Supremo Institucional (2004)

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  • POSSE NA PRESIDNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    Ministro Nelson Azevedo Jobim Presidente

    Ministra Ellen Gracie Northfleet Vice-Presidente

    Braslia - 2004

  • POSSE NA PRESIDNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    Ministro Nelson Azevedo Jobim Presidente

    Ministra Ellen Gracie Northfleet

    Vice-Presidente

    Sesso Solene realizada em 3 de junho de 2004.

    Braslia - 2004

  • Diretoria-Geral Miguel Augusto Fonseca de Campos

    Secretaria de Documentao Altair Maria Damiani Costa

    Coordenadoria de Divulgao de Jurisprudncia Ranuzia Braz dos Santos

    Seo de Editorao Sandra Suely Nogueira

    Seo de Distribuio de Edies Margarida Caetano de Miranda

    Diagramao Jorge Luis Villar Peres

    Capa Juarez da Conceio Oliveira Barreiros

    Catalogao-na-Publicao (CIP) (Supremo Tribunal Federal - Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

    / \ Posse dos Ministros Nelson Azevedo Jobim na Presidncia e Ellen Gracie Northfleet na Vice-Presidncia do Supremo Tribunal Federal : Sesso Solene realizada em 3 de junho de 2004. - Braslia : Supremo Tribunal Federal, 2004. 67 p.

    1. Tribunal Supremo, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

    CDD-341.419104

  • Composio Plenria do Supremo Tribunal Federal

    Da esquerda para a direita, sentados: Ministros Carlos Velloso, Sepulveda Pertence, Nelson Jobim (Presidente), Celso de Mello e Marco Aurlio. Na mesma ordem, de p: Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie (Vice-Presidente), Gilmar Mendes, Carlos Britto e Doutor Cludio Fonteles (Procurador-Geral da Repblica).

  • O Ministro Nelson Jobim assume a Presidncia do Supremo Tribunal Federal.

    A Ministra Ellen Gracie assina o termo de posse na Vice-Presidncia do Supremo Tribunal Federal.

  • O Excelentssimo Senhor Luiz Incio Lula da Silva, Presidente da Repblica, e o Excelentssimo Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal, durante a cerimnia de posse.

    A Ministra Ellen Gracie no momento dos cum-pr imentos pela posse na Vice-Presidncia do Supremo Tribunal Federal.

  • SUMRIO

    Eleio para Presidente e Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal 9

    Sesso solene de posse:

    Palavras do Senhor Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente

    do Supremo Tribunal Federal no exerccio da Presidncia 15

    Discurso do Senhor Ministro Carlos Velloso 21

    Discurso do Doutor Cludio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da Repblica 37 Discurso do Doutor Roberto Antnio Busato, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 43

    Discurso do Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente 55

  • Eleio para Presidente e Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal

  • O Senhor Ministro Nelson Jobim (Vice-Presidente no exerccio da Presidncia) Senhores Ministros, devemos hoje, tendo em vista a aposentadoria compulsria do Ministro Maurcio Corra, dar cumprimento ao artigo 12 do Regimento Interno, que tem a seguinte redao:

    "Art. 12. O Presidente e o Vice-Presidente tm mandato por dois anos, vedada a reeleio para o perodo imediato.

    Io Proceder-se- eleio, por voto secreto, na segunda sesso ordinria do ms anterior ao da expirao do mandato, ou na segunda sesso ordinria imediatamente posterior ocorrncia de vaga por outro motivo. "

    exatamente a hiptese que estamos examinando. Ento, vamos proceder eleio para a Presidncia

    e a Vice-Presidncia do Tribunal.

    Ser o escrutinador o Senhor Ministro Carlos Britto.

    Comunico Casa que se considera, pelo 3o , presente eleio o Ministro, mesmo licenciado, que enviar o seu voto em sobrecarta fechada. O Ministro Joaquim Barbosa deixou o seu voto em sobrecarta fechada, atendendo, portanto, ao 3o do art. 12 do Regimento Interno.

    O Senhor Ministro Carlos Britto (Escrutinador) Ser aberta publicamente pelo Presidente, sem quebra do sigilo.

    (Procede-se votao e contagem dos votos)

  • 12

    O Senhor Ministro Carlos Britto Nove votos para o Ministro Nelson Azevedo Jobim e um voto para a Ministra Ellen Gracie.

    O Senhor Ministro Nelson Jobim (Vice-Presidente no exerccio da Presidncia) Senhores Ministros, em face do resultado anunciado, vejo-me na contingncia de me declarar eleito Presidente do Supremo Tribunal Federal.

    uma tradio da Corte, na continuidade de nosso processo, no sentido de que o mais antigo, que no tenha sido Presidente, seja eleito Presidente.

    Est preservada, portanto, a tradio, que saudvel em Corte dessa natureza, considerando as circunstncias da conti-nuidade, ou seja, a Presidncia do Supremo representa sempre uma continuidade dos servios que foram feitos pelos demais Colegas e uma mera representao administrativa de todos os Senhores.

    Declaro, evidentemente, que no o momento, mas agradeo, desde logo, a confiana que depositaram em mim na manuteno da tradio, ou seja, fiz jus tradio.

    Muito obrigado a todos.

    Vamos proceder, desde logo, eleio para o cargo de Vice-Presidente da Corte. Designo ainda o escrutinador o eminente Ministro Carlos Britto. O Ministro Joaquim Barbosa deixou sobrecarta, com o voto, e o estou colocando na urna.

    O Senhor Ministro Carlos Britto (Escrutinador) Senhor Presidente, farei a contagem do nmero de cdulas. Por igual, dez cdulas. E agora farei a abertura de cada uma. Nove votos para a Ministra Ellen Gracie e um voto para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

    O Senhor Ministro Nelson Jobim (Vice-Presidente no exerccio da Presidncia) Proclamo eleita para Vice-Presidente, para o binio 2004/2006, a Ministra Ellen Gracie.

    A Senhora Ministra Ellen Gracie Senhor Presi-dente, apenas para manifestar aos Colegas o agradecimento pela confiana em mim depositada e a Vossa Excelncia que estarei disposio para auxil i-lo no que se fizer necessrio adminis-trao.

  • 13

    O Senhor Ministro Nelson Jobim (Vice-Presidente no exerccio da Presidncia) Comunico aos Senhores Ministros que, tendo em vista o resultado da eleio de hoje, fica designado o dia trs de junho, s dezesseis horas, para a cerimnia de posse do Presidente e da Vice-Presidente.

    Sesso de 19 de maio de 2004.

  • Palavras do Senhor Ministro NELSON JOBIM, Vice-Presidente do

    Supremo Tribunal Federal no exercido da Presidncia

  • O Senhor Ministro Nelson Jobim (Vice-Presidente no exerccio da Presidncia) Na qualidade de Vice-Presidente no exerccio da Presidncia, declaro aberta a Sesso Solene destinada posse dos novos Presidente e Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.

    Suspendo a Sesso para, jun tamente com Sua Excelncia o Procurador-Geral da Repblica, recepcionar o Excelentssimo Senhor Presidente da Repblica.

    Minhas Senhoras e meus Senhores, com a permisso do Chefe da Nao, antes de reabrir a Sesso, ouviremos uma fantasia executada pelo violonista gacho Yamand Costa.

    (Execuo do Hino Nacional)

    O Senhor Ministro Nelson Jobim (Vice-Presidente no exerccio da Presidncia) Reinicio a Sesso e convido o decano da Corte, o Excelentssimo Senhor Ministro Seplveda Pertence, para presidir a posse do novo Presidente.

    O Senhor Ministro Seplveda Pertence Convido o Excelentssimo Senhor Ministro Nelson Jobim a prestar o compro-misso de posse na Presidncia do Supremo Tribunal Federal, binio 2004-2006.

    O Senhor Ministro Nelson Jobim Prometo bem e fielmente cumprir os deveres do cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal, de conformidade com a Constituio e as leis da Repblica.

  • 18

    O Senhor Ministro Seplveda Pertence Solicito ao Senhor Diretor-Geral que proceda leitura do Termo de Posse.

    O Doutor Miguel Augusto Fonseca de Campos (Diretor-Geral ) Termo de Posse do Excelentssimo Senhor Ministro Nelson Azevedo Jobim no cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal.

