtelefonouparaapolíciaedenunciouoassassinato?

Sim,issoéimpressionante!-disseClarissaatônita.

Eutinhaesquecidocompletamentedessedetalhe.

Obviamentenãofoiasenhora-salientouoinspetor-,enão

poderiatersidoumdostrêscavalheiros...

Clarissaabanouacabeça.

NãopoderiatersidoElgin?-cogitou.-Ou,quemsabe,Miss

Peake?

NãocreioquepossatersidoMissPeake-disseoinspetor.-

FicouevidentequeelanãosabiaqueocorpodeCostelloestava

ali.

Imagino se isso é verdade mesmo - comentou Clarissa

pensativa.

Afinal, quando o corpo foi descoberto, ela ficou histérica -

Page 181: Agatha christie - a teia da aranha

recordouoinspetor.

Ah, isso não quer dizer nada. Qualquer pessoa pode ficar

histérica - comentou Clarissa de modo incauto. O inspetor a

olhoucomardesuspeita,eelaachouoportunorespondercomo

sorrisomaisinocentepossível.

Dequalquerforma,MissPeakenãomoranacasaobservouo

inspetor.-Elatemseuprópriochalénoterrenodapropriedade.

Maselabemquepodiaterestadonacasa-disseClarissa.-

Elatemchavedetodasasportas.

Oinspetormeneouacabeça.

Achoquenão.AmimparecemaisprovávelqueElgintenha

nosligado-disseele.

Clarissaaproximou-sedoinspetoredeuumsorrisoumtanto

aflito.

Osenhornãovaimemandarparaacadeia,vai? Indagou.-

TioRolymeassegurouqueosenhornãofariaisso.

Oinspetorafitouaustero.

Foi bom termudado ahistória a tempo, senhora, e ter nos

contadoaverdade-refletiucomseveridade.-Mas,semepermite

darumconselho,Sra.Hailsham-Brown,recomendoqueentreem

contatocomseuadvogadooquantoanteseocientifiquedetodos

os fatos relevantes. Neste meio tempo, voumandar datilografar

seudepoimentoepedirqueasenhoraoleia.Talvezsejaamávelo

suficienteparaassiná-lo.

Page 182: Agatha christie - a teia da aranha

Quando Clarissa ia responder, a porta do hall abriu, e Sir

Rowlandentrou.

Nãoaguenteiesperarmais-explicou.-Tudobem,inspetor?

Entendeunossodilema?

Clarissaaproximou-sedeseuprotetorantesqueelepudesse

falarmais.

Roly,querido-saudouela,pegandoasuamão.

Fiz um depoimento, e a polícia... oumais exatamente o sr.

Jonesaqui...vaidatilografá-lo.Entãovouterdeassiná-lo.Contei

tudo.

Oinspetorfoiconfabularcomoguarda,eClarissacontinuou

conversandocalmamentecomsirRowland.

Contei que euachavaque eraum ladrão - enfatizou ela - e

queeuacerteiumapancadanacabeçadele.

Quando Sir Rowland, assustado, fez menção de falar, ela

rapidamentetapousuabocacomasmãos,demodoqueelenão

pôdeverbalizar.Prosseguiuapressada:

Contei como reconheci que era Oliver Costello, como fiquei

transtornada e liguei ao clube, como implorei e implorei até

convencer vocês a me ajudarem. Agora percebo o quanto agi

mal...

O inspetor voltou-se na direção deles, e Clarissa tirou as

mãosdecimadabocadeSirRowlandbematempo.

Masnahora—disseela- fiqueiparalisadademedoepensei

Page 183: Agatha christie - a teia da aranha

queseriamaiscômodoparatodomundo(paramim,paraHenrye

atéparaMiranda)seOliverfosseencontradoemMarsdenWood.

Clarissa!Oquediabosvocêandoucontando?-exclamouSir

Rowlandcomavozentrecortada.

A Sra. Hailsham-Brown fez um depoimento minucioso, -

disseoinspetorsatisfeito.

Voltandoumpoucoaonormal,SirRowlandretorquiu,seco:

Assimparece.

Eraamelhorcoisaafazer-disseClarissa.-Pensandobem,

eraaúnicacoisaa fazer.O inspetorme fezperceber isso.Eeu

estou realmente arrependida por ter contado todas aquelas

mentirastolas.

Isso vai acabar livrando a senhora de muitos problemas -

garantiu o inspetor. - Pois bem, Sra. Hailsham- Brown -

continuou-,nãovoulhepedirparaentrarnoesconderijo junto

comocorpo,masgostariaqueasenhoramemostrassea exata

posiçãoemqueohomemestavaquandoasenhoraentrounasala

vindoporali.

-Ah... sim... vamos ver... ele estava... - iniciou Clarissa

vacilante.Foiatéaescrivaninha. -Não - continuou -,agorame

lembrei.Estavaparadoaqui,bemassim.-Elaparouao ladoda

escrivaninhaecurvou-se.

Fique pronto para abrir a porta secreta quando eu avisar,

Jones-disseoinspetor,gesticulandoaoguarda,queselevantou

eempunhouaalavancanaestante.

Page 184: Agatha christie - a teia da aranha

- Muito bem - disse o inspetor para Clarissa. - Ele estava

paradoaí.Entãoasenhoraabriuaportasecretaesaiuporela.

Tudobem,nãoprecisaentraralieverocorpo,apenas fiquena

frentedaportaquandoelaseabrir.Jones...

O guardaacionoua alavanca, e aporta secreta se abriu.O

esconderijo estava vazio exceto por um pedacinho de papel no

chão, apanhadopelo guarda Jones.O inspetor olhou, demodo

acusador,paraClarissaeSirRowland.

Oguardaleuemvozaltaoqueestavaescritonatiradepapel.

"Seustrouxas!"Oinspetorarrancouopapeldasmãosdoguarda,

enquantoClarissaeSirRowlandseentreolhavam,admirados.

Osomaltodacampainhadafrentequebrouosilêncio.

Page 185: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo19

Poucodepois,Elginentrounasaladeestarparaanunciara

chegada do médico-legista. De imediato, o inspetor e o guarda

Jones acompanharam omordomo à porta da frente. No hall, o

inspetor incumbiu-se da não invejável tarefa de confessar ao

doutorquedemomentonãohaviacorpoaserexaminado.

Não diga, inspetor Lord - comentou o médico irritado. - O

senhortemideiadaraivaquedáviraquinestalonjuraedarcom

osburrosn'água?

Mas,doutor,possolhegarantir-tentouexplicaroinspetor-

quetínhamosumcorpomesmo.

O inspetorestácerto,doutor - confirmouoguardaJones. -

Sem dúvida, tínhamos um corpo. Acontece que ele acaba de

sumir.

O burburinho de vozes atraíra Hugo e Jeremy da sala de

jantar,dooutroladodohall.Elesnãoperderamaoportunidade

defazerobservaçõespoucoúteis.

Nãoseicomoapolíciaconsegue trabalhar,perdendocorpos

dessejeito!-queixou-seHugo.Porsuavez,Jeremyalfinetou:

Nãoentendoporquenãocolocaramalguémvigiandoocorpo.

Bem, seja lá o que aconteceu, se não há corpo a ser

examinado,nãovoumaisperderomeutempoaqui -vociferouo

médico, dirigindo-se ao inspetor. - Tenha a certeza de que isso

nãovaificarassim,inspetorLord.

Page 186: Agatha christie - a teia da aranha

Sim, doutor. Não tenho dúvidas quanto a isso. Boa noite,

doutor-replicouoinspetorfatigado.

Omédico-legistasaiupelafrente,batendoaportaatrásdesi,

e o inspetor voltou-se para Elgin, que se antecipou, alegando

depressa:

Não sei de nada, eu lhe asseguro, senhor, absolutamente

nada.

Nestemeio tempo,nasaladeestar,ClarissaeSirRowland,

escutandoàporta,divertiam-secomocontratempodospoliciais.

Horinha não muito oportuna para a chegada do reforço

policial -riu-seSirRowland.-Parecequeomédico-legista ficou

bemirritadocomosumiçodocadáver.

Clarissadeuumarisadinha.

Masquemseráquedeusumiçonele?-perguntouela.-Será

quefoiJeremy?

Nãoconsigoimaginarcomoelepoderiaterfeitoisso-replicou

SirRowland.-Elesnãodeixaramninguémentrarnabiblioteca,e

aportaentreabibliotecaeohallestavachaveada.Aquele"Seus

trouxas!"foiagotad'água.

Clarissariu,eSirRowlandcontinuou.

Entretanto,nosrevelaumacoisa.Costelloconseguiuabrira

gaveta secreta. - Calou-se um tempo e mudou de atitude. -

Clarissa-recomeçouemtomgraveporqueafinalvocênãocontou

averdadeaoinspetor,mesmodepoisdeeuterlheimplorado?

Page 187: Agatha christie - a teia da aranha

Eucontei-protestouClarissa-,menosapartedePippa.Ele

simplesmentenãoacreditouemmim.

