Agatha christie - a teia da aranha
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Como foi que o corpo do desagradável Oliver Costello
apareceu na sala da casa de campo do distinto casal Henry e
Clarissa Hailsham-Brown? A chuvosa tarde de março decorria
tranquila, e nenhuma das pessoas lá presentes parecia ter
interesse no crime. Acreditando tratar- se de um acidente,
Clarissadecideesconderocadáver.Estáàsvoltascomapenosa
tarefa quando surge o inspetor Lord, um diligente policial que
recebeuumtelefonemadenunciandoohomicídio.
Esteéoromance-atéhojeinéditonoBrasil-queoescritor
CharlesOsborneadaptouapartirdapeçadecomédiaemistério
homônimodeAgathaChristie,de1954.Bem-humorado,comum
enredorepletodetruquesereviravoltas,Ateiadaaranhafaráa
delíciadosfãsdaRainhadoCrime.
ATEIADAARANHA
CharlesOsborne
Álibi,aprimeirapeçadeAgathaChristieaserencenada,com
estreianoPrinceofWalesTheatre,emLondres,emmaiode1928,
nãofoiescritapelaprópriaChristie.Consistiaemumaadaptação
deMichaelMortondanovelapolicialdeAgathaOassassinatode
Roger Ackroyd, de 1926, com Charles Laughton no papel de
Hercule Poirot. Christie não apreciou a peça nem a atuação de
Laughton.Devido,emgrandeparte,àsuainsatisfaçãocomÁlibi,
Agatha decidiu levar Poirot ao palco numa peça escrita por ela
mesma.Apeçaresultante,Cafépreto,estreouem1930eficouem
cartazporváriosmesesnoSt.Martin'sTheatre,emLondres.
Sete anos se passaram até Agatha Christie escrever a peça
seguinte,Akhnaton.Nãoeraummistério,massimahistóriado
antigo faraó que tentou persuadir um Egito politeísta a se
converteraocultodeumsódeus,odeus-solAton.Akhnatonnão
chegouaospalcoseficouesquecida.Trintaecincoanosdepois,
durante uma limpeza da casa ao fim do inverno, a autora
reencontrouotextoeopublicou.
Emboraem1928nãotivessegostadodeÁlibi,ao longodos
anos Agatha Christie permitiu que mais cinco de suas obras
fossemadaptadasaoteatroporoutrasmãos.Aprimeiradessasfoi
Love From a Stranger (1936), adaptada do conto O chalé do
rouxinolporFrankVosper,galãdoteatronosanos1920e1930,
queinterpretouopapelprincipal.Anovelade1932comHercule
Poirot,Acasadopenhasco,tornou-sepeçahomônimaem1940,
adaptadaporArnoldRidley,conhecidopelaautoriadeTheGhost
Train, peça de sucesso na época. Com Assassinato na casa do
pastor,dramatizaçãode1949porMoieCharleseBarbaraToyda
novelahomônimade1940,outrafamosapersonagemdeAgatha
Christie,MissMarple,estreounospalcos.
Desiludidacomumaouduasdessasadaptaçõesaoteatropor
outrosroteiristas,em1945AgathaChristiecomeçouelamesmaa
adaptar ao teatro algumas de suas novelas já publicadas. O
mistérioOcasodosdeznegrinhos(títulomaistardemodificado,
por razões óbvias, para Então não sobrou nenhum) virou
espetáculodemuitosucessotantoemLondres,em1943,quanto
emNovaYorknoanoseguinte.
AadaptaçãoporChristiedeEncontromarcadocomamorte,
novelapolicialpublicadaem1928, foiencenadaem1945.Duas
outras novelas posteriormente transformadas em peças pela
autora foram Morte no Nilo (1937), encenada em 1945 com o
título Assassinato no Nilo, e A mansão Hollow, publicada em
1946 e encenada em 1951. Essas três novelas tinham como
protagonistaHerculePoirot,mas,aoadaptá-lasaoteatro,Christie
removeu Poirot. "Acostumei-me a ter Poirot em meus livros",
comentouelasobreumadessaspeças,"eassimelenaturalmente
entrou neste, porém acabou meio deslocado. Ele cumpriu bem
seupapel,masfiqueipensandoseolivronãoseriamelhorsema
suapresença.Assim,aoescreverapeça,elimineiPoirot."
SeguindoAmansãoHollow,AgathaChristieverteunãouma
novela,masocontoTrêsratoscegos,quehaviasidoadaptadoda
rádio-novela escrita por ela em1947 emhomenagemaumade
suasmaioresfãs,aRainhaMaria,viúvadoreibritânicoGeorgeV.
A rainha, naquele ano em que celebrava seu octogésimo
aniversário,haviaencarregadoaBBCdaproduçãodeumarádio-
noveladeAgathaChristie,eTrêsratoscegosfoioresultado.Para
a adaptação ao teatro, escolheu-se um novo título, pinçado de
Hamlet, de Shakespeare. Durante a performance que Hamlet
promove perante Cláudio e Gertrudes, o rei indaga "Como se
chamaapeça?",aoqueHamletresponde"Aratoeira".Aratoeira
estreouemLondresemnovembrode1952,eseuprodutor,Peter
Saunders, disse a Christie que esperava uma temporada
duradoura,deumanoouatémesmodequatorzemeses."Nãovai
durartantotempo",retorquiuaautoradapeça."Nomáximooito
meses".Cinquenta e seis anosdepois,A ratoeirapermanece em
cartaz-epodeserquepermaneçaparasempre.
Poucas semanas depois da estreia de A ratoeira, Saunders
sugeriuaAgathaChristieaadaptaçãoaopalcodeoutrodeseus
contos, Testemunha da acusação. Imaginando ser uma tarefa
muitodifícil,elarecomendouaSaundersquetentasseelemesmo.
Ditoe feito:emseudevidotempo,ele lheapresentouoprimeiro
rascunho da peça. Após a leitura, Christie disse-lhe que não
consideravaaadaptaçãoboaosuficiente,masquesemdúvidalhe
mostraraocaminho.Seissemanasdepois,estavaprontaapeça
quemais tardeChristie considerariaumadesuasmelhores.Na
noite de abertura, em outubro de 1953, no Winter Garden
Theater, em Drury Lane, a plateia ficou enfeitiçada pela
engenhosi- dade do final surpreendente. Testemunha da
acusação foi encenada em 468 espetáculos, e em Nova York
desfrutoudetemporadaaindamaislonga:646espetáculos.
Pouco depois do lançamento de Testemunha da acusação,
AgathaChristie concordouemescreverumapeçaparaaestrela
britânica Margaret Lockwood, que desejava um papel para
explorarseutalentoparaacomédia.Oresultadofoiumadeliciosa
comédia demistério, A teia da aranha, que lançoumão douso
satíricodaquelevelhoestratagemarangedor,apassagemsecreta.
Em dezembro de 1954, a peça estreou no Savoy Theatre, onde
permaneceu em cartaz por 774 espetáculos, rivalizando comAs
ratoeiras Testemunha da acusação. Agatha Christie tinha três
sucessosteatraissimultâneosemcartazemLondres.
Paraopróximoempreendimentoteatral,Christieadaptou,em
colaboraçãocomGeraldVerner,HoraZero,novelapolicialescrita
dezanosantes.EstreandonoSt.James'sTheatreemsetembrode
1956,rendeuumatemporadarespeitáveldeseismeses.Aautora,
entãopertodossetentaanos,continuavaaproduzirpelomenos
umromancepolicial e várioscontosporano,alémde trabalhar
em sua autobiografia. Ela escreveria ainda cinco peças, todas -
com exceção deuma - compostas especialmente para o teatro e
não adaptadas de seus livros. A exceção foi Retorno ao
assassinato, versão teatral do mistério de 1943 com Hercule
Poirot, Os cinco porquinhos. Com Hercule Poirot outra vez
suprimido da trama, o investigador passou a ser um advogado
jovemeatraente.ApeçaestreounoDuchessTheatreemmarçode
1960,masfoicanceladaapós31espetáculos.
Suas quatro peças remanescentes, todos escritas
originalmente para o teatro, foram Veredito, O visitante
inesperado (ambas estrearam em 1958), Rule of Three (1962) e
FiddlersThree(1972).RuleofThreeconsistenaverdadeemtrês
peças de um ato, não interconectadas; a última delas, The
Patient, éumexcelente thriller, comuma fala final insuperável.
Entretanto,opúblico ficou longedesseespetáculode trêspeças
separadas, e Rule of Three encerrou atividades no Duchess
Theatreapósdezsemanasemcartaz.
O derradeiro trabalho deChristie no teatro, Fiddlers Three,
nem ao menos foi encenado em Londres. Excursionou pelo
interiordaInglaterraem1971comotítuloFiddlersFive,saiude
cartaz para ser reescrita e foi reencenada no Yvonne Arnaud
Theatre, Guildford, em agosto de 1972. Depois de algumas
semanas bem-sucedidas de excursão, não conseguiu uma sala
adequadaemLondreseencerrouaexcursãopelointerior.
Veredito,queestreounoLondon'sStrandTheatreemmaiode
1958, é incomum porque, embora aconteça um assassinato na
peça,nãohámistériointrínseco-ocrimeécometidoperanteos
olhosdaplateia.Canceladaapósummêsemcartaz,suaotimista
autoracomentou:"Estoucontente,aomenossaiuumaboacrítica
noTheTimes".Deimediatocomeçouacomporumanovapeçaea
completou em quatro semanas. Tratava-se de O visitante
inesperado,que,depoisdeumasemanaemBristol,mudou-seao
DuchessTheatre,emLondres,ondeestreouemagostode1958e
teve uma temporada satisfatória de dezoito meses. Com seu
diálogo cortante e eficiente e sua trama repleta de surpresas,
apesardeeconômicaenãomuitocomplexa,éumadasmelhores
peçasteatraisdeAgathaChristie.Oentusiasmodasresenhasfoi
unânime, e hoje, mais de quarenta anos depois, ganhou novo
soprodevidaemformadenovela.
Poucosmesesantesdesuamorteem1976,AgathaChristie
consentiu com a adaptação ao palco feita por LeslieDarbon de
suanovela de 1950,Convite paraumhomicídio, protagonizada
por Miss Marple. Quando a peça chegou aos palcos
postumamenteem1977,acríticadoFinancialTimespreviuque
ficariaemcartaztantoquantoAratoeira,oquenãoaconteceu.
Em 1981, Leslie Darbon adaptou outra novela de Christie,
Cartasnamesa,ummistériocomPoirotpublicado45anosantes.
Seguindoo exemplodaautora,DarboneliminouPoirotda lista
daspersonagens.Atéhoje,nãohouvenenhumaoutraadaptação
das novelas de Agatha Christie. Com Café preto, O visitante
inesperadoe,agora,A teiadaaranha, inicieiuma tendênciana
direçãooposta.
Capítulo1
CopplestoneCourt,arequintadaesetecentistacasadecampo
deHenryeClarissaHailsham-Brown,situadanascolinassuaves
do interiordeKent,pareciabonitamesmoao fimdeuma tarde
chuvosa de março. No térreo, na sala de estar finamente
mobiliada, com portas de vidro para o jardim, dois homens
estavamempéjuntoaumamesaestreitaencostadaàparedena
qualdescansavaumabandejacomtrêstaçasdevinhodoPorto,
cadauma comumnúmero: um, dois e três. Tambémhavia na
mesaumlápiseumafolhadepapel.
SirRowlandDelahaye,cinquentãodeaparênciadistinta,com
modos agradáveis e refinados, sentou-se no braço de uma
confortável cadeira. Em seguida, Hugo Birch, sexagenário com
tendênciaaserumtantoirascível,colocouumavendanosolhos
de Sir Rowland e entre- gou-lhe uma das taças. Sir Rowland
bebeu,avaliouporuminstanteedisse:
Achoque...sim...comcerteza...sim:éoDow42.
Murmurando"Dow42",Hugorepôsataçanamesa,anotoue
entregoua taçaseguinte.Denovo,SirRowlandsorveuovinho.
Fezumapausa,tomououtrogoleeacenoucomacabeçademodo
afirmativo.
Agora,sim-afirmouconvicto.-Istoqueéumbomvinhodo
Porto.-Tomououtrogole.-Nãohádúvida:Cockburn27.
DevolveuataçaaHugoeacrescentou:
Imaginesó,ClarissadesperdiçarumagarrafadeCockburn27
numaprova tola como esta. É um sacrilégio, semdúvida.Mas,
enfim,mulheresnãoentendemnadadevinhodoPorto.
Hugopegouataça,anotouoveredictonopapelsobreamesa
eentregouaterceirataçaaoamigo.Apósumgolerápido,areação
deSirRowlandfoiimediataeviolenta.
Argh! - exclamoucomrepugnância. -RichRuby,umvinho
"tipoporto".NãoseicomoClarissatemumacoisadestasemcasa.
Apósteraopiniãodevidamenteregistrada,tirouavendados
olhos.
Agoraéasuavez-disseparaHugo.
Tirando os óculos de aros de tartaruga,Hugo permitiu que
SirRowlandcolocasseavendaemseusolhos.
Bem, calculo que ela use esse porto barato paramarinar a
lebreoudarsaboràsopa-sugeriu.-NãoacreditoqueHenrya
deixeoferecê-loaosconvidados.
Pronto, Hugo - afirmou Sir Rowland, terminando de atar a
vencianosolhosdoamigo.
Talvez eudevagirar você três vezescomono jogodacabra-
cega - falou, conduzindo Hugo até a cadeira de braços e o
ajudandoasentar.
Vácomcalma-reclamouHugo, tateandoacadeiraatrásde
si.
Tudocerto?-perguntouSirRowland.
Sim.
Então,emvezdissovoumudaraposiçãodastaças-disseSir
Rowland,girandodeleveastaçasnamesa.
Não precisa - disse Hugo. - Acha que possome influenciar
pelo que você disse? Entendo tanto de vinho do Porto quanto
você,emqualquerdiaehora,meucaroRoly.
Não esteja tão certo disso. Seja como for, um homem
prevenidovalepordois-insistiuSirRowland.
Quando estava quase entregando uma das taças aHugo, o
terceiroconvidadodosHailsham-Brownentroudojardim.Jeremy
Warrender, jovem atraente de seus vinte e poucos anos, vestia
umacapade chuvapor cimada roupa.Ofegante e visivelmente
semfôlego,rumouaosofáeestavaprontoparadeixar-secairnele
quandopercebeuoqueestavaacontecendo.
O que diabo vocês dois estão inventando? - perguntou ao
tiraracapaimpermeáveleocasaco.-Ojogodastrêscartascom
taças?
Que foi isso? - quis saber o vendado Hugo. - Parece que
alguémdeixouentrarumcachorronasala.
ÉsóojovemWarrender-garantiuSirRowland.
Comporte-se.
Ah,tiveaimpressãodequeeraumcachorroarfandodepois
deperseguirumcoelhodisseHugo.
Fuitrêsvezesaoportãodochaléevolteidecapadechuva-
explicou Jeremy ao afundar pesadamente no sofá. - Ao que
consta,odiplomataherzoslovacofezessepercursoem4minutos
e 53 segundos, como peso extra da capade chuva.Corri tudo
que pude, mas não consegui em menos de 6 minutos e 10
segundos. E não acredito que ele tenha conseguido. Só Chris
Chattaway conseguiria fazer nesse tempo, com ou sem capa de
chuva.
Quemlhecontousobreodiplomataherzoslovaco?
PerguntouSirRowland.
Clarissa.
Clarissa!-exclamouSirRowland,rindodisfarçadamente.
Ah,Clarissa-bufouHugocomdesdém.
NãodevedarcréditoalgumaoqueClarissafala.
Aindarindoconsigo,SirRowlandprosseguiu:
Acho que você não conhece muito bem sua anfitriã,
Warrender.Éumamoçadeimaginaçãomuitofértil.
Jeremylevantou-se.
Querdizerqueelainventoutodaessahistória?
Perguntouindignado.
Elaébemcapazdisso-respondeuSirRowlandaoentregar
umadastrêstaçasparaoaindavendadoHugo.
Ébemotipodepiadaqueelagosta.
Émesmo?Esperematé eume encontrar comessamoça—
prometeu Jeremy. - Ela vai ouvir poucas e boas. Nossa, estou
exausto.-Ecaminhouapassoslargosepompososrumoaohall,
levandoacapadechuva.
Parederesfolegarcomoumamorsa-reclamouHugo.-Estou
tentandomeconcentrar.Umanotadecincolibrasestáemjogo.
Rolyeeutemosumaapostaemandamento.
Verdade? E qual é? - indagou Jeremy, retornando para se
empoleirarnobraçodosofá.
ParaverqueméomelhoravaliadordevinhodoPorto-disse-
lheHugo.-TemosCockburn27,Dow42eomelhordamercearia
local.Silêncioagora.Istoéimportante.-Experimentouaprimeira
taçaedepoismurmuroucomindiferença:-Hum...ah.
Eentão?-indagouSirRoland.-Jádecidiuqualé?
NãomeapresseRoly-exclamouHugo.-Nãomefaçacolocar
ocarronafrentedosbois.Cadêopróximo?
Elemanteveataçanamãoenquantooutralheeraentregue.
Bebeuedeclarou:
Sim, tenho certeza absoluta sobre estes dois. - Cheirou as
duastaçasmaisumavez.-OprimeiroéoDow.
Decidiuaoentregarumataça.-OsegundoéoCockburn
Prosseguiu,devolvendoaoutrataça.
SirRowlandrepetiu,enquantoanotava:
Taçanúmerotrês,oDow;taçanúmeroum,oCockburn.
Bem,neméprecisoprovaro terceiro-afirmouHugo-,mas
achomelhoriratéofim.
Tomeaí-disseSirRowland,entregandoaúltimataça.
Depois de beber, Hugo deixou escapar uma exclamação de
supremonojo.
Ugh!Queporcariaintragável.-DevolveuataçasirRowland,
puxouum lençodobolsoe enxugouos lábiosparase livrardo
gostoruim.-Vailevarumtempoparaogostodessetroçosairde
minhaboca-reclamou.-Tire-meavenda,Roly.
Podedeixar-ofereceu-seJeremy,levantando-seeindoatrás
dacadeiradeHugoparadesataravenda.SirRowland,pensativo,
bebeuaúltimadastrêstaçasantesderepousá-lanamesa.
Hugo,vocêachaissomesmo?Taçanúmerodois,ovinhoda
mercearialocal?-Elebalançouacabeça.-Besteira!EsseéoDow
42,nãotenhonenhumadúvidadisso.
Hugocolocouavendanobolso.
Tsc,tsc!Vocêperdeuopaladar,Roly-declarou.
Deixe-metentar-propôsJeremy.Indoatéamesa,tomouum
goledecadataça.Hesitou,bebeucadaumadenovoeadmitiu:-
Bem,paramimtodostêmomesmogosto.
Essajuventude!-criticouHugo.-Tudoculpadessemaldito
gimquevocêsnãoparamdebeber.Estragatotalmenteopaladar.
NãoésómulherquenãosabedistinguirvinhodoPorto.Nosdias
dehoje,nenhumhomemcommenosdequarentaanossabe.
AntesqueJeremytivesseoportunidadederesponder,aporta
da biblioteca se abriu, e Clarissa Hailsham-Brown, uma linda
morenapertodostrintaanos,entrou.
Olá,meus amores - saudou ela, dirigindo-se sir Rowland e
Hugo.-Játerminaram?
Sim,Clarissa-assegurouSirRowland.-Estamosprontos.
Sei que tenho razão - disse Hugo. - O número um é o
Cockburn,odoiséaimitaçãoeotrêséoDow.Certo?
Bobagem - exclamou Sir Rowland, antes que Clarissa
pudesseresponder.-OuméoDow,odoiséoCockburneotrês
éaimitação.Estoucertoounão?
Queridos! - foi a única e pronta resposta deClarissa. - Ela
beijouprimeiroHugo,depoisSirRowlandeprosseguiu: -Agora
podemlevarabandejadevoltaparaasaladejantar.Agarrafade
cristalestánoaparador.-Sorrindoconsigo,escolheuumatrufa
dabomboneira.
Sir Rowland pegou a bandeja com as taças. Prestes a sair,
estacou.
Agarrafa?-perguntoucircunspecto.
Clarissasentou-senosofá,aninhando-seemcimadospés.
Sim. Só uma garrafa - respondeu com uma risadinha. - É
tudoomesmovinho.
Capítulo2
ArevelaçãodeClarissaprovocoudiferentesreaçõesemcada
umdospresentes.Jeremydeuboasgargalhadas,cruzouasalae
beijouaanfitriã,enquantoSirRowlandficouboquiaberto,eHugo
pareceuindecisosobrequeatitudetomarporelaterfeitoosdois
debobos.
QuandoSirRowlandenfimencontroupalavras,foramestas:
Clarissa,sua impostorasemescrúpulos.—Masseutomfoi
afetuoso.
Bem—respondeuClarissa-,choveuatardetoda,evocêsnão
podiam jogar golfe. Precisavam se divertir um pouco e se
divertiramcomisso,nãoémesmo,queridos?
Caramba! - exclamouSirRowland, levandoabandeja até a
porta. - Devia se envergonhar por expor assim seus velhos e
queridos amigos. Acontece que só o jovem Warrender aqui
adivinhouquetodasastaçastinhamomesmoconteúdo.
Hugo, que a esta altura estava rindo, acompanhou-o até a
porta.
Diga-me,quem foi? -perguntou,abraçandooombrodeSir
Rowland.-QuemfoiquedissequereconheciaumCockburn27
emqualquerlugar?
Não tem importância, Hugo - respondeu, resignado, Sir
Rowland-,depoisvamosbebermaisumpoucodaquilo,sejaláo
quefor.-Conversando,osdoissaírampelaportaquedavaparao
hall,eHugofechouaportaatrásdeles.
Jeremypostou-sedefronteaosofá.
Poisbem,Clarissa-disseemtomdecensura.-Quehistóriaé
essadediplomataherzoslovaco?
Clarissaolhou-ocominocência.
Quetemele?-indagou.
Apontandoodedoparaela,Jeremyfalouclaroedevagar:
Elecorreutrêsvezesaoportãodochaléevoltou,comcapade
chuva,em4minutose53segundos?
Clarissarespondeucomumsorrisodoce:
O diplomata herzoslovaco é um amor, mas já passou dos
sessenta faz tempo, e duvido muito que nos últimos anos ele
tenhafeitoalgumacorrida.
Entãoémesmotudoinvençãosua.Bemquemedisseramque
issoeraprovável.Masporquê?
Bem-disseClarissa,osorrisoaindamaisdoce-,vocêiaficar
reclamandoodia todopornão ter feito exercício suficiente. Por
isso,acheiqueaúnicacoisaoportunaa fazereraajudarvocêa
praticar algum. Não ia adiantar nada eu sugerir uma corrida
puxadanomeiodobosque,maseusabiaquevocêreagiriaaum
desafio.Entãoinventeialguémcomquemvocêpudessecompetir.
Jeremysoltouumcômicosuspirodeexasperação.
Clarissa-indagoualgumavezvocêfalaaverdade?
Claro que sim... às vezes - admitiu Clarissa. -Mas quando
falo a verdade parece que ninguém acredita em mim. É muito
estranho.-Pensouuminstanteeprosseguiu:-Quandoagente
inventaalgo,achoquenosdeixamoslevar,etudosetornamais
convincente.-Eladeslizouatéasportasdevidro.
Eu poderia ter arrebentado um vaso sanguíneo reclamou
Jeremy.-Apostoquevocênemiadarbola.
Clarissariu.Aoabrirasportasdevidro,comentou:
Achomesmoquevailimpar.Vamosterumanoiteagradável.
Que cheirinho bom tem o jardimdepois da chuva. - Curvou-se
paraforaefarejouoar.-Narcisos.
Elafechouasportasdenovo,eJeremyseaproximou.
Gostamesmodemorarnointerior?-perguntou.
Adoro.
Masdevesentirumtédiomortal!-exclamouele.
Não combinacomvocê,Clarissa.Deve sentirmuita faltado
teatro.Soubequevocêeraapaixonadaporteatroquandoeramais
jovem.
Sim,euera.Masdouumjeitodecriarmeupróprioteatropor
aquimesmo-disseClarissacomumarisada.
MaspodiaestarlevandoumavidaanimadaemLondres.
Clarissariudenovo.
Oquê...festaseboates?-perguntouela.
Sim, festas. Você daria uma ótima anfitriã - disse Jeremy,
rindo.
Elaoencarou.
Sei, comonaqueles romancesdoperíodoeduardiano -disse
ela.-Dequalquermaneira,festasdiplomáticassãoextremamente
monótonas.
Mas é um desperdício tão grande, você escondida aqui -
insistiu Jeremy, chegando mais perto e tentando pegar a mão
dela.
O que está sendo desperdiçado... eu? - indagou Clarissa,
recolhendoamão.
Sim-respondeuelecomfervor.-EcomHenry.
O que tem Henry? - Clarissa entretinha-se afofando a
almofadadeumapoltrona.
Jeremyolhou-acomfirmeza.
Não consigo entender por que você se casou com ele -
respondeu,criandocoragem.-Ébemmaisvelhoquevocêetem
uma filha em idade escolar. - Curvou-se sobre a cadeira de
braços, ainda observando-a de perto. - Uma pessoa ótima, sem
dúvida,masrealmente,umpedante.Sempredenarizempinado.-
Parou,esperandoumareação.Comonãohouve,emendou:-Eleé
umchato.
Elapermaneceucalada.Jeremyvoltouàcarga.
Enão temumpingode sensodehumor - resmungou com
certapetulância.
Clarissaolhouparaele,sorriu,masnãodissenada.
Achaqueeunãodevodizeressascoisas,nãoé?-comentou
Jeremy.
Clarissasentou-senapontadeumbanquinhocomprido.
Ah,eunãoligo-afirmou.-Podedizeroquequiser.
Jeremysentou-seaoladodela.
Você se dá conta então de que cometeu um engano? -
indagouansioso.
Masnãocometienganonenhum-foiarespostadeClarissa,
enunciadaemvozmacia.Eacrescentouprovocante:
Vocêestátomandoliberdadescomigo,Jeremy?
Semdúvida-foiarespostaimediata.
Que adorável - exclamou Clarissa, cutucando-o com o
cotovelo.-Continue.
Acho que sabe o que sinto por você, Clarissa, respondeu
Jeremy,umtantomelancólico.
Masestáapenasbrincandocomigo,não?Flertando.Émais
um de seus joguinhos. Querida, não pode me levar a sério ao
menosumavez?
Sério? O que há de tão bom em ser "sério"? - respondeu
Clarissa.-Jáexisteseriedadedemaisnestemundo.Gostodeme
divertiregostoquetodosaomeuredorsedivirtamtambém.
Jeremysorriucomcertamágoa.
Estariamedivertindobemmaisnestemomento se vocême
levasseasério-observou.
Ah,parecomisso-pediuela,brincalhona.
Claroqueestásedivertindo.Vocêénossoconvidadoparao
fim de semana, junto com meu adorável padrinho Roly. Para
completar, o velho e amável Hugo também veio confra-ternizar
estanoite.EleeRolysãotãoengraçadosjuntos.Nãopodedizer
quenãoestásedivertindo.
Claroqueestoumedivertindo-admitiuJeremy.
Masvocênãovaimedeixardizeroqueeu realmentequero
lhedizer.
Nãosejainfantil,querido-respondeuela.-Sabemuitobem
quepodedizeroquequiserparamim.
Verdade?Temcertezadisso?-perguntou.
Claro.
Poismuitobem-disseJeremy.Levantou-sedobancoeolhou
paraela.-Euteamo-afirmou.
Ficomuitocontente-respondeuClarissacomvivacidade.
Nãopodiahaver respostamais errada - reclamouJeremy. -
Deviadizer"Sintomuito"emvozsinceraecompreensiva.
Mas não sinto muito - insistiu Clarissa. - Eu me alegro
muito.Gostoqueaspessoasseapaixonempormim.
Jeremysentouaoladodeladenovo,masvirouorosto.Agora
ele aparentava profunda decepção. Obser- vando-o um pouco,
Clarissaindagou:
Fariaqualquercoisanestemundopormim?
Volvendooolharparaela,Jeremyrespondeuansioso:
Sabequesim.Qualquercoisa.Qualquercoisanestemundo-
afirmou.
Verdade? -disseClarissa. -Vamossupor,por exemplo, que
eumatassealguém,vocêmeajudaria...não,émelhoreuparar.
Clarissaseergueuedeualgunspassos.Jeremyaseguiucom
osolhos.
Continue,porfavor-incitouele.
Depoisdeumabrevehesitação,elacomeçouafalar.
Antesmeperguntouseavidaaquino interiornãomedava
tédio.
Foi.
Bem,vamosdizerque,decertaforma,sim-admi-étiu.-Ou
melhor,poderia,nãofossemeuhobbysecreto.
Hobbysecreto?Comoassim?-perguntouJeremyintrigado.
Clarissarespiroufundo.
Vejabem,Jeremy-disseela-,minhavidasemprefoipacata
e feliz.Nuncaalgo excitanteaconteceucomigo, então comecei a
fazermeujoguinho.Chama-se"Imagina".
"Imagina"?-indagouJeremy,tomadodecuriosidade.
Sim-disseClarissa,começandoaandardeumladoparao
outro na sala. - Por exemplo, eu poderia dizer a mim mesma,
"Imagina se uma bela manhã eu descesse e encontrasse um
cadáver na biblioteca, o que eu faria?".Ou "Imagina se umdia
aparecesse uma mulher dizendo que ela e Henry haviam se
casadoemsegredoemConstantinoplaequenossocasamentoera
bígamo,oqueeudiriaaela?".Ou"Imaginaseeutivesseseguido
meusimpulsosemetornadoumaatrizfamosa?"Ou"Imaginase
eu precisasse escolher entre trair meu país ou ver Henry ser
baleadobemnaminhafrente?".Entendeoqueeuquerodizer?
SorriuderepenteparaJeremy.
Ou mesmo... - Ela se acomodou na cadeira de braços. -
"ImaginaseeufugissecomJeremy,oqueaconteceria?"
Jeremyajoelhou-seaoladodela.
Estoulisonjeado-disse.-Masalgumavezimaginoumesmo
essasituaçãoemespecial?
Ah,sim-respondeuClarissa,sorrindo.
Eoqueaconteceu?-elepegouamãodela.
Elarecolheuamãonovamente.
Deixe-mever, aúltimavez emqueeu joguei, estávamosem
Juan lesPins,naRiviera,eHenryveioatrásdenós.Eleestava
armadocomumrevólver.
Meu Deus! - exclamou Jeremy estupefato. - Ele atirou em
mim?
Clarissasorriuaorecordar.
Quemelembre-contou-eledisse...-Paroue,adotandoum
estilodramático,prosseguiu:-"Clarissa,ouvocêvoltacomigo,ou
eumemato".
Jeremylevantou-seeseafastou.
Muito conveniente da parte dele - comentou, sem se
convencer. - Não consigo pensar em algo menos parecido com
Henry.Mas,enfim,oquevocêrespondeu?
Na verdade, joguei de duas maneiras - admitiu Clarissa,
ainda sorrindo de satisfação. - Numa vez disse aHenry que eu
sentiamuito.Eunãoqueriamesmoqueelesematasse,maseu
estava profundamente apaixonada por Jeremy, e nadame faria
mudardeideia.Henryseatirouaosmeuspés,soluçando,maseu
permaneciirredutível.Disseaele:"Gostodevocê,Henry,masnão
posso viver sem Jeremy. Adeus." Saí apressada para o jardim,
onde vocême esperava.Quandodescíamos correndoo caminho
atéoportãodafrente,ouvimosumtironointeriordacasa,mas
continuamossemolharparatrás.
Minhanossa! -admirou-seJeremy,sem fôlego. - Issoéque
eu chamo de contar tudo. PobreHenry. -Meditou um pouco e
prosseguiu:-Masvocêdissequejogoudeduasmaneiras.Oque
aconteceunaoutravez?
Ah,Henryestavatãoarrasadoesuplicoudeummodoqueme
inspirou tanta pena, que eu não tive coragem de abandoná-lo.
DecidiesquecervocêededicarmeusdiasàfelicidadedeHenry.
Jeremyficouemestadodeabsolutadesolação.
Bem, querida - afirmou magoado -, com certeza você se
diverte. Mas, por favor, fale sério um momento. Eu falo sério
quandodigoqueaamo.Enãoédehoje.Vocêdeveterpercebido.
Tem certeza de que não tenho chance? Quer mesmo passar o
restodesuavidacomovelhoetediosoHenry?
Clarissa não precisou responder devido à chegada de uma
criança alta e magricela, de uns doze anos de idade, vestindo
uniforme escolar e carregandoumamochila. Ao entrar na sala,
gritou"Olá,Clarissa!"comoformadesaudação.
Oi,Pippa-respondeuàmadrasta.-Estáatrasada.
Pippalargouchapéuemochilanumapoltrona.
Aulademúsica-explicoulacônica.
Ah,sim-lembrou-seClarissa.-Hojeédiadepiano,nãoé?
Estavainteressante?
Não.Umhorror.Sórepetierepetiexercíciosterríveis.ASrta.
Farrowfalouquefezissoparamelhorarmeudedilhado.Elanão
medeixoutocarosolobonitoquevenhotreinando.Temalgopara
comerporaqui?Estoumorrendodefome.
Clarissalevantou-se.
Nãopegouosbolinhosdesempreparacomernoônibus?
-Ah,sim-admitiuPippa-,masissofoimeiahoraatrás.-A
menina lançou a Clarissa um olhar de súplica quase cômico. -
Possocomerbolooubeliscaralgumacoisaantesdojantar?
PegandonamãodePippa,Clarissaa levouàportadohall,
rindo.
Vamosveroquepodemosfazer-prometeu.
Enquantosaía,Pippaperguntoucontente:
Aindatemaquelebolo...aqueledecerejasporcima?
Não-disseClarissa.-Vocêterminoucomeleontem.
Jeremybalançouacabeça,sorrindo,aoescutarasvozesdas
duassumindonohall.Tãologoasvozesficaramforadoalcance,
eleseencaminhourápidoàescrivaninhaecompressaabriuuma
ouduasgavetas.Contudo,aoouvirderepenteumavozfeminina
chamando com entusiasmo do jardim "Ó de bordo!", teve um
sobressaltoefechourápidoasgavetas.Voltou-seatempodever
umamulhercorpulentaejovial,deunsquarentaanos,comum
trajedetweedebotasdeborracha,abrindoasportasdevidro.Ela
parou ao ver Jeremy. No degrau da porta, perguntou
bruscamente:
ASra.Hailsham-Brown?
Devagar, com ar despreocupado, Jeremy rumou da
escrivaninhaaosofáerespondeu:
Sim, Miss Peake. Ela foi à cozinha providenciar algo para
Pippacomer.AsenhoraconheceoapetitevorazdePippa.
Criançasnãodevemcomerentreasrefeições—foiaresposta,
pronunciadaemtimbreretumbante,quasemasculino.
Vaientrar,MissPeake?-indagouJeremy.
Não,nãovou,porcausademinhasbotas-explicoucomuma
risadacordial.-Eulevariametadedojardimcomigoseentrasse.-
Riudenovo.-Sóiaperguntarqueverduraselavaiquererparao
almoçodeamanhã.
Bem,receioqueeu...-principiouJeremy,quandoMissPeake
ocortou.
Quer saber deuma coisa? - disse ela repentinamente. - Eu
voltomaistarde.
Fezmençãodeseretirar,masentãosevirouparaJeremy.
Ah,osenhorvai tomarcuidadocomessaescrivaninha,não
vai,Sr.Warrender?-indagou,demaneiraperemptória.
Sim,claroquevou-respondeuJeremy.
É uma antiguidade preciosa, sabe - explicou Miss Peake. -
Nãodeveriapuxarasgavetasdessejeitoviolento.
Jeremyficouconfuso.
Mil desculpas. Eu só estava procurando uma folha em
branco.
Nagavetadomeio-vociferouMissPeake,apontandoaofalar.
Jeremyvoltouàescrivaninha,abriuagavetadomeioepegou
umafolhadepapelembranco.
Issomesmo-continuouMissPeake,sendocurtaegrossa.-
Curiosocomoaspessoasmuitasvezesnãoenxergamnemmesmo
oqueestábemnafrentedeseusolhos.
Deuumagargalhadacomgostoeumpassolargodevoltaao
jardim.Jeremyriujuntocomela,mascessouabruptamentetão
logo ela saiu. Estava prestes a voltar à escrivaninha, quando
Pipparetornoumastigandoruidosamenteumbolinho.