    Aos trs dias do ms de junho do ano de dois mil e quatro, perante os senhores Membros do Supremo Tribunal Federal reunidos em Sesso Solene, presente o Senhor Procurador-Geral da Repblica, tomou posse o Excelentssimo Senhor Ministro Nelson Azevedo Jobim no cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal, para o qual foi eleito, em Sesso de dezenove de maio de dois mil e quatro, para o binio dois mil e quatro a dois mil e seis, e entrou em exerccio aps prestar o compromisso regimental de bem e fielmente cumprir os deveres do cargo, nos termos da Constituio e das leis da Repblica. E, para constar, lavrou-se este termo, que vai assinado pelo empossado, pelos demais Membros da Corte, pelo Procurador-Geral da Repblica e por mim, Miguel Augusto Fonseca de Campos, Diretor-Geral da Secretaria.

    O Senhor Ministro Seplveda Pertence Tenho a honra de declarar empossado na Presidncia deste Tribunal o Excelentssimo Senhor Ministro Nelson Jobim, que reassume a Presidncia da Sesso.

    O Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente) Convido a Excelentssima Senhora Ministra Ellen Gracie a prestar o compromisso de posse na Vice-Presidncia do Supremo Tribunal Federal.

    A Senhora Ministra Ellen Gracie Prometo bem e fielmente cumprir os deveres do cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, de conformidade com a Constituio e as leis da Repblica.

    O Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente) Solicito ao Senhor Diretor-Geral que leia o Termo de Posse.

    O Doutor Miguel Augusto Fonseca de Campos (Diretor-Geral) Termo de Posse da Excelentssima Senhora Ministra Ellen Gracie Northfleet no cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.

  • 19

    Aos trs dias do ms de junho do ano de dois mil e quatro, perante os senhores Membros do Supremo Tribunal Federal reunidos em Sesso Solene, presente o Senhor Procurador-Geral da Repblica, tomou posse a Excelentssima Senhora Ministra Ellen Gracie Northf leet no cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal, para o qual foi eleita, em Sesso de dezenove de maio de dois mil e quatro, para o binio dois mil e quatro a dois mil e seis, e entrou em exerccio aps prestar o compromisso regi-mental de bem e fielmente cumprir os deveres do cargo, nos termos da Constituio e das leis da Repblica. E, para constar, lavrou-se este termo, que vai assinado pelo Presidente, pela empossada, pelos demais Membros da Corte, pelo Procurador-Geral da Repblica e por mim, Miguel Augusto Fonseca de Campos, Diretor-Geral da Secretaria.

    O Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente) Declaro empossada no cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal a eminente Ministra Ellen Gracie.

    Para falar em nome da Corte, concedo a palavra ao eminente Ministro Carlos Velloso.

  • Discurso do Senhor Ministro CARLOS VELLOSO

  • O Senhor Ministro Carlos Velloso Excelentssimo Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Excelentssimo Senhor Luiz Incio Lula da Silva, operrio que chegou Presidncia da Repblica e que tem exercido a Presidncia com viso de estadista; Excelentssimo Senhor Senador Jos Sarney, Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional; Excelentssimo Senhor Presidente da Cmara dos Deputados, Deputado Joo Paulo Cunha; Excelentssimo Senhor Vice-Presidente da Repblica, Doutor Jos Alencar da Silva; Senhores Presidentes dos Tribunais Superiores; Senhor Procurador-Geral da Repblica; Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal de hoje e de ontem; Senhor Ministro da Justia e demais Ministros de Estado; Senhores Ministros dos Tribunais Superiores; Senhor Ministro do Tribunal de Contas da Unio; Senhor Presidente do Tribunal de Contas da Unio; Senhores Governadores de Estados e do Distrito Federal e demais Autoridades Estaduais, Distritais e Municipais; Senhor Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Senhores Advogados; Senhores Presidentes dos Partidos Polticos e Lderes Partidrios no Congresso Nacional; Senhora Defensora Pblica-Geral da Unio; Senhor Presidente do Instituto dos Advogados do Brasil; Senhor Presidente do Colgio Permanente dos Presidentes dos Tribunais de Justia dos Estados; Senhores Presidentes das Associaes Nacionais dos Magistrados e demais Representantes das Entidades de Classe da Magistratura; Senhor Presidente da Associao Nacional do Ministrio Pblico Federal e demais Representantes das Entidades de Classe do Ministrio Pblico; Autoridades Civis; Autoridades Eclesisticas; Autoridades Militares; Senhores Representantes da Sociedade Civil; Senhores Representantes de Associaes de Classes; Senhores Servidores do Supremo Tribunal Federal; minhas Senhoras; meus Senhores.

  • 24

    Rene-se o Supremo Tribunal Federal, solenemente, para o fim de empossar o Ministro Nelson Azevedo Jobim e a Ministra Ellen Gracie Northf leet , elei tos, pelos seus Pares, Presidente e Vice-Presidente da Corte. A solenidade, austera e simples, como convm Repblica, nem por isso, anotou o Ministro Octavio Gallotti em discurso aqui proferido, "dispensa o fervor que emana do ntimo dos seus Juizes" pelos Colegas que assumem a direo da Casa.

    Nelson Jobim torna-se, a partir desta data, o qin-quagsimo Presidente do Supremo Tribunal Federal, considerado este desde a sua instituio, no Imprio, em 1829, e o trigsimo nono Presidente do Supremo Tribunal republicano. Sucede ao Ministro Maurcio Corra, aposentado por implemento de idade. O Ministro Maurcio Corra credor do nosso agradecimento. Sua Excelncia exerceu, com honra e lustre, a Presidncia do Supremo Tribunal Federal e, certamente, no vai ensarilhar as armas, porque h muito que fazer pelo Pas. Diplomado pela Faculdade de Direito da UFMG, que os mineiros chamamos, carinhosamente, de Casa de Afonso Penna, Maurcio Corra cedo veio para Braslia e aqui plantou razes. Dele disse o Ministro Seplveda Pertence que Maurcio Corra chegou Presidncia desta Casa "ungido pelo reconhecimento geral de suas qualidades de Juiz exemplar, incansavelmente dedicado com inteligncia, equilbrio e dis-crio faina irracional em que a falncia do nosso modelo judicirio transformou a rotina dos juizes deste e de outros tantos tribunais do Pas".

    O mineiro Maurcio Corra sucedido pelo gacho Nelson Jobim, filho de Santa Maria, "que os antigos diziam 'da Boca do Monte', por ser ao sop e na entrada da Serra", cerca de setenta quilmetros da Fazenda da Reserva, onde nasceu Jlio de Castilhos1.

    No sei se a lembrana da proximidade de Santa Maria com a terra de nascimento de Jlio de Castilhos significativa para o gacho Jobim, que parece ser mais Gaspar Silveira Martins do que Jlio de Castilhos, mais federalista, mais dos maragatos do que dos pica-paus.

    1 FRANCO, Srgio da Costa. Jlio de Castilhos e sua poca. Ed. Globo, 1967

    p.3.

  • 25

    Filho do advogado Hlvio Jobim e de Dona Namy Azevedo Jobim, bacharelou-se em Direito, em 1968, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Aprendeu a advogar, o que afirma com orgulho, com o seu pai, ainda hoje advogado militante, com quem exerceu a advocacia em Santa Maria e em Porto Alegre. Foi Presidente da Subseco da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Maria e Vice-Presidente do Conselho Seccional da OAB do Rio Grande do Sul, Membro do Instituto dos Advogados gachos e do Instituto dos Advogados do Brasil. No magistrio superior, foi Professor da Escola Superior da Magistratura, da Associao dos Juizes do Rio Grande do Sul AJURIS , Professor da Escola Superior do Ministrio Pblico do Rio Grande do Sul e Professor-Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Professor-Adjunto da Universidade de Braslia, UnB, cadeira de Direito Const i tuc ional , nos cursos de graduao e ps-graduao. Deputado Federal nas legislaturas 1987-1991 e 1991-1995, teve atuao relevante na Assemblia Nacional Constituinte. Foi Rela-tor Substituto do Regimento Interno da Assemblia, membro da Comisso de Sistematizao e seu Relator-Adjunto e lder do PMDB na Assemblia Nacional Constituinte. Ocupou, ainda, nas legisla-turas 1987-1991 e 1991-1995, outros importantes cargos no Legislativo Federal. Sua participao na Assemblia Nacional Constituinte foi destacada, em 1988, pelo Presidente Ulysses Guimares, que, depois de afirmar que Jobim " um dos meus melhores e mais assduos conselheiros", acrescentou:

    "Nelson Jobim foi a grande revelao da Assemblia Nacional Constituinte. Em poucos meses granjeou o respeito e a admirao de seus Pares. Seu nome ganhou latitude nacional.

    Sua slida cultura, sua persuasiva dialtica, sua palavra impregnada de saber e dignidade, estes e outros ttulos tornam Nelson Jobim presena obrigatria nas decises do PMDB e da Assemblia Nacional Constituinte.