Mas,porDeus,precisavacontartantabobagemaoinspetor?-

insistiuSirRowland.

Bem-retorquiuClarissacomumgestodedesamparo-,me

pareceu a história mais plausível de o inspetor acreditar. E -

finalizouelaradiante-agoraeleacreditamesmoemmim.

E o resultado é que você está no meio de uma grande

confusão - salientou Sir Rowland. - Vai ser acusada de

assassinatoesabebemdisso.

Voualegarlegítimadefesa-afirmouClarissaconfiante.

Antes que Sir Rowland tivesse oportunidade de responder,

Hugo e Jeremy entraram do hall. Hugo caminhou à mesa de

bridge,resmungando:

Políciadearaque,nosempurrandopra láepracá.Eagora

parecequeconseguiramperderocadáver.

Jeremy fechou a porta atrás de si, então aproximou-se do

bancoepegouumsanduíche.

Esquisitopraburro-afirmou.

É inacreditável - comentou Clarissa. - Toda a história é

inacreditável.Ocorposumiu,eaindanãosabemosquemfoique

ligouparaapolíciaecontouquehaviaocorridoumcrimeaqui.

Ora, claro que foi Elgin - opinou Jeremy, sentando num

braçodosofáecomeçandoasaborearosanduíche.

Page 188: Agatha christie - a teia da aranha

Não,não-discordouHugo.-Sópodetersidoaquelatalde

MissPeake.

Masporquê?-quissaberClarissa.-Porqueumdelesfaria

issosemnoscontarnada?Nãofazsentido.

Naportadohall,MissPeakemeteuacabeçanasalaeolhou

emvoltacomarconspirador.

Oi,abarraestálimpa?- indagou.-Nenhumtiraporperto?

Parecequetemumenxamedelesnacasa.

Agora estão ocupados vasculhando a casa e o terreno —

informouSirRowland.

Paraquê?-perguntouMissPeake.

Ocorpo-replicouSirRowland-sumiu.

MissPeakesoltouarisadajovialdesempre.

Quepalhaçada!-explodiuela.-Ocadávermágico,então?

Hugo sentou-se à mesa de bridge. Olhando ao redor,

comentou,semsedirigiraninguémemespecial:

Éumpesadelo.Tudonãopassadeummalditopesadelo.

Bem como nos filmes, não é, Sra. Hailsham-Brown? -

lembrouMissPeake,tendooutroacessoderiso.

SirRowlandsorriuparaajardineira.

Esperoqueasenhoraestejasesentindomelhoragora,Miss

Peake,nãoestá?-perguntou,cortês.

Page 189: Agatha christie - a teia da aranha

Ah,estoubem-respondeuela. -Sabe,naverdade,souum

osso duro de roer. Apenas fiquei um pouco impressionada ao

abriraquelaportaedardecaracomumcadáver.Nahoraperdio

controle,tenhodeadmitir.

Ficopensando,talvez-comentouClarissaserenamente-,sea

senhorajánãosabiaqueeleestavaali.

Ajardineirafitou-a.

Quem?Eu?

Sim,asenhora.

De novo parecendo dirigir-se ao cosmos inteiro, Hugo

afirmou:

Não faz sentido. Por que alguém levaria o corpo embora?

Todossabemosqueexisteumcorpo.Sabemosaidentidadedelee

tudo omais. Não hámotivo. Por que não deixar o infeliz onde

estava?

Ah,eunãodiriaquenãohámotivo,Sr.BirchcorrigiuMiss

Peake,curvando-sesobreamesadebridgeeencarandoHugo.-É

preciso ter um corpo, sabe. Habeas corpus e aquela ladainha

toda. Lembra-se? Antes de acusar alguém de assassinato, é

precisoterumcorpo.-Voltou-separaClarissa.-Portanto,nãose

preocupe, Sra. Hailsham- Brown - tranquilizou ela. - Tudo vai

acabarbem.

Clarissafitou-a.

Oquequerdizercomisso?

Page 190: Agatha christie - a teia da aranha

Estive de ouvidos bem abertos esta noite - contou a

jardineira.-Nãofiqueiotempotododeitadanacamadoquarto

dehóspedes.-Elaolhouparatodosaoredor.

Nunca suportei aquele tal de Elgin, nem a esposa dele

recomeçou.-Escutandoàsescondidasecorrendoparafofocarà

políciahistóriassobrechantagem.

Entãoescutouisso?-perguntouClarissacuriosa.

Eu sempredigo: defenda o seu sexo - declarouMiss Peake.

OlhouparaHugo.-Homens!-bufou.-Nãomemisturocomeles.

— Sentou-se no sofá ao lado de Clarissa. - Se não conseguem

acharocorpo,minhaqueridaexplicouMissPeake-,nãopodem

apresentar acusações contra a senhora. E digomais: se aquele

animal estava mesmo lhe fazendo chantagem, a senhora fez

muitobememquebraracabeçadeleeselivrardapeste.

Maseunão...—começouClarissacomvozfraca.

Escutei a senhora contar tudo ao inspetor - interrompeu a

jardineira. - E, se não fosse por aquele enxerido e medroso do

Elgin,asuahistóriaseriabemcoerente.Fácildeacreditar.

De que história você está falando? - indagou Clarissa com

curiosidade.

Adeterconfundidoelecomumladrão.Éopontodevistada

chantagemquedeixatudocomaspectodiferente.Porisso,pensei

quesótinhaumacoisaaserfeita,retomouajardineira.-Darum

fimnocorpoedeixarapolíciaperseguindooprópriorabo.

Incrédulo, Sir Rowland recuou titubeante alguns passos.

Page 191: Agatha christie - a teia da aranha

MissPeakeolhouaoredorcomsatisfação.

Trabalho talentoso, até eu mesma tenho de reconhecer -

gabou-seela.

Jeremyergueu-sefascinado.

Está dizendo que foi a senhora quem removeu o corpo? -

perguntouincrédulo.

Aestaaltura,todosencaravamMissPeake.

Estamos todos entre amigos aqui, não? - indagou, olhando

emvolta.-Porqueeutambémpossodarcomalínguanosdentes.

Sim-admitiuelaeuque removiocorpo. -Deuumtapinhano

bolso.-Epasseiachavenaporta.Tenhoaschavesdetodasas

portasdacasa,portantoissonãofoiproblema.

Clarissafitou-aboquiaberta.

Mas como? Onde... onde a senhora colocou o corpo? -

perguntousemfôlego.

MissPeakeinclinou-seàfrentenumsussurroconspirador.

Na camadoquartodehóspedes.Aquelade quatro colunas.

Atravessado na cabeceira, embaixo do travesseiro comprido.

Depoisrefizacamaedeiteiemcimadela.

SirRowland,pasmado,sentou-seàmesadebridge.

Mascomoasenhoralevouocorpoatéoquartodehóspedes?

-perguntouClarissa.-Nãoiaconseguirfazerissosozinha.

Asenhoraficariasurpresa-sorriuMissPeakedeformajovial.

Page 192: Agatha christie - a teia da aranha

- O velho modo de erguer dos bombeiros. Joguei em cima do

ombro.-Comumgesto,elademonstroucomofizera.

Maseseasenhora tivesseencontradoalguémnaescada? -

questionouSirRowland.

Ah,maseunãoencontrei-retorquiuMissPeake.-Apolícia

estava aqui com a Sra. Hailsham-Brown. Vocês três estavam

retidosporelesnasaladejantar.Entãoagarreiaoportunidadee,

éclaro,agarreiomortotambém,levei-oaohall,passeiachavena

porta dabiblioteca e o carreguei escadas acimaaté o quarto de

hóspedes.

Caramba!-exclamouSirRowlandsemfôlego.

Clarissaficouempé.

Maselenãopodeficarembaixodotravesseirocompridopara

sempre-ponderouela.

MissPeakevirou-separaClarissa.

Não, claro que para sempre não, sra. Hailsham- Brown —

admitiu.—Maspor24horaselevai ficarbem.Aessaaltura,a

polícia vai ter liquidadocomabuscanacasa eno terreno.Vão

estarprocurandomaislonge.

Correuoolharentreseusadmiradosinterlocutores.

Assim,estivepensandonummododenoslivrarmosdocorpo

-recomeçou.-Casualmentecaveiumabelatrincheiranojardim

estamanhã...paraplantarervilhas-de-cheiro.Ora,ésóenterraro

corpoláeplantarduasbonitas fileirasdeervilhas-de-cheiropor

cima.

Page 193: Agatha christie - a teia da aranha

Sempalavras,Clarissadesmoronounosofá.

Receio,MissPeake-ponderouSirRowland-,queooficiode

coveirohátemposdeixoudeserassuntodeiniciativaprivada.

Ajardineirariuavalerdocomentário.

