A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

37
IV Bienal da SBM A¸c˜ oes e Representa¸c˜ oes de Grupos e Teoria de N´ umeros Prof. Eliezer Batista Departamento de Matem´ atica Universidade Federal de Santa Catarina Maring´ a, Setembro de 2008

Transcript of A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

Page 1: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

IV Bienal da SBM

Acoes e Representacoesde Grupos

e Teoria de Numeros

Prof. Eliezer Batista

Departamento de Matematica

Universidade Federal de Santa Catarina

Maringa, Setembro de 2008

Page 2: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

Conteudo

Introducao 2

1 Acoes de Grupos 51.1 Grupos, Subgrupos e Homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . 61.2 Acoes de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171.3 Acoes de Grupos Finitos Sobre Conjuntos Finitos . . . . . . . 20

2 Representacoes de Grupos 272.1 Definicoes Basicas e Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272.2 Representacoes Irredutıveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

Bibliografia 37

1

Page 3: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

Introducao

Esta pequena publicacao consiste das notas de aula do Minicurso entitulado“Acoes e Representacoes de Grupos, Com Aplicacoes a Teoria de Numeros”,ministrado na IV Bienal da Sociedade Brasileira de Matematica, realizadaem Maringa, PR, entre 29 de setembro e 3 de outubro de 2008.

Nosso objetivo ao propormos este mini-curso era mostrar aos alunos umaspecto importante da teoria de grupos, pouco explorada nas disciplinas degraduacao, a saber, acoes e representacoes de grupos. Em geral, as disci-plinas dos cursos de graduacao em Matematica, tanto de licenciatura comode bacharelado, apresentam a teoria de grupos somente do ponto de vistaestrutural, ou seja, os grupos sao pensados simplesmente como estruturasabstratas, das quais sao investigadas apenas sua estrutura interna. no en-tanto, a historia da matematica nos mostra que a verdadeira relevancia dosgrupos para uma variada gama de aplicacoes, somente pode ser explicitadaquando seus elementos sao vistos como bijecoes em algum conjunto dado.Esta e a ideia basica de acoes de grupos, todo o grupo pode ser visto comosubgrupo de bijecoes em algum conjunto. E nesta forma encarnada que ateoria de grupos permeia todas as areas da matematica, nao so a algebra,como tambem a geometria, a analise a teoria de numeros, etc.

Dentre as diversas acoes de grupos, possuem especial importancia as acoescomo tranformacoes lineares invertıveis em algum espaco vetorial. Estas saoas denominadas representacoes lineares de um grupo. A teoria de repre-sentacoes de grupos assumiu tamanha importancia em Matematica que elamesma se tornou um ramo de estudos independente. A razao deste destaquepara a teoria das representacoes lineares esta no poder de calculo, pois com-bina a teoria de grupos com as ferramentas da algebra linear. Basicamente,os elementos de um grupo podem ser vistos como matrizes invertıveis deuma certa ordem, assim, todos os procedimentos de fatoracoes matriciais saoaplicaveis. Alguns teoremas classicos em teoria de grupos sao deduzidos de

2

Page 4: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

3

forma muito mais direta utilizando-se representacoes de grupos.Neste mini-curso, pretendemos introduzir as nocoes basicas de teoria de

representacoes de grupos finitos. Em particular, um conceito fundamentalna teoria de representacoes e o conceito de caracter. Um caracter de umarepresentacao de um grupo G e um homomorfismo entre G e o grupo dosnumeros complexos invertıveis, e basicamente corresponde ao traco da ma-triz na representacao dada. No caso de grupos abelianos, as representacoesdenominadas irredutıveis1 do grupo sao exatamente os caracteres. Este serao contexto que iremos nos ater ao longo destas notas.

A principal aplicacao desta teoria sera para o estudo de propriedadesdos numeros inteiros, mais especificamente, sobre a distribuicao dos numerosprimos em sequencias aritmeticas. Pretendemos apresentar as ferramentasnecessarias de teoria de representacoes para podermos demonstrar o celebreteorema de Dirichlet cujo enunciado pode ser expresso da seguinte forma:

Teorema 1 Sejam a e n numeros inteiros positivos com mdc(a, n) = 1,entao existem infinitos numeros primos na sequencia aritmetica x = nk+ a.

Utilizando a linguagem de congruencias modulo n, podemos ainda enun-ciar este teorema dizendo que existem infinitos numeros primos p ≡ a(modn).

Este teorema requer uma grande quantidade de conceitos matematicospara a sua demonstracao. Muitas destas ferramentas matematicas foram de-senvolvidas pelo proprio Dirichlet, entre elas a teoria dos caracteres. Mais es-pecificamente, os caracteres que entram nesta demonstracao sao os do grupodos elementos invertıveis do quociente Zn, lembremo-nos que se n for umnumero primo, entao Zn e um corpo, e portanto, todo elemento nao nulode Zn faz parte deste grupo. No caso em que n nao e um numero primo,entao somente farao parte deste subgrupo as classes dos numeros que saoprimos com n. A ideia original de dirichlet foi transformar estes caracteresem funcoes aritmeticas definidas em todo o conjunto dos numeros inteirose depois associar a esta funcao aritmetica uma serie infinita, permitindo-outilizar as ferramentas da analise matematica para demonstrar um resultadoque originalmente era de teoria de numeros. Esta juncao de tecnicas e areastao diversas da matematica faz deste teorema um resultado elegante, pro-fundo, de grande interesse por si proprio e extremamente util do ponto de

1Uma representacao irredutıvel de um grupo G sobre um espaco vetorial V e umarepresentacao que nao deixa sub-espacos proprios W ⊂ V invariantes pela acao do grupo.

Page 5: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

4

vista do ensino de matematica, pois permite-nos apresentar em um unicocontexto, diversos conceitos novos e interessantes.

Estas notas estao divididas da seguinte maneira: No primeiro capıtulo,abordaremos as nocoes basicas de teoria de grupos e acoes de grupos, ap-resentando os conceitos de orbita, pontos fixo, sub-grupo estabilizador, etc.Mostraremos alguns resultados basicos, como o teorema de Lagrange, e suaversao para acoes de grupos, a equacao de classes, o lema de Burnside, etc,depois aplicaremos estes resultados para obtermos de forma alternativa al-guns resultados padrao de teoria de numeros, como o pequeno teorema deFermat e o teorema sobre a funcao totiente de Euler, conforme a referencia[5].

No segundo capıtulo, introduziremos o conceito de representacao de grupo,mostraremos que para grupos finitos, basta nos atermos as representacoesunitarias2 e irredutıveis. Demonstraremos o lema de Schur, que implica quepara grupos abelianos todas as representacoes irredutıveis serao unidimen-sionais. Finalmente, provaremos alguns resultados concernentes A ortogo-nalidade dos caracteres da srepresentacoes irredutıveis.

No terceiro capıtulo, trataremos especificamente da demonstracao doteorema de Dirichlet, fornecendo as condicoes necessarias para sua demon-stracao. E, com certeza, o capıtulo mais difıcil, pois alem de envolver con-ceitos de teoria de numeros e de toeria de grupos, tambem teremos que lidarcom elementos de analise, mais especificamente com resultados sobre a con-vergencia de series infinitas. As series de Dirichlet contituem-se em umaferramenta sofisticada no estudo da teoria de numeros, parte de um conjuntode tecnicas que se chama teoria analıtica dos numeros. Ainda hoje existemproblemas de pesquisa envolvendo o uso destas series.

No apendice, mostaremos alguns resultados basicos de teoria de numeros,em particular, aqueles que versam sobre funcoes aritmeticas, que serao uteisao longo de todo o texto.

Esperamos que, ao final deste mini-curso, o estudante interessado tenhapercebido a importancia da teoria de representacoes de grupos e que possase aventurar mais sobre outros aspectos mais avancados desta teoria.

2Basicamente, uma representacao unitaria de um grupo G e uma representacao naqual todo elemento de G e associado a um matriz unitaria, ou seja, uma matriz complexacuja transposta do seu conjugado complexo e igual a sua matriz inversa. No caso derepresentacoes unidimensionais, que sera o nosso caso, as representacoes unitarias tomamvalores na circunferencia de raio igual a 1 no plano complexo.

