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DIVISÃO TERRITORIAL DO AMAZONAS: UM NOVO DEBATE? DIVISIÓN TERRITORIAL DE AMAZON: ¿UN NUEVO DISCUSIÓN?
WENDELL TELES DE LIMA1 ADNILSON DE ALMEIDA SILVA2
LUCILEYDE FEITOSA SOUSA3
RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão a respeito da divisão territorial na Amazônia, em particular no tocante às propostas de reordenamento do território do atual Estado do Amazonas, através da ação de políticos brasileiros que pleiteiam o apoio para a realização de plebiscito sobre a criação de três territórios federais e de outro projeto de decreto legislativo no qual versa a criação de uma nova Unidade Federativa com status de Estado, no caso, o do Solimões, formado por mais de 20 municípios amazonenses. A construção e formação de um novo território é sempre um importante eixo estruturador da história brasileira com ênfase nos processos de apropriação de espaços e na constituição material do país. Assim, atualmente ainda se tem na conjuntura histórica brasileira a análise dos discursos que impulsionam tais processos chamados de "ideologias geográficas", presentes no estudo das ações efetivas de incorporação e criação de espaços geográficos como territórios e novos estados.
PALAVRAS-CHAVES: Amazônia. Fronteira. Desenvolvimento regional.
RESUMEN: Este artículo considera una reflexión con respecto a la división territorial en el Amazônia, particularmente de las ofertas del reordenamento del territorio del Estado actual del Amazonas, por el intermediario de la acción de los políticos brasileños que abogan por la ayuda para la realización del plebiscito en tal oferta. El caso en la pregunta acerca a la pelea de la creación de tres territorios federales, y a otro proyecto legislativo del decreto que buscó la creación de una nueva unidad federativa con el �status� del Estado, en el caso, del Solimões, formado por mas de 20 ciudades de los amazonenses. La construcción y la formación de un territorio nuevo son siempre un árbol importante del estruturador de la historia brasileña con énfasis en los procesos de la apropiación de espacios, y en la constitución material del país. Así, todavía el análisis de los discursos que estimulan tales procesos llamó actualmente �ideologías geográficas�, los regalos en el estudio de las acciones se tiene en la incorporación histórica brasileña de la coyuntura eficaz y la creación de espacios geográficos como territorios y nuevos estados. LHAVE DE LAS PALAVRAS: Amazônia. Frontera. Desarrollo regional.
1 Mestre em Geografia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia � UNIR. Professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Amazonas - UEA. wendelltelesdelima@hotmail.com 2 Mestre em Geografia pela UNIR. Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Espaços e Representações (NEER) adnilsonn@hotmail.com 3 Mestra em Desenvolvimento Regional pela Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Paraná � UFPR. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Espaços e Representações (NEER). leydefeitosa@zipmail.com.br
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A divisão territorial amazonense: breve reflexão
A �tese� da divisão territorial do atual Estado do Amazonas passou a ter
destaque na mídia regional a partir de 1997 quando os seus defensores disseram
que o entrave ao desenvolvimento das cidades interioranas estaria ligado ao
distanciamento de Manaus. E sem falar na estratégia de concepção geopolítica,
acerca da ocupação do espaço amazônico, tendo como suporte a minimização dos
graves problemas que afetam à região.
Nessa idéia de reconfiguração territorial, encontra-se o discurso de que o
Estado do Amazonas é demasiadamente grande em extensão, com isso, há uma
dificuldade de gerenciá-lo político-administrativamente e de acordo com Nogueira
(2001) isso tem a ver com essa �monstruosidade geográfica�.
Os graves problemas existentes nesse estado não estão somente ligados ao
crescimento econômico de seus municípios, nem dos ideais geopolíticos de
ocupação do território amazônico, aclamado pelos militares, mas, sobretudo, às
terras indígenas e unidades de conservação, tidos como elementos vitais à proteção
do gigantesco patrimônio biológico, os quais sofrerão possíveis conseqüências por
ocasião da redução territorial ou sobre os recursos naturais disponíveis.
Nesse sentido, Lima (2008) aponta uma importante contribuição ao auferir
que os discursos sobre a redivisão da Amazônia apresentam algumas
características marcantes tais como a preocupação crescente com a integração e
ocupação dos imensos espaços físicos da região em relação aos grandes centros
produtivos; a redução dos vazios demográficos com implementação de novo
ordenamento espacial, inspirado na política desenvolvida nos governos militares e
retomada na atualidade pelas elites regionais.
Esses discursos focalizam ainda o aproveitamento das reservas de matérias-
primas, a interiorização das ações governamentais e o fortalecimento da segurança
nas áreas de fronteira, bem como ações para determinar o desenvolvimento
regional e minimizar as enormes disparidades locais e regionais em relação a
outros estados da federação.