Ah, esseshomens! - exclamou, balançando o dedo paraSir

Rowland. - Sempre tão ostensivosnadefesadaboa conduta.O

bomsensodasmulheresésuperior.-ElasevirouparaClarissa.-

Tudo o que é difícil para nós se torna fácil, até mesmo um

assassinato.Nãoé,Sra.Hailsham-Brown?

Hugolevantou-sederepente.

Issoéumabsurdo!-esbravejouele.-Clarissanãoomatou.

Nãoacreditonumapalavradisso.

Ora,senãofoiela-MissPeakeperguntouvivaz-,quemfoi?

Naquele instante, Pippa entrou na sala vindo do hall,

vestindoumchambre,caindodesono,comumatigelademousse

dechocolatenamão.Todososolharessevoltaramparaela.

Page 194: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo20

Atônita,Clarissaselevantounumpulo.

Pippa!-gritou.-Oqueestáfazendoforadacama?

Acordei e resolvi descer - disse Pippa, entre um bocejo e

outro.

Clarissaaconduziuaosofá.

Estoucomtantafome-reclamouPippa,bocejandodenovo.

Sentou-se, ergueu os olhos para Clarissa e disse em tom

acusativo:-Vocêtinhaditoqueialevaristopramim.

Clarissa pegou a tigela de mousse de chocolate damão de

Pippa e a pôs no banco. Em seguida, sentou-se ao lado da

meninanosofá.

Acheiquevocêestavadormindo,Pippa-explicou.

E eu estava mesmo dormindo - contou Pippa, com outro

imensobocejo.-Daítiveaimpressãodequeumpolicialentroue

ficoumeolhando.Eutinhatidoumpesadeloedepoisfiqueimeio

acordada.Daímedeufomeeresolvidescer.

Estremeceu,olhoutodomundoerecomeçou:

Alémdomais,euacheiquepoderiaserverdade.

SirRowlandaproximou-seesentounosofádooutroladode

Pippa.

Page 195: Agatha christie - a teia da aranha

Oquepoderiaserverdade,Pippa?-perguntou.

Aquele sonho horrível que tive com o Oliver - respondeu

Pippa,sentindoumcalafrioaolembrar.

O que aconteceu no sonho, Pippa? - indagou Sir Rowland

mansamente.-Conteparamim.

Nervosa,Pippatiroudobolsodochambreumpedacinhode

ceramodelada.

Àtardinha,fizistoaqui-relatou.-Derretiumaveladecera,

esquenteiumalfineteetrespasseiaceracomoalfinete.

ElaentregouobonequinhodecerasirRowland.Derepente,

Jeremy exclamou "Meu Deus!", deu um salto e começou a

esquadrinharasala,atrásdolivroquePippatentaralhemostrar

àtarde.

Recitei as palavras bem certinho e tudo o mais - explicou

PippasirRowland-,sóquenãoconseguifazerbemdojeitoque

dizianolivro.

Quelivro?-quissaberClarissa.-Nãoestouentendendo.

Juntoàestante,Jeremyachouoqueprocurava.

Aqui está - exclamou, entregando o livro para Clarissa por

cimadoencostodosofá.-Pippacomprouhojenosebo.Eladisse

queeraumlivrodereceitas.

Pippadeuumarisadarepentina.

Evocêmedisse:"Édecomer?"-lembrouela.

Page 196: Agatha christie - a teia da aranha

Clarissaexaminouolivro.Leunacapaotítulo

Cem feitiços provados e comprovados. Abriu o volume e

começoualer.

"Como sarar verrugas. Como conquistar o seu amor. Como

aniquilaroseuinimigo."Pippa...entãofoiissoquevocêfez?

Pippalançouàmadrastaumolhardemistério.

Sim-respondeu.

ClarissadevolveuolivroaJeremy,ePippaobservouoboneco

decera,aindanasmãosdeSirRowland.

NãoseparecemuitocomOliver-admitiu-,eeunãoconsegui

nenhumamechadecabelodele.Masfoiomaisparecidoquepude

fazer...edepois...depois...sonheiepensei...-Tirouocabelodo

rostoeoajeitouatrásdasorelhas.-Penseiqueeutinhadescidoe

queeleestavaali.

Apontouatrásdosofá.-Equeeratudoverdade.

SirRowlandlargoumansamenteobonecodeceranobanco,

ePippaprosseguiu:

Eleestavaali,morto.Eutinhaacabadocomele.

Olhouparatodosnasalaecomeçouatremer.-Éverdade?-

perguntou.-Euomatei?

Não, querida. Não - disse Clarissa, com os olhos rasos de

lágrimas,abraçandoPippa.

Maseleestavaali-insistiuPippa.

Page 197: Agatha christie - a teia da aranha

Sei,Pippa - contou-lheSirRowland. -Masvocênãomatou

Costello. Ao trespassar o boneco de cera com o alfinete, você

matouoódioeomedoquetinhadele.Agoranãotemmaismedo

nemódiodele.Nãoéverdade?

Pippavoltou-separaSirRowland.

Sim,éverdade-reconheceu.-Maseuovisim.

Olhouatrásdo sofá. -Descina sala eCostello estava caído

ali,morto.-AninhouacabeçanopeitodeSirRowland.-Tenho

certezadequeovi,tioRoly.

Sim, querida, você o viu mesmo - disse-lhe Sir Rowland

ternamente.-Masnãofoivocêquemomatou.

Ela o fitou com ansiedade, e ele recomeçou: - Agora preste

atenção, Pippa. Alguém acertou a cabeça dele com um bastão.

Vocênãofezisso,fez?

Ah, não - disse Pippa, acenando a cabeça com força. - Isso

não. -Ela se virouparaClarissa. -Quer dizer tipo o bastãode

golfequeoJeremytinha?

Jeremyriu.

Não,Pippa,nãoumtacodegolfe-explicouele.

Algotipoaquelegrandebastãoqueficanosuportedohall.

Quer dizer aquele que era do Sr. Sellon e que Miss Peake

chamadeclava?-indagouPippa.

Page 198: Agatha christie - a teia da aranha

Jeremyconcordoucomacabeça.

Ah,não-falouPippa.-Eunãofariaumacoisadessas.Nãoia

conseguir.-Voltou-separaSirRowland.-Ah,tioRoly,eunãoia

matá-lodeverdade.

Claro que não - interveio Clarissa, com uma voz serena de

bomsenso, pegandoa tigelademousse e oferecendoaPippa. -

Agoravamos,querida,comaasuamoussedechocolateeesqueça

desse assunto. - Pippa abanou a cabeça em recusa, e Clarissa

repôsatigelanobanco.ElaeSirRowlandajudaramPippaase

deitarnosofá.Clarissapegounamãodela,eSirRowlandafagou

ocabelodameninacomcarinho.

Não estou entendendo bulhufas dessa história - declarou

MissPeake.-Quelivroéesse,afinal?-perguntouelaaJeremy,

queofolheavanessemomento.

"Como provocar uma peste no gado do vizinho." Não acha

interessante,MissPeake?-falouJeremy.-Arriscodizerque,com

pequenasadaptações, a senhora consegue causarmancha-preta

nasrosasdavizinha.

Nãoseidoquevocêestáfalando-retrucouajardineiracom

rispidez.

Magianegra-explicouJeremy.

Nãosousupersticiosa,graçasaDeus-bufouela,encerrando

oassuntoeseafastando.

Hugo,queseesforçavaparaacompanharosfatos,confessou:

Estoucadavezmaisconfuso.

Page 199: Agatha christie - a teia da aranha

Eutambém-concordouMissPeake,dando-lheumtapinha

noombro.-Émelhoreuirdarumaespiadinhanoqueosrapazes

de azul estão inventando. -Edando outrade suas estrepitosas

risadas,saiurumoaohall.

SirRowlandpercorreuosolharesdeClarissa,HugoeJeremy.

Eagoraemquepéestamos?-pensouconsigoemvozalta.

Clarissa ainda se restabelecia das revelações dos minutos

anteriores.

Comofuiestúpida-exclamouconfusa.-Eudeviasaberque

Pippanãoteriacomo...eunãosabianadasobreesselivro.Pippa

dissequetinhamatadoOlivereeu...penseiqueeraverdade.

Hugolevantou-se.

Ah,vocêestádizendoqueachouquePippa...

Sim,querido - cortouClarissanervosae incisivamentepara

impedi-lo de completar a frase.MasPippa, por felicidade, agora

dormiaserenanosofá.

Ah,entendo-disseHugo.-Issoexplicatudo.BomDeus!

Bem, agora é melhor irmos até a polícia e enfim contar a

verdadeaeles-opinouJeremy.

SirRowlandbalançouacabeçapensativo.

Não sei, não -murmurou. - Clarissa já contou três versões

diferentes...

Page 200: Agatha christie - a teia da aranha

Não.Esperem-interrompeuClarissaderepente.

Tiveumaideia.Hugo,qualeraonomedalojadosr.Sellon?

Era só uma loja de antiguidades - replicou Hugo de modo

vago.

Sim,seidisso-exclamouClarissaimpaciente.

Mascomoelasechamavamesmo?

Comoassim..."comosechamava"?

Ah,querido,nãodificulteascoisas-falouClarissa.

Antesvocêdisse,eeuqueroquevocêdigadenovo.Masnão

queromandarvocêdizer,nemdizerporvocê.

Hugo,JeremyeSirRowlandseentreolharam.

Alguém pode me esclarecer onde diabos esta moça quer

chegar?-indagouHugoemtomdequeixa.

Não tenho ideia - replicou Sir Rowland. - Tente de novo,

Clarissa.

Exasperada,elainsistiu:

Émuitosimples.Qualeraonomedalojadeantiguidadesem

Maidstone?

Nãotinhanome-respondeuHugo.-Querodizer,antiquários

nãosechamamSeaviewoucoisaqueovalha.

Santa paciência - resmungou Clarissa entre os dentes

Page 201: Agatha christie - a teia da aranha

cerrados.Falandoclaro edevagar,pausandoapóscadapalavra,

perguntouumavezmais:

O...que...estava...escrito...em...cima...da...porta?

Escrito?Nada-disseHugo.-Oquepoderiaestarescrito?Só

onomedosdonos:"Sellon&Brown",éclaro.

Atéqueenfim-gritouClarissaemtomdejúbilo.-Euachava

que era isso que você tinha dito antes, mas não tinha certeza.

Sellon&Brown.MeunomeéHailsham-Brown.-Elaolhouotrio

aseuredor,maselesapenasaolharamdevolta,comexpressão

detotalincompreensãonasfaces.

Alugamosestacasamuitobarato-recomeçouClarissa.—Os

outros interessados que vieram ver a casa antes ficaram

assustados com o preço exorbitante do aluguel e desistiram,

ficandodescontentes.Entenderamagora?

Hugo mirou-a com um olhar inexpressivo, antes de

responder:

-Não.

Jeremysacudiuacabeça.

Aindanão,meubem.

SírRowlandfitou-ademodoagudo.

Estouboiando-falou,pensativo.

OrostodeClarissaassumiuumaexpressãodeansiedade.

OSr.Sellontinhasociedadecomumapessoaquemoravaem

Page 202: Agatha christie - a teia da aranha

Londres.Essapessoaéumamulher-explicouelaaosamigos.-

Hoje,alguémligouepediuparafalarcomasra.Brown.Nãocom

asra.Hailsham-Brown,apenassra.Brown.

Agoracomeçoacompreender-disseSirRowland,meneando

acabeçadevagar.

Hugosacudiuacabeça.

Euaindanão-admitiu.

ClarissaolhouparaHugo.

Baia equina ou equina baia... pequenos detalhes, grandes

diferenças-observouelainescrutável.

Você não está delirando ou algo parecido, Clarissa? Quis

saberHugopreocupado.

AlguémmatouOliver-recordouClarissa. -Não foinenhum

devocês.NemHenry.Muitomenoseu.-Fezumapausaantesde

continuar.-EnãofoiPippa,graçasaDeus.Então,quemfoi?

Com certeza, é exatamente como eu disse ao inspetor -

sugeriuSirRowland.-Umserviçodefora.AlguémseguiuOliver

atéaqui.

Sim,mas por quê? - indagou Clarissa demodo expressivo.

Não obtendo resposta, retomou suas considerações. - Hoje,

quando acompanhei vocês ao portão relembrou ela aos três

amigosaovoltar, entreipelasportasdevidroedeidecaracom

Oliver.Elepareceumuitosurpresoaomever.Disse:"Clarissa!O

que está fazendo aqui?" Na hora, pensei que era um modo

sofisticado de me irritar. Mas vamos supor que ele estivesse

Page 203: Agatha christie - a teia da aranha

mesmosurpreso?

Os ouvintes pareciam estar atentos, mas nada disseram.

Clarissarecomeçou:

Vamos supor que ele tenha ficado surpreso ao me ver. Ele

pensava que esta casa pertencia a outra pessoa. Pensava que

encontrariaaquiaSra.Brown,asóciadosr.Sellon.

SirRowlandmeneouacabeça.

Mas será que ele não sabia que você e Henry estavam

morandoaqui?-questionou.-SeráqueMirandanãosaberia?

Sempre que Miranda precisa se comunicar o faz por

intermédio de advogados. Nem ela nemOliver necessa-riamente

sabiamqueestávamosmorandoaqui-explicouClarissa.-Estou

dizendo,tenhocertezadequeOliverCostellonemsonhavaemme

encontrar.Ah,masnamesmahoraelese recuperoudosustoe

inventou a desculpa de que tinha vindo falar sobre Pippa. Ele

fingiuteridoembora,masretornouporque...

Calou-seaoMissPeakeentrarpelaportadohall.

Acaçadacontinua-declarouajardineiraanimada.-Calculo

quejáprocuraramembaixodetodasascamas.Agoraestãoláfora

noterreno.-Elasoltouaconhecidarisadacordial.

Clarissafitou-ademodoincisivoedisse:

Miss Peake, a senhora se lembra daquilo que o sr. Costello

disseumpoucoantesdeirembora?Nãolembra?

Semexpressão,MissPeakeadmitiu:

Page 204: Agatha christie - a teia da aranha

Nãofaçoamínimaideia.

Ele disse "Eu vim falar com a sra. Brown", não foi? —

relembrouClarissa.

MissPeakepensouumpoucoerespondeu:

Acreditoquesim.Porquê?

Maselenãoveiofalarcomigo-insistiuClarissa.

Bem,senãofoicomasenhora,nãoseicomquempoderiaser

-retorquiuMissPeakecomoutradesuasrisadasjoviais.

Clarissafaloucomdecisão.

Com a senhora - disse ela para a jardineira. - Não é, sra.

Brown?

Page 205: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo21

Miss Peake, aparentando supremo espanto com a acusação

de Clarissa, por um instante pareceu em dúvida a respeito de

como agir. Quando enfim respondeu, sua atitude mudara.

Abandonandootomdivertidodecostume,faloucomseriedade.

Bempensado-disseela.-Temrazão,eusouaSra.Brown.

Clarissaestiveraexercitandooseuraciocínio.

AsenhoraéasóciadoSr.Sellon-revelou.-Éadonadesta

casa.Herdou-adeSellonjuntocomaempresaemsociedade.Por

algummotivo,teveaideiadeencontraruminquilinocujonome

fosse Brown. O fato é que estava determinada a ter outra Sra.

Brownmorandoaqui.Pensouqueissonãoseriamuitodifícil,já

queBrownéumnometãocomum.Masnofimdascontastevede

se contentar com Hailsham-Brown. Não sei bem por que a

senhora me queria no palco enquanto assistia. Ainda não

entendo bem os detalhes... Sra. Brown, codinome Miss Peake,

interrompeu-a.

CharlesSellonfoiassassinado-disseelaaClarissa.-Nãohá

dúvidadisso.Entrouempossedealgomuitovalioso.Nãoseide

queforma...nemseioqueera.Elenuncafoimuito...-hesitou-

escrupuloso.

Éoquesecomenta-observouSirRowlandsecamente.

Sejaláoquefor-recomeçouasra.Brown-,elefoimortopor

isso. E seja lá quem o matou não encontrou a tal coisa.

Page 206: Agatha christie - a teia da aranha

Provavelmente não a encontraram porque não estava na loja, e

sim aqui. Pensei que, seja lá quem fosse, o assassino acabaria

vindoaquiprocurar,maiscedooumaistarde.Euqueriaficarna

tocaia, por isso precisava de uma sra. Brown postiça. Um

fantoche.

SirRowlandsoltouumaexclamaçãodecontrariedade.

Asenhoranãosedeuconta-perguntouàjardineira,falando

com emoção - de que a senhora Hailsham- Brown uma moça

totalmente inocente que nunca lhe fez mal, estaria correndo

perigo?

Estivesempreporperto,nãoestive?-replicouaSra.Brown,

nadefensiva.-Tantoqueàsvezesissochegouaincomodarvocês.

Bem,naquelediaqueapareceuumhomemoferecendoumpreço

exageradoporessaescrivaninha,nãotivemaisdúvidas:euestava

na pista certa. Mas posso jurar que não há nada nessa

escrivaninhaquetenhaalgumvalor.

Asenhoraexaminouagavetasecreta?-indagouSirRowland.

ASra.Brownpareceusurpresa.

Gaveta secreta? Onde? - exclamou, dirigindo-se à

escrivaninha.

Nomeiodocaminho,Clarissaadeteve.

Agoranãohámaisnadaali -garantiu. -Pippaencontroua

gaveta,masdentrosóhaviaunsautógrafosantigos.

Clarissa, eu gostaria de dar uma nova olhada naqueles

autógrafos-pediuSirRowland.

Page 207: Agatha christie - a teia da aranha

Clarissavoltou-separaosofá.