Capítulo3
Hum...Que delícia - disse Pippa de boca cheia, fechando a
portaatrásdesielimpandoosdedospegajososnasaia.
Oi-cumprimentouJeremy.-Estavaboaaescolahoje?
-Abominável - respondeu Pippa, contente ao colocar o que
restavadobolonamesa.-HojeteveTópicosInternacionais.-Ela
abriu a mochila. - A professora Wilkinson adora Tópicos
Internacionais.Maselaémuitomolenga.Nãoconseguemantera
disciplinanasaladeaula.
Pippatirouumlivrodamochila,eJeremyperguntou:
Qualsuamatériafavorita?
Biologia - foi a resposta instantânea e entusiasmada de
Pippa. -É oparaíso.Ontemdissecamosapernadeumsapo. -
Levouolivroàfrentedorostodele.-Olhasóoqueeuconsegui
nosebo.Umararidade!Comcertezatemmaisdeumséculo.
Oquevemaseristo?
Étipoumlivrodereceitas-explicouPippa,abrindoolivro.-
Éimpressionante,muitoimpressionante.
Masqualémesmooassunto?-quissaberJeremy.
Pippajáestavaabsortafolheandoolivro.
Oquê?-sussurrou,virandoaspáginas.
Parecemesmomuitoenvolvente-observouele.
Oquê?- repetiuPippa,aindacomaatençãovoltadaparao
livro.E,acadanovapágina,murmuravaconsigo:-Puxavida!
Está na cara que valeu cada centavo - comentou Jeremy,
apanhandoumjornal.
Intrigadacomumtrechoqueestavalendo,Pippaperguntou:
Qualadiferençaentreumaveladeceraeumadesebo?
Jeremyrefletiuuminstanteantesderesponder.
Imagino que a vela de sebo tenha qualidade bem inferior -
disse ele. - Mas, com certeza, não é de comer? Que livro de
receitasestranho.
Muitoentretida,Pippalevantou-se.
"É de comer?" - declamou ela. - Parece o jogo das vinte
perguntas.-Riu,atirouolivronapoltronaebuscouumbaralho
naestantedelivros.-Sabejogarpaciência?-perguntou.
Aessaaltura,Jeremyestavatotalmenteimersonojornal.Sua
únicarespostafoi"Hum".
Pippatentouatrairaatençãodelemaisumavez.
Nãoquerjogarrouba-monte?
Não - respondeu Jeremy com firmeza. Colocou o jornal no
banco,sentou-seàescrivaninhaeendereçouumenvelope.
É,acheimesmoquevocênãoiaquerer-dissePippa,emvoz
baixa e tristonha. Ajoelhando-se no chão no meio da sala,
distribuiuas cartas e começoua jogarpaciência.—Bemquea
gente podia ter umdia bonito para variar - queixou-se.—Que
perdadetempoocampoemdiadechuva!
Jeremyrelanceouoolharnadireçãodela.
Gostademorarnointerior,Pippa?-perguntou.
Muito— respondeu entusiasmada. - É bemmelhor do que
moraremLondres.Estacasaéincrivelmentemágica,temquadra
detênisetudomais.Temosatéumesconderijodepadre.
Umesconderijodepadre?-indagouJeremy,sorrindo.-Nesta
casa?
Temossim!-afirmouPippa.
Nãoacredito—falouJeremy.-Nãoédamesmaépoca.
Pelomenoseuchamodeesconderijodepadre insistiuela.-
Euvoumostrarparavocê.
Elafoiatéoladodireitodaestante,retirouunslivrosepuxou
para baixo uma pequena alavanca na parede atrás dos livros.
Uma seção da parede à direita das prateleiras girou e abriu,
revelando-seumaportaoculta.Atrásdaportahaviaumrecesso
deespaçorazoável,comoutraportaocultanaparededosfundos.
Claro, eu sei que não é bem um esconderijo de padre -
admitiu Pippa. - Mas com certeza é uma passagem secreta. Na
verdade,aquelaportaalidáparaabiblioteca.
Ah, dá? - Jeremy foi investigar. Abriu a porta no fundo da
câmara, deuuma rápida olhadanabiblioteca, fechouaporta e
voltouàsala.-Émesmo.
Masétudomuitosecreto.Seeunãotivessedito,vocênunca
teria adivinhado - disse Pippa ao erguer a alavanca e cerrar a
portaescondida.-Eupassoporalitodahora-prosseguiuela.-É
o tipo do lugar bem conveniente para ocultar um cadáver, não
acha?
Jeremysorriu.
Idealparaisso-concordou.
Pippa voltou ao jogo de cartas no chão. Quando Clarissa
entrounasala,Jeremyergueuoolhar.
AAmazonaprocuraporvocê-informouele.
MissPeake?Ah,tédio-exclamouClarissaaopegarobolode
Pippadamesaedarumamordida.
Pippanamesmahoraselevantou.
Ei,issoémeu!-protestou.
Sua comilona egoísta - murmurou Clarissa, entregando o
restodoboloàmenina.Pippaorepôsnamesaevoltouaojogo.
Primeiro ela me saudou como se eu fosse um navio disse
JeremyaClarissa-edepoismesoltouoscachorros,dizendoque
eudeviacuidarmelhordaescrivaninha.
Elaéumapragadosinfernos-admitiuClarissa,curvando-se
sobreumadaspontasdosofáparasondarascartasdePippa.-
Masacasaéalugada,eelavemjuntocomopacote,porisso...-
CortouedisseaPippa:-Dezpretonovaletevermelho-antesde
concluir - ...por isso tivemosquemantê-la.Em todoo caso, ela
cuidadireitinhodojardimedahorta.
Sei -concordouJeremy,envolvendoClarissacomobraço. -
Esta manhã eu a vi da janela de meu quarto. Escutei uns
grunhidosdeesforço,espieipelajanelaeláestavaaAmazona,no
jardim,cavandoalgoquemaispareciaumaimensacova.
Chama-sesulcamentoprofundo-explicouClarissa.-Senão
meengano,serveparacultivarcouvesoucoisaparecida.
Jeremyinclinou-seafimdeestudarojogodecartasnochão.
Três vermelho no quatro preto - indicou ele a Pippa, que
respondeucomumolharirado.
SaindodabibliotecacomHugo,SirRowlandfitouJeremyde
modo significativo. Discretamente, ele escorregou o braço e
afastou-sedeClarissa.
Até que enfim parece que o tempo vai limpar anunciou Sir
Rowland. - Mas tarde demais para o golfe. Temos apenas uns
vinte minutos de luz. - Baixando os olhos ao jogo de Pippa,
apontoucomopé.-Olhe,estaaquivaiali-disse.Atravessandoa
salaatéasportasdevidro,nãopercebeuoolhar ferozdePippa
emsuadireção.–Bemdisseele,observandoojardim-,achoque
agorapodemosiràsededoclube,seéquevamoscomerporlá.
Voupegarosobretudo-avisouHugoe,aocruzarporPippa,
debruçou-separadarumpalpite.Pippa,enfurecidaaestaaltura,
inclinouocorpoeescondeuascartas.Hugodirigiu-seaJeremy.
Evocê,garoto?-perguntou.-Vemconoscoounãovem?
Sim - respondeu Jeremy. - Só vou pegar o casaco. - Ele e
Hugoentraramjuntosnohall,deixandoaportaaberta.
Temcertezadequenãoseincomodaemjantarestanoiteno
clube,querido?-perguntouClarissasirRowland.
Nemumpouco-garantiu.-Foiumaprovidênciaadequada,
jáqueéanoitedefolgadosempregados.
Elgin, o mordomo de meia-idade dos Hailsham- Brown
entrounasalavindodohalleencaminhou-seaPippa.
O jantar está servido na sala de estudo, Srta. Pippa -
informou.-Leite,frutaseseusbiscoitospreferidos.
Ah,tavanahora!-gritouPippa,levantando-seemumpulo.-
Estouazuldetantafome!
Ela disparou rumo à porta do hall, mas foi bloqueada por
Clarissa,quelhedisseseveramenteparaantesrecolherascartas
eguardá-las.
-Ah,chatice!-exclamouPippa.Retornouàscartas,ajoelhou-
seedevagarinhocomeçouafazerumapilhajuntoaopédosofá.
Elgindirigiu-seàpatroa.
Comsualicença,madame-disseemvozbaixaerespeitosa.
Sim,Elgin,oqueé?-perguntouClarissa.
Omordomonãopareciaàvontade.
Houve um pequeno... como direi... mal-entendido com as
verduras-contouele.
Ai,meuDeusdocéu-disseClarissa.-QuerdizercomMiss
Peake?
Sim, madame - prosseguiu o mordomo. - Minha mulher
consideraMissPeakemuitodifícilde lidar,madame.Todahora
elaentranacozinha,criticaefazcomentários.Minhamulhernão
gosta nada disso. Em todos os lugares em que trabalhamos, a
Sra.Elgineeusempretivemosrelaçõesprazerosascomojardim.
Sintomuito - respondeuClarissa,disfarçandoumsorriso. -
Vou...bem...vouveroquepossofazer.VouconversarcomMiss
Peake.
Obrigado,madame-disseElgin.Fezumareverênciaesaiu,
fechandoâportadohall.
Essesempregados...comosãocansativos-observouClarissa
a Sir Rowland. - E como falam coisas curiosas. Como alguém
pode ter relações prazerosas com o jardim? Isso me soa
inadequado,deummodoherético.
MasachoquevocêtemsortecomocasalElgin
ponderouSirRowland.-Ondeosconseguiu?
Ah,naagênciadeempregoslocal-respondeuClarissa.
SirRowlandfranziuocenhoeobservou:
Esperoquenãosejaaquela,comoémesmoonome?Aquela
quesónosmandagentetorta.
Torta? - perguntou Pippa, erguendo o olhar do chão, onde
continuavaapôrascartasemordem.
Não,querida.Gentetorta-disseSirRowland.
Lembra - continuou ele, voltando-se a Clarissa - daquela
agênciadenome italianoou espanhol... deBotello,não é?Que
não parava de mandar gente para ser entrevistada, na maioria
imigrantesclandestinos?AndyHulmeeaesposacontrataramum
casalquefezliteralmenteumalimpanacasa.Usaramotrailerde
transportar cavalos de Andy e le-varammetade das coisas. Até
hojenãoforamcapturados.
-Ah,sim-riuClarissa.-Lembrosim.Pippa,vamosrápido!-
ordenouela.
Pippapegouascartaselevantou-se.
Prontinho! - exclamou, petulante, colocando as cartas na
prateleira. - A vida seria bemmelhor se a gente não precisasse
todahoraestararrumandoascoisas.
Ela se dirigiu à porta, mas foi detida por Clarissa, que a
chamou,pegandoorestodoboloqueestavanamesa:
Tomeaqui,leveistocomvocê-eentregou-lheobolo.
Pipparecomeçouaandar.
Amochila-continuouClarissa.
Pippacorreuàpoltrona,apanhouamochilaechispourumo
àportadohall.
Ochapéu!-gritouClarissa.
Pippalargouobolonamesa,agarrouochapéuefoisaindo.
Vem cá! - chamou Clarissa outra vez. Tomou o pedaço de
bolo, enfiou na boca de Pippa, pegou o chapéu, enterrou-o na
cabeçadamenina e a empurroupara ohall. -E fecheaporta,
Pippa-ordenou.
Pippa enfim retirou-se, fechando a porta. Sir Row- riu, e
Clarissariujunto,pegandoumcigarrodacaixanamesa.Láfora,
aluzdodiacomeçavaaesmaecer,eolusco-fuscoentravanasala.
Sabe,émaravilhoso!-exclamouSirRowland.
Pippamudoumuito.Vocêtemfeitoumtrabalhonotávelpor
aqui,Clarissa.
Clarissaafundounosofá.
Achoqueagoraelagostamesmodemim-disse.
Econfiaemmim.Estouadorandosermadrasta.
SirRowlandpegouumisqueirodamesinhaaoladodosofáe
acendeuocigarrodeClarissa.
O fato — observou — é que agora ela voltou a ser uma
meninanormalefeliz.
Clarissaconcordoucomacabeça.
Acho quemorar no interior fez a diferença - sugeriu. - Ela
frequentaumaótimaescolaetemfeitomuitosamigosporlá.Sim,
achoqueestáfelize,comovocêdiz,normal.
SirRowlandfranziuocenho.
Quecoisachocante -exclamou-verumacriançanoestado
em que ela estava. Eu tinha vontade de torcer o pescoço de
Miranda.Quemãehorrívelelaera.
Sim-concordouClarissa.-Pippatinhamuitomedodamãe
dela.
SirRowlandjuntou-seaelanosofá.
Umcasorevoltante-murmurou.
Clarissacerrouospunhosefezumgestoderaiva.
FicofuriosasódepensaremMiranda-disseela.
Tudooque ela fezHenry sofrer e tudoporque ela fez essa
criançapassar.Aindanãoconsigoentendercomoumamulherfoi
capazdisso.
O vício das drogas é uma coisa sórdida - prosseguiu Sir
Rowland.-Alteratodaasuapersonalidade.
Ficaramumtempoemsilêncio,atéClarissaperguntar:
Como acha que ela começou a usar drogas? -Acho que foi
aqueleamigodela,oporcodoOliver
Costello - respondeu Sir Rowland. - Acredito que ele seja
traficante.
Éumhomemdetestável-concordouClarissa.
Muitomau,eusempreachei.
Elessecasaram,não?
Sim,ummêsatrás.
SirRowlandbalançouacabeça.
Bem,tudoindicaqueagoraHenryestá livredeMiranda,de
uma vez por todas - disse ele. - Um sujeito legal, o Henry. -
Enfatizou:-Umsujeitomuitolegal.
Clarissasorriuemurmurouamavelmente:
Achaqueprecisamedizerisso?
Seiqueelenãofalamuito-continuouSirRowland.
É o que poderia se chamar de uma pessoa reservada, mas
íntegra.-Apósumapausa,acrescentou:-Aquelemoço,oJeremy.
Oquesabedele?
Clarissasorriudenovo.
Jeremy?Eleémuitodivertido-respondeu.
Humpf!-bufouSirRowland.-Hojeemdia,parecequeésó
comissoqueaspessoassepreocupam.
Lançou a Clarissa um olhar sério e prosseguiu: - Não vá...
nãovámefazerumabobagem,sim?
Clarissariu.
NãoseapaixoneporJeremyWarrender-respondeuela.-É
issoquevocêquerdizer,nãoé?
SirRowlandcontinuouafitá-lasério.
Sim - disse ele -, é exatamente isso que eu quero dizer. É
evidente que ele é seu fã. Parecemesmo incapazde lhe tirar as
mãosdecima.MasseucasamentocomHenryémuitofeliz,eeu
nãogostariaquesearriscasseaperdê-lo.
Clarissarespondeucomumsorrisoafetuoso.
Achamesmoqueeufariaumabobagemdessas?
perguntourisonha.
Certamente isso seria uma grande bobagem- frisou Sir
Rowland. Depois de uma pausa, continuou. - Sabe, Clarissa
querida, eu vi você crescer.Você significa realmentemuitopara
mim. Se algum dia estiver em apuros, sabe que pode contar
comigo,nãosabe?
Claro,meuqueridoRoly - respondeuClarissa.Ela o beijou
nabochecha.-EnãoprecisasepreocuparcomJeremy.Verdade,
nãoprecisa.Seiqueeleémuitoenvolventeecativantee tudoo
mais.Masvocêmeconhece,estouapenasmedivertindo.Apenas
brincando.Nãoénadasério.
Antes que Sir Rowland pudesse responder, Miss Peake de
repentesurgiunasportasdevidro.
Capítulo4
Neste meio-tempo, Miss Peake havia tirado as botas e
apareceusódemeias.Tinhanamãoumacabeçadebrócolis.
A senhora não repara eu entrar deste jeito, Sra. Hailsham-
Brown-bradou,caminhandoatéosofá.-Nãoqueriasujarasala
toda, por isso deixei as botas lá fora. Só queria que a senhora
desse uma olhada neste bróco- lis. - Sobre o encosto do sofá,
empurrouaverdurabemembaixodonarizdeClarissa.
Pa... parece muito bonito - foi tudo o que Clarissa pôde
pensarcomoresposta.
MissPeakeempurrouobrócolisparaSirRowland.
Dêumaolhada-mandouela.
SirRowlandobedeceueanunciouseuveredicto.
Não consigo ver nada de errado - declarou. Mas pegou o
brócolis na mão para empreender uma investigação mais
detalhada.
É óbvio quenão temnadade errado - gritouMiss Peake. -
Ontem levei outro igualzinho a este na cozinha, e aquela
mulher... - Interrompeu a fala, como quem abre parênteses: -
Claro, não quero ficar falando dos seus empregados, Sra.
Hailsham-Brown,emboraeuatépudessefalarumpoucodeles.-
Retornando ao tema principal, prosseguiu: - Mas não é que
aquelaSra.Elgin teveapetulânciadedizernaminhacaraque
era um brócolis de qualidade tão inferior que se recusaria a
cozinhá-lo? Ela disse bem assim: "Se a senhora não consegue
fazer melhor do que isso na horta é melhor procurar outro
emprego".Fiqueitãobrabaquepoderiatê-laesganado.
Clarissatentoufazerumaparte,mas,indiferente,MissPeake
continuouaseexplicar.
Quero que a senhora saiba que eu não desejo causar
problema - insistiu -,mas não vou entrar na cozinha para ser
insultada.-Depoisdeumapausabrevepararecuperarofôlego,
retomousualadainha.-Deagoraemdiante-declarou-,aSra.
Elginpodedeixarumalistanaportadosfundos,queeulargoas
verdurasdoladodefora.
Aestaaltura,SirRowlandtentoudevolverobróco- lis,mas
MissPeakeoignoroueprosseguiu:
Elapodedeixarumalistadoqueelavaiprecisar.
Econcordouconsigomesma,acenandoacabeçacomvigor.
ClarissaeSirRowlandficaramemudecidos.Nahoraexataem
queajardineiraabriuabocadenovo,otelefonetocou.
Deixequeeuatendo-berrouela.Foiaoaparelhoeergueuo
fone do gancho. - Alô... sim - gritou, limpando a mesa com a
pontadoavental.-AquiéCopplestoneCourt...Querfalarcoma
Sra.Brown?...Sóummomento.
MissPeakeestendeuamãocomoreceptor.Clarissaapagouo
cigarroefoiatender.
-Alô-disseClarissa.-ÉaSra.Hailsham-Brown...Alô...alô?-
OlhouparaMissPeake. -Que esquisito exclamou. - Pareceque
desligaram.
Quando Clarissa recolocava o fone no gancho, Miss Peake
subitamente avançou até o consolo e começou a empurrá-lo na
direçãodaparede.
Comsualicença-esbravejouela-,masoSr.Sellongostava
destamesaencostadanaparede.
ClarissasecretamentefezumacaretaparaSirRowland,mas
apressou-seaajudarMissPeakecomoconsolo.
Obrigada -dissea jardineira. -E - emendouela,a senhora
vaitercuidadoparanãodeixarmarcasdetaçasnosmóveis,não
vai, Sra. Brown-Hailsham? - Clarissa olhou angustiada para a
mesa,eajardineiracorrigiu-se.
Medesculpe...euquisdizerSra.Hailsham-Brown.-Elacaiu
numarisadacordial.-Ora,Brown-Hailsham,Hailsham-Brown-
prosseguiu.-Dátudonamesma,nãoé?
Não,MissPeake,nãodá-declarouSirRowland,articulando
claramente as palavras. - Afinal, uma baia equina é algo bem
diferentedeumaequinabaia.
Miss Peake ria jovialmente disso, quando Hugo entrou na
sala.
Comovai?-cumprimentouela.-Estoulevandomeurotineiro
puxãode orelha.Muito irônico comosempre. -Aproximando-se
deHugo,deu-lheumtapinhanascostaseemseguidavoltou-se
aosdemais.-Bem,boanoiteatodos-gritouela.-Estánahora
deirandando.Medáaquiessesbrócolis.
SirRowlandodevolveu.
Baiaequina...equinabaia!-exclamouela.-Essafoiboa!Não
vou me esquecer, pode deixar. - Com outra risada estrondosa,
sumiupelasportasdevidro.
HugoobservouMissPeakeseafastar.Voltou-separaClarissa
eSirRowland.
Porquecargasd'águaHenryaguentaessamulher?Admirou-
se.
Na verdade, ele a considera difícil de engolir - respondeu
Clarissa. Pôs o livro de Pippa namesa e se deixou afundar na
poltrona.Hugorespondeu:
Eutambém.Elaseachatãoesperta!Semprecomaquelejeito
animadodeestudante.
Temo que seja um caso de atraso na idade mental
acrescentouSirRowland,meneandoacabeça.
Clarissasorriuedisse:
Concordoqueelaquaseenlouqueceagente,maséumaótima
jardineira e, como faço questão de repetir, ela vem junto coma
casa,ejáqueacasaéumamaravilhadetãobarata...
Barata?Émesmo?-interrompeuHugo.-Nãoimaginava.
Uma pechincha - disse-lheClarissa. - Saiu um anúncio no
jornal.Nósviemosparavê-launsdoismesesatrásenamesma
horaaalugamosporseismeses,commobíliaetudo.
Aquempertenceacasa?-indagouSirRowland.
EradeumtalSr.Sellon-respondeuClarissa.
Mas ele morreu. Era um comerciante de antiguidades em
Maidstone.
Ah,sim!-exclamouHugo.-Seiquemé.Sellon&Brown.Um
tempoatráscompreiumespelhoestiloChippendalemuitobonito
na lojadeleemMaidstone.Sellonmoravaaquinocampoe iaa
Maidstonetodososdias,masachoqueàsvezeseletraziaclientes
aquiparamostrarascoisasquemantinhaemcasa.
Nemme fale - contouClarissa aos dois amigos -, esta casa
temalgumasdesvantagens.Ontem,porexemplo,umhomemde
trajexadrezberrantechegouguiandoumcarroesporteefezuma
propostaporessaescrivaninha-apontouela.-Eudisseaeleque
não era nossa e que por isso não podíamos vendê-la, mas ele
simplesmentenãoescutouoqueeudiziaecontinuouaaumentar
opreço.Nofimchegouaquinhentaslibras.
Quinhentas libras! - exclamou Sir Rowland, realmente
estarrecido.Cruzouasalaatéaescrivaninha.-MeubomDeus!-
continuou.-Puxa,achoquenemmesmonafeiradeantiguidades
alcançariaumpreçopertodisso.Éumapeça interessante,mas
comcertezanãoparticularmentevaliosa.
EnquantoHugojuntava-seaelepertodaescrivaninha,Pippa
retornouàsala.
Aindaestoucomfome-reclamou.
Nãoépossível—Clarissadissecomfirmeza.
Estousim-insistiuPippa.—Leiteebiscoitosdechocolatee
umabanananãoenchemabarrigadeninguém-falou,jogando-
senacadeiradebraços.
SirRowlandeHugoaindaperscrutavamaescrivaninha.
Sem dúvida, é umamesa bonita - observou Sir Rowland. -
Ummóvelbemautêntico,imagino,masnãoexatamenteoqueeu
chamariadeumapeçadecolecionador.Nãoconcorda,Hugo?
-Sim,mastalveztenhaumagavetasecretacomumcolarde
diamantesescondido-brincouHugo.
Temumagavetasecreta.—intrometeu-sePippa.
Oquê?-espantou-seClarissa.
Achei no sebo um livro sobre gavetas secretas em móveis
antigos-explicouPippa.-Depoisandeiolhandoasescrivaninhas
eoutrascoisaspelacasa.Masessaéaúnicaquetemumagaveta
secreta - Levantou-seda cadeira. -Olhem - convidouela. -Vou
mostraravocês.
Ela caminhou até a escrivaninha e abriu uma das gavetas.
Clarissaveioe inclinou-sesobreosoíaparaobservar,enquanto
Pippadeslizavaamãodentrodagaveta.
Viram?-disseemostrou.-Ésódeslocarissodaquiprafora,
etemumtipodelinguetaembaixo.
Humpfl - grunhiu Hugo. - Não vejo nada demuito secreto
nisso.
Ah,masissonãoétudo-continuouPippa.-Vocêapertaisso
aqui embaixo e... salta um escaninho. - De novo, fez conforme
descreveu,eumescaninhofoiejetadodamesa.-Estãovendo?
Hugopegouoescaninhoeretiroudeleumpedaçodepapel.
Olhem-disse -,oqueserá isso? -Leuemvozalta: - "Seus
trouxas!"
Quê?! - exclamou Sir Rowland. Pippa caiu na risada, e os
outrosa imitaram.SirRowland,brincalhão,sacudiuPippa,que
fingiurevidarcomumsocoesevangloriou:
Fuieuquecoloqueiistoali!
Sua malandrinha! — disse Sir Rowland, descabelando a
menina. - Está me saindo pior que a Clarissa em matéria de
truquesinfantis.
Na verdade - contou Pippa -, tinha um envelope com um
autógrafodarainhaVitóriadentro.Vejam,voumostrarpravocês.
- Disparou até as prateleiras, enquanto Clarissa recolocava o
escaninhoefechavaagavetadaescrivaninha.
Numa das prateleiras inferiores da estante de livros, Pippa
abriu uma caixinha, pegou um envelope antigo e mostrou três
pedaçosdepapelaogrupoalireunido.
Colecionaautógrafos,Pippa?-perguntouSirRowland.
Nãoexatamente-respondeuPippa.-Apenascomoatividade
secundária.-EntregouumdospedaçosdepapelaHugo,quedeu
umaolhadaepassouadiantesirRowland.
Uma garota da escola é filatelista, e o irmão dela tem uma
coleçãofabulosa—contouPippa.-Nooutonopassado,eleachou
quetinhaconseguidoumseloigualaoquetinhavistonojornal...
umselosuecoousuíçoquevaliacentenasdelibras.Entregouos
doisautógrafosrestanteseoenvelopeaHugo,queospassousir
Rowland.
Oirmãodeminhaamigaficoubastanteanimado-continuou
Pippa-elevouoseloaumavaliador.Masoavaliadordisseaele
queaquelenãoeraoseloqueeleestavapensando,masmesmo
assim era um ótimo selo. Em todo caso, ele pagou cinco libras
peloselo.
Sir Rowland devolveu os dois autógrafos a Hugo, que os
entregouaPippa.
Cinco libras é um bom preço, não é? - perguntou Pippa, e
Hugoconcordoucomumgrunhido.
Pippabaixouoolharparaosautógrafos.
QuantovocêsachamquevaleoautógrafodarainhaVitória?-
quissaberela.
Eudiriaqueentrecincoadezxelins-informouSirRowland,
observandooenvelopequecontinuavaasegurar.
TemdoJohnRuskinedoRobertBrowningtambém-contou
Pippa.
Que, receio, também não tenham muito valor -falou Sir
Rowland, entregando o autógrafo remanescente e o envelope a
Hugo,queosrepassouaPippa,nãosemcomentar,emvozbaixa
ecompassiva:
Sintomuito,meubem.Nãoestácommuitasorte,nãoé?
PenaqueeunãotenhodoNevilleDukeedoRogerBannister
-murmurou Pippa com ansiedade. - Pelo jeito esses autógrafos
históricos são muito batidos. - Guardou o envelope com os
autógrafosnacaixa,repôsacaixanaprateleiraefoisaindoparao
hall.-Possoverseaindatembiscoitodechocolatenadespensa,
Clarissa?-perguntouesperançosa.
Sim,sevocêquiser—disseClarissacomumsorriso.
Estamos saindo - disse Hugo. Seguiu Pippa até a porta e
chamounaescadaria:
Jeremy!Ei!Jeremy!
Já vai! - respondeu Jeremy, descendo as escadas depressa,
comumtacodegolfenamão.
Henrydeveestarchegando-murmurouClarissa,tantopara
sicomoparaosoutros.
Hugocruzouasalaatéaportadevidro,avisandoJeremy:
Melhorsairporaqui.Émaisperto.-Virou-separaClarissa.-
Boa noite, Clarissa querida - disse ele. - Obrigado por nos
suportar. Talvez eu vá do clube direto para casa, mas prometo
mandarinteirososhóspedesdofimdesemana.
Boa noite, Clarissa - despediu-se Jeremy, seguindo Hugo
jardimafora.
Clarissa acenavapara eles, quandoSirRowlandapareceu e
passouobraçoemvoltadela.
Boanoite,querida-disse. -Warrendereeuvamosvoltar lá
pelameia-noite.
Clarissaoacompanhouatéaportadevidro.
Queanoiteceragradável-observouela.-Voucomvocêatéo
portãodocampodegolfe.
Caminharam lado a lado no jardim, sem tentar alcançar
HugoeJeremy.
AquehoraschegaHenry?-perguntouSirRowland.
-Ah,nãotenhocerteza.IssovariaDaquiapouco,acho.Seja
comofor,vamosfazerumarefeiçãoleveeterumanoitetranquila.
Quandovocêsvoltaremjáestaremosnacama.
Sim,nãoesperepornós,peloamordeDeus-aconselhouSir
Rowland.
Andaram em silêncio amistoso até o portão do jardim,
quandoClarissafalou:
Éisso,querido,nosvemosmaistarde,oumaiscertonocafé-
da-manhã.
SirRowlanddeu-lheumbeijinhoafetuosonafaceeapertouo
passo para alcançar os outros. Clarissa deumeia-volta rumo a
casa.Caminhoudevagarnanoiteaprazível,detendo-seaquieali
para saborear aspectos e aromas do jardim, dando rédeas ao
pensamento.Riusozinhaaolembrar-sedaimagemdeMissPeake
com seus brócolis. Sorriu ao pensar em Jeremy e a sua
atabalhoadaintençãodecortejá-la;meioàtoa,ficouimaginando
seele estava falandosério.Aoaproximar-sedacasa, começoua
considerar,comprazer,aperspectivadeumanoitecomomarido
naplacidezdolar.
Capítulo5
PoucodepoisdeClarissaeSirRowlandteremsaído,Elgin,o
mordomo, entrou na sala vindo do hall, trazendo uma bandeja
com bebidas e repousando-a na mesa. Quando tocou a
campainha da frente, foi atender. Era um homem moreno de
charmeartificial.
Boanoite,senhor-saudouElgin.
Boa noite. Quero falar com a Sra. Brown - disse o homem
comcertarispidez.
Poisnão, senhor, tenhaabondade -disseElgin.Ohomem
entrou,eElginfechouaporta.-Aquemdevoanunciar?
Sr.Costello.
Poraqui,meusenhor.-Elginmostrouocaminhoatravésdo
hall. Ele ficou de lado para permitir que o recém- chegado
entrassenasaladeestaredisse:-Podeesperaraqui,senhor.A
madameestáemcasa.Vouverseconsigoencontrá-la.-Começou
aseafastar,emseguidaparouedirigiu-seaohomem.-Osenhor
disseSr.Costello?
Exato-respondeuodesconhecido.-OliverCostello.
Pois não,meu senhor -murmurou Elgin, saindo da sala e
fechandoaportaatrásdesi.
Ao se ver sozinho, Oliver Costello percorreu a sala com o
olhar, caminhou primeiro à porta da biblioteca, ficou alguns
segundosescutandoefezomesmonaportadohall.Aproximou-
sedaescrivaninha,curvou-sesobreelaeexaminouasgavetasde
perto. Escutando um ruído, afastou-se rapidamente da mesa.
EstavaparadonomeiodasalaquandoClarissaentroupelaporta
devidro.
Costellovirou-se.Aoverquemera,pareceuadmirado.
FoiClarissaquemfalouprimeiro.Comexpressãode intensa
surpresa,exclamouofegante:
Você?
Clarissa! O que está fazendo aqui? - exclamou Costello,
soandoigualmentesurpreso.
Pergunta cretina, não acha? - retrucouClarissa. - Esta é a
minhacasa.
Suacasa?-perguntoudemodocético.
Não faça de conta que não sabe - disse Clarissa, com
veemência.
Costellofitou-aemsilêncioporumtempo.Derepentemudou
deatitudeedisse:
Quecasaencantadora.Pertenciaaovelho...comoémesmoo
nomedele?Ovendedordeantiguidades,nãoé?Lembroqueele
metrouxeaquiumavezparamemostrarumascadeirasLuísXV.
-Pegouumacigarreiradobolso.
Aceitaum?-ofereceu.
Não,obrigada-respondeuClarissacomaspereza.
E - acrescentou - achomelhor você ir embora.Meumarido
estáparachegaraqualquermomentoeelenãovaigostarnadade
vervocêporaqui.
Costelloreagiucomdivertimentoumpoucoatrevido.
Mas é justamente com ele que eu quero falar. Para falar a
verdade, é por isso que estou aqui, para discutir um acordo
adequado.
Acordo?-perguntouClarissaperplexa.
UmacordosobreaPippa-explicouCostello.
MirandaatéconcordaemdeixarPippacomHenrypartedas
fériasdejulhoetalvezumasemananoNatal.Masaforaisso...
Clarissacortouríspida.
Oquevocêquerdizer?-indagouela.-AcasadePippaéaqui.
Costello caminhou descansadamente até a mesa com as
bebidas.
Minha cara Clarissa - exclamou - sabe muito bem que o
tribunaldeuacustódiadacriançaaMiranda.
Pegouumagarrafadeuísque.-Posso?-Semesperarresposta
serviuumdrinque.-Nãohouvecontestação,lembra-se?
Clarissaoencarouhostilmente.
HenrysóconcordouemdarodivórcioaMiranda
declaroudemaneiraclaraeconcisa-depoisdeficaracertado
entre eles, em particular, que Pippa ia morar com o pai. Se
Miranda não tivesse concordado com isso, Henry não teria
consentidoemdarodivórcio.
Costellodeuumarisadaquebeirouoescárnio.
NãoconheceMirandamuitobem,nãoé?-perguntou.—Ela
estásempremudandodeideia.
Clarissaafastou-sedele.
Ninguém vai me convencer - disse ela com desprezo - que
Mirandaquermesmo ficar coma criança; elanãodáamínima
paraPippa.
Masvocênãoéamãe,queridaClarissa-respondeuCostello
impertinente. - Posso chamá-la de Clarissa, não? - continuou,
comoutrosorrisodesagradável.-Afinal,agoraqueestoucasado
comMiranda,vocêeeusomosquaseparentes.
Virouodrinquedeumsógoleebaixouocopo.
Sim, posso garantir - prosseguiu ele agora o instinto
maternodeMirandaafloroudeverdade.ElaquerPippamorando
conoscoamaiorpartedotempo.
Nãoacredito-retorquiuClarissa.
-Você é que sabe - disse Costello, acomodando-se
confortavelmente na cadeira de braços. - Mas não tem sentido
contestaragora.Afinaldecontas,oacertofoiapenasverbal.
VocêsnãovãoficarcomPippa-disseClarissa,tenazmente.-
Ela chegou aqui com os nervos em frangalhos. Agora está bem
melhor,feliznaescola,eéassimqueelavaipermanecer.
Comovaiconseguirisso,querida?-zombouCostello.-Alei
estádonossolado.
O que há por trás disso tudo? - indagou Clarissa
desnorteada. - Vocês não gostam de Pippa. Qual o seu real
interesse?-Refletiuumpoucoebateunatesta.-Ah!Comosou
boba.Chantagem,éclaro.
QuandoCostelloestavapararesponder,Elginsurgiu.
Procuravaasenhora,madame-falouomordomoaClarissa.-
ASra.Elgineeupodemossairagora,madame?
Claroquesim,Elgin-respondeuClarissa.
Nossotáxichegou-explicouomordomo.-Aceiaestáservida
na sala de jantar. - Ele estava saindo, mas voltou-se para
Clarissa. - A senhora quer que eu feche a sala, madame? -
perguntou,observandoCostellodesoslaio.
Não precisa, pode deixar que eu cuido disso - assegurou
Clarissa.-Osenhoresuaesposapodemtirarsuafolgaagora.
Obrigado,madame-disseElgin.Girouemdireçãoaohalle
completou:-Boanoite,madame.
Boanoite,Elgin-respondeuClarissa.
Costelloaguardouomordomofecharaportaerecomeçou.
Chantageméumapalavramuitofeia-elesalientoudemodo
pouco original. - Devia tomar mais cuidado antes de fazer
acusaçõesinjustas.Poracasoeufaleiemdinheiro?
Até agora não - respondeu Clarissa. - Mas é isso que você
pretende,nãoé?
Costello deu de ombros e estendeu as mãos num gesto
expressivo.
Éverdadequenãoestamosemmuitoboasituação-admitiu.
-Miranda sempre foi extravagante, você sabemuito bem. Acho
que ela quer queHenry restabeleça amesadadela.Afinal, ele é
rico.
Clarissa aproximou-se de Costello e o encarou firme e
diretamente.
Agoraescute-ordenouela.-NãopossofalarporHenry,mas
posso falarpormim.Tente levarPippaembora,evou lutarcom
unhasedentes. -Fezumapausaeacrescentou:-Evouusara
armaqueestiveràmão.
Fazendo pouco caso da explosão dela, Costello disfarçou o
riso,masClarissacontinuou:
-Não vai ser difícil conseguir comprovação médica de que
Mirandaéviciadaemdrogas.PossoatémesmoiràScotlandYard
falarcomadivisãodeNarcóticosesugerirquefiquemdeolhoem
você.
Costelloreagiucomsobressalto.
Henry é muito correto para apoiar esses seus métodos -
comentou.
Pois então Henry vai ter que tolerá-los - retorquiu ela com
ferocidade.-Oqueimportaéacriança.Nãovoudeixarninguém
maltratarouassustarPippa.
Neste momento, Pippa entrou na sala. Ao ver Costello,
estacouaterrorizada.
Oi, Pippa, como vai?Como você está crescida - saudou ele,
indoemdireçãoàmenina.
Pippadeuumpassoparatrás.
Vimespecialmenteparafazerumacordoemrelaçãoavocê-
contouele.-Suamãenãovêahoradevocêirmorarcomelade
novo.Elaeeunoscasamose...
Nãovou-gritouPippa,muitonervosa,correndoatéClarissa
para buscar proteção. - Não vou. Clarissa, eles não podemme
forçar,podem?Elesnão...
Nãosepreocupe,Pippaquerida-disseClarissa,abraçandoa
menina.-Seularéaqui, juntocomseupaiecomigo.Vocênão
vaiirembora.
Mas eu lhe garanto - começou Costello, apenas para ser
cortadocomraivaporClarissa.
Saiadaquiagora-gritouela.
Fingindodemodoirônicoestaramedrontado,Costellojogou
asmãosacimadacabeçaeafastou-se.
Agora!-repetiuClarissa.Eavançounadireçãodele.-Enão
meapareçamaisaqui,entendeu?
Miss Peake apareceu nas portas de vidro com um grande
forcadonamão.
Ah,Sra.Hailsham-Brown-começouela-,eu...
MissPeake-interrompeuClarissa.-PodeacompanharoSr.
Costellopelojardimatéoportãodosfundos?
CostellofitouMissPeake,quelevantouoforcadoaoretribuir
oolhar.
Miss...Peake?-indagouele.
Prazer em conhecê-lo - respondeu com sua voz áspera. -
Cuidodahortaedojardim.
Sim,éclaro-disseCostello.-Eujávimaquiumavez,talvez
asenhoralembre,olharunsmóveisantigos.
Ah, sim - respondeuMiss Peake. - Na época do Sr. Sellon.
Mas,sabe,osenhornãovaipodervê-lo.Elemorreu.
Não,eunãovimparavê-lo-afirmouCostello.
Eu vim para ver... a senhora Brown. - Deu ao nome certa
ênfase.
Ah, sim? Verdade? Bem, agora o senhor já a viu disse-lhe
Miss Peake. Parecia ter percebido que o visitante não era mais
bem-vindo.
Costellodirigiu-seaClarissa.
Atémaisver,Clarissa-disse.-Vairecebernotíciasminhas,
podetercerteza-avisoueleemtomquaseameaçador.
Poraqui-disseMissPeake,indicandoasportasdevidrocom
umgesto.Efoiatrásdele,perguntandoaosaírem:-Osenhorvai
pegaroônibus,ouveiodecarro?
Atravessavamojardim,quandoCostelloinformou:
Estacioneiocarropertodoestábulo.
Capítulo6
Tão logo Oliver Costello se retirou com Miss Peake, Pippa
desatouachorar.
Elevaimelevaremboradaqui- lamentou,aconchegando-se
nosbraçosdeClarissa,emmeioasoluçosdeamargor.
Não, não vai - garantiu Clarissa, mas a única resposta de
Pippafoigritar:
OdeioOliver.Sempreodiei.
Com medo de que a menina estivesse à beira da histeria,
Clarissachamouaatençãodelacomveemência:Pippa!
Ameninaafastou-sedeClarissa.
Nãoquerovoltarparaminhamãe,prefiromorrer-berroude
formaestridente.-Prefiromorrer.Voumatá-lo.
Pippa!-repreendeuClarissa.
Nestemomento,Pippapareciairrefreável.
Eu me mato - bradou. - Corto meus pulsos e sangro até
morrer.
Clarissasegurou-afirmepelosombros.
Pippacontrole-se-ordenou.-Estátudobem,acredite.Estou
aqui.
Maseunãoquerovoltarparaminhamãe,eeuodeioOliver-
exclamou Pippa em desespero. - Ele é malvado, malvado,
malvado.
Sim, querida, eu sei disso - murmurou Clarissa, tentando
reconfortá-la.
Mastemumacoisaquevocênãosabe-dissePippa,soando
ainda mais desesperada. - Não contei tudo para você antes...
Quando eu vim morar aqui. Não consegui tocar no assunto.
Mirandametratavamalebebiaotempotodo,maseunãovimsó
porcausadisso.Umanoite,elasaiunãoseiparaonde,eOliver
ficousozinhocomigo... achoqueele estavamuitobêbado...não
sei... mas... - Parou e por um instante pareceu incapaz de
continuar. Em seguida, fazendo um esforço, baixou o olhar e
disse,numsussurroindistinto:-Eletentoufazercoisascomigo.
Clarissaficouhorrorizada.
Pippa, o que você quer dizer? - perguntou. - O que está
tentandodizer?
Desesperada, Pippa olhou em torno, como se procurasse
alguémquepudessefalarporela.
Ele... ele tentoumebeijar e, quando eu o empurrei, eleme
agarrou e começou a arrancar o meu vestido. Daí ele... - De
repente,parouejrrompeuempranto.
Venha cá, meu bem - murmurou Clarissa, abraçando a
menina. - Tentenãopensarnisso. Jápassou.Nuncamais algo
assimvaiacontecercomvocê.NãovoudescansarenquantoOliver
não tenha sido punido pelo que fez. Aquele animal asqueroso.
Issonãovaificarassim.
Desúbito, ohumordePippamudou.Suavozassumiuum
quêdeesperançaaolheocorrerumaideianova.
Bemqueumraiopodiacairemcimadele -pensouconsigo
emvozalta.
Podiamesmo-concordouClarissapodiamesmo.-Seurosto
serevestiudeumafirmezainabalável.
Agora se acalme, Pippa.Está tudobem - garantiuClarissa,
puxandoumlençodobolso.-Tome,assueonariz.
Pippaobedeceuelogoemseguidausouolençoparaenxugar
aslágrimasderramadasnovestidodeClarissa.
Comcertoesforço,Clarissaconseguiuachargraçadofato.
Agora, já para cima tomar seu banho - ordenou, fazendo
Pippa dar meia-volta rumo ao hall. - E pode caprichar... seu
pescoçoestáimundo.
Pippapareciamaiscalma.
Sempreestá-respondeuelae foisaindo.Masaochegarna
portavirouderepenteecorreuparaClarissa.
Nãovaideixarelemelevar,nãoé?-suplicou.
Sóporcimadomeucadáver-respondeuClarissa,decidida.
Então se corrigiu. - Ou melhor, só por cima do cadáver dele.
Pronto!Estábomassim?
Pippaassentiucomacabeça,eClarissabeijousuatesta.
Agora,vamosandando-ordenou.
Pippadeumaisumabraçonamadrastaesaiu.Clarissaficou
umtempopensando;aoperceberqueasalaescurecera,acendeu
asluzesindiretas.Entãofechouasportasdevidroesentou-seno
sofá,absortaempensamentos,oolharperdido.
Um ou dois minutos depois, ao escutar a porta da frente
sendo fechada, olhou comexpectativapara a porta dohall, por
onde logo entrou o seu marido, Henry Hailsham- Brown, um
homembem-apessoado,deseusquarentaanos,orostoumtanto
inexpressivo, usando óculos de aros de tartaruga e carregando
umavalise.
Oi, querida - saudou Henry, acendendo as arandelas e
repousandoavalisenapoltrona.
Oi,Henry-respondeuClarissa.-Quediahorrível,nãoacha?
Mesmo?-cruzouasala,debruçou-seporcimadoencostodo
sofáebeijouaesposa.
Nem sei por onde começar - disse ela. - Tome um drinque
antes.
Agora não - respondeu Henry, indo até a porta de vidro e
fechandoascortinas.-Quemestáemcasa?
Umpoucosurpresacomapergunta,Clarissarespondeu.
Ninguém.É quinta-feira, a noite de folga dosElgin. Vamos
jantar presunto frio e mousse de chocolate, e o café vai estar
saborosoporqueeumesmavoupreparar.
Henryrespondeuapenascomumenigmático"Hum?".
Intrigadacomojeitodomarido,Clarissaindagou:
Henry,algumproblema?
Bem,sim,decertaforma-reconheceu.
Algoerrado?-perguntouela.-ÉMiranda?
Não,naverdadenãohánadadeerrado-assegurouHenry.-
Pelocontrário.Sim,muitopelocontrário.
Querido - falouClarissa, em tom afetuoso, com apenas um
suave toque de deboche -, estou enganada ou percebo por trás
dessa impenetrável fechada de Relações Exteriores uma certa
palpitaçãohumana?
Henryadotouumardedeleiteantecipado.
Bem - admitiu de certomodo, émesmopalpitante. - Pouco
depoisacrescentou:—Porcoincidência,umlevenevoeiroformou-
seemLondres.
Eissoépalpitante?-perguntouClarissa.
Não,onevoeironão,éclaro.
Então?-provocouClarissa.
Henryolhourapidamenteemtorno,comoparaseassegurar
dequeninguémpoderiaescutá-lo.Emseguida,atravessouasala
esentou-senosofáaoladodeClarissa.
Você precisa guardar segredo - enfatizou com a voz muito
séria.
Sim?-incitouClarissaesperançosa.
Émesmoconfidencial-reiterouHenry.-Ninguémpodeficar
sabendo.Mas,naverdade,vocêprecisasaber.
Bem,vamoslá,conte-estimulouela.
Henryolhouaoredormaisumavezevoltou-separaClarissa.
É tudo muito sigiloso - insistiu. Fez silêncio para causar
impressão e declarou: - Kalendorff, o premier soviético, está
chegandoaLondresamanhãparaumaimportantereuniãocomo
primeiro-ministro.
Nemumpoucoimpressionada,Clarissarespondeu:
Sim,eusei.
Henryfitou-aperplexo.
Comoassim,sabe?-indagou.
Li no jornal domingo passado — ela informou com
naturalidade.
Nãoentendocomovocêconsegueleressesjornaisdequinta
categoria-censurouele,parecendorealmente incomodado.-De
qualquer maneira - prosseguiu -, os jornais não tinham como
saber sobre a vinda de Kalendorff . Essa informação é
ultrassecreta.
Meu pobre docinho - murmurou Clarissa, numa voz que
misturava pena e incredulidade. - Ultrassecreta? Francamente!
Vocês,funcionáriosdoaltoescalão...acre-ditamemcadauma!
Henry levantou-se e começou a andar de um lado para o
outro,semesconderatensão.
Droga,anotíciadevetervazado-sussurrou.
Euachava-observouClarissaemtommordaz
que a esta altura do campeonato você já sabia que notícias
semprevazam.Aliás,euachavaquevocêestariapreparadopara
isso.
Umpoucoofendido,Henryexplicou:
Oficialmente a notícia foi liberada hoje à noite. O voo de
KalendorffdevechegaraHeathrowàs8h40,masnaverdade...-
Inclinou-se sobre o sofá e fitou a esposa com ar duvidoso. -
Falandosério,Clarissa-perguntousolenemente-,possoconfiar
emsuadiscrição?
Soubemmaisdiscretaqueosjornaisdedomingo
protestou Clarissa, jogando os pés à frente e aprumando o
corponosofá.
Henrysentounobraçodosofáedebruçou-sesobreClarissa
demodoconspirativo.
A reunião será amanhã emWhitehall - revelou -,mas seria
muitoproveitososeantesdissopudessehaverumaconversaem
particular entre Sir John eKalendorff. Como é de se imaginar,
todososrepórteresestarãoaguardandoKalendorffemHeathrow,
edepois queo aviãopousar osmovimentosdeKalendorff serão
públicos.
Mais uma vez olhou ao redor, como se temesse descobrir
membros da imprensa espiando por cima de seu ombro, e
prosseguiunumtomdeanimaçãocrescente:
Felizmente,essecomeçodenevoeirocaiudocéu.
Continue - encorajou Clarissa. - Por enquanto está
emocionante.
No último momento - contou Henry-, por questões de
segurança,foidecididoqueoaviãonãovaipousaremHeathrow.
Opousoserátransferido,comoécomumnessascircunstâncias...
Para Bindley Heath - atalhou Clarissa. - São apenas 24
quilômetrosdaqui.Jáseiaondevocêquerchegar.
Vocêésempremuitoperspicaz,Clarissaquerida-comentou
Henry,umpoucoreprovador.-Sim,vouterqueiratéoaeroporto
agoraemmeucarro.VoumeencontrarcomKalendorffetrazê-lo
até aqui. O primeiro-ministro está vindo para cá de automóvel
diretodeDowningStreet.Meiahoraserátemposuficienteparao
queelesprecisamdiscutir,edepoisKalendorffviajaparaLondres
comSirJohn.
Henry fez uma pausa. Levantou-se, deu alguns passos,
voltou-seedisseaelacomfranqueza:
Sabe,Clarissa, issopode terenorme importânciaemminha
carreira.Estãodepositandomuitaconfiançaemmimaofazeresse
encontroaqui.
Efazemmuitobem-respondeuClarissacomvozfirme,indo
atéomaridoeoabraçando.-Henry,querido-exclamou-,acho
tudoissomaravilhoso.
Apropósito-informouHenrysoleneKalendorffseráchamado
apenasdeSr.Jones.
Sr. Jones? - perguntou Clarissa, tentando, sem muito
sucesso,nãotransparecerumtoquedeceticismodivertidonavoz.
Exato-explicouHenry-,numcasodesses,émelhornãousar
osnomesverdadeiros.Prudêncianuncaédemais.
Sim...mas...Sr.Jones?-indagouClarissa.-Nãopodiamter
pensado em algo melhor que isso? - Acenou a cabeça, com ar
incerto,econtinuou:-Equantoamim?Poracaso,recolho-meao
harém,porassimdizer,ousirvoasbebidas,cumprimentoosdois
edesapareçodiscretamente?
Sem esconder certa inquietude, Henry observou a esposa e
advertiu:
Develevarissoasério,meubem.
Mas,Henry, querido - insistiuClarissa -, nãoposso levar a
sérioemesmoassimmedivertirumpouquinho?
PorumbreveinstanteHenryconsiderouapergunta,antesde
respondercomgravidade:
Pensandobem,achomelhorvocênãoaparecer,Clarissa.
Clarissapareceunãoseimportarcomisso.
Tudo bem - concordou. - E quanto à comida? Vão querer
algo?
Ah,não -disseHenry. -Não é o casode sepreocupar com
umarefeição.
Quetalunssanduíches?-sugeriuClarissa.Sentounobraço
do sofá e continuou: - Sanduíches de presunto seriam osmais
adequados. Envoltos em guardanapos paramanter o frescor. E
café quente, numagarrafa térmica.Sim, isso seria perfeito.E a
mussedechocolatepodedeixarqueeulevoparaoquartocomo
consoloporserexcluídadareunião.
Clarissa, não é hora... - começou Henry, desapro- vador,
somente para ser interrompido pela esposa, que se levantou e
atirouosbraçosemvoltadopescoçodele.
Querido, estou falandosério, verdade - garantiu. -Nadavai
darerrado.Nãovoupermitir.-Elaobeijoucomcarinho.
Henrygentilmentelivrou-sedoabraço.
EquantoaovelhoRoly?-perguntou.
Ele e Jeremy estão jantando na sede do clube comHugo -
contouClarissa.-Vãojogarbridgedepois,porissoRolyeJeremy
voltamsópelameia-noite.
EosElginsaíram?-perguntouHenry.
Querido, sabe que eles sempre vão ao cinema às quintas-
feiras-lembrouClarissa.-Esóvoltambemdepoisdasonze.
Satisfeito,Henryexclamou:
Ótimo.Parecequetudovaifuncionaracontento.SirJohneo
senhor...hum...
Jones-lembrouClarissa.
Exato, querida.Oprimeiro-ministro e o Sr. Jones terão ido
emboramuitoantesdeelesvoltarem.-Henryconsultouorelógio.
-Bem,émelhoreutomarumbanhorápidoantesdeiraBindley
Heath-afirmou.
E émelhor eu preparar os sanduíches de presunto - disse
Clarissa,saindodepressadasala.
Pegandoavalise,Henrycomentou:
Não deixe as luzes acesas, Clarissa. - Foi até a porta e
desligou a iluminação indireta. - Nós produzimos nossa
eletricidade por aqui a um custo alto. - Apagou também as
arandelasdeparede.-NãoestamosemLondres.
Depois de uma rápida olhada na sala, agora imersa na
escuridãoexcetopelatênueluzdohall,Henryassentiuefechoua
porta.
Capítulo7
No clube de golfe, Hugo reclamava do comportamento de
ClarissanoepisódiodaprovadevinhodoPorto.
Estánahoradeelapararcomessesjoguinhos,sabe-disse,
enquantosedirigiamaobar.-Lembra,Roly,daquelavezemque
eurecebiumtelegramadeWhitehallinformandoquemeunome
estaria na próxima lista anual de títulos honoríficos e que eu
seriaagraciadocomotítulodeCavaleiro?Umanoite,quandoeu
jantava com os dois, confidenciei o assunto a Henry. Ele
demonstrou surpresa, mas Clarissa começou a rir... Só então
percebiquetinhasidoelaquemenviaraotaltelegrama.Elasabe
serinfantilàsvezes.
SirRowlandriudiscretamente.
Sim,ecomosabe.Eadorarepresentar.Averdadeéqueela
roubavaacenanoclubedeteatrodaescola.Umaépocachegueia
pensar que ela ia levar a sério e seguir carreiranospalcos.Ela
convenceatémesmoquandocontaasmentirasmaisdeslavadas.
Sim,éissoqueosatoressão.Mentirososconvincentes.
Ficouuminstanteimersoemlembranças.Depoisprosseguiu:
AmelhoramigadeClarissanaescolaeraumamoçachamada
Jeanette Collins. O pai dela tinha sido um famoso jogador de
futebol,eaprópriaJeanetteerafanáticaporfutebol.Bem,umdia
Clarissa ligou para Jeanette, disfarçando a voz, e disse ser a
agente de relações públicas de um time qualquer. Contou que
Jeanettehaviasidoescolhidaanovamascotedo time,mascom
umacondição:queela fosseàquelatardeaoestádiodoChelsea,
fantasiadadecoelhinha,eficassedoladodefora,pertodasfilas
de entradados torcedores.Não se sabe como,mas o fato é que
Jeanettedeuumjeitodealugarumafantasiaelásefoivestidade
coelhinhaaoestádio,ondefoicaçoadaporcentenasdepessoase
fotografadaporClarissa,queestavaesperandopor ela.Jeanette
ficoufuriosa.Achoqueaamizadenãoresistiuaisso.
Não é de se admirar — rosnou Hugo resignado. Pegou o
cardápio e começou a dedicar atenção à importantematéria de
escolheroquecomeriamaistarde.
Nesse meio tempo, na sala de estar vazia dos Hailsham-
Brown,minutosdepoisdeHenry tersaídopara tomaraducha,
Oliver Costello entrou sorrateiramente pela porta de vidro,
deixando as cortinas abertas para que o luar penetrasse. Com
cuidado, percorreu a sala com o foco de uma lanterna, foi à
escrivaninha e acendeua lâmpada.Depoisde erguer a lingiieta
do escaninho secreto, de repente apagou a lâmpada e ficou
imóvel, como se tivesse escutado algo. Aparentemente
tranquilizado, acendeu de novo a lâmpada da mesa e abriu o
escaninho.
Atrás de Costello, a parede ao lado da estante de livros se
abriu devagar e silenciosa. Junto à escrivaninha, ele fechou o
escaninho,apagoualâmpadaeseviroubruscamente.Nembem
andouelevouumviolentogolpenacabeça,desferidoporalguém
escondidonointeriordonicho.Costellodesabounahora,caindo
atrásdosofá,eaportasecretafechoudepressa.
A sala permaneceu na escuridão um instante, até Henry
Hailsham-Brown entrar vindo do hall, acender as arandelas e
chamar "Clarissa!".Ele colocouosóculos e, quandoabasteciaa
cigarreiracomoscigarrosdeumacaixanamesinhapertodosofá,
Clarissaentrou,dizendo:
Estouaqui,querido.Querumsanduícheantes
deir?
Não, acho melhor eu sair logo - respondeu Henry, dando
tapinhasnervososnocasaco.
Masvocêvaichegarmuitocedo-disseClarissa.
Sãosóvinteminutosdecarroatélá.
Henrymeneouacabeça.
Nuncasesabe-declarou.-Possofurarumpneu,ouocarro
podequebrar.
Não se preocupe à toa, meu bem - repreendeu Clarissa,
endireitando a gravata dele. - Tudo vai correr conforme o
planejado.
MasequantoaPippa?-perguntouHenryansioso.
Temcertezadequeelanãovaidescereaparecerbemnomeio
da conversa sigilosa entre Sir John e Kalen... quero dizer, Sr.
Jones?
Não,nãoháperigodisso-garantiuClarissa.-Vousubirao
quartodelaevamosfazerumbanquete.Vamosassaraslinguiças
docafé-da-manhãerepartiramoussedechocolate.
VocêéperfeitacomPippa,meubem-dissecomumsorriso
afetuoso.-Esseéumdosmotivosporquelhesoumuitograto.-
Hesitou,umtantoatrapalhado,eprosseguiu:-Nuncafuideme
expressar muito bem... eu... sofri tanto... e agora é tudo tão
diferente.Você...-apertouClarissajuntoaopeito.
Por alguns instantes, os dois esqueceram do mundo num
beijo apaixonado.Em seguida,Clarissa escapou suavemente do
abraçoeentrelaçousuasmãosnasdele.
Vocêmefazmuitofeliz,Henry—disse.-Evaificartudobem
comPippa.Elaéumacriançaadorável.
Henrysorriucomternura.
Agora, vá se encontrar comesse taldeSr. Jones - ordenou
ela,empurrando-orumoàportadohall. -Sr.Jones-repetiu.-
Vocêsnãotinhamumnomemenosridículoparaescolher?
HenryestavaparasairdasalaquandoClarissaperguntou:
Vão entrar pela porta da frente? Quer que eu a deixe
destrancada?
Eleparounasoleiradaporta,meditouerespondeu:
Não.Achoquevamosentrarpelojardim.
Émelhorcolocarosobretudo,Henry.Estáesfriando-avisou
Clarissa,empurrando-oaohall. -E talvezocachecol também.-
Obediente, ele apanhou o sobretudo de um cabideiro no hall.
Clarissa o acompanhou até a porta da frente e deu mais um
conselho.
Cuide-senaestrada,querido.
Pode deixar - respondeu Henry. - Sabe que eu sempre me
cuido.
Depois que ele saiu, Clarissa fechou a porta e foi até a
cozinhaterminaropreparodossanduíches.Mesmoatarefadaem
dispor os sanduíches num prato, envoltos era guardanapos
úmidos paramanter o frescor, o pensamento teimava em recair
no recente e exasperador encontro comOliverCostello. Comas
sobrancelhas franzidas, levou os sanduíches à sala de estar,
repousando-osnamesinha.
Derepente,temerosadeprovocarairadeMissPeakeporter
marcadoamesa,pegouopratodenovo,esfregousemsucessoa
marcadeixadaesolucionouaquestãocobrindoamarcacomum
vasodefloresqueestavaperto.
Transferiu o prato de sanduíches para o banquinho e em
seguidasacudiucomcuidadoasalmofadasdosofá.Pegouolivro
dePippaeolevouàestante,cantarolando:
"Se alguém encontrasse alguém, atravessando o campo de
cen..." - de súbito, paroude entoar a cantiga e soltouumgrito
estridenteaotropeçaremOliverCostelloequasecairsobreele.
Curvando-sesobreocorpo,Clarissareconheceuquemera.
Oliver!—exclamou sem fôlego. Horrorizada, fitou-o por um
tempo que pareceu uma década. Persuadida de que ele estava
morto, endireitou-se depressa e correu à porta para chamar
Henry,maslogosedeucontadequeelesaíra.Voltouaocorpo,
correuatéotelefoneetirouofonedogancho.Começouadiscar,
parouepôsofonenoganchodenovo.Ficouumtempopensando
e observou a porta secreta na parede. Tomando uma decisão
rápida, olhouaparede outra vez e, com relutância, curvou-se e
começouaarrastarocorpoemdireçãoaela.
EnquantoClarissa fazia isso, aporta secretaabriudevagar.
Pippasaiudacâmara,comumchambresobreopijama.
Clarissa! - gemeu a menina, correndo com ímpeto para a
madrasta.
Tentando ficar entre Pippa e o corpo de Costello, Clarissa
procurouafastarameninacomumleveempurrão.
Pippa-implorou-,nãoolhe,querida.Nãoolhe.
Comavozsufocada,Pippagritou:
Foisemquerer.Verdade,foisemquerer.
Apavorada,Clarissasegurouacriançapelosbraços.
Pippa!Foi...você?-falouelasemfôlego.
Ele estámorto, não é?Morto de verdade? - indagou Pippa.
Entresoluçosconvulsivos,lamentou:-Eunão...queriamatá-lo.
Nãotiveintenção.
Calma, tenhacalma-murmurouClarissa,con-solando-a. -
Estátudobem.Venha,senteaqui.-LevouPippaatéacadeirade
braçoseafezsentar-se.
Eunãoqueria.Nãoqueriamatá-lo-choramingouPippa.
Clarissaajoelhou-seaoladodela.
Claro que você não queria - concordou. - Agora escute,
Pippa...
Pippanãoparavadechorar, ficandocadavezmaisnervosa.
Clarissaralhoucomela.
Pippa,presteatenção.Tudovaiacabarbem.Precisaesquecer
oqueaconteceu.Esquecertudo,entende?
Sim-soluçouPippa-,mas...maseu...
Pippa - continuou Clarissa com mais energia -, precisa
confiar em mim e acreditar no que eu estou falando. Vai ficar
tudobem.Masprecisasercorajosae fazerexatamenteoqueeu
disser.
Aindaemmeioasoluçosconvulsivos,Pippatentoudesviaro
rosto.
Pippa! - gritou Clarissa. - Vai fazer o que estou pedindo? -
Puxouameninade volta eaolhoubemdeperto. -Vai ounão
vai?
Sim,vousim-chorouPippa,aninhandoacabeçanopeitode
Clarissa.
Está bem. - Clarissa adotou um tom consolador e ajudou
Pippaalevantar-sedacadeira.-Agorasubaeváparaacama.
Vemcomigo,porfavor-suplicouamenina.
Sim, sim - assegurou Clarissa. - Vou subir daqui a pouco,
assimqueeupuder, e vou lhedarumbomcomprimido.Então
você vai adormecer e amanhã tudo vai parecer bem diferente. -
Olhouocorponochãoeacrescentou:-Nãovaihavermaisnada
parasepreocupar.
Maseleestámorto...nãoestá?-perguntouPippa.
Não, não, talvez não esteja - respondeu Clarissa de modo
evasivo.-Voudescobrir.Agoravamos,Pippa.Obedeça.
Soluçando, Pippa saiu da sala e subiu a escada correndo.
Clarissa observou-a saindo; em seguida, volveu o olhar para o
corpoestiradonochão.
Imagineseeuencontrasseumcadávernasaladeestar,oque
eu faria?—murmurou consigo. Ficouporum tempo absorta e
exclamoucommaisênfase:-Ai,meuDeus,oqueeuvoufazer?
Capítulo8
Quinzeminutosdepois,Clarissapermanecianasaladeestar,
murmurando consigo.Mas estivera ocupada nessemeio tempo.
Agora, todas as luzes estavam acesas, e a porta na parede,
cerrada.Ascortinashaviamsidocorridassobreasportasdevidro
abertas. O corpo de Oliver Costello jazia atrás do sofá, mas
Clarissa movera a mobília e dispusera no centro da sala uma
mesadebridgedobrável,comcartasemarcadoresparabridge,e
quatrocadeirasdeespaldaraltoeretoaoredordamesa.
Em pé ao lado damesa, Clarissa rabiscava anotações num
dosmarcadores.
-Trêsdeespadas,quatrodecopas,quatrosemtrunfos,passo
-murmurou,apontandocadamãodecartasaomarcar. -Cinco
de ouros, passo, seis de espadas... dobro... e acho que não
cumprem o contrato. - Após uma pausa, baixou o olhar e
continuou. - Vamos ver... dobre vulnerável, duas vazas,
quinhentos...oudeixofazer?Não.
Foi interrompida pela chegada de Sir Rowland, Hugo e o
jovemJeremy,queentrarampelaportadevidro.Hugoparouum
instanteefechouumadasfolhasdaportaenvidraçada.
Deixando omarcador e o lápis namesa de bridge,Clarissa
correuaoencontrodeles.
Graças a Deus, vocês chegaram - disse ela, muito
transtornada,sirRowland.
O que houve, querida? - perguntou Sir Rowland com
preocupaçãonavoz.Clarissadirigiu-seaostrês.
Meusqueridos-gritouela-,vocêsprecisammeajudar.
Jeremynotouamesacomascartasdistribuídas.
Parece que alguém andou jogando bridge - comentou
alegremente.
Nãosejamelodramática,Clarissa-opinouHugo.
Oqueandouaprontando,menina?
Clarissaagarrou-sesirRowland.
Ocaso é grave - insistiu. -Gravíssimo.Vãomeajudar,não
vão?
Claroquevamosajudar,Clarissa-garantiu-lheSirRowland-
,masoquefoiquehouve?
Sim, conte, o que foi desta vez? - indagouHugo com certo
enfado.
Jeremytambémnãodemonstrouemoção.
Clarissa,oquevocêestáinventando?-quissaberele.-Oque
foi?Encontrouumcorpooucoisaparecida?
Exato-contouClarissa.-Encontrei...umcorpo.
Comoassim...encontrouumcorpo?-perguntouHugo,mais
perplexodoqueinteressado.
ÉbemcomooJeremydisse-respondeuClarissa.
Entreiaquiedeidecaracomumcorpo.
Hugopassouosolhosnasala.
Doquevocêestáfalando?-reclamou.-Quecorpo?Ondeele
está?
Nãoestoubrincando,estoufalandosério-gritouenraivecida.
- Está ali. Vejam com seus próprios olhos. Atrás do sofá. -
EmpurrouSirRowlandemdireçãoaosofáerecuou.
Hugo foi depressa até o sofá. Jeremy o seguiu e curvou-se
sobreoencosto.
Minhanossa,éverdade-murmurouJeremy.
SirRowlandjuntou-seaeles.EleeHugoinclinaram-separa
examinarocorpo.
Puxa,éOliverCostello-exclamouSirRowland.
MinhanossaSenhora! -Jeremycorreuàsportasdevidroe
fechouascortinas.
Sim-disseClarissa.-ÉOliverCostello.
O que ele estava fazendo aqui? - perguntou Sir Rowland a
Clarissa.
VeioànoitinhaconversarsobrePippa-respondeuClarissa.-
Logodepoisquevocêssaíramparaoclube.
SirRowlandindagoudesconcertado:
OqueelequeriacomPippa?
Ele e Miranda estavam ameaçando levar Pippa embora -
contouClarissa. -Masagoranadadisso importa.Mais tardeeu
contoavocês.Temospressa.Nãohátempoaperder.
SirRowlandergueuumadasmãosemsinaldeadvertência.
Sóummomento - ordenou, aproximando-se deClarissa.—
Precisamos esclarecer os fatos. O que aconteceu quando ele
chegou?
Clarissabalançouacabeçadeformaimpaciente.
Eu avisei que Miranda e ele não iam levar Pippa, e ele foi
embora.
Maselevoltou?
Éóbvioquesim-disseClarissa.
Como?-perguntouSirRowland.-Quando?
Não sei - respondeu Clarissa. - Só sei que entrei na sala,
como já disse, e o encontrei... daquele jeito. - Fezumgesto em
direçãoaosoía.
Entendi-disseSirRowland,recuandoedebruçando-sesobre
o corpo no chão. - Entendi. Bem, ele está mortinho da silva.
Acertaramacabeçadelecomalgopesadoepontudo.—Olhouem
voltaparaosdemais.
Receio que isso não seja um negócio muito agradável
prosseguiu,mas não temos outra coisa a fazer. - Foi falando e
cruzandoasalarumoaotelefone.-Temosqueligarparaapolícia
e...
Não!-exclamouClarissacategórica.
SirRowlandjáestavatirandoofonedogancho.
Oquantoantesfizermosisso,melhor,Clarissa
aconselhouele.-Mesmoporquenãocreioqueelessuspeitem
devocê.
Não, Roly, pare- insistiu Clarissa. Cruzou a sala correndo,
tirouofonedamãodeleerepousou-onogancho.
Minhafilha...-tentouargumentarSirRowland,masClarissa
nãolhepermitiucontinuar.
Eu mesma poderia ter avisado a polícia, mas não quis -
admitiu. -Eu sabia perfeitamente que era a coisa certa a fazer.
Atécomeceiadiscar.Então,emvezdisso, ligueiparaoclubee
pedi a vocês três que viessem até aqui com urgência. - Ela se
voltouparaJeremyeHugo.-Evocêsaindanemmeperguntaram
oporquê.
Podedeixar tudoconosco - garantiu-lheSirRowland. -Nós
vamos...
Clarissaointerrompeucomenergia.
Parece que vocês não estão entendendo - insistiu ela. - Eu
quero queme ajudem.Vocês disseramqueme ajudariam se eu
estivesse em apuros. - Ela virou para incluir os outros dois
homens.-Queridos,vocêsprecisammeajudar.
Jeremypostou-se demodo a esconder o corpo deOliver da
vistadeClarissa.
Oquevocêquerqueagentefaça,Clarissa?-perguntoucom
polidez.
Livrem-sedocadáver-foiarespostainesperada.
Menina, deixe de bobagem - ordenou Sir Row- land. -
Estamosfalandodeassassinato.
Exatamenteporisso-ponderouClarissa.-Ocorponãopode
serencontradonestacasa.
Hugobufouinquieto.
Vocênãotemnoçãodoqueestáfalando,mocinhaexclamou.
- Anda lendo muitos livros policiais. Na vida real não se pode
fazeressetipodebrincadeira,ficarremovendocadáveres.
Maseujáomovi-explicouClarissa.-Euovireiparaverse
eleestavamortoecomeceiaarrastá-loatéoesconderijo.Quando
percebi que ia precisar de ajuda, liguei para o clube.Enquanto
esperavaporvocês,boleiumplano.
Que inclui amesa de bridge, suponho - comentou Jeremy,
mostrandoamesa.
Clarissapegouomarcadordebridge.
Sim-respondeuela.-Estevaisernossoálibi.
Que diabo... - começou Hugo, mas Clarissa não lhe deu
chancedeterminar.
Bridgerodado,meiodaterceirarodada-avisou.
Imaginei todas asmãos e anotei os pontos nestemarcador.
Claro,agoravocêstrêsprecisampreencherosoutrosmarcadores
comsuasrespectivasletras.
SirRowlandafitou,bastantesurpreso,edeclarou:
Estálouca,Clarissa.Completamentelouca.
Clarissanãolhedeuatenção.
Pensei em tudo - retomou. - O corpo precisa ser retirado
daqui.-OlhouparaJeremy.-Vaiserprecisodoisdevocêspara
fazer isso - recomendou ela. - É bem difícil lidar com um
cadáver...experiênciaprópria.
-Aonde afinal você espera que o levemos? - indagou Hugo
exasperado.
Clarissaestiveraestudandooassunto.
AchoqueomelhorlugarseriaMarsdenWoodrecomendou.-
Ficaaapenastrêsquilômetrosdaqui.
Fezumgestoàesquerda.-Vocêssaempeloportãodafrentee
poucosmetrosdepoispegamaquela estrada secundária.Éuma
estrada estreita, quaseninguémpassa por ela. - Virou paraSir
Rowlandedeuasinstruções.
Sigamatéentrarnomatoedeixemocarroaoladodaestrada.
Depoisvoltemcaminhandoparacá.