O princípio defendido pelos idealizadores da fragmentação, atendo-se à nova
reordenação territorial, visa atender diretamente seus interesses políticos, fazendo
3
parte do discurso veiculado a necessidade de geração de novas divisas como
resultado da arrecadação de impostos em benefícios para as áreas arrecadadoras,
atualmente subaproveitadas suas potencialidades naturais e econômicas e, assim,
busca-se promover investimentos em transportes, energia e outras infra-estruturas
indispensáveis ao desenvolvimento regional.
Nessa perspectiva, há uma questão do poder de criar áreas de domínio
político, gerando novas condições de representatividade política, capazes de fazer
frente aos imensos desafios regionais. Dessa maneira, a estratégia de criação
dessas unidades federativas passa fundamentalmente pelos grupos de interesses
que visam à perpetuação do poder; embora se afirmem que através de ações
planejadas possam assegurar a melhoria dos indicadores da qualidade social e
econômica na região.
Em princípio, a análise aqui proposta se baseia nos pressupostos teóricos da
Análise do Discurso e da técnica de análise de conteúdo, enfatizando-se que as
propostas encaminhadas para votação no Senado Federal revelam manifestações
características de interesse em fragmentar territorialmente o Amazonas. Nesse
sentido, a interpretação de uma leitura crítica e perspicaz inerente ao tema
contribuirá para a discussão da necessidade material de realizar ou não uma nova
reconfiguração territorial na Amazônia.
Uma discussão acerca da reconfiguração territorial do Amazonas
Uma das questões sempre colocadas, por países possuidores de grandes
territórios, é a de que o (re)ordenamento espacial de algumas regiões deve ser
focalizado em virtude dos aspectos espacial ou geográfico, econômico, político e
social, constantes nos discursos diversos que possibilitem uma nova injunção de
redefinição das fronteiras para a criação de territórios e estados.
As concepções e os discursos sobre a criação de novas unidades federativas
repousam nas idéias de melhoria das condições de gerenciamento de porções
territoriais, especialmente àquelas com pouca densidade demográfica, bem como a
correlação entre economia local e desigualdades dentro de um espaço geográfico.
4
Nesse contexto, Magnoli (1997) entende que os discursos se impõem pela
necessidade de gerenciar os espaços territoriais abrangentes e com pequenos
contingentes populacionais, seguindo, portanto, a lógica de inúmeros interesses de
poder político escamoteado em discursos ideológicos.
A propagação desses discursos ideológicos permeia questões como a dos
desequilíbrios regionais, tendo como causas a má divisão geográfica do país; porém
com força suficiente de se enquadrar na esfera da necessidade do desenvolvimento
local e regional.
A atual proposta de divisão e criação de novas unidades político-
administrativas no estado do Amazonas é de autoria do senador Mozarildo
Cavalcante, do estado de Roraima, com modificações do senador Jefferson Perez
(PDT/AM), publicado no Diário Oficial da União de 10/11/2000, substituindo a
criação do Estado Solimões, na calha do rio de mesmo nome, por três territórios
federais: Rio Negro, Solimões e Juruá.
A área proposta, ao desmembramento e formação de novas unidades
político-administrativas, corresponde aproximadamente 46% do território
amazonense, ou seja, 719 mil Km² distribuídos em 23 municípios habitados por 438
mil pessoas, com densidade demográfica de 0,6 hab/Km², de acordo com o Censo
de 2000 do IBGE. A extensão dessas unidades propostas equivale ao total das
áreas territoriais dos estados de Alagoas, Amapá, Roraima, Alagoas, Sergipe e
Espírito Santo; ainda representa superior a área dos estados da Bahia, Minas
Gerais, Mato Grosso do Sul, Maranhão ou França, caso a proposição seja
concretizada.
A proposição da criação desses três novos territórios federais seria
constituída pelos seguintes municípios: a) São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel
do Rio Negro e Barcelos, formando o Território Federal do Rio Negro; b) Atalaia
do Norte, Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença, Tonantins,
Amaturá, Fonte Boa, Jutaí, Alvarães, Uarini, Maraã, Japurá e Santo Antônio do Içá,
integrando o Território Federal do Solimões e c) Carauari, Itamarati, Eirunepé,
Envira, Ipixuna, Guajará e Juruá, formando o Território Federal do Juruá,
evidenciado pelo projeto que tramita no Senado Federal sob Parecer nº 952/2000.
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MAPA 01 - AMAZONAS � DIVISÃO ADMINISTRATIVA
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Elaborado a partir das informações do Banco de Dados do IBGE/MMA. Org. ALMEIDA SILVA, Adnilson. (2007).