    Sou-lhe muito grato e seu admirador. Seus pareceres e sua fenomenal capacidade de trabalho lograram consagrados espaos nos Anais de nossas atividades.

    Suas contribuies, ora publicadas, do a dimenso de seu talento.

  • 26

    Nelson J obi m veio para ficar. Jovem, durante muito tempo se ocupar da poltica e a poltica falar dele, no desempenho de cargos e funes cada vez mais destacados, no seu Rio Grande do Sul e no Pas.

    fcil ser profeta, quando o personagem se chama Nelson Jobim. "

    Ministro de Estado da Justia do Governo Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 1997, emprestou grande prestgio quele Ministrio. No seu discurso de posse, ressaltou - o que uma caracterstica de sua personalidade - que se investia no cargo para "servir ao cidado e receber ordens da Nao. Para servir e no para mandar".

    Seu av, Walter Jobim, governou o Rio Grande do Sul de 1947 a 1951. A sua administrao foi marcada por iniciativas em prol do desenvolvimento econmico do Estado, com destaque para o Plano de Eletrificao Estadual.

    No Supremo Tribunal Federal - aqui chegou em abril de 1997 , o Poltico de escol, o acatado Advogado e Professor de renome revelou-se grande Juiz. Seus votos ficaro na histria da Corte e daro a conhecer Nao a sua magistratura exemplar.

    Millr Fernandes, que nos faz rir falando de coisas srias, tem uma frase antolgica: "De onde no se espera que no vem mesmo". Mas de Jobim era mesmo de se esperar o sucesso, bem disse Ulysses Guimares, ele que de um Estado extrema-mente politizado e onde eminentes homens pblicos dominaram o cenrio poltico, fazendo poltica na paz, se possvel, e pelas armas, comumente. Foram trs as revolues gachas.

    Vale buscar, nas dobras do tempo, um pouco da poltica dos pampas e de suas revolues, os olhos dos gachos sempre postos na grandeza de sua terra e, de regra, no pescoo do adversrio.

    Carlos Reverbel, em Maragatos e Pica-Paus Guerra Civil e Degola no Rio Grande do Sul2, conta que "Alfredo Jacques, escritor de marcante singularidade na bibliografia do regionalismo

    2 REVERBEL, Carlos. Maragatos e Pica-Paus - Guerra Civile Degola no Rio Grande do

    Sul. Porto Alegre: LPM Editores, 1985. p. 52.

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    rio-grandense, registra duas maneiras do degolamento: 'Degolar no era to fcil como parecia. Requeria cincia. O gacho velho explicava mincias, ensinava processos e conclua: Hay dos maneras de degollar un cristiano, a Ia brasileira (dois talhinhos seccionando as cartidas), ou a Ia criola (de orelha a orelha)'."

    Saudando, no antigo Tribunal Federal de Recursos, em 25-6-1979, o Ministro Nri da Silveira, outro gacho digno de louvor e que, depois, honrou e dignificou o Supremo Tribunal, saudando-o, quando de sua posse na Presidncia daquela Casa, afirmei que nas Minas e nos Gerais, de onde venho, damos grande valor terra onde nascemos e nos criamos: a terra, a mesologia, determinante da formao do carter, e o homem tem muito do ambiente em que viveu. Por isso, acrescentei, invocando Pablo Neruda, que falar do homem falar de sua terra:

    "Perdo se quando quero Contar minha vida terra o que conto. Esta a terra. Cresce em teu sangue E cresces Se se apaga em teu sangue Te apagas. "

    Durou dez anos a Revoluo Farroupilha 1835-1845. Surgiu ela do desentendimento da primeira Assemblia Legislativa da Provncia de So Pedro do Rio Grande do Sul, em junho de 1835, com o Presidente da Provncia, este longa manus do poder central. A Assemblia, que tinha em seu seio Bento Gonalves, Domingos Jos de Almeida, Jos Mariano de Matos, Jos de Paiva Magalhes Calvet, Oliverio Jos Ortiz, S Brito e outros venerveis gachos, era presidida pelo mineiro Marciano Pereira Ribeiro, que se formara em medicina na Inglaterra e que se tornara gacho de corao. Como bom mineiro, gostava de poltica e, sem alarde, de fazer revoluo. A Cmara Municipal de Jaguaro, em 1836, elegeu Bento Gonalves Presidente da Repblica Rio-Grandense, o mesmo fazendo a Cmara de Piratini. Em Alegrete, de 1842 a 1843, a Assemblia Constituinte da Repblica Rio-Grandense sacramentou a Repblica gacha3.

    3 LAYTANO, Dante de. Histria da Repblica Rio-Grandense. 2? ed. Porto Alegre,

    RS: Sulina, 1983. pp. 17 e ss.

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    Mas a Revoluo Farroupilha no tinha carter sepa-ratista. Ela se fez, na verdade, contra a Monarquia, porque ela foi, sobretudo, republicana. Separatista, sim, em termos romnticos, segundo Alcides Maya, que integrou a Academia Brasileira de Letras, a Revoluo Farroupilha foi, entretanto, marcada, ontologicamente, pelo sent imento de brasilidade. O General Souza Netto, que proclamou a Repblica Rio-Grandense, "no s foi um heri da Guerra do Paraguai, mas duas outras vezes sua vocao naciona-lista foi despertada espontaneamente e com os arrebatamentos normais (...) Uma vez na derrubada de Rosas, na Argentina (1851-1852), quando Netto foi elevado a Brigadeiro Honorrio do Imperial Exrcito Brasileiro pelos servios prestados Ptria comum e outra quando interveio no Uruguai equipando sua custa uma Brigada de Voluntrios Rio-Grandenses, em 1864, como representante dos brasileiros domiciliados em territrio uruguaio"*.

    O certo que os brasileiros, na segunda metade do sculo XVII I , o Sculo das Luzes, sensibilizaram-se pelos ideais de liberdade da Revoluo da Independncia Americana, de 1776, e da Revoluo Francesa, de 1789. A Inconfidncia Mineira, do mesmo ano da Revoluo Francesa, 1789, o marco inicial de tudo. A Conjurao Baiana, ocorrida cerca de dez anos depois, em 1798, vai na linha do iderio dos inconfidentes mineiros, expressando o pensamento poltico dos brasileiros. A Revoluo Pernambucana, de 1817, impulsionada pelo desejo de independncia, foi marcada-mente republicana e espalhou-se por quase todas as Capitanias do Nordeste. Veio a independncia, mas com ela no veio a repblica nem a federao. A Confederao do Equador, surgida no Recife, em 1824, se inspirou nas idias republicanas do sacerdote carmelita Frei Caneca. Certo que os brasileiros queriam mais do que a independncia. A idia de Constituio, com os seus consectrios, idia de liberdade, de limitao do poder e de princpios republicanos, fez a inteligncia brasileira militante dos ideais dos revolucionrios norte-americano e francs, opondo estado federal a estado unitrio, repblica monarquia.

    O movimento dos farrapos contra o Presidente da Provncia, que resultou na Repblica Rio-Grandense, estava imbudo do sentimento cvico-poltico que tinha subjacentes as idias

    4 LAYTANO, Dante de. Ob. cit., p. 26

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    federalista e republicana. Foi assim no Par, com a Cabanagem, 1835-1840, a Sabinada na Bahia, que teve a participao ideolgica de Bento Gonalves, 1837-1838, e a Balaiada no Maranho, 1838-1841.

    Minas e So Paulo no ficaram alheios ao movimento. A Revoluo Liberal de Minas e de So Paulo, de 1842, teve intensa repercusso, liderados os liberais mineiros por Tefilo Otoni, o "Ministro do Povo", e os paulistas pelo Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que acabou pedindo asilo poltico ao Rio Grande do Sul.

    Caxias, militar e estadista, poltico no sentido prprio do termo, ps fim a esses movimentos republicanos e federalistas. No que concerne Revoluo Farroupilha, Caxias reconheceu, expressamente, o seu cunho nacionalista, informa Dante de Laytano5.

    Em termos de revoluo, entretanto, o Rio Grande no parou por a. Republicano, positivista, Jlio de Castilhos, menos um terico da poltica e muito mais um poltico, insti tuiu, no Rio Grande, o castilhismo, que Ricardo Vlez Rodrigues divulgou no seu Castilhismo: Uma Filosofia da Repblica6. Jlio de Castilhos assumiu a Presidncia do Estado em 15 de julho de 1891 e logo depois foi forado a deix-la, em dezembro do mesmo ano. Suas idias polticas foram seguidas por Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e Getlio Vargas, e seus maiores opositores foram os liberais Gaspar da Silveira Martins e Joaquim Francisco de Assis Brasil.

    De um lado, Jlio de Castilhos e seus seguidores; de outro, Gaspar da Silveira Martins e os velhos liberais, que criaram, em Bag, o Partido Federalista.

    Apoiados por Floriano Peixoto, os castilhistas reto-mam o poder, Borges de Medeiros o sucessor de Jlio de Castilhos. Ramiro Barcelos busco em Ricardo Vlez Rodrigues a infor-mao , "na stira Antnio Chimango, que escreveu contra

    5 LAYTANO, Dante de. Ob. cit., p. 33.

    6 RODRIGUES, Ricardo Vlez. Castilhismo: uma Filosofia da Repblica. Coleo Brasil

    500 anos, Senado Federal, Braslia, DF: 2000.

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    Borges, em 1915, pe em boca do Coronel Prates (Castilhos) as razes que o levaram a escolher Borges de Medeiros para a Presidncia do Estado:

    Toda a minha gente boa Pra parar bem um rodeio, Boa e fiel, j Io creio; Mas eu procuro um mansinho Que no levante o focinho Quando eu for meter-lhe o freio."7

    Justia se faa: tanto Castilhos como Borges marcaram os seus governos e as suas vidas pela modstia, pela honestidade, pela austeridade e pela preocupao com a coisa pblica, com a res publica.

    A Revoluo Federalista, que eclodiu em 5 de feve-reiro de 1893, findou a 23 de agosto de 1895 com a derrota das foras federalistas comandadas pelo Almirante Saldanha da Gama8.

    Muitos foram os degolados, de um lado e de outro, divididos os gachos em maragatos e pica-paus.

    Mas as guerras gachas continuaram. A revoluo de 1923 ops, novamente, maragatos a pica-paus no governo Borges de Medeiros, o "Antnio Chimango". Em 1924, Flores da Cunha, legalista no combate da Ponte Ibirapuit, aprisiona o comandante federalista Honrio Lemes. Mas, em 1930, monitorado por Getlio Vargas, "marchar lado a lado com os maragatos para o Rio de Janeiro"9.

    A Revoluo de 1923 "foi a ltima guerra gacha, fechando a trindade que se iniciara em 1835 e continuara em 1893", esclarece Antnio Augusto Fagundes10.

    7 RODRIGUES, Ricardo Vlez. Ob. cit., p. 80.

    8 REVERBEL, Carlos. Ob. cit., p. 75.

    9 FAGUNDES, Antnio Augusto. O Combate da Ponte Ibirapuit. Porto Alegre: Martins

    Livreiro Editor, 2003. p. 71. 10

    FAGUNDES, Antnio Augusto. Ob. cit., p. 72.

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    A est, senhoras e senhores, a vo de pssaro, um pouco da histria dos bravos gachos. E o fiz para falar do homem, j que falar do homem falar de sua terra. dessa terra de homens valentes que vem o nosso Presidente, Ministro Nelson Jobim, filho de Santa Maria "da Boca do Monte". Guimares Rosa, que se tivesse escrito na lngua inglesa seria o escritor mais lido do mundo, afirmou que Minas so muitas. Mas o Rio Grande do Sul eu no diria que so muitos, so pelo menos dois, segundo Srgio da Costa Franco, que escreveu Jlio de Castilhos e sua poca11. Registra esse autor que, "entre a metade norte do Rio Grande do Sul e a poro me-ridional do Estado, h diferenas muito sensveis. No s nos domnios da Geografia e da Geologia, como no campo da formao histrica. Enquanto a metade sul, plana, de raro recortada por modestas serranias que no atalhavam o passo aos pioneiros, ofereceu em seguida aos colonizadores a seduo de suas Campinas limpas, o setor setentrional logo conhecido popularmente como a 'Serra' opunha aos caminhos do expansionismo um colar de florestas fechadas e de montes penhascosos, apenas atravessados por um ou outro curso d'gua acidentado e impetuoso"12.

    Bem por isso, a "Campanha" "povoou-se cedo", e na "Campanha" que o Rio Grande nasceu de acampamentos militares, acampamentos que se fixavam na parte meridional do Estado a fim de combater o castelhano invasor. "Atrs dos regimentos vinham as carretas dos comerciantes e contrabandistas, e, pouco depois, as cartas de sesmaria, concedendo reas de campo aos oficiais das guarnies", acrescenta Srgio da Costa Franco. Na "Serra", entretanto, a situao era diferente. O povoamento se fez vagarosamente. "As Misses Jesutas da regio do alto Uruguai, (...) desde a expulso dos padres, em 1756, dormiam arruinadas." A "Serra", "mais acessvel a partir do norte", recebia os bandeirantes, que "fundaram fazendas e pousos de tropa nos planaltos de Vacaria, de Passo Fundo e Cruz Alta". Esse povoamento no inclua militares, ali no havia coronis, e "o processo de acumulao do capital foi mais vagaroso e menos ntida a diviso da sociedade em classes". Formou-se, na parte setentrional do Rio Grande, em conseqncia, "uma sociedade de feio incomparavel-mente mais democrtica que a da Campanha meridional", informa

    11 FRANCO, Srgio da Costa. Ob. cit,

    12 Idem, ibidem, p. 1.

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    Costa Franco13. De ilustres gauchos ouvi que a gente do Rio Grande setentrional, da gente das Misses e da Serra, diferencia-se, em termos psicolgicos considerada a psicologia como a cincia dos fenmenos psquicos e do comportamento , da gente do Rio Grande meridional. Os gachos do norte no so, de regra, extremados, so mais do meio termo, sabem agir com astcia na poltica, so articuladores, assemelham-se aos mineiros, o que bom. Milton Campos, de quem fui discpulo, escreveu que "o meio termo a barca salvadora que evita os naufrgios, e o que lhe falta em beleza, em mpeto e em espetculo se compensa pelo que nos oferece de estvel, de repousante e de humano". Aristteles, alis, na Poltica, "proclamava o louvor do meio termo como aspirao da ordem social". Importante alcanar o equilbrio, e "pelo esprito" que "os homens se harmonizam no tempo. S lhes resta, pela sabedoria da ordem poltica, encontrar no espao a harmonia que os congregue para a convivncia pacfica e feliz"1A.

    O Ministro Nelson Jobim sabe conversar e articular, e a sua dialtica persuasiva persuasiva porque assentada na dignidade de propsitos objetiva alcanar o equilbrio e a har-monia. Mas Sua Excelncia, intimorato, sabe, tambm e como sabe , ser valente, duro no trato, se percebe comportamento falseta.

    Essas virtudes do Presidente Jobim sero teis ao Judicirio brasileiro, que reclama reforma a fim de eliminar o verdadeiro problema da Justia, que a demora na prestao jurisdicional. Se no forem adotadas medidas que tornem a Justia mais gil, mais clere, mais acessvel e mais prxima do povo, a sociedade perder, mais uma vez, o "bonde da histria". E se o problema est na lentido da prestao jurisdicional, propugnar pela adoo de mecanismo de controle administrativo da Justia, mediante, por exemplo, o tal controle externo, significa dizer que especiosa a medida. No h dvida que a Justia necessita de um conselho superior que supervisione a sua administrao, que efetive controle de qualidade da magistratura e dos servios da Justia. Isso inquestionvel, e no de hoje que pelejamos por ele. Mas efetivado por magistrados, pois os magistrados, como os

    13 Idem, ibidem, pp. 1-2.

    14 CAMPOS, Milton. Testemunhos e Ensinamentos. Textos coligidos por Antnio Gontijo

    de Carvalho. Coleo Documentos Brasileiros. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympio Editora, 1972. Vol. 154. p. 7 1 .

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    parlamentares, sabem administrar as suas casas. Certo , vale repetir, que no seria esse controle que resolveria, prontamente, o problema maior da Justia brasileira, que a lentido na prestao jurisdicional.

    O Ministro Nelson Jobim, gacho de Santa Maria, que fica justamente na divisa entre o Rio Grande setentrional e o Rio Grande meridional, com as virtudes, pois, da gente de ambas essas bandas, conduzir, com sabedoria os juizes brasileiros tm certeza , a reforma do Judicirio, ainda mais se considerarmos que o Ministro Jobim um Juiz que sustenta que a funo jur isdi-cional deve ser funo de resultados, atento o magistrado para as conseqncias da deciso, sempre com vistas ao interesse pblico.

    fcil antever, Ministro Nelson Jobim, que os seus trabalhos sero intensos e extensos. Vossa Excelncia, entretanto, ter a preciosa colaborao da Ministra Ellen Gracie, Vice-Presidente.