Estarrecido,Jeremyperguntou:
Seeuentendibem,vocêquerqueagentedesoveocorpona
mata?
Não.Podemdeixá-lodentrodocarro-explicouClarissa.-Éo
carro dele, entenderam? Ele o deixou estacionado perto do
estábulo.
A esta altura, todo o trio estampava a mesma expressão
desconcertada.
Vai ser tudomuito fácil - garantiuClarissa. - Se por acaso
alguémvervocêsvoltando,anoiteestábemescura.Eninguém
vai conseguir reconhecer vocês. E temos um álibi. Nós quatro
estávamosaqui,jogandobridge.
Ela repôs o marcador na mesa de bridge, quase satisfeita
consigo.Oshomensfitavam-naestupefatos.
Hugocomeçouaandaremcírculos.
Eu... eu... - balbuciou, abanando as mãos no ar. Clarissa
retomouasinstruções.
Usemluvas,éclaro-disseela-,paranãodeixarimpressões
digitaisemnenhumasuperfície.Jáestoucomelasprontasaqui.-
AfastandoJeremyda frente, ela foiaosofá,pegou trêsparesde
luvasdebaixodeumadasalmofadaseasdispôsnumdosbraços
dosofá.
SirRowlandnãotiravaosolhosdeClarissa.
Seu talento nato para o crime me deixa sem palavras -
alfinetou.
Jeremyaolhoucomadmiração.
Elapensouemtudo,nãoémesmo?–comentouele.
Sim - admitiu Hugo mas tudo isso não deixa de ser um
grandeabsurdo.
-Agora,apressem-se -determinouClarissacomveemência. -
Àsnovehoras,HenryeoSr.Jonesvãochegar.
Sr.Jones?QuemraioséSr.Jones?-perguntouSirRowland.
Clarissalevouamãoàcabeça.
Puxa vida - exclamou ela -, nunca tinha imaginado quanta
explicação é necessária em caso de assassinato. Achava que
bastariapedirajuda,vocêsmeajudariam,epronto,tudoestaria
resolvido.-Olhouaoredorparaotrio.-Ah,queridos,precisam
meajudar.-PassouamãonocabelodeHugo.—Hugo,querido...
A atuação está ótima, meu bem - disse Hugo, nitidamente
incomodado-,masumcadáveréumacoisasériaedesagradável.
Ficarfazendotravessurascomelepoderesultarnumaverdadeira
confusão.Ninguémsaiporaítransportandocadáveresnacalada
danoite.
ClarissafoiatéJeremyerepousouamãonobraçodele.
Jeremy,querido,vocêvaimeajudar,tenhocerteza.Nãovai?-
perguntoucomumtomdesúplicanavoz.
Jeremyfitou-acomadoração.
Está bem, eu topo - respondeu animado. - O que é um
cadáveramaisouamenosentreamigos?
Alto lá,mocinho-ordenouSirRowland. -Nãovoupermitir
isso.-Evirando-separaClarissa:-Presteatenção,Clarissa,você
precisaouvirmeusconselhos.Euinsisto.Afinal,precisamoslevar
Henryemconta.
Clarissafulminou-ocomoolharedeclarou:
MaséjustamenteHenryqueestoulevandoemconta.
Capítulo9
Os três homens receberam o comunicado de Clarissa em
silêncio.Demodo grave, Sir Rowland balançou a cabeça,Hugo
permaneceuatônito,eJeremyapenasdeudeombros,comoquem
desistecompletamentedeentenderasituação.
Respirandofundo,Clarissadirigiu-seaotrio.
Algoincrivelmenteimportantevaiaconteceraquihojeànoite
-disse.-Henrysaiupara...paraseencontrarcomumapessoae
trazê-la até aqui. Trata-se de algo imprescindível e confidencial.
Umsegredopolíticomuitoimportante.Ninguémdevesaberdisso.
Nãodevehaverpublicidadealguma.
HenrysaiuparaseencontrarcomumtaldeSr.Jones?-Sir
Rowlandindagoudemodocético.
Éumnomesimples,concordo-disseClarissa-,maséassim
que resolveram chamá-lo. Não posso revelar o nome verdadeiro
dele. Não posso falar mais nada. Prometi a Henry não contar
nadaparaninguém,masprecisoquevocêsentendamqueeunão
estou apenas... - virou para Hugo antes de concluir - ...sendo
estúpidaebancandoaatriz,comoHugoinsinuou.
ElasevoltouparaSirRowland.
QuetipodeefeitovocêachaqueterianacarreiradeHenry-
perguntou-seeleentrasseaquicomessapessoa ilustre (ecom
outrapessoamuitoilustreviajandoespecialmentedeLondressó
para essa reunião) e encontrasse a polícia investigando um
crime...oassassinatodohomemrecém-casadocomaex-mulher
deHenry?
Meu bom Deus! - exclamou Sir Rowland. Então encarou
Clarissa e acrescentou em tomduvidoso: -Não está inventando
tudoisso,está?Essenãoésómaisumdeseusjogossofisticados
comoobjetivodenosfazerdebobos?
Clarissabalançouacabeçacompesar.
Nuncaacreditamemmimquandofaloaverdade,protestou.
Sinto muito, querida - disse Sir Rowland. - Sim, agora
entendoqueoproblemaémaiscomplicadodoqueeuimaginava.
Entende?- insistiuClarissa.-Por issoqueéabsolutamente
crucialremoverocorpodaqui.
Ondeestámesmoocarrodele?-indagouJeremy.
Pertodoestábulo.
Eosempregadossaíram,peloqueentendi?
Clarissaacenoucomacabeça.
Sim.
Jeremypegouumpardeluvasdosofá.
Certo-exclamoudecidido.-Levoocorpoatéocarro,outrago
ocarroatéocorpo?
SirRowlandestendeuobraço,numgestodecontenção.
Espereumpouco-recomendou.-Nãodevemosnosprecipitar
assim.
Jeremy largou o par de luvas, mas Clarissa voltou-se sir
Rowland,numgritodesesperado:
Mastemosquenosapressar!
SirRowlandaobservoudemodosério.
Não estou convencido de que esse seu plano é o melhor,
Clarissa-declarou.-Querodizer,sepudéssemosapenasretardar
a descoberta do corpo até amanhã demanhã... penso que isso
resolveriaoproblemasemmaiorescomplicações.Demomento,se
apenas levássemosocorpoaoutroaposento,porexemplo,acho
queissopoderiaserjustificável.
Clarissadirigiu-sediretamenteaele.
Évocêquemeutenhoqueconvencer,nãoé?disseela.
OlhandoparaJeremy,prosseguiu:-Jeremyestáprontopara
ajudar.-LançouumolharparaHugo.
EHugoresmunga,balançaacabeça,masacabacolaborando.
Évocêque...
Abriuaportadabiblioteca.
-Vocês dois nos dão licença um minuto? - perguntou a
JeremyeHugo.-QuerofalarasóscomRoly.
Nãodeixaelateenrolar,Roly-preveniuHugoefoideixando
asalajuntocomJeremy.
Jeremy deu um sorriso tranquilizador a Clarissa e
murmurou:
Boasorte!
SirRowland,sisudo,sentou-seàmesadeleitura.
Poisbem!-exclamouClarissaaosentar-sedooutroladoda
mesaefitá-lo.
Querida-advertiuSirRowland-,euamovocê,esemprevou
amarcomternura.Mas,antesquevocêmepergunte,nestecaso,
arespostasimplesmentetemquesernão.
Clarissafaloucomseriedadeeênfase:
Ocorpodaquelehomemnãopodeserencontradonestacasa-
insistiuClarissa.-SeeleforencontradoemMarsdenWood,posso
dizer que ele ficou pouco tempo aqui. Posso dizer à polícia
inclusiveahoraexataemqueelesaiu.Naverdade,MissPeakeo
acompanhouatéasaída,oqueacabousendoumasorte.Nãohá
motivoparamencionarqueelevoltou.
Elarespiroufundo.
Mas se o corpo dele for encontrado aqui - retomou -, todos
nósvamosser interrogados. -Fezumapausaantesde concluir
semhesitação:-EPippanãovaiconseguirsuportar.
Pippa?-perguntouSirRowlandclaramentesurpreso.
OrostodeClarissaestavasombrio.
Sim,Pippa.Elavaiperderocontroleeconfessarocrime.
Pippa!-repetiuSirRowland,enquantoassimilavadevagaras
recentesinformações.
Clarissaassentiucomacabeça.
MeuDeus!-exclamouSirRowland.
Ela ficou apavorada quando ele veio aqui hoje contou
Clarissa.
Tenteitranquilizá-la,dizendoqueeunãoiapermitirqueelea
levasse embora,mas acho que ela não acreditou emmim. Você
sabe tudo o que ela passou... o colapso nervoso que ela teve?
Bem,achoqueelanãosobreviveriasefosseobrigadaamorarde
novo com Oliver e Miranda. Pippa estava aqui quando eu
encontreiocorpodeOliver.Elamedissequenãoteveintenção,
eu tenho certeza de que ela estava falando a verdade. Foi puro
pânico.Elapegouaquelebastãoeoatingiusempensar.
Quebastão?-indagouSirRowland.
Aqueledosuportenohall.Estánoesconderijo.Deixeionde
estava,nãotoqueinele.
Sir Rowland pensou por um momento. Então perguntou
incisivo:
OndeestáPippaagora?
Na cama - disse Clarissa. - Dei um comprimido para ela
dormir.Nãodeveacordarantesdoamanhecer,quandovoulevá-la
aLondres.Minhaantigababávaicuidardelaporumtempo.
SirRowlandlevantou-see foiatrásdosofáolharocorpode
OliverCostello.Retornando,beijouClarissa.
Meubem,vocêvenceu-disseele.-Meperdoe.Pippanãodeve
ser obrigada a enfrentar uma situação como esta. Chame os
outrosdevolta.
Ele fechouaoutra folhadaportaenvidraçada.Clarissa,por
suavez,abriuaportadabibliotecaechamou:
Hugo,Jeremy.Podemretornar,porfavor?Osdoisvoltaramà
sala.
EssemordomodevocêsnãofechaacasadireitoavisouHugo.
-Ajaneladabibliotecaestavaaberta.Acabodefechá-la.
Dirigindo-sesirRowland,perguntoudechofre:
Eentão?
Fuiconvencido-foiarespostaigualmenteconcisa.
Muitobem-comentouJeremy.
Nãohátempoaperder-declarouSirRowland.
Antesdemaisnada,asluvas.
Ele apanhou um par e o colocou. Jeremy pegou um par e
entregououtroaHugo;osdoiscolocaramasluvas.SirRowland
foiatéaportasecreta.
Comoseabreestacoisa?-perguntou.Jeremyaproximou-se.
Assim-disseele.-Pippamemostrou.-Moveuaalavancae
abriuaportasecreta.
SirRowlandexaminouoesconderijo,estendeuobraçopara
dentroepegouobastãodecaminhada.
Sim,épesadoobastante-comentou.-Ebemnacabeça.Por
outrolado,eunãoimaginavaque...-Eleparou.
Oquevocênão imaginava? -quissaberHugo.SirRowland
meneouacabeça.
Eu imaginava - respondeu ele - que tinha sido algo com a
pontamaisafiada...emetálica.
Querdizerumaespéciedecutelo-observouHugo,ríspido.
Não sei,não -disseJeremy. -Paramimessebastãoparece
bemmortal.Pode-sefacilmenteesfacelaracabeçadealguémcom
ele.
Evidente que sim - disse Sir Rowland, em um tom seco.
Voltou-seaHugoeentregou-lheobastão.-Hugo,façaofavorde
queimaristonafornalhadacozinha-orientou.
Warrender,nósdoisvamoslevarocorpoatéocarro.
EleeJeremyseagacharam,cadaqualaumladodocorpo.No
momentoemquefaziamisso,tocouumacampainha.
Oquefoiisso?-indagouSirRowlandatônito.-Acampainha
dafrente-disseClarissadesorientada.
Todosficarampetrificadosporuminstante.-Quemserá?
-pensouconsigoClarissaemvozalta.—Émuitocedopara
Henrye...ahn...osr.Jones.TalvezsejaSirJohn.
Sir John? - indagou Sir Rowland, ainda mais perplexo. -
Querdizerqueoprimeiro-ministroéesperadoaquihojeànoite?
Sim-respondeuClarissa.
Hum... - murmurou Sir Rowland, numa indecisão
momentânea. Então sussurrou: - Certo. Bem, precisamos fazer
algumacoisa.-Acampainhatocoudenovo,eeleentrouemação.
- Clarissa - ordenou —, vá atender a porta. Use todas táticas
possíveisdedemora.Nestemeio-tempo,damosumjeitoporaqui.
Clarissasaiurapidamenteemdireçãoaohall,eSirRowland
voltou-separaHugoeJeremy.
Escutembem-explicouemtomdecidido.-Vamosescondê-lo
naquele nicho. Mais tarde, quando eles estiverem no meio da
reunião,podemosretirá-lopelabiblioteca.
Boa ideia - concordou Jeremy, auxiliando Sir Rowland a
erguerocorpo.
Precisamdeajuda?-perguntouHugo.
Não, está tudobem - respondeuJeremy.Ele eSirRowland
ergueram o corpo de Costello pelas axilas e o carregaram para
dentrodoesconderijo;Hugopegoualanterna.Poucodepois,Sir
Rowland saiu e acionou a alavanca, seguido pelo apressado
Jeremy.Rapidamente,Hugoesgueirou-sesobobraçodeJeremy
esconderijo adentra, coma lanterna e o bastão.Aporta secreta
fechou.
SirRowland,depoisdeexaminaroseucasacoparaversenão
haviamanchasdesangue,murmurou:
As luvas. - Tirou as luvas e colocou-as embaixo de uma
almofada no sofá. Jeremy fez o mesmo. Então, Sir Rowland
lembrou:
Bridge!
Sentou-seapressadoàmesadebridge.
Jeremyoimitouepegouascartasàsuafrente.
Vamos,Hugo,mova-se-apressouSirRowiand,aopegarsuas
cartas.
Comoresposta,ouviuumabatidanointeriordoesconderijo.
Derepente,notandoaausênciadeHugo,SirRowiandeJeremy
se entreolharamsobressaltados. Jeremycorreuaté a alavanca e
abriuaportasecreta.
Vamos,Hugo- repetiuSirRowiand, inquieto,quandoHugo
apareceu.
Depressa,Hugo-resmungouJeremy,impaciente,acionando
aalavancaefechandoaportaoutravez.
Sir Rowiand arrancou as luvas de Hugo e escon- deu-as
embaixo da almofada do sofá. Os três prontamente tomaram
lugaràmesadebridgeeapanharamascartas.NissoClarissaveio
dohalleentrounasala,seguidapordoishomensfardados.
Emtomdesurpresainocente,Clarissaanunciou:
TioRoly,éapolícia.
Capítulo10
O mais antigo dos dois policiais, um grisalho atarracado,
seguiu Clarissa sala adentro, e o seu colega ficou esperando à
portadohall.
Esteéo inspetorLord-apresentouClarissa.-E...elavirou
para o policialmais novo, ummoreno de vinte e poucos anos,
comacompleiçãodeumjogadordefutebol.
Desculpe-me,comoémesmooseunome?-perguntou.
Oinspetorrespondeuporele.
ÉoguardaJones-informou.Dirigindo-seaostrêshomens,
ele prosseguiu: - Desculpe a intromissão, cavalheiros, mas
recebemosadenúnciadequeteriasidocometidoumassassinato
nestacasa.
Clarissa e seus amigos falaram todos ao mesmo tempo,
demonstrandosurpresacompleta.
Oquê?-bradouHugo.
Umassassinato!-exclamouJeremy.
Céus!-gritouSirRowland.
Nãoéextraordinário?-disseClarissa.
Sim, recebemos um telefonema na delegacia- esclareceu o
inspetor.ComumacenodecabeçaparaHugo,acrescentou:-Boa
noite,sr.Birch.
Ahn...boanoite,inspetor-balbuciouHugo.
Parecequealguémandou lhepassandoumtrote, inspetor-
sugeriuSirRowland.
Sim-concordouClarissa.-Jogamosbridgeanoitetoda.
Osoutrosconfirmaram,eClarissaindagou:
Apessoaqueligoudissequemfoiassassinado?
Não foram mencionados nomes - comunicou o inspetor. -
Quemligoudisseapenasqueumhomemhaviasidoassassinado
em Copplestone Court e pediu que viéssemos imediatamente.
Desligouantesquepudessemserobtidasinformaçõesadicionais.
Deve ter sido um trote - declarou Clarissa. Acrescentou de
maneiravirtuosa:-Quecoisamaisvil.
Hugofez"Tsc,tsc"emdesaprovação,eoinspetorrespondeu:
Asenhoraficariasurpresasesoubesseasmaluquicesqueas
pessoasfazem.
Fez uma pausa, olhou um por um dos interlocutores e
continuou,dirigindo-seaClarissa:
Muito bem, de acordo com a senhora, não aconteceu nada
foradocomumaquiestanoite?-Semesperarresposta,emendou:
-Talvezsejamelhoreufalartambémcomosr.Hailsham-Brown.
Ele não está em casa - disse Clarissa ao inspetor. - Só vai
chegartardedanoite.
Entendo-respondeu.-Quemestáhospedadonacasaagora?
Sir Rowland Delahaye e o Sr. Warrender - disse Clarissa,
indicando-os. Ela completou: - E o Sr. Birch, que o senhor já
conhece,veioparaanoite.
SirRowlandeJeremyaquiesceramcommurmúrios.
Ah, claro - prosseguiu Clarissa, como se tivesse lembrado
naqueleinstanteeminhapequenaenteada.
Deu ênfase à palavra "pequena". - Está no quarto dela,
dormindo.
Equantoaosempregados?-quissaberoinspetor.
Temosdois.Marido emulher.Mas é anoite de folga deles.
ForamaocinemaemMaidstone.
Sei-disseoinspetorsério,acenandoacabeça.
Naqueleexatomomento,Elginentrounasalapelaportado
hall,quasetrombandocomoguardaqueestavaalidesentinela.
Apósum rápido olhar de dúvida ao inspetor,Elgin dirigiu-se à
patroa.
Asenhoradesejaalgumacoisa,madame?-perguntou.
OinspetorlançouumolharmordazaClarissa,queexclamou
surpresa:
Penseiquevocêstinhamidoaocinema,Elgin.
Tivemos que voltar logo, madame - explicou o mordomo. -
Minhamulhernãoestavasesentindobem.
Cheiodededos,acrescentou:-Um...probleminhaestomacal.
Devetersidoalgoqueelacomeu.-Olhouparaoinspetor,depois
paraoguardaeperguntou:-Háalgo...errado?
Qualoseunome?-perguntouoinspetor.
Elgin, senhor - respondeu o mordomo. - Espero realmente
nãohavernada...
Alguém ligou à delegacia e disse que um assassinato havia
sidocometidoaqui-atalhouoinspetor.
Umassassinato?-indagouElginsemfôlego.
Sabedealgumacoisa?
Nada,senhor.Nadamesmo.
Quer dizer, então, quenão foi você que ligou? perguntou o
inspetor.
Não,nãofoi.
Quandovocêvoltouparacasa,entroupelaportadosfundos,
imagino?
Sim,meu senhor - respondeuElgin, adotandoumaatitude
maisrespeitosadevidoaonervosismo.
Notoualgodiferente?
Omordomomeditouumpoucoerespondeu:
Pensando bem, agora que o senhor falou, havia um carro
desconhecidopertodoestábulo.
Umcarrodesconhecido?Comoassim?
NahorafiqueipensandodequempodiaserrelembrouElgin.
-Mepareceuumlugarcuriosoparaestacionar.
Haviaalguémnocarro?
Nãoqueeutenhavisto,senhor.
Vádarumaolhada,Jones-ordenouoinspetoraoguarda.
Jones!-exclamouinvoluntariamenteClarissa,desobressalto.
Algumproblema?-disseoinspetor,virando-separaela.
Clarissarecompôs-sedepressa.Comumsorriso,murmurou:
Nada não... só achei que nem parece que ele é do País de
Gales.
Comumgesto,oinspetorindicouaoguardaJoneseaElgin
queseretirassem.Osdoisdeixaramjuntosasala,eseguiu-seum
silêncio. Um momento depois, Jeremy sentou-se no sofá e
começouacomerossanduíches.Oinspetordescansouoquepee
as luvasnacadeiradebraçose, respirando fundo,dirigiu-seao
gruporeunido.
Tudoindica-declarounumafalalentaecalculada-queuma
pessoa esteve aqui hoje à noite sem que ninguém percebesse. -
Olhou para Clarissa. - Tem certeza de que não esperava mais
ninguém?-perguntou.
-Ah...claroquetenhocerteza-respondeuClarissa.
Nãoqueríamosqueninguémmaisaparecesse.Láestávamos
emquatroparaobridge.
É mesmo? - disse o inspetor. - Eu também gosto de jogar
bridge.
O senhor gosta? - respondeu Clarissa. - Joga a convenção
Blackwood?
Sóumjoguinhosimples-disseo inspetor. -Diga-me,Sra.
Hailsham-Brown - retomou ele -, não faz muito tempo que a
senhoramoraaqui,nãoémesmo?
Não-contouela.-Umasseissemanas.
Oinspetorobservou-adetidamente.
Enãoaconteceunadasuspeitodesdequevocêssemudaram
paracá?-perguntou.
AntesdeClarissaresponder,SirRowlandinterpôs:
O que o senhor quer dizer mais exatamente com nada
suspeito,inspetor?
Bem,éumahistóriarealmentecuriosa-informouopolicial,
dirigindo-seaSirRowland.-Estacasapertenciaaosr.Sellon,o
vendedordeantiguidades.Elemorreuseismesesatrás.
Sim-lembrou-seClarissa.-Sofreuumaespéciedeacidente,
nãofoi?
Exato-disseoinspetor.-Caiudepontacabeçanaescada.-
VolvendooolharaJeremyeHugo,emendando:
Morteacidental, foioquealegaram.Podeserquesim,pode
serquenão.
Osenhorquerdizer -perguntouClarissa -queelepode ter
sidoempurrado?
Ou isso - concordou,voltando-separaela -, ouelepode ter
levadoumapancadanacabeça...
Houveumsilênciotenso,outravezquebradopeloinspetor:
Alguém pode ter disposto o corpo de Sellon ao pé da
escadaria.
Naescadariadestacasa?-indagouClarissanervosamente.
Não,aconteceunalojadele-informouoinspetor.-Nãohavia
provas concludentes, é claro... mas o sr. Sellon escondia um
poucoojogo.
Comoassim,inspetor?-perguntouSirRowland.
Bem-oinspetorrespondeu-,vamosdizerqueumaouduas
vezeseleprecisounosdarexplicações.Eemoutraoportunidadea
divisão de Narcóticos desceu de Londres para ter uma
conversinhacomele...-fezumapausa,antesdeconcluir—,mas
nãoseconseguiuprovarnada.
Osenhorquerdizeroficialmente-observouSirRowland.
É verdade - disse o inspetor de modo expressivo. -
Oficialmente.
Aopassoquenão-oficialmente...?-instigouSirRowland.
Receionãopodertocarnesseassunto-respondeuoinspetor.
Continuou:-Houve,porém,umacircunstânciainsólita.Haviana
escrivaninha do Sr. Sellon uma carta inacabada, na qual ele
mencionava estar em posse de algo descrito por ele como uma
raridade incomparável e que ele iria... - neste ponto o inspetor
parou, como se estivesse tentando recordar aspalavras exatas -
...primeiro se certificar de que não era uma falsificação para
depoisvenderporquatorzemillibras.
Pensativo,sirRowlandmurmurou:
Quatorze mil libras. - E continuou, aumentando o tom de
voz:-Semdúvida,ébàstantedinheiro.Oquepoderiaser?Uma
jóia, suponho, mas a palavra falsificação sugere... não sei, um
quadro,talvez?
Jeremy continuava a mastigar os sanduíches de modo
ruidoso.Oinspetorrespondeu:
Sim,talvez.Nãohavianadanalojaquevalesseumagrande
soma de dinheiro. O inventário do seguro não deixou dúvidas
quantoaisso.Os.r.Sellontinhaumasócia,donadeseupróprio
negócio em Londres. Essa senhora escreveu dizendo que não
sabiadenadaquepudessenosajudarouinformar.
SirRowlandbalançouacabeçadevagar.
Elepodetersidoassassinado,eotalobjeto,sejaqualfor,ter
sidoroubado-sugeriuele.
Éumapossibilidade, sir-concordou o inspetor,mas outra é
queosupostoladrãonãotenhaconseguidoencontraroobjeto.
Ora,porqueosenhorpensaisso?-indagousirRowland.
Porque - respondeu o inspetor - de lá para cá a loja foi
arrombadaduasvezes.Arrombadaereviradadecimaabaixo.
Confusa,Clarissaquissaber:
Porqueestánoscontandotudoisso,inspetor?
Porque, Sra. Hailsham-Brown—volveu o inspetor -, passou
pela minha cabeça que, seja lá o que for que o s.r. Sellon
escondeu, ele pode ter escondido aqui nesta casa e nãona loja
dele emMaidstone. Por isso, perguntei se a senhora não ficou
sabendodealgoestranho.
Erguendoamãocomosederepentetivesselembradodealgo,
Clarissadisseagitada:
-Alguém ligou hoje, pediu para falar comigo e, quando eu
atendiotelefone,desligou.Éumpoucoesquisito,nãoacha?-Ela
se virou para Jeremy e acrescentou: - Ah, sim, é claro. Houve
também aquele homem que veio outro dia e queria comprar
coisas...umgrosseirãovestindoumternoxadrez.Queriacomprar
aquelaescrivaninha.
Oinspetorcruzouasalaparaexaminaraescrivaninha.
Estaaqui?-perguntou.
Sim-respondeuClarissa.-Éclaroqueeudisseaelequenão
podíamos vender, afinal o móvel não era nosso, mas ele não
acreditouemmim.Ofereceuumaquantiaalta,bemmaisdoque
vale.
Muito interessante - comentou o inspetor, perscrutando a
escrivaninha.-Emgeral,essascoisastêmumagavetasecreta.
Sim, esta tem - revelou Clarissa. - Mas não tinha nada de
muitointeressantenelaSóunsautógrafosantigos.
Interessado,oinspetorperguntou:
Autógrafos antigos podem valer bastante dinheiro, que eu
saiba-falou.-Dequemeram?
Posso garantir-lhe, inspetor — informou Sir Rowland que
essesnãoeramrarosobastantenemparavalermaisdeumaou
duaslibras.
Aportadohallabriu,eoguardaJonesentrou,trazendoum
livrinhoeumpardeluvas.
Eentão,Jones?Qualorelatório?-perguntouoinspetor.
Examinei o carro - respondeu. - Só um par de luvas no
assento do motorista. Mas encontrei esta agenda na bolsa da
porta.-Entregouaagendaaoinspetor,eClarissatrocousorrisos
comJeremypelofortesotaquegalêsdoguarda.
Oinspetorexaminouaagendaeleuemvozalta:
"Oliver Costello, Moigan Mansions, 27, Londres, SW3". -
Então, perguntou a Clarissa demodo incisivo: - Por acaso um
homemchamadoCostellonãoesteveaquihoje?
Capítulo11
Os quatro amigos trocaram olhares furtivos de culpa Tanto
ClarissaquantoSirRowlandfizerammençãoderesponder,mas
foiClarissaquemfalourealmente.
84
Sim-admitiu.-Eleesteveaquiporvolta...-Hesitou.-Deixe-
mever...-prosseguiu.-Sim,porvoltadasseisemeia.
Eleéseuamigo?-perguntouoinspetoraela.
Não, eu não o chamaria de amigo - respondeu Clarissa. -
Encontrei-mecomelesóumaouduasvezes.
Demodointencional,assumiuumaexpressãoconstrangidae
disse vacilante: - É... um pouco complicado mesmo... - Olhou
suplicanteaSirRowland,comopassandoabolaaele.
Este cavalheiro prontamente atendeu ao não pronunciado
pedidodaamiga.
Inspetor - disse ele -, talvez fosse melhor eu explicar a
situação.
Porfavor-respondeuoinspetorumtantolacônico.
Bem - prosseguiu Sir Rowland -, o caso tem a ver com a
primeiraSra.Hailsham-Brown.Fazpoucomaisdeumanoque
ela e Hailsham-Brown se divorciaram, e não faz muito ela se
casoucomos.r.OliverCostello.
Certo-observouoinspetor.-Eos.r.Costelloveioaquihoje.-
Voltou-separaClarissa.-Porquemotivoperguntou,-Eleavisou
quevinha?
Ah,não-respondeuClarissacomnaturalidade.
Para ser mais exata, quando Miranda e meu marido se
divorciaram,elalevoujuntoumaouduascoisasquenaverdade
nãolhepertenciam.OliverCostellocasualmenteestavapassando
poraquiefezumavisitinhaparadevolver.
Quetipodecoisas?-foiaperguntainstantâneadoinspetor.
Clarissaesperavaessapergunta.
Nada importante - disse com um sorriso. Pegou a pequena
cigarreira prateada da mesinha ao lado do sofá e estendeu ao
inspetor.
Isto, por exemplo - disse ela. - Pertenceu à mãe de meu
maridoetemvalorsentimentalparaele.
Pensativo,oinspetorfitouClarissaporuminstante,antesde
perguntar:
O s.r. Costello chegou às seis e meia e ficou por quanto
tempo?
Ah, pouco tempo - respondeu ela ao repor a cigarreira na
mesa.-Dissequeestavacompressa.Unsdezminutos,eudiria.
Nãomaisdoqueisso.
Eaconversafoibemamigável?-inquiriuoinspetor.
Ah,sim-assegurouClarissa.-Acheimuitagentilezadelese
importaremdevolverascoisas.
Oinspetorpensouummomentoeindagou:
Elemencionouparaondeiadepois?
Não - respondeu Clarissa. - Na verdade, ele saiu por ali—
prosseguiu, apontando a porta envidraçada de duas folhas. -
Inclusivenossa jardineira,MissPeake,estavaaquieseofereceu
paraacompanhá-lopelojardimaoportãodasaída.
Sua jardineira... ela mora na propriedade? - quis saber o
inspetor.
Sim,masnãonacasa.Elamoranochalé.
Gostariadeterumapalavrinhacomela-decidiuoinspetor.
Voltou-separaoguarda.-Jones,váchamá-la.
Háumaconexãotelefônicaentreacasaeochalé.Querque
euachame,inspetor?-ofereceu-seClarissa.
Se não for incômodo, Sra. Hailsham-Brown - respondeu o
inspetor.
De modo algum. Ela ainda deve estar acordada - disse
Clarissa,apertandoumbotãonotelefone.Abriuumsorrisopara
o inspetor, que reagiu com timidez. Jeremy sorriu consigo e
pegoumaisumsanduíche.
Clarissafalouaotelefone.
Alô,MissPeake.AquiéaSra.Hailsham-Brown...Asenhora
seimportadeviratéaqui?Aconteceuumacoisamuitoséria...Ah,
sim,claro,nãotemproblemaObrigada.
Elarepôsofonenoganchoevoltou-seaoinspetor.
MissPeakeestáacabandodelavarocabelo,maslogovaise
vestirevirparacá.
Obrigado -disseo inspetor. -Afinal, épossívelqueCostello
tenhamencionadoaondeia.
Sim,épossívelmesmo-concordouClarissa.
Intrigado,oinspetordeclarouatodos:
OquemedeixaapreensivoéporqueocarrodoSr.Costello
aindaestáaquieondeestáoSr.Costello?
Clarissalançouumolharinvoluntárioàestantedelivroseà
porta secreta; em seguida, caminhou até a porta de vidro para
esperar Miss Peake. Jeremy, notando o olhar de Clarissa,
recostou-seinocentementenosofáecruzouaspernas.Oinspetor
continuou:
Tudo indica que essaMiss Peake foi a última pessoa a ver
Costello.Elesaiu,comoasenhoradisse,poressaportadevidro.
Asenhoraafechoudepois?
Não - respondeu Clarissa, defronte à porta envidraçada, de
costasparaoinspetor.
Mesmo?-perguntouoinspetor.
AlgonavozdelefezClarissasevirar.
Bem,eu...achoquenão-dissehesitante.
Então ele pode ter retornado e entrado por aí - observou o
inspetor.Respirou fúndoeparticipousolenemente: -Creio, sra.
Hailsham-Brown, que, com sua permissão, eu devo revistar a
casa.
Fiqueàvontade-respondeuClarissacomumsorrisoafável.-
Bem,estasalaosenhorjáviu.Ninguémpoderiaestarescondido
aqui. - Segurou a cortina aberta por um instante, como se
esperasseMissPeake,eexclamou:-Olhe,poraquiéabiblioteca.
-Abriuaportadabibliotecaeconvidou:-Osenhorquerdaruma
olhada?
Obrigado-disseoinspetor.-Jones!-Nomomentoemqueos
dois policiais entravam na biblioteca, o inspetor emendou: -
Verifique aonde vai dar esta porta, Jones -mostrando comum
gestooutraportabemnaentradadabiblioteca.
Pode deixar, senhor - respondeu o guarda, entrando pela
portaindicada.
Logo que suas vozes ficaram fora do alcance, Sir Rowland
aproximou-sedeClarissa.
Oquehádooutro lado?-perguntoubaixinho, indicandoa
portasecreta.
Umaestantedelivros-respondeuconcisamente.
Ele balançou a cabeça e rumou com indiferença ao sofá.
Entãoseouviuavozdoguarda:
Éapenasoutraportaparaohall,senhor.
Osdoispoliciaisretornaramdabiblioteca.
Certo-disseoinspetor.OlhouparaSirRowland,obviamente
percebendoqueelehaviatrocadodelugar.
Agoravamosvasculharorestodacasa-avisouele,rumando
aohall.
Voujuntocomossenhores,senãoseimportaremofereceu-se
Clarissa-,casominhaenteadaacordeefiqueassustada.Nãoque
eu ache que ela vá acordar. Incrível como é pesado o sono das
crianças. Para fazê-las despertar, você praticamente tem de
sacudi-las.
Quandooinspetorabriuaportadohall,Clarissaindagou:
Osenhortemfilhos,inspetor?
Ummeninoeumamenina-respondeusucinto;emseguida
saiudasala,atravessouohallecomeçouasubirasescadas.
Nãoémaravilhoso?-comentouClarissa.Evoltando-separao
guarda:-Sr.Jones.-Comumgesto,elaconvidouoguardaasair
nafrenteeseguiulogoatrás.
Assim que eles saíram, os três remanescentes na sala se
entreolharam.Hugoenxugouasmãos,eJeremypassouamãona
testa.
Eagora?-indagouJeremy,pegandooutrosanduíche.
SirRowlandmeneouacabeça.
Nãoestougostandonadadisto-revelou.-Estamoscadavez
maisenvolvidos.
Se querem saber minha opinião - aconselhou Hugo -, só
temosumacoisaa fazer: contaraverdade.Confessarantesque
sejatarde.
Droga, não podemos fazer isso - exclamou Jeremy. - Seria
umadeslealdadecomClarissa.
Mas se continuarmos com isso vamos deixá-la numa
enrascada ainda pior - insistiu Hugo. - Como vamos conseguir
removeromorto?Apolíciavaiapreenderocarrodele.
Podemosusaromeu-sugeriuJeremy.
Bem, não gosto disso - persistiu Hugo. - Não gosto nada
disso. Raios, eu sou juiz de paz do condado. Minha reputação
comapolícialocalestáemjogo.-Voltou-separaSirRowland.-O
quemediz,Roly?Seucérebrosemprefuncionoubem.
SirRowlandrespondeusério:
Tenho de admitir que isso nãome agrada nem um pouco,
maspessoalmenteestoucomprometidocomaempreitada.
Hugo,perplexo,disseaoamigo:
Nãoentendovocê.
Confie emmim, se puder, Hugo - disse Sir Rowland. Com
expressão grave, continuou: -Estamosnuma situaçãoperigosa,
todosnós.Mascomuniãoeumaboadosedesorte,háchances
deescaparmosdesta.
Jeremyfezmençãodeabriraboca,masSirRowlandergueu
amãoeprosseguiu:
Assim que a polícia se convencer de que Costello não está
nestacasa,vaiemboraparaprocuraremoutraparte.Afinal,pode
havermuitasrazõesparaeleterabandonadoocarroeidoembora
a pé. - Fez um gesto aos dois e completou: — Somos todos
cidadãos respeitáveis: Hugo é juiz de paz, como acabou de nos
lembrar,eHenryHailsham-Brown,diplomatadoaltoescalãodo
ministériodasRelaçõesExteriores.
Sim,sim,evocêtemumacarreirailibadaeconhecida,todos
sabemosdisso - interveioHugo. -Tudobem, se é issoque você
quer,vamosenfrentaresta.
Jeremylevantou-seemostrouoesconderijocomumacenode
cabeça.
Nãopodemosfazeralgoimediatamente?-perguntou.
Agoranãohátempo-determinouSirRowlandemtombreve.
-Elesvãovoltaraqualquerminuto.Eleestáseguroali.
Jeremybalançouacabeçaemconcordânciarelutante.
ÉprecisoreconhecerqueClarissaémaravilhosa-comentou
Jeremy.-Friacomopedra.Aqueleinspetorestácomendonamão
dela.
Acampainhatocou.
DeveserMissPeake,suponho-declarouSirRowland.-Podia
atenderefazê-laentrar,Warrender?
Tão logo Jeremy saiu, Hugo acenou para Sir Rowland se
aproximar.
Oque estáhavendo,Roly? - sussurrou comansiedade. -O
queClarissacontouquandovocêsestavamasós?
Sir Rowland começou a falar, mas, escutando as vozes de
Jeremy e de Miss Peake trocando cumprimentos na porta da
frente,fezumgestoquesignificava"Agoranão".
Achomelhorasenhoraesperarnasala-JeremydisseaMiss
Peakeaofecharaportadafrente.Uminstantedepois,precedendo
aJeremy,ajardineiraentrounasala,aparentandotersevestido
commuitapressa.Traziaumatoalhaenroladanacabeça.
Porquetudoisto?-quissaberela.-ASra.Hail-sham-Brown
todamisteriosanotelefone.Aconteceualgumacoisa?
SirRowlandfaloucomsupremacortesia.
Sintomuitoportermostiradoasenhoradecasadessejeito,
MissPeake - desculpou-se. -Sente-se, por favor. - Indicouuma
cadeiraàmesadebridge.
HugopuxouacadeiraparaMissPeake,queagradeceu.Elese
acomodouentãoemumapoltronamaisconfortável.SirRowland
informouàjardineira:
Naverdade,apolíciaestáaquie...
Apolícia?-interrompeuMissPeakeestarrecida.-Houveum
roubo?
Não,umroubonão,mas...
Parou de falar quando Clarissa, o inspetor e o guarda
retornaram à sala. Jeremy sentou-se no sofá; Sir Rowland, por
suavez,posicionou-seatrásdosofá.
Inspetor-apresentouClarissa-,MissPeake.
Oinspetoraproximou-sedajardineira.Seu"Boanoite,Miss
Peake"foiseguidodeumalevereverência.
Boanoite, inspetor - respondeuMissPeake. -Agoramesmo
eu perguntava a Sir Rowland... houve um furto ou coisa
parecida?
Poruminstante,o inspetorobservou-ademodoperspicaze
falou:
Umtelefonemaumtantocuriosonostrouxeatéaqui-contou
ele. -Eachamosquea senhora talvezpudessenos esclarecer o
assunto.
Capítulo12
Miss Peake recebeu o comunicado do inspetor com uma
sonorarisada.
Nãodisse?Issoestámuitomisterioso.Estoumedivertindo,e
como—exclamoudeliciada.
Oinspetorfranziuocenho.
TemavercomoSr.Costello-explicou.-Sr.OliverCostello,
residente em Morgan Mansions, 27, Londres SW3. Se não me
engano,ficanaregiãodeChelsea.
Nuncaouvifalardessehomem-foiarespostadeMissPeake,
robustamenteenunciada.
Ele esteve aqui hoje à tardinha, visitando a Sra.Hailsham-
Brown-lembrouoinspetor-,epeloquefuiinformadoasenhora
lhemostrouasaídapelojardim.
MissPeakedeuumtapanacoxa.
Ah,aquelesujeito-recordouela.-ASra.Hail-sham-Brown
nãomedisseonomedele.
Ela observou o inspetor, demonstrando-se um pouco mais
interessada.
Poisnão,oqueosenhorquersaber?-indagou.
Gostariadesaber-ponderouoinspetordevagar-exatamente
oqueaconteceuequandofoiqueasenhoraoviupelaúltimavez.
MissPeakepensouantesderesponder.
Deixe-mever-disseela.-Saímosparaojardim,eeuconteia
elequehaviaumatalhoatéaparadadeônibus.Eledissequenão
precisava, pois tinha vindo de carro e estacionado perto do
estábulo.
Sorriuradianteparaoinspetor,comoseesperasseumelogio
pela concisa lembrança dos fatos,mas ele apenas comentou de
modoabsorto:
Nãoéumlugarestranhoparasedeixarocarro?
Foiissomesmoqueeupensei-concordouMissPeake,dando
umtapinhanobraçodoinspetor.Elereagiucomsurpresa,mas
elaprosseguiu:-Omaisnormalteriasidovirdiretopela frente,
nãoacha?Mastemcadapessoaesquisita.Agentenuncasabeo
quevãofazer.-Edeuumadesuasgargalhadasjoviais.
Eoqueaconteceudepois?-inquiriuoinspetor.
MissPeakedeudeombros.
Bem, ele foi até o carro, e imagino que tenha ido embora -
respondeu.
Asenhoranãooviupartir?
Não...euestavaguardandominhasferramentasfoiaresposta
dajardineira.
Eessafoiaúltimavezqueoviu?-indagouoinspetor,com
ênfase.
Sim,porquê?
Porqueocarrodeleaindaestáaqui-revelouoinspetor.Em
tom pausado e incisivo, prosseguiu: - Às 7h49, recebemos um
telefonemanadelegaciadizendoqueumhomemhaviasidomorto
emCopplestoneCourt.
Chocada,MissPeakeexclamou:
Morto?Aqui?Queabsurdo!
Parece que isso é o que todo mundo pensa - observou o
inspetorsecamente,comumolharsugestivoaSirRowland.
Claro-retomouMissPeake—,seiqueháessesloucosporaí
atacandomulheres...masosenhorestádizendoqueumhomem
foimorto...
A senhora não escutou outro carro esta noite? cortou o
inspetorabruptamente.
Sóodos.r.Hailsham-Brown-respondeuela.
Sr. Hailsham-Brown? - indagou o inspetor, erguendo as
sobrancelhas.-Pensavaqueelesóeraesperadotardedanoite.
MirouClarissa,queseapressouaesclarecer.
Éverdade,meumaridoesteveaqui,masprecisousairdenovo
logodepois.
Oinspetoradotouumaatitudedepaciênciadeliberada.
Ah, é mesmo? - comentou em tom de estudada polidez. -
Quando,maisexatamente,eleesteveaqui?
Vamos ver... - Clarissa começou a gaguejar. - Deve ter sido
maisoumenos...
Uns quinze minutos antes de eu terminar meu serviço -
interrompeu Miss Peake. - Eu trabalho bastante depois do
expediente,inspetor.Nuncamebaseionashorasregulamentares
- explicou Miss Peake. - Faça seu trabalho com seriedade e
entusiasmo, costumo dizer - continuou, batendo na mesa ao
falar. -Sim,os.r.Hail- sham-Browndeve terchegadoàssetee
quinze.
Isso deve ter sido pouco depois que o Sr. Costello saiu -
observouoinspetor.Caminhouaocentrodasala,eoseujeitofoi
mudando quase imperceptivelmente ao prosseguir: - É bem
provável que ele e o Sr. Hailsham- Brown tenham passado um
pelooutro.
Osenhorquerdizer-comentouMissPeake,pensativa-que
elepodetervoltadoparafalarcomos.r.Hailsham-Brown.
Oliver Costello não voltou aqui, sem sombra de dúvida -
atalhouClarissadeformacategórica.
Mas a senhora não pode ter certeza disso - redarguiu a
jardineira. -Elepode terentradopelaportadevidrosemquea
senhoratenhanotado.-Apósumapausa,exclamou:-MeuDeus!
Nãoestãopensandoqueelematouos.r.Hailsham-Brown,nãoé?
Ah,medesculpem.
Claro que ele não matou Henry - vociferou Clarissa
exasperada.
Para onde foi seu marido ao sair daqui? - perguntou o
inspetor.
Não tenho a mínima ideia - respondeu Clarissa de modo
breve.
Elenãocostumaavisaraondevai?-insistiuoinspetor.
Nuncafaçoperguntas-revelouClarissa.-Paraumhomem,
deveserumtédioumaesposasemprefazendoperguntas.
MissPeakesoltouumguinchorepentino.
Mas que estupidez a minha - gritou. - Claro, se o carro
daquele homem ainda está aqui, deve ter sido ele quem foi
assassinado.-Edeuumarisadaestrepitosa.
SirRowlandlevantou-se.
Não há razão alguma para crermos que alguém foi
assassinado,MissPeake-repreendeu,comdignidade.
Narealidade,o inspetoracreditaquetudonãopassadeum
trotebobo.
MissPeakeobviamentenãotinhaamesmaopinião.
Mas e o carro? - insistiu ela. — Ainda acho que é muito
suspeito esse carro continuar por aqui. - Ela se ergueu e
caminhou em direção ao inspetor. - O senhor já procurou o
corpo,inspetor?-indagouansiosa.
O inspetor já vasculhou a casa - respondeu Sir Rowland,
antesqueopolicial tivesseoportunidadede falar.Em troca, ele
recebeuumolhar penetrante do inspetor, emquemMiss Peake
davatapinhasnoombro.Elacontinuouaexporsuasteorias.
Tenho certeza de que a Elgin tem algo a ver com isso... o
mordomo e aquela mulher dele, que se considera cozinheira -
assegurou a jardineira ao inspetor com convicção. - Sempre
suspeitei deles. Agorinhamesmo, quando eu estava vindo para
cá,viluznoquartodeles.Eisso,porsisó,jáésuspeito.Éanoite
de folgadeles enormalmente só voltambemdepoisdas onze. -
Ela pegou o inspetor pelo braço. - O senhor revistou o quarto
deles?perguntouinquieta.
O inspetor abriu a boca para falar, mas ela o interrompeu
comoutrotapinhanoombro.
Agora me escute - iniciou ela. - Vamos supor que o Sr.
Costello tenha reconhecido Elgin como alguém com ficha na
polícia. Costello pode ter decidido voltar para prevenir o Sr.
Hailsham-Brown,eElginoatacou.
Muitosatisfeitaconsigo,correuoolharentreospresentese
continuou:
Claro,Elginteriadeesconderocorporapidamenteemalgum
lugarparaquepudessedarumdestinoaelemaistarde.Agora,
fico pensando... onde ele poderia tê-lo escondido? - perguntou
retoricamente,absortaemsuatese.Comumgestoemdireçãoà
portadevidro,elacomeçou:-Atrásdeumacortinaou...
FoiinterrompidacomraivaporClarissa.
Francamente,MissPeake.Nãoháninguémescondido atrás
das cortinas. E tenho certeza de que Elgin nunca matou
ninguém.Issoéridículo.
MissPeakeretrucou,emtomdecensura:
Asenhoraconfiademaisnaspessoas,Sra.Hailsham-Brown.
Quando a senhora tiver a minha idade, vai perceber como é
comumencontrarpessoasquenaverdadesãobemdiferentesdo
queaparentamser.-Deusuarisadajovialevoltou-seaoinspetor.
Quando o inspetor abriu a boca, Miss Peake deu outro
tapinhanoombrodele.
Vamos ver - prosseguiu ela -, ondeumhomem comoElgin
esconderia o cadáver? Talvez naquele nicho do armário entre a
salaeabiblioteca.Suponhoquejáderamumaolhadaali?
SirRowlandinterveiocélere.
Miss Peake, o inspetor já procurou aqui e na biblioteca -
enfatizouele.
O inspetor, porém, lançou um olhar expressivo para Sir
Rowlandevoltou-separaajardineira.
O que a senhora quer dizer mais exatamente com "aquele
nichodoarmário",MissPeake?-indagouele.
Um certo nervosismo dominou a sala ao Miss Peake
responder:
Ah, é perfeito para brincar de esconde-esconde. Você nem
sonhaqueolugarexiste.Voumostrarparaosenhor.
Ela caminhou para a porta secreta, seguida pelo inspetor.
Jeremyergueu-senomesmomomentoemqueClarissaexclamou
comenergia:
-Não!
OinspetoreMissPeakevoltaram-seaela.
Não tem nada ali agora - Clarissa informou. - Sei disso
porqueagoramesmofuiàbibliotecaporali.
A voz dela foi murchando. Miss Peake, desapontada,
murmurou:
Bem, neste caso... - e afastou-se da porta secreta. Mas o
inspetor a chamou de volta. - Mostre-me assim mesmo, Miss
Peake—solicitou.-Eugostariadever.
MissPeakeaproximou-sedaestante.
Originalmente era uma porta - explicou. - Ficava bem na
frentedaoutra.-Elamoveuaalavanca,explicandocomofazer.-
Ésópuxarestatramelaparatrás,eaportaseabre.Estãovendo?
A porta secreta abriu, e o corpo de Oliver Costello caiu
emborcado.MissPeakegritou.
Pelovisto-observouo inspetorcomumolharsombriopara
Clarissa-,asenhoraestavaenganada,Sra.Hailsham-Brown.Ao
queparecehouveumassassinatoaquiestanoite.
OgritodeMissPeakealcançouoápice.
Capítulo13
Dez minutos depois, as coisas estavam um pouco mais
calmas.Miss Peake não estavamais na sala, tampoucoHugo e
Jeremy. O cadáver de Oliver Costello prostrado no esconderijo
aberto. Clarissa, estendida no sofá, era esti-mulada por Sir
Rowlandabeberumcálicedeconhaque.Oinspetoraotelefone,e
oguardaJonesdesentinela.
Sim,sim-diziaoinspetor.-Oquefoi?...Omotoristafugiu
sem prestar socorro?... Onde?... Ah, sei... Tudo bem,mande-os
paracáassimquepuder...Queremosfotos,claro...Sim,aperícia
completa.
Repôsofonenoganchoeaproximou-sedoguarda.
Tudoaconteceaomesmotempo-reclamou.-Nadaacontece
durantesemanas,ejustoagoraomédico-legistasaiparaatender
umgraveacidentedecarro...umdesastrenarodoviadeLondres.
Tudoissovairesultarnumbomatraso.Enquantoomédiconão
chega, vamos fazendo o que estiver a nosso alcance. - Fez um
gestonadireçãodocadáver. -Melhornãomexermosneleantes
da perícia fotográfica - sugeriu. - Não que isso vá nos informar
algo.Elenãofoimortoali,foicolocadoalidepois.
Comoosenhorpodetercerteza?-indagouoguarda.
Oinspetorbaixouoolharparaotapete.
É possível notar que os pés foram arrastados - salientou,
agachando-se atrás do sofá. O guarda ajoelhou-se ao lado do
inspetor.
Sir Rowland espiou sobre o encosto do sofá e depois
perguntouparaClarissa:
Comoestásesentindoagora?
Melhor.Obrigado,Roly-respondeucomavozabatida.
Osdoispoliciaisergueram-se.
Talvez fosse melhor fechar essa tal porta da estante -
recomendouoinspetoraocolega.-Chegadeataqueshistéricos.
Certo, senhor - respondeu o guarda. Em seguida, fechou a
portadoesconderijoparaocorponãosermaisavistado.
Logodepois,SirRowland levantou-sedosofáe falouparao
inspetor:
A Sra. Hailsham-Brown passou por um grave abalo. Seria
bomelasubiraoquartoesedeitarumpouco.
Compolidez,mascomcertareserva,oinspetorreplicou:
Com certeza, senhor, mas não agora. Antes eu gostaria de
fazerumasperguntasaela.
SirRowlandtentoupersistir.
Ela realmente não está em condições de ser interrogada
agora.
Estou bem, Roly - interpôs Clarissa com a voz fraca. -
Verdade,estousim.
Está sendomuito corajosa, querida - disse-lhe Sir Rowland
emtomdeaviso-,mascreioqueseriamesmomaissensatovocê
subiredescansarumpouquinho.
QueridotioRoly!-respondeuClarissacomumsorriso.Disse
aoinspetor:-ÀsvezesochamodetioRoly,emboraelesejameu
anjodaguardaenãomeutio.Maseleésempretãodocecomigo.
Sim,jápercebiisso-foiarespostaseca.
Pode me perguntar o que o senhor quiser, inspetor -
prosseguiuClarissademodocortês. -Masnaverdadeachoque
nãovoupoderajudarmuito,poissimplesmentenãoseidenada
sobreisso.
SirRowlandsuspirou,meneouacabeçade leveedesviouo
rosto.
Não vamos tomar muito seu tempo, senhora - garantiu o
inspetor. Indo à porta da biblioteca, ele a segurou aberta e
dirigiu-sesirRowland.-Osenhornãogostariadese juntaraos
demaisnabiblioteca?-sugeriu.
Achomelhorficaraqui,nocasode...-começouSirRowland,
atésercortadopeloinspetor,agoraemtommaisincisivo.
Chamo o senhor se for preciso. Espere na biblioteca, por
favor.
Depois de um breve duelo de olhares, Sir Rowland
reconheceuaderrotaefoiàbiblioteca.Oinspetorfechouaportae
indicou silenciosamente ao guarda que sentasse e fizesse
anotações. Clarissa escorregou os pés para fora do sofá e
endireitouapostura.Porsuavez,Jonesempunhouumblocoe
umlápis.
Muitobem,Sra.Hailsham-Brown-iniciouoinspetor-,sea
senhoraestiverpronta,podemoscomeçar.
Pegouacigarreiradamesinhaaoladodosofá,virou-a,abriu-
aeavaliouoscigarros.
Omeuquerido tioRolysempre tentameprotegerde tudo -
contou Clarissa com um sorriso encantador. Então, ao ver o
inspetor manusear a cigarreira, ficou receosa. - Não vão usar
meios ilícitos no interrogatório, não é? - indagou, num esforço
paradaràperguntaumtomdebrincadeira.
Nadadessetipo,senhora,eulheasseguro-disseoinspetor.-
Apenasalgumasquestõestriviais.-Virouparaoguarda.-Pronto,
Jones? - indagou, puxando uma cadeira da mesa de bridge
defronteaClarissaesentando.
Tudopronto,senhor-respondeuoguardaJones.
Certo. Muito bem, Sra. Hailsham-Brown - começou o
inspetor. - A senhora confirma que não sabia da existência do
corpoescondidonaquelerecesso?
O guarda começou a tomar notas, e Clarissa respondeu de
olhosarregalados:
Confirmo. Claro que não sabia. Que coisa horrível!
Estremeceu.-Horríveldemais.
Comolharindagador,oinspetorprosseguiu.
Quandoestávamosvasculhandoestasala,porqueasenhora
nãomencionouaexistênciadaqueleesconderijo?
Clarissa confrontou o olhar fixo do inspetor com olhos
arregaladosdeinocência.
Sabe - disse ela - que nem cheguei a pensar nisso. Nunca
usamosoesconderijo,demodoquenãomepassoupelacabeça.
Oinspetornãodeixouescaparadeixa.
Mas a senhora disse - relembrou - que tinha acabado de
cruzarporaliemdireçãoàbiblioteca.
Ah,não - exclamouClarissa, sem titubear. -Osenhordeve
termeentendidomal.-Apontouparaaportadabiblioteca.-Eu
quisdizerquetínhamosidoàbibliotecaporaquelaporta.
Sim,vaiverqueeuacompreendimal-observouo inspetor
sombrio.-Noentanto,deixe-meaomenosesclarecerumponto.A
senhoraaleganãosaberquandooSr.Costellovoltouparacá,ou
omotivoporqueeleretornou?
Não, simplesmente não consigo imaginar o porquê -
respondeuClarissa,transbordandocanduranavoz.
Masofatoéqueelevoltou-persistiuoinspetor.
Sim,éclaro.Agorasabemosdisso.
Bem,eledevetertidoalgummotivo-argumentouoinspetor.
Suponho que sim - concordouClarissa. -Mas não tenho a
mínimaideiadoquepossatersido.
Oinspetorpensouuminstanteeresolveuexperimentaroutra
linhadeabordagem.
Asenhoraachaquetalvezelequisessefalarcomseumarido?
-sugeriu.
Ah, isso não - respondeu Clarissa prontamente. - Tenho
certezadequenão.Henryeelenuncasederambem.
Ah!—exclamou o inspetor. - Eles nunca se deram bem. Eu
nãosabiadisso.Houvealgumadiscussãoentreeles?
Denovo,Clarissarespondeudepressaafimdeimpediruma
novaepotencialmenteperigosalinhadeinvestigação.
Ah,issonão-assegurouela-,elesnuncadiscutiram.Henry
sónãoiamuitocomacaradele.-Sorriusimpática.-Sabecomo
oshomenssãoesquisitos.
Oolhardo inspetorsugeriuqueelepessoalmentenãotinha
conhecimentosobreisso.
Tem certeza absoluta de que Costello não voltou aqui para
falarcomasenhora?-perguntououtravez.
Comigo? - ecoou Clarissa candidamente. - Ah, não, tenho
certezadequenãofoiporisso.Quemotivoelepoderiater?
O inspetor respirou fundo. Lenta e deliberadamente,
perguntou:
Há alguém mais nesta casa com quem ele talvez quisesse
falar?Porfavor,pensebemantesderesponder.
De novo, Clarissa fitou o inspetor com um olhar meigo de
inocência.
Nãoconsigoimaginar-insistiuela.-Querodizer,comquem
maispoderiaser?
O inspetor ergueu-se, viroua cadeira ea empurrou juntoà
mesa de bridge. Com passos lentos, começou a tecer
considerações.
OSr.Costello vemaqui - recomeçoudevagar - e devolve os
objetos que a primeira Sra. Hailsham-Brown tinha levado do
maridoporengano.Elesedespede.Masdepoisretornaàcasa.
Caminhouatéasportasdevidro.
Presume-se que ele tenha entrado por aqui - prosseguiu,
mostrandoaporta envidraçada. -Ele éassassinado... o corpoé
empurradoparadentrodaqueleesconderijo... tudonumperíodo
dedezavinteminutos...
ElesevoltouparaencararClarissa.
E ninguém escuta nada? - finalizou com entonação
ascendente.-Achoissomuitodifícildeacreditar.
Sei - concordou Clarissa. - Acho tão difícil de acreditar
quantoosenhor.Émesmoincrível,não?
Certamente-anuiuoinspetor,comumclarotomdeironia.
Fezumaúltimatentativa.-Sra.Hailsham-Brown,asenhoratem
certeza absolutade quenão ouviunada? - perguntoude forma
incisiva.
Nãoescuteinada-respondeu.-Émesmobizarro.
Quase bizarro demais - comentou o inspetor sombrio. Após
umapausa,foiàportadohalleabriu-a.-Bem,porenquantoé
só,Sra.Hailsham-Brown.
Clarissalevantou-seecaminhouligeiroparaabiblioteca,mas
foiinterceptadapeloinspetor.
Poraínão,porfavor-pediuele,conduzindo-aaohall.
Maseuachoquedeviamereuniraosdemais-protestouela.
Mais tarde, sea senhoranão se importar -disseo inspetor
secamente.
Commuitarelutância,Clarissasaiupelaportadohall.
Capítulo14
OinspetorfechouaportadohallatrásdeClarissaefoiatéo
guardaJones,queaindatomavanotas.
Ondeestáaoutramulher?Ajardineira.Miss...ahn...Peake?
-indagouoinspetor.
Deixei-anacamadoquartodehóspedes-contouoguardaao
chefe. - Quero dizer, isso depois que ela se acalmou da crise
nervosa.Passeipormausbocadoscomela,nãoparavaderirede
gritar.Ficounumestadohorrível.
Nãoimportaseasra.Hailsham-Brownfalarcomela-disseo
inspetor. - Mas o que ela não pode é falar com aqueles três
homens.Precisamosquecadaumrecordedosfatoseconteasua
própriaversão.Presumoquevocêtenhachaveadoaportaentrea
bibliotecaeohall?
Sim,senhor-assegurouoguarda.-Tenhoachavecomigo.
Nãoseioquefazercomessepessoal-confessouoinspetorao
colega. - São todos altamente respeitáveis. Hailsham-Brown,
diplomatadoministériodasRelaçõesExteriores;HugoBirch,juiz
de paz, nosso conhecido; e os outros dois hóspedes dos
Hailsham-Brown me parecem cidadãos decentes, bem-
posicionados na sociedade... Bem, você sabe o que eu quero
dizer...Mas temalgo estranhoacontecendo.Nenhumdeles está
sendo honesto conosco... e nisso se inclui a Sra. Hailsham-
Brown.Estãoescondendoalgo,eestoudeterminadoadescobriro
queé,tendoounãotendoalgoavercomesseassassinato.
Estendeuosbraçosparacima,comoseprocurasseinspiração
doscéus,edirigiu-seaoguardanovamente:
Bem,émelhorcontinuarmos -disseele. -Vamos interrogá-
losumdecadavez.
Quandooguardalevantou-se,oinspetormudoudeideia.
Não.Espereumpouco.Primeirovouterumapalavrinhacom
aquelenossomordomo-decidiu.
Elgin?
Sim, Elgin. Vá chamá-lo. Estou comumpalpite de que ele
sabedealgo.
Poisnão,senhor-respondeuoguarda.
Deixandoasala,oguardaencontrouElginrondandoaporta
dasaladeestar.Omordomofingiuencami-nhar-seàescadaria,
mas parou ao ser chamado; entrou na sala sem esconder o
nervosismo.
O guarda fechou a porta do hall e reassumiu seu posto de
anotador.Oinspetorindicouacadeirapróximaàmesadebridge.
Elginsentou-se,eoinspetorcomeçouointerrogatório.
Muito bem, você foi ao cinema esta noite - recordou ele ao
mordomo-,maslogovoltou.Podeexplicarporquê?
Eujádisse,senhor-respondeuElgin. -Minhamulhernão
estavasesentindobem.
Oinspetorobservou-odetidamente.
Foi você quem fez o Sr. Costello entrar na casa quando ele
esteveaquiestanoite,nãofoi?-indagou.
Sim,senhor.
Oinspetordistanciou-sealgunspassosdeElginederepente
deumeia-volta.
Por que vocênão falou logo que era o carrodoSr.Costello
queestavaláfora?-perguntou.
Eunãosabiadequemeraocarro,senhor.OSr.Costellonão
veio guiando pela frente. Eu nem sabia que ele tinha vindo de
carro.
Não acha isso muito curioso? Deixar o carro perto do
estábulo?-sugeriuoinspetor.
Sim, senhor, acho que sim - respondeu omordomo. -Mas
talvezeletenhatidoseusmotivos.
Oqueestáinsinuando?-perguntouoinspetorprontamente.
Nada, senhor - respondeu Elgin. Deu a impressão de estar
quasesatisfeitoconsigo.-Nadamesmo.
JátinhavistooSr.Costelloalgumaoutravez?-perguntouo
inspetorcomavozsevera.
Nunca,senhor-garantiu.
Oinspetorindagouemtomsugestivo:
NãofoiporcausadoSr.Costelloquevocêvoltouestanoite?
Jálhedisse,senhor-falouElgin.-Minhamulher...
Não quero mais saber de sua mulher - cortou o inspetor.
Afastando-se deElgin, prosseguiu: -Há quanto tempo trabalha
paraaSra.Hailsham-Brown?
Seissemanas,senhor-foiaresposta.
OinspetorvirouparaencararElgin.
Eantesdisso?
Eu...fiqueiumtempo...descansando-respondeuomordomo
inquieto.
Descansando?-ecoouoinspetordesconfiado.Fezumapausa
eacrescentou:-Temconsciênciadeque,numcasocomoeste,as
suasreferênciasserãometiculosamenteverificadas?
Elgincomeçouaselevantar.
Seissoeratudo...-começou,masparouevoltouasentar.-
Eu...eunãoqueroenganá-lo,senhor-prosseguiu.-Nãofiznada
deerrado.Oqueeuquerodizeréque...acartaderecomendação
tinhaserasgado...ecomoeunãolembravaotextodireito...
Fezsuasprópriasreferências-cortouoinspetor.-Clichê.
Nãotiveaintençãodeprejudicarninguém-protestouElgin.
-Precisavadoempregopara...
Oinspetorcortou-onovamente.
Nestemomento,nãoestouinteressadoemreferênciasfalsas-
disseaomordomo.-Querosaberoqueaconteceuaquiestanoite
eoquevocêsabesobreoSr.Costello.
Nuncaoviantes - insistiuElgin.Olhouemdireçãoàporta
dohallecontinuou:-Masimaginoporqueeleveioaqui.
Ah,mesmo,eporquê?-quissaberoinspetor.
Chantagem-contouElgin.-Elesabiadealgosobreela.
Por"ela"-disseoinspetor-presumoquevocêqueiradizera
Sra.Hailsham-Brown.
Sim-continuouElginansiosamente.-Euvimparasaberse
elaqueriamaisalgumacoisaeescuteiumpoucodaconversa.
Oquevocêescutouparasermaisexato?
Escutei-adizendo:"Masissoéchantagem.Eunãovouaceitar
isso".-respondeuElgin,adotandoumaentonaçãobemdramática
aocitaraspalavrasdeClarissa.
Hum...-respondeuoinspetor,umpoucocético.-Algomais?
Não-admitiuElgin.-Pararamdeconversarquandoeuentrei
e,depoisqueeusaí,começaramafalarmaisbaixo.
Sei — comentou o inspetor. Com expressão concentrada,
esperouomordomoretomarapalavra.
Elgin levantou-se da cadeira. Sua voz era quase um
choramingoaosuplicar:
Osenhornãovaisermuitodurocomigo,nãoé,meusenhor?
Deumjeitooudeoutro,játenhoproblemassuficientes.
O inspetor o avaliou mais um tempo para em seguida
dispensá-lo:
Bem,porenquantoéisso.Podeseretirar.
Sim, senhor. Obrigado, senhor - apressou-se a responder
Elgin,debandandoparaohall.
Oinspetorobservouasaídadomordomoedepoissedirigiu
aoguarda.
Chantagem, hein? - murmurou, trocando olhadelas com o
colega.
EaSra.Hailsham-Brownpareceumasenhora tãocorreta -
comentouoguardaJones,comumcertodecoro.
Sim, mas não se deve pôr a mão no fogo por ninguém -
ponderouoinspetor.Apósumapausa,ordenoudemodoconciso:
-AgoravoufalarcomoSr.Birch.
Oguardafoiatéabiblioteca.
Sr.Birch,porfavor.
Hugosurgiunaportacomumarobstinadoedesafiador.O
guardafechouaportaatrásdeleesentou-seàmesa.Oinspetor
cumprimentou-oalegremente.
Entre,Sr.Birch-convidou.-Sente-seaqui,porgentileza.
Hugosentou-se,eoinspetorprosseguiu:
Temo que este assunto seja muito desagradável, senhor. O
queosenhortemanosdizer?
Jogando o estojo dos óculos namesa, Hugo respondeu em
tomdedesafio:
Absolutamentenada.
Nada?-inquiriuoinspetorsurpreso.
Oqueosenhoresperaqueeudiga?-disseHugoemtomde
reprimenda.-Amalditajardineiraabreamalditaportasecretae
desaba um maldito cadáver. - Bufou impaciente. - De tirar o
fôlego-declarou.-Aindanãoconseguimerecuperar.-Lançouao
inspetorumolharpenetrante.-Nemébommeperguntarnada-
dissecomfirmeza-,porqueeunãoseidenada.
Por um momento, o inspetor observou Hugo serenamente
antesdeperguntar:
Éesseoseudepoimento?Queosenhornãosabedenada?
Estoulhedizendo-repetiuHugo.-Eunãomateiosujeito.-
De novo, fitou o inspetor com expressão desafiadora. - Nem ao
menosoconhecia.
Nãooconhecia-repetiuoinspetor.-Muitobem.Nãoestou
sugerindo isso. E certamente não estou sugerindo que foi o
senhor quem o matou. Mas não posso acreditar que o senhor
"nãosabedenada",comoosenhordisse.Quetalcolaborarpara
descobrirmos o que o senhor realmente sabe? Para começar, o
senhorjátinhaouvidofalardele,nãotinha?
Sim - retorquiuHugo ríspido. - Ouvi falar que não era flor
quesecheire.
Comoassim?-perguntouoinspetorserenamente.
Sei lá - vociferouHugo. - O tipo de sujeito admirado pelas
mulheresedesprezadopeloshomens.Essetipodecoisa.
Oinspetorfezumapausaeindagoucomcautela:
O senhor não imagina por que ele voltou a esta casa uma
segundavezhojeànoite?
Nãotenhoamínimaideia-esquivou-seHugo.Oinspetordeu
algunspassospelasala.Então,virou
abruptamenteparaencararHugo.
O senhor acha que havia algo entre ele e a atual Sra.
Hailsham-Brown?-perguntou.
Chocado,Hugorespondeu:
Clarissa? Bom Deus, não! Clarissa é uma boa moça. Tem
muito bom senso. Ela não olharia duas vezes para um sujeito
comoesse.
Novapausa,eoinspetordisseporfim:
Querdizerqueosenhornãopodenosajudar.
Sintomuito.Maséissomesmo-respondeuHugo,simulando
indiferença.
Na tentativa derradeira de ao menos extrair migalhas de
informaçãodeHugo,oinspetorperguntou:
O senhor realmente não sabia que o corpo estava naquele
esconderijo?
Claroquenão-rebateuHugo,aparentandoestarofendido.
Obrigado,senhor-disseoinspetor,afastando-sedele.
Oquê?-indagouHugovagamente.
Isso é tudo.Muito obrigado, senhor - repetiu o inspetor ao
pegarumlivrodecapavermelhanaescrivaninha.
Hugolevantou-seeapanhouoestojodosóculos.Jácruzavaa
salarumoàbibliotecaquandooguardaseergueuebloqueousua
frente.EntãoHugovirourumoàportadevidro,eoguardadisse:
Por aqui, Sr. Birch, por favor - e abriu a porta do hall.
Desistindo,Hugosaiueopolicialfechouaportaatrásdele.
O inspetorsentou-seàmesadebridgeepassoua folhearo
pesadolivrovermelho.Jonescomentoucomironia:
QueminadeinformaçãooSr.Birch,hein?Sebemquenão
devesernadabomparaumjuizdepazseenvolvernumcasode
assassinato.
Oinspetorcomeçoualeremvozalta.
"Delahaye,SirRowlandEdwardMark,cavaleirocomandante
daOrdemdoBanho,membrodaRealOrdemVitoriana..."
Oqueosenhorestálendoaí?-perguntouoguarda,espiando
porcimadoombrodoinspetor.-Ah,Queméquem.
Oinspetorretomoualeitura.
"Educação: Eton... Universidade Trinity..." Hum! "Adido
consular...segundosecretário...Madri...plenipotenciário."
Uau!-exclamouoguardaaoescutarestaúltimapalavra.
Oinspetoromiroucomirritaçãoeprosseguiu:
Constantinopla...missãoespecialconcedida...Clubes...sócio
doBoodle'seWhite's.
Devochamá-loagora,senhor?-perguntouoguarda.
Oinspetorpensouuminstante.
Não-decidiu.-Eleéomaisinteressantedogrupo,porisso
vou deixá-lo por último. Vamos falar agora com o jovem
Warrender.
Capítulo15
OguardaJones,naportadabiblioteca,chamou:
Sr.Warrender,porfavor.
Jeremy entrou, tentando sem sucesso parecer com-
pletamente à vontade. O guarda fechou a porta e retomou seu
lugar àmesa. O inspetor ergueu-se parcialmente e puxou uma
cadeiradamesadebridgeparaJeremy.
Sente-se - ordenou, um tanto brusco, ao retomar assento.
Jeremyobedeceu,eoinspetorperguntouemumtomimpessoal:-
Nome?
JeremyWarrender.
Endereço?
Broad Street, 340, e Grosvenor Square, 34 - disse Jeremy
numesforçoparaaparentardesinteresse.Olhoupara o guarda,
que anotava tudo, e acrescentou: - No interior: Hepplestone,
Wiltshire.
Parece que o senhor vive de rendimentos - comentou o
inspetor.
Infelizmente,não-admitiuJeremycomumsorriso.-Souo
secretário particular de Sir Kenneth Thomson, diretor da
CompanhiaPetrolíferaAnglo-Árabe.Osendereçosqueeudeisão
dele.
Oinspetoracenoucomacabeça.
Sei.Trabalhaparaelehámuitotempo?
Jáfazcercadeumano.Antesdisso,durantequatroanosfui
assessorpessoaldoSr.ScottAgius.
Ah,sim-disseoinspetor.-Aquelericoempresáriodocentro
financeiro de Londres, não é? - Meditou um pouco antes de
prosseguir:-ConheciaesseOliverCostello?
Não,nuncatinhaouvidofalardeleatéhojeànoite-contou
Jeremy.
E não o viu quando ele veio aqui no começo da noite? -
continuouoinspetor.
Não-respondeuJeremy.-Eutinhaidoaoclubedegolfecom
os outros. Fomos jantar lá. Hoje é a noite de folga dos
empregados,eoSr.Birchnosconvidoupara jantarcomeleno
clube.
O inspetor assentiu com a cabeça. Um pouco depois,
indagou:
ASra.Hailsham-Browntambémfoiconvidada?
Não,nãofoi-disseJeremy.
Oinspetorergueuassobrancelhas,eJeremyemendou:
Querodizer-explicou-,elapoderiateridosequisesse.
Estámedizendo-perguntouoinspetor-,então,queelafoi
convidada?Equerecusou?
Não,não-apressou-seemresponderJeremy,dandosinaisde
estar ficando aturdido. - O que eu quero dizer é que... bem,
Hailsham-Brown costuma chegar bem cansado, e Clarissa nos
disse que eles fariamuma refeição frugal aquimesmo, comode
costume.
Perplexo,oinspetorcomentoudeformamordaz:
Deixe-meverseeuentendo.ASra.Hailsham-Brownesperou
omaridoparajantarcomeleaqui?Elanãoesperavaqueelefosse
sairdenovologodepoisdechegar?
Jeremyaestaalturaestavatodoperdido.
Eu... ahn... bem... hum... na verdade,não sei - gaguejou. -
Não... agora que o senhor falou, acredito que ela comentou
mesmoalgosobreisso,queeleiasairhojeànoite.
O inspetor ergueu-se e deu alguns passos para longe de
Jeremy.
Seéassim,pareceesquisito-observou-queaSra.Hailsham-
Brown não tenha ido ao clube com vocês, em vez de jantar
sozinhaemcasa.
Jeremyvoltou-senacadeiraparaencararoinspetor.
Bem... eh... bem... - iniciou e, ganhando confiança,
completourapidamente-querodizer,foiamenina...
Pippa. Clarissa não ia gostar de sair e deixar a menina
sozinhaemcasa.
Ou quem sabe - comentou o inspetor de forma muito
sugestiva quem sabe ela estivesse com planos de receber uma
visitinhaespecial?
Jeremylevantou-se.
Queinsinuaçãomaissórdida-exclamouexaltado.
Isso é uma inverdade. Tenho certeza de que ela nunca
planejoualgosemelhante.
No entanto, Oliver Costello veio até aqui para se encontrar
comalguém-ressaltouoinspetor.-Eraanoitedefolgadocasal
de empregados. Miss Peake fica em seu chalé. Não havia mais
ninguémparaeleencontraralémdaSra.Hailsham-Brown.
Tudo que eu posso dizer é que... - começou Jeremy. Em
seguida,desviandooolhar,acrescentouvacilante:
Bem,émelhorosenhorperguntaraela.
Jápergunteiaela-informouoinspetor.
Eoqueeladisse?-indagouJeremy,mirandoopolicial.
Exatamenteoqueosenhordisse-respondeuoinspetorcom
polidez.
Jeremysentou-sedenovoàmesadebridge.
Estávendo?-observou.
O inspetor caminhou pela sala, olhando o chão, como se
estivesseconcentradoemdivagações.Desúbito,encarouJeremy
outravez.
Agora me diga apenas - inquiriu - por que todos vocês
acabaramvoltandodoclubeparacá.Eraesseoplanejado?
Sim - respondeu Jeremy, mas se corrigiu de imediato. -
Querodizer,não.
Afinal,simounão?-indagouplacidamenteoinspetor.
Jeremyinspiroufundo.
Bem-começouele-,foiassim.Todosnósfomosaoclube.Sir
RowlandeovelhoHugoforamdiretoaosalãoderefeições,eufui
logodepois.Éumbufêdepratosfrios.Fiqueidandotacadasaté
escurecereentão...Bem,alguémdisse"Quetalumbridge?",eeu
comentei"Bem,porquenãovoltamosaoaconchegodacasados
Hailsham-Brownejogamoslá?".Ditoefeito.
Sei-observouoinspetor.-Querdizerqueaideiafoisua?
Jeremyencolheuosombros.
Na verdade, não lembro quem sugeriu primeiro admitiu. -
AchoquepodetersidoHugoBirch.
Eaquehorasvocêschegaramaqui?
Jeremymeditouporuminstanteeabanouacabeça.
Não posso dizer com certeza -murmurou. - É provável que
tenhamossaídodoclubeumpoucoantesdasoito.
Eissodáoque...-calculouoinspetor-...unscincominutos
apé?
Sim,mais oumenos isso.O campo de golfe faz divisa com
estejardim-respondeuJeremy,olhandoemdireçãoàsportasde
vidro.
Oinspetorchegoupertodamesadebridgeeolhouascartas.
Edepoisvocêsjogarambridge?
Sim-confirmouJeremy.
Oinspetorbalançouacabeçadevagar.
Issodevetersidounsvinteminutosantesdeeuchegaraqui-
estimou.Sempressa,começouaandaraoredordamesa.-Com
certeza,vocêsnão tiveramtempodecompletarduasrodadase -
levantouomarcadordeClarissaeomostrouaJeremy-começar
umaterceira?
Como?-Jeremyconfundiu-se,maslogodisse:
Ah,não.Não.Essaprimeirarodadadevetersidoapontuação
deontem.
Indicando os outros marcadores, o inspetor observou
pensativo:
Apenasumapessoaparecetermarcadoospontos.
Sim-concordouJeremy.-Achoquetodossomosumpouco
preguiçososparamarcar.DeixamosissoparaClarissa.
Oinspetorcruzouasalarumoaosofá.
Sabiadapassagementreestasalaeabiblioteca?Indagou.
Osenhorquerdizerolugarondefoiencontradoocorpo?
Exato.
Não.Não,nemimaginava-asseverouJeremy.
Camuflagem fantástica, não? Ninguém adivinha sua
existência.
Oinspetorsentou-senumdosbraçosdosofá.Aoreclinar-se
para trás, tirou uma almofada do lugar e percebeu as luvas
escondidas sob a almofada. Seu rosto assumiu uma expressão
graveaodizercalmamente:
Portanto, Sr. Warrender, o senhor não poderia saber que
haviaumcorponapassagem.Poderia?
Jeremyafastou-se.
Quasecaíduro,comosediz-respondeuele.
Um melodrama sensacional. Não conseguia acreditar em
meusolhos.
Enquanto Jeremy falava, o inspetor organizava as luvas no
sofá.Segurouumpar,meioàmodadeummágico.
Apropósito,estepardeluvaséseu,Sr.Warrender?
perguntou,tentandosoardeimproviso.
Jeremyofitou.
Não.Querodizer,sim-respondeuJeremy,confuso.
Denovo,senhor?Simounão?
Sim,émeu,acho.
Osenhorestavadeluvasquandoveiodoclubedegolfe?
Sim - fez menção de recordar Jeremy. - Agora me lembro.
Sim,estavadeluvas.Temumafriagemnoarestanoite.
O inspetor levantou-se do braço do sofá e aproximou-se de
Jeremy.
Achoqueosenhorestáenganado.-Mostrandoasiniciaisnas
luvas, frisou: - A face interna das luvas têm as iniciais do Sr.
Hailsham-Brown.
Enfrentandooolhardo inspetor com tranquilidade,Jeremy
retorquiu:
Ah, que engraçado. Tenho um par igualzinho. O inspetor
retornou,sentou-senobraçodosofánovamentee,inclinando-se,
mostrouosegundopardeluvas.
Quemsabenãoéesteoseupar?-sugeriu.Jeremyriu.
Osenhornãovaimepegardenovo-respondeu.
Afinal,osdoisparessãoiguais.
Oinspetorapresentouoterceiropardeluvas.
Trêsparesdeluvas-murmurou,examinando-os.
Todos com as iniciais de Hailsham-Brown por dentro.
Curioso.
Bem,estaéacasadele,afinal-mencionouJeremy.
Porqueelenãopoderiatertrêsparesdeluvasporaí?
O mais curioso - respondeu o inspetor - é que o senhor
pensouquepudessemsersuas.E,senãoestouenganado,suas
luvasestãoaparecendonobolsoagora.
Jeremylevouamãoaobolsodireitodocasaco.
Nãoesse,ooutro-falouoinspetor.
Tirandoasluvasdobolsoesquerdo,Jeremyexclamou:
Ah,sim.Sim,estãomesmo.
Não sãomuitoparecidas comestas.Ousão? - perguntouo
inspetorincisivamente.
Para falar a verdade, estas são minhas luvas de golfe -
respondeuJeremycomumsorriso.
Muito obrigado, Sr. Warrender. Por enquanto, é só -
dispensouo inspetor,demodorepentino,colocandoaalmofada
nolugar.
Jeremylevantou-seaborrecido.
Olhe aqui - exclamou. - O senhor não está pensando... -
parou.
Nãoestoupensandooquê?-indagouoinspetor.
Nada-respondeuJeremyindeciso.Apósumapausa,dirigiu-
se à biblioteca, mas foi interceptado pelo guarda. Volvendo ao
inspetor,Jeremyapontoumudoeindagadorparaohall.Comum
acenode cabeça, o inspetor fez que sim, e Jeremy saiu da sala
fechandoaportadohallatrásdesi.
Deixandoasluvasnosofá,oinspetoraproximou-sedamesa
debridge,sentou-seeconsultounovamenteoQueméquem.
Achei-murmurou.Começoualeremvozalta:
"Thomson, Sir Kenneth. Diretor da Companhia Petrolífera
Anglo-Árabe,dogrupoPetróleodoGolfo."Hum,..Impressionante.
"Hobbies: filatelia, golfe, pesca. Endereço: Broad Street, 340;
GrosvenorSquare,34."
O inspetor continuou a ler, e o guarda Jones cruzou até a
mesinhaaoladodosofáecomeçouaapontarolápisnocinzeiro.
Agachando-separa juntarumasaparasno chão, viuumacarta
debaralhocaídaeatrouxeatéamesadebridge,largando-abem
nafrentedochefe.
Oquetemosaqui?-indagouoinspetor.
Sóumacarta,senhor.Acheiali,embaixodosofá.
Oinspetorpegouacarta.
O ás de espadas - observou. - Que carta interessante! Mas
espereumpouco.-Olhounoversodacarta.
Vermelho.Éomesmobaralho.-Espalhouascartasnamesa.
Oguardaajudouasepararobaralho.
Comopensei:nenhumásdeespadas-exclamouoinspetor.
Levantou-sedacadeira.-Ora,issonãoéextraordinário,Jones?-
perguntou, colocando a carta no bolso e indo ao sofá. -
Conseguiramjogarbridgesemperceberafaltadoásdeespadas.
Sem dúvida, isso é extraordinário, senhor - concordou o
guardaJonesaoarrumarascartasnamesa.
Oinspetorrecolheuostrêsparesdeluvasdosofá.
Chegou a hora de Sir Rowland Delahaye - orientou ele ao
guarda,enquantodispunhaemparesasluvasnamesadebridge.
Capítulo16
Oguardaabriuaportadabibliotecaechamou:
SirRowlandDelahaye.
Sir Rowland deteve-se na soleira da porta, e o inspetor
convidou:
Entre,senhor.Porfavor,sente-seaqui.
Sir Rowland aproximou-se da mesa de bridge, hesitou um
momentoaonotarasluvasdispostasnamesaesentou-se.
Seu nome é Sir Rowland Delahaye? - indagou o inspetor
formalmente.Recebendoumacenodecabeçaafirmativo e sério,
perguntou:-Ondeosenhormora?
LongPaddock,LittlewichGreen,Lincolnshire-respondeuSir
Rowland. Batendo de leve com o dedo no exemplar deQuem é
Quem,acrescentou:-Nãoconseguiuachar,inspetor?
Oinspetorpreferiuignorarocomentário.
Agora, seo senhor tiverabondade -disse -, eugostariade
ouvir o seu relato sobre o que ocorreuhoje à noite, depois que
vocêssaíramdaqui,poucoantesdassete.
EraóbvioqueSirRowlandpensarasobreisso.
Passouodiatodochovendo-começouemvozbranda-ede
repenteotempolimpou.Tínhamoscombinadojantarnoclubede
golfe,poiseranoitedefolgadosempregados.Foioquefizemos.-
Deu uma olhada para o guarda para se certificar de que ele
acompanhava e prosseguiu: - Quando terminávamos a janta, a
Sra.Hailsham-Brownligou,noscontandoqueomaridotiverade
sairdevidoaumcompromissoinesperadoenosconvidandopara
voltar e jogar bridge.Voltamos.Começamosa jogar euns vinte
minutos depois o senhor chegou, inspetor. O resto... o senhor
sabe.
Pensativo,oinspetorobservou:
Nãoébemessaaversãodosr.Warrender.
Mesmo?-disseSirRowland.-Eoquefoiqueeledisse?
Queapropostadevoltaraquiejogarbridgesurgiudeumde
vocês.Provavelmente,dosr.Birch.
Ah-retorquiuSirRowlandsempestanejar-,masvejabem,
talvezosenhornãosaibaqueWarrendersóapareceunosalãodo
restaurantedoclubebemdepois.Elenemsequerpercebeuquea
sra.Hailsham-Browntinhaligado.
SirRowland e o inspetor trocaramolharesdesafiadores.Sir
Rowlandcontinuou:
Osenhordevesabermelhordoqueeu,inspetor,oquantoé
raro o relato de duas pessoas sobre omesmo fato coincidir. Na
verdade, senós três contássemos exatamenteamesmahistória,
euconsiderariaissosuspeito.Suspeitoatédemais.
O inspetorpreferiunãocomentaressaobservação.Puxando
umacadeiraparapertodeSirRowland,sentou-se.
Gostariadediscutirocasocomosenhor,comsuapermissão
-propôs.
Émuitadelicadezasua,inspetor-respondeuSirRowland.
Depoisdeolharpensativamenteotampodamesaporalguns
segundos,oinspetorcomeçouaargumentar.
O morto (sr. Oliver Costello) veio a esta casa com algum
objetivo específico. - Fez uma pausa. - O senhor concorda que
devetersidoissooqueaconteceu?
No meu ponto de vista, ele veio para devolver a Henry
Hailsham-Brown certos objetos que a na época sra. Miranda
Hailsham-Brownlevarajuntocomelaporengano-respondeuSir
Rowland.
Essepodetersidoopretextodele-frisouoinspetor-,embora
nemdissoeuestejacerto.Masestoucertodequeessenãofoio
motivorealqueotrouxeatéaqui.
SirRowlandencolheuosombros.
Osenhorpodeterrazão-observou.-Nãoseidizer.
Oinspetorprosseguiurápido.
Eleveio,talvez,paraveralguémemespecial.Podetersidoo
senhor,podetersidoosr.Warrender,ouquemsabeosr.Birch.
SeelequisessefalarcomoSr.Birch,quevivenestaregião-
salientou Sir Rowland -, teria ido à casa dele. Não teria vindo
aqui.
Certamente-concordouoinspetor.-Portanto,issonosdeixa
a opção de quatro pessoas. O senhor, o sr. Warrender, o sr.
Hailsham-Brown e a sra. Hailsham- Brown - fez uma pausa e,
encarandoSirRowlandcomumolharperscrutador,perguntou:-
Diga-me,osenhorconheciabemOliverCostello?
-Muito superficialmente.Encontrei-oumaouduas vezesno
máximo.
Ondeosenhoroencontrou?-indagouoinspetor.
SirRowlandpensouumpouco.
Duas vezesna casadosHailsham-Brown emLondres,mais
oumenosumanoatrás,eumaveznumrestaurante,senãome
engano.
Masosenhornãotinhamotivoparaquerermatá-lo?
Issoéumaacusação,inspetor?-perguntouSirRowlandcom
umsorriso.
Oinspetormeneouacabeça.
Não,SirRowland-replicouopolicial.-Euchamariamaisde
umaeliminação.Nãocreioqueosenhortivessequalquermotivo
paradarumfimemOliverCostello.Sobramassimtrêspessoas.
Issoestácomeçandoaparecerumavariantede "Ocasodos
deznegrinhos"-comentouSirRowland,sorrindo.
Oinspetorsorriudevolta.
Opróximodalistaseráosr.Warrender-propôsele.-Diga-
me,háquantotempooconhece?
Conheci-o aqui mesmo, dois dias atrás - respondeu Sir
Rowland.-Elepareceserummoçoagradável,deboafamília,com
boainstrução.ÉamigodeClarissa.Nãoseinadasobreele,mas
nãoacreditoquesejaumassassino.
Éosuficientesobreosr.Warrender-observouoinspetor.-
Issomelevaàpróximapergunta.
Antecipando-seaele,SirRowlandbalançouacabeça.
SeeuconheçobemHenryHailsham-Browneseeuconheço
bemasra.Hailsham-Brown.Éissoqueosenhorquersaber,não
é?-indagou.-Naverdade,conheçomuitobemHenryHailsham-
Brown. É um velho amigo. Quanto à Clarissa, sei tudo o que
preciso saber sobre ela. Ela é minha protegida, e é impossível
expressaroquantoeuaadmiro.
Sim, senhor - disse o inspetor. - Acho que essa resposta
esclarecebemascoisas.
Esclarece,mesmo?
Oinspetorlevantou-seedeualgunspassosnasalaantesde
sevirareconfrontarSirRowland.
Porquevocêstrêsmudaramdeplanoestanoite?-indagou.-
Porquevoltaramaquipara fazerdecontaqueestavam jogando
bridge?
Fazerdeconta?-exclamouSirRowland,comveemência.
Oinspetorpuxouacartadobolso.
Estacarta-disseele-foiencontradanooutroladodasala,
embaixo do sofá. É difícil de acreditar que vocês jogaram duas
rodadasdebridgeecomeçaramumaterceiracomumbaralhode
cinquentaeumacartas,comoásdeespadasfaltando.
Sir Rowland pegou a carta, examinou-a frente e verso e a
devolveuaoinspetor.
Sim-admitiu. -Talvez issosejamesmoumpoucodifícilde
acreditar.
Oinspetorergueuosolhos,desanimado,ecompletou:
Tambémachoqueestestrêsparesdeluvasdosr.Hailsham-
Brownexigemcertaexplicação.
Umpoucodepois,SirRowlandrespondeu:
Receio, inspetor, que de mim o senhor não vai conseguir
explicaçãoalguma.
Sei que não - concordou o inspetor. - Entendo que está
fazendoomelhoremconsideraçãoaumacertasenhora.Masisso
nãoénadabom,senhor.Averdadevaiacabarvindoàtona.
Me pergunto se vai mesmo - foi a única resposta de Sir
Rowlandaocomentário.
Oinspetorfoiàportasecreta.
ASra.Hailsham-BrownsabiaqueocorpodeCos-telloestava
noesconderijo-insistiu.-Seelaoarrastouatéalisozinha,ouse
foiajudadaporvocês,nãosei.Masestouconvencidodequeela
sabia. -EncarouSirRowlandeprosseguiu. -Meupalpiteéque
Oliver Costello veio se encontrar com a Sra. Hailsham-Brown e
extorquirdinheirodelapormeiodeameaças.
Ameaças?-perguntouSirRowland.-Quetipodeameaças?
Isso vai aparecer no seu devido tempo, não tenho dúvida -
assegurou o inspetor. - A Sra. Hailsham-Brown é jovem e
atraente. Esse Sr. Costello fazia sucesso com asmulheres, pelo
que dizem. Bem, a Sra. Hailsham-Brown casou-se há pouco
tempoe...
Espere!-cortouSirRowlanddemodoperemptório.-Preciso
colocá-lo a par de certas coisas. O senhor pode facilmente
confirmar o que vou dizer. O primeiro casamento de Henry
Hailsham-Brown não deu certo. A mulher dele, Miranda, era
bonita,masneuróticaedesequilibrada.Asaúdeeadisposiçãode
espíritodeMirandasedegradaramdemaneiratãoalarmanteque
afilhinhadelestevedesertransferidaparauminternato.
Refletiuerecomeçou:
Sim,umasituaçãorealmentechocante.Tudoindicavaqueela
haviasetornadoumaviciadaemdrogas.Nãosedescobriucomo
Mirandaconseguiaasdrogas,masseriabemplausível imaginar
queo fornecedoreraessehomem,OliverCostello,porquemela
estavaapaixonada.Nofim,acaboufugindocomele.
Depoisdenovapausaedeoutroolharaoguarda,paraverse
eleacompanhava,SirRowlandretomouseurelato.
HenryHailsham-Brown,quetempontosdevistaantiquados,
concedeu o divórcio a Miranda - explicou. - Agora, Henry
encontroupazefelicidadenocasamentocomClarissa,eeuposso
lhe garantir, inspetor, que não há nenhum segredo na vida de
Clarissa. Não havia nada, eu posso jurar, com que Costello
pudesseameaçá-la.
Oinspetornadadisse,permanecendoabsorto.
SirRowlandlevantou-se,encostouacadeiranamesaefoiao
sofá.Voltando-seoutravezaopolicial,sugeriu:
Nãoachaqueestáseguindoapistaerrada,inspetor?Porque
temtantacertezadequeCostelloveioaquiatrásdealguém?Por
quenãopoderiaseratrásdealgo?
O que o senhor quer dizer com isso? - indagou o inspetor
perplexo.
QuandoosenhorfalouconoscosobreofalecidoSr.Sellon-
recordouSirRowland -,mencionouqueadivisãodeNarcóticos
tinha interesse nele. Não é possível que haja uma ligação?
Drogas...Sellon...casadeSellon?
Silenciou.Comonãohouvereaçãodoinspetor,prosseguiu:
Queeusaiba,Costelloesteveaquiantes.Supostamente,para
olharasantiguidadesdeSellon.VamossuporqueOliverCostello
quisessealgoqueestivessenestacasa.Naquelaescrivaninha,por
exemplo.
O inspetor olhou de relance a escrivaninha, enquanto Sir
Rowlanddesenvolviamelhorsuatese.
Houve aquele curioso incidente do homem que veio aqui e
ofereceu um valor exorbitante por aquela escrivaninha. Vamos
suporqueOliverquisesseexaminar (ou investigar,comoqueira)
aquelaescrivaninha.Vamossuporquealguémo tivesseseguido
até aqui. E que esse alguém o tivesse golpeado perto da
escrivaninha.
Oinspetornãodemonstrouemoçãoalguma.
Émuitasuposição...-começou,masfoiinterrompidoporSir
Rowland,queinsistiu:
Éumahipótesebemplausível.
Ahipótese—inquiriuoinspetor-dequeessealguémtenha
colocadoocorponoesconderijo?
Exato.
Nessecaso,deveriaseralguémquesoubessedaexistênciado
esconderijo-observouoinspetor.
Poderia ser alguém que conhecesse a casa na época do Sr.
Sellon-salientouSirRowland.
Sim, tudo isso émuito bonito, senhor - replicou o inspetor
impaciente-,masumacoisacontinuasemexplicação...
Oquê?-perguntouSirRowland.
Oinspetoroencaroudetidamente.
A Sra. Hailsham-Brown sabia que o corpo estava no
esconderijo.Elatentounosimpedirdeprocurarali.
Sir Rowland fez menção de falar, mas o inspetor ergueu a
mãoeemendou:
Nemtentemeconvencerdocontrário.Elasabia.
Porumbrevemomento,vigorouumsilêncionervoso,quando
entãoSirRowlanddisse:
Inspetor, o senhor me permitiria conversar com minha
protegida?
Sónaminhafrente-foiarespostaimediata.
Estábem.
Oinspetorconcordoucomacabeça.
Jones!-Oguarda,entendendo,retirou-sedasala.
Estamos basicamente em suas mãos, inspetor - disse Sir
Rowlandaopolicial.-Voulhepedirquefaçatodasasconcessões
possíveis.
Minhaúnicapreocupaçãoéchegaràverdade,sir,edescobrir
quemmatouOliverCostello-respondeuoinspetor.
Capítulo17
O guarda retornou à sala, segurando a porta aberta para
Clarissa.
-Entre,porfavor,Sra.Hailsham-Brown-solicitouoinspetor.
Ao Clarissa entrar, Sir Rowland aproximou-se dela e falou
solenemente:
Clarissa,minha querida. Faria uma coisa pormim?Queria
quecontasseaoinspetoraverdade.
Averdade?-ecoouClarissa,semconvicção.
Averdade-repetiuSirRowlandcomênfase.-Éaúnicacoisa
a fazer. Estou falando sério. - Por um instante, fitou-a com
firmezaegravidade,depoissaiudasala.Oguardafechouaporta
evoltouaopostodeanotador.
Sente-se,Sra.Hailsham-Brown - convidouo inspetor,desta
vezindicandoosofá.
Clarissasorriu-lhe,maselerespondeucomumolharsevero.
Ela caminhou devagar ao sofá, sentou-se e esperou um pouco.
Disseenfim:
Sinto muito. Sinto muitíssimo por ter contado ao senhor
todasaquelasmentiras.Não era essaminha intenção. - Parecia
mesmoarrependidaaocontinuar:-Agenteacabaseenvolvendo,
osenhorentendeoqueeuquerodizer?
Nãopossodizerquesim-respondeuoinspetorcomfrieza.-
Agora,porfavor,vamosaosfatos.
Bem,érealmentemuitosimples-explicouela,enumerando
os fatos com os dedos ao falar. - Primeiro, Oliver Costello foi
embora.Depois,Henrychegou.Depois,euovisaindodecarrode
novo.Depois,euvimparacácomossanduíches.
Sanduíches?-indagouoinspetor.
Sim. É que o meu marido vai trazer aqui em casa um
representanteestrangeiroimportantíssimo.
Ah, é? E quem é esse representante? - indagou o inspetor
interessado.
Umtaldesr.Jones-revelouClarissa.
Como? - disse o inspetor, com uma olhadela ao guarda
Jones.
Sr.Jones.Estenãoéoseunomeverdadeiro,maséassimque
foi combinado chamá-lo. É tudo muito sigiloso. - Clarissa
continuou a falar. - Eles iam comer sanduíches durante a
conversa,eeuiacomermussenasaladeestudo.
Perplexo,oinspetormurmurou:
Musse na... sim, entendi - dando a impressão de não ter
entendidonada.
Deixei os sanduíches aqui - contou Clarissa, apontando o
banco - e comecei a arrumar tudo. Fui guardar um livro na
estantee...então...praticamentetropeceiemcimadele.
Tropeçounocorpo?-indagouoinspetor.
Sim.Estavaaqui,atrásdosofá.Eudeiumaolhadaparaver
se... se ele estava morto e estava. Reconheci Oliver Costello e
fiquei sem saber o que fazer. Por fim, liguei ao clubede golfe e
pediaSirRowland,sr.BircheJeremyWarrenderquevoltassem
logo.
Curvando-sesobreosofá,oinspetorperguntoucomfrieza:
Asenhoranãolembroudeavisarapolícia?
Lembreisim-Clarissarespondeu-,mas...-Sorriumaisuma
vez.-Bem,nãoavisei.
Nãoavisou-murmurouoinspetorconsigo.Afastou-se,olhou
para o guarda, ergueu as mãos em desespero e virou-se para
encarar Clarissa. - Por que a senhora não avisou a polícia? -
indagou.
Clarissaestavaprontaparaessapergunta.
Bem, achei que não seria bom para o meu marido —
respondeu. - Não sei se o senhor conhece funcionários do
ministério das Relações Exteriores, inspetor, mas eles são
discretos ao extremo. Gostam de tudo muito na surdina, sem
chamar a atenção. O senhor há de admitir que assassinatos
chamambastanteaatenção.
Imagino que sim - foi tudo o que o inspetor pôde formular
comoresposta.
Estoutãofelizcomasuacompreensão-declarouClarissa,de
modoafetuoso,quasesentimental.Prosseguiucomorelato,mas,
àmedidaquecomeçouaperceberqueahistórianãoevoluía,sua
falafoisetornandocadavezmenosconvincente.-Querodizer-
ponderou -, ele estava morto mesmo, pois não tinha pulso, de
formaquenãopudemosfazernadaporele.
Oinspetorandavadeumladoparaooutro,semresponder.
Seguindo-ocomosolhos,Clarissacontinuou.
Oqueeuquerodizeréqueelepoderia tersidomorto tanto
emMarsdenWoodcomoemnossasaladeestar.
Oinspetorviroudemodoenérgicoeafitou.
Marsden Wood? — perguntou abruptamente. - O que tem
MarsdenWoodavercomessahistória?
Erapara láqueeuestavapensandoem levá-lo - respondeu
Clarissa.
Oinspetorcolocouamãonapartedetrásdacabeçaeolhou
opiso, comoàprocurade inspiração.Sacudindoa cabeçapara
desanuviar,dissedemodoincisivo:
Sra. Hailsham- Brown, nunca ouviu falar que em caso de
suspeitadecrimejamaissedeveremoverumcadáver?
Sei muito bem - retorquiu Clarissa. - Todo livro policial
mencionaisso.Masestamosfalandodavidareal.
Oinspetorergueuasmãosemdesalento.
Merefiro-continuouela-aofatodequenavidarealébem
diferente.
O inspetor olhou Clarissa com silêncio incrédulo por um
momento,antesdeperguntar:
Asenhoratemconsciênciadagravidadedoqueestádizendo?
Claro que tenho - replicou - e estou lhe dizendo a verdade.
Emsuma,resolviligarparaoclubeetodosretornaramparacá.
E a senhora os persuadiu a esconder o corpo nesse
esconderijo.
Não - corrigiuClarissa. - Essa ideia surgiu depois.Nomeu
plano original, como lhe contei, eles deviam levar o corpo de
OliveraocarrodeleedeixarocarroemMarsdenWood.
E eles concordaram? - o ceticismo na voz do inspetor era
evidente.
Sim,concordaram-disseClarissa,sorrindo.
Francamente, sra. Hailsham-Brown - afirmou o inspetor de
modo rude -, não acredito numa palavra dessa história. Não
acreditoquetrêshomensresponsáveisconcordariamemobstruir
ocursodajustiçadessamaneirapormotivotãodesprezível.
Clarissa levantou-se. Afastando-se do inspetor, disse mais
parasidoqueparaele:
Eusabiaqueosenhornãoacreditariaemmimseeucontasse
averdade.-Voltouorostonadireçãodele.
Noqueosenhoracredita,afinal?-perguntouela.
ObservandoClarissadeperto,oinspetorretrucou:
Só consigo imaginar uma razão pela qual aqueles senhores
concordariamemmentir.
Ah,é?Oqueosenhorquer insinuar?Queoutra razãoeles
teriam?
Eles concordariam em mentir - completou o inspetor - se
acreditassemou,oqueémaisprovável,setivessemcertezadeque
foiasenhoraqueomatou.
Clarissaofitou.
Maseunãotinhamotivoparamatá-lo-protestou.
Motivo nenhum. - Afastou-se dele. - Ah, eu sabia que o
senhorreagiriaassim-exclamou.-Éporisso...
Elasecaloudesúbito,eoinspetorindagoucomrispidez:
Éporissooquê?
Clarissa permaneceu pensando. Alguns momentos se
passaram,esuaatitudepareceumudar.Começouafalardeum
modomaisconvincente.
Está bem - anunciou, com o ar de quem vai fazer uma
confissãocompleta.—Voucontaroporquê.
Acho que seria mais inteligente de sua parte - disse o
inspetor.
Sim - concordou ela, voltando o rosto para mirá-lo
honestamente. - Suponho que o melhor a fazer é contar a
verdade-elaenfatizouapalavra.
Oinspetorsorriu.
Possolheassegurar-ponderouele-quecontarummontede
mentiras à polícia não vai ajudá-la em nada, Sra. Hailsham-
Brown.Émelhormecontarahistóriareal.Tintimportintim.
Vou contar - prometeu Clarissa. Sentou-se numa das
cadeiras à mesa de bridge. - Puxa vida - suspirou -, e eu que
pensavaestarsendotãoesperta.
É melhor deixar a esperteza de lado - disse o inspetor ao
sentar-se defronte a Clarissa. - Muito bem - indagou -, o que
realmenteaconteceuestanoite?
Capítulo18
Clarissa ficouemsilêncioporalgumtempo.Então,olhando
serenanosolhosdoinspetor,começouafalar.
Tudo começou daquele modo que eu já lhe expliquei.
Despedi-medeOliverCostello,eeleseretirou,acompanhadode
MissPeake.Não imaginavaqueelevoltariaeaindanãoconsigo
entenderporqueelevoltou.
Fez uma pausa, dando a impressão de estar tentando se
lembrardoqueocorreradepois.
Ah, sim - continuou. - Meu marido chegou em casa,
explicandoquelogoteriadesairdenovo.Elesaiudecarro,efoi
só eu fechar a porta da frente e me assegurar de que estava
chaveadaetrancada,quederepentecomeceiaficarnervosa.
Nervosa?-indagouoinspetor,sementender.
Porquê?
Bem,emgeralnãosounervosa-revelou,falandocomgrande
emoção-,masmedeicontadequenuncatinhaficadosozinhaà
noitenestacasa.
Hesitouumpouco.
Isto,váemfrente-encorajouoinspetor.
Disseamimmesmaparadeixardeserboba.Penseicomigo:
"Você tem telefone, não tem?Qualquer coisa é só ligar pedindo
ajuda. Ladrões não agem cedo da noite. Agem de madrugada."
Maseunãotiravadacabeçaasensaçãodeterescutadooruído
deumaportasefechandoemalgumlugardacasaoupassosno
meu quarto lá em cima. Então pensei que era melhor fazer
algumacoisa.
Hesitoudenovo,emaisumavezoinspetoraestimulou.
-Sim?
Fui à cozinha — disse Clarissa - e fiz os sanduíches para
Henry e o sr. Jones comerem quando chegassem. Deixei todos
prontinhos no prato, envoltos em guardanapos para manter o
frescor, e estava cruzandoohall para trazê-los aqui quando... -
cortouafalademododramáticoeurealmenteescuteialgo.
Onde?-perguntouoinspetor.
Nestasala-contouela.-Dessavezeutinhacertezaquenão
estavaimaginando.Ouvigavetassendoabertasefechadas.Logo
me lembrei que a porta de vidro não havia sido trancada. Nós
nuncaatrancamos.Alguémtinhaentradoporali..
Denovo,elasedemorou.
Prossiga,sra.Hailsham-Brown-falouoinspetorimpassível.
Clarissafezumgestodedesamparo.
Eunãosabiaoquefazer.Fiqueiparalisada.Pensei:"Eseeu
estiversómepreocupandoàtoa?EseHenryresolveuvoltarpor
algummotivo... ouatémesmoSirRowland,ouumdosoutros?
Vouficarcomcaradebobaseforláemcimanaextensãoeligarà
polícia."Foiquandomeocorreuumplano.
Fez uma nova pausa, e desta vez o "Sim?" do inspetor
transpareceuumquêdeimpaciência.
Fuiatéosuportedohall-disseClarissadevagarepegueio
bastãomais pesado que encontrei. Em seguida fui à biblioteca.
Não acendi as luzes. Fui tateando no escuro até chegar ao
recesso.Abri-osuavementeedeslizeiparadentro.Meuplanoera
entreabrir a porta do lado de cá e espiar quem estava aqui. -
Apontouaportasecreta. -Amenosqueapessoa já saiba,nem
sonhaquealitemumaporta.
Sim-concordouoinspetor-,nemsonhamesmo.
A esta altura, Clarissa aparentava estar quase gostando de
suanarrativa.
Acionei de leve a alavanca - recomeçou -, masmeus dedos
escorregaram,eaportaabriudesupetão,batendonumacadeira.
Um homem perto da escrivaninha endireitou o corpo. Vi algo
brilhante e luminoso namão dele. Pensei que era um revólver.
Fiqueiaterrorizada.Penseiqueeleiaatiraremmim.Comtodaa
minhaforça,acerteiobastãonacabeçadele,eelecaiu.
Elaseprostrounamesacomorostoentreasmãos.
Eu... euposso tomarumpoucode conhaque?Pediu ela ao
inspetor.
Claroquesim.-Oinspetorlevantou-se.-Jones!Chamou.O
guarda encheu um cálice de conhaque e entregou ao inspetor.
Clarissa havia erguido o rosto, mas o cobriu depressa com as
mãos outra vez. Nesse meio- tempo, o inspetor trouxe-lhe o
conhaque.Elabebeu,tossiuedevolveuocálice.OguardaJones
repôsocálicenamesinhaeretomouolugareasanotações.
OinspetorfitouClarissa.
Pode continuar, Sra. Hailsham-Brown? - perguntou
compreensivo.
Sim - respondeuClarissa, levantando o olhar para ele. - O
senhorémuitogentil. -Tomou fôlegoecontinuouo relato. -O
homemficoulánochão.Semsemexer.Acendialuzeviqueera
OliverCostello.Estavamorto.Foihorrível.Eu...eunãoconseguia
entender.
Mostrouaescrivaninhacomumgesto.
Nãoconseguiaentenderoqueeleestavafazendoali,mexendo
naescrivaninha.Tudopareciaumpesadelomedonho.Fiqueitão
assustadaqueligueiparaoclubedegolfe.Queriameuprotetora
meu lado. Os três vieram. Implorei que me ajudassem, que
levassemocorpoembora...paraalgumlugar.
Oinspetorolhouparaelacomatenção.
Masporquê?-perguntou.
Clarissadesviouorosto.
Porque eu estava com medo — disse ela. - Um medo
mesquinho.Medodapublicidade,deenfrentarumtribunal.Seria
péssimoparaomeumaridoeparaacarreiradele.
Volveuorostoparaoinspetor.
Se fossemesmoum ladrão, talvez eupudesse superar,mas
sendoalguémconhecido,alguémcasadocomaprimeiramulher
de Henry... ah, simplesmente achei que eu não seria capaz de
levartudoissoaofim.
Talvez - insinuou o inspetor - porque o morto tivesse, um
poucoantes,tentadochantageá-la?
-Mechantagear?Queabsurdo!-retorquiuClarissacomplena
convicção.-Issoéumatolice.Nãohánadacomquealguémpossa
mechantagear.
Elgin, o seu mordomo, escutou detrás da porta a palavra
chantagem-revelouoinspetor.
Nãoacreditoqueeletenhaescutadonadaparecido-rebateu
Clarissa. - Não poderia ter escutado. Se quer saber a minha
opinião,achoqueeleestáinventando.
Falando sério, sra. Hailsham-Brown - insistiu o inspetor -,
estáquerendomeconvencerdequeapalavrachantagemnunca
foi mencionada? Por que o mordomo inventaria uma coisa
dessas?
Juro que não houve menção a chantagem - exclamou
Clarissa, batendo com a mão na mesa. - Eu lhe garanto... —
Clarissadeteveamãonoarederepentecaiunarisada.-Ah,que
tolice.Éclaro.Foiaquilo.
Asenhoralembrou?-indagouoinspetortranquilamente.
Nãofoinada,mesmo-assegurouClarissa.-Oliversóestava
comentandoalgosobreospreçosexcessivosdoalugueldecasas
mobiliadas. Falei que tínhamos uma sorte incrível e que
estávamospagandoapenasquatroguinéusporsemanaporesta
aqui.Entãoelefalou:"Malpossoacreditar,Clarissa.Quetrapaça
éessa?Sópodeserchantagem."Eudeiumarisadaerespondi:
"Issomesmo.Chantagem."
Riudenovo,comoseestivesserecordandoaconversa.
Sóummodotolodeseexpressar,umabrincadeira.Eunem
melembravamais.
Sintomuito,Sra.Hailsham-Brown-disseoinspetor-,masé
impossívelacreditarnisso.
Clarissapareceuatônita.
Éimpossívelacreditarnoquê?
Queestãopagandosóquatroguinéusasemanaporestacasa
todamobiliada.
Maséverdade!Osenhorémesmoohomemmaiscéticoque
conheci em toda minha vida - afirmou Clarissa, levantando e
dirigindo-seàescrivaninha.-Tenhoaim-pressãodequeosenhor
não acreditou em nada do que eu contei esta noite. Não tenho
comoprovaramaioriadascoisas,masessaeuposso.Edestavez
voulheprovar.
Abriuumagavetadaescrivaninhaeremexeuemunspapéis.
Aquiestá-exclamou.-Não,nãoé.Ah!Pronto.
Pegouumdocumentodagavetaemostrouaoinspetor.
Este é o contrato de aluguel desta casamobiliada. Foi feito
porumaempresadeadvogadosaserviçodosinventariantes.Pode
conferir...quatroguinéusporsemana.
Odiaboquemecarregue!-exclamouoinspetor,estarrecido.-
Émesmoincrível.Incríveldemais.Imaginavaquevaliabemmais
doqueisso.
Clarissaabriuumdeseussorrisosencantadores.
Nãoachaquemedevedesculpas,inspetor?-comentou.
Oinspetorinseriuumcertocharmenavozaoresponder:
Desculpe-me, Sra. Hailsham-Brown - disse ele -, mas a
senhorahádeconvirqueémesmoextremamenteestranho.
Porquê?Oqueosenhorquerdizer?-disseClarissaaorepor
odocumentonagaveta.
Bem,acontece-redarguiuoinspetor-queumcasalandava
aquinaregiãocomointuitodeverestacasa,eamulheracabou
perdendoumbrochemuito valioso nas redondezas. Ela passou
nadelegaciapara registrar a ocorrência emencionou esta casa.
Comentouqueosdonostinhampedidoumpreçoabsurdo.Achou
ridículoalguémpedirdezoitoguinéusporsemanaporumacasa
nointerior,longedetudo.Euconcordeicomela.
Sim, isso é extraordinário, muito extraordinário concordou
Clarissa com um sorriso afável. - Entendo a sua desconfiança.
Mastalvezagoraosenhoracrediteemalgumadasoutrascoisas
quefalei.
Não estou duvidando de sua versão mais recente, Sra.
Hailsham-Brown - garantiu o inspetor. - Em geral, sabemos
quandoestão falandoaverdade.Eusabia, também,quedeveria
haver algum motivo grave para aqueles três cavalheiros
inventaremessedesatinadoplanodeencobrimento.
O senhor não deve responsabilizá-los demais, inspetor -
defendeu-osClarissa.-Aculpafoiminha.Tivedeinsistirmuito
comeles.
Já consciente da capacidade de persuasão de Clarissa, o
inspetorrespondeu:
Ah,nãotenhodúvidadisso.Mascontinuosementenderuma
coisa.Quemtelefonouparaapolíciaedenunciouoassassinato?
Sim,issoéimpressionante!-disseClarissaatônita.
Eutinhaesquecidocompletamentedessedetalhe.
Obviamentenãofoiasenhora-salientouoinspetor-,enão
poderiatersidoumdostrêscavalheiros...
Clarissaabanouacabeça.
NãopoderiatersidoElgin?-cogitou.-Ou,quemsabe,Miss
Peake?
NãocreioquepossatersidoMissPeake-disseoinspetor.-
FicouevidentequeelanãosabiaqueocorpodeCostelloestava
ali.
Imagino se isso é verdade mesmo - comentou Clarissa
pensativa.
Afinal, quando o corpo foi descoberto, ela ficou histérica -
recordouoinspetor.
Ah, isso não quer dizer nada. Qualquer pessoa pode ficar
histérica - comentou Clarissa de modo incauto. O inspetor a
olhoucomardesuspeita,eelaachouoportunorespondercomo
sorrisomaisinocentepossível.
Dequalquerforma,MissPeakenãomoranacasaobservouo
inspetor.-Elatemseuprópriochalénoterrenodapropriedade.
Maselabemquepodiaterestadonacasa-disseClarissa.-
Elatemchavedetodasasportas.
Oinspetormeneouacabeça.
Achoquenão.AmimparecemaisprovávelqueElgintenha
nosligado-disseele.
Clarissaaproximou-sedoinspetoredeuumsorrisoumtanto
aflito.
Osenhornãovaimemandarparaacadeia,vai? Indagou.-
TioRolymeassegurouqueosenhornãofariaisso.
Oinspetorafitouaustero.
Foi bom termudado ahistória a tempo, senhora, e ter nos
contadoaverdade-refletiucomseveridade.-Mas,semepermite
darumconselho,Sra.Hailsham-Brown,recomendoqueentreem
contatocomseuadvogadooquantoanteseocientifiquedetodos
os fatos relevantes. Neste meio tempo, voumandar datilografar
seudepoimentoepedirqueasenhoraoleia.Talvezsejaamávelo
suficienteparaassiná-lo.
Quando Clarissa ia responder, a porta do hall abriu, e Sir
Rowlandentrou.
Nãoaguenteiesperarmais-explicou.-Tudobem,inspetor?
Entendeunossodilema?
Clarissaaproximou-sedeseuprotetorantesqueelepudesse
falarmais.
Roly,querido-saudouela,pegandoasuamão.
Fiz um depoimento, e a polícia... oumais exatamente o sr.
Jonesaqui...vaidatilografá-lo.Entãovouterdeassiná-lo.Contei
tudo.
Oinspetorfoiconfabularcomoguarda,eClarissacontinuou
conversandocalmamentecomsirRowland.
Contei que euachavaque eraum ladrão - enfatizou ela - e
queeuacerteiumapancadanacabeçadele.
Quando Sir Rowland, assustado, fez menção de falar, ela
rapidamentetapousuabocacomasmãos,demodoqueelenão
pôdeverbalizar.Prosseguiuapressada:
Contei como reconheci que era Oliver Costello, como fiquei
transtornada e liguei ao clube, como implorei e implorei até
convencer vocês a me ajudarem. Agora percebo o quanto agi
mal...
O inspetor voltou-se na direção deles, e Clarissa tirou as
mãosdecimadabocadeSirRowlandbematempo.
Masnahora—disseela- fiqueiparalisadademedoepensei
queseriamaiscômodoparatodomundo(paramim,paraHenrye
atéparaMiranda)seOliverfosseencontradoemMarsdenWood.
Clarissa!Oquediabosvocêandoucontando?-exclamouSir
Rowlandcomavozentrecortada.
A Sra. Hailsham-Brown fez um depoimento minucioso, -
disseoinspetorsatisfeito.
Voltandoumpoucoaonormal,SirRowlandretorquiu,seco:
Assimparece.
Eraamelhorcoisaafazer-disseClarissa.-Pensandobem,
eraaúnicacoisaa fazer.O inspetorme fezperceber isso.Eeu
estou realmente arrependida por ter contado todas aquelas
mentirastolas.
Isso vai acabar livrando a senhora de muitos problemas -
garantiu o inspetor. - Pois bem, Sra. Hailsham- Brown -
continuou-,nãovoulhepedirparaentrarnoesconderijo junto
comocorpo,masgostariaqueasenhoramemostrassea exata
posiçãoemqueohomemestavaquandoasenhoraentrounasala
vindoporali.
-Ah... sim... vamos ver... ele estava... - iniciou Clarissa
vacilante.Foiatéaescrivaninha. -Não - continuou -,agorame
lembrei.Estavaparadoaqui,bemassim.-Elaparouao ladoda
escrivaninhaecurvou-se.
Fique pronto para abrir a porta secreta quando eu avisar,
Jones-disseoinspetor,gesticulandoaoguarda,queselevantou
eempunhouaalavancanaestante.
- Muito bem - disse o inspetor para Clarissa. - Ele estava
paradoaí.Entãoasenhoraabriuaportasecretaesaiuporela.
Tudobem,nãoprecisaentraralieverocorpo,apenas fiquena
frentedaportaquandoelaseabrir.Jones...
O guardaacionoua alavanca, e aporta secreta se abriu.O
esconderijo estava vazio exceto por um pedacinho de papel no
chão, apanhadopelo guarda Jones.O inspetor olhou, demodo
acusador,paraClarissaeSirRowland.
Oguardaleuemvozaltaoqueestavaescritonatiradepapel.
"Seustrouxas!"Oinspetorarrancouopapeldasmãosdoguarda,
enquantoClarissaeSirRowlandseentreolhavam,admirados.
Osomaltodacampainhadafrentequebrouosilêncio.
Capítulo19
Poucodepois,Elginentrounasaladeestarparaanunciara
chegada do médico-legista. De imediato, o inspetor e o guarda
Jones acompanharam omordomo à porta da frente. No hall, o
inspetor incumbiu-se da não invejável tarefa de confessar ao
doutorquedemomentonãohaviacorpoaserexaminado.
Não diga, inspetor Lord - comentou o médico irritado. - O
senhortemideiadaraivaquedáviraquinestalonjuraedarcom
osburrosn'água?
Mas,doutor,possolhegarantir-tentouexplicaroinspetor-
quetínhamosumcorpomesmo.
O inspetorestácerto,doutor - confirmouoguardaJones. -
Sem dúvida, tínhamos um corpo. Acontece que ele acaba de
sumir.
O burburinho de vozes atraíra Hugo e Jeremy da sala de
jantar,dooutroladodohall.Elesnãoperderamaoportunidade
defazerobservaçõespoucoúteis.
Nãoseicomoapolíciaconsegue trabalhar,perdendocorpos
dessejeito!-queixou-seHugo.Porsuavez,Jeremyalfinetou:
Nãoentendoporquenãocolocaramalguémvigiandoocorpo.
Bem, seja lá o que aconteceu, se não há corpo a ser
examinado,nãovoumaisperderomeutempoaqui -vociferouo
médico, dirigindo-se ao inspetor. - Tenha a certeza de que isso
nãovaificarassim,inspetorLord.
Sim, doutor. Não tenho dúvidas quanto a isso. Boa noite,
doutor-replicouoinspetorfatigado.
Omédico-legistasaiupelafrente,batendoaportaatrásdesi,
e o inspetor voltou-se para Elgin, que se antecipou, alegando
depressa:
Não sei de nada, eu lhe asseguro, senhor, absolutamente
nada.
Nestemeio tempo,nasaladeestar,ClarissaeSirRowland,
escutandoàporta,divertiam-secomocontratempodospoliciais.
Horinha não muito oportuna para a chegada do reforço
policial -riu-seSirRowland.-Parecequeomédico-legista ficou
bemirritadocomosumiçodocadáver.
Clarissadeuumarisadinha.
Masquemseráquedeusumiçonele?-perguntouela.-Será
quefoiJeremy?
Nãoconsigoimaginarcomoelepoderiaterfeitoisso-replicou
SirRowland.-Elesnãodeixaramninguémentrarnabiblioteca,e
aportaentreabibliotecaeohallestavachaveada.Aquele"Seus
trouxas!"foiagotad'água.
Clarissariu,eSirRowlandcontinuou.
Entretanto,nosrevelaumacoisa.Costelloconseguiuabrira
gaveta secreta. - Calou-se um tempo e mudou de atitude. -
Clarissa-recomeçouemtomgraveporqueafinalvocênãocontou
averdadeaoinspetor,mesmodepoisdeeuterlheimplorado?
Eucontei-protestouClarissa-,menosapartedePippa.Ele
simplesmentenãoacreditouemmim.
Mas,porDeus,precisavacontartantabobagemaoinspetor?-
insistiuSirRowland.
Bem-retorquiuClarissacomumgestodedesamparo-,me
pareceu a história mais plausível de o inspetor acreditar. E -
finalizouelaradiante-agoraeleacreditamesmoemmim.
E o resultado é que você está no meio de uma grande
confusão - salientou Sir Rowland. - Vai ser acusada de
assassinatoesabebemdisso.
Voualegarlegítimadefesa-afirmouClarissaconfiante.
Antes que Sir Rowland tivesse oportunidade de responder,
Hugo e Jeremy entraram do hall. Hugo caminhou à mesa de
bridge,resmungando:
Políciadearaque,nosempurrandopra láepracá.Eagora
parecequeconseguiramperderocadáver.
Jeremy fechou a porta atrás de si, então aproximou-se do
bancoepegouumsanduíche.
Esquisitopraburro-afirmou.
É inacreditável - comentou Clarissa. - Toda a história é
inacreditável.Ocorposumiu,eaindanãosabemosquemfoique
ligouparaapolíciaecontouquehaviaocorridoumcrimeaqui.
Ora, claro que foi Elgin - opinou Jeremy, sentando num
braçodosofáecomeçandoasaborearosanduíche.
Não,não-discordouHugo.-Sópodetersidoaquelatalde
MissPeake.
Masporquê?-quissaberClarissa.-Porqueumdelesfaria
issosemnoscontarnada?Nãofazsentido.
Naportadohall,MissPeakemeteuacabeçanasalaeolhou
emvoltacomarconspirador.
Oi,abarraestálimpa?- indagou.-Nenhumtiraporperto?
Parecequetemumenxamedelesnacasa.
Agora estão ocupados vasculhando a casa e o terreno —
informouSirRowland.
Paraquê?-perguntouMissPeake.
Ocorpo-replicouSirRowland-sumiu.
MissPeakesoltouarisadajovialdesempre.
Quepalhaçada!-explodiuela.-Ocadávermágico,então?
Hugo sentou-se à mesa de bridge. Olhando ao redor,
comentou,semsedirigiraninguémemespecial:
Éumpesadelo.Tudonãopassadeummalditopesadelo.
Bem como nos filmes, não é, Sra. Hailsham-Brown? -
lembrouMissPeake,tendooutroacessoderiso.
SirRowlandsorriuparaajardineira.
Esperoqueasenhoraestejasesentindomelhoragora,Miss
Peake,nãoestá?-perguntou,cortês.
Ah,estoubem-respondeuela. -Sabe,naverdade,souum
osso duro de roer. Apenas fiquei um pouco impressionada ao
abriraquelaportaedardecaracomumcadáver.Nahoraperdio
controle,tenhodeadmitir.
Ficopensando,talvez-comentouClarissaserenamente-,sea
senhorajánãosabiaqueeleestavaali.
Ajardineirafitou-a.
Quem?Eu?
Sim,asenhora.
De novo parecendo dirigir-se ao cosmos inteiro, Hugo
afirmou:
Não faz sentido. Por que alguém levaria o corpo embora?
Todossabemosqueexisteumcorpo.Sabemosaidentidadedelee
tudo omais. Não hámotivo. Por que não deixar o infeliz onde
estava?
Ah,eunãodiriaquenãohámotivo,Sr.BirchcorrigiuMiss
Peake,curvando-sesobreamesadebridgeeencarandoHugo.-É
preciso ter um corpo, sabe. Habeas corpus e aquela ladainha
toda. Lembra-se? Antes de acusar alguém de assassinato, é
precisoterumcorpo.-Voltou-separaClarissa.-Portanto,nãose
preocupe, Sra. Hailsham- Brown - tranquilizou ela. - Tudo vai
acabarbem.
Clarissafitou-a.
Oquequerdizercomisso?
Estive de ouvidos bem abertos esta noite - contou a
jardineira.-Nãofiqueiotempotododeitadanacamadoquarto
dehóspedes.-Elaolhouparatodosaoredor.
Nunca suportei aquele tal de Elgin, nem a esposa dele
recomeçou.-Escutandoàsescondidasecorrendoparafofocarà
políciahistóriassobrechantagem.
Entãoescutouisso?-perguntouClarissacuriosa.
Eu sempredigo: defenda o seu sexo - declarouMiss Peake.
OlhouparaHugo.-Homens!-bufou.-Nãomemisturocomeles.
— Sentou-se no sofá ao lado de Clarissa. - Se não conseguem
acharocorpo,minhaqueridaexplicouMissPeake-,nãopodem
apresentar acusações contra a senhora. E digomais: se aquele
animal estava mesmo lhe fazendo chantagem, a senhora fez
muitobememquebraracabeçadeleeselivrardapeste.
Maseunão...—começouClarissacomvozfraca.
Escutei a senhora contar tudo ao inspetor - interrompeu a
jardineira. - E, se não fosse por aquele enxerido e medroso do
Elgin,asuahistóriaseriabemcoerente.Fácildeacreditar.
De que história você está falando? - indagou Clarissa com
curiosidade.
Adeterconfundidoelecomumladrão.Éopontodevistada
chantagemquedeixatudocomaspectodiferente.Porisso,pensei
quesótinhaumacoisaaserfeita,retomouajardineira.-Darum
fimnocorpoedeixarapolíciaperseguindooprópriorabo.
Incrédulo, Sir Rowland recuou titubeante alguns passos.
MissPeakeolhouaoredorcomsatisfação.
Trabalho talentoso, até eu mesma tenho de reconhecer -
gabou-seela.
Jeremyergueu-sefascinado.
Está dizendo que foi a senhora quem removeu o corpo? -
perguntouincrédulo.
Aestaaltura,todosencaravamMissPeake.
Estamos todos entre amigos aqui, não? - indagou, olhando
emvolta.-Porqueeutambémpossodarcomalínguanosdentes.
Sim-admitiuelaeuque removiocorpo. -Deuumtapinhano
bolso.-Epasseiachavenaporta.Tenhoaschavesdetodasas
portasdacasa,portantoissonãofoiproblema.
Clarissafitou-aboquiaberta.
Mas como? Onde... onde a senhora colocou o corpo? -
perguntousemfôlego.
MissPeakeinclinou-seàfrentenumsussurroconspirador.
Na camadoquartodehóspedes.Aquelade quatro colunas.
Atravessado na cabeceira, embaixo do travesseiro comprido.
Depoisrefizacamaedeiteiemcimadela.
SirRowland,pasmado,sentou-seàmesadebridge.
Mascomoasenhoralevouocorpoatéoquartodehóspedes?
-perguntouClarissa.-Nãoiaconseguirfazerissosozinha.
Asenhoraficariasurpresa-sorriuMissPeakedeformajovial.
- O velho modo de erguer dos bombeiros. Joguei em cima do
ombro.-Comumgesto,elademonstroucomofizera.
Maseseasenhora tivesseencontradoalguémnaescada? -
questionouSirRowland.
Ah,maseunãoencontrei-retorquiuMissPeake.-Apolícia
estava aqui com a Sra. Hailsham-Brown. Vocês três estavam
retidosporelesnasaladejantar.Entãoagarreiaoportunidadee,
éclaro,agarreiomortotambém,levei-oaohall,passeiachavena
porta dabiblioteca e o carreguei escadas acimaaté o quarto de
hóspedes.
Caramba!-exclamouSirRowlandsemfôlego.
Clarissaficouempé.
Maselenãopodeficarembaixodotravesseirocompridopara
sempre-ponderouela.
MissPeakevirou-separaClarissa.
Não, claro que para sempre não, sra. Hailsham- Brown —
admitiu.—Maspor24horaselevai ficarbem.Aessaaltura,a
polícia vai ter liquidadocomabuscanacasa eno terreno.Vão
estarprocurandomaislonge.
Correuoolharentreseusadmiradosinterlocutores.
Assim,estivepensandonummododenoslivrarmosdocorpo
-recomeçou.-Casualmentecaveiumabelatrincheiranojardim
estamanhã...paraplantarervilhas-de-cheiro.Ora,ésóenterraro
corpoláeplantarduasbonitas fileirasdeervilhas-de-cheiropor
cima.
Sempalavras,Clarissadesmoronounosofá.
Receio,MissPeake-ponderouSirRowland-,queooficiode
coveirohátemposdeixoudeserassuntodeiniciativaprivada.
Ajardineirariuavalerdocomentário.
Ah, esseshomens! - exclamou, balançando o dedo paraSir
Rowland. - Sempre tão ostensivosnadefesadaboa conduta.O
bomsensodasmulheresésuperior.-ElasevirouparaClarissa.-
Tudo o que é difícil para nós se torna fácil, até mesmo um
assassinato.Nãoé,Sra.Hailsham-Brown?
Hugolevantou-sederepente.
Issoéumabsurdo!-esbravejouele.-Clarissanãoomatou.
Nãoacreditonumapalavradisso.
Ora,senãofoiela-MissPeakeperguntouvivaz-,quemfoi?
Naquele instante, Pippa entrou na sala vindo do hall,
vestindoumchambre,caindodesono,comumatigelademousse
dechocolatenamão.Todososolharessevoltaramparaela.
Capítulo20
Atônita,Clarissaselevantounumpulo.
Pippa!-gritou.-Oqueestáfazendoforadacama?
Acordei e resolvi descer - disse Pippa, entre um bocejo e
outro.
Clarissaaconduziuaosofá.
Estoucomtantafome-reclamouPippa,bocejandodenovo.
Sentou-se, ergueu os olhos para Clarissa e disse em tom
acusativo:-Vocêtinhaditoqueialevaristopramim.
Clarissa pegou a tigela de mousse de chocolate damão de
Pippa e a pôs no banco. Em seguida, sentou-se ao lado da
meninanosofá.
Acheiquevocêestavadormindo,Pippa-explicou.
E eu estava mesmo dormindo - contou Pippa, com outro
imensobocejo.-Daítiveaimpressãodequeumpolicialentroue
ficoumeolhando.Eutinhatidoumpesadeloedepoisfiqueimeio
acordada.Daímedeufomeeresolvidescer.
Estremeceu,olhoutodomundoerecomeçou:
Alémdomais,euacheiquepoderiaserverdade.
SirRowlandaproximou-seesentounosofádooutroladode
Pippa.
Oquepoderiaserverdade,Pippa?-perguntou.
Aquele sonho horrível que tive com o Oliver - respondeu
Pippa,sentindoumcalafrioaolembrar.
O que aconteceu no sonho, Pippa? - indagou Sir Rowland
mansamente.-Conteparamim.
Nervosa,Pippatiroudobolsodochambreumpedacinhode
ceramodelada.
Àtardinha,fizistoaqui-relatou.-Derretiumaveladecera,
esquenteiumalfineteetrespasseiaceracomoalfinete.
ElaentregouobonequinhodecerasirRowland.Derepente,
Jeremy exclamou "Meu Deus!", deu um salto e começou a
esquadrinharasala,atrásdolivroquePippatentaralhemostrar
àtarde.
Recitei as palavras bem certinho e tudo o mais - explicou
PippasirRowland-,sóquenãoconseguifazerbemdojeitoque
dizianolivro.
Quelivro?-quissaberClarissa.-Nãoestouentendendo.
Juntoàestante,Jeremyachouoqueprocurava.
Aqui está - exclamou, entregando o livro para Clarissa por
cimadoencostodosofá.-Pippacomprouhojenosebo.Eladisse
queeraumlivrodereceitas.
Pippadeuumarisadarepentina.
Evocêmedisse:"Édecomer?"-lembrouela.
Clarissaexaminouolivro.Leunacapaotítulo
Cem feitiços provados e comprovados. Abriu o volume e
começoualer.
"Como sarar verrugas. Como conquistar o seu amor. Como
aniquilaroseuinimigo."Pippa...entãofoiissoquevocêfez?
Pippalançouàmadrastaumolhardemistério.
Sim-respondeu.
ClarissadevolveuolivroaJeremy,ePippaobservouoboneco
decera,aindanasmãosdeSirRowland.
NãoseparecemuitocomOliver-admitiu-,eeunãoconsegui
nenhumamechadecabelodele.Masfoiomaisparecidoquepude
fazer...edepois...depois...sonheiepensei...-Tirouocabelodo
rostoeoajeitouatrásdasorelhas.-Penseiqueeutinhadescidoe
queeleestavaali.
Apontouatrásdosofá.-Equeeratudoverdade.
SirRowlandlargoumansamenteobonecodeceranobanco,
ePippaprosseguiu:
Eleestavaali,morto.Eutinhaacabadocomele.
Olhouparatodosnasalaecomeçouatremer.-Éverdade?-
perguntou.-Euomatei?
Não, querida. Não - disse Clarissa, com os olhos rasos de
lágrimas,abraçandoPippa.
Maseleestavaali-insistiuPippa.
Sei,Pippa - contou-lheSirRowland. -Masvocênãomatou
Costello. Ao trespassar o boneco de cera com o alfinete, você
matouoódioeomedoquetinhadele.Agoranãotemmaismedo
nemódiodele.Nãoéverdade?
Pippavoltou-separaSirRowland.
Sim,éverdade-reconheceu.-Maseuovisim.
Olhouatrásdo sofá. -Descina sala eCostello estava caído
ali,morto.-AninhouacabeçanopeitodeSirRowland.-Tenho
certezadequeovi,tioRoly.
Sim, querida, você o viu mesmo - disse-lhe Sir Rowland
ternamente.-Masnãofoivocêquemomatou.
Ela o fitou com ansiedade, e ele recomeçou: - Agora preste
atenção, Pippa. Alguém acertou a cabeça dele com um bastão.
Vocênãofezisso,fez?
Ah, não - disse Pippa, acenando a cabeça com força. - Isso
não. -Ela se virouparaClarissa. -Quer dizer tipo o bastãode
golfequeoJeremytinha?
Jeremyriu.
Não,Pippa,nãoumtacodegolfe-explicouele.
Algotipoaquelegrandebastãoqueficanosuportedohall.
Quer dizer aquele que era do Sr. Sellon e que Miss Peake
chamadeclava?-indagouPippa.
Jeremyconcordoucomacabeça.
Ah,não-falouPippa.-Eunãofariaumacoisadessas.Nãoia
conseguir.-Voltou-separaSirRowland.-Ah,tioRoly,eunãoia
matá-lodeverdade.
Claro que não - interveio Clarissa, com uma voz serena de
bomsenso, pegandoa tigelademousse e oferecendoaPippa. -
Agoravamos,querida,comaasuamoussedechocolateeesqueça
desse assunto. - Pippa abanou a cabeça em recusa, e Clarissa
repôsatigelanobanco.ElaeSirRowlandajudaramPippaase
deitarnosofá.Clarissapegounamãodela,eSirRowlandafagou
ocabelodameninacomcarinho.
Não estou entendendo bulhufas dessa história - declarou
MissPeake.-Quelivroéesse,afinal?-perguntouelaaJeremy,
queofolheavanessemomento.
"Como provocar uma peste no gado do vizinho." Não acha
interessante,MissPeake?-falouJeremy.-Arriscodizerque,com
pequenasadaptações, a senhora consegue causarmancha-preta
nasrosasdavizinha.
Nãoseidoquevocêestáfalando-retrucouajardineiracom
rispidez.
Magianegra-explicouJeremy.
Nãosousupersticiosa,graçasaDeus-bufouela,encerrando
oassuntoeseafastando.
Hugo,queseesforçavaparaacompanharosfatos,confessou:
Estoucadavezmaisconfuso.
Eutambém-concordouMissPeake,dando-lheumtapinha
noombro.-Émelhoreuirdarumaespiadinhanoqueosrapazes
de azul estão inventando. -Edando outrade suas estrepitosas
risadas,saiurumoaohall.
SirRowlandpercorreuosolharesdeClarissa,HugoeJeremy.
Eagoraemquepéestamos?-pensouconsigoemvozalta.
Clarissa ainda se restabelecia das revelações dos minutos
anteriores.
Comofuiestúpida-exclamouconfusa.-Eudeviasaberque
Pippanãoteriacomo...eunãosabianadasobreesselivro.Pippa
dissequetinhamatadoOlivereeu...penseiqueeraverdade.
Hugolevantou-se.
Ah,vocêestádizendoqueachouquePippa...
Sim,querido - cortouClarissanervosae incisivamentepara
impedi-lo de completar a frase.MasPippa, por felicidade, agora
dormiaserenanosofá.
Ah,entendo-disseHugo.-Issoexplicatudo.BomDeus!
Bem, agora é melhor irmos até a polícia e enfim contar a
verdadeaeles-opinouJeremy.
SirRowlandbalançouacabeçapensativo.
Não sei, não -murmurou. - Clarissa já contou três versões
diferentes...
Não.Esperem-interrompeuClarissaderepente.
Tiveumaideia.Hugo,qualeraonomedalojadosr.Sellon?
Era só uma loja de antiguidades - replicou Hugo de modo
vago.
Sim,seidisso-exclamouClarissaimpaciente.
Mascomoelasechamavamesmo?
Comoassim..."comosechamava"?
Ah,querido,nãodificulteascoisas-falouClarissa.
Antesvocêdisse,eeuqueroquevocêdigadenovo.Masnão
queromandarvocêdizer,nemdizerporvocê.
Hugo,JeremyeSirRowlandseentreolharam.
Alguém pode me esclarecer onde diabos esta moça quer
chegar?-indagouHugoemtomdequeixa.
Não tenho ideia - replicou Sir Rowland. - Tente de novo,
Clarissa.
Exasperada,elainsistiu:
Émuitosimples.Qualeraonomedalojadeantiguidadesem
Maidstone?
Nãotinhanome-respondeuHugo.-Querodizer,antiquários
nãosechamamSeaviewoucoisaqueovalha.
Santa paciência - resmungou Clarissa entre os dentes
cerrados.Falandoclaro edevagar,pausandoapóscadapalavra,
perguntouumavezmais:
O...que...estava...escrito...em...cima...da...porta?
Escrito?Nada-disseHugo.-Oquepoderiaestarescrito?Só
onomedosdonos:"Sellon&Brown",éclaro.
Atéqueenfim-gritouClarissaemtomdejúbilo.-Euachava
que era isso que você tinha dito antes, mas não tinha certeza.
Sellon&Brown.MeunomeéHailsham-Brown.-Elaolhouotrio
aseuredor,maselesapenasaolharamdevolta,comexpressão
detotalincompreensãonasfaces.
Alugamosestacasamuitobarato-recomeçouClarissa.—Os
outros interessados que vieram ver a casa antes ficaram
assustados com o preço exorbitante do aluguel e desistiram,
ficandodescontentes.Entenderamagora?
Hugo mirou-a com um olhar inexpressivo, antes de
responder:
-Não.
Jeremysacudiuacabeça.
Aindanão,meubem.
SírRowlandfitou-ademodoagudo.
Estouboiando-falou,pensativo.
OrostodeClarissaassumiuumaexpressãodeansiedade.
OSr.Sellontinhasociedadecomumapessoaquemoravaem
Londres.Essapessoaéumamulher-explicouelaaosamigos.-
Hoje,alguémligouepediuparafalarcomasra.Brown.Nãocom
asra.Hailsham-Brown,apenassra.Brown.
Agoracomeçoacompreender-disseSirRowland,meneando
acabeçadevagar.
Hugosacudiuacabeça.
Euaindanão-admitiu.
ClarissaolhouparaHugo.
Baia equina ou equina baia... pequenos detalhes, grandes
diferenças-observouelainescrutável.
Você não está delirando ou algo parecido, Clarissa? Quis
saberHugopreocupado.
AlguémmatouOliver-recordouClarissa. -Não foinenhum
devocês.NemHenry.Muitomenoseu.-Fezumapausaantesde
continuar.-EnãofoiPippa,graçasaDeus.Então,quemfoi?
Com certeza, é exatamente como eu disse ao inspetor -
sugeriuSirRowland.-Umserviçodefora.AlguémseguiuOliver
atéaqui.
Sim,mas por quê? - indagou Clarissa demodo expressivo.
Não obtendo resposta, retomou suas considerações. - Hoje,
quando acompanhei vocês ao portão relembrou ela aos três
amigosaovoltar, entreipelasportasdevidroedeidecaracom
Oliver.Elepareceumuitosurpresoaomever.Disse:"Clarissa!O
que está fazendo aqui?" Na hora, pensei que era um modo
sofisticado de me irritar. Mas vamos supor que ele estivesse
mesmosurpreso?
Os ouvintes pareciam estar atentos, mas nada disseram.
Clarissarecomeçou:
Vamos supor que ele tenha ficado surpreso ao me ver. Ele
pensava que esta casa pertencia a outra pessoa. Pensava que
encontrariaaquiaSra.Brown,asóciadosr.Sellon.
SirRowlandmeneouacabeça.
Mas será que ele não sabia que você e Henry estavam
morandoaqui?-questionou.-SeráqueMirandanãosaberia?
Sempre que Miranda precisa se comunicar o faz por
intermédio de advogados. Nem ela nemOliver necessa-riamente
sabiamqueestávamosmorandoaqui-explicouClarissa.-Estou
dizendo,tenhocertezadequeOliverCostellonemsonhavaemme
encontrar.Ah,masnamesmahoraelese recuperoudosustoe
inventou a desculpa de que tinha vindo falar sobre Pippa. Ele
fingiuteridoembora,masretornouporque...
Calou-seaoMissPeakeentrarpelaportadohall.
Acaçadacontinua-declarouajardineiraanimada.-Calculo
quejáprocuraramembaixodetodasascamas.Agoraestãoláfora
noterreno.-Elasoltouaconhecidarisadacordial.
Clarissafitou-ademodoincisivoedisse:
Miss Peake, a senhora se lembra daquilo que o sr. Costello
disseumpoucoantesdeirembora?Nãolembra?
Semexpressão,MissPeakeadmitiu:
Nãofaçoamínimaideia.
Ele disse "Eu vim falar com a sra. Brown", não foi? —
relembrouClarissa.
MissPeakepensouumpoucoerespondeu:
Acreditoquesim.Porquê?
Maselenãoveiofalarcomigo-insistiuClarissa.
Bem,senãofoicomasenhora,nãoseicomquempoderiaser
-retorquiuMissPeakecomoutradesuasrisadasjoviais.
Clarissafaloucomdecisão.
Com a senhora - disse ela para a jardineira. - Não é, sra.
Brown?
Capítulo21
Miss Peake, aparentando supremo espanto com a acusação
de Clarissa, por um instante pareceu em dúvida a respeito de
como agir. Quando enfim respondeu, sua atitude mudara.
Abandonandootomdivertidodecostume,faloucomseriedade.
Bempensado-disseela.-Temrazão,eusouaSra.Brown.
Clarissaestiveraexercitandooseuraciocínio.
AsenhoraéasóciadoSr.Sellon-revelou.-Éadonadesta
casa.Herdou-adeSellonjuntocomaempresaemsociedade.Por
algummotivo,teveaideiadeencontraruminquilinocujonome
fosse Brown. O fato é que estava determinada a ter outra Sra.
Brownmorandoaqui.Pensouqueissonãoseriamuitodifícil,já
queBrownéumnometãocomum.Masnofimdascontastevede
se contentar com Hailsham-Brown. Não sei bem por que a
senhora me queria no palco enquanto assistia. Ainda não
entendo bem os detalhes... Sra. Brown, codinome Miss Peake,
interrompeu-a.
CharlesSellonfoiassassinado-disseelaaClarissa.-Nãohá
dúvidadisso.Entrouempossedealgomuitovalioso.Nãoseide
queforma...nemseioqueera.Elenuncafoimuito...-hesitou-
escrupuloso.
Éoquesecomenta-observouSirRowlandsecamente.
Sejaláoquefor-recomeçouasra.Brown-,elefoimortopor
isso. E seja lá quem o matou não encontrou a tal coisa.
Provavelmente não a encontraram porque não estava na loja, e
sim aqui. Pensei que, seja lá quem fosse, o assassino acabaria
vindoaquiprocurar,maiscedooumaistarde.Euqueriaficarna
tocaia, por isso precisava de uma sra. Brown postiça. Um
fantoche.
SirRowlandsoltouumaexclamaçãodecontrariedade.
Asenhoranãosedeuconta-perguntouàjardineira,falando
com emoção - de que a senhora Hailsham- Brown uma moça
totalmente inocente que nunca lhe fez mal, estaria correndo
perigo?
Estivesempreporperto,nãoestive?-replicouaSra.Brown,
nadefensiva.-Tantoqueàsvezesissochegouaincomodarvocês.
Bem,naquelediaqueapareceuumhomemoferecendoumpreço
exageradoporessaescrivaninha,nãotivemaisdúvidas:euestava
na pista certa. Mas posso jurar que não há nada nessa
escrivaninhaquetenhaalgumvalor.
Asenhoraexaminouagavetasecreta?-indagouSirRowland.
ASra.Brownpareceusurpresa.
Gaveta secreta? Onde? - exclamou, dirigindo-se à
escrivaninha.
Nomeiodocaminho,Clarissaadeteve.
Agoranãohámaisnadaali -garantiu. -Pippaencontroua
gaveta,masdentrosóhaviaunsautógrafosantigos.
Clarissa, eu gostaria de dar uma nova olhada naqueles
autógrafos-pediuSirRowland.
Clarissavoltou-separaosofá.
Pippa - chamou ela -, onde você colocou...? Ah, ela está
dormindo.
Asra.Brownaproximou-sedosofá ebaixouoolharparaa
criança.
Dormindoumsonodepedra - confirmou. -Éessaagitação
toda.-OlhouparaClarissa.-Sabedeumacoisa?-disse.-Vou
carregarPippaláparacimaecolocá-lanacama.
Não-disseSirRowlandperemptório.
Todosolharamparaele.
Ela não pesa nada - ponderou a sra. Brown. - Nem uma
quartapartedoquepesavaocadáverdosr.Costello.
Mesmoassim-insistiuSirRowland-,achoqueelavaificar
maisseguraporaqui.
Então todos se voltaram para Miss Peake/Sra. Brown, que
deuumpassoparatrás,olhouaoredoreexclamou,indignada:
Maissegura?
-Foiissoqueeudisse-retrucouSirRowland.Correuosolhos
aoredoreacrescentou:-Essameninadissealgomuitosugestivo
agorahápouco.
Sentou-seàmesadebridge,observadoportodos.Houveum
silêncio.Hugofoiparaooutroladodamesa,sentouàfrentede
SirRowlandeperguntou:
Oquefoiqueeladisse,Roly?
Sevocêstodosrelembraremumpoucodosfatos-sugeriuSir
Rowland-,talvezsedêemcontadoquesetrata.
Osoutrosseentreolharam.SirRowlandapanhouoexemplar
deQueméQuemecomeçouaconsultá-lo.
Nãoentendo-insistiuHugo,meneandoacabeça.
OquefoiquePippadisse?—pensouJeremyemvozalta.
Não tenho ideia - disse Clarissa, tentando recordar. - Algo
sobreopolicial?Ousonhar?Desceraqui?Ficarmeioacordada?
Vamoslá,Roly-intimouHugo.-Nãofaçatantomistério.O
queestáacontecendo,afinal?
SirRowlandergueuoolhar.
Oquê?-perguntoudistraído.-Ah,sim.Ostaisautógrafos.
Cadêeles?
Hugoestalouosdedos.
Senãomeengano,Pippaosguardounaquelacaixinhaaliem
cima-recordouele.
Jeremyfoiàestantedelivros.
Aqui em cima? - indagou. Localizou a caixinha e retirou o
envelopedela.-Sim,éverdade.Estãoaqui-confirmou,aopegar
osautógrafosdoenvelopeeentregá-lossirRowland,quefechara
o exemplar de Quem é Quem. Jeremy pôs o envelope vazio no
bolso, eSirRowlandpassoua examinar osautógrafos comseu
monóculo.
Victoria Regina, Deus a abençoe -murmurou Sir Rowland,
observando o primeiro dos autógrafos. - Rainha Vitória. Tinta
marrom esmaecida. Vamos ver, e este, qual é? John Ruskin...
sim,éverdadeiro, tudo indica.Eesteoutro?RobertBrowning...
hum...opapelnãoétãoantigoquantoseriadesupor.
Roly!Oquevocêquerdizer com isso? -perguntouClarissa
animada.
Tenho certa experiência com tintas invisíveis e esse tipo de
coisa,desdeotempodaguerra-explicouSirRowland.-Quando
é preciso fazer uma anotação secreta, uma boa alternativa é
escrever com tinta invisível numa folhadepapel e falsificarum
autógrafo. Depois é só colocar esse autógrafo junto a outros
autógrafosautênticos,queprovavelmenteninguémvainotá-loou
prestaratençãonele.Nãomaisdoquenós.
ASra.Brownpareceuconfusa.
Mas o que Charles Sellon teria escrito que pudesse valer
quatorzemillibras?-quissaberela.
Absolutamentenada,minhasenhora-replicouSirRowland.
- Mas me ocorre agora que pode ter sido uma questão de
segurança.
Segurança?-inquiriuaSra.Brown.
Suspeita-se que Oliver Costello - esclareceu Sir Rowland -
estivesseenvolvidocomtráficodedrogas.Sellon,comooinspetor
nos contou, foi interrogado uma ou duas vezes pela divisão de
Narcóticos.Podehaverumaconexãoaqui,nãoacham?
AúnicarespostadeSra.Brownfoiumolharinexpressivo.Ele
continuou:
Claro,pode ser sóuma ideiabobaminha. -Baixouo olhar
paraoautógrafoqueestavasegurando.-Nãocreioquesejaalgo
muitoelaborado,vindodapartedeSellon.Sucodelimão,talvez,
ou solução de cloreto de bário. Calor ameno pode solucionar o
caso. Se for preciso, tentamos vapor de iodo mais tarde. Mas
primeirovamostentarumaaquecidadeleve.
Eleselevantou.
Mãosàobra?
Temos um aquecedor elétrico na biblioteca - lembrou
Clarissa.-Jeremy,poderiaapanhá-lo?
Hugo se ergueu e empurrou a cadeira de encontro àmesa,
enquantoJeremyiaatéabiblioteca.
Podemosligá-loaqui-disseClarissa,indicandoumatomada
norodapédasala.
Acoisatodaéabsurda-bufouaSra.Browncomdesdém.-
Mirabolantedemais.
Nãoacho-discordouClarissa.-Aideiaéótima.
Jeremy voltou da biblioteca com um pequeno aquecedor
elétrico.
Achou?-perguntouClarissa.
Aquiestá-respondeu.-Ondeestáatomada?
Aqui embaixo - falou Clarissa, apontando. Ela segurou o
aquecedor,eJeremyconectouocabonatomada.Emseguida,ela
colocouoaparelhonochão.
Sir Rowland pegou o autógrafo deRobertBrowning e ficou
empé,pertodoaquecedor.Jeremyajoelhou-sepertodoaparelho,
eosoutrosseaproximaramparaveroresultado.
Nãodevemostermuitasexpectativas-alertouSirRowland.-
Afinal,ésóumaideiaqueeutive.Masdeveterhavidoumbom
motivoparaSellonterguardadoestespedacinhosdepapelnum
lugartãosecreto.
Istomefazvoltarnotempo-relembrouHugo.-Otempoem
que eu era garoto e escrevia mensagens secretas com suco de
limão.
Com qual deles vamos começar? - indagou Jeremy
entusiasmado.
ComaRainhaVitória-opinouClarissa.
Quenada,seisporumnoRuskin-foiopalpitedeJeremy.
Bem,euapostominhasfichasnoRobertBrowning-decidiu
Sir Rowland, curvando-se e segurando o papel na frente do
aquecedor.
Ruskin? Sujeito hermético. Nunca consegui entender um
verso sequer de seus poemas—sentiu-se compelido a comentar
Hugo.
Exato-concordouSirRowland.-Sãorepletosdesignificados
ocultos.
PescoçosseespicharamsobreosombrosdeSirRowland.
Nãovouaguentarsenãoacontecernada-exclamouClarissa.
Achoque...sim!Temalgoaqui-murmurouSirRowland.
Sim,estáaparecendoalgo-observouJeremy.
Está?Deixe-mever—disseClarissa,animada.
HugoabriuespaçoentreClarissaeJeremy.
Saidafrente,rapaz.
Devagar— reclamouSirRowland. -Não empurrem... sim...
temalgoescrito.-Fezumapausa,endireitouocorpoeexclamou:
Conseguimos!
Conseguimosoquê?-quissaberaSra.Brown.
Umalistacomseisnomeseendereços-revelouSirRowland.
-Traficantes,presumo.EumdosnomeséOliverCostello.
Aexclamaçãofoigeral.
Oliver! - disse Clarissa. - Então foi por isso que ele veio, e
alguémdeve tê-lo seguido e... ah, tioRoly, precisamos contar à
polícia.Venhacomigo,Hugo.
Clarissa correu para a porta do hall, seguida deHugo, que
saiumurmurando:
Nunca ouvi falar de algo tão extraordinário. - Sir Rowland
pegouosoutrosautógrafos.Jeremytirouoaquecedordatomada
eolevoudevoltaàbiblioteca.
PrestesaseguirClarissaeHugo,SirRowlanddeteve-sena
soleiradaporta.
Vamosjunto,MissPeake?—indagou.
Nãoprecisamdemim,nãoémesmo?
Achoquesim.AsenhoraerasóciadeSellon.
Não tenho e nunca tive nada a ver com tráfico de drogas -
insistiu a Sra. Brown. - Eu apenas administrava a parte do
antiquário. Era responsável por todas as compras e vendas em
Londres.
Entendo-replicouSirRowland,semconfiança,eseguroua
portaabertaatéambossaírem.
Jeremyretornoudabiblioteca,fechandocomcuidadoaporta
atrásdesi.Foiàportadohalleescutouporuminstante.Lançou
umolharàPippa,chegoupertodapoltrona,pegouaalmofadae,
péantepé,rumouaosofáondePippadormia.
Pippa semexeunomeiodo sono. Porum instante, Jeremy
ficou paralisado; ao certificar-se de que ela ainda dormia,
prosseguiuemdireçãoaosofá,atéseposicionaratrásdacabeça
da menina. Em seguida, devagarinho, começou a descer a
almofadasobreorostodePippa.
Nesteexatomomento,Clarissaveiodohalleentroudenovo
nasala.Escutandoobarulhodaporta,Jeremycobriuospésde
Pippacomaalmofadacuidadosamente.
EulembreidoqueSirRowlandtinhadito-explicou-seelea
Clarissa - e achei melhor não deixar Pippa sozinha. Tive a
impressãodequeelaestavacomospésgelados,por issoacabei
decobri-los.
Clarissacruzouasalarumoaobanquinho.
Essa agitação todame abriu o apetite - declarou. Baixou o
olharparaopratodesanduíchesedissecomgrandedesânimo:-
Puxavida,Jeremy,vocêcomeutudo.
Sinto muito, eu estava morrendo de fome - disse ele, sem
demonstrararrependimentoalgum.
Não entendopor que razão - repreendeu ela. -Você jantou.
Eunão.
Jeremyempoleirou-senoencostodosofá.
Eu também não jantei - contou ele. - Fiquei treinando
tacadasdeaproximação.Sóentreinosalãodorestaurantepouco
depoisdevocêterligado.
Ah, entendo - replicou Clarissa desinteressada. Inclinou-se
sobreoencostodosofáparaafofaraalmofada.Derepenteseus
olhos se arregalaram. Numa voz profundamente perturbada,
repetiu:
Entendo.Você...foivocê.
Oquequerdizer?
Você! - repetiu Clarissa, quase como se estivesse falando
sozinha.
Oquequerdizer?
OlhandoJeremynosolhos,Clarissaindagou:
Oque você estava fazendo comaquela almofada quando eu
entreinasala?
Eleriu.
Jádisse.EstavacobrindoospésdePippa.Estavamfrios.
Verdade?Eraissomesmoquevocêiafazer?Ouiacolocara
almofadasobreorostodela?
Clarissa! - gritou indignado. - Não fale uma coisa absurda
dessas!
Eu estava certa de que o assassino de Oliver Costello não
poderiaserumdenós.Faleiissoatodos-relembrouClarissa.-
Masumdenóspoderiaseroassassino.Você.Vocêestavasozinho
lánocampodegolfe.Poderiatervoltadoparacasa,entradopela
janeladabiblioteca, que vocêhaviadeixado entreaberta.E você
tinhaaindaòseutacodegolfe.Éclaro.Foi issoquePippaviu.
Foi isso que ela quis dizer quando falou: "Um bastão de golfe
comoodeJeremy".Foivocêqueelaviu.
Isso é pura bobagem, Clarissa - objetou Jeremy num riso
forçado.
Não, não é—insistiu.—Então, depois de termatado Oliver,
você retornou ao clube e ligou para a polícia, para que eles
viessemaqui,achassemocorpoesuspeitassemdeHenryoude
mim.
Jeremyergueu-sedeumpulo.
Queabsurdoinfame!—declarou.
Não é absurdo. É verdade. Sei que é verdade - exclamou
Clarissa.-Masporquê?Éissoquenãoentendo.Porquê?
Permaneceram cara a cara num silêncio nervoso alguns
instantes.EntãoJeremysoltouumsuspiroprofundo.Retiroudo
bolsooenvelopeondeosautógrafoseramguardados.Estendeu-o
aClarissa,maselanãoopegou.
Foitudoporcausadisto-revelou.
Clarissadeuumaolhada.
Esseéoenvelopeemqueestavamosautógrafosdisseela.
Temumselonele-explicouJeremycalmamente.
Éoquesechamadeselocomerro.Impressonacorerrada.
Sueco,vendidoanopassadoporquatorzemiletrezentoslibras.
Entãoéisso—falouClarissa,recuando,semfôlego.
EsteselocaiunasmãosdeSellon-recomeçouJeremy.—Ele
escreveuparaSirKenneth,omeupatrão,sobreocaso.Mas fui
eu que abri a carta. Viajei de Londres para cá e fiz uma visita
Sellone...
Hesitou,eClarissacompletouafraseporele:
...eomatou.
Jeremyfezquesimcomacabeça,semdizernada.
Mas você não conseguiu encontrar o selo - conjeturou
Clarissa,afastando-sedele.
Acertoudenovo-admitiuJeremy.-Nãoestavana loja,por
issomeconvencidequedeviaestaraquinestacasa.
Começou a andar na direção de Clarissa; ela continuou
recuando.
Hojeànoite,penseiqueCostellotinhavencidoaparada.
Eentãovocêtambémomatou-disseClarissa.
Jeremyconcordoumaisumavezcomacabeça.
Eagora,vocêiamatarPippa?-perguntouelaofegante.
Porquenão?-respondeuimpassível.
Nãoacredito-disseela.
Clarissa, minha querida, quatorze mil libras é um bom
dinheiro-observouJeremy,comumsorrisoqueconseguiuserao
mesmotempocontritoesinistro.
Masporqueestámecontandoisso?-indagou,tãoperplexa
quantoaflita.-Poracasoimaginaqueeunãovoucontarparaa
polícia?
Vocêjácontoutantamentira.Nuncavãoacreditaremvocê-
retrucouele.
Vãosim.
-Alémdisso-continuouJeremy,investindocontraela-,você
nãovaiteressaoportunidade.Paraquemjámatouduaspessoas,
nãocustamatarmaisuma.
Seusdedosse fecharamem tornodopescoçodeClarissa, e
elagritou.
Capítulo22
OgritodeClarissafoiacudidodeimediato.SirRowlandveio
rápido do hall, acendendo as arandelas no caminho; o guarda
Jones precipitou-se na sala pela porta de vidro, e o inspetor
acorreudabiblioteca.
OinspetorsegurouJeremy.
Muitobem,Warrender.Escutamostudo,obrigado-disse.-E
éjustamenteessaaprovadequeprecisamos,acrescentou.-Passe
paracáesseenvelope.
Clarissa apoiou-se nas costas do sofá, com a mão na
garganta.Aoentregaroenvelopeaoinspetor,Jeremyobservoude
modoimpassível:
Entãoeraumaarmadilha,nãoera?Muitoengenhosa.
JeremyWarrender - disse o inspetor. -O senhor estápreso
peloassassinatodeOliverCostello.Émeudeverprevenir:tudoo
queosenhordisserpodeseranotadoeusadocomoprova.
Podepouparofôlego,inspetor-foiarespostaenunciadaem
tomserenoporJeremy. -Nãoestou falandonada.Foiumaboa
tentativa,massimplesmentenãodeucerto.
Leve-oemboradaqui -ordenouo inspetoraoguardaJones,
quepegouJeremypelobraço.
Qualoproblema,Jones?Esqueceu-sedasalgemas?Indagou
friamenteJeremyaoterobraçodireitotorcidoatrásdascostase
serconduzidoportaafora.
Sacudindo a cabeça com tristeza, Sir Rowland observou
Jeremysendolevadoe,emseguida,dirigiu-seaClarissa.
Vocêestábem,minhaquerida?-perguntouelepreocupado.
Sim, sim, estou bem - respondeu Clarissa, respirando com
certadificuldade.
Não tive a intenção de expor você a isso - desculpou-se Sir
Rowland.
Elaofitoucomsagacidade.
VocêsabiaquetinhasidoJeremy,nãosabia?-indagou.
Oinspetorentrounaconversa.
Mascomodescobriusobreoselo,sir?
Sir Rowland aproximou-se do inspetor Lord e pegou o
envelopedamãodele.
Bem, inspetor - principiou comecei a desconfiar quando
Pippamostrouoenvelopehojeàtardinha.Depois,lendooQuem
é Quem, descobri que o patrão de Warrender, Sir Kenneth
Thomson, é filatelista, e minhas suspeitas aumentaram. E, há
pouco,quandoeleteveaousadiadeembolsaroenvelopedebaixo
demeunariz,eutivecerteza.
Devolveuoenvelopeaoinspetor.
Cuide bem disto, inspetor. Provavelmente o senhor vai
descobrir que se trata de algo muito valioso, além de ser uma
prova.
Sim, é uma prova - anuiu o inspetor. - Um jovem bandido
especialmenteperigosovaiteraquiloquemerece.
Cruzandoasalaemdireçãoàportadohall,continuou:
Masaindafaltaencontrarocorpo.
Ah, issovaiser fácil, inspetor—garantiu-lheClarissa. -Dê
umaolhadanacamadoquartodehóspedes,
OinspetorobservouClarissacomardecensura.
Ora,francamente,sra.Hailsham-Brown...-começouele.
FoiinterrompidoporClarissa.
Por que ninguém nunca acredita em mim? - queixou-se. -
Estánoquartodehóspedes.Váconferir,inspetor.Atravessadona
cama,embaixodotravesseirocomprido.MissPeakeocolocoulá,
tentandosergentil.
-Tentandoser...?-Aspalavrasfaltaramaoinspetor.Foiatéa
porta, virouedisseem tomrepreensivo: -Sabe,Sra.Hailsham-
Brown, não facilitou nosso trabalho esta noite, nos contando
todasessashistóriasinacreditáveis.Achoqueasenhorapensava
que o seu marido era o assassino e estava mentindo para
acobertá-lo.Masasenhoranãodeveria ter feito isso.Realmente
nãodeveria.
Balançouacabeçaoutravezesaiudasala.
Poisbem!-exclamouClarissaindignada.Evirou-separao
sofá.-Ai,Pippa...-recordou.
Émelhorlevá-laparacima-aconselhouSirRowland.-Agora
elaestarásegura.
Sacudindoameninacomdelicadeza,Clarissadissedeforma
meiga:
Vamos,Pippa.Horadeirparaacama.
Pippalevantou-sevacilante.
Tôfaminta-murmurou.
Sim, sim, aposto que sim - assegurou Clarissa, levando a
meninaparaohall.-Venha,vamosveroquepodemosencontrar.
Boa noite, Pippa - disse Sir Rowland. Como retribuição, a
meninabocejouum"B'anoite"esaiucomClarissa.SirRowland
sentou-seàmesadebridgee,malcomeçaraaguardarascartas
nacaixa,Hugoentroudohall.
Deusquemeperdoe-exclamouHugo.-Semecontassemeu
nãoteriaacreditado.JustoojovemWarrender.Pareciaumrapaz
bemdecente.Frequentoubonscolégios.Erabem-relacionado.
Masbem-propensoamatarporquatorzemillibrasobservou
SirRowlandpolidamente.-Devezemquandoissoacontece,até
mesmonasmelhoresfamílias.Umaper-sonalidadecativante,mas
desprovidadesensomoral.
Sra.Brown,ex-MissPeake,meteuacabeçanaporta.
Acho bom lhe avisar, Sir Rowland - declarou, retomando a
habitualvoztonitruante.-Fuiconvocadaa ir juntoàdelegacia.
Querem que eu faça um depoimento. Estão um pouco
descontentescomapeçaquepregueineles.Achoquevoureceber
um puxão de orelha. - Explodiu numa gargalhada, recuou e
bateuaportadohall.
HugoobservouasaídadeMissPeakeeemseguidajuntou-se
aSirRowlandnamesadebridge.
Sabe,Roly,aindanãoentendibem-admitiu.
Afinal,MissPeakeeraaSra.Sellon,ouoSr.Sellonqueerao
Sr.Brown?Ouvice-versa?
SirRowland foipoupadode responderdevidoao retornodo
inspetor,queveiopegaroquepeeasluvas.
Agoravamostrasladarocadáver,cavalheirosinformou.Pouco
depois acrescentou: - Sir Rowland, faria a gentileza de avisar a
Sra. Hailsham-Brown que se ela continuar contando histórias
fantasiosasàpolíciaumdiaelavaitersériosproblemas?
Não vamos esquecer, inspetor, que uma vez ela disse a
verdade - lembrou-lhe Sir Rowland de modo suave -, mas o
senhorsimplesmentenãoacreditou.
Oinspetorpareceuumpoucoatrapalhado.
Sim... hum... bem - começou. - Enfim, recompondo-se,
afirmou: - Francamente, era um pouco difícil de engolir, há de
concordarcomigo.
Ah,semdúvida,euconcordo-assegurouSirRowland.
Nãoqueeuculpeossenhores-continuouoinspetoremtom
reservado. - A Sra. Hailsham-Brown tem um jeitinho muito
persuasivo.-Balançouacabeça,pensativo,edespediu-se:-Bem,
boanoite,sir.
Boanoite,inspetor-respondeuSirRowlandafável.
Boanoite,Sr.Birch-disseoinspetor,recuandoparaaporta
dohall.
Boanoite,inspetor,eparabénspelobomtrabalhorespondeu
Hugoaoseaproximareapertaramãodele.
Obrigado,sir-disseoinspetor.
Elesaiu,eHugobocejou.
Bem,achoqueémelhoreuirandando.Vouparacasadormir
-disseeleaSirRowland.-Quenoite,hein?
Resumiu bem, Hugo. Que noite! - respondeu Sir Rowland,
arrumandoamesadebridge.-Atéamanhã.
Até-respondeuHugo,retirando-sepelohall.
SirRowlandempilhoucomesmeroascartaseosmarcadores
na mesa; em seguida pôs o exemplar de Quem é Quem na
estante.Clarissaentrouvindadohall,aproximou-seerepousou
asmãosnosbraçosdele.
Roly,querido-falou.-Oqueseriadenóssemvocê?Vocêé
tãointeligente.
Evocêéumamoçademuitasorte-disseele.-Fezmuitobem
emnãoentregarocoraçãoàquelejovembandido,Warrender.
Clarissaestremeceu.
Nãohaviaesseperigo-replicou.Sorriucomternura:-Seeu
entregassemeucoraçãoaalguém,seriaparavocê,meuquerido-
garantiu.
Ora, ora, não me venha com suas táticas - avisou Sir
Rowland,rindo.-Sevocê...
Paroude repenteao verHenryHailsham-Brownentrarpela
portadevidro,eClarissaexclamar:
Henry!
Oi,Roly-cumprimentouHenry.-Penseiquevocêsiamirao
clubeestanoite.
Bem...ahn...achoquevoudormiragora-foitudooqueSir
Rowland foi capaz de dizer naquele momento. - Foi uma noite
extenuante.
Henryolhouparaamesadebridge.
Oquê?Bridgeextenuante?-indagouemtomdebrincadeira.
SirRowlandsorriu.
Bridge e... ahn... outras coisas mais - respondeu e
encaminhou-separaaportadohall.-Boanoiteatodos.
Clarissa atirou-lhe um beijo, ele retribuiu e saiu da sala.
Clarissavirou-separaHenry.
OndeestáKallendorff...querodizer,ondeestáosr.Jones?-
perguntou,inquieta.
Henrycolocouavalisenosofá.Semesconderafrustraçãoeo
cansaçonavoz,murmurou:
Nuncafiqueitãoindignado.Elenãoapareceu.
Comoéqueé?-Clarissamalpodiaacreditarnoqueouvia.
Doaviãodesceuapenasumsubalternoinexperiente-contou
Henry,desabotoandoosobretudo.
ClarissaajudouHenryatirarosobretudo.Elecontinuou:
Aprimeiracoisaqueelefezfoidarmeia-voltaedecolarparao
lugardeondeviera.
Porquê?
E eu lá vou saber? - De modo compreensível, Henry
demonstravaumcertonervosismo.-Elemepareceudesconfiado.
Masdesconfiadodequê?Quemvaisaber?
Mas e quanto a Sir John? - indagou Clarissa ao retirar o
chapéudacabeçadeHenry.
Essaéapiorparte-resmungouele.-Nãoconseguiavisá-loa
tempo,eeledeveestarchegandoaqualquerminuto, imagino. -
Henry consultou o relógio. - Claro, na mesma hora liguei do
aeroportoparaDowningStreet,maselejáestavanaestrada.Ah,
acoisatodaéummemorávelfiasco.
Henryafundounosofácomumsuspiroexausto.Namesma
hora,otelefonetocou.
Deixequeeuatendo-disseClarissa,cruzandoasala.-Pode
serapolícia.-Ergueuofone.
Henryfitou-acomumolharindagador.
Apolícia?
Sim,aquiéCopplestoneCourt-diziaClarissaaotelefone.-
Sim... sim, ele está. - Mirou Henry com um olhar ligeiro. -
Querido,éparavocê-avisou.-DoaeroportoBindleyHeath.
Henrylevantou-secorrendoparaotelefone,masnomeiodo
caminhodesacelerou,assumindoumandaraltivo.
Alô-disseaofone.
ClarissalevouaohallochapéueosobretudodeHenry,mas
logovoltoueficoubematrásdele.
Sim... soueu -declarou. -Oquê?...Dezminutosdepois?...
Eu devo?... Sim... Sim, sim... Não... Não, não... Verdade?...
Entendi...Sim...Certo.
Repôs o fone no gancho, gritou "Clarissa!", virou-se e
percebeuqueelaestavalogoatrásdele.
Ah, você está aí. Parece que outro avião aterrissou dez
minutosdepoisdoprimeiro,eKalendorffestavanele.
OSr.Jones,vocêquerdizer-relembrouClarissa.
Exato,meuamor.Todaaprudênciaépouca-reconheceuele.
-Sim,aoquetudoindica,aprimeiroaeronaveeraumaespéciede
medida de precaução. É mesmo insondável o modo como
funciona o cérebro dessa gente. Bem, de qualquer forma, o...
hum... sr. Jones está sendo escoltado até aqui. Vão chegar em
quinze minutos. Me diga, está tudo certo? Tudo em ordem? -
Olhou a mesa de bridge. - Pode dar um jeito nessas cartas,
querida?
Apressada,Clarissaguardouascartas eosmarcadores;por
suavez,Henrychegoupertodobancoe,comextremasurpresa,
pegouopratovazioeatigelademusse.
Quediaboéisto?-quissaber.
Clarissaacorreueapanhouopratoeatigela.
Pippa estava com fome - explicou. - Vou tirar isto daqui. E
achomelhorfazermaisunssanduíchesdepresunto.
Aindanão...temcadeirasespalhadasportodaasala- falou
Henry,numlevetomdecensura.-Penseiquevocêiadeixartudo
pronto,Clarissa.
Elecomeçouadobraraspernasdamesadebridge.
O que você andou fazendo a noite toda? - perguntou ele,
carregandoamesadebridgeatéabiblioteca.
Clarissaestavaarrumandoascadeirasnestemomento.
Ah, Henry - exclamou -, esta noite foi emocionante. Sabe,
logoquevocêsaiu,eutrouxeossanduíchesparacáe,quandome
deiconta,tropeceinumcorpo.Ali-apontouela.-Atrásdosofá.
Sim, sim, querida - murmurou Henry, desligado, ajudando
Clarissa a empurrar a poltrona ao local de costume. - Suas
históriassãosempreencantadoras,masomelhormesmoédeixar
paraoutrahora.
Mas,Henry,éverdade-insistiu.-Eissoéapenasocomeço.
Apolíciaveio,efoiumasurpresaatrásdaoutra.-Começouase
exprimirdemodoconfuso.-Foidescobertaumarededetráficode
drogas;MissPeakenãoéMissPeake,onomedelaéSra.Brown;e
no fim o assassino era Jeremy; ele estava tentando roubar um
selodequatorzemillibras.
Sei.Vaivereraoutrosuecoamarelo-comentouHenry.Sua
vozeraindulgente,masnaverdadenãoestavaescutando.
Achoqueissoétudo!-exclamouClarissacontente.
Clarissa,vocêtemmesmoumaimaginaçãomuitofértil-disse
Henrycarinhosamente.Pôsamesinhaentreacadeiradebraçose
apoltrona;comseulençoespanouosfarelosdecimadela.
Mas,meubem,eunãoimagineiisso.Nãoteriasidocapazde
imaginarnemametade.
Henrypôsa valiseno sofá atrásdeumaalmofada, sacudiu
outra e levou uma terceira até a poltrona. Neste meio tempo,
Clarissanãodesistiadeatrairsuaatenção.
Émesmo incrível - comentou. - Nunca realmente acontecia
nada em minha vida, e hoje aconteceu tudo de uma vez.
Assassinato, polícia, viciados em drogas, tinta invisível, escrita
secreta... Por pouco não vou presa por homicídio e por muito
pouconãoacaboestrangulada.
- Fez uma pausa e olhou para Henry. - Pensando bem,
querido,achoquefoiosuficienteparaumanoitesó.
Agoraváfazerocafé,meubem-respondeuHenry.-Amanhã
podeabrirdenovosuaencantadoratorneirinhadeasneiras.
Exasperada,Clarissaindagou:
Masvocênãosedáconta,Henry,dequeestanoiteeuquase
fuiassassinada?
Henryolhouparaorelógio.
Tanto Sir John como Sr. Jones podem chegar a qualquer
minuto-disseansiosamente.
Tudooqueeupasseiestanoite...-recomeçouClarissa.-Ah,
meubem,issomefazlembrarSirWalterScott.
Issooquê?-indagouHenry,demodovago,aoolharemvolta
ecertificar-sedequeagoratudoestavaemseudevidolugar.
Minhatiamefezaprenderdecor-rememorouClarissa.
Henryfitou-acomolharindagador,eelarecitou:
"Ó,comoateiaseemaranha,seoludíbrioéoprimeirofio."
Derepente,prestandoatenção,Henryabraçouaesposapela
cintura.
Minhaadorávelaranha!-disse.
ClarissaenvolveuopescoçodeHenryemseusbraços.
Sabe o que as aranhas fazem? - indagou. - Devoram seus
maridos!-Roçouasunhasnopescoçodele.
É bemmais fácil eu devorar você - respondeu Henry, com
paixão,aobeijá-la.
Desúbito,acampainhadafrentetocou.
Sir John! - ofegouClarissa, afastando-se em sobressalto de
Henry,queexclamouaomesmotempo:
Sr.Jones!
ClarissaempurrouHenryparaaportadohall.
Vá atender a porta - ordenou ela. - Eu deixo o café e os
sanduíchesnohall,evocêpodetrazerparacáquandoforocaso.
Agora começam conversas de alto escalão. - Ela beijou a ponta
dos dedos e tocou de leve nos lábios de Henry. - Boa sorte,
querido.
Boasorte - respondeuHenry.Virou-separasair,masentão
se voltou de novo. - Quero dizer, obrigado. Fico pensando qual
dosdoischegouprimeiro. -Ágil,eleabotoouocasaco,ajeitoua
gravataecorreuparaabriraporta.
Clarissapegouoprato e a tigela; estavaquase entrandono
hallquandoparouaoouvirasaudaçãocalorosadeHenry,"Boa
noite, Sir John". Ela hesitou um pouco, correu à estante e
acionouaalavanca.Aportasecretaabriu;Clarissadeuumpasso
atráseseescondeu.
Na bruma demistério, Clarissa sai de cena - declamou ela
num sussurro teatral ao sumir no esconderijo, uma fração de
segundoantesdeHenryentrarnasalacomoprimeiro-ministro.
SobreaAutora
AgathaChristieiniciousuabrilhantecarreiraliteráriacomo
livro “Omisterioso casodeStyles”em1921.Desdeseuprimeiro
romance, revelou uma habilidade fantástica para arquitetar um
mistério policial, engendrando uma série de pistas falsas. Ao
mesmo tempo, demonstrava um notável senso de observação
psicológica.
NascidaemTorquay,na Inglaterra,emsetembrode1891,
Agatha Mary Clarissa Miller era filha de mãe inglesa e pai
americano, que morreu quando ela ainda era bem criança. Na
infânciae juventude,dedicou-secomentusiasmoàleitura,e logo
descobriu seusautorespreferidos.Emvezdehistóriasdeamor,
seu interessevoltava-separaCharlesDickenseConanDoyle,o
criadordeSherlockHolmes.
Seusconhecimentosdequímica,poçõesevenenos,quetêm
papelrelevanteemquasetodasassuastramas,foramadquiridos
quando trabalhou como voluntária em um hospital da Cruz
Vermelha, durante a Primeira Guerra Mundial, ajudando
especialmenteosrefugiadosbelgas.
Dame Agatha sempre foi excelente cozinheira, gostava da
vidadomésticaeodiavaapublicidadeeasocasiõesemquetinha
de aparecer em público. Construía seus mistérios caminhando
pelos parques ou devorando maças em grande quantidade,
durante seus banhos de imersão. Lia muita poesia moderna e
detestava o revólver e o punhal: “Prefiro as mortes por
envenenamento”,costumavadeclarar.
“Aparticipaçãodo leitorêessencial.Eledevedesvendaro
mistério lentamente, como se estivesse sendo envenenado.” Tão
traduzida quanto Shakespeare, com quase quatrocentosmilhões
deexemplaresvendidos,a“damadocrime”éaresponsávelpela
quarta tiragemmundial de todos os tempos: à sua frente estão
apenasLênin,JúlioVerneeLievTolstói.
Ao falecer, em 1976, deixou uma obra que continua a
mereceraadmiraçãodeleitoresdomundointeiro.