A criação de novas unidades no Brasil se constitui na produção de novo
rearranjo territorial, produto da ação política e, como tal, não pode ser desprezada,
especialmente dada à singularidade existente numa região estratégica do ponto de
vista dos recursos naturais existentes, no qual se incluem a riqueza de elementos
presentes para o suporte da economia do sistema capitalista, a saber: animal,
vegetal e mineral.
Desse modo, a organização territorial tem profundos enraizamentos nas
ideologias subjacentes ao poder que emana da criação de novas unidades
federadas, sob vários aspectos, envolvendo explícita ou explicitamente questões
ideológicas, mesmo que isso aparentemente esteja totalmente dissociado da
realidade atual, mas nos bastidores da geopolítica encontram-se vivos, dinâmicos e
presentes na construção imaginária da sociedade tais como: segurança nacional,
desenvolvimento local e regional, melhoria das estruturas e perfis demográficos no
favorecimento de condições para fatores migratórios, melhoria das condições de
vida da população.
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A relevância da discussão em âmbito nacional sobre o imaginário geográfico
e a política de redefinição territorial parte da tentativa de se compreender a análise
dos discursos que impulsiona tal processo onipresente na história brasileira, ora
perpassa a simples e voluntariosa divisão de um espaço territorial, até porque o
território representa valor econômico dentro do sistema capitalista. Aponta-se no
estudo a força dos discursos políticos que pode produzir muitas significações e
sentidos e, pela sua função unívoca de relação interativa, necessita ser
cuidadosamente avaliada em suas materialidades e subjetividades.
O termo �ideologias geográficas�4 utilizado por Magnolli (1997) a partir do
conceito formulado por Moraes (1988) serve para designar os discursos que
dimensionam as políticas de redefinição geográfica de espaços regionais; assim
essas ideologias perpetuam a questão da organização espacial caracterizada nos
discursos de natureza econômica, social, cultural e política. Essa discussão é uma
tentativa de desmistificar as ideologias produtoras de um discurso acerca dos
�sentidos e materialidades�, conforme acentuam Gregorin e Baronas (2001) ao
refletirem no discurso geográfico essas propostas de redivisão do Amazonas.
É salutar destacar certa temeridade em abordar esse discurso diante da
complexidade oferecida pelo tema, pois essa divisão exige discussões em nível
nacional, podendo se tornar enganosas em diversas situações convenientemente
eivadas de subterfúgios, de imprecisão, ocultando situações e desnudando ações
que impliquem em impactos ao bem-estar social do povo amazonense. Tais
preocupações nos motivaram a analisar a produção do discurso, percebendo as
estruturas lacunares e ideológicas em seus diversos sentidos e presentes nos
enunciados políticos.
Ao tratar desse campo �político�, verifica-se a possibilidade de recebimento de
muitas críticas e objeções, porém estão sendo construídas no imaginário amazônico
e exige uma análise crítica e ampla de estudo sobre os propósitos de natureza
geográfica, cultural, econômica, política e regional. Sob a égide de tais aspectos, o
processo de investigação exige melhor detalhamento sobre essa questão, cuja
4 Na realidade a ideologia na Geografia é tratada desde as primeiras obras de Friedrich Ratzel, no Século XIX, portanto, não sendo de caráter exclusivamente de um único autor, assim também vai ser contextualizada, por exemplo em Yves LACOSTE em A Geografia - Isso Serve, em Primeiro Lugar, para Fazer a Guerra.
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focalização interessa principalmente ao campo da geografia, da economia e da
regionalização.
Contudo, os marcos geográficos e políticos definem as conquistas do espaço
e do redimensionamento das mudanças na formação do território como importante
eixo estruturador da história brasileira, considerando-se a formação do estado e a
expansão territorial.
Nesse contexto, a dimensão histórico-cultural e produtiva do espaço
geográfico considera a questão da expansão territorial e do domínio de espaços
para a realidade produtiva no sistema capitalista, como também a sucessão de
acontecimentos que contribui na conjuntura histórico-cultural, através do espaço
produzido e intermediado pela materialidade social.
Os interesses na reconfiguração territorial do estado do Amazonas e sua
situação geopolítica relativa à Amazônia, como realidade objetiva enfoca as visões
sobre o território e o imaginário geográfico frente à floresta e aos interesses
internacionais. Através da análise dos discursos ideológicos sobre a ocupação
territorial de uma região, tida como de pequena densidade demográfica, permite que
quatro importantes considerações específicas sejam contextualizadas: a) O discurso
da discrepância em termos de densidade demográfica; b) O discurso da segurança
nacional das fronteiras da Amazônia; c) O discurso sobre a questão do
desenvolvimento local e regional; d) O discurso sobre as desigualdades regionais.
Para a Amazônia, as políticas de desenvolvimento e integração são
sustentadas nas estratégias de segurança nacional, assim no desenvolvimento
regional e local; porém devem ser inseridas na discussão questões socioambientais
e principalmente as populações indígenas e amazônidas secularmente
estabelecidas, de modo que a análise do discurso e a técnica de análise de
conteúdo sejam críticas em relação à problemática existente.
Nessa discussão, surge um elemento de grande significado geopolítico como
marca de afirmação territorial, presente no discurso oficial: a subjacente definição da
Amazônia desde à época do �integrar para não entregar�, como condição �sine qua
non� para ocupação dos imensos vazios demográficos. De igual modo, encontra-se
presente a idéia da implantação da Iniciativa de Integração da Infra-estrutura
Regional Sul-Americana � IIRSA (Figura 01), embora sua essência aparentemente
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possibilite resolver uma série de problemas de logística facilitando a vida de uma
população secularmente isolada; na verdade representa um avanço do sistema
globalizante e homogeneizador que não considera as especificidades e
peculiaridades da Amazônia.
FIGURA 01 � O IIRSA
http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/iirsa/IIRSA/Conteudo_do_Folder-IIRSA1.pdf. Sem Escala. Capturado em 01.05.2008.
Todos sabemos que o processo de redefinição territorial da forma como é
apresentado não será suficiente para resolver às precárias condições de vida da
população amazônica e contribuirá para o aprofundamento das desigualdades
sociais, além da expulsão ou incorporação dessas populações que conseguem
sobreviver às intempéries regionais, construindo um modo de vida, eminente
amazônico: uma população constituída por indígenas, caboclos e ribeirinhos.
A idéia da IIRSA atinge plenamente a região onde está sendo proposta a
reconfiguração territorial e a formação de três novas unidades administrativas,
favorecendo a real possibilidade do avanço da fronteira agrícola, da destruição da
biodiversidade e dos modos de vida existentes.
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As implicações da reconfiguração territorial e a fronteira
A justificativa atual na discussão separatista é que vai atender aos anseios da
população como pretensa unificação bolivariana, que se encontra num grande
distanciamento do que seria uma América Latina real, onde os povos poderiam se
aproximar pela cultura, naquilo que os unificam pelo menos culturalmente, todavia
isso passa a ter um significado de expansão do sistema econômico vigente.
Assim, a justificativa de criação de unidades federativas é explicada pelo
abandono do interior, vista como uma das causas objetivas desse movimento de
cisão territorial. A situação econômica sentida por vários municípios do Amazonas
juntamente com a grande extensão territorial do estado e as enormes distâncias em
relação à Manaus é colocada como fatores decisivos para essa divisão.
Na concepção de algumas classes sociais organizadas, a atividade
econômica será alavancada com a criação dessas unidades federativas, cuja
�estratégia� de substituição de um Estado por três territórios levaria o Governo
Federal a direcionar recursos diretos a essas regiões menos desenvolvidas.
A idéia da reconfiguração territorial traz em seu bojo o poder central para os
municípios, possibilitando à geração de recursos e infra-estruturas necessárias ao
desenvolvimento dessa porção territorial do atual Estado do Amazonas. Repete-se a
velha fórmula de não contar com a participação do povo, continuando o mesmo
onipresente modelo de desenvolvimento na história brasileira, baseado na
colonização por exploração predatória dos recursos naturais e a expulsão das
populações locais.
Por outro lado, é contextualizada na atual fase histórica a percepção empírica
de uma permeabilidade maior das fronteiras nacionais com afirmação de pactos de
cooperação entre países signatários, onde se tenta forçar uma união cada vez
maior, uma transposição da fronteira, ou seja, oferece-se certa elasticidade, além do
território nacional.
Aqui merece uma série de questionamentos: a militarização da fronteira, com
os países signatários do Pacto Amazônico, na qual ganha cada vez mais
importância no processo de globalização atual não seria um ato retrógrado? E a
criação de novas unidades federativas, onde o capital se instala em conformidade
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com seus próprios interesses, seria capaz de realmente impulsionar o
desenvolvimento da região amazônica?
Os vários exemplos de desmembramento e reconfiguração de unidades
federativas têm propiciado a existência de alterações profundas no contexto das
regiões, principalmente com impactos sócio-ambientais acelerando os
desflorestamentos devido ao avanço e a inserção do Capital sobre novas áreas
potencialmente rentáveis para a agricultura, pecuária, mineração, entre outras
atividades. Desse modo, produzem também sérias disfunções sócio-culturais em
populações ancestrais como as indígenas ou as secularmente constituídas como
ribeirinhos, caboclos e seringueiros. É mister entender que a criação dessas
unidades federativas tem subjetivamente em seu âmago a expansão do Capital para
atender os interesses não apenas do mercado regional, mas, sobretudo do
internacional.
A criação das novas unidades federativas serve em muitos momentos para
vilipendiar as situações sociais, a partir do discurso político-ideológico elaborado
pelos interesses das classes mais articuladas econômica e politicamente, de modo a
legitimar a perenidade das diferenças. Desse modo, Santos & Silveira (2001, p.254)
contextualizam:
[...] na medida em que, com o mercado chamado global, cada empresa busca satisfazer nos lugares onde as respostas aos seus reclamos é mais adequada tal demanda é errática e o território passa a ter, nas áreas atingidas por esse tipo de relações, uma dinâmica praticamente imprevisível no próprio lugar em que se exerce é também alienada, já que não precisa ter correspondência com os interesses da sociedade local ou nacional. Novas formas de compartimentação do território ganha relevo e são capazes de impor distorções ao seu comportamento: são as novas caras da fragmentação territorial.
Outro aspecto que merece consideração no processo de reconfiguração
territorial diz respeito ao combate às forças opostas do governo colombiano ou até
mesmo do narcotráfico podendo ser atendidas por políticas mais consistentes e
permanentes por parte dos Estados Nacionais do Pacto Amazônico.
Outra questão a ser considerada diz respeito ao novo entendimento sobre as
reestruturações e atuações das fronteiras frentes aos processos de globalização e
integração do continente sul-americano, encontrando-se em implementação à
formação de novos recortes territoriais. Desse modo, constata-se a existência de
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uma maior porosidade sobre as fronteiras, sendo essas concebidas como ponto de
união, e não mais de exclusão, entre os Estado-Nações.
Sob tal ótica, novas sub-regiões, novos poderes sub-regionais começam a se
estruturar em nosso país, sendo que a Amazônia é parte integrante dessa �nova
ordem�, e chamada a participar desse processo de forma ativa em muitos
momentos, porém não podendo ser negado sua importância enquanto provedora de
matérias-primas.
A entrada da Venezuela, como membro permanente do Mercado Comum do
Sul (MERCOSUL), configura assim o novo eixo de desenvolvimento e de saída do
país ao Caribe, bem como o surgimento de uma nova região voltada para a abertura
e novo entendimento das fronteiras brasileiras. Essa nova geopolítica vem se
configurando em nosso país, mesmo havendo resistências por parte de alguns
segmentos sociais, políticos e militares por diversas razões e interesses.
Essas constatações atuais de entendimento do território são fundamentais
porque ultrapassam a visão estadista, ou seja, vão além da compreensão do papel
tradicional desempenhado pelo Estado-Nação, ocorrendo à inserção de novos
agentes que pensam nos avanços da ocupação incentivada pelo sistema capitalista,
geralmente no âmbito das iniciativas externas, através da adoção de padrão
econômico atendendo às exportações e as explorações desenfreadas dos recursos
naturais.
Assim, temos a lógica de �economia de fronteira�, sendo o controle territorial
efetivado, conforme assegura Becker (2001, p.135) pela �intervenção em locais
estratégicos, de posse gradativa da terra (uti possidetis) e da criação de unidades
administrativas diretamente vinculadas ao governo central�.
A partir dessa constatação, torna-se evidente que os modelos de ocupação
territorial possuem dimensões distintas, fundamentadas nos princípios exógenos ao
território com ações de relações construídas a partir dos grandes centros
econômicos, representando o momento histórico específico; e a outra com caráter
endógeno, direcionado ao desenvolvimento da autonomia e dos interesses locais. A
interação desses diferentes olhares permite observar a existência dicotômica entre
exportação versus desenvolvimento local, na afirmação da mesma autora,
estabelecendo os grandes conflitos ainda em marcha na região.
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Essa dicotomia passa pelo gerenciamento territorial, produzindo uma
dinâmica territorial indistintamente conflituosa, pois representa de acordo com
Almeida Silva (2007, p. 88):
[...] o encontro dessas visões antagônicas, relativa no primeiro caso às redes de articulação externa, é direcionado a salvaguardar a produção e exportação; enquanto o endógeno se relaciona diretamente às grandes extensões de terra destinadas à subsistência das populações locais.
Nesse contexto, deve ser observado que o território possui um caráter
identitário, assim os agrupamentos humanos constroem suas identidades a partir
das relações dialéticas estabelecidas no território, estando ainda presentes os
valores como nacionalidade, apego à sua terra natal, entre outros, igualmente
relevantes. Dentro dessa perspectiva, as representações se apresentam também
como fatores relevantes na decodificação territorial, dando o caráter apontado por
Kozel (2004, p. 229):
[...] passarão a ser tratadas tanto como produtos como processos, mediando espaço real e os grupos sociais, entre a percepção e prática. Os produtos construídos a partir desses procedimentos se constituirão nas bases para a compreensão e análise das transformações sociais e espaciais.
A questão socioambiental: fator que não pode ser desprezado
A questão socioambiental é altamente complexa nos dias atuais; além da
pressão advinda de fatores externos, é também verificada internamente, sobretudo
em relação às várias territorialidades indígenas, conforme mapa 02. Assim como as
territorialidades de povos secularmente estabelecidos e ainda as unidades de
conservação existentes, as quais não podem ser desconsideradas nesse enfoque.
A preocupação com os povos indígenas começou a ser difundida no final dos
anos 1970, sendo que na Amazônia, no entanto, grande parte desses povos sofre
com a falta de demarcação de suas terras. Isso é verificado quando os povos
ribeirinhos, seringueiros, caboclos e quilombolas permanecem à margem do Estado
e são ameaçados em seu direito à territorialidade como aponta Diegues (2002, p.30)
que:
A ameaça sobre as formas de apropriação comunitária vem da expansão da grande propriedade rural voltada para agropecuária,
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das grandes empresas mineradoras, das políticas públicas (áreas naturais protegidas e dos grandes projetos). A situação desses sistemas tradicionais de acesso a espaço e recursos de uso comum começaram a ser ameaçadas com o processo relativamente recente de incorporação desses territórios pela expansão urbana industrial e da fronteira agrícola.
O processo de reconhecimento das terras indígenas é dado pela Fundação
Nacional do Índio � FUNAI, no entanto, observamos problemas de procedimentos de
regulamentação de suas terras que ocorrem morosamente por parte do poder
público, além de serem inúmeras vezes questionadas, mesmo depois de
reconhecidas, demarcadas e homologadas pelo estado.
Na visão do Estado, a terra indígena é um espaço homogêneo, meio de
produção, em cuja base física encontra distribuídos os recursos naturais, por isso
mesmo não é de propriedade do indígena; esse só possui o direito de usufruí-la,
logo tem uma dimensão distinta das propriedades privadas que são comercializadas.
Na concepção indígena, a terra é um mosaico de recursos materiais, morais e
espirituais intrínsecos em sua territorialidade. Na sua visão de mundo não se
encontra presente a dicotomia ser humano/natureza que permeia a visão da
economia de mercado urbano-capitalista. A questão territorial indígena é portadora
de dimensões sociopolíticas coletivas marcadas pela visão cosmogônica que o
território é sagrado, representa a vida; em contraposição à concepção de território
pelo Estado que não considera isso como elemento importante para o modo de vida
das populações.
Por tais razões, as terras indígenas no Brasil ainda não estão completamente
regularizadas, apesar de o preceito constitucional estipular que deveriam encontrar-
se legalizadas até o ano de 1993 e a morosidade institucional representada pelos
trâmites burocráticos contribui para a não-resolução da problemática. Desta
maneira, em junho de 1996, das 554 áreas, apenas 148 encontravam-se
demarcadas e registradas, correspondendo a um total de cerca de 45 milhões de
hectares, ou seja, pouco menos da metade da área total das terras indígenas.
Outras terras passam por diferentes fases de regularização: existem desde
áreas a identificar, geralmente associadas a grupos isolados; áreas delimitadas e
áreas demarcadas fisicamente, mas sem homologação e registro. As demarcações
são necessárias, mas não suficientes para a proteção das terras indígenas, que
14
sofrem invasões de todos os tipos por diversos atores sociais, como empresas
mineradoras, madeireiras, garimpeiros, fazendeiros, entres outros,
conseqüentemente gerando inúmeros conflitos.
MAPA 02 - AMAZONAS: UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E TERRAS INDÍGENAS
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Elaborado a partir das informações do Banco de Dados do IBGE/MMA. Org. ALMEIDA SILVA, Adnilson. (2007).
Outro dado preocupante com a reconfiguração territorial através da criação de
unidades federadas são as obras de infra-estrutura como estradas e usinas
hidrelétricas - UHEs, as quais impulsionam a colonização e contribuem para a
invasão de parte de terras indígenas, criando situações de grandes conflitos, como o
verificado na região do rio Atumã, onde se construiu a UHE Balbina. Essa UHE
provocou o alagamento do território dos Waimiri-Atroari, trouxe inúmeras doenças e
ainda outras graves conseqüências a esse povo, por essa razão deve ser
considerada como fator de preocupação com a fragilidade do ecossistema
amazônico, conforme observado por Paz (2006).
O impedimento ou a protelação na demarcação das terras indígenas, com o
pretexto de colocarem em risco à segurança nacional, merece ser analisada com
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maior profundidade até porque nos dias atuais essa tese volta a ganhar novamente
força, especialmente pelo episódio na Terra Indígena Raposa Serra do Sol em
Roraima, envolvendo indígenas e arrozeiros, sendo considerada uma verdadeira
camisa-de-força ao processo de desenvolvimento.
É preciso fazer uma leitura mais atenta, já que o avanço nas medidas de
regularização dessas terras serviu para assegurar o direito ancestral dos índios,
para pôr fim aos conflitos pela posse da terra, os quais, muitas vezes, se estendiam
por décadas. E para garantir a integridade territorial brasileira, inclusive a da
fronteira amazônica nos vários destacamentos militares há a presença de soldados
indígenas.
Vale lembrar que as terras indígenas são patrimônios da União, diversamente
das terras em poder de particulares que estão sendo transferidas para estrangeiros,
a exemplo das madeireiras asiáticas. Mais recentemente, alguns segmentos da
população brasileira contrários aos direitos indígenas afirmam que existem �terras
em demasia� para esses povos e que eles são improdutivos. Esse argumento serve
para confundir a opinião pública e reforçar os conflitos com a enorme legião de
trabalhadores rurais sem-terra existente no Brasil.
Sob tais aspectos, é necessário constatar que as terras indígenas não são
áreas de preservação ambiental, mas o fato de que ambas podem bloquear a
fragmentação fundiária, e, conseqüentemente, os impactos nocivos do uso da terra,
inscrevem-nas no campo das políticas territoriais de proteção como elementos vitais
na conservação do patrimônio natural existente nos ecossistemas amazônicos.
Todavia, as terras indígenas no contexto regional apresentam o menor índice
de antropização, possibilitando a preservação e conservação da floresta com sua
biodiversidade fauno-florística, contribuindo diretamente no equilíbrio ecológico da
região e do ciclo hidrológico, além de promover o seqüestro do carbono na
atmosfera, diminuindo o efeito estufa provocado pelas mudanças climáticas a nível
global.
Esses fatores parecem não ser entendidos pelos grupos de interesses na
reconfiguração territorial amazonense, pois buscam a velha estratégia que questiona
a manutenção das terras indígenas e o não-respeito e reconhecimento desses e de
outros povos existentes na Amazônia. Assim, a criação dos três territórios federais
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propostos poderá levar a uma corrida sem precedentes sobre as terras nas regiões
do Alto Rio Negro, Juruá, Purus e Solimões, a exemplo do que já aconteceu em
outras regiões do país e, com isso, poderá ocorrer à destruição e devastação da
floresta que em muitos lugares se encontra conservada.
A argumentação quanto aos povos amazônicos não serem produtivos tem
uma matriz ideológica relacionada a uma visão eminentemente econômica,
camuflando questões ambientais e sociais. Registra-se como exemplo que, sendo
paralisada a produção indígena, no mercado local da Amazônia Legal haverá,
indubitavelmente, fome, mesmo que haja disponibilidade de abastecimento vindo de
fora da área. Os custos estariam fora da capacidade financeira da população e as
vias de acesso são empecilhos ao pronto abastecimento.
Há que se considerar que o banimento tanto dos povos indígenas quanto dos
ribeirinhos significará a ruptura da identidade cultural amazônica tendo reflexo
também nas cidades, uma vez que parte dos produtos circulantes na economia
regional tem essas populações como produtoras e sua ausência implicaria na morte
dos valores culturais da região.
Com a redefinição territorial, a pressão exercida por vários atores sociais,
como: garimpeiros, posseiros, pelos grandes projetos mineralógicos e pelo setor
agropecuário, podem provocar conseqüências irreversíveis ao meio ambiente e ao
homem amazônico tradicional reduzindo a números insignificantes ou até mesmo
novos etnocídios. As novas unidades administrativas propostas para a
reconfiguração territorial amazonense devem ser entendidas através da estratégia
de fatores sociais na criação de suas próprias territorialidades. Entretanto, essas
criações podem ter um grau elevado de implicação para a região, sendo necessário
fazer uma série de questionamentos quanto à sua efetiva viabilidade, tanto social,
econômica, cultural, ambiental e política. Sobre tal consideração, Claval (2001, p.66)
observa que:
[...] A territorialidade fascina os geógrafos há geração. O espaço é uma categoria vazia, que não contém qualquer referência à sensibilidade, à recepção, ao sentimento, na vida real atribuem-se muito sentidos aos lugares onde se vive e às pequenas e grandes pátrias. A construção das identidades está intimamente ligada à organização territorial e a maneira como ela é percebida por quem é responsável por essa organização ou a experimenta.
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Uma das preocupações que devem ser exaustivamente debatida e
considerada é em relação ao patrimônio cultural dos povos indígenas, ribeirinhos,
entre outros, que poderão ser forçados a se retirar dos seus espaços
tradicionalmente ocupados, devido ao pretenso desenvolvimento que se imprimirá
com a criação desses territórios.
O patrimônio cultural dessas populações não pode ser simplesmente apagado
e excluído nessa perspectiva de reconfiguração territorial através da criação de
unidades administrativas. Para Sousa (2004) é importante compreender o homem
nesse espaço de possível reordenamento territorial, pois seu conhecimento
perpassa pelo entendimento das representações advindas dos mitos, da linguagem
e das estetizações presentes na paisagem amazônica.
É relevante também observar como serão disponibilizados os recursos
orçamentários e financeiros para a manutenção desses territórios, verificando-se
que o Estado Nacional, devido as suas peculiaridades, vem enfrentando uma série
de problemas implicando, muitas vezes, na diminuição dos recursos básicos e
essenciais para as populações.
Considerações finais não conclusivas
A proposição de desmembramento de porções territoriais na Amazônia e a
criação de novas unidades federativas, ainda que sejam importantes do ponto de
vista geopolítico, trazem consigo uma série de implicações que merecem ser
analisadas pormenorizadamente, em razão das peculiaridades regionais, sobretudo,
em relação aos impactos sociais, econômicos, ambientais e humanos.
Rondônia e Roraima são dois exemplos muito explícitos desses impactos,
logo após serem transformados em estados sofreram um violento e intenso
processo de rearranjo territorial, onde as grandes vítimas foram os indígenas e os
povos assentados a várias gerações no território, os quais foram alijados do modelo
de �desenvolvimento� capitalista, tornando-se encurralados, oprimidos,
desterritorializados e invisíveis, pois tiveram seus direitos violados.
Essas reconfigurações trazem em seu âmago a idéia da necessidade do
�desenvolvimento�, exigindo o aporte de Capital para a criação de infra-estruturas
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impactantes como hidrelétricas e abertura de estradas, produzindo inevitavelmente
uma exploração predatória dos bens naturais induzida por processos de colonização
igualmente predatórios, refletindo diretamente em conflitos entre os que chegam e
àqueles que moram há tempos na região.
Sob tais aspectos, teme-se que o discurso diante de um tema complexo
como a reconfiguração territorial do Amazonas possa produzir o acirramento de
conflitos e a concentração de poderes por parte de grupos organizados
economicamente, tendo como conseqüências o aprofundamento das desigualdades
existentes.
Essas preocupações são salutares e exigem uma análise aprofundada sobre
os mais diferentes campos do conhecimento e seus propósitos, devido à
complexidade e a singularidade amazônica. Outrora essa região passou por
situações extremadas de intervenção política, resultando em ações questionáveis,
como o caso da Estrada Transamazônica, entre outros empreendimentos
fracassados.
Sem dúvida, cabe à Geografia discutir, oferecer críticas e apontar caminhos
para o entendimento desse tema complexo que interessa ao povo brasileiro e
principalmente ao amazônico.
Portanto, a criação de novas unidades federativas deve priorizar como ponto
fundamental a gestão ambiental, favorecendo a implantação de políticas públicas
que assegurem às populações amazônicas a garantia da cidadania, educação,
saúde, valorização cultural, segurança alimentar, além de ações de usos
sustentáveis das reservas naturais como alternativas econômicas, proteção e
fiscalização de seu território, fortalecimento da organização social e de relações
públicas.
Constata-se que a proposta apresentada para a reconfiguração territorial
carece da existência de estudos específicos que comprovem a viabilidade
econômica da criação dessas novas unidades federativas, de modo que possam
favorecer o seu desmembramento de forma mais adequada possível, conduzindo a
um desenvolvimento que considere o ser humano e a natureza como elementos
indispensáveis nessa relação.
Nesse sentido, a problemática persiste em relação à criação dessas
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unidades federativas que almejam a ampliação de custos, com implantação de
medidas burocráticas e administrativas. E, geralmente, tais medidas não favorecem
o equilíbrio da situação política e econômica, sobretudo, porque aprofunda as
diferenças regionais.
Ressalta-se que para um anteprojeto com essa envergadura e importância
ser aprovado é necessário o cumprimento de requisitos fundamentais apoiados em
estudos técnicos histórico-geográficos, sócio-econômico e ambiental, com diretrizes
claras de uma ampla construção de desenvolvimento nacional e regional, sendo
imprescindível à participação da população-alvo, e, respeitada em seus direitos
mais elementares, sobretudo em sua territorialidade.
Temos certeza da polêmica redivisão territorial, uma vez que sempre esteve
na pauta política dos governos nas diversas esferas do poder. Insistir nessa
redivisão significa aumentar a representatividade político-regional, mas deve-se
estender esse diálogo a toda a sociedade nacional, principalmente pensando a
respeito do aprofundamento dos problemas existentes e geração de outros conflitos
ainda maiores na Amazônia.
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