    Ellen Gracie nasceu no Rio de Janeiro, viveu um pequeno perodo de sua pr-adolescncia na cidade de Varginha, no Sul de Minas, mas toda a sua formao gacha. Foi no Rio Grande que fez os seus primeiros estudos, foi l que se diplomou em Cincias Jurdicas e Sociais, em 1970, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi na mesma Universidade que concluiu a sua ps-graduao em Antropologia Social, em 1982.

    Ellen Gracie exerceu a advocacia e integrou o Conselho Seccional da OAB/RS, tendo sido fundadora da Escola Superior da Advocacia daquela Seccional, da qual foi Diretora, tendo sido Vice-Presidente do Ins t i tu to dos Advogados gachos. Procuradora da Repblica, cargo que obteve, em 1973, mediante concurso pblico de provas e ttulos, passou a integrar, a partir de 1988, o Tribunal Regional Federal da 4 Regio (Porto Alegre, RS) em vaga destinada ao quinto constitucional do Ministrio Pblico Federal, tendo exercido os cargos de Vice-Presidente e Presidente daquela Corte. Professora de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a Ministra Ellen Gracie, que foi bolsista da Fundao Fullbright, freqenta, habitualmente, a Suprema Corte norte-americana, onde muito acatada. Jurista que no sabe somente o Direito, Ellen tem trabalhos na rea da Sociologia, da Histria e da Antropologia. Lembro-me do dilogo que mantive com o Presidente Fernando Henrique Cardoso num almoo que

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    tivemos no Alvorada, presente a sua esposa, a Professora Ruth Cardoso, quando ocupava eu a Presidncia do Supremo Tribunal. Indagado pelo Presidente a respeito da Juza Ellen Gracie, tive a oportunidade de dizer-lhe que ela, que sabe o Direito e que sabe mais do que o Direito, uma Jurista que tem a viso do mundo, o que muito importante para o Ministro do Supremo Tribunal.

    Ministra do Supremo Tribunal Federal a partir de 14 de dezembro de 2000, tive a honra e o prazer de, na Presidncia desta Casa, dar-lhe posse. Aqui, Ellen tem-se revelado notvel Juza. Sem perder a doura, sem perder a suavidade dos gestos e da palavra, Ellen, mulher de princpios, no cede jamais s tentaes do aplauso fcil.

    A ascenso da mulher na vida pblica ocorreu nas ltimas dcadas. Em 1932, ganhou a mulher brasileira o direito de voto. Menos de sessenta anos depois, uma mulher assume, pela primeira vez, a cadeira na Corte Suprema brasileira. Esta mulher, Ellen Gracie, agora eleita, pelos seus Pares, Vice-Presidente da Corte Suprema. Daqui a dois anos, Ministra Ellen Gracie, Vossa Excelncia suceder, na Presidncia, o Ministro Jobim. No estarei mais nesta bancada, o que lamento profundamente. Terei imple-mentado, meses antes, a idade limite para permanecer no servio ativo do Tribunal. Estarei, entretanto, naquelas primeiras cadeiras, aplaudindo a ascenso da primeira mulher brasileira a assumir a Presidncia do Supremo Tribunal Federal.

    Queremos saudar, Ministro Jobim, a sua esposa, a Procuradora Adrienne Senna Jobim, alta servidora da ONU. Adrienne, sua doce companheira, mineira, filha de um querido amigo, o Advogado Raul Bernardo Nelson de Senna, que foi, em Minas, Secretrio de Estado, Deputado Federal e que ajudou o seu tio, Israel Pinheiro, a construir Braslia. O lado materno de Adrienne tambm ilustre. Descende ela dos Gianetti.

    Saudmos, Ministra Ellen Gracie, os seus pais, o Senhor Jos Barros Northfleet e a Senhora Helena Northfleet e bem assim a sua filha, Clara Northfleet Palmeira da Fontoura.

    Com essas palavras, Ministro Nelson Jobim e Ministra Ellen Gracie, manifestamos a Vossas Excelncias o nosso jbilo por t-los na direo da nossa Casa. A nossa solidariedade ser constante, pois estamos certos de que, com Vossas Excelncias,

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    ser crescente o prestgio desta Corte. E para Vossa Excelncia, Ministro Jobim, gacho com as virtudes das bandas do norte e do sul do Rio Grande, que sabe persuadir conversando, mas que no entrevero sabe ser valente, dedico a frase de fina filosofia do serto de minha Minas, que Guimares Rosa ps na boca do jaguno Riobaldo: "... quem mesmo inteirado valente, no corao, esse tambm no pode deixar de ser bom". Isso Vossa Excelncia, Presidente Nelson Jobim.

    Muito obrigado.

  • Discurso do Doutor CLUDIO LEMOS FONTELES,

    Procurador-Geral da Repblica

  • O Doutor Cludio Lemos Fonteles (Procurador-Geral da Repblica) Autoridades presentes; Senhora e Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal; estimadas e estimados Colegas do Ministrio Pblico; Senhoras e Senhores Magistrados; Senhoras e Senhores Advogados; Senhoras e Senhores; Senhor Ministro Nelson Jobim.

    Alceu de Amoroso Lima em carta dirigida a sua filha Maria Teresa, que optou pela vida religiosa e se tornou madre, carta recolhida na belssima publicao Cartas do pai, Alceu assim disse a sua filha do sentimento que lhe trazia o mar:

    "Esse gosto de aventura, essa seduo do mar que me acompanha a vida inteira e onde vejo quem sabe a imagem da proporo e da liberdade que me acompanham sempre. Da proporo porque o mar afinal sempre contido entre as margens, e suas ondas mesmo quando se enfurecem acabam sempre se acalmando, e a plancie ocenica um movimento contnuo que d a iluso da imobi l idade, de uma imensa safira parada e brilhando ao sol do dia ou a amica silentia lunae. E tambm a imagem da liberdade, dos horizontes largos da aventura, das terras desconhecidas, das outras flores, dos outros homens, das muitas lnguas, desse amor pelo des-conhecido que os nossos avs lusitanos nos trans-mitiram."

    2. Ambos estamos, Ministro Nelson Jobim, em posi-o de liderana. Eu j h algum tempo. Vossa Excelncia a partir de hoje.

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    3. Ofereo-lhe, ento, e a todos os que lideram, para reflexo, essa passagem lida do filsofo-poeta.

    4. Creio, firmemente vlido, que atributos da verda-deira liderana radicam mesmo na liberdade e na proporo.

    5. Liberdade para construir, ir adiante, mover-se ao fim que lhe justo. Jamais se ocultar, submergir, se fazer omisso. Conhecemos o mar por suas ondas, no pelo que est submerso.

    6. Proporo por deixar falar, saber ouvir e, ento, manifestar-se conclusivamente para o momento, todavia sem petrificar a deciso assumida como se verdade absoluta, to ao gosto dos ditadores de todas as vestimentas, dos prncipes inflados de vaidade.

    7. Sbia a advertncia do filsofo-poeta no seu livro O Existencialismo:

    "A uniformidade a caricatura da unidade. Tendo o mundo moderno perdido a sua unidade substancial, procura por todos os meios restabelec-la.

    A unidade, porm, o equilbrio entre as diversidades. A uniformidade, ao contrrio, a supresso dessas diversidades. Tendo perdido o sentimento do equil-brio, da harmonia, confundimos unidade com unifor-midade e chegamos quando muito a essa, quando aspiramos atingir quela." {pp. 88/89).

    8. Meditando sobre o mau uso do poder, Dom Jos Maria Pires, em homilia acontecida aos 30 de janeiro deste ano, na celebrao eucarstica em favor da Justia Eleitoral e contra o nepotismo e o clientelismo tema profundamente atual , acontecida em Joo Pessoa, Dom Jos Maria Pires estabeleceu o confronto entre as posturas do rei David e do rei Herodes. Disse Dom Jos Maria Pires:

    "As circunstncias do adultrio do rei David foram agravadas pelo fato de o soldado Urias, esposo de Betsabea, se achar em combate a servio do prprio rei. Outra agravante foi a tentativa de David de ocultar

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    seu crime por meio de uma chantagem, que no deu o resultado esperado, o que levou o rei a maquinar e fazer executar a morte de Urias. Escndalos to graves obrigam o profeta Nata, muito a contragosto, pois era profeta da corte, a interpelar o rei censu-rando-lhe o crime e impondo-lhe sanes em nome do Senhor. O rei David teve o bom senso de aceitar a censura, humilhou-se, converteu-se e foi perdoado embora tivesse de passar por duras provaes como nos contam os captulos seguintes do mesmo livro de Samuel... Em situao semelhante do profeta Nata, o precursor Joo Batista interpelou Herodes, que, retornando de uma viagem, trouxe consigo como mulher sua cunhada, a esposa de seu irmo. Joo Batista deixa o deserto, vai corte e interpela o rei Herodes dizendo-lhe abertamente: "No te permitido viver com a mulher de teu irmo". Herodes no teve a mesma coragem e a mesma dignidade de David. Mandou prender Joo e, posteriormente, mandou cortar-lhe a cabea."

    9. O Ministrio Pblico a voz da sociedade brasileira diante do Poder Judicirio.

    10. No quer profetizar nada instituio humana e, portanto, expe-se em acertos e falhas, recordando-se sempre que nenhuma instituio pode ser julgada por atos isolados de quem a ela pertena, assim como no se pode definir o todo pela parte , o Ministrio Pblico quer, por suas diuturnas manifes-taes, instituio permanente como se mostra constitucional-mente, trazer ao espao adequado, que o Poder Judicirio, enfa-tiz-lo como nico caminho soluo das controvrsias e das disputas. O Ministrio Pblico quer, portanto, perenizar a Demo-cracia, por ser s ela compatvel com a dignidade da pessoa humana, porque s a Democracia faz primar a liberdade que, como o mar, nos conduz aos horizontes largos, descoberta da convivncia e vivncia da unidade com o outro.

    11. Assim, Senhor Ministro Nelson Jobim, podemos todos dizer, como fez o apstolo Paulo, na Carta aos Romanos, quando demonstrou a transcendncia da Justia sobre a Lei, que importa "esperar contra toda esperana", eis que a vocao da mulher e do homem, se navegam entre margens, navegar sempre alm.

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    12. Tenham Vossa Excelncia e a Vice-Presidente Ministra Ellen Gracie, presena importante, competente, firme e inolvidavel da mulher na partilha das responsabilidades funcionais, o voto do Ministrio Pblico de pleno sucesso na misso que se inaugura.

    Paz e Bem!

  • Discurso do Doutor ROBERTO ANTNIO BUS ATO,

    Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

  • O Doutor Roberto Antnio Busato (Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil) Excelentssimo Senhor Presidente da Repblica, Luiz Incio Lula da Silva; Excelentssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Azevedo Jobim; Excelentssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional , Senador Jos Sarney; Excelentssimo Senhor Presidente da Cmara dos Deputados, Deputado Joo Paulo Cunha; Excelentssimo Senhor Procurador-Geral da Repblica, Cludio Fonteles; Excelentssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal; Excelentssimos Senhores Ministros Presidentes dos Tribunais Superiores; Excelentssimos Senhores Parlamentares; Ministros de Estados; Governadores; Magistrados; Advogados; Membros do Ministrio Pblico e demais Autoridades Civis, Eclesisticas e Militares; Senhoras e Senhores.

    Quero inicialmente manifestar a honra de representar neste ato solene de posse a advocacia brasileira. um momento de grande significao para todos os atores da cena poltico-institu-cional de nosso Pas e, em especial, para ns, que atuamos no campo do Direito.

    Sado, em nome do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os eminentes Ministros Nelson Jobim e Ellen Gracie Northfleet, que se empossam respectivamente nos cargos de Presidente e Vice-Presidente deste Supremo Tribunal Federal.

    Na expectativa de convivncia profcua e democr-tica, que tem marcado historicamente nossas relaes institu-cionais, desejo a ambos pleno xito na misso de presidir a mais Alta Corte do Judicirio brasileiro.

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    Poucas solenidades de posse neste Supremo Tribunal Federal, nos ltimos anos, foram precedidas de tamanha expecta-tiva nos meios jurdico e poltico como esta.

    Trata-se de reflexo da circunstncia histrica em que vive o Pas, marcada por demanda acentuada de Justia em todos os nveis, o que d realce especial ao papel que este Poder desem-penha no conjunto das instituies da Repblica.

    Em nenhum outro momento da histria, o Judicirio foi to discutido, questionado, exposto e avaliado pelo cidado comum como hoje. Foi-se o tempo em que as instituies do Estado se mantinham impermeveis ao controle da sociedade.

    Hoje, felizmente, j no h espao para torres de marfim na paisagem institucional brasileira. A sociedade cada vez mais participativa e vigilante.

    E bom que assim seja, pois somente com uma cidadania consciente e politizada o Pas ter instituies fortes e acreditadas e poder romper as bitolas do subdesenvolvimento. E esse processo entre ns est apenas se iniciando.

    A tendncia a sociedade tornar-se cada vez mais exigente e reivindicativa e as instituies do Estado precisam aprimorar-se e ajustar-se a esse novo momento.

    Por tradio, cabe Ordem dos Advogados do Brasil, nesta cerimnia, manifestar-se em nome da advocacia e da socie-dade civil perante os trs Poderes da Repblica aqui representados. E registro como discreto e significativo sinal de mudana no perfil geopoltico do Pas o fato de tanto a OAB como os trs Poderes terem hoje em seu comando homens nascidos e formados no inte-rior: o Presidente da Repblica, de Garanhuns, Pernambuco; o Presidente do Supremo, de Santa Maria, Rio Grande do Sul; o Presidente do Congresso, de Pinheiro, Maranho; e o Presidente da Ordem, de Caador, Santa Catarina, e radicado em Ponta Grossa, Paran.

    Ressalto o forte simbolismo deste ritual que enfatiza o papel da OAB de porta-voz da cidadania, misso que nos estabelecida pelo Estatuto da Advocacia, que nos compromete no

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    apenas com as justas demandas corporativas, mas tambm e sobretudo com a defesa da Constituio e da ordem jurdica do Estado Democrtico de Direito.

    E no estrito cumprimento desta misso estatutria que nos manifestamos com freqncia a respeito de questes da conjuntura poltico-institucional brasileira. Tratamos de poltica sem sectarismo ou partidarismo, na sua essncia etimolgica, de gesto do bem comum.

    Nossa ideologia a defesa da cidadania e da Consti-tuio. Nessa trincheira sempre estivemos e estaremos, quer enfrentando o autoritarismo, em defesa das liberdades fundamen-tais, quer pugnando pelo aprimoramento das instituies jurdicas e do Estado em tempo de Democracia.

    Senhoras e Senhores,

    No temos a pretenso de agradar ou desagradar.

    No somos governo, nem oposio. Cultuamos a coerncia e no temos projeto de poder.

    Eventualmente, foras partidrias se identificam com nosso discurso ou dele buscam tirar proveito, quer por convico, quer por oportunismo.

    Mas isso no desvia nosso foco, nem nosso objetivo. Nossa meta to-somente a defesa da cidadania e da ordem jurdica do Estado Democrtico de Direito e nenhum assunto que envolva essas causas nos estranho, indiferente ou inoportuno.

    E isso nos remete a uma constatao implacvel que tenho feito reiteradamente e aqui a repito:

    O Brasil um Pas inconstitucional. Sendo esta Corte a Cidadela Mxima de defesa da Constituio, cabem aqui o registro e a reflexo em torno dessa afirmao.

    Estamos h anos em desacordo com o preceito constitucional expresso nos trs primeiros itens do artigo 3o de nossa Carta Magna, que estabelece como objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:

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    " I - construir uma sociedade livre, justa e solidria; I I - garantir o desenvolvimento nacional;

    I I I - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais."

    Sabemos que o modelo econmico que a est e que remonta a administraes anteriores no atende a nenhum desses pressupostos. Ao contrrio, afronta-os, ao acentuar as desigual-dades, reduzir a produo e aumentar o desemprego, tornando-nos um dos pases mais injustos do Planeta.

    E isso uma aberrao no apenas moral, mas tambm jurdica, qual espantosamente nos tornamos insensveis e qual nos vimos adaptando na seqncia e na sucesso das administraes.

    Desde a promulgao da Constituio de 1988, a exemplo do que j ocorria em relao ordem constitucional an-terior, cultivamos o estranho hbito de ajustar a nossa Lei Maior aos programas de governo, e no o oposto, como estabelece o juramento constitucional que cada governante presta perante a Nao ao ser empossado, razo maior do brutal acmulo de processos nesta Egrgia Corte.

    Resulta disso a sndrome do reformismo que h anos tomou conta do Pas. Invocam-se os mais diversos argumentos contbeis e financeiros para justificar supresso de direitos (in-clusive direitos adquiridos), violao de clusulas ptreas ou mesmo inconstitucional idades explcitas.

    Os interesses da banca internacional so inquestio-nveis, inviolveis, cumpridos algumas vezes com rigor acima do exigido. Devemos ser igualmente exigentes em relao Consti-tuio e particularmente aos direitos sociais nela consagrados.

    E o caso, por exemplo, do salrio mnimo. H muito que inconstitucional, j que no preenche os requisitos estabele-cidos no item IV do artigo 7o de nossa Carta Magna.

    Diz este artigo que:

    "So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social:

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    (...) salrio mnimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender s suas necessidades vitais bsicas e s de sua famlia com moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vesturio, higiene, transporte e previdncia social, com reajustes peridicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculao para qualquer fim (...)"

    Esta a determinao estabelecida pelo constituinte de 88 e jamais cumprida. O salrio mnimo deve prover as "necessidades vitais bsicas" do trabalhador e de sua famlia naqueles quesitos relacionados pelo legislador. E, no entanto, no prove.

    insuficiente at para atender a um s indivduo (que dir uma famlia!) num nico quesito que se queira pinar isoladamente do texto: moradia, alimentao, sade etc.

    O salrio mnimo brasileiro inconstitucional desde sua origem no atende a quesito algum estabelecido pela Constituio. Ano a ano, o que se tem o reajuste de uma ilegali-dade, o reajuste da misria, sob o mesmo e indefectvel argumento: a camisa-de-fora do modelo econmico-financeiro.

    Mas foi para mud-lo que o povo se manifestou maciamente nas eleies passadas, anseio que persiste at hoje e aguarda firmemente o seu momento.

    Prezamos o supervit fiscal, mas prezamos mais ainda o supervit social. Constatamos que, enquanto se busca ardorosamente o primeiro, descuida-se (quando no simplesmente se despreza) do segundo. Somos ainda uma Nao de excludos e nenhum pas chega ao Primeiro Mundo com sua populao do lado de fora. Esta uma verdade inapelvel e irrecorrvel. Ou se ajusta a economia a ela ou continuaremos um Pas desajustado.

    So desafios fundamentais que tm sido negligen-ciados por sucessivas administraes. E o resultado est expresso no aumento do desemprego, da violncia e na perda de credibili-dade por parte das instituies do Estado.

    Senhoras e Senhores,

    O Judicirio no pea isolada nesse processo, mas s vezes sua inoperncia causa estragos considerveis. Da a

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    expectativa com que aguardamos a reforma, ainda que parcial, do Judicirio, em vias de ser aprovada pelo Senado.

    Caber ao Presidente Nelson Jobim o desafio de comandar a implantao de uma reforma que tramita h doze anos pelo Congresso, submeteu-se s mais diversas e legtimas presses, mas est longe de ser a dos nossos sonhos. Mesmo assim, traz algumas mudanas positivas nas relaes do Judicirio com a sociedade, tornando-o mais prximo e transparente.

    Destaco, como sinal desse novo momento, a adoo do princpio do controle externo, que gerou inicialmente incom-preenses, mas que j comea a ser melhor assimilado por setores influentes da magistratura.

    Para tanto, contribuiu decisivamente, entre outros, o prprio Ministro Nelson Jobim, cuja experincia de homem pblico, com passagens marcantes pelos trs Poderes foi Deputado Federal, Constituinte e Ministro da Justia , deu-lhe o descortino necessrio para perceber e sustentar o alcance superior desse princpio.

    No se trata de um instrumento contra o Judicirio, que vise a desmerec-lo em sua autonomia e independncia. Muito pelo contrrio, trata-se de instrumento a seu favor, capaz de preservar-lhe a boa imagem institucional. No abrange, eviden-temente, a independncia jurisdicional dos juizes esta, sim, sagrada, intocvel e inegocivel.

    Trata-se de instituir uma instncia supervisora, o Conselho Nacional de Justia, capaz de controlar atos adminis-trativos e julgar desvios de conduta de membros do Judicirio, que, hoje, nos termos da Constituio, so julgados pelas cortes a que pertencem.

    Como se sabe e este no apenas um fundamento do Direito, mas um axioma da sabedoria popular universal ningum bom juiz ou advogado em causa prpria. Exatamente porque a instncia que administra e distribui justia a todos os cidados e aos Poderes da Repblica, possuindo membros vitalcios, que o Judicirio precisa de alguma forma de controle externo. Esse controle uma via de mo dupla: garante sociedade uma Justia transparente e garante Justia a intocabilidade de sua imagem perante o pblico.

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    E isso, hoje em dia, particularmente valioso.

    Sem credibilidade, as instituies do Estado enfra-quecem e perdem eficcia.

    A OAB diverge de alguns pontos da reforma. Ope-se, por exemplo, smula vinculante, por consider-la inibidora da independncia dos juizes de primeira instncia, restringindo suas prerrogativas e obrigando-os a homologar cartorialmente sentenas preestabelecidas.

    Contra ela, continuaremos a nos bater no Congresso Nacional, cenrio adequado para dirimir democraticamente conflitos.

    O argumento central dos que a defendem que descongestionar o Judicirio, tornando-o mais gil. Temos certeza de que no. Para obter esse descongestionamento, mais eficaz seria a racionalizao das codificaes processuais, dotando-as de instrumentos que permitam a soluo de litgios, reduzindo, sem prejuzo da ampla defesa, a possibilidade de eternizao das demandas judiciais mediante recursos sucessivos, que servem apenas para impedir a produo de justia.

    Como a Administrao Pblica a grande respon-svel pela avalanche de feitos que, por razes vrias, ingressam diariamente nos tr ibunais superiores, medida desobstruidora eficiente a que venha a tolher a interposio de recursos pela Administrao Pblica, sempre que estes implicarem rediscusso de tese j sumulada pelo Supremo Tribunal Federal.

    Grande parte dos temas inquitantes do cotidiano brasileiro atual violncia, drogas, criminalidade urbana, rebelies penitencirias, corrupo administrativa, conflitos fundirios tem, entre os fatores que os tensionam, a inoperncia do Poder Judicirio. E essa inoperncia gera impunidade, que, por sua vez, gera ambiente propcio violncia, corrupo, criminalidade organizada e deteriorao das instituies.

    Quando falamos em reforma do Judicirio, estamos tratando de algo bem mais abrangente que mudanas pontuais no funcionamento operacional de um Poder. Estamos falando do aperfeioamento do prprio Estado Democrtico de Direito.

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    Para que a Democracia ganhe efetivo contedo social e deixe de ser letra morta na Constituio, preciso que a sociedade disponha de um Judicirio eficiente e acessvel a todas as camadas da populao.

    No ainda o que temos. O Brasil, como se sabe, um dos pases com maior concentrao de renda do mundo. E, desde o advento da chamada globalizao econmica, viu seus dramas sociais se agravarem. Um desses dramas, dos mais pungentes, a crise de justia, a deficincia da estrutura judiciria e a falta de acesso do povo a seus servios.

    Da a importncia que a OAB h anos atribui reforma do Poder Judicirio, importncia que s recentemente pas-sou a ser compartilhada pelo poder poltico. Sem Justia eficiente e acessvel (e no a temos), no h Democracia digna desse nome.

    Credite-se, a propsito, ao atual governo e o fao aqui na pessoa de seu Ministro da Justia, Mrcio Thomaz Bastos o mrito de ter tido essa percepo de urgncia e relevncia para essa reforma, acelerando sua tramitao no Congresso e permitindo que, enfim, se materialize ainda que parcialmente.

    Outro avano que merece registro e aplausos diz respeito ao freio de arrumao na farra dos cursos jurdicos de m qualidade que comprometem estruturalmente a prestao jurisdi-cional do Pas.

    O Ministro da Educao, Tarso Genro, comprometeu-se com a OAB a suspender temporariamente a concesso de regis-tros e estudar a possibilidade de que nossos pareceres tcnicos nessa questo sejam vinculantes. , sem dvida, um grande avano.

    Os governos anteriores, foroso constatar, no tiveram a mesma sensibilidade e o mesmo empenho nessas duas questes a reforma do Judicirio e o ensino jurdico , no obstante os sistemticos apelos nesse sentido dirigidos pelos que atuam na cena do Direito e pela sociedade civil organizada.

    Lamentamos, apenas, que essa sensibilidade, que louvamos, no se manifeste tambm em relao a outro tema igualmente fundamental para a criao de um ambiente de segu-rana jurdica no Pas. Refiro-me s medidas provisrias, que

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    continuam a ser utilizadas sem observncia ao preceito constitu-cional de urgncia e relevncia.

    No exagero se disser que hoje nem sequer se sabe que medidas provisrias esto em vigncia. O seu uso compulsivo e desregrado, desde sua concepo, em 1988, gerou um ambiente de promiscuidade legislativa, lesivo no apenas ordem consti-tucional e moral do Pas como tambm atrao de investimentos econmicos.

    Sem segurana jurdica, o que h o caos e a volati-lidade, cujos efeitos polticos, sociais e econmicos so de todos conhecidos.

    Desde a posse do atual governo, foram editadas 88 medidas provisrias, o que d a espantosa mdia mensal de mais de cinco.

    No governo passado, em igual perodo, essa mdia ficou acima de seis, embora grande parte delas fosse de reedies, depois proibidas por lei. Por essa razo, a mdia atual ainda mais preocupante, pois dela no constam reedies.

    Nesse quadro, medida provisria, em temas sem urgncia e relevncia, fator de insegurana jurdica.

    Reporto-me aqui ao renomado jurista argentino Raul Zaffaroni, que, em seu livro Poder Judicirio Crise, Acertos e Desacertos, assim avalia as conseqncias de um ambiente de insegurana jurdica:

    "A uma menor segurana jurdica corresponde um menor investimento produtivo e um maior investi-mento especulativo, ou garantias de maiores rendas, compensatrias da insegurana.

    Isto no compensado com mecanismos extra-judiciais de soluo de conflitos quando o seu protagonista pode ser o prprio Estado. "

    Portanto, no que diz respeito atrao de investi-mentos econmicos, o chamado dever de casa termo to caro aos nossos tecnocratas , deve incluir prioritariamente o uso

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    restritivo das medidas provisrias. Esse compromisso continua-remos a cobrar deste governo assim como cobramos do governo passado e continuaremos a cobrar de governos futuros, enquanto essa anomalia se mantiver.

    Nosso compromisso, repetimos, com a Constituio e a cidadania e, em sua defesa, no hesitaremos em sustentar posies que eventualmente contrariem a ordem poltica domi-nante. Trata-se de atitude coerente com nossa Histria, de que no abrimos mo nem mesmo nos tempos mais sombrios dos re-gimes ditatoriais.

    Confiando no futuro do Brasil, quero, antes de con-cluir, reiterar a expectativa da advocacia brasileira de que esta gesto que hoje se inicia, coincidente com as iminentes mudanas trazidas pela reforma do Judicirio, favorea uma maior valorizao das convergncias entre os atores da cena judiciria: procuradores, magistrados e advogados.

    Historicamente, temos a tendncia de valorizar as divergncias, deixando de perceber e explorar as amplas conver-gncias j conquistadas. por meio delas que poderemos construir um ambiente jurdico mais justo e equilibrado para nosso Pas nos termos da clssica sentena de So Bernardino de Siena, segundo o qual "a Justia a constncia de uma perptua vontade".

    De nossa parte, seremos constantes e determinados na busca desse ideal. Muito obrigado.

  • Discurso do Senhor Ministro NELSON JOBIM,

    Presidente

  • O Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente) Excelentssimo Senhor Presidente da Repblica, meus Colegas, minhas Senhoras e meus Senhores.

    "Esta a trigsima nona sesso em que o rgo de Cpula do Poder Judicirio republicano empossa seus novos dirigentes. Considerado o Supremo Tribunal de Justia do Imprio, esta seria a qinquagsima sesso. Entre Imprio e Repblica, l se vo 175 anos. Soube o Tribunal vir do Imprio e firmar-se na Repblica. Foi a Repblica que lhe deu a cara e a personalidade. rgo com funes republicanas. Para assegurar e garantir a Repblica. So 113 anos de Histria.

    A compreenso do Poder Judicirio passa pela compreenso da prpria Repblica. As instituies nascem da histria poltica de um povo. So as circunstncias e os embates histricos que produzem o desenho. O 15 de Novembro foi, no incio, um golpe militar, interno ao Regime Imperial. Aps, con-verte-se na derrubada do Regime. Porque se tratara de um golpe militar sem povo, os republicanos impuseram uma especfica configurao ao novo Estado Brasileiro. Tinha que ser fortemente federalista, porque o Imprio havia sido um Estado Unitrio. Tinha que ser presidencialista, porque o Imprio fora um Regime de Gabinete.

    Os republicanos viam o sistema parlamentar como uma acomodao europia com as monarquias. A par disso, tinham os republicanos de forjar instituies judicirias condizentes com

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    suas necessidades polticas. A exacerbao descentralizadora esteve nas palavras do apostolado positivista do Brasil que falara na: "... concrdia das ptrias americanas de origem portuguesa ..."

    Era o mximo da ousadia.

    Era o "fanatismo dos conversos".

    A Assemblia reagiu. Instituiu o Supremo Tribunal Federal e desenhou o Poder Judicirio republicano. Um Poder com um Tribunal para servir Repblica. Assegurar a unidade nacional pela aplicao do Direito republicano. Foi para isso ser um Tribunal da Federao.

    (Tempos Modernos)

    E a Histria prosseguiu. Veio a Revoluo de 30. Depois, o Estado Novo em 37. A reconstitucionalizao de 46. O Parlamentarismo de 6 1 . O Regime Militar de 64. A superao, sem ruptura, de 85. Junto a isso e ao lado disso, massificaram-se as relaes jurdicas. Os direitos subjetivos individuais cederam espao para os direitos coletivos e transindividuais. O aparato judicirio no acompanhou esse fluir. Ficamos para trs.

    A paralisao reacionria produziu distores no modelo. Paulat inamente, o Supremo Tribunal e os Tribunais Superiores foram perdendo a funo de Cortes da Federao. A cada passo foram sendo transformados em Tribunais de Justia s partes. Passaram a ser terceiro e quarto graus de jurisdio. Esva-ziou-se a Justia nos Estados. O grau de definitividade da deciso de 1 grau chegou prximo de zero. Tudo tinha e tem que chegar ao Supremo Tribunal e s Cortes Superiores. O tempo se dilatou. Veio a morosidade. A Nao passou a perceber a disfuncionalidade do Poder Judicirio. Comeou a cobrar. Era o fim do isolamento do Poder Judicirio.

    A questo judiciria passou a ser tema urgente da Nao. O tema foi arrancado do restrito crculo dos magistrados, promotores e advogados. No mais se trata de discutir e resolver o conflito entre esses atores. No mais se trata do espao de cada um nesse Poder da Repblica. O tema chegou rua. A cidadania quer resultados. Quer um sistema judicirio sem donos e feitores.

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    Quer um sistema que sirva Nao e no a seus membros. A Nao quer e precisa de um sistema judicirio que responda a trs exigncias:

    - acessibil idade a todos; - previsibilidade de suas decises; - e decises em tempo social e economicamente

    tolervel.

    Essa a necessidade. Temos que atender a essas exigncias. O Poder Judicirio no um fim em si mesmo. No espao para biografias individuais. No uma academia para afirmaes de teses abstratas. , isto sim, um instrumento da Nao. Tem papel a cumprir no desenvolvimento do Pas. Tem que ser parceiro dos demais Poderes. Tem que prestar contas Nao. tempo de transparncia e de cobranas.

    Quem no faz o seu papel na Histria no nem bom nem mau. Pior intil. Criamos uma enormidade de problemas porque nos opomos a falar sobre os nossos. Evitamos falar de ns mesmos e desqualificamos quem fala de ns. O momento exige, de todos ns, lucidez poltica e humildade. A mesa de discusses tem que se ampliar. No mais s os tradicionais atores juizes, promotores e advogados. Devem estar na mesa o governo, os polticos, os filsofos, os antroplogos, os economistas, os adminis-tradores. Tambm as organizaes sociais e os sindicatos de traba-lhadores e patres. Enfim, todos os que so e fazem o Pas. Todos crticos quanto ao nosso desempenho. Muitos de ns procuram dar explicaes. Caam culpados. intil.

    Nisso no esqueo o Doutor Ulysses Ulysses Guimares.

    A esse propsito ele lembrava Benjamin Disraeli:

    "Never complain never explain never apologize. "

    A Histria no registra e no se satisfaz com queixas, explicaes ou desculpas. A Histria lembra do que fizemos e do que deixamos de fazer. Nada mais. A Histria incorpora resultados e fatos. No h registro e espao para boas intenes. A nossa gerao no tem muito tempo. O diagnstico de nosso problema

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    conhecido. urgente a terapia. E aqui a questo. H concor-dncia com o diagnstico, e s divergncias radicais quanto terapia.

    A reforma, dizem todos, passa, entre outros, pelo sistema processual e pela gesto administrativa. Quando se comea a identificar as modificaes necessrias, surge a desavena. Logo alguns verberam sobre urdidas conspiraes contra o Poder Judicirio.

    Outros utilizam a retrica da perversidade e dizem:

    As mudanas propostas movero o Poder Judicirio para a direo contrria.

    E outros recorrem s teses da futilidade e da ameaa. Todos esses manejam a retrica da intransigncia, identificada por Hirschman. S tm compromissos com seus interesses. Neces-srio que venhamos a produzir debates e deliