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IULO DE ARAÚJO LIMA LÔBO
UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL:
UM BREVE ESTUDO SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS
SALVADOR 2001
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IULO DE ARAÚJO LIMA LÔBO
UMA ANÁLISE ECONÔMICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL:
UM BREVE ESTUDO SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS
Monografia apresentada no curso de graduação de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas
Orientador: Prof. Dr. Antônio Henrique Pinheiro da Silveira
SALVADOR 2001
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Dedico este trabalho à memória do querido amigo e mestre José Roberto Otoni de Mendonça, que desempenhou papel fundamental como meu primeiro orientador e responsável pelas primeiras questões a serem levantadas e discutidas.
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AGRADECIMENTOS
A meus pais, Noélia e Luiz Carlos por terem me dado todas as condições no decorrer de
minha vida para chegar a este momento tão especial e que sempre estiveram comigo nos
momentos difíceis.
A meu querido irmão Cesar, toda minha família, em especial minha Tia Lêdna que sempre
esteve em contato próximo, preocupando-se com o crescimento pessoal de todos em nossa
família. A todos queridos amigos pela convivência fraterna.
Ao professor José Roberto Otoni de Mendonça por ter ajudado-me na busca dos
questionamentos econômicos e sociais da AIDS na sociedade brasileira e pela lição de
amor à docência, por orientar-me mesmo passando por tratamento médico tão delicado; ao
professor Antônio Henrique Pinheiro da Silveira por ter se disponibilizado em me orientar
em um momento tão decisivo para a conclusão deste trabalho; ao professor João
Gutemberg Quintas Costa pela enorme colaboração nos conceitos fundamentais para
análise da economia da saúde; ao professor José Carrera Fernandez pelas intervenções nos
conceitos microeconômicos e; ao professor Lielson Coelho pela condução responsável e
cuidadosa das monografias desde a disciplina Técnica de Pesquisa em Economia.
A Moacyr Villas Boas, do GAPA Bahia; a Denis Gomes, Cristiano Sousa e Oséas Santana
do Grupo Gay da Bahia e Bruna Teixeira, da Assessoria de Comunicação da Coordenação
Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde, pelos dados, livros e informações que
foram essenciais para a realização deste trabalho. A todos os amigos que conquistei nesta
faculdade, representados aqui com os colegas Isidoro, Karbela, Vítor Bernardo, Cláudio
Nápoli e Wagner. A todos os funcionários e professores pela consolidação de um trabalho
de qualidade, mesmo com tantas adversidades.
A Fausta e Eza Victória por participarem de minha vida e me darem estímulos na constante
busca pela felicidade.
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SUMÁRIO
LISTA DE LUSTRAÇÕES 7 1 INTRODUÇÃO 8 2 FUNDAMENTOS DE ANÁLISE DA ORIGEM E
EVOLUÇÃO DA EPIDEMIA DO HIV/AIDS
9 2.1 O QUE É A AIDS? 9 2.2 A DESCOBERTA DA AIDS 10 2.3 A TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV 12 2.4 TESTES DIAGNÓSTICOS 14 2.4.1 A teste imunoenzimático: ELISA 14 2.4.2 Teste Western-Blot 15 2.4.3 Imunofluorescência indireta 15 2.4.4 Radioimunoprecipitação 15 2.4.5 Método de detecção de antígeno viral 16 2.4.6 Técnica de cultura viral 16 2.4.7 Método de cultura quantitativa 16 2.4.8 Teste de amplificação do genoma do vírus 17 2.4.9 Contagem de células TCD4+ em sangue periférico 17 2.5 TRATAMENTO 18 2.6 PREVENÇÃO 19 2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS 20 2.7.1 Direitos Civis 21 2.7.2 Direitos trabalhistas e previdenciários 21 3 ECONÔMICOS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
SAÚDE ELEMENTOS
23 3.1 O PORQUÊ DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE 23 3.2 AS EXTERNALIDADES DE UMA POLÍTICA PÚBLICA
DE SAÚDE
26 3.2.1 O problema dos caronas (free-riders) em saúde 27 3.3 EFICIÊNCIA ECONÔMICA EM SAÚDE 29 3.4 OS CUSTOS DA AIDS 30 3.4.1 O custo social da AIDS 30 3.4.2 Custo com prevenção 32 3.4.3 Custo com tratamento 32 3.5 3.5.1 3.5.2 3.5.3 3.6 3.7 3.8
TRATAMENTOS ALTERNATIVOS EM AIDS Custos de treinamentos em SAE - Serviço de Assistência especializada Custos de treinamentos em HD - Hospital Dia Custos de treinamentos em ADT - Assistência Domiciliar Terapêutica CUSTOS EVITADOS COM OS TRATAMENTOS ALTERNATIVOS VALORES DO TRATAMENTO DA AIDS O RETORNO DO TRATAMENTO DE AIDS PARA O PAÍS
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36 36
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38 40
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4 AVALIAÇÃO SOBRE TENDÊNCIAS DA AIDS E
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RESULTADOS DO PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS
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4.1 A CONFIANÇA COMO COMPORTAMENTO DE RISCO 43 4.2 PREVENÇÃO DA AIDS POR EXPOSIÇÃO SEXUAL 45 4.3 PREVENÇÃO DA AIDS POR EXPOSIÇÃO SEXUAL 46 4.3.1 Controle de qualidade do preservativo 47 4.3.2 Eficácia do preservativo 47 4.4 PREVENÇÃO DA AIDS POR VIA SANGÜÍNEA 48 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 53
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1...............................................................................................................33
GRÁFICO 2...............................................................................................................34
GRÁFICO 3...............................................................................................................39
GRÁFICO 4...............................................................................................................40
GRÁFICO 5...............................................................................................................44
GRÁFICO 6...............................................................................................................49
GRÁFICO 7...............................................................................................................50
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1 INTRODUÇÃO
Nas últimas duas décadas a humanidade tem convivido com uma grave epidemia. A AIDS
(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), que se alastrou no final da década de 1970,
inicialmente com alguns casos demonstrando alto grau de letalidade, e em poucos anos
atingiu a modalidade de epidemia, se alastrou em todo o mundo. No Brasil não foi
diferente, com o primeiro caso registrado em 1980, a epidemia atravessou toda primeira
década contaminando em uma escala crescente, tendo uma diminuição na taxa de infecção
na década seguinte. No final de 1999, o Ministério da Saúde já havia registrado um total
de 194.757 infectados no Brasil.
Este trabalho visa esclarecer como os conceitos econômicos são importantes para a
formulação e o planejamento de uma política de saúde que atinja todos os cidadãos,
demonstrando em seguida alguns resultados da aplicação do Programa Nacional de
Combate à AIDS, que é a política do Ministério da Saúde para interferir contra esta grave
moléstia, compreendendo o ano do primeiro caso, 1980, até o ano de 1999, colocando uma
discussão sobre 20 anos da epidemia de AIDS no Brasil.
O trabalho foi desenvolvido dentro de três pontos principais, que aqui estão representados
em três blocos conceituais divididos nos capítulos. Os aspectos gerais da AIDS estão
representados no segundo capítulo pelo histórico da doença, assim como os aspectos
clínicos, sociais e políticos, detalhando desde a descoberta da doença até o aparecimento
dos medicamentos que aumentam a expectativa de vida das pessoas contaminadas.
O terceiro capítulo demonstra os elementos mais significativos da análise econômica para a
formulação das políticas públicas de saúde, principalmente os conceitos da microeconomia
e da economia do setor público.
A análise dos resultados obtidos após a implementação do Programa Nacional de Combate
à AIDS é o ponto principal do quarto capítulo, onde são postas as evidências empíricas
desta política pública de saúde. O quinto capítulo trata das considerações finais sobre o
estudo.
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2 FUNDAMENTOS DE ANÁLISE DA ORIGEM E EVOLUÇÃO DA EPIDEMIA
DO HIV/AIDS
Este capítulo tem a função de abordar o surgimento de um fenômeno recente na história da
humanidade, porém que afeta e abala diretamente todos os seres humanos, não só pela
questão da contaminação em si, mas das graves distorções que a epidemia de AIDS
provocou nas últimas duas décadas. O aspecto mais central do estudo será apresentado nos
capítulos seguintes, deixando para este primeiro capítulo a definição do que é a epidemia
do HIV/AIDS e seus reflexos perante a sociedade mundial e estreitando para a sociedade
brasileira, observando como o conjunto de fatores sociais se alterou com o passar dos anos
e como a própria sociedade mudou os seus conceitos e preconceitos perante esta epidemia.
2.1 O QUE É AIDS?
A AIDS, Síndrome da Imonodeficiência Adquirida, é uma doença contagiosa, causada por
um vírus, chamado HIV, Vírus da Imunodeficiência Humana. Também chamado vírus da
AIDS, o HIV penetra no corpo humano por vias bem definidas e ataca as células
importantes que fazem parte do sistema de defesa do organismo. Enfraquecido o
organismo, o indivíduo fica sujeito a doenças graves, as chamadas doenças oportunistas
que têm esse nome exatamente porque se aproveitam desse enfraquecimento. Porém, nem
toda pessoa infectada com o vírus desenvolve a doença, tendo muitas vezes o corpo dessa
de uma pessoa contaminada, apenas o papel de hospedeiro do vírus. Mesmo assim, pode
transmiti-lo para outras. A pessoa portadora do vírus é também conhecida por soropositivo.
A AIDS só pode ser constatada por um médico, através de um exame laboratorial. Os
sintomas dessa doença podem aparecer também em muitas outras, tais como pneumonia,
tuberculose, diversas doenças sexualmente transmissíveis (as denominadas DST’s),
toxoplasmose, dentro outras que surgem da debilidade do sistema de defesa do organismo.
Por isso, não devem ser identificados como sendo sintomas exclusivos da AIDS, porém as
pessoas que apresentam estas doenças têm que realizar exames laboratoriais de controle de
HIV/AIDS.
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2.2 A DESCOBERTA DA AIDS
Em 1977, na cidade de Copenhague, Dinamarca, uma pessoa faleceu em conseqüência de
uma deficiência imunológica, de origem até então desconhecida. A literatura médica
registraria no ano seguinte em Paris, França, o segundo caso do que somente anos mais
tarde descobriu-se tratar de um mal ainda hoje incurável: AIDS, a síndrome da
imunodeficiência adquirida. Já havia registros de casos de infecções com os mesmos
sintomas na África durante a década de 1940 e 1950, porém trataram-se de casos isolados.
Em julho de 1981, eram contabilizados apenas 80 casos em todo o mundo, com 20 mortes.
Em novembro do mesmo ano, a certeza do alastramento da síndrome e de seu poder fatal:
169 casos, com 88 mortes. Como a maioria das pessoas que apresentavam os sintomas
característicos da nova doença era de homossexuais, a imprensa especializada deu a ela o
nome de Deficiência Imunológica Relacionada a Gays (tendo recebido a preconceituosa
sigla GRID). Não se tinha certeza ainda, contudo, de como se dava a transmissão do
"câncer gay" entre as pessoas. Daí, o grande medo só de conviver ou ter contato de
qualquer tipo com homossexuais e o grande preconceito que se instalava, não só pela
questão social, mas pela questão de poder se contrair a doença que já caracterizava este
grupo de indivíduos.