Page 6: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

Capıtulo 1

Acoes de Grupos

Um dos conceitos mais importantes na matematica moderna certamente eo conceito de grupo. Podemos ver a ubiquidade dos grupos em quase to-das as areas da matematica, como na propria algebra, na geometria, nasequacoes diferenciais, na teoria de numeros, bem como nas ciencias natu-rais, como a fısica e a quımica. A ideia principal que confere aos gruposesta importancia capital e a nocao de simetria. Sempre em ciencia ten-tamos reconhecer padroes e simetrias em nossos objetos de estudo, sejameles uma molecula, um pendulo fısico, uma equacao diferencial, um solidogeometrico, as raızes de uma equacao polinomial, etc. A partir do momentoem que identificamos as simetrias de nosso sistema, estamos introduzindoum grupo de transformacoes, ou seja um conjunto de bijecoes que preservamas propriedades importantes deste sistema. O grupo e uma abstracao desteconjunto de bijecoes neste conjunto especıfico, podemos falar dos elementosde um grupo de maneira intrınseca, auto-contida, sem qualquer referencia aum conjunto externo onde ele age. Esta e a perspectiva da maioria dos livrosde algebra existentes na atualidade. No entanto, no nıvel das aplicacoes,os grupos somente sao relevantes quando “encarnados”, em grupos de trans-formacoes. Para entendermos melhor esta inter relacao entre o ponto de vistaabstrato, do grupo como uma estrutura existente por si propria, e o ponto devista concreto, do grupo agindo em outros conjuntos como bijecoes, primeiroprecisamos das definicoes basicas.

5

Page 7: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 6

1.1 Grupos, Subgrupos e Homomorfismos

Definicao 1 Um grupo e um par (G, ·) onde G e um conjunto nao vazio e

· : G×G → G(a, b) 7→ a · b

e uma funcao, denominada operacao do grupo, satisfazendo

1. (Associatividade) Para todos os elementos a, b, c ∈ G temos (a · b) · c =a · (b · c).

2. (Elemento neutro) Existe um elemento e ∈ G tal que para todo a ∈ Gtenhamos a · e = e · a = a.

3. (Elemento inverso) A todo elemento a ∈ G associa-se um elemento a−1

tal que a · a−1 = a−1 · a = e.

Exercıcio 1 Mostre que existe um unico elemento neutro em um grupo.

Exercıcio 2 Mostre que existe um unico elemento inverso para cada ele-mento a ∈ G.

Dentre todos os grupos existentes, uma classe em particular sera muitoutil no decorrer de todo o nosso trabalho: os grupos abelianos

Definicao 2 Um grupo (G, ·) e dito ser abeliano, ou comutativo se para todosos elementos a, b ∈ G tivermos a · b = b · a, ou seja, a operacao do gruposatisfaz A propriedade da comutatividade

Antes de irmos para os exemplos, uma ultima definicao.

Definicao 3 Um subconjunto nao vazio H de um grupo G e dito ser umsub-grupo de G se para quaisquer a, b ∈ H, tivermos que a · b−1 ∈ H.

Exercıcio 3 Mostre que se H ⊆ G e subgrupo, entao

1. O elemento neutro e ∈ G pertence a H e e seu elemento neutro.

2. Se a ∈ H, entao a−1 ∈ H.

3. Se a, b ∈ H, entao a · b ∈ H.

Page 8: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 7

Exemplo 1.1: O conjunto dos numeros inteiros, Z, com a operacaodefinida pela soma e um grupo abeliano. E facil ver que a soma satisfaz aassociatividade e a comutatividade, o elemento neutro da soma e o numero0 e o elemento inverso de um numero inteiro n e o seu oposto, −n.

Exercıcio 4 De exemplos de sub-grupos aditivos de Z.

Definicao 4 Um grupo e dito ser finito, se G esta em correspondencia 1 a1 com o conjunto In = {1, 2, . . . , n} para algum numero natural n ≥ 1. Aordem do grupo, denotada por |G|, sera a cardinalidade do conjunto G, quee exatamente este n natural para o qual existe a bijecao.

Exercıcio 5 Mostre que, se |G| = n entao para todo elemento a ∈ G temosque an = e.

Exemplo 1.2: O conjunto das classes de congruencia de numeros inteirosmodulo n, Zn, com a operacao soma tambem e um grupo abeliano. A somade classes e definida como [k] + [l] = [k + l]. E facil ver que esta operacaoesta bem definida, isto e, que o resultado da soma independe do representantena classe de equivalencia, ou seja, se k′ ≡ k(modn) e l′ ≡ l(modn), entao[k′] + [l′] = [k] + [l]. As propriedades da soma nos numeros inteiros saoherdadas automaticamente pela soma em Zn. Este grupo e finito e sua ordeme exatamente n.

Exercıcio 6 Mostre que, de fato, a operacao soma em Zn esta bem definida.

Exemplo 1.3: Ainda no conjunto Zn, o conjunto de todos os elementosinversıveis pela operacao de multiplicacao, [k][l] = [kl]. Novamente, estaoperacao esta bem definida no conjunto das classes.

Exercıcio 7 Mostre que a multiplicacao esta bem definida em Zn.

As propriedades associativa e comutativa da multiplicacao sao gerantidasdiretamente da multiplicacao nos inteiros. O elemento neutro multiplicativoe dado pela classe [1]. Para caracterizarmos os elementos inversıveis, vamosmostrar a seguinte proposicao:

Proposicao 1 Um elemento [k] ∈ Zn e inversıvel, se, e somente se, mdc(k, n) =1.

Page 9: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 8

Demonstracao: (⇒) Suponha que [k] ∈ Zn seja inversıvel, entao existeum elemento [x] ∈ Zn, tal que [k][x] = [1]. Isto corresponde a dizer quekx ≡ 1(modn), ou ainda, kx = nq + 1. Sendo assim, podemos escreverkx− nq = 1, significando que existe uma combinacao linear inteira entre k ez que resulta em1, e isto e equivalente a dizer que mdc(k, n) = 1.

(⇐) Por outro lado, se mdc(k, n) = 1, temos que existem inteiros x e y taisque kx+ny = 1. Tomando as classes de equivalencia, teremos [kx+ny] = [1],ou ainda [k][x] + [n][y] = [1], mas como a classe [n] em Zn e igual a classe[0], temos que [k][x] = [1], ou seja, a classe [k] ∈ Zn, e inversıvel. �

Portanto, desta proposicao, podemos concluir que o grupo multiplica-tivo dos elementos inversıveis em Zn, e o conjunto das classes dos inteiros0 < k < n que sao primos com n. Vamos denotar este grupo por Z×n . Estegrupo tambem e finito, ja que e um subconjunto de Zn, cuja ordem e dadapelo pela quantidade de numeros inteiroa positivos menores que n e que saoprimos com n, este numero e denotado por ϕ(n) e a funcao ϕ; Z∗+ → Z quea cada numero inteiro positivo associa esta quantidade e chamada funcaototiente de Euler, que sera estudada posteriormente e tera um papel funda-mental ao longo de todo o texto.

Exemplo 1.4: O Conjunto das bijecoes em um conjunto X, com aoperacao de grupo dada pela composicaol de funcoes. E facil mostrar que acomposta de duas funcoes bijetivas tambem e bijetiva.

Exercıcio 8 Mostre que, de fato, a composta de bijecoes e bijecao.

Neste grupo o elemento neutro e a funcao identidade em X, denotadapor IdX . O elemento inverso de f : X → X e dado pela funcao inversaf−1 : X → X.

Exercıcio 9 Mostre que uma funcao f : X → X e bijetiva, se, e somentese, existe uma funcao g : X → X tal que f ◦ g = IdX e g ◦ f = IdX , ou seja,g e a funcao inversa de f .

Antes de continuarmos com os exemplos, vamos mostrar que todo grupopode ser visto como um subgrupo de um grupo de bijecoes.

Definicao 5 Dados dois grupo G e H, uma funcao ϕ : G → H e dita serum homomorfismo de grupos se ϕ(a ·b) = ϕ(a) ·ϕ(b), para todos os elementos

Page 10: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 9

a, b ∈ G. Se o homomorfismo e injetivo, dizemos que ele e um monomor-fismo. Se o homomorfismo e sobrejetivo, dizemos que ele e um epimorfismo.Se o homomorfismo e bijetivo, dizemos que ele e um isomorfismo.

Denotaremos G ∼= H quando os grupos G e H forem isomorfos.

Exercıcio 10 Mostre que, se ϕ : G → H e um homomorfismo de grupos,entao

1. ϕ(eG) = eH .

2. Para qualquer a ∈ G, temos que ϕ(a−1) = (ϕ(a))−1.

Proposicao 2 Todo grupo G e isomorfo a um sub-grupo do grupo das bijecoesem G.

