Virgulino: o adivinhador de agua

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1613 Inhapí Outubro/2014 Há quem diga que são descendentes de Moisés, talvez pela relação com a água, o deserto, o qual se compara com o nosso semiárido e o povo que vive nesses lugares. Moisés era gago, e muitos desses homens até que não lidam muito bem com as palavras, mas todos, iguais a Moisés apontam perfeitamente o caminho para a água. São os achadores de cacimbas, os achadores de poços, os achadores de água. Na cidade de Inhapí, nome de origem tupi - guarani, Iná=água, Pi=pedra, logo água sobre pedra, na comunidade Pedra Branca, entre pedras e água existe um individuo chamado José Fran- cisco, apesar de no nome trazer um dos santos mais populares que a humanidade já viu, amante do céu, sol, dos animais, das plantas e da água se perguntado por Francisco, ninguém sabe dizer, mas quando perguntado, conhece o Virgulino? Do mais moço ao mais velho, todos dirão por uma só voz: Quem, o marcador de poços? Seus vizinhos dizem “a casa dele é ruim de achar, viu, é longe e cheio de curvas, na casa do Virgulino só vai, quem tem negócio. Ora, falar de um indivíduo que encontra água entre pedras e espinhos, até cem metros, ou mais, pra dentro da terra, que perdeu o olho aos três anos de idade, e deixou os cabelos crescerem desde os dez anos e traz sobre si, o nome de uma das figuras mais lembradas que já andou por essas bandas, que viveu nesse sertão, tendo até seu reinado no cangaço: - Eu vou brincar com você, você não se importa não? - Não. - Por conta do seu olho e do seu cabelo, você parece lampião, só falta um chapéu com três estre- las brilhantes. - Se me der eu uso. Foi o que disse Seu Virgulino, a respeito do apelido dado por um rapaz carioca, pelo qual ele Realização Apoio Sr. Virgulino Virgulino: O adivinhador de água “Eu planto, brigo com as plantas, sem água, brigo com os passarinhos que comem as sementes, mas boto água pra eles. E assim vai.”

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Há quem diga que são descendentes de Moisés, talvez pela relação com a água, o deserto,o qual se compara com o nosso semiárido e o povo que vive nesses lugares. Moisés era gago, e muitos desses homens até que não lidam muito bem com as palavras, mas todos, iguais a Moisés apontam perfeitamente o caminho para a água. São os achadores de cacimbas, os achadores de poços, os achadores de água.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1613Inhapí

Outubro/2014

Há quem diga que são descendentes de Moisés, talvez pela relação com a água, o deserto, o qual se compara com o nosso semiárido e o povo que vive nesses lugares. Moisés era gago, e muitos desses homens até que não lidam muito bem com as palavras, mas todos, iguais a Moisés apontam perfeitamente o caminho para a água. São os achadores de cacimbas, os achadores de poços, os achadores de água. Na cidade de Inhapí, nome de origem tupi - guarani, Iná=água, Pi=pedra, logo água sobre pedra, na comunidade Pedra Branca, entre pedras e água existe um individuo chamado José Fran-cisco, apesar de no nome trazer um dos santos mais populares que a humanidade já viu, amante do céu, sol, dos animais, das plantas e da água se perguntado por Francisco, ninguém sabe dizer, mas quando perguntado, conhece o Virgulino? Do mais moço ao mais velho, todos dirão por uma só voz: Quem, o marcador de poços? Seus vizinhos

dizem “a casa dele é ruim de achar, viu, é longe e cheio de curvas, na casa do Virgulino só vai, quem tem negócio. Ora, falar de um indivíduo que encontra água entre pedras e espinhos, até cem metros, ou mais, pra dentro da terra, que perdeu o olho aos três anos de idade, e deixou os cabelos crescerem desde os dez anos e traz sobre si, o nome de uma das figuras mais lembradas que já andou por essas bandas, que viveu nesse sertão, tendo até seu reinado no cangaço: - Eu vou brincar com você, você não se importa não? - Não. - Por conta do seu olho e do seu cabelo, você parece lampião, só falta um chapéu com três estre-las brilhantes. - Se me der eu uso. Foi o que disse Seu Virgulino, a respeito do apelido dado por um rapaz carioca, pelo qual ele

do céu, sol, dos animais, das plantas e da água se perguntado por Francisco, ninguém sabe dizer, mas quando perguntado, conhece o Virgulino? Do mais moço ao mais velho, todos dirão por uma só voz: Quem, o marcador de poços? Seus vizinhos Realização Apoio

Sr. Virgulino

mesmo orgulha – se de ser conhecido. E quando perguntado, Seu Virgulino, Lam-pião era herói ou bandido? Logo diz: “Lampião não conheci como bandido, pelo que ouvi era herói, mas sabe como é, né? Depois da fama ruim, até a polícia que investigava, fazia o mal feito e sobrava pra ele.” Diante da imagem e do nome de uma das figuras mais conhecidas que já passou por essas bandas, se fazer lembrar não é tarefa das mais fáceis, no entanto, pra quem ver Virgulino, é um homem, magro, de estatura mediana, da pele escura, marcada pelo sol, de um rosto com traços marcantes, barba rala, cabelos longos de andar firme, mas oscilante. Suas vestes ao vento pare-cem uma flâmula, rezador, tocador de pandeiro, ele é de fato, uma figura única. Ele faz lembrar o Conselheiro e o seu grande conselho é: “para encontrar água não deve haver mesquinharia, se alguém não pode pagar eu olho, perde o dom, se for só pelo dinheiro.”

Esse mesmo Virgulino, também é pai, oito filhos ao todo, uns grandes, uns pequenos, uns morando em São Paulo e outros por ali mesmo. Entre os que estão por ali, existe um de nome até

curioso, é o Sofranias, menino sabido, esguio e falador, com seu chapéu de couro e olhos atentos, sempre aparecendo e desaparecendo repentina-mente. A cada aparição do pequeno sujeito, uma surpresa, vezes para fazer um comentário, ou apontar um dos animais do seu quintal, o cama-leão, a seriema, ou pra perguntar: “Você já viu Jesus? Não? Quer ver?” Sumindo e logo ressur-gindo com o pássaro nas mãos, dizendo: “Esse é

um Jesus”. De imediato o libertando, tornando a falar “aqui não tem comida pra ele.” Protagoni-zando uma dos momentos mais bonitos do dia. Dona Maria do Carmo que diz ter conheci-do seu Virgulino quando ele era Mateu de Reisa-do, indagada sobre o nome do filho, diz: “O Virgu-lino foi pra cidade registrar o menino, era pra ser o nome daquele livro, sabe, o livro da Biblia?! Mas quando ele voltou tava Sofranias”. Protamente Seu Virgulino se justifica: “Tenho culpa se a mulé nunca leu a Biblia?” Então o menino que deveria se chamar Sofonias, tem um nome só dele. “Uma vez levei Sofranias na marcação de um poço, aí ele pediu pra marcar, então eu fiz um

teste, fui lá botei três pedrinhas, aí eu disse vai Sofranias! Não é que ele foi em riba da água!”. Virgulino já foi criança e diz lembrar-se claramente dos tios também adivinhadores d’água, quanto a adivinhar água, “já nasci com esse dom”, mas, não foi com os tios com quem desenvolveu a habilidade. “Eu trabalhei com um sujeito, sempre que ele marcava um ponto negati-vo, eu sentia. Aí, ele disse, tá bom, agora você vai marcar, aí eu nesse dia peguei o galho de goiabeira e marquei dois poços, mas com a mão erguida, assim ó, encontrei um ponto. Aí ele disse, de hoje em diante você vai seguir carreira.”

Se olharmos novamente para a Bíblia, desde a criação onde o Espírito de Deus pairava sobre as águas (Genesis 1: 2), do dilúvio ao Nilo, que teve suas águas vertidas em sangue, aos poços que deram nomes a lugares e foram motivos de disputa e esperança, em região tão árida quanto a nossa. “Nesse mesmo dia, vieram os servos de Isaque e, dando-lhe notícia do poço que tinham cavado, lhe disseram: Achamos água. Ao poço, chamou-lhe Seba; por isso, Berseba é o nome daquela cidade até ao dia de hoje”( Gênesis 26:17 a 25,32 e 33). Veremos a importância da água em seus achadores, não para um homem, ou um povo, sim para a humanidade. Como Isaque os poços encontrados por Virgulino proporcionaram a muitas pessoas, a água, que para alguns é bem sagrado, e literalmente representa a vida, para outros um empreendimento e para Virgulino “apenas” um dom a serviço do povo de Deus. Virgulino, está posto lado a lado, aos guarda-dores de sementes, representantes de Noé com sua arca, aqueles que fazem feno, preparando-se para “as vacas magras”, representando sabiamente José do Egito, em visão apocalíptica, porém sem exage-ros. Estes são homens comuns, com missões divinas, prontos a conduzir o povo à reconstrução de um mundo saudável.

Virgulino: O adivinhador de água

Sr. Virgulino

“Eu planto, brigo com as plantas, sem água, brigo com os passarinhos que comem as sementes, mas

boto água pra eles. E assim vai.”

Page 2: Virgulino: o adivinhador de agua

Articulação Semiárido Brasileiro – AlagoasBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Há quem diga que são descendentes de Moisés, talvez pela relação com a água, o deserto, o qual se compara com o nosso semiárido e o povo que vive nesses lugares. Moisés era gago, e muitos desses homens até que não lidam muito bem com as palavras, mas todos, iguais a Moisés apontam perfeitamente o caminho para a água. São os achadores de cacimbas, os achadores de poços, os achadores de água. Na cidade de Inhapí, nome de origem tupi - guarani, Iná=água, Pi=pedra, logo água sobre pedra, na comunidade Pedra Branca, entre pedras e água existe um individuo chamado José Fran-cisco, apesar de no nome trazer um dos santos mais populares que a humanidade já viu, amante do céu, sol, dos animais, das plantas e da água se perguntado por Francisco, ninguém sabe dizer, mas quando perguntado, conhece o Virgulino? Do mais moço ao mais velho, todos dirão por uma só voz: Quem, o marcador de poços? Seus vizinhos

dizem “a casa dele é ruim de achar, viu, é longe e cheio de curvas, na casa do Virgulino só vai, quem tem negócio. Ora, falar de um indivíduo que encontra água entre pedras e espinhos, até cem metros, ou mais, pra dentro da terra, que perdeu o olho aos três anos de idade, e deixou os cabelos crescerem desde os dez anos e traz sobre si, o nome de uma das figuras mais lembradas que já andou por essas bandas, que viveu nesse sertão, tendo até seu reinado no cangaço: - Eu vou brincar com você, você não se importa não? - Não. - Por conta do seu olho e do seu cabelo, você parece lampião, só falta um chapéu com três estre-las brilhantes. - Se me der eu uso. Foi o que disse Seu Virgulino, a respeito do apelido dado por um rapaz carioca, pelo qual ele

mesmo orgulha – se de ser conhecido. E quando perguntado, Seu Virgulino, Lam-pião era herói ou bandido? Logo diz: “Lampião não conheci como bandido, pelo que ouvi era herói, mas sabe como é, né? Depois da fama ruim, até a polícia que investigava, fazia o mal feito e sobrava pra ele.” Diante da imagem e do nome de uma das figuras mais conhecidas que já passou por essas bandas, se fazer lembrar não é tarefa das mais fáceis, no entanto, pra quem ver Virgulino, é um homem, magro, de estatura mediana, da pele escura, marcada pelo sol, de um rosto com traços marcantes, barba rala, cabelos longos de andar firme, mas oscilante. Suas vestes ao vento pare-cem uma flâmula, rezador, tocador de pandeiro, ele é de fato, uma figura única. Ele faz lembrar o Conselheiro e o seu grande conselho é: “para encontrar água não deve haver mesquinharia, se alguém não pode pagar eu olho, perde o dom, se for só pelo dinheiro.”