Segundo Paiva (1993), no final de 1981, a surpresa: surgem os primeiros casos entre
adultos heterossexuais e também em recém-nascidos, logo a doença atingia também
mulheres heterossexuais, por conseguinte atingia também a criança durante o período de
gestação. Em meados de 1982, uma mulher usuária de drogas endovenosas morre, o que
faz a ciência acreditar que a doença está relacionada ao sangue e direcionar suas pesquisas
para esta hipótese. Começa, inclusive, a ser estudada a possibilidade de hemofílicos terem
adquirido a doença por transfusão sangüínea. Longe dos avanços de laboratórios
científicos, contudo, a sociedade passa a acirrar seu preconceito contra os homossexuais.
Somente em janeiro de 1983 - quando 951 pessoas estavam contaminadas e 640 já haviam
morrido - é que surge a sigla AIDS, em um workshop do Centro para Controle de Doenças
dos Estados Unidos (CDC). O novo nome reduz o preconceito em relação a ser uma
doença causada por homossexuais, mas não o avanço da síndrome, que registra mais de
1100 vítimas ao final daquele ano.
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A Organização Mundial de Saúde (OMS) faz em fevereiro um apelo aos governos de todo
o mundo: empreender ações para reverter a vulnerabilidade de mulheres à AIDS. As
previsões eram terríveis: a organização estimava que no final de 1995 haveria cerca de 6,5
milhões de mulheres contaminadas, mais da metade com idade inferior a 25 anos, e que até
o ano 2000 uma mulher morreria a cada dois minutos em conseqüência da síndrome.
Um importante avanço na luta contra a síndrome é registrado ainda no de 1983. Um grupo
de cientistas do Instituto Pasteur, França, liderado pelo Doutor Luc Montagnier, anuncia
em outubro ter descoberto um vírus - na verdade, um retrovírus, que estaria associado à
AIDS, ao qual chamam LAV.
Em abril de 1984, quando já eram registrados 4.123 casos da síndrome, com 2.937 mortes,
a equipe do Doutor Robert Gallo anuncia, nos Estados Unidos, ter descoberto o vírus da
AIDS, ao qual dá o nome de HTLV-3. Entretanto, trata-se do mesmo vírus descoberto na
França meses antes. Gallo é acusado de antiética, mas não admite ter utilizado informações
do "concorrente" francês. Mais tarde, o laboratório do Doutor Gallo e o Instituto Pasteur
acabam por concordar em dividir a descoberta do vírus, agora com a sigla HIV.
Com esta descoberta, foi possível a criação de um exame que detectasse a sua presença no
sangue. Graças a este exame, os bancos de sangue começaram a testar o material a partir de
1985, quando 28 mil pessoas já haviam sido contaminadas por transfusão.
Desconhecimento, preconceito e desinformação formam a receita que fez com que a
síndrome tomasse todos os continentes, em apenas 20 anos, e passasse a ser chamada de
"mal do século". Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) sugerem que, na
virada de milênio, mais de 40 milhões de pessoas estarão contaminadas pelo vírus da AIDS
em todo o planeta. Somente na África, dez milhões de crianças com menos de 10 anos
estarão órfãs neste período devido à AIDS, segundo o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - metade dos soropositivos do mundo está hoje no continente africano. A
expectativa de vida neste continente reduz a cada ano de maneira drástica, tendo de 1987 a
1997, reduzido de uma expectativa de 52 para 44 anos.
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A Ásia, contudo, tinha a projeção de deter o maior número de casos até o fim deste século,
em função de ter acumulado metade dos novos registros mundiais a cada ano e em função
de ser um continente não só populoso (a Ásia é o continente mais populoso do mundo, só a
China e a Índia têm juntas mais de 1/3 da população de todo o planeta), como também pelo
altíssimo nível de miséria encontrado neste continente. Porém, será a África que fará a
virada do milênio com as taxas mais altas de contaminação, mostrando-se uma região mais
miserável que o continente asiático e, que o comportamento da epidemia do HIV/AIDS
está intimamente relacionada aos níveis de pobreza, miséria e falta de informação.
2.3 TRANSMISSÃO DO VÍRUS HIV
Somente no sangue, esperma, secreção vaginal e leite materno o vírus da AIDS aparece em
quantidade suficiente para causar uma infecção. Para haver a transmissão, o líquido
contaminado de uma pessoa tem que penetrar no organismo de outra. Isso pode acontecer
das seguintes formas: Relação sexual, o vírus da AIDS pode ser transmitido através de
relações sexuais com parceiros contaminados, se não for usado o preservativo (camisinha)
durante a penetração. A transmissão pode ser do homem para a mulher, do homem para o
homem e mulher para homem. Em todos os casos de penetração há riscos para os dois
parceiros. Para quem penetra e para quem é penetrado; Uso de seringas e agulhas entre
usuários de drogas injetáveis, muitas pessoas contraem o vírus da AIDS ao fazerem uso da
mesma seringa e agulha. Isso acontece quando o sangue de uma pessoa infectada está na
agulha ou seringa e entra no sangue de outra pessoa; Transfusão de sangue e derivados, só
há contaminação se uma pessoa receber sangue contaminado com o vírus da AIDS
(Montagnier, 1992).
Com o surgimento da epidemia, tornou-se obrigatório que tanto o sangue quanto os seus
derivados, chamados hemoderivados, sejam rigorosamente testados. Na gravidez, a mãe
contaminada pode transmitir o vírus para a criança durante a gestação, no parto e
possivelmente na amamentação, a transmissão vertical, isto é de mãe para filho, decorrente
da exposição da criança durante a gestação, parto ou aleitamento materno, vem
aumentando devido à maior transmissão heterossexual. Na África, são encontradas as
maiores taxas desta forma de infecção pelo HIV, da ordem de 30 a 40%; entretanto, em
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outras partes do mundo, como na América do Norte e Europa, situam-se em torno de 15 a
29%. Os principais motivos dessa diferença devem-se ao fato de que, na África, a
transmissão heterossexual é mais intensa, e que neste continente, o aleitamento materno é
muito mais freqüente do que nos países industrializados, em função de possuírem grandes
empresas que produzem suplementos ou complementos alimentares para toda a população,
principalmente, para crianças.
Há também a contaminação no ambiente de trabalho, a transmissão ocupacional ocorre
quando profissionais da área da saúde sofrem ferimentos com instrumentos pérfuro-
cortantes contaminados com sangue de pacientes portadores do HIV. Estima-se que o risco
médio de contrair o HIV após uma exposição percutânea a sangue contaminado seja de
aproximadamente 0,3%. Nos caso de exposição de mucosas, esse risco é de
aproximadamente 0,1%. Os fatores de risco já identificados como favorecedores deste tipo
de contaminação são: a profundidade e extensão do ferimento a presença de sangue visível
no instrumento que produziu o ferimento, o procedimento que resultou na exposição e que
envolveu a colocação da agulha diretamente na veia ou artéria de paciente portador de HIV
e, finalmente, se o paciente, fonte da infecção mostrar evidências de imunodeficiência
avançada, ser terminal ou apresentar carga viral elevada.
Embora o vírus tenha sido isolado de vários fluidos corporais, como saliva, urina, lágrimas,
somente o contato com sangue, sêmen, secreções genitais e leite materno têm sido
implicados como fontes de infecção. O risco da transmissão do HIV por saliva foi avaliado
em vários estudos laboratoriais e epidemiológicos. Esses estudos demonstraram que a
concentração e a infectividade dos vírus da saliva de indivíduos portadores do HIV é
extremamente baixa.
Até o momento, não foi possível evidenciar, com segurança, nenhum caso de infecção por
HIV adquirido por qualquer das seguintes vias teóricas de transmissão: contato
interpessoal não-sexual e não-percutâneo (contato casual), vetores artrópodes (picadas de
insetos), fontes ambientais (aerossóis, por exemplo) e quaisquer objetos inanimados, além
de instalações sanitárias. Há raros relatos anedóticos de hipotética transmissão horizontal
do HIV, porém, estes não resistem a uma análise mais cuidadosa, e as evidências são
insuficientes para caracterizar formas não-tradicionais de transmissão.
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Conclui-se que formas alternativas de transmissão são altamente improváveis, e que a
experiência cumulativa é suficientemente ampla para se assegurar enfaticamente que não
há qualquer justificativa para restringir a participação de indivíduos infectados pelo HIV
nos seus ambientes domésticos, escolares, sociais ou profissionais.
2.4 TESTES DIAGNÓSTICOS
Os testes para detecção da infecção pelo HIV podem ser divididos basicamente em quatro
grupos: detecção de anticorpos, detecção de antígenos, cultura viral e amplificação do
genoma do vírus. As técnicas rotineiramente utilizadas para o diagnóstico da infecção pelo
HIV são baseadas na detecção de anticorpos contra o vírus.
Estas técnicas apresentam excelentes resultados e são menos dispendiosas, sendo de
escolha para toda e qualquer triagem inicial. Porém detectam a resposta do hospedeiro
contra o vírus, e não o próprio vírus diretamente. As outras três técnicas detectam
diretamente o vírus ou suas partículas. São menos utilizadas rotineiramente, sendo
aplicadas em situações específicas, tais como: exames sorológicos indeterminados ou
duvidosos, acompanhamento laboratorial de pacientes e mensuração da carga viral para
controle de tratamento.
2.4.1 Teste Imunoenzimático: ELISA
Dentre os testes de detecção de anticorpos está o ELISA (teste imunoenzimático), este teste
utiliza antígenos virais (proteínas) produzidos em cultura celular (testes de primeira
geração) ou através de tecnologia molecular recombinante. Os antígenos virais são
absorvidos por cavidades existentes em placas de plástico e, a seguir, adiciona-se o soro do
paciente. Se o soro possuir anticorpos específicos, estes serão fixados sobre os antígenos.
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2.4.2 Teste Western-Blot
O teste Western-Blot envolve inicialmente a separação das proteínas virais por eletroforese
em gel de poliacrilamida, seguida da transferência eletroforética dos antígenos para uma
membrana de nitrocelulose. Geralmente este teste é utilizado para confirmação do
resultado reagente ao teste ELISA, devido à sua alta complexidade e custo. Tem alta
especificidade e sensibilidade.
2.4.3 Imunofluorescência Indireta
O teste da imunofluorescência indireta é feito pela fixação de células em lâminas de
microscópio, as células infectadas (portadoras de antígenos) são incubadas com o soro que
se deseja testar. Depois, são tratadas com outro soro que contenha anticorpos específicos
para imunoglobulina humana conjugados a um fluorocromo. A presença dos anticorpos é
revelada por meio de microscopia de fluorescência. Este teste também é utilizado como
confirmatório.