Pippa - chamou ela -, onde você colocou...? Ah, ela está

dormindo.

Asra.Brownaproximou-sedosofá ebaixouoolharparaa

criança.

Dormindoumsonodepedra - confirmou. -Éessaagitação

toda.-OlhouparaClarissa.-Sabedeumacoisa?-disse.-Vou

carregarPippaláparacimaecolocá-lanacama.

Não-disseSirRowlandperemptório.

Todosolharamparaele.

Ela não pesa nada - ponderou a sra. Brown. - Nem uma

quartapartedoquepesavaocadáverdosr.Costello.

Mesmoassim-insistiuSirRowland-,achoqueelavaificar

maisseguraporaqui.

Então todos se voltaram para Miss Peake/Sra. Brown, que

deuumpassoparatrás,olhouaoredoreexclamou,indignada:

Maissegura?

-Foiissoqueeudisse-retrucouSirRowland.Correuosolhos

aoredoreacrescentou:-Essameninadissealgomuitosugestivo

agorahápouco.

Sentou-seàmesadebridge,observadoportodos.Houveum

silêncio.Hugofoiparaooutroladodamesa,sentouàfrentede

SirRowlandeperguntou:

Page 208: Agatha christie - a teia da aranha

Oquefoiqueeladisse,Roly?

Sevocêstodosrelembraremumpoucodosfatos-sugeriuSir

Rowland-,talvezsedêemcontadoquesetrata.

Osoutrosseentreolharam.SirRowlandapanhouoexemplar

deQueméQuemecomeçouaconsultá-lo.

Nãoentendo-insistiuHugo,meneandoacabeça.

OquefoiquePippadisse?—pensouJeremyemvozalta.

Não tenho ideia - disse Clarissa, tentando recordar. - Algo

sobreopolicial?Ousonhar?Desceraqui?Ficarmeioacordada?

Vamoslá,Roly-intimouHugo.-Nãofaçatantomistério.O

queestáacontecendo,afinal?

SirRowlandergueuoolhar.

Oquê?-perguntoudistraído.-Ah,sim.Ostaisautógrafos.

Cadêeles?

Hugoestalouosdedos.

Senãomeengano,Pippaosguardounaquelacaixinhaaliem

cima-recordouele.

Jeremyfoiàestantedelivros.

Aqui em cima? - indagou. Localizou a caixinha e retirou o

envelopedela.-Sim,éverdade.Estãoaqui-confirmou,aopegar

osautógrafosdoenvelopeeentregá-lossirRowland,quefechara

o exemplar de Quem é Quem. Jeremy pôs o envelope vazio no

bolso, eSirRowlandpassoua examinar osautógrafos comseu

Page 209: Agatha christie - a teia da aranha

monóculo.

Victoria Regina, Deus a abençoe -murmurou Sir Rowland,

observando o primeiro dos autógrafos. - Rainha Vitória. Tinta

marrom esmaecida. Vamos ver, e este, qual é? John Ruskin...

sim,éverdadeiro, tudo indica.Eesteoutro?RobertBrowning...

hum...opapelnãoétãoantigoquantoseriadesupor.

Roly!Oquevocêquerdizer com isso? -perguntouClarissa

animada.

Tenho certa experiência com tintas invisíveis e esse tipo de

coisa,desdeotempodaguerra-explicouSirRowland.-Quando

é preciso fazer uma anotação secreta, uma boa alternativa é

escrever com tinta invisível numa folhadepapel e falsificarum

autógrafo. Depois é só colocar esse autógrafo junto a outros

autógrafosautênticos,queprovavelmenteninguémvainotá-loou

prestaratençãonele.Nãomaisdoquenós.

ASra.Brownpareceuconfusa.

Mas o que Charles Sellon teria escrito que pudesse valer

quatorzemillibras?-quissaberela.

Absolutamentenada,minhasenhora-replicouSirRowland.

- Mas me ocorre agora que pode ter sido uma questão de

segurança.

Segurança?-inquiriuaSra.Brown.

Suspeita-se que Oliver Costello - esclareceu Sir Rowland -

estivesseenvolvidocomtráficodedrogas.Sellon,comooinspetor

nos contou, foi interrogado uma ou duas vezes pela divisão de

Page 210: Agatha christie - a teia da aranha

Narcóticos.Podehaverumaconexãoaqui,nãoacham?

AúnicarespostadeSra.Brownfoiumolharinexpressivo.Ele

continuou:

Claro,pode ser sóuma ideiabobaminha. -Baixouo olhar

paraoautógrafoqueestavasegurando.-Nãocreioquesejaalgo

muitoelaborado,vindodapartedeSellon.Sucodelimão,talvez,

ou solução de cloreto de bário. Calor ameno pode solucionar o

caso. Se for preciso, tentamos vapor de iodo mais tarde. Mas

primeirovamostentarumaaquecidadeleve.

Eleselevantou.

Mãosàobra?

Temos um aquecedor elétrico na biblioteca - lembrou

Clarissa.-Jeremy,poderiaapanhá-lo?

Hugo se ergueu e empurrou a cadeira de encontro àmesa,

enquantoJeremyiaatéabiblioteca.

Podemosligá-loaqui-disseClarissa,indicandoumatomada

norodapédasala.

Acoisatodaéabsurda-bufouaSra.Browncomdesdém.-

Mirabolantedemais.

Nãoacho-discordouClarissa.-Aideiaéótima.

Jeremy voltou da biblioteca com um pequeno aquecedor

elétrico.

Achou?-perguntouClarissa.

Page 211: Agatha christie - a teia da aranha

Aquiestá-respondeu.-Ondeestáatomada?

Aqui embaixo - falou Clarissa, apontando. Ela segurou o

aquecedor,eJeremyconectouocabonatomada.Emseguida,ela

colocouoaparelhonochão.

Sir Rowland pegou o autógrafo deRobertBrowning e ficou

empé,pertodoaquecedor.Jeremyajoelhou-sepertodoaparelho,

eosoutrosseaproximaramparaveroresultado.

Nãodevemostermuitasexpectativas-alertouSirRowland.-

Afinal,ésóumaideiaqueeutive.Masdeveterhavidoumbom

motivoparaSellonterguardadoestespedacinhosdepapelnum

lugartãosecreto.

Istomefazvoltarnotempo-relembrouHugo.-Otempoem

que eu era garoto e escrevia mensagens secretas com suco de

limão.

Com qual deles vamos começar? - indagou Jeremy

entusiasmado.

ComaRainhaVitória-opinouClarissa.

Quenada,seisporumnoRuskin-foiopalpitedeJeremy.

Bem,euapostominhasfichasnoRobertBrowning-decidiu

Sir Rowland, curvando-se e segurando o papel na frente do

aquecedor.

Ruskin? Sujeito hermético. Nunca consegui entender um

verso sequer de seus poemas—sentiu-se compelido a comentar

Hugo.

Page 212: Agatha christie - a teia da aranha

Exato-concordouSirRowland.-Sãorepletosdesignificados

ocultos.

PescoçosseespicharamsobreosombrosdeSirRowland.

Nãovouaguentarsenãoacontecernada-exclamouClarissa.

Achoque...sim!Temalgoaqui-murmurouSirRowland.

Sim,estáaparecendoalgo-observouJeremy.

Está?Deixe-mever—disseClarissa,animada.

HugoabriuespaçoentreClarissaeJeremy.

Saidafrente,rapaz.

Devagar— reclamouSirRowland. -Não empurrem... sim...

temalgoescrito.-Fezumapausa,endireitouocorpoeexclamou:

Conseguimos!

Conseguimosoquê?-quissaberaSra.Brown.

Umalistacomseisnomeseendereços-revelouSirRowland.

-Traficantes,presumo.EumdosnomeséOliverCostello.

Aexclamaçãofoigeral.

Oliver! - disse Clarissa. - Então foi por isso que ele veio, e

alguémdeve tê-lo seguido e... ah, tioRoly, precisamos contar à

polícia.Venhacomigo,Hugo.

Clarissa correu para a porta do hall, seguida deHugo, que

saiumurmurando:

Page 213: Agatha christie - a teia da aranha

Nunca ouvi falar de algo tão extraordinário. - Sir Rowland

pegouosoutrosautógrafos.Jeremytirouoaquecedordatomada

eolevoudevoltaàbiblioteca.

PrestesaseguirClarissaeHugo,SirRowlanddeteve-sena

soleiradaporta.

Vamosjunto,MissPeake?—indagou.

Nãoprecisamdemim,nãoémesmo?

Achoquesim.AsenhoraerasóciadeSellon.

Não tenho e nunca tive nada a ver com tráfico de drogas -

insistiu a Sra. Brown. - Eu apenas administrava a parte do

antiquário. Era responsável por todas as compras e vendas em

Londres.

Entendo-replicouSirRowland,semconfiança,eseguroua

portaabertaatéambossaírem.

Jeremyretornoudabiblioteca,fechandocomcuidadoaporta

atrásdesi.Foiàportadohalleescutouporuminstante.Lançou

umolharàPippa,chegoupertodapoltrona,pegouaalmofadae,

péantepé,rumouaosofáondePippadormia.

Pippa semexeunomeiodo sono. Porum instante, Jeremy

ficou paralisado; ao certificar-se de que ela ainda dormia,

prosseguiuemdireçãoaosofá,atéseposicionaratrásdacabeça

da menina. Em seguida, devagarinho, começou a descer a

almofadasobreorostodePippa.

Nesteexatomomento,Clarissaveiodohalleentroudenovo

nasala.Escutandoobarulhodaporta,Jeremycobriuospésde

Page 214: Agatha christie - a teia da aranha

Pippacomaalmofadacuidadosamente.

EulembreidoqueSirRowlandtinhadito-explicou-seelea

Clarissa - e achei melhor não deixar Pippa sozinha. Tive a

impressãodequeelaestavacomospésgelados,por issoacabei

decobri-los.

Clarissacruzouasalarumoaobanquinho.

Essa agitação todame abriu o apetite - declarou. Baixou o

olharparaopratodesanduíchesedissecomgrandedesânimo:-

Puxavida,Jeremy,vocêcomeutudo.

Sinto muito, eu estava morrendo de fome - disse ele, sem

demonstrararrependimentoalgum.

Não entendopor que razão - repreendeu ela. -Você jantou.

Eunão.

Jeremyempoleirou-senoencostodosofá.

Eu também não jantei - contou ele. - Fiquei treinando

tacadasdeaproximação.Sóentreinosalãodorestaurantepouco

depoisdevocêterligado.

Ah, entendo - replicou Clarissa desinteressada. Inclinou-se

sobreoencostodosofáparaafofaraalmofada.Derepenteseus

olhos se arregalaram. Numa voz profundamente perturbada,

repetiu:

Entendo.Você...foivocê.

Oquequerdizer?

Page 215: Agatha christie - a teia da aranha

Você! - repetiu Clarissa, quase como se estivesse falando

sozinha.

Oquequerdizer?

OlhandoJeremynosolhos,Clarissaindagou:

Oque você estava fazendo comaquela almofada quando eu

entreinasala?

Eleriu.

Jádisse.EstavacobrindoospésdePippa.Estavamfrios.

Verdade?Eraissomesmoquevocêiafazer?Ouiacolocara

almofadasobreorostodela?

Clarissa! - gritou indignado. - Não fale uma coisa absurda

dessas!

Eu estava certa de que o assassino de Oliver Costello não

poderiaserumdenós.Faleiissoatodos-relembrouClarissa.-

Masumdenóspoderiaseroassassino.Você.Vocêestavasozinho

lánocampodegolfe.Poderiatervoltadoparacasa,entradopela

janeladabiblioteca, que vocêhaviadeixado entreaberta.E você

tinhaaindaòseutacodegolfe.Éclaro.Foi issoquePippaviu.

Foi isso que ela quis dizer quando falou: "Um bastão de golfe

comoodeJeremy".Foivocêqueelaviu.

Isso é pura bobagem, Clarissa - objetou Jeremy num riso

forçado.

Não, não é—insistiu.—Então, depois de termatado Oliver,

você retornou ao clube e ligou para a polícia, para que eles

Page 216: Agatha christie - a teia da aranha

viessemaqui,achassemocorpoesuspeitassemdeHenryoude

mim.

Jeremyergueu-sedeumpulo.

Queabsurdoinfame!—declarou.

Não é absurdo. É verdade. Sei que é verdade - exclamou

Clarissa.-Masporquê?Éissoquenãoentendo.Porquê?

Permaneceram cara a cara num silêncio nervoso alguns

instantes.EntãoJeremysoltouumsuspiroprofundo.Retiroudo

bolsooenvelopeondeosautógrafoseramguardados.Estendeu-o

aClarissa,maselanãoopegou.

Foitudoporcausadisto-revelou.

Clarissadeuumaolhada.

Esseéoenvelopeemqueestavamosautógrafosdisseela.

Temumselonele-explicouJeremycalmamente.

Éoquesechamadeselocomerro.Impressonacorerrada.

Sueco,vendidoanopassadoporquatorzemiletrezentoslibras.

Entãoéisso—falouClarissa,recuando,semfôlego.

EsteselocaiunasmãosdeSellon-recomeçouJeremy.—Ele

escreveuparaSirKenneth,omeupatrão,sobreocaso.Mas fui

eu que abri a carta. Viajei de Londres para cá e fiz uma visita

Sellone...

Hesitou,eClarissacompletouafraseporele:

Page 217: Agatha christie - a teia da aranha

...eomatou.

Jeremyfezquesimcomacabeça,semdizernada.

Mas você não conseguiu encontrar o selo - conjeturou

Clarissa,afastando-sedele.

Acertoudenovo-admitiuJeremy.-Nãoestavana loja,por

issomeconvencidequedeviaestaraquinestacasa.

Começou a andar na direção de Clarissa; ela continuou

recuando.

Hojeànoite,penseiqueCostellotinhavencidoaparada.

Eentãovocêtambémomatou-disseClarissa.

Jeremyconcordoumaisumavezcomacabeça.

Eagora,vocêiamatarPippa?-perguntouelaofegante.

Porquenão?-respondeuimpassível.

Nãoacredito-disseela.

Clarissa, minha querida, quatorze mil libras é um bom

dinheiro-observouJeremy,comumsorrisoqueconseguiuserao

mesmotempocontritoesinistro.

Masporqueestámecontandoisso?-indagou,tãoperplexa

quantoaflita.-Poracasoimaginaqueeunãovoucontarparaa

polícia?

Vocêjácontoutantamentira.Nuncavãoacreditaremvocê-

retrucouele.

Page 218: Agatha christie - a teia da aranha

Vãosim.

-Alémdisso-continuouJeremy,investindocontraela-,você

nãovaiteressaoportunidade.Paraquemjámatouduaspessoas,

nãocustamatarmaisuma.

Seusdedosse fecharamem tornodopescoçodeClarissa, e

elagritou.

Page 219: Agatha christie - a teia da aranha

Capítulo22

OgritodeClarissafoiacudidodeimediato.SirRowlandveio

rápido do hall, acendendo as arandelas no caminho; o guarda

Jones precipitou-se na sala pela porta de vidro, e o inspetor

acorreudabiblioteca.

OinspetorsegurouJeremy.

Muitobem,Warrender.Escutamostudo,obrigado-disse.-E

éjustamenteessaaprovadequeprecisamos,acrescentou.-Passe

paracáesseenvelope.

Clarissa apoiou-se nas costas do sofá, com a mão na

garganta.Aoentregaroenvelopeaoinspetor,Jeremyobservoude

modoimpassível:

Entãoeraumaarmadilha,nãoera?Muitoengenhosa.

JeremyWarrender - disse o inspetor. -O senhor estápreso

peloassassinatodeOliverCostello.Émeudeverprevenir:tudoo

queosenhordisserpodeseranotadoeusadocomoprova.

Podepouparofôlego,inspetor-foiarespostaenunciadaem

tomserenoporJeremy. -Nãoestou falandonada.Foiumaboa

tentativa,massimplesmentenãodeucerto.

Leve-oemboradaqui -ordenouo inspetoraoguardaJones,

quepegouJeremypelobraço.

Qualoproblema,Jones?Esqueceu-sedasalgemas?Indagou

friamenteJeremyaoterobraçodireitotorcidoatrásdascostase

Page 220: Agatha christie - a teia da aranha

serconduzidoportaafora.

Sacudindo a cabeça com tristeza, Sir Rowland observou

Jeremysendolevadoe,emseguida,dirigiu-seaClarissa.

Vocêestábem,minhaquerida?-perguntouelepreocupado.

Sim, sim, estou bem - respondeu Clarissa, respirando com

certadificuldade.

Não tive a intenção de expor você a isso - desculpou-se Sir

Rowland.

Elaofitoucomsagacidade.

VocêsabiaquetinhasidoJeremy,nãosabia?-indagou.

Oinspetorentrounaconversa.

Mascomodescobriusobreoselo,sir?

Sir Rowland aproximou-se do inspetor Lord e pegou o

envelopedamãodele.

Bem, inspetor - principiou comecei a desconfiar quando

Pippamostrouoenvelopehojeàtardinha.Depois,lendooQuem

é Quem, descobri que o patrão de Warrender, Sir Kenneth

Thomson, é filatelista, e minhas suspeitas aumentaram. E, há

pouco,quandoeleteveaousadiadeembolsaroenvelopedebaixo

demeunariz,eutivecerteza.

Devolveuoenvelopeaoinspetor.

Cuide bem disto, inspetor. Provavelmente o senhor vai

descobrir que se trata de algo muito valioso, além de ser uma

Page 221: Agatha christie - a teia da aranha

prova.

Sim, é uma prova - anuiu o inspetor. - Um jovem bandido

especialmenteperigosovaiteraquiloquemerece.

Cruzandoasalaemdireçãoàportadohall,continuou:

Masaindafaltaencontrarocorpo.

Ah, issovaiser fácil, inspetor—garantiu-lheClarissa. -Dê

umaolhadanacamadoquartodehóspedes,

OinspetorobservouClarissacomardecensura.

Ora,francamente,sra.Hailsham-Brown...-começouele.

FoiinterrompidoporClarissa.

Por que ninguém nunca acredita em mim? - queixou-se. -

Estánoquartodehóspedes.Váconferir,inspetor.Atravessadona

cama,embaixodotravesseirocomprido.MissPeakeocolocoulá,

tentandosergentil.

-Tentandoser...?-Aspalavrasfaltaramaoinspetor.Foiatéa

porta, virouedisseem tomrepreensivo: -Sabe,Sra.Hailsham-

Brown, não facilitou nosso trabalho esta noite, nos contando

todasessashistóriasinacreditáveis.Achoqueasenhorapensava

que o seu marido era o assassino e estava mentindo para

acobertá-lo.Masasenhoranãodeveria ter feito isso.Realmente

nãodeveria.

Balançouacabeçaoutravezesaiudasala.

Poisbem!-exclamouClarissaindignada.Evirou-separao

Page 222: Agatha christie - a teia da aranha

sofá.-Ai,Pippa...-recordou.

Émelhorlevá-laparacima-aconselhouSirRowland.-Agora

elaestarásegura.

Sacudindoameninacomdelicadeza,Clarissadissedeforma

meiga:

Vamos,Pippa.Horadeirparaacama.

Pippalevantou-sevacilante.

Tôfaminta-murmurou.

Sim, sim, aposto que sim - assegurou Clarissa, levando a

meninaparaohall.-Venha,vamosveroquepodemosencontrar.

Boa noite, Pippa - disse Sir Rowland. Como retribuição, a

meninabocejouum"B'anoite"esaiucomClarissa.SirRowland

sentou-seàmesadebridgee,malcomeçaraaguardarascartas

nacaixa,Hugoentroudohall.

Deusquemeperdoe-exclamouHugo.-Semecontassemeu

nãoteriaacreditado.JustoojovemWarrender.Pareciaumrapaz

bemdecente.Frequentoubonscolégios.Erabem-relacionado.

Masbem-propensoamatarporquatorzemillibrasobservou

SirRowlandpolidamente.-Devezemquandoissoacontece,até

mesmonasmelhoresfamílias.Umaper-sonalidadecativante,mas

desprovidadesensomoral.

Sra.Brown,ex-MissPeake,meteuacabeçanaporta.

Acho bom lhe avisar, Sir Rowland - declarou, retomando a

Page 223: Agatha christie - a teia da aranha

habitualvoztonitruante.-Fuiconvocadaa ir juntoàdelegacia.

Querem que eu faça um depoimento. Estão um pouco

descontentescomapeçaquepregueineles.Achoquevoureceber

um puxão de orelha. - Explodiu numa gargalhada, recuou e

bateuaportadohall.

HugoobservouasaídadeMissPeakeeemseguidajuntou-se

aSirRowlandnamesadebridge.

Sabe,Roly,aindanãoentendibem-admitiu.

Afinal,MissPeakeeraaSra.Sellon,ouoSr.Sellonqueerao

Sr.Brown?Ouvice-versa?

SirRowland foipoupadode responderdevidoao retornodo

inspetor,queveiopegaroquepeeasluvas.

Agoravamostrasladarocadáver,cavalheirosinformou.Pouco

depois acrescentou: - Sir Rowland, faria a gentileza de avisar a

Sra. Hailsham-Brown que se ela continuar contando histórias

fantasiosasàpolíciaumdiaelavaitersériosproblemas?

Não vamos esquecer, inspetor, que uma vez ela disse a

verdade - lembrou-lhe Sir Rowland de modo suave -, mas o

senhorsimplesmentenãoacreditou.

Oinspetorpareceuumpoucoatrapalhado.

Sim... hum... bem - começou. - Enfim, recompondo-se,

afirmou: - Francamente, era um pouco difícil de engolir, há de

concordarcomigo.

Ah,semdúvida,euconcordo-assegurouSirRowland.

Page 224: Agatha christie - a teia da aranha

Nãoqueeuculpeossenhores-continuouoinspetoremtom

reservado. - A Sra. Hailsham-Brown tem um jeitinho muito

persuasivo.-Balançouacabeça,pensativo,edespediu-se:-Bem,

boanoite,sir.

Boanoite,inspetor-respondeuSirRowlandafável.

Boanoite,Sr.Birch-disseoinspetor,recuandoparaaporta

dohall.

Boanoite,inspetor,eparabénspelobomtrabalhorespondeu

Hugoaoseaproximareapertaramãodele.

Obrigado,sir-disseoinspetor.

Elesaiu,eHugobocejou.

Bem,achoqueémelhoreuirandando.Vouparacasadormir

-disseeleaSirRowland.-Quenoite,hein?

Resumiu bem, Hugo. Que noite! - respondeu Sir Rowland,

arrumandoamesadebridge.-Atéamanhã.

Até-respondeuHugo,retirando-sepelohall.

SirRowlandempilhoucomesmeroascartaseosmarcadores

na mesa; em seguida pôs o exemplar de Quem é Quem na

estante.Clarissaentrouvindadohall,aproximou-seerepousou

asmãosnosbraçosdele.

Roly,querido-falou.-Oqueseriadenóssemvocê?Vocêé

tãointeligente.

Evocêéumamoçademuitasorte-disseele.-Fezmuitobem

Page 225: Agatha christie - a teia da aranha

emnãoentregarocoraçãoàquelejovembandido,Warrender.

Clarissaestremeceu.

Nãohaviaesseperigo-replicou.Sorriucomternura:-Seeu

entregassemeucoraçãoaalguém,seriaparavocê,meuquerido-

garantiu.

Ora, ora, não me venha com suas táticas - avisou Sir

Rowland,rindo.-Sevocê...

Paroude repenteao verHenryHailsham-Brownentrarpela

portadevidro,eClarissaexclamar:

Henry!

Oi,Roly-cumprimentouHenry.-Penseiquevocêsiamirao

clubeestanoite.

Bem...ahn...achoquevoudormiragora-foitudooqueSir

Rowland foi capaz de dizer naquele momento. - Foi uma noite

extenuante.

Henryolhouparaamesadebridge.

Oquê?Bridgeextenuante?-indagouemtomdebrincadeira.

SirRowlandsorriu.

Bridge e... ahn... outras coisas mais - respondeu e

encaminhou-separaaportadohall.-Boanoiteatodos.

Clarissa atirou-lhe um beijo, ele retribuiu e saiu da sala.

Clarissavirou-separaHenry.

Page 226: Agatha christie - a teia da aranha

OndeestáKallendorff...querodizer,ondeestáosr.Jones?-

perguntou,inquieta.

Henrycolocouavalisenosofá.Semesconderafrustraçãoeo

cansaçonavoz,murmurou:

Nuncafiqueitãoindignado.Elenãoapareceu.

Comoéqueé?-Clarissamalpodiaacreditarnoqueouvia.

Doaviãodesceuapenasumsubalternoinexperiente-contou

Henry,desabotoandoosobretudo.

ClarissaajudouHenryatirarosobretudo.Elecontinuou:

Aprimeiracoisaqueelefezfoidarmeia-voltaedecolarparao

lugardeondeviera.

Porquê?

E eu lá vou saber? - De modo compreensível, Henry

demonstravaumcertonervosismo.-Elemepareceudesconfiado.

Masdesconfiadodequê?Quemvaisaber?

Mas e quanto a Sir John? - indagou Clarissa ao retirar o

chapéudacabeçadeHenry.

Essaéapiorparte-resmungouele.-Nãoconseguiavisá-loa

tempo,eeledeveestarchegandoaqualquerminuto, imagino. -

Henry consultou o relógio. - Claro, na mesma hora liguei do

aeroportoparaDowningStreet,maselejáestavanaestrada.Ah,

acoisatodaéummemorávelfiasco.

Henryafundounosofácomumsuspiroexausto.Namesma

Page 227: Agatha christie - a teia da aranha

hora,otelefonetocou.

Deixequeeuatendo-disseClarissa,cruzandoasala.-Pode

serapolícia.-Ergueuofone.

Henryfitou-acomumolharindagador.

Apolícia?

Sim,aquiéCopplestoneCourt-diziaClarissaaotelefone.-

Sim... sim, ele está. - Mirou Henry com um olhar ligeiro. -

Querido,éparavocê-avisou.-DoaeroportoBindleyHeath.

Henrylevantou-secorrendoparaotelefone,masnomeiodo

caminhodesacelerou,assumindoumandaraltivo.

Alô-disseaofone.

ClarissalevouaohallochapéueosobretudodeHenry,mas

logovoltoueficoubematrásdele.

Sim... soueu -declarou. -Oquê?...Dezminutosdepois?...

Eu devo?... Sim... Sim, sim... Não... Não, não... Verdade?...

Entendi...Sim...Certo.

Repôs o fone no gancho, gritou "Clarissa!", virou-se e

percebeuqueelaestavalogoatrásdele.

Ah, você está aí. Parece que outro avião aterrissou dez

minutosdepoisdoprimeiro,eKalendorffestavanele.

OSr.Jones,vocêquerdizer-relembrouClarissa.

Exato,meuamor.Todaaprudênciaépouca-reconheceuele.

-Sim,aoquetudoindica,aprimeiroaeronaveeraumaespéciede

Page 228: Agatha christie - a teia da aranha

medida de precaução. É mesmo insondável o modo como

funciona o cérebro dessa gente. Bem, de qualquer forma, o...

hum... sr. Jones está sendo escoltado até aqui. Vão chegar em

quinze minutos. Me diga, está tudo certo? Tudo em ordem? -

Olhou a mesa de bridge. - Pode dar um jeito nessas cartas,

querida?

Apressada,Clarissaguardouascartas eosmarcadores;por

suavez,Henrychegoupertodobancoe,comextremasurpresa,

pegouopratovazioeatigelademusse.

Quediaboéisto?-quissaber.

Clarissaacorreueapanhouopratoeatigela.

Pippa estava com fome - explicou. - Vou tirar isto daqui. E

achomelhorfazermaisunssanduíchesdepresunto.

Aindanão...temcadeirasespalhadasportodaasala- falou

Henry,numlevetomdecensura.-Penseiquevocêiadeixartudo

pronto,Clarissa.

Elecomeçouadobraraspernasdamesadebridge.

O que você andou fazendo a noite toda? - perguntou ele,

carregandoamesadebridgeatéabiblioteca.

Clarissaestavaarrumandoascadeirasnestemomento.

Ah, Henry - exclamou -, esta noite foi emocionante. Sabe,

logoquevocêsaiu,eutrouxeossanduíchesparacáe,quandome

deiconta,tropeceinumcorpo.Ali-apontouela.-Atrásdosofá.

Sim, sim, querida - murmurou Henry, desligado, ajudando

Page 229: Agatha christie - a teia da aranha

Clarissa a empurrar a poltrona ao local de costume. - Suas

históriassãosempreencantadoras,masomelhormesmoédeixar

paraoutrahora.

Mas,Henry,éverdade-insistiu.-Eissoéapenasocomeço.

Apolíciaveio,efoiumasurpresaatrásdaoutra.-Começouase

exprimirdemodoconfuso.-Foidescobertaumarededetráficode

drogas;MissPeakenãoéMissPeake,onomedelaéSra.Brown;e

no fim o assassino era Jeremy; ele estava tentando roubar um

selodequatorzemillibras.

Sei.Vaivereraoutrosuecoamarelo-comentouHenry.Sua

vozeraindulgente,masnaverdadenãoestavaescutando.

Achoqueissoétudo!-exclamouClarissacontente.

Clarissa,vocêtemmesmoumaimaginaçãomuitofértil-disse

Henrycarinhosamente.Pôsamesinhaentreacadeiradebraçose

apoltrona;comseulençoespanouosfarelosdecimadela.

Mas,meubem,eunãoimagineiisso.Nãoteriasidocapazde

imaginarnemametade.

Henrypôsa valiseno sofá atrásdeumaalmofada, sacudiu

outra e levou uma terceira até a poltrona. Neste meio tempo,

Clarissanãodesistiadeatrairsuaatenção.

Émesmo incrível - comentou. - Nunca realmente acontecia

nada em minha vida, e hoje aconteceu tudo de uma vez.

Assassinato, polícia, viciados em drogas, tinta invisível, escrita

secreta... Por pouco não vou presa por homicídio e por muito

pouconãoacaboestrangulada.

Page 230: Agatha christie - a teia da aranha

- Fez uma pausa e olhou para Henry. - Pensando bem,

querido,achoquefoiosuficienteparaumanoitesó.

Agoraváfazerocafé,meubem-respondeuHenry.-Amanhã

podeabrirdenovosuaencantadoratorneirinhadeasneiras.

Exasperada,Clarissaindagou:

Masvocênãosedáconta,Henry,dequeestanoiteeuquase

fuiassassinada?

Henryolhouparaorelógio.

Tanto Sir John como Sr. Jones podem chegar a qualquer

minuto-disseansiosamente.

Tudooqueeupasseiestanoite...-recomeçouClarissa.-Ah,

meubem,issomefazlembrarSirWalterScott.

Issooquê?-indagouHenry,demodovago,aoolharemvolta

ecertificar-sedequeagoratudoestavaemseudevidolugar.

Minhatiamefezaprenderdecor-rememorouClarissa.

Henryfitou-acomolharindagador,eelarecitou:

"Ó,comoateiaseemaranha,seoludíbrioéoprimeirofio."

Derepente,prestandoatenção,Henryabraçouaesposapela

cintura.

Minhaadorávelaranha!-disse.

ClarissaenvolveuopescoçodeHenryemseusbraços.

Page 231: Agatha christie - a teia da aranha

Sabe o que as aranhas fazem? - indagou. - Devoram seus

maridos!-Roçouasunhasnopescoçodele.

É bemmais fácil eu devorar você - respondeu Henry, com

paixão,aobeijá-la.

Desúbito,acampainhadafrentetocou.

Sir John! - ofegouClarissa, afastando-se em sobressalto de

Henry,queexclamouaomesmotempo:

Sr.Jones!

ClarissaempurrouHenryparaaportadohall.

Vá atender a porta - ordenou ela. - Eu deixo o café e os

sanduíchesnohall,evocêpodetrazerparacáquandoforocaso.

Agora começam conversas de alto escalão. - Ela beijou a ponta

dos dedos e tocou de leve nos lábios de Henry. - Boa sorte,

querido.

Boasorte - respondeuHenry.Virou-separasair,masentão

se voltou de novo. - Quero dizer, obrigado. Fico pensando qual

dosdoischegouprimeiro. -Ágil,eleabotoouocasaco,ajeitoua

gravataecorreuparaabriraporta.

Clarissapegouoprato e a tigela; estavaquase entrandono

hallquandoparouaoouvirasaudaçãocalorosadeHenry,"Boa

noite, Sir John". Ela hesitou um pouco, correu à estante e

acionouaalavanca.Aportasecretaabriu;Clarissadeuumpasso

atráseseescondeu.

Na bruma demistério, Clarissa sai de cena - declamou ela

num sussurro teatral ao sumir no esconderijo, uma fração de

Page 232: Agatha christie - a teia da aranha

segundoantesdeHenryentrarnasalacomoprimeiro-ministro.

Page 233: Agatha christie - a teia da aranha

SobreaAutora

AgathaChristieiniciousuabrilhantecarreiraliteráriacomo

livro “Omisterioso casodeStyles”em1921.Desdeseuprimeiro

romance, revelou uma habilidade fantástica para arquitetar um

mistério policial, engendrando uma série de pistas falsas. Ao

mesmo tempo, demonstrava um notável senso de observação

psicológica.

NascidaemTorquay,na Inglaterra,emsetembrode1891,

Agatha Mary Clarissa Miller era filha de mãe inglesa e pai

americano, que morreu quando ela ainda era bem criança. Na

infânciae juventude,dedicou-secomentusiasmoàleitura,e logo

descobriu seusautorespreferidos.Emvezdehistóriasdeamor,

seu interessevoltava-separaCharlesDickenseConanDoyle,o

criadordeSherlockHolmes.

Seusconhecimentosdequímica,poçõesevenenos,quetêm

papelrelevanteemquasetodasassuastramas,foramadquiridos

quando trabalhou como voluntária em um hospital da Cruz

Vermelha, durante a Primeira Guerra Mundial, ajudando

especialmenteosrefugiadosbelgas.

Dame Agatha sempre foi excelente cozinheira, gostava da

vidadomésticaeodiavaapublicidadeeasocasiõesemquetinha

de aparecer em público. Construía seus mistérios caminhando

pelos parques ou devorando maças em grande quantidade,

durante seus banhos de imersão. Lia muita poesia moderna e

detestava o revólver e o punhal: “Prefiro as mortes por

envenenamento”,costumavadeclarar.

“Aparticipaçãodo leitorêessencial.Eledevedesvendaro

mistério lentamente, como se estivesse sendo envenenado.” Tão

traduzida quanto Shakespeare, com quase quatrocentosmilhões

Page 234: Agatha christie - a teia da aranha

deexemplaresvendidos,a“damadocrime”éaresponsávelpela

quarta tiragemmundial de todos os tempos: à sua frente estão

apenasLênin,JúlioVerneeLievTolstói.

Ao falecer, em 1976, deixou uma obra que continua a

mereceraadmiraçãodeleitoresdomundointeiro.