Esse mesmo Virgulino, também é pai, oito filhos ao todo, uns grandes, uns pequenos, uns morando em São Paulo e outros por ali mesmo. Entre os que estão por ali, existe um de nome até

curioso, é o Sofranias, menino sabido, esguio e falador, com seu chapéu de couro e olhos atentos, sempre aparecendo e desaparecendo repentina-mente. A cada aparição do pequeno sujeito, uma surpresa, vezes para fazer um comentário, ou apontar um dos animais do seu quintal, o cama-leão, a seriema, ou pra perguntar: “Você já viu Jesus? Não? Quer ver?” Sumindo e logo ressur-gindo com o pássaro nas mãos, dizendo: “Esse é

um Jesus”. De imediato o libertando, tornando a falar “aqui não tem comida pra ele.” Protagoni-zando uma dos momentos mais bonitos do dia. Dona Maria do Carmo que diz ter conheci-do seu Virgulino quando ele era Mateu de Reisa-do, indagada sobre o nome do filho, diz: “O Virgu-lino foi pra cidade registrar o menino, era pra ser o nome daquele livro, sabe, o livro da Biblia?! Mas quando ele voltou tava Sofranias”. Protamente Seu Virgulino se justifica: “Tenho culpa se a mulé nunca leu a Biblia?” Então o menino que deveria se chamar Sofonias, tem um nome só dele. “Uma vez levei Sofranias na marcação de um poço, aí ele pediu pra marcar, então eu fiz um

teste, fui lá botei três pedrinhas, aí eu disse vai Sofranias! Não é que ele foi em riba da água!”. Virgulino já foi criança e diz lembrar-se claramente dos tios também adivinhadores d’água, quanto a adivinhar água, “já nasci com esse dom”, mas, não foi com os tios com quem desenvolveu a habilidade. “Eu trabalhei com um sujeito, sempre que ele marcava um ponto negati-vo, eu sentia. Aí, ele disse, tá bom, agora você vai marcar, aí eu nesse dia peguei o galho de goiabeira e marquei dois poços, mas com a mão erguida, assim ó, encontrei um ponto. Aí ele disse, de hoje em diante você vai seguir carreira.”

Se olharmos novamente para a Bíblia, desde a criação onde o Espírito de Deus pairava sobre as águas (Genesis 1: 2), do dilúvio ao Nilo, que teve suas águas vertidas em sangue, aos poços que deram nomes a lugares e foram motivos de disputa e esperança, em região tão árida quanto a nossa. “Nesse mesmo dia, vieram os servos de Isaque e, dando-lhe notícia do poço que tinham cavado, lhe disseram: Achamos água. Ao poço, chamou-lhe Seba; por isso, Berseba é o nome daquela cidade até ao dia de hoje”( Gênesis 26:17 a 25,32 e 33). Veremos a importância da água em seus achadores, não para um homem, ou um povo, sim para a humanidade. Como Isaque os poços encontrados por Virgulino proporcionaram a muitas pessoas, a água, que para alguns é bem sagrado, e literalmente representa a vida, para outros um empreendimento e para Virgulino “apenas” um dom a serviço do povo de Deus. Virgulino, está posto lado a lado, aos guarda-dores de sementes, representantes de Noé com sua arca, aqueles que fazem feno, preparando-se para “as vacas magras”, representando sabiamente José do Egito, em visão apocalíptica, porém sem exage-ros. Estes são homens comuns, com missões divinas, prontos a conduzir o povo à reconstrução de um mundo saudável.

“O cara que não é desse nordeste e quiser se acostumar, venha quando

tiver chovendo, é melhor.”

Se olharmos novamente para a Bíblia, desde a criação onde o Espírito de Deus pairava sobre as Se olharmos novamente para a Bíblia, desde a criação onde o Espírito de Deus pairava sobre as Se olharmos novamente para a Bíblia, desde a criação onde o Espírito de Deus pairava sobre as águas (Genesis 1: 2), do dilúvio ao Nilo, que teve suas águas vertidas em sangue, aos poços que deram Se olharmos novamente para a Bíblia, desde a criação onde o Espírito de Deus pairava sobre as

“O poço que acaba água, eu digo, a tendência é aumentar. Acho com a mão e a fundura com a

varinha.”