2.4.4 Radioimunoprecipitação
No teste de radioimunoprecipitação, a detecção dos anticorpos decorre de reações com
antígenos radioativos. Estes antígenos são obtidos de células infectadas, mantidas na
presença de radioisótopos durante a síntese de proteínas virais. É uma técnica menos
conhecida, mas que pode ser utilizada para confirmação de diagnóstico. Existem muitos
outros testes para detecção de anticorpos, um grande número de testes rápidos para estudos
de campo, triagens de grandes populações e para decisões terapêuticas em situações de
emergência vêm sendo desenvolvidos, geralmente baseados em técnicas de aglutinação em
látex e hemaglutinação.
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2.4.5 Método da Detecção de Antígeno Viral
Os testes de detecção de antígeno viral se concentram na pesquisa de antígeno p24. Este
teste quantifica a concentração da proteína viral p24 presente no plasma ou no
sobrenadante de cultura de tecido. Embora esta proteína esteja presente no plasma de
pacientes em todos os estágios da infecção pelo HIV, sua maior prevalência ocorre antes
da soroconversão e nas fases mais avançadas da doença; o teste é realizado mediante a
utilização da técnica de ELISA (imunoenzimático).
2.4.6 Técnicas de Cultura Viral
As técnicas de cultura viral se concentram no estudo sobre a cultura de células
mononucleares de sangue periférico para isolamento do HIV, pela cultura quantitativa de
células e pela cultura quantitativa de plasma. A cultura de células mononucleares de
sangue periférico para isolamento do HIV técnica foi inicialmente utilizada para
caracterizar o HIV como agente causador da AIDS. As culturas são observadas quanto à
evidência de formação sincicial (células gigantes multinucleadas), presença de atividade da
transcriptase reversa e produção de antígeno p24 em sobrenadantes. São consideradas
positivas quando dois testes consecutivos detectam a presença dos achados acima descritos
em valores superiores ao limite de corte.
2.4.7 Método da Cultura Quantitativa
A cultura quantitativa de células é uma técnica que mede a carga viral intracelular,
mediante a diluição seriada decrescente de uma população de 106 células do paciente
infectado. Considera-se como positiva a menor diluição capaz de isolar alguma célula
infectada. A cultura quantitativa de plasma é uma técnica semelhante à anterior, porém
utilizando alíquotas decrescentes de plasma. Considera-se como positiva a menor diluição
capaz de infectar células mononucleares.
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2.4.8 Testes de Amplificação do Genoma do Vírus
Análise quantitativa direta da carga viral através de técnicas baseadas na amplificação de
ácidos nucleícos, tais como a reação de polimerase em cadeia (PCR) quantitativa,
amplificação de DNA em cadeia ramificada (branched-chain DNA ou bDNA) e
amplificação seqüencial de ácidos nucleícos (nucleic acid sequence-based amplification ou
NASBA). Embora as técnicas sejam diferentes, o PCR quantitativo e o NASBA apresentam
alta sensibilidade, permitindo o acompanhamento da resposta terapêutica antiretroviral.
Além disso, valores elevados de partículas virais detectados ao PCR quantitativo ou
NASBA parecem estar relacionados com um maior risco de progressão da doença,
independente da contagem de células TCD4+. Sugere-se sua monitorização a cada 3 ou 4
meses. Em caso de início ou mudança de terapia antiretroviral, alguns autores recomendam
uma dosagem da carga viral com 1 a 2 meses de tratamento, para avaliação da resposta ao
esquema. Os resultados devem ser interpretados da seguinte maneira: Carga viral abaixo de
10.000 cópias de RNA por ml: baixo risco de progressão ou de piora da doença; carga viral
entre 10.000 e 100.000 cópias de RNA por ml: risco moderado de progressão ou de piora
da doença; carga viral acima de 100.000 cópias de RNA por ml: alto risco de progressão
ou de piora da doença.
2.4.9 Contagem de células TCD4+ em sangue periférico
A contagem de células TCD4+ em sangue periférico tem implicações prognósticas na
evolução da infecção pelo HIV, pois é a medida de imunocompetência celular; é mais útil
no acompanhamento de pacientes infectados pelo HIV. De maneira didática pode-se
dividir a contagem de células TCD4+ em sangue periférico em quatro faixas: maior que
500 células/mm3: estágio da infecção pelo HIV com baixo risco de doença. Há boa
resposta às imunizações de rotina e boa confiabilidade nos testes cutâneos de
hipersensibilidade tardia.. Casos de infecção aguda podem apresentar estes níveis de
células T CD4+, embora, de modo geral, esses pacientes tenham níveis mais baixos. Entre
200 e 500 células/mm3: estágio caracterizado por surgimento de sinais e sintomas menores
ou alterações constitucionais. Risco moderado de desenvolvimento de doenças
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oportunistas. Nesta fase, podem aparecer candidíase oral, herpes simples recorrente, herpes
zoster, tuberculose, leucoplasia pilosa, pneumonia bacteriana. Entre 50 e 200 células/mm3:
estágio com alta probabilidade de surgimento de doenças oportunistas como
pneumocistose, toxoplasmose, neurocriptococose, histoplasmose, citomegalovirose
localizada. Está associado à síndrome consumptiva, leucoencefalopatia multifocal
progressiva, candidíase esofagiana, dentre outras. Menor que 50 células/mm3, caracteziza-
se o estágio com grave comprometimento de resposta imunitária. Alto risco de surgimento
de doenças oportunistas como citomegalovirose disseminada, sarcoma de Kaposi, linfoma
não-Hodgkin e infecção por micobactérias atípicas. Alto risco de vida com baixa
sobrevida.
Estes valores levam em conta apenas a avaliação quantitativa. Alterações qualitativas na
função dos linfócitos podem permitir o surgimento de condições oportunistas em pacientes
com níveis diferentes de células TCD4+. Em crianças, a contagem de células TCD4+ tem
níveis diferentes de interpretação. Quando não há disponibilidade de quantificação da
carga viral, pode-se basear na contagem de células TCD4+ para iniciar ou alterar
terapêutica anti-retroviral.
A soroconversão significa a positivação da sorologia para o HIV. A soroconversão é
acompanhada de uma queda expressiva na quantidade de vírus no plasma (carga viral),
seguida pela recuperação parcial dos linfócitos TCD4+ no sangue periférico
A janela imunológica: é o tempo compreendido entre a aquisição da infecção e a
soroconversão (também chamada de janela biológica). O tempo decorrido para a sorologia
anti-HIV tornar-se positiva é de seis a doze semanas após a aquisição do vírus, com o
período médio de aproximadamente 2,1 meses. Os testes utilizados apresentam geralmente
níveis de até 95% de soroconversão nos primeiros 5,8 meses após a transmissão.
2.5 TRATAMENTO
Quando os primeiros casos de AIDS foram descritos, há quase 20 anos, a expectativa de
vida dos pacientes diagnosticados não ultrapassava 6 meses. Naqueles tempos, um
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diagnóstico de AIDS equivalia a uma sentença de morte a se concretizar em curto espaço
de tempo.
Entretanto, o início da terapia antiretroviral em 1987, com o lançamento do AZT,
promoveu uma mudança radical neste conceito. Ela passou a prolongar a vida dos
pacientes com maior qualidade e menos doenças oportunistas, reduzindo as internações
hospitalares. Desde então, várias medicações foram surgindo de modo a permitir um
número de combinações destas drogas que excede a 1000.
A recente introdução dos inibidores de protease no tratamento da AIDS, revolucionou os
conceitos de tratamento, permitindo que pela primeira vez se levantasse a possibilidade de
erradicação da infecção pelo HIV, ou pelo menos transformando a AIDS em uma doença
crônica como diabetes, hipertensão arterial, etc.
2.6 PREVENÇÃO
A AIDS pode ser prevenida quando o indivíduo consegue se isolar das formas pelas quais
o vírus HIV contamina o corpo. Por via sexual, o método mais eficiente seria a abstinência
sexual, mas se houver abstinência não há ato sexual, logo não há estudo para tal fato. O
que interferirá o contágio, quando do ato sexual são os preservativos masculinos e os
preservativos femininos, que são feitos de látex, e mesmo assim não garantem total
sucesso, podendo vazar ou rasgar, causando contaminação. Quanto ao que refere as
transfusões de sangue, é exigido pelo Ministério da Saúde um certificado de garantia e
qualidade do sangue, o que não havia antes da epidemia.
Quanto aos usuários de drogas injetáveis, a melhor opção seria a não dependência do
indivíduo em relação a droga, mas a questão moral não deve ser avaliada neste estudo,
portanto cabe ao usuário usar seringas e agulhas sem compartilha-las com mais ninguém.
Outro ponto delicado e já citado anteriormente é questão da contaminação vertical, que se
caracteriza pela contaminação de mãe para filho, que pode ser no período de gestação, no
parto ou durante a amamentação. A prevenção deste tipo de contaminação é feita, em um
primeiro instante com gestante fazendo o pré-natal, para que sejam feitos exames
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específicos não apenas de HIV/AIDS, como também de outras doenças. A transmissão
intra-uterina é possível em qualquer fase da gravidez; porém é menos freqüente no
primeiro trimestre, as infecções ocorridas nesse período não têm sido associadas a
malformações fetais. O risco de transmissão do HIV da mãe para o filho pode ser reduzido
em até 67% com o uso de AZT durante a gravidez e no momento do parto, associado à
administração da mesma droga ao recém-nascido por seis semanas. Um estudo realizado
nos Estados Unidos (AIDS Clinical Trial Group 076 ou ACTG-076) demonstrou redução
na transmissão vertical de 25,6% para 8,3% com o uso de AZT durante a gravidez. A
transmissão pelo leite materno é evitada com o uso de leite artificial ou de leite humano
processado em bancos de leite, que fazem aconselhamento e triagem também das doadoras.
2.7 LEGISLAÇÃO E AIDS
O ponto onde mais a AIDS evoluiu, no que tange toda a sociedade mundial, não foi o
aperfeiçoamento da ciência em termos de seu tratamento ou no desenvolvimento de
vacinas, a AIDS literalmente abriu espaço para uma longa discussão sobre preconceitos,
cidadania e solidariedade. Ao ser comparado o comportamento social em relação ao seu
início, na primeira metade da década de 1980, a epidemia do HIV/AIDS tem mostrado uma
nova face da sociedade atual. A criação de diversas organizações não-governamentais e a
grande evolução dentro destas organizações serviram de poderosos parâmetros para a
análise da mudança de comportamento social. Foi justamente a partir do surgimento dessas
instituições, que levantaram a bandeira na busca de direitos para os infectados com o vírus
da AIDS, que se deu o marco no direcionamento de se estreitar os laços quanto a
solidariedade e de uma legislação específica para doentes e portadores de HIV/AIDS, de
mostrar que não existe apenas um indivíduo infectado pelo HIV, seja pela sua opção
sexual, por ser usuário de drogas, por ser hemofílico ou por ter qualquer outra exposição de
risco, o que existe realmente é o cidadão que tem direitos e deveres como qualquer outro e
isso, após a epidemia foi muito mais evidenciado do que em outras épocas ou situações.