Demonstracao: Seja a ∈ G, defina a funcao

La : G → Gb 7→ a · b

Vejamos que La e injetiva. De fato, se La(b) = La(c), isto significa quea · b = a · c. Multiplicando esta ultima igualdade a esquerda por a−1, teremosa−1 · a · b = a−1 · a · c, e portanto, b = c, o que implica que La e injetiva.

Para vermos que La e sobrejetiva, tome b ∈ G, podemos escrever b =a · a−1 · b, ou seja, b = La(a

−1 · b). Portanto La e sobrejetiva.Disto concluimos que L(G) ⊆ Bij(G). Sejam agora a, b, c ∈ G, temos que

La ◦ Lb(c) = La(b · c) = a · (b · c) = (a · b) · c = La·b(c).

Temos tambem que, para todo elemento a ∈ G

Le(a) = e · a,

portanto, Le = IdG. Finalmente, temos que para todo a ∈ G,

La−1 ◦ La = La−1·a = Le = IdG,

de maneira analoga, podemos mostrar que La ◦La−1 = IdG. Portanto La−1 =(La)

−1.

Page 11: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 10

Sejam a, b ∈ G, temos que

La ◦ (Lb)−1 = La ◦ Lb−1 = La·b−1 ∈ L(G),

logo L(G) e sub-grupo de Bij(G). Resta-nos mostrar que G esta em corre-spondencia 1 a 1 com L(G), ou seja, falta-nos verificar que a funcao

L : G → L(G) ⊆ Bij(G)a 7→ La

,

que e um homomorfismo de grupos, conforme foi mostrado, tambem e bije-tiva.

Para a injetividade de L, suponha que La = Lb, isto significa que, paraqualquer c ∈ G temos La(c) = Lb(c), ou ainda a · c = b · c. Em particular,para c = e, o elemento neutro de G, temos a = a · e = b · e = b. A sobreje-tividade sobre L(G) e obvia, pois toda bijecao em L(G) e da forma La paraalgum a ∈ G. Portanto G pode ser identificado com o subgrupo L(G) emBij(G). De fato, mostramos mais, mostramos que o grupo G e isomorfo aogrupo L(G). �

Exemplo 1.5: Um caso particular do exemplo anterior e o conjunto dasbijecoes de um conjunto finito de n elementos. Como todos os conjuntosde n elementos estao em bijecao com In = {1, 2, . . . , n}, entao podemossimplesmente considerar o grupo das bijecoes, ou permutacoes, em In, quevamos denotar por Sn. A ordem de Sn e igual a n!. Como corolario daproposicao anterior, podemos enunciar o seguinte resultado.

Corolario 1 Todo grupo finito e isomorfo a um subgrupo de um grupo depermutacoes.

Um elemento generico do grupo de permutacoes Sn pode se esrito daseguinte maneira

π =

(1 2 · · · n

π(1) π(2) · · · π(n)

).

Vamos exemplificar com n = 3. Em S3 temos os elementos

e =

(1 2 31 2 3

)π1 =

(1 2 32 1 3

)π2 =

(1 2 31 3 2

)π3 =

(1 2 33 2 1

)π4 =

(1 2 32 3 1

)π5 =

(1 2 33 1 2

) .

Page 12: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 11

Este e o menor grupo nao abeliano existente.A composicao de duas permutacoes e feita como composta de funcoes

(leitura da direita para a esquerda1). Assim, por exemplo

π1 ◦ π2 =

(1 2 32 1 3

)(1 2 31 3 2

)=

(1 2 32 3 1

)= π4.

Exercıcio 11 Escreva a tabua de composicao de S3 e verifique os subgruposde S3.

Exemplo 1.6: O grupo diedralD3, ou grupo de simetrias de um trianguloequilatero. Seus elementos consistem de todos os movimentos rıgidos emR3 que deixam um triangulo equilatero invariante, ou seja, a identidade,as rotacoes de 2π

3e 4π

3no plano do triangulo e ao redor do seu baricentro,

as rotacoes de π ao redor dos eixos que contem as medianas do triangulo,conforme indicado na figura 1.1.

Figura 1.1: Simetrias do triangulo equilatero.

Exercıcio 12 Escreva a tabua de composicao de D3 e verifique que D3∼= S3.

Exemplo 1.7: O grupo U(1) dos numeros complexos de modulo 1,tambem denotado por S1, ou seja, a circunferencia unitaria no plano com-plexo. E facil ver que se z, w ∈ C sao dois numeros complexos tais que|z| = |w| = 1, entao |zw| = |z|.|w| = 1. As propriedades da multiplicacao dosnumeros complexos garante-nos que este e um grupo abeliano. A diferencaentre este grupo e os grupos apresentados nos exemplos anteriores e que estegrupo e contınuo. Isto significa que, alem de ser um grupo infinito, ele, comoconjunto possui uma estrutura topologica, que nos permite falar em prox-imidade entre os elementos. Esta estrutura topologica em S1 e dada peladistancia usual no plano. temos tambem que a operacao de grupo e umafuncao contınua. A continuidade da operacao diz que elementos proximos,quando multiplicados, darao resultados proximos. Mais do que contınuo,ainda e possıvel provar que a operacao deste grupo e diferenciavel, o que faz

1Muito embora alguns autores adotem a convencao oposta para que a leitura seja daesquerda para a direita

Page 13: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 12

deste grupo um tipo especial e importantıssimo de grupo, denominado grupode Lie.

Uma caracterizacao util dos elementos de S1 pode ser dada pela formaexponencial dos numeros complexos: um numero complexo z de modulounitario pode ser escrito na forma

z = eiθ = cos θ + i sin θ.

Ao multiplicarmos dois elementos deste grupo, temos

eiθeiϕ = ei(θ+ϕ).

Os exemplos restantes de grupos serao todos grupos contınuos e nos seraouteis para as discussoes posteriores.

Exemplo 1.8: Os grupos lineares, ou grupos de transformacoes linearesinvertıveis em um espaco vetorial de dimensao finita: Seja V um espaco ve-torial de dimensao n sobre um corpo K (no que se segue, em nossas notasdeste minicurso, o corpo considerado sera o dos numeros complexos, C, salvoraras excessoes, quando consideraremos o corpo dos reais, R). Como a com-posta de transformacoes lineares invertıveis tambem e uma transformacaolinear invertıvel e a identidade e uma transformacao linear invertıvel, temosfacilmente que este conjunto forma um grupo. Denotaremos este grupopor GL(V) ou GL(n,K). Utilizaremos a primeira notacao quando estiver-mos apenas enfatizando as transformacoes lineares em abstrato e a segundanotacao quando estivermos falando da transformacao linear em sua formamatricial. Sendo assim GL(n,K) ainda pode ser visto como o grupo dasmatrizes invertıveis n× n com entradas no corpo K.

Exemplo 1.9: Existem alguns sub-grupos dos grupos lineares que saoimportantes para aplicacoes: Os sub-grupos lineares especiais SL(n,K) saocompostos das matrizes invertıveis n × n com entradas em K e cujo deter-minante e unitario.

Exercıcio 13 Mostre que, de fato, SL(n,K) e sub-grupo de GL(n,K).

Considere V e um espaco vetorial real de dimensao n e com um produtoescalar euclidiano

〈·, ·〉 : V× V → R(v, w) 7→ 〈v, w〉

Page 14: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 13

onde, se v = (v1, v2, . . . , vn) e w = (w1, w2, . . . , wn), entao

〈v, w〉 =n∑i=1

viwi.

O grupo das transformacoes lineares que preserva o produto escalar e chamadogrupo ortogonal, denotado por O(n). Um elemento de O(n) e uma trans-formacao linear A tal que

〈Av,Aw〉 = 〈v, w〉.

Exercıcio 14 Mostre que O(n) e sub-grupo de GL(n,R).

Exercıcio 15 Mostre que a matriz em uma determinada base de uma trans-formacao linear ortogonal e tal que sua transposta e igual a sua inversa, istoe, AT = A−1 (OBS: Estas matrizes sao denominadas matrizes ortogonais).

Exercıcio 16 Mostre que o determinante de uma matriz ortogonal e igual a1 ou −1.

A interseccao dos grupos ortogonal e especial produz um outro sub-grupointeressante de transformacoes lineares que sao as ortogonais especiais, cujogrupo e denotado por SO(n) = O(n) ∩ SL(n,R).

Exercıcio 17 Considere o caso particular n = 2. Escreva as matrizes deSO(2) e conclua que elas sao matrizes de rotacao

Rθ =

(cos θ − sin θsin θ cos θ

)Considere agora V e um espaco vetorial complexo de dimensao n e com

uma forma sesquilinear, ou produto hermitiano

〈·, ·〉 : V× V → C(v, w) 7→ 〈v, w〉

onde, se v = (v1, v2, . . . , vn) e w = (w1, w2, . . . , wn), entao

〈v, w〉 =n∑i=1

viwi.

Page 15: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 14

O grupo das transformacoes lineares que preserva o produto hermitiano echamado grupo unitario, denotado por U(n). Um elemento de U(n) e umatransformacao linear A tal que

〈Av,Aw〉 = 〈v, w〉.

Exercıcio 18 Mostre que U(n) e sub-grupo de GL(n,C).

Exercıcio 19 Mostre que a matriz em uma determinada base de uma trans-formacao linear unitaria e tal que sua transposta conjugada2 e igual a suainversa, isto e, A∗ = A−1 (OBS: Estas matrizes sao denominadas matrizesunitarias).

Exercıcio 20 Mostre que o determinante de uma matriz unitaria e igual aum numero complexo de modulo 1.

A interseccao dos grupos unitario e especial produz um outro sub-grupointeressante de transformacoes lineares que sao as unitarias especiais, cujogrupo e denotado por SU(n) = U(n) ∩ SL(n,R).

Exercıcio 21 Verifique que o grupo U(1) e, de fato, a circunferencia unitaria,conforme o exemplo anterior.

Exercıcio 22 Mostre que o grupo U(1) e isomorfo ao grupo de rotacoesSO(2) pelo isomorfismo

ϕ : U(1) → SU(2)eiθ 7→ Rθ

Como um ultimo topico a ser abordado nesta secao, mostraremos comoum sub-grupo H de um grupo G pode introduzir uma relacao de equivalenciaem G.

Definicao 6 Dado um sub-grupo H de um grupo G e um elemento g ∈ G,definimos a classe lateral a esquerda de g associada a H como o conjuunto

gH = {k ∈ G|g−1 · k ∈ H}.

Similarmente, a classe lateral a direita de g em relacao a H e o conjunto

Hg = {k ∈ G|k · g−1 ∈ H}.2A matriz transposta conjugada de A, ou hermitiana conjugada, e a matriz trasposta da

matriz cujas entradas sao os conjugados complexos das entradas da matriz A. Denotamosa hermitiana conjugada por A∗.

Page 16: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 15

Podemos tambem caracterizar a classe lateral a esquerda gH como oconjunto dos elementos k ∈ G tais que podem ser escritos como k = g ·h paraalgum h ∈ H. Durante toda nossa discussao, utilizaremos classes laterais aesquerda, a menos que se diga o contrario.

Proposicao 3 Duas classes laterais a esquerda g1H e g2H ou sao disjuntasou sao iguais

Demonstracao: Suponha que exista um elemento k ∈ g1H ∩g2H, entaoexistem h1, h2 ∈ H tais que

k = g1 · h1 = g2 · h2.

Multiplicando-se esta ultima igualdade a direita por h−11 , temos que

g1 = g2 · h2 · h−11 ∈ g2H.

Logo para qualquer g1 · h ∈ g1H concluımos que

g1 · h = g2 · h2 · h−11 · h ∈ g2H.

Analogamente, podemos provar tambem que g2H ⊆ g1H e portanto, as duasclasses sao iguais. �

Uma outra propriedade importante das classes laterais a esquerda e queelas estao em bijecao com o sub-grupo H.

Exercıcio 23 Mostre que a aplicacao Lg : H → gH e uma bijecao (naohomomorfismo) entre H e gH.

Um ultimo resultado relativo as classes laterais de grupos finitos refere-seao celebre teorema de Lagrange. Que basicamente nos diz a quantidade declasses laterais relativas a um determinado sub-grupo.

Teorema 2 Seja G um grupo finito e H um sub-grupo. Entao a quantidadede classes laterais relativas e H e igual a

#C =|G||H|

.

Page 17: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 16

Demonstracao: Pela proposicao anterior, podemos ver que as classeslaterais sao disjuntas duas a duas. Entao, escolhamos um representante paracada classe: g1, g2, . . . , gn, o que queremos saber e qual o valor deste numeron. Pelo exercıcio anterior, verificamos que todas as classes g1H, g2H, ....,gnH estao em bijecao com H, logo o numero de elementos de cada classe eigual a ordem do sub-grupo H. Assim, a ordem do grupo G pode ser escritacomo o produto do numero de classes laterais pelo numero de elementos emcada classe lateral, ou seja |G| = n|H|, sendo assim,

#C = n =|G||H|

. �

Como corolario imediato do teorema de Lagrange, podemos enunciar que

Corolario 2 A ordem de um sub-grupo de um grupo finito e sempre umdivisor da ordem do grupo.

Exercıcio 24 Um grupo cıclico e um grupo gerado por um unico elemento.Isto e, se G e um grupo cıclico, entao existe um elemento a ∈ G tal que todooutro elemento x ∈ G pode ser escrito na forma x = ak para algum numerointeiro k. Mostre que se G e um grupo cıclico e |G| = n, entao para tododivisor d de n existe exatamente um subgrupo de ordem d.

1.2 Acoes de grupos

Como vimos na secao anterior, todo grupo e isomorfo a um sub-grupo de umgrupo de bijecoes em um conjunto (em particular, das bijecoes no propriogrupo). As situacoes onde um grupo pode ser visto como grupo de bijecoessao as que realmente aparecem nas aplicacoes da teoria. E somente agindocomo um grupo de bijecoes que o grupo se concretiza, se incorpora e podeser utilizado como uma ferramenta poderosa para o estudo das simetrias.

Definicao 7 Uma acao de um grupo G em um conjunto X e um homomor-fismo de G no grupo das bijecoes em X, que sera denotado por Bij(X).

Vamos fixar as notacoes: Vamos denotar uma acao por

α : G → Bij(X)g 7→ αg

e portanto αg e uma bijecao no conjunto X, qua associa a cada elementox ∈ X outro elemento αg(x). Como α e um homomorfismo, entao temos que

Page 18: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 17

1. αg(αh(x)) = αgh(x) para todos elementos g, h ∈ G e x ∈ X.

2. αe = IdX , ou seja, αe(x) = x para todo x ∈ X.

3. α−1g = αg−1 para todo g ∈ G (isto, na verdade, e facilmente concluıdo

a partir dos dois ıtens anteriores).

Antes de mostrarmos exemplos de acoes de grupos sobre conjuntos, vamosa mais algumas definicoes adicionais

Definicao 8 Seja α uma acao de um grupo G sobre um conjunto X e con-sidere um elemento x ∈ X. Definimos a orbita do elemento x como sendo oconjunto

Ox = {αg(x)|g ∈ G}.

Exercıcio 25 Mostre que duas orbitas pela acao de um grupo ou sao disjun-tas ou coincidentes.

O resultado enunciado no exercıcio anterior nos leva a conclusao que aacao de um grupo sobre um conjunto provoca uma particao neste, compostapelas orbitas.

Definicao 9 Considere uma acao α de um grupo G sobre um conjunto X.O sub-grupo estabilizador de um elemento x ∈ X e definido como

Stabx = {g ∈ G|αg(x) = x}

Exercıcio 26 Mostre que Stabx e, de fato, um sub-grupo de G.

De forma semelhante, podemos falar do sub-grupo estabilizador de umsub-conjunto Y ⊆ X

StabY = {g ∈ G|αg(Y ) ⊆ Y }.

Note que os elementos de um sub-conjunto nao precisam ficar fixos pela acaodo grupo, apenas que suas orbitas precisam estar contidas neste sub-conjunto.Quando StabY = G, dizemos que Y ⊆ X e um sub-conjunto invariante pelaacao do grupo G.

Uma definicao dual e o conjunto dos pontos fixos pela acao de um deter-minado elemento ou sub-grupo de G.

Page 19: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 18

Definicao 10 O sub-conjunto dos pontos fixos de um elemento g ∈ G e oconjunto

Fixg = {x ∈ X|αg(x) = x}.

Se H ⊆ G e um sub-grupo de G, o conjunto dos pontos fixos pela acao de He definido por

FixH = {x ∈ X|αg(x) = x, ∀g ∈ H}.

Definicao 11 Uma acao α de G em X e dita ser

1. Fiel, se Fixg = X, entao g = e.

2. Livre, se Fixg 6= ∅, entao g = e.

3. Transitiva, se Ox = X, para todo elemento x ∈ X.

Exemplo 1.10: Seja G = R o grupo aditivo dos reais. Considere V umespaco vetorial e v ∈ V um vetor neste espaco. Entao podemos indicar astranslacoes em V na direcao de V como a acao T (v) de R em V dada porT

(v)x (w) = w + xv.

Exemplo 1.11: Na mesma linha do exemplo anterior, Considere A umconjunto e uma acao T do grupo aditivo de um espaco vetorial V em A portranslacoes. Se T e livre e transitiva, entao dizemos que o conjunto A, juntocom o espaco V e a acao T forma um espaco afim. Se a dimensao de V eigual a n, dizemos que o espaco afim tem dimensao n.

Exercıcio 27 Considere, para os numeros reais fixos a1, . . . , an, b ∈ R oseguinte subconjunto de pontos do Rn:

P = {(x1, . . . , xn) ∈ Rn|a1x1 + · · ·+ anx

n = b}.

Mostre que P e um espaco afim com dimensao n− 1.

Exemplo 1.12: Seja G um grupo. Este grupo pode agir sobre si mesmode varias maneiras, dentre as quais destacamos duas de particular interesse:

a) A acao regular a esquerda: Lg(h) = gh, para todo g, h ∈ G.

b) A acao adjunta: Adg(h) = ghg−1, para todo g, h ∈ G.

Page 20: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 19

Exercıcio 28 Mostre que a acao regular a esquerda e livre e transitiva.

Exercıcio 29 Mostre que, na acao adjunta, para todo g ∈ G a aplicacaoAdg : G→ G e um isomorfismo do grupo G nele mesmo.

Exercıcio 30 Faca explicitamente com o grupo S3 o calculo da acao ad-junta, verifique as orbitas, os pontos fixos, os estabilizadores, etc.

Exercıcio 31 Mostre que h ∈ G e um ponto fixo de Adg, se, e somente se,h comuta com g.

Exercıcio 32 Seja H ⊆ g um subconjunto invariante pela acao adjunta emG.

a) Mostre que H e sub-grupo de G. Este tipo de sub-grupo e denominadosub-grupo normal.

b) Mostre que as classes laterais a direita e a esquerda geradas por um sub-grupo normal coincidem.

c) Finalmente, mostre que o conjunto das classes laterais a esquerda (ou adireita) forma um grupo, com a operacao gH · kH = gkH.

Exemplo 1.13: Seja G = Z o grupo aditivo dos inteiros e X = S1 acircunferencia unitaria no plano

S1 = {(cos θ, sin θ) ∈ R2|θ ∈ R}.

Para cada α ∈ R podemos definir uma acao de Z em S1 por rotacoes daseguinte forma:

R(α)n

(cos θsin θ

)=

(cosnα − sinnαsinnα cosnα

)(cos θsin θ

)=

(cos(θ + nα)sin(θ + nα)

)Exercıcio 33 Mostre que, se α

2π= p

q∈ Q, a orbita de cada ponto de S1 e

um polıgono regular de q lados.

Exercıcio 34 Mostre que se α2π∈ R\Q entao a acao e livre.

Este ultimo caso, o das rotacoes por um angulo incomensuravel com 2π eum conhecido exemplo na teoria de sistemas dinamicos e possui a propriedadeque todo ponto possui uma orbita densa, isto e, em qualquer intervalo da cir-cunfereancia, por menor que seja, existem infinitos pontos de qualquer orbita.

Page 21: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 20

1.3 Acoes de Grupos Finitos Sobre Conjun-

tos Finitos

No que se segue, vamos considerar acoes de um grupo finito G sobre um con-junto, tambem finito, X. Como uma acao de grupo determina uma relacaode equivalencia em X (dois elementos de X sao equivalentes, se, e somente se,estao na mesma orbita), e como as orbitas determinam uma particao no con-junto X, e facil ver que o conjunto das orbitas coincide com o conjunto quo-ciente determinado por esta relacao de equivalencia. Por isto, vamos denotaro conjunto das orbitas por X/G. Vamos denotar as cardinalidades de G, Xe X/G, respectivamente por |G|, |X| e |X/G|. Para cada i = 1, . . . , |X/G|,escolhamos um representante xi de cada orbita, vamos denotar o numero deelementos na orbita de xi por |O(xi)|. E facil ver que, se x ∈ X e um pontofixo pela acao do grupo G entao |O(x)| = 1. Tambem e facil de deduzir oseguinte resultado:

Proposicao 4 Considere uma acao do grupo finito G sobre o conjunto finitoX. Considere tambem os elementos, xi ∈ X, i = 1, . . . |X/G|, que sao osrepresentantes de cada orbita. Entao

|X| =|X/G|∑i=1

|O(xi)|

Se denotarmos por XG o sub-conjunto dos pontos fixos pela acao de G,podemos decompor a soma da proposicao anterior em duas somas: A primeirareferente a orbitas de pontos fixos (que possuem apenas um elemento) e asegunda composta de orbitas com mais de um elemento. Sendo assim, temosa denominada equacao de classes:

|X| = |XG|+∑i=1

|X/G| − |XG||O(xi)|. (1.1)

Um resultado menos esperado e o que relaciona o numero de elementosda orbita de um ponto com o estabilizador daquele elemento.

Teorema 3 Seja uma acao α, do grupo finito G sobre um conjunto finitoX. Considere um elemento x ∈ X, entao

|O(x)| = |G||Stabx|

.

Page 22: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 21

Demonstracao: Vamos estabelecer uma bijecao entre o conjunto dasclasses laterais a esquerda em G determinadas por Stabx e a orbita de x,considere a aplicacao;

φ : G/Stabx → O(x)g.Stabx 7→ αg(x).

Facilmente, podemos ver que esta aplicacao e sobrejetiva, pois todo elementoda orbita de x e da forma αg(x) para algum g ∈ G, assim αg(x) = φ(g.Stabx).Para verificarmos que esta aplicacao e injetiva, considere g, h ∈ G tais que

φ(g.Stabx) = φ(h.Stabx),

ou sejaαg(x) = αh(x).

Isto significa queαg−1h(x) = x,

ou ainda, que g−1h ∈ Stabx, o que implica que g.Stabx = h.Stabx.Portanto, a funcao φ e bijetiva, o que nos leva a conclusao que a orbita de

x e o conjunto quociente G/Stabx possuem o mesmo numero de elementos.Pelo teorema de Lagrange, sabemos que

|G/Stabx| =|G||Stabx|

,

obtemos o resultado desejado. �

Corolario 3 Dada uma acao de um grupo finito G sobre um conjunto finitoX, o numero de elementos da orbita de x ∈ X e um divisor de |G|.

Juntando este corolario com a informacao obtida pela equacao de classes(1.1), podemos concluir que.

Corolario 4 Dada uma acao de um grupo G sobre um conjunto finito X,com|G| = pn, para p primo. Temos que

|X| ≡ |XG|(modp).

Page 23: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 22

Demonstracao: Como o numero de elementos em qualquer orbita e umdivisor de pn, entao deve ser igual a 1, ou um numero da forma pk com k ≤ n.Da equacao de classes, temos

|X| = |XG|+∑i=1

|X/G| − |XG||O(xi)| = |XG|+∑i=1

|X/G| − |XG|pki .

Assim, a diferenca |X| − |XG| e divisıvel por p, como querıamos. �Como uma consequencia deste resultado, podemos demonstrar de uma

forma diferente o pequeno teorema de Fermat.

Teorema 4 Seja a ≥ 1 um numero inteiro e p um numero primo, entaoap ≡ a(modp).

Demonstracao: Considere um conjunto A = {1, 2, . . . , a} e defina umaacao αdo grupo aditivo Zp sobre X = Ap por permutacoes cıclicas:

α[0](x1, x2, . . . , xp) = (x1, x2, . . . , xp),

α[1](x1, x2, . . . , xp) = (x2, x3, . . . , xp, x1),

α[2](x1, x2, . . . , xp) = (x3, x4, . . . , x1, x2),

...

α[n−1](x1, x2, . . . , xp) = (xp, x1, . . . , xp−2, xp−1),

Uma p-upla (x1, . . . , xp) sera um ponto fixo por esta acao, se, e somente sex1 = x2 = · · · = xp. Isto significa que so podem existir a possıveis pontosfixos, ou seja |XG| = a. Por outro lado, a cardinalidade do conjunto X e|X| = ap. Do corolario da equacao de classes temos que |X| ≡ |XG|(modp),ou seja ap ≡ a(modp). �

Para finalizarmos este primeiro capıtulo, vamos exibir um resultado im-portante na teoria de acoes de grupos com consequencias interessantes para acombinatoria e para a teoria de numeros, o teorema de Burnside. Este resul-tado relaciona o numero de orbitas em uma acao com o numero de elementosem Fixg para cada g ∈ G.

Lema 1 Considere a acao de um grupo finito G sobre um conjunto finito X.Sejam x, y ∈ X dois elementos na mesma orbita, entao |Stabx| = |Staby|.

Page 24: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 23

Demonstracao: Se y ∈ O(x), entao, existe h ∈ G tal que y = αh(x).Vamos mostrar que aplicacao Adh : G→ G, quando restrita a Stabx, produzuma bijecao entre Stabx e Staby:

Em primeiro lugar, note que, para qualquer g ∈ Stabx, o elementoAdh(g) ∈ Staby. De fato,

αhgh−1(y) = αhgh−1αh(x) = αhαg(x) = αh(x) = y.

A aplicacao Adh e injetiva quando definida em todo o grupo G, em particular,continua injetiva quando restrita a algum sub-grupo. A sobrejetividade vemdo fato que, se k ∈ Staby, entao k = Adh(h

−1kh). Por um calculo analogo aofeito anteriormente, e facil ver que h−1kh ∈ Stabx. Portanto Adh : Stabx →Staby e uma bijecao, garantindo, assim, o resultado. �

Teorema 5 Considere uma acao de um grupo finito G sobre um conjuntofinito X. Entao

|X/G| · |G| =∑g∈G

|Fixg|

Demonstracao: A demonstracao deste fato utiliza-se de uma tecnicacomum em combinatoria, que e a contagem dupla. Denotemos |X/G| = me |G| = n, denote o numero de elementos na k-esima orbita por pk, entao|X| = p1 + p2 + · · · + pm = p. Os elementos do grupo serao denotados porg1, g2, . . . , gn e os elementos do conjunto X por x1, x2, . . . , xp

Facamos uma matriz F = (f(i, j))i,j com n linhas e p colunas na qualf(i, j) = 1 se o elemento xj ∈ Fixgi e f(i, j) = 0 se xj 6∈ Fixgi . Vamosavaliar a soma

n∑i=1

p∑j=1

f(i, j)

de duas maneiras diferentes. Primeiro, para um determinado ındice i fixo, sesomarmos para todo 1 ≤ j ≤ p teremos

p∑j=1

f(i, j) = |Fixgi |.

Por outro lado, se fixarmos uma coluna j e somarmos sobre o ındice 1 ≤ i ≤n, teremos

n∑i=1

f(i, j) = |Stabxj |.

Page 25: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 24

Pelo lema anterior, se dois elementos estao na mesma orbita, entao seussub-grupos estabilizadores possuem a mesma ordem, logo teremos

p∑j=1

n∑i=1

f(i, j) =m∑k=1

|O(xp1+···+pk)||Stab(xp1+···+pk)|

considerando que

|O(xp1+···+pk)| =|G|

|Stab(xp1+···+pk)|,

teremos a igualdade

n∑i=1

|Fixgi | =m∑k=1

|G| = |G|.|X/G|.

Que e o resultado enunciado. �

Como um exemplo de aplicacao do teorema de Burnside, vamos solucionarum problema combinatorico simples: Considere um disco dividido em n se-tores circulares todos congruentes (como uma pizza, ou um guarda-chuva),suonha ainda que existam disponıveis q cores distintas para pintarmos osdiversos setores circulares. De quantas maneiras nao equivalentes podemosefeturar esta pintura?

Denotemos por r este numero procurado. Note que neste problema, dadauma configuracao de cores pintadas no disco, se o rotacionarmos por umangulo multiplo de 2π

nobteremos a mesma configuracao de cores. Portanto,

existe uma acao de um grupo cıclico G = 〈a〉 de ordem n sobre o disco, deforma que αa(x) = R 2π

n(x) para todo ponto x no disco. Entao cada orbita

pela acao do grupo G pode ser considerada como a mesma configuracao decores. O problema e encontrar o numero de orbitas existentes. E nesteponto que entra o teorema de Burnside, e ao inves de contarmos diretamenteas orbitas, vamos contar os pontos fixos de cada elemento g do grupo. Paracada divisor d de n, existe um sub-grupo de ordem d. Este sub-grupo podeser visto como o sub-grupo cıclico gerado pelo elemento a

nd , que corresponde

a uma rotacao de angulo d · 2πn

. Neste sub-grupo existem exatamente d

elementos, a saber and , a

2nd ,..., a

dnd = e. Destes, apenas ϕ(d) elementos

possuem ordem exatamente igual a d, isto e, xd = e e xk 6= e se 0 < k <d (Verifique este fato), e estes sao todos os elementos de ordem d no

Page 26: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 1. ACOES DE GRUPOS 25

grupo (Verifique isto tambem). Para cada elemento de ordem d no grupo,existem q

nd configuracoes inequivalentes de cores. Assim, temos, pelo teorema

de Burnsider.|G| =

∑g∈G

|Fixg|,

ou seja

r =1

n

∑d|n

ϕ(d)qnd . (1.2)

Como um corolario deste resultado, se o numero q, de cores for igual a1, teremos apenas uma unica cnfiguracao possıvel (r = 1), logo, podemosdeduzir uma propriedade importante da funcao ϕ de Euler:

Teorema 6 Seja n um numero natural nao nulo, entao∑d|n

ϕ(d) = n

Demonstracao: A verificacao e imediata para n = 1 e n = 2, e paran = 3, podemos utilizar a formula (1.2) para q = 1. �

Exercıcio 35 De quantas maneiras podemos pintar uma bandeira listradacom n listras de igual largura e q cores?

Exercıcio 36 De quantas maneiras podemos pintar as arestas de um polıgonoregular de n lados com q cores?

Page 27: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

Capıtulo 2

Representacoes de Grupos

Neste capıtulo, vamos estudar um tipo especıfico de acoes de grupos, asrepresentacoes lineares, nas quais os elementos do grupo agem como trans-formacoes lineares bijetivas em um espaco vetorial dado. Veremos que parao caso de representacoes de grupos finitos sobre espacos vetoriais complexos,sempre podemos reduzir ao caso de representacoes unitarias, isto e, nos quaisos elementos do grupos agem como transformacoes unitarias com relacaoa uma forma sequilinear. Tambem o problema de se classificar as repre-sentacoes pode ser totalmente resolvido para o caso de grupos finitos, poisas representacoes irredutıveis podem ser totalmente conhecidas. Finalmente,vamos nos dedicar As representacoes irredutıveis de grupos abelianos fini-tos, veremos que o conjunto destas representacoes tambem forma um grupoabeliano com a mesma ordem do grupo original, que e denominado dual dePontryagyn do grupo.

2.1 Definicoes Basicas e Exemplos

Durante todo o texto, V sera um espaco vetorial de dimensao n sobre o corpodos numeros complexos, C. Denotemos GL(n,C) o grupo das transformacoeslineares invertıveis neste espaco vetorial.

Definicao 12 Uma representacao linear (a esquerda) de um grupo G sobreo espaco vetorial complexo V de dimensao n e um homomorfismo1 ρ : G →GL(n,C).

1Existem representacoes lineares a direita, que se constituem de anti-homomorfismos,isto e, ρ(g)ρ(h) = ρ(hg).

26

Page 28: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 27

Uma das consequencias imediatas de termos uma representacao linearde um grupo G e que podemos dispor de todos os mecanismos e tecnicasproprios da algebra linear para podermos estudar o grupo. Cada elemento dogrupo e, agora, uma transformacao linear, em ultima instancia, uma matriz,que pode ser manipulada numericamente de maneira muito mais eficientedo que os elementos do grupo. Resultados de algebra linear sobre fatoracaomatricial podem resultar em teoremas sobre fatoracao dos elementos de umdeterminado grupo.

Exemplo 2.1: Considere o grupo aditivo Zn e defina para cada 0 ≤ k < numa funcao

χk : Zn → C[x] 7→ e

2πikxn .

E facil ver que para cada k, a funcao χk e uma representacao unidimensionalde Zn:

χk([x])χk([y]) = e2πikxn e

2πikyn = e

2πik(x+y)n = χk([x] + [y]).

Exemplo 2.2: Seja Aff(R) o grupo das transformacoes afins da retana reta, isto e, um subgrupo do grupo das bijecoes em R composto pelastransformacoes lineares nao nulas (multiplicacao por um numero diferentede 0) e translacoes. Um elemento g ∈ Aff(R) depende de dois numerosreais a, b ∈ R, assim, podemos escrever g = ga,b que age da seguinte forma:

ga,b(x) = ax+ b.

A composta de dois elementos deste grupo resulta em

ga,b(gc,d(x)) = ga,b(cx+ d) = acx+ ad+ b = gac,ad+b(x)

Tome, agora a aplicacao2

ρ : Aff(R) → GL(2,C)

ga,b 7→(a b0 1

).

Novamente, um calculo elementar nos mostra que ρ, de fato, e uma repre-sentacao do grupo Aff(R).

2Note que podemos tomar a aplicacao ρ com valores em GL(n,R), ao inves de GL(n,C).

Page 29: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 28

Exercıcio 37 Verifique que ρ definido acima e uma representacao do grupoafim da reta.

Exemplo 2.3: Seja o grupo de permutacoes Sn agindo em Cn da seguintamaneira: Se {e1, e2, . . . , en} e a base canonica de Cn entao dado π ∈ Sndefinimos a transformacao linear

ρ(π) : Cn → Cn

ei 7→ eπ(i)

Exercıcio 38 Verifique que a aplicacao

ρ : Sn → GL(n,C)π 7→ ρ(π),

onde as transformacoes ρ(π) sao as transformacoes lineares definidas acima,e uma representacao do grupo Sn (esta representacao e denominada repre-sentacao definidora de Sn).

Exercıcio 39 Escreva as matrizes da representacao definidora de S3.

Antes de continuarmos com mais exemplos, vamos definir um espaco ve-torial de extrema importancia para a teoria de representacoes de grupos, aalgebra de grupo.

Definicao 13 Seja G um grupo finito. A algebra de grupo CG e o espacovetorial das funcoes de G a valores nos numeros complexos3. Neste espacovetorial, e introduzido um produto entre as funcoes, denominado produto deconvolucao:

f ∗ g(x) =∑y∈G

f(y)g(y−1x) =∑yz=x

f(y)g(z).

Exercıcio 40 Mostre que este produto e associativo, isto e, (f ∗ g) ∗ h =f ∗ (g ∗ h), para quaisquer f, g, h ∈ CG.

Dentre as funcoes em CG, tomemos as funcoes caracterısticas δx : G→ C,definidas como δx(y) = δx,y, ou seja, δx(y) = 1 se x = y e δx(y) = 0 se x 6= y.

3A estrutura de espaco vetorial neste espaco de funcoes e dada pela soma e multiplicacaopor escalar, ponto-a-ponto, isto e, (f + g)(x) = f(x) + g(x) e (λf)(x) = λf(x).

Page 30: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 29

Exercıcio 41 Mostre que o conjunto {δx}x∈G forma uma base para o espacovetorial CG, sendo assim mboxdim(CG) = |G|.

Exercıcio 42 Mostre que δx ∗ δy = δxy, para quaisquer x, y ∈ G.

Exercıcio 43 Mostre que a funcao δe e a unidade nesta algebra, isto e,δe ∗ f = f ∗ δe = f para todo f ∈ CG.

a partir destas definicoes, podemos dar outros dois exemplos de repre-sentacoes lineares de grupos:

Exemplo 2.4: Seja G um grupo finito, considere a aplicacao L : G →GL(CG) definida como, L(x)δy = δxy. E facil ver que L define uma repre-sentacao linear de G:

L(x)(L(y)δz) = L(x)δyz = δxyz = L(xy)δz.

Esta representacao e denominada representacao regular a esquerda.Exemplo 2.5: Seja G um grupo finito, considere a aplicacao Ad : G →

GL(CG) definida como Adxδy = δxyx−1 . Novamente, e facilmente verificavelque Ad e uma representacao linear do grupo G sobre CG, esta representacaoe denominada representacao adjunta.

Exercıcio 44 Mostre que, de fato, Ad e representacao linear de G sobreCG. mostre ainda que Adx e um morfismo de algebra para cada x ∈ G, istoe, Adx(f ∗ g) = Adxf ∗ Adxg, para todos f, g ∈ CG.

Exercıcio 45 Construa as matrizes das representacoes regular a esquerda eadjunta do grupo S3.

Vamos agora nos restringir a uma classe de representacoes que possuemum carater geometrico, as representacoes unitarias. Primeiramente, pre-cisamos definir uma forma sesquilinear, ou hermitiana, em um espaco vetorialcomplexo.

Definicao 14 Seja V um espaco vetorial sobre o corpo dos complexos. Umaforma sesquilinear em V e uma aplicacao

〈, 〉 : V× V → C(v, w) 7→ 〈v, w〉,

satisfazendo

Page 31: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 30

1. Para todos v, w1, w2 ∈ V e λ ∈ C, temos 〈v, λw1 + w2〉 = λ〈v, w1〉 +〈v, w2〉.

2. Para todos v, w ∈ V, temos 〈w, v〉 = 〈v, w〉.

3. Para todo v ∈ V, temos que 〈v, v〉 ≥ 0 e 〈v, v〉 = 0 se, e somente se,v = 0.

Um espaco vetorial munido de uma forma sesquilinear e chamado um espacovetorial hermitiano.

A existencia de uma forma hermitiana em um espaco vetorial introduzneste espaco uma nocao de distancia dada pela norma de um vetor:

‖v‖ =√〈v, v〉.

Podemos entao nos concentrar nas representacoes de um dado grupo quesejam isometrias nestes espacos vetorias.

Definicao 15 Uma transformacao unitaria em um espaco vetorial hermi-tiano V e uma transformacao linear U : V→ V tal que

〈Uv, Uw〉 = 〈v, w〉, ∀v, w ∈ V.

Exercıcio 46 Mostre que toda transformacao unitaria U e uma bijecao coma inversa dada pela hermitiana conjugada U∗, definida como:

〈U∗v, w〉 = 〈v, Uw〉.

Mostre, com isto, que o conjunto das transformacoes unitarias em um espacohermitiano mathbbV e um sub-grupo de GL(V), denotado por U(V).

Exercıcio 47 Verifique que se V = Cn com a forma sesquilinear usual

〈v, w〉 =n∑i=1

viwi,

entao o grupo das transformacoes unitarias e isomorfo ao grupo das matrizesunitarias n× n, U(n).

Definicao 16 Uma representacao unitaria de um grupo G e um homomor-fismo entre o grupo G e o grupo U(V) para algum espaco hermitiano V.

Page 32: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 31

Exercıcio 48 Mostre que em uma representacao unitaria u : G → U(V),temos que u(g)∗ = u(g−1).

Exercıcio 49 Mostre que, dada uma representacao unitaria u : G→ U(V),os auto valores da transformacao linear u(g), para todo g ∈ G sao raızes daunidade, isto e, λ ∈ C tais que existe n ∈ N com λn = 1.

O proximo resultado nos mostrara que para o caso de grupos finitos, pode-mos, sem perda de generalidade, considerar apenas as suas representacoesunitarias.

Teorema 7 Seja ρ : G → GL(V) uma representacao de um grupo finito Gem um espaco hermitiano V. Entao existe uma forma sesquilinear em V quetorna ρ uma representacao unitaria.

Demonstracao: Defina a aplicacao

〈〈, 〉〉 : V× V → C(v, w) 7→ 〈〈v, w〉〉

como〈〈v, w〉〉 =

∑g∈G

〈ρ(g)v, ρ(g)w〉.

Note que esta soma so e finita de o grupo G for finito. E facil ver que a novaaplicacao 〈〈, 〉〉 e uma forma sesquilinear (Verifique isto) e que para qualquerh ∈ G temos

〈〈ρ(h)v, ρ(h)w〉〉 =∑g∈G

〈ρ(g)ρ(h)v, ρ(g)ρ(h)w〉 =

=∑g∈G

〈ρ(gh)v, ρ(gh)w〉 =

=∑x∈G

〈ρ(x)v, ρ(x)w〉 =

= 〈〈v, w〉〉.

Logo, a representacao ρ e unitaria com relacao a esta nova forma sesquilinear.�

Page 33: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 32

Exemplo 2.6: Nao apenas a prova deste teorema depende do fato de ogrupo ser finito, mas o proprio resulltado depende deste fato tambem. Porexemplo, considere G = Z e ρ(n) = an para algum a ∈ C∗. Esta repre-sentacao so e unitaria se |a| = 1, com relacao a unica forma sesquilinearpossıvel em C: 〈z, w〉 = zw.

Definicao 17 Duas representacoes unitarias u : G → U(V) e v : G →U(W) sao ditas unitariamente equivalentes se existe uma transformacao unitaria4

T : V→W tal que v(g) = Tu(g)T ∗ para todos os elementos g ∈ G.

Vamos nos ocupar apenas com a classificacao de classes de representacoesunitariamente equivalentes de um dado grupo G.

Finalmente chegamos a uma questao importante: Sera que existem rep-resentacoes fundamentais de forma que todas as outras pudessem ser geradasa partir destas? Estamos a procura de “atomos de representacoes”, que fun-cionem da mesma maneira que os numeros primos para os numeros inteiros.Estas representacoes recebem um nome importante e desempenham um papelcentral na teoria de representacoes, sao as representacoes irredutıveis.

2.2 Representacoes Irredutıveis

Uma representacao unitaria u de um grupo G em um espaco V pode deixarsub-espacos invariantes, isto e, sub-espacos vetoriais W ⊆ V tais que u(g)w ∈W para todo g ∈ G e todo w ∈W. A proposicao a seguir nos mostra que setemos um sub-espaco invariante por uma representacao unitaria define outrosub-espaco invariante complementar a este.

Proposicao 5 Seja u : G → U(V) uma representacao unitaria e W ⊆V um sub-espaco invariante por esta representacao. Entao o complementoortogonal

W⊥ = {v ∈ V|〈v, w〉 = 0, ∀w ∈W}e tambem um sub-espaco invariante por u.

Demonstracao: Sejam g ∈ G, v ∈W⊥ e w ∈W, entao

〈u(g)v, w〉 = 〈v, u(g)∗w〉 = 〈v, u(g−1)w〉 = 0

4Portanto um isomorfismo.

Page 34: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 33

pois u(g−1) ∈W, assim u(g)v ∈W⊥. �Portanto, dada uma representacao unitaria em um espaco vetorial, pode-

mos decompor este espaco em somas diretas de sub-espacos invariantes econtinuar esta decomposicao ate que nao seja mais possıvel encontrar sub-espacos invariantes, assim teremos as representacoes irredutıveis.

Definicao 18 Uma representacao ρ : G → GL(V) e dita ser irredutıvel seos unicos sub-espacos invariantes sao {0} e V.

Por outro lado, dadas duas representacoes unitarias ρ : G → U(V) eη : G → U(W), podemos definir uma nova representacao no espaco vetorialsoma direta V⊕W unitaria com respeito a nova forma sesquilinear

〈(v1, w1), (v1, w2)〉 = 〈v1, v2〉+ 〈w1, w2〉. (2.1)

Esta nova representacao, ρ⊕ η : g → U(V⊕W) e dada por

ρ⊕ η(g)(v, w) = (ρ(g)v, η(g)w). (2.2)

Assim, conhecendo-se as representacoes irredutıveis, poderemos construir asdemais representacoes atraves de somas diretas. Assim que demonstrarmosque todas as representacoes de dimensao finita de um grupo finito G po-dem ser obtidas desta maneira teremos mostrado que as representacoes irre-dutıveis (daqui para frente, chamadas simplesmente de irreps) sao os consti-tuintes basicos da teoria de representacoes.

Exercıcio 50 Mostre que a forma (2.1) e realmente uma forma sesquilinearno espaco soma direta e que a aplicacao (2.2) e, de fato uma representacaounitaria com respeito a esta forma.

Teorema 8 Toda representacao unitaria de dimensao finita de um grupofinito pode ser decomposta como soma direta de irreps.

Demonstracao: Vamos demonstrar por inducao sobre a dimensao deV. Se dimV = 1, os unicos sub-espacos vetoriais possıveis sao o sub-espaconulo e o espaco inteiro. Logo, toda representacao de G sobre V e irredutıvel.Suponha que toda representacao de G sobre V seja decomposta como somadireta de irreps para 1 ≤ dimV < n e considere V um espaco vetorial dedimensao n. Ou esta representacao e uma irrep, o que resulta na conclusaodo teorema ou existe um sub-espaco invariante W ⊆ V diferente do espaco

Page 35: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 34

nulo e do espaco todo. Assim, o sub-espaco W⊥ tambem e invariante epodemos escrever

V = W⊕W⊥.

Por sua vez, estes dois espacos, W e W⊥ sao espacos de dimensao menor quen, que por hipotese, ambos podem ser decompostos como somas diretas deirreps, o que nos leva a conclusao do teorema. �

Os proximos dois resultados mostrarao relacoes que existem entre difer-entes irreps.

Teorema 9 (Primeiro lema de Schur) Seja ρ : G→ U(V) uma irrep e sejaA ∈ L(V) tal que

A.ρ(g) = ρ(g).A, ∀g ∈ G.Entao A = λI, onde I e a transformacao linear identidade em V.

Demonstracao: Podemos supor, sem perda de generalidade queA∗ = A,ou seja que A e auto-adjunto. Isto se deve ao fato que todo operador linearem V pode ser decomposto da seguinte forma:

A = B + iC =

(A+ A∗

2

)+ i

(A− A∗

2i

),

sendo ambos, B e C, auto-adjuntos. Seja λ um auto-valor nao nulo de A(se todos os auto-valores de A sao iguais a 0, entao ja teremos provado oresultado, pois A = 0.I) e v ∈ V um auto-vetor associado a λ, entao

(A− λI)ρ(g)v = ρ(g)(A− λI)v = 0.

Portanto ρ(g)v e auto vetor de A com auto-valor λ para qualquer g ∈ G.Como λ 6= 0, temos que o sub-espaco dos auto-vetores com auto-valor λ e in-variante pela representacao. Como estamos supondo A 6= 0 temos que todo oespaco V e de auto-vetores de A com auto-valor λ. Assim A = λI. �

Teorema 10 (Segundo lema de Schur) Sejam ρ : G → U(V) e η : G →U(W) duas irreps e T : V→W uma transformacao linear tal que

η(g).T = T.ρ(g), ∀g ∈ G.

Entao T ≡ 0 ou T e um isomorfismo.

Page 36: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

CAPITULO 2. REPRESENTACOES DE GRUPOS 35

Demonstracao: Considere o sub-espaco ker(T ) ⊆ V, para qualquerg ∈ G, e qualquer v ∈ ker(T , temos

T.ρ(g)v = η(g).T v = 0.

Portanto ρ(g)v ∈ ker(T ), ou seja, este e um sub-espaco invariante pela irrepρ, portanto ker(T ) = V, que implica T ≡ 0, ou ker(T ) = {0}, o que implicaque T e injetiva. Considere agora o sub-espaco Im(T ) ⊆ W, este e umsub-espaco invariante por η:

η(g).T v = T.ρ(g)v ∈ Im(T )

Se T ≡ 0, entao Im(T ) = {0}, se T e injetiva, entao a unica possibilidade eque Im(T ) = W e portanto tambem e sobrejetiva, o que implica que T e umisomorfismo. �

Page 37: A˘c~oes e Representa˘c~oes de Grupos e Teoria de Numeros

Bibliografia

[1] A. Ash and R. Gross: “Fearless Symmetry, Exposing the Hidden Pat-terns of Numbers”, Princeton University Press (2006).

[2] W.A. Coppel: “Number Theory, An Introduction to Mathematics”, PartB, Springer-Verlag (2006).

[3] H.H. Domingues: “Fundamentos de Aritmetica”, Atual Ed. (1991).

[4] G.H. Hardy and E.M. Wright: “An Introduction to the Theory of Num-bers”, Oxford University Press (1960).

[5] B.V. Holt and T.J. Evans: “Group Actions in Number Theory”,arXix:math.HO/0508396 (2005).

[6] N. Jacobson: “Basic Algebra”, Vols 1 and 2, W.H. Freeman and Co.(1989).

[7] J.J. Rotman: “A First Course in Abstract Algebra”, 2nd. Ed., PrenticeHall (2000).

[8] J.J. Rotman: “Advanced Modern Algebra”, Prentice Hall (2002).

[9] J.P.O. Santos: “Introducao a Teoria dos Numeros”, Colecao MatematicaUniversitaria, IMPA (2003).

36