A Constituição Brasileira de 1988, prevê em seu título VIII, capítulo II, seção II que trata
exclusivamente da saúde que: “A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
21
agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção
e recuperação.” Isso significa que o Estado tem que criar condições para que toda e
qualquer pessoa tenha acesso aos serviços de saúde, hospitais, programas de prevenção e
medicamentos.
A questão do direito para os infectados por HIV/AIDS não se resume ao direito à saúde,
refere-se a um conjunto bem mais extenso, compreendendo o direito previdenciário, o
direito civil, o direito do trabalho. Além disso, no dia 13 de novembro de 1996 entrou em
vigor a Lei 9.313, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores
do HIV e doentes de AIDS, trata em seu Art. 1o o seguinte: “Os portadores do HIV (Vírus
da Imunodeficiência Humana) e doentes de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação
necessária ao tratamento.”
2.7.1 Direitos Civis
O portador do HIV/AIDS tem direito ao sigilo também no âmbito civil (por injúrias,
difamações a cercada moral e comportamento sexual). O infrator responsável por tal ato,
fica obrigado ao pagamento de uma indenização pecuniária que compense o dano sofrido
pela pessoa e seus familiares, sendo que o requerimento poderá ser feito no juízo civil. No
âmbito ético, ao profissional que quebrou o sigilo, será imposta pena disciplinar, que irá
desde a censura pública até a suspensão temporária ou definitiva de seus direitos ao
exercício profissional, de acordo com a gravidade e circunstâncias do ato.
2.7.2 Direitos Trabalhistas e Previdenciários
Em relação ao Direito do Trabalho, o empregador é livre para decidir a quem deve
empregar, mas não lhe é permitido exigir o teste sorológico, enquanto condição de
admissão ou manutenção do emprego ou cargo público, por caracterizar interferência
22
indevida na intimidade do trabalhador. É garantida a manutenção do emprego, sendo
proibida a dispensa por justa causa em virtude do eventual resultado positivo para o HIV.
A manutenção do sigilo em relação ao diagnóstico e notificação é também um direito do
portador do HIV/AIDS.
Através do Decreto Lei no 1.744, de 8 de dezembro de 1995, foi regulamentado o benefício
de prestação continuada, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social. Tal benefício
prevê o recebimento de 1(um) salário mínimo mensal, para idosos acima de 70 anos e
pessoas portadoras de deficiência. Em ambos os casos, o indivíduo deverá comprovar
renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo vigente. O interessado
poderá procurar os centros de Apoio Comunitário da Prefeitura ou os postos do INSS para
solicitar o formulário que deverá ser preenchido pelo médico que faz o acompanhamento
do HIV/AIDS, pelo assistente social e pelo Serviço de Saúde Mental (psicologia ou
psiquiatria). Para requerer tal benefício é necessário que o portador do HIV/AIDS, esteja
incapacitado para o trabalho. A pessoa portadora do HIV/AIDS deve comprovar que é
portadora de alguma incapacidade para o trabalho ou alguma deficiência que não permita
que ela tenha uma vida independente e a renda mensal da família, per capita, deve ser
menor que 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
23
3 ELEMENTOS ECONÔMICOS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
A compreensão do Programa Nacional de Combate à AIDS no âmbito econômico coloca
vários elementos da microeconomia e do estudo da economia do setor público como peças
chaves para um melhor entendimento do que seja uma política pública de saúde.
O Programa Nacional de Combate à AIDS é uma política pública de saúde do Ministério
da Saúde que visa atender as necessidades de melhoria das condições de vida da população
infectada com o vírus HIV. A implantação desta política pública leva a uma questão
fundamental, pois sendo a AIDS uma epidemia, o benefício que é dado a um indivíduo é
transmitido a outros inúmeros indivíduos.
Os conceitos microeconômicos, da teoria da economia do bem-estar (welfare economics),
bens públicos, externalidade e principalmente de eficiência são os principais pontos para a
análise econômica de uma política pública de saúde. Existem pontos a serem analisados
que são colocados como dúvidas fortes por parte da análise econômica, pois deve-se saber
até onde pode-se distinguir os gastos públicos, custos privados e custos sociais e além
disso analisar como ocorre a utilização privada de um bem público.
3.1 O PORQUÊ DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE
A participação do Estado na economia com a implantação de políticas públicas é
justificada quando este coloca no mercado produtos que geralmente o mercado privado não
teria condições de colocar, sendo um pouco mais teórico, onde a “mão invisível” de Adam
Smith não toca, portanto não consegue regular o mercado livremente. A teoria do bem-
estar social aplica-se neste sentido, onde a força do mercado não pode oferecer condições
para que as pessoas possam consumir determinados bens que lhes são muito caros.
A questão legal, isto é, a aplicação do direito positivo, reforça ainda mais as condições de
transformar as ações no âmbito social e não apenas como individual, que sejam acessíveis
a todos os cidadãos e em quantidade ótima para satisfazer a necessidade de todos que
estejam contaminados.
24
As características dos produtos oferecidos pelas políticas públicas de saúde, como
remédios, leitos, preservativos e outros elementos para o tratamento ou prevenção de uma
determinada doença, comportam-se como bens acessíveis a todos que necessitam destes
bens, porém não se comportam como bens públicos no estudo da microeconomia.
Os bens públicos têm duas características: são não-disputáveis e não-excludentes.
Segundo Pindyck (1999, p. 729) “...uma mercadoria é não-disputável quando, para
qualquer nível específico de produção, o custo marginal de sua produção é zero para um
consumidor adicional...” e “...uma mercadoria é não-excludente quando as pessoas não
podem ser excluídas de seu consumo. Conseqüentemente, torna-se impossível cobrar pela
utilização de produtos com essas características, pois eles podem ser desfrutados sem a
necessidade de pagamento direto.”
Como exemplo, Pindyck coloca a defesa nacional de um determinado país, todos os
cidadãos desfrutam dos mesmos benefícios. Assim também pode-se pensar em outros tipos
de políticas, e no caso específico a saúde.
Porém, existe uma questão delicada a ser pontuada nesta análise, pois os bens que um
soropositivo consome não se comportam como bens públicos. Quando um paciente
necessita de um leito hospitalar, imediatamente ele exclui outras pessoas de ocuparem
aquele leito e, no caso de uma epidemia, não há um aumento da quantidade de leitos na
mesma proporção que o crescimento do número de contaminados. Assim, além de se
comportar como um bem excludente, o leito hospitalar pode-se tornar um bem disputável à
medida que for aumentando o número de pessoas que precisam de tratamento específico.
O mesmo comportamento é percebido em relação aos medicamentos que compõem o
coquetel anti-AIDS, pois se um paciente recebe sua cota mensal do coquetel e, se por
problemas, o governo não consegue o repasse eficaz desses medicamentos, há uma
exclusão de um outro soropositivo, os remédios passam a ser daquele que chega primeiro e
recebe a cota normalmente.
No entanto, a necessidade da implantação de uma política de saúde para combater a
epidemia do HIV adentrava além desta questão da exclusão e da rivalidade dos bens e dos
25
consumidores. Os custos de um paciente HIV positivo eram muito altos e com o aumento
acelerado do número de doentes, nem mesmo os grandes laboratórios que desenvolveram
medicamentos para o tratamento de AIDS tinham a noção exata dos imensos lucros que
alcançariam em tão pouco tempo. Os planos de saúde não tinham, dentro de seus pacotes
de serviços, assistência a pacientes com AIDS, tamanho eram os custos para o tratamento.
Esse era o quadro, um contigente cada vez maior de soropositivos, medicamentos muito
caros no mercado, além disso, todos os remédios eram importados e a instabilidade da
moeda brasileira era outro fator que agravava mais a compra no exterior dos pacientes que
podiam pagar pelo coquetel.
Para o governo, o aumento da epidemia tinha duas conseqüências, a primeira é que a
maioria dos infectados tinha idades entre 19 e 40 anos, faixa que concentra grande parte da
força de trabalho, com isso a epidemia fazia com que houvesse uma relativa diminuição da
produção. Além disso, um indivíduo soropositivo poderia muito bem conseguir
aposentadoria por invalidez, já que se trata de uma doença que não tinha e ainda não tem
cura e possui alto grau de letalidade.
Dessa forma, a AIDS deixou um pouco de lado a questão clinica e começou a ser abordada
como uma doença social, econômica e política. Assim surgem questões básicas para uma
discussão sobre o assunto.
• Como empregar um soropositivo, se o potencial de sua força de trabalho não é
competitiva à de uma pessoa que não foi contaminada?
• Como pagar direitos sociais a pessoas que estão em idade de contribuição?
• Como aumentar o número de leitos especiais e, além disso preparar profissionais
capacitados para acompanhar e cuidar de pacientes com uma enfermidade tão grave?
• Como fazer com que os grandes laboratórios multinacionais reduzissem os preços dos
medicamentos que compunham o coquetel para os infectados dentro do Brasil?
26
Essas perguntas foram fundamentais no planejamento de uma política para resolver o
problema da proliferação da AIDS no país. Este planejamento deve estar atento a todos os
custos e benefícios, que aqui serão representadas pelas externalidades.
3.2 AS EXTERNALIDADES DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE
São denominadas externalidades os efeitos das atividades de produção e consumo que não
refletem diretamente no mercado (PINDYCK, 1999).
Segundo Mankiw (1998) externalidade é o impacto das ações de uma pessoa sobre o bem-
estar de outras que não participam da ação. As externalidades podem ser negativas, se o
efeito constitui em malefício, como uma empresa de produtos químicos que despeja
detritos tóxicos em um rio próximo, contaminando a água que as populações que vivem às
margens do rio consomem. As externalidades podem ser também positivas, como os
efeitos que traz à sociedade a implantação de uma política pública de saúde referente ao
combate ao vírus HIV.
As externalidades estão intimamente ligadas à produção do bem público, pois em função
das ineficiências do mercado privado, é melhor produzir um bem que todos tenham acesso,
porém por fora do mercado. O exemplo mais freqüente é o saneamento de uma
determinada rua, o fato de sanear uma rua não tem sua finalidade terminada naquela
localidade específica, as conseqüências são bem maiores que o simples fato do saneamento
do logradouro. Este saneamento afeta em outras localidades e na forma de outros
benefícios, as externalidades.
Um tipo de externalidade que pode ser visualizada para a formulação ações em saúde é a
externalidade consumo-produção, que ocorre quando um ou mais consumidores são fontes
e um ou mais produtores são receptores de externalidades. Este tipo de externalidade é
visto no caso de políticas públicas de saúde, pois quando o governo passa produzir os
medicamentos em laboratórios estatais, eles interferem na produção de outras empresas, já
que haverá melhora na condição de vida de trabalhadores contaminados, fazendo com que
não haja perda da capacidade da força de trabalho.
27
Outro tipo de externalidade presente é a externalidade produção-consumo, que ocorre
quando um ou mais produtores são as fontes e um ou mais consumidores são os receptores
de externalidades. Este tipo de externalidade pode ser observado, de uma forma negativa,
quando não é feito um tratamento ou uma prevenção à contaminação pelo vírus HIV,
fazendo com que haja a diminuição da força de trabalho e, conseqüentemente, maior
propagação do vírus.
No caso da epidemia da AIDS, estas classificações das externalidades podem ser
pontuadas para a implantação de uma política pública de saúde, representando também as
respostas para as perguntas que foram feitas no final do ponto 2.1, constituindo desta forma
elementos fundamentais para se tomar decisões a respeito da intervenção ou não por parte
do governo.
3.2.1 O problema dos caronas (free-riders)
Um problema a ser colocado na análise das externalidades é o caso dos “free-riders” ou
traduzindo, o caso dos caronas. Um carona é uma pessoa que se beneficia de um bem, mas
que se recusa a pagar por ele. Os caronas aparecem quando ocorrem externalidades, isto é,
eles se aproveitam dos benefícios que são obtidos por outras pessoas.
Na Índia e no Peru o tratamento da tuberculose é realizado de forma diferente da forma que
é realizado o programa de combate à tuberculose no Brasil, onde o tratamento é de total
responsabilidade da esfera pública. Os indianos e peruanos que tem tuberculose não
recebem todos os medicamentos para o tratamento do governo, tendo que ir buscar parte
do tratamento no setor privado, evidentemente pagando pelos custos do tratamento. Isto
gera ineficácia do tratamento, pois nem todos os doentes conseguirão pagar para obter a
cura.
Entre as pessoas que não desenvolveram a doença isto representa uma grave questão, pois
não haverá estímulo para uma vacinação em massa, pois a tendência é que quem pagou
pelo tratamento acabe não contaminando aqueles que não receberam vacinação, sendo
28
assim, os que não desenvolveram a doença, pegariam carona com os que pagaram pelo
tratamento. Porém, além dos saudáveis que não desenvolveram a doença e os tuberculosos
que puderam pagar pelo tratamento controlando e eliminando os bacilos que poderiam
infestar o ar, existem os tuberculosos que não puderam pagar por um tratamento.
A conseqüência deste fenômeno é trágica, pois os tuberculosos que não puderam pagar
pelo tratamento provavelmente morrerão em função da doença, porém, antes de morrerem,
contaminarão os saudáveis que não tinham a doença e haverá uma nova contaminação nos
que já estavam curados. Para os que haviam tido tratamento aparecem dois problemas
graves, o custo com um novo tratamento e o fato de que seu organismo terá bacilos da
tuberculose cada vez mais resistentes.
A questão dos caronas em se tratando de AIDS é bem complexa, tanto pelo lado do
tratamento quanto pelo lado da prevenção.
Os indivíduos poderiam pegar carona no caso da AIDS quando, não se fazendo um
programa efetivo de combate à doença, as pessoas se beneficiem de outros tipos de ações
na área de saúde. Um exemplo que pode ser citado é o de um usuário de drogas que
determinado a aplicar-se com cocaína ou heroína, consegue uma seringa que foi
distribuída em um posto de saúde para o uso pediátrico. Outro explicação que pode ser
esclarecida é o da restrição de distribuição de preservativos só para pessoas que estariam
nos grupos de risco, dessa forma, quem quisesse obter preservativos teria que se colocar,
por exemplo, como profissional do sexo.
Esses disfarces para obter os mecanismos necessários para controlar a AIDS acabam
gerando ineficiência na prevenção da epidemia, pois nem todos poderiam pegar carona. O
fato de se universalizar a prevenção e o tratamento da AIDS, além de interferir de forma
positiva na saúde das pessoas, gera maior eficiência no controle epidemiológico, mesmo
sabendo que o número total de infectados só poderia ser realizado através em exames em
todos brasileiros.
A necessidade da intervenção governamental elimina o problema do carona, pois com a
existência do carona há uma falta de estímulo para o consumo de medicamentos do
29
mercado privado, pois as pessoas irão esperar pelo consumo dos que podem pagar pelo
tratamento e só então se conseguirão benefício com isso.
3.3 EFICIÊNCIA ECONÔMICA EM SAÚDE
A eficiência é o ponto mais delicado a ser colocado na análise da economia da saúde, pelo
simples fato que não existe uma forma de se calcular o preço da vida humana. Torna-se
complicado quantificar a quantidade ótima de produção quando se trata de uma epidemia.
Porém, a própria Lei 9.313, que garante toda a assistência aos portadores do HIV e
doentes de AIDS, dá o entendimento que a padronização dos medicamentos será realizada
de acordo com a evolução da doença e, que haverá também padronização das terapias,
sendo revistas e republicadas anualmente ou sempre que sejam necessárias mudanças para
que haja eficiência no atendimento deste pacientes.
A padronização e o surgimento de novas terapias é que fariam do Programa Nacional de
Combate à AIDS uma política com êxito em termos econômicos, pois não poderiam ser
criados imediatamente leitos especiais para doentes de AIDS e portadores de HIV à
medida que fosse aumentando a epidemia, como não poderiam ser colocados estes doentes
em leitos convencionais como, desde o início da epidemia, se fazia.
A medida do Ministério da Saúde em criar novas formas de atendimento aos portadores de
HIV e doentes de AIDS revelou-se eficiente economicamente e gerou outros tipos de
eficiência, como na distribuição de remédios pelo governo, na distribuição de preservativos
e nos testes para diagnósticos da doença.
30
3.4 OS CUSTOS DA AIDS
Os custos da AIDS refletem não só o aspecto do custo para a assistência do indivíduo
contaminado, reflete em custos não econômicos, como coloca o texto seguinte:
“O custo de tratamento dos pacientes soropositivos, tanto dos que manifestaram a doença quanto os que são portadores, deve ser entendido apenas como uma parcela do custo total da infecção. O custo total compreende todos os custos decorrentes do fato de que uma parte da população esteja infectada pelo vírus da AIDS. Este custo total deve considerar, portanto, além dos custos de tratamento, a perda decorrente da redução da vida ativa dos portadores do vírus, os sofrimentos causados pela doença nos soropositivos e nas pessoas que lhes são próximas etc. Sendo assim o benefício causado por um controle da disseminação do HIV é maior do que a economia realizada com o tratamento das pessoas infectadas.” Fipe (1999, p. ?)
Em Ferguson (1990) é dada a definição que uma economia externa, isto é, uma
externalidade, existe, quando o custo marginal social é maior ou menor que o benefício
social marginal. Assim, mostra-se claro que não será o mecanismo de livre-empresa que
conduzirá ao bem-estar social máximo. A intervenção estatal torna-se imprescindível para
a realização de uma política que busque a eficácia de qualquer programa de saúde. O custo
social da AIDS é muito mais elevado do que o custo com o tratamento.
3.4.1 O custo social da AIDS
Como o custo de produção de qualquer outro bem, o custo de tratamento é composto pelos
custos diretos e custos indiretos. No caso dos custos diretos pode-se atribuir ao paciente,
observando o custo unitário direto, que é basicamente formado por procedimentos clínicos,
dietas, exames e medicamentos. Já os custos indiretos são mais difíceis de serem
calculados, pois não há uma atribuição objetiva a um paciente específico ou a um
procedimento particular.
31
A importância de se combater a AIDS envolve um esforço de regular o nível da força de
trabalho. Na África, em alguns países a epidemia atinge 20% da população, sabendo-se que
a grande maioria dos infectados está em plena idade de trabalho, entre os 15 e 50 anos,
verifica-se uma perda significativa da força de trabalho. No Brasil, as conseqüências não
seriam menos desastrosas, pois para um país em desenvolvimento, a existência de
epidemia atinge todos os setores de produção, vendo que a AIDS conseguiu estar nas
últimas duas décadas em todas as classes sociais.
A população em idade economicamente ativa, considerando dos 20 aos 49 anos, representa
a maior parte dos infectados, num total de 169.209, tendo portanto 86,88% dos infectados
dentro do Brasil. Se somados a esta faixa de idade forem considerados os jovens entre 15 e
19 anos, totaliza-se 173.364 infectados, aumentando para 89,02% do total de
contaminados. O aumento dos casos de AIDS foi bem representativo para este grupo, além
disso, a mudança da pirâmide populacional total do país desde o início da década de 1980,
com o crescimento da população idosa, transformou a pirâmide da população brasileira,
com a base mais estreita, visto que os índices de natalidade decresciam.
Não só a morte se comporta como fator de perda da força de trabalho. Quando constatada
a presença do vírus HIV, ao trabalhador infectado é dado o direito a aposentadoria por
invalidez, como anteriormente já foi citado, além de outros direitos trabalhistas e
previdenciários, fazendo com que os gastos com assistência social sejam cada vez mais
altos. O período em que foram registrados mais processos em função da AIDS foi entre
1987 a 1992, os motivos principais eram a discriminação no ambiente de trabalho,
demissões por ser portador de moléstia grave e falta de oportunidade ao cidadão
soropositivo, pois algumas empresas dentro dos exames de seleção incluíam testes anti-
HIV.
Um outro ponto a ser debatido é que nenhum indivíduo pode ser demitido ou afastado do
trabalho sem uma justa causa, sendo assim, um paciente de AIDS não podia ser afastado
das suas funções como trabalhador por ser portadores de uma doença. Esta questão foi
muito debatida nas áreas do Direito do Trabalho e da própria questão de cidadania. Isto se
torna um ponto positivo para o desenvolvimento do trabalhador, um direito que lhe é
32
assegurado, porém para o empresário, é difícil lidar com uma força de trabalho que não
tem condições de dar todo o seu potencial.
3.4.2 Custo com prevenção
Os custos da prevenção à AIDS tornam-se muito importantes, pois, através de campanhas
publicitárias, campanhas educacionais, distribuição gratuita de preservativos e de seringas
descartáveis a usuários de drogas injetáveis, podem ser reduzidos os custos mais
significativos da AIDS, que é justamente o custo de tratamento. Os custos com prevenção e
a sua relação com os custos sociais serão vistos com maior ênfase no próximo capítulo,
onde há uma análise do banco de dados do Ministério da Saúde para a epidemia de AIDS
no Brasil.
3.4.3 O custo com tratamento
Como já foi visto anteriormente, a AIDS é uma doença que não tem cura, logo o
tratamento que é realizado em pacientes HIV positivos se caracteriza em aumentar a
expectativa de vida, diminuir o aparecimento e o agravamento de doenças oportunistas e
fazer com que as pessoas que estejam contaminadas continuem a ter uma vida normal,
trabalhando ou exercendo as funções que lhe eram atribuídas anteriormente.
Uma epidemia tem um comportamento bem peculiar, começa com alguns poucos
indivíduos doentes e, com o passar do tempo e das formas de exposição, o número de
infectados cresce de uma forma assustadora. No caso da AIDS no Brasil pode-se ter a
noção exata deste efeito, o que começou com apenas o registro de 1 caso em 1980, chegou
a 1999 com 194.757 casos registrados, isto sem contar, é claro, com o número de casos não
registrados pelo Ministério da Saúde, que estariam, no mesmo período, em cerca de meio
milhão de infectados. As taxas anuais de crescimento da epidemia eram alarmantes até
1992, ano da implantação do Programa, e desde 1993 as taxas anuais estão tendendo a se
estabilizarem em torno de uma média, e em alguns anos representaram um comportamento
de decréscimo. Entre 1980 e 1992 existiam 51.897 casos notificados pelo Ministério da
33
Saúde, deste total de infectados 36.733 estavam mortos em 1992 e 15.164 ainda
sobreviviam até o final deste mesmo ano, havendo uma razão de 2,42 infectados mortos
para cada infectado que permanecia vivo conforme o gráfico a seguir:
GRÁFICO 1
Fonte: Ministério da Saúde
A ausência de planos de saúde que cobrissem o atendimento a pacientes com AIDS
colocou a responsabilidade toda em cima do sistema público de saúde, que não conseguia
atender a todos os pacientes em função que o aumento do número de leitos para
atendimento de pacientes com AIDS não acompanhava o crescimento acelerado do número
de contaminados. Era necessária uma campanha preventiva com maior atuação, era muito
menos dispendioso entregar milhares de preservativos do que tratar um paciente de AIDS.
Os dados sobre os custos diretos do tratamento dos pacientes com AIDS e dos demais
soropositivos que não apresentaram a doença não eram confiáveis até 1997, até então o
melhor estudo era o de Médice e Beltrão em 1992, quando estimaram os custos totais de
cuidados médicos dos pacientes soropositivos sintomáticos em US$ 16.689,00 por ano,
sendo que cerca de 38% deste valor era gastos apenas com medicamentos que vinham do
exterior, representando US$ 6.373,00 e 61,8%, isto é. US$ 10.316,00 compunham gastos
como custos com pagamento de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio, custos de
internações, de exames e diagnósticos.
Distribuição de Infectados Vivos e M ortos 1980 a 1992
71%
29%Infectados MortosInfectados Vivos
34
GRÁFICO 2
Fonte: Ministério da Saúde
Com a implantação de uma política visando atender esta população, o quadro alterou-se
substancialmente, tendo entre 1993 e 1999, um somatório total de 142.860 indivíduos
contaminados, dos quais 80.801 continuavam vivos e 62.059 contaminados que haviam
morrido até o final de 1999, sendo que a grande maioria dos indivíduos que falecera já
tinha o vírus latente há um tempo anterior ao ano de 1993, grande parte representando os
15.194 que permaneciam vivos em 1992. A nova relação se comportava com 1,30
infectados vivos para cada infectado morto. A descoberta de medicamentos anti-HIV foi o grande marco para que os indivíduos
contaminados utilizassem melhor o potencial da mão-de-obra, pois estes remédios
propiciavam no soropositivo maior resistência a infecções oportunistas. Além de manter os
infectados aptos para desenvolverem suas atividades normais, os remédios representam a
única forma de tratamento para recompor o sistema imunológico do soropositivo em quem
já manifestou sintomas da doença.
3.5 TRATAMENTOS ALTERNATIVOS EM AIDS
O fato que melhor pode ser observado para as mudanças da epidemia de AIDS no Brasil é
a adoção de métodos mais eficientes no tratamento da AIDS. Implantados desde 1996,
foram colocados à disposição de todos os soropositivos, mesmo antes da publicação da Lei
Distribuição de Infectados Vivos e M ortos 1993 a 1999
43%
57%
Infectados M ortos
Infectados Vivos
35
9.313. Esses métodos de tratamento se posicionam como principais aspectos para a maior
eficiência do tratamento, pois faz com que o número de internações não aumente e maior
eficiência econômica, já que os custos com internações em hospitais convencionais são
bem mais custosos que os atendimentos com estes tipos de tratamento.
A Coordenação Nacional de DST/AIDS conduziu, desde o início do desenvolvimento dos
trabalhos um Programa de Alternativas, com treinamentos para implantação dos serviços
para o atendimento de pacientes soropositivos. Estes treinamentos estavam baseados na
participação ativa, juntamente com as instituições responsáveis, na elaboração do conteúdo
programático dos cursos, na divulgação dos calendários dos treinamentos juntamente às
coordenações, na seleção de candidatos, na logística do repasse dos recursos e
acompanhamento da prestação de contas de cada evento e em supervisões técnicas nos
cursos.
A política de assistência aos pacientes portadores do HIV/AIDS no Brasil, estruturada a
partir do início da década de 90, fundamentou-se na obtenção da melhoria da qualidade
de vida dos pacientes e na racionalização de recursos humanos e financeiros.
Em resposta à demanda assistencial crescente o Ministério da Saúde concebeu, de
forma inovadora, o Programa de Alternativas Assistenciais. Este Programa baseou-se
em Projetos de implantação de Serviços, alternativos à assistência convencional, que
apresentassem conceitos individualizados de níveis de atenção, resolutividade
diagnóstico- terapêutica e que estabelecessem mecanismos de referência e contra-
referência com os Serviços da rede pública de saúde.
Desta forma, em nível ambulatorial, desenvolveu-se o conceito de Serviço de
Assistência Especializada (SAE); em nível de hospitalização convencional
promoveram-se alternativas de assistência dos tipos Hospital-Dia (HD) e Assistência
Domiciliar Terapêutica (ADT).
36
Em comum, o atendimento nestes Serviços deveria ser assegurado por equipes
multidisciplinares com o objetivo de oferecer uma assistência humanizada e de qualidade,
baseada na atenção integral do paciente e sua família. Com propósitos secundários e de
enfoque em custo- benefício, projetos como HD e ADT deveriam contribuir para com a
redução de demanda de internação hospitalar, de permanência nos leitos hospitalares e
portanto, contribuir para com a redução de gastos pelo SUS.
Vale salientar que a divulgação dos treinamentos, junto aos profissionais de saúde, foi
bastante beneficiada pelos Catálogos de Oportunidades e Treinamentos da
responsabilidade da Unidade de Treinamentos dessa Coordenação e publicados pelo
Ministério da Saúde.
3.5.1 Custos de treinamentos em SAE - Serviço de Assistência Especializada
Em um período de quatro anos, compreendidos entre abril de 1994 e abril de 1998, a
Coordenação de DST/AIDS organizou a realização de 10 treinamentos para capacitação de
equipes para implantação de SAE. Todos esses cursos foram de 40 horas de duração e
ocorreram no Centro de Referência em AIDS em São Paulo (SP).
Nestes treinamentos foram capacitados cerca de 270 profissionais, que resultaram em um
custo total de cerca de R$ 150.000,00, com um custo médio de R$ 555,00.
3.5.2 Custos de treinamentos em HD - Hospital Dia
A implantação de Serviços de Hospital-Dia (HD) para atendimento dos pacientes
portadores do HIV/aids iniciou-se, no Brasil, no final da década de 80.
37
Inspirados na experiência brasileira e no modelo francês de HD, a iniciativa de
implantação de Serviços, no contexto do Programa de Alternativas Assistenciais, deu-
se em resposta à demanda crescente de assistência e à limitada resolutividade da rede
pública hospitalar.
Entre abril de 1995 e abril de 1998, a Coordenação Nacional de DST/AIDS organizou a
realização de 10 treinamentos para capacitação de equipes para implantação de HD.
Esses cursos foram de 40 horas e nove deles ocorreram no Instituto Emílio Ribas em
São Paulo (SP) e apenas um treinamento foi realizado no Hospital dos Servidores do
Estado do Rio de Janeiro (RJ).
Com isso foram capacitados cerca de 215 profissionais, com um custo total de cerca de
R$ 135 000,00, o que resultou em um custo médio de R$ 630,00 para a realização
desses treinamentos.
3.5.3 Custos de treinamentos em ADT – Assistência Domiciliar Terapêutica
Entre as Alternativas, a ADT foi a modalidade de assistência mais inovadora, considerando
o contexto assistencial da AIDS e sobretudo o cenário de Saúde Pública no país.
A ADT baseia-se se assistência integral ao paciente e sua família, isso levando em conta
que ocorria a falta de parâmetros normativos que orientassem o universo dos
procedimentos factíveis de serem realizados, com segurança no domicílio e pelo
despreparo dos profissionais para exercerem atividades em ambientes domésticos, em
confronto permanente com as dificuldades geradas por aspectos técnicos e emocionais.
aspectos éticos ligados particularmente ao fato das atividades de ADT serem
frequentemente reveladoras da AIDS, suscitando preconceito e rejeição por parte da
sociedade, em relação à própria equipe , paciente e seus familiares e a inexistência de
38
legislação que regulamentasse, reconhecesse e finalmente atribuísse pagamento
diferenciado à esta modalidade assistencial.
De novembro de 1994 a abril de 1998 foram realizados 11 treinamentos em ADT. Esses
cursos foram de 40 horas e ocorreram em sua maioria em Santos, com o apoio da
Secretaria de Saúde, outras instituições que forneceram esses treinamentos, como o
Hospital das Clínicas de Recife (PE) e a Secretaria de Saúde de Campinas.
Através destes treinamentos foram capacitados cerca de 215 profissionais, totalizando um
gasto cerca de R$ 140.000,00, resultando um custo médio de R$ 650,00 para serem
realizados.
3.6 CUSTOS EVITADOS COM OS TRATAMENTOS ALTERNATIVOS
Segundo a Coordenação Nacional de DST/AIDS, em 1998 foram gastos R$ 350 milhões
com os medicamentos que formam o coquetel anti-HIV, tanto remédios anti-retrovirais
quanto os medicamentos contra doenças oportunistas, que foram usados por 57,8 mil
pacientes. Em dólares, esse valor seria de aproximadamente US$ 342 milhões,
significando, na época, que US$ 205 milhões foram gastos com a importação de remédios.
Os custos com medicamentos ainda são altos, pois mesmo com uma diminuição na taxa de
novos casos, há um número ainda elevado de indivíduos que se contaminam, fazendo com
que exista também uma maior demanda por esses medicamentos e pelos serviços de
atendimentos médicos. As formas alternativas de tratamento em AIDS são muito
significativas para uma melhor compreensão da eficiência econômica, pois fazem com que
os custos diminuam bastante, ao invés do paciente chegar em um estado de mais gravidade
como visualizado no gráfico a seguir:
39
GRÁFICO 3
Fonte: Ministério da Saúde
O gráfico ilustra muito bem como as políticas de tratamentos alternativos para a AIDS
aumentam a eficácia do combate à doença, pois conforme verificado acima, o número de
internações praticamente não se alterou, principalmente porque não houve aumento
significativo no número de leitos hospitalares para pacientes com AIDS. Em 1996, o
número de internações se tinha comportamento muito próximo ao dos atendimentos,
mostrando assim que 97% dos atendimentos em pacientes soropositivos eram em hospitais
convencionais.
No ano seguinte esta relação reduziu-se para 59%, fazendo com que aproximadamente
16.381 indivíduos infectados com o HIV deixassem de buscar os hospitais convencionais.
Em 1998 representava apenas 44% dos atendimentos para pacientes soropositivos, fazendo
com que 30.951 pessoas fossem atendidas através de tratamentos alternativos. Isto
representou, em 1997, uma economia de cerca de US$ 33.490.776,00 e, em 1998, esta
economia representou cerca de US$ 68.147.777,00.
Os custos com o treinamento de profissionais em tratamentos alternativos relacionados
com a economia gerada por não internar o paciente, já que o atendimento é feito de forma
mais eficaz e realmente faz com que haja aumento do bem estar dos soropositivos
0
20.000
40.000
60.000
1996 1997 1998
Ano
Internações de portadores de HIV no SUS 1996 a 1998
Número de internaçõesAIDS
Número de estimado depacientes AIDSAtendidos pelo SUS
40
percentuais é muito baixo, mostrando que não só a relação custo-benefício é bastante
significativa, como também é altamente significativa a redução dos custos para o
atendimento dos pacientes e a aplicação dos recursos públicos para a ampliação dos
serviços que devem ser colocados à disposição da população.
3.7 VALORES DO TRATAMENTO DA AIDS
O tratamento da AIDS com medicamentos anti-retrovirais (ARV) mostra custos cada vez
maiores, analisando o período de 1996, ano em que foi publicada a Lei 9.313, ao ano de
1999. Esse aumento dos gastos com este tipo de medicamento pode ser evidenciado numa
relação entre a compra desses medicamentos com o PIB anual no período, como no gráfico
seguinte:
GRÁFICO 4
Fonte: Ministério da Saúde
No ano de 1996, os gastos com medicamentos ARV totalizaram um montante de cerca de
US$ 34,133 milhões, quando o PIB foi de US$ 775.745 bilhões, sofrendo um aumento de
mais de 700% para o ano seguinte, alcançando em 1997, aproximadamente, US$ 222,862
milhões (O PIB de 1997 foi de US$ 801.662 bilhões). Esta elevação nos gastos é
determinada pela própria Lei 9.313, que estende o tratamento a todos os portadores do
HIV, tanto aos soropositivos sintomáticos quanto os assintomáticos. Os anos de 1998 e
1999 também evidenciam aumentos crescentes dos gastos com medicamentos anti-
00,010,020,030,040,050,060,07
% dos gastos ARV em relação ao PIB do Brasil
1996 1997 1998 1999
Ano
% dos gastos com ARV em relação ao PIB do Brasil 1996 a 1999
% dos gastos com ARV emrelação ao PIB do Brasil
41
retrovirais em relação ao PIB, quando totalizaram respectivamente US$ 303,996 milhões
(para um PIB de US$ 775.501 bilhões) e US$ 319,756 milhões (quando houve um registro
de US$ 529.398 bilhões no PIB).
Os custos com atendimentos médicos não poderiam mais ser analisados pelo método dos
custos de tratamento realizados por Médice e Beltrão, de 1992, pois estes autores
consideravam apenas o tratamento em hospitais convencionais, onde apenas estes custos
com medicamentos representavam 38% dos gastos totais com o tratamento da AIDS. Se
fosse considerado ainda, os custos nos 4 anos com medicamentos seriam da ordem de US$
880,747 milhões, representando apenas 38% de um total de US$ 2,318 bilhões para o
tratamento de soropositivos.
Nunes (1997) coloca em discussão que apenas em 1997, havia uma estimativa de 60 mil
pacientes sintomáticos com AIDS e eu número entre 344 mil e 497 mil indivíduos
assintomáticos. Contabilizando apenas os sintomáticos, o custo, segundo o método de
Médice e Beltrão, chegaria a US$ 963,69 milhões. Pela estimativa do total de infectados e
pela interpretação da Lei 9.313/96, que estende o atendimento a todos os portadores do
vírus HIV, sintomáticos ou não, o total de gastos com o atendimento com soropositivos
alcançaria a soma de US$ 2,89 bilhões, representando 0,36% do PIB de 1997. Com isso
pode-se ter uma noção exata da eficiência econômica do Programa de Combate à AIDS
para este particular ano de 1997, pois enquanto os cálculos obtidos através do método de
Médice e Beltrão totalizariam 16.689 dólares para cada infectado, considerando a
estimativa de 60 mil infectados, os gastos reais registrados, considerando um total de
67.885 pacientes atendidos, foi de 8.624,57 dólares por paciente, mostrando redução
significativa dos custos em questão.
3.8 O RETORNO DO TRATAMENTO DE AIDS PARA O PAÍS
Existe uma outra parte a ser destacada, em relação ao investimento de se tratar uma
epidemia como a da AIDS para o crescimento econômico do Brasil. Os gastos com o
atendimento irão ser compensados por dois fatores principais.
42
O primeiro fator é que pelo fato do indivíduo continuar trabalhando, não irá se aposentar
nem terá usufruto imediato de benefícios dado a uma pessoa que se aposenta por invalidez,
portanto, não serão acumulados gastos da Previdência Social. Este direito que é assegurado
através do Decreto Lei 1.744/95, representaria só no ano de 1998, considerando o total de
96.613 casos de soropositivos registrados no Ministério da Saúde que se encontravam
vivos, um dispêndio de aproximadamente 146,238 milhões de reais ao ano, considerando
que o salário mínimo, em termos nominais nos primeiros quatro meses desse ano era de
120,00 reais e nos meses seguintes foi de 130,00 reais, tendo uma média ponderada de
126,67 reais no decorrer de todo o ano de 1998.
O segundo fator é que com o tratamento, cerca de 57.800 indivíduos contaminados tiveram
apenas atendimento médico através do SUS (Sistema Único de Saúde), sem a necessidade
de internações. Considerando que, destes pacientes, 89,02% estariam na idade entre 15 a
49 anos, portanto na idade ativa, ter-se-ia o número aproximado de 51.454 indivíduos
prontos para executarem normalmente suas tarefas de trabalho. Observando que o salário
médio do setor industrial e do setor de serviços do ano de 1998 foi de 745,05 reais por mês,
o resultado destes 51.454 indivíduos trabalhando seria, de cerca de 460,030 milhões de
reais em termos nominais.
43
4 AVALIAÇÃO SOBRE TENDÊNCIAS DA AIDS E RESULTADOS DO
PROGRAMA NACIONAL DE COMBATE À AIDS
As evidências são claras em relação aos efeitos do Programa Nacional de Combate à
AIDS, pois o que parecia incontrolável adquiriu uma certa estabilidade desde 1993.
As estimativas sobre a epidemia eram assustadoras, falava-se em 1989 que a AIDS
contaminaria 1,2 milhões de brasileiros na virada do milênio, até 1999 obteve-se o registro
de 194.757 soropositivos e havia uma estimativa no total de casos de cerca de 530 mil
pessoas contaminadas convivendo com o HIV no Brasil.
A importância da vida humana foi o determinante para a consolidação de uma política tão
ampla como esta. O “câncer gay”, como era chamada a estranha doença do início da
década de 1980, avançou nos outros setores da sociedade, estabeleceu-se na sigla AIDS.
A sociedade foi obrigada a repensar seus conceitos e preconceitos, pois o que era uma
doença típica de homossexuais, hemofílicos, profissionais do sexo e usuários de drogas
injetáveis, passou a se alastrar em pais e mães de família, dos heterossexuais, de toda
população. O modo de agir também mudou, após um período de extremos contrastes e
rebeldia sobre a conquista da liberdade sexual, ocorre uma epidemia que reflete
negativamente este comportamento libertário. Atualmente, os conceitos sobre a AIDS
mudaram, não há mais os chamados grupos de risco, associados aos grupos que mais
incidiam a doença na época de sua descoberta, o que passou a ser discutido foram os
comportamentos de risco.
4.1 A CONFIANÇA COMO COMPORTAMENTO DE RISCO
Diante dos diversos comportamentos de risco, há uma caracterização para os bissexuais,
categoria que era pouco comentada antes da epidemia. É atribuído aos homens bissexuais e
homens que buscavam relações fora do relacionamento conjugal, o aumento do índice
infectados heterossexuais, considerando que a grande parcela desses novos infectados era
composta por mulheres casadas. Apesar de muitas mudanças no comportamento sexual e
44
afetivo, a extremada confiança feminina tem sido a maior e melhor causa para explicar o
aumento de contaminação por HIV entre heterossexuais.
Dentro de um estudo sobre gênero e AIDS, Eliane Seidl (Fórum 2000 p. 111) faz uma
análise sobre o comportamento de homens e mulheres soropositivos, com uma amostra de
176 pacientes, 59,7% composta por homens e 40,3% mulheres, variando a idade entre 16 e
61 anos, com uma média etária de 32 anos, os homens, que geralmente têm dois filhos, já
as mulheres têm, em sua maioria, têm entre três e quatro filhos. Constatou-se no estudo
uma grande diferença quanto a sexualidade e à prática do sexo seguro, onde 46,2% dos
homens referiram ter vida sexual ativa e segura, enquanto 71,9% das mulheres informaram
ter vida sexual ativa com o uso irregular do preservativo ou abstinência sexual. Os dois
grupos não se diferenciaram quanto aos aspectos sócio-demográficos, clínicos e quanto à
percepção do suporte social. Com base nessa amostra, há uma clara indicação para o
avanço da AIDS no ambiente familiar e a tendência de heterossexualização da epidemia no
Brasil, já que por via sexual, não há nenhum registro da transmissão entre homossexuais
femininas.
GRÁFICO 5
Fonte: Ministério da Saúde
A razão entre infectados, que em 1987 era de nove homens para uma mulher para os casos
registrados, passou para quatro homens para uma mulher e, em 1999 a AIDS mostra sua
tendência de ser uma doença heterossexual com a marca de dois homens infectados para
cada mulher.
Evolução da Epidemia Segundo o Gênero1980 a 1999
05000
100001500020000
1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998
Ano
Núm
ero
de
Infe
ctad
os FemininoMasculino
45
4.2 PREVENÇÃO DA AIDS POR VIA PERINATAL
O aumento do número de mulheres contaminadas reflete em outro problema grave, a
contaminação perinatal, isto é, bebês que já nascem contaminados pela mãe durante a
gestação ou se contaminam durante o parto ou o aleitamento.
Há uma grande necessidade em atingir estas mulheres infectadas, pois de cada 100
mulheres soropositivas grávidas, 30 crianças nascem portadoras do vírus. No entanto, com
um acompanhamento pré-natal eficiente, seguindo recomendações no uso do coquetel, a
chance de infecção perinatal se reduz significativamente, havendo também um maior
cuidado no parto e evitando a amamentação, já que o leite materno também conterá o HIV.
Neste sentido, ações importantes têm sido desenvolvidas para minimizar este problema,
dentre as quais está o aconselhamento em DST/AIDS e o oferecimento do teste anti-HIV
no pré-natal.
Uma pesquisa realizada, em 1999, sobre AIDS e gestantes em Curitiba mostrou que, de
105 gestantes entre 14 e 40 anos de idade que utilizaram o serviço pré-natal do Hospital
das Clínicas de Curitiba, 100% já haviam ouvido em AIDS, porém 60% haviam realizado
o teste anti-HIV até o momento da avaliação e apenas 5,4% das gestantes da amostra
afirmavam fazer uso de preservativo em todas as relações sexuais com seus parceiros. A
grande maioria, isto é, 88% sabiam existir riscos para o feto sendo a mãe portadora do
vírus HIV, porém quase todas desconheciam as formas de prevenção da contaminação do
feto sendo a mãe portadora.
Isto mostra que, além da necessidade de maior ação perante as gestantes, como testagens
anti-HIV e tratamento nas gestantes que for comprovada a infecção para que não
contamine o feto, é necessário um programa especial de orientação específico quantos aos
efeitos da AIDS para o bebê.
As estimativas do Ministério da Saúde são de que existiam em 1998 em todo o Brasil 12
mil gestantes soropositivas, mas apenas 25% receberam o tratamento, evitando, assim, que
mais de 2 mil crianças deixassem de ser infectadas. Neste mesmo ano foi feita uma
“recomendação formal” do ministério para oferecer o teste anti-HIV para 2,5 milhões de
46
gestantes da rede pública e foram treinados 2 mil ginecologistas e enfermeiras para este
acompanhamento especial.
4.3 PREVENÇÃO DA AIDS POR EXPOSIÇÃO SEXUAL
Em meados da década de 1980, o mercado de preservativos no Brasil foi estimado em 60
milhões de unidades, segundo uma pesquisa do Banco Mundial. Neste período, em função
da propagação da AIDS ocorreram altos e baixos no consumo, por não se ter uma certeza
se a doença era apenas contraída por homossexuais, usuários de drogas injetáveis e
hemofílicos. Porém, entre o final da década de 1980 e os primeiros anos da década de
1990, com a certeza da contaminação através do sangue, da secreção vaginal e do sêmen, o
mercado de preservativos passou a sofrer constantes aumentos de consumo.
Desde então, ocorreu uma elevação na demanda por preservativos que perdurou nos anos
seguintes. De acordo com dados do próprio mercado do produto, nos primeiros quatro
meses de 1996, foram comercializados no país cerca de 55,4 milhões de preservativos, o
que projetou naquele ano um total de 166,3 de preservativos para as três indústrias
nacionais: INAL, que detinha três marcas no mercado; BLOWTEX, com seis marcas e;
JOHNSON & JOHNSON, também com seis marcas no mercado.
Porém, estes 166,3 milhões de camisinhas foram insuficientes para cobrir a demanda, que
segundo alguns especialistas estava em torno de 300 milhões de unidades, caso o produto
estivesse a um preço mais acessível e fosse distribuído com maior publicidade. Para o
FNUAP, Fundo de População das Nações Unidas, este número de 300 milhões se reduz
para 266,5 milhões de unidades, mesmo assim, representava uma considerável lacuna entre
a demanda potencial e a capacidade da indústria nacional, precisando ainda de mais de 100
milhões de preservativos para atingir a demanda total.
Desta forma a solução imediata para tornar o mercado potencial em mercado real no curto
prazo seria aumentar as importações de preservativos. O principal obstáculo à expansão do
mercado de preservativos era, e continua ainda hoje sendo, o elevado preço que o produto
atinge no varejo, pois os índices de rejeição relacionados à qualidade, ao desconforto e ao
47
próprio preconceito que havia para usar o produto caíram muito desde 1993, quando se
iniciou o Programa Nacional de Combate à AIDS.
4.3.1 Controle de qualidade do preservativo
A qualidade dos preservativos disponíveis no Brasil tem tido papel fundamental para o
aumento da procura da população em relação aos preservativos, tanto para uma maior
prevenção das DST/AIDS como para fim anticoncepcional.
Durante 1992 e 1993, levantaram-se diversas questões a respeito da segurança e eficácia do
preservativo, como também do processo de produção, embalagem, transporte e
armazenamento. Isto levou a Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde a
esclarecer e estabelecer as características do produto e o Instituto Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) foi designado responsável pelos testes
dos preservativos comercializados no Brasil, tanto os preservativos nacionais quanto os
importados. Em fevereiro de 1994, o INMETRO ficou limitado a apenas emitir certificados
dos testes realizados, onde as marcas que são aprovadas recebem em suas embalagens o
selo de confiabilidade, a marca do INMETRO.
4.3.2 Eficácia do preservativo
As estimativas da eficácia de um método preventivo incluem a distribuição entre eficácia
teórica e eficácia de uso.
Em relação ao preservativo, a eficácia teórica é a sua capacidade intrínseca de prevenção,
tanto em relação às DST/AIDS quanto à gravidez indesejada, quando utilizado correta e
constantemente, sem os erros ou negligência. A eficácia do uso é estimada levando-se em
conta as ações do usuário, antes, durante e após a relação sexual.
48
No caso dos preservativos só ocorreriam falhas, teoricamente, se houvesse rompimento
durante a relação sexual, que poderia ser provocado por forte pressão ejaculatória,
inadequada manipulação do produto ou pela fricção decorrente da insuficiente lubrificação
da vagina ou do reto, quando do coito anal. Contra essa última falha, há uma medida
interessante, que é o uso do gel lubrificante no preservativo. O Grupo Gay da Bahia
(GGB) tem colocado a importância do uso do preservativo em conjunto ao gel lubrificante.
O rompimento pode ser facilitado também pela deterioração do preservativo, em função de
tempo excessivo de armazenamento, exposição à luz solar, calor, umidade ou outras
condições adversas.
4.4 PREVENÇÃO DA AIDS POR VIA SANGÜÍNEA
O comportamento da transmissão por exposição sangüínea nos casos registrados ocorre do
mesmo modo como do comportamento total de transmissões da epidemia de AIDS, tendo
após a implantação do Programa Nacional de Combate à AIDS uma diminuição bastante
significativa.
Porém, verifica-se que, ao contrário dos primeiros anos da epidemia, onde os casos por
exposição sangüínea devidos às transfusões de sangue e em hemofílicos caracterizavam
grande parte deste tipo de transmissão, houve uma drástica redução desde 1990, enquanto
que houve um aumento no número de novos casos de contaminação em uma população
especial, os usuários de drogas injetáveis (UDI).
Mesmo antes de 1992, o Ministério da Saúde tomou providências quanto a testagem nos
bancos de sangue, o que fez com fossem reduzidas as ocorrências de contaminação em
bancos de sangue.
49
GRÁFICO 6
Fonte: Ministério da Saúde
Segundo Nunes (1997), as ocorrências de contaminação devido ao consumo de drogas
injetáveis, isto é, com o compartilhamento de seringas contaminadas, saíram de 4% do
total de infectados em 1987 para 20% dos soropositivos registrados em 1997,
representando o grupo mais vulnerável à epidemia. Os UDI mostram-se muito pouco
sensíveis às campanhas de prevenção veiculadas na mídia em geral, o que tem sido um
fator complicador da prevenção da epidemia neste grupo de pessoas.
Através do gráfico acima, verifica-se que em 1987, o número de soropositivos em
decorrência do uso de drogas era de 323 casos registrados, em 1996 atinge seu máximo
com 4.072 casos e chega no ano de 1999 com o registro de 2.284 novos casos. Pode-se
notar uma diminuição nos registros de contaminação por parte deste grupo. Essa
diminuição no número de casos nos últimos anos decorre do Programa de Redução de
Danos, que nada mais é do que a distribuição gratuita de seringas descartáveis, que é
bastante combatida em função da marginalização causada pelas drogas e da resistência da
opinião pública em aceitar programas específicos como este. Alguns grupos moralistas
entendem que a distribuição de seringas descartáveis poderia incentivar o aumento de
consumo de drogas. Numa análise mais estreita, não se sabe como se comportaria a o
consumo de drogas, se haveria aumento ou não. Quanto ao aspecto clínico e social, o uso
de drogas permite que haja a possibilidade do indivíduo em livrar-se do vício, ao contrário
da contaminação pelo HIV, onde não há cura. Pelo aspecto econômico a redução do dano é
função do custo que cada novo UDI soropositivo causaria ao sistema público de saúde. A
Evolução da Epidemia por Exposição Sagüínea
1980 a 1999
010002000300040005000
1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998
Ano
Núm
ero
deIn
fect
ados
TransfusãoHemofílicosUDI
50
incidência de casos de contaminação em UDI acarreta outro grave problema, o da
contaminação por via sexual de seus parceiros. Durante todo o período de análise, isto é, de
1980 a 1999 totalizou-se 36.284 casos registrados de contaminação UDI e um número total
de 17.656 registros de pessoas que foram contaminadas por parceiros que eram UDI,
conforme o gráfico a seguir:
GRÁFICO 7
Fonte: Ministério da Saúde
Distribuição dos Soropositivos UDI e Parceiros UDI - 1980 a 1999
36.284
17.656
Soropositivos UDI
Soropositivos Parceiros de UDI
51
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Numa análise estreita deste trabalho, verifica-se a necessidade da presença do estado para
atender os anseios de melhorias da condição de vida das pessoas, contribuindo para fechar
as lacunas de desigualdades que mercado privado por si só não pode intervir.
É fundamental a assistência contínua do Ministério da Saúde, principalmente na análise
dos novos casos da doença e a análise de como serão implementadas as políticas de
tratamento e de prevenção da doença. Neste sentido, a análise econômica tem a
possibilidade de revelar, dentro de seus conceitos teóricos, como e porquê são realizadas
estas políticas por parte do Estado e não pelo mercado privado, prova disto é o exemplo
que o Programa Nacional de Combate à AIDS é considerado uma das melhores políticas
públicas de saúde em todo o mundo, servindo de referência para os países da África
localizados abaixo do Deserto do Saara, onde a epidemia já matou mais 20 milhões de
pessoas nas últimas duas décadas.
Deve haver maior preocupação quanto ao aumento gastos no atendimento pré-natal,
sabendo que mesmo com custos maiores para o setor público, o reflexo dos benefícios é
muito maior. A necessidade deste melhor acompanhamento reflete no aumento dos casos
da contaminação da AIDS em mulheres e na falta de dados precisos quanto ao número real
de contaminados com o HIV.
Evidencia-se também a discussão sobre ser ou não correta a distribuição gratuita de
seringas aos usuários de drogas injetáveis. Porém, dentro da análise econômica e do bem
estar é bem mais importante a questão da vida do que as discussões sobre a questão de
moral e valores, os números sobre a exposição em UDI representam muito bem este ponto.
Não conhecendo outra forma de diminuir estes casos, principalmente em função da falta de
penetração de outros tipos de prevenção, como o abandono do vício, a única forma viável
de diminuir a incidência de contaminação.
Vê-se no trabalho uma análise dos casos registrados pelo Ministério da Saúde, sendo
fundamental à análise uma extensão, mesmo sem a noção exata para todos os que o vírus
52
HIV contaminou. Assim, é fundamental também a presença de uma instituição que, mesmo
não lucrando financeiramente nada, continue atuando para combater e controlar a epidemia
de AIDS dentro do país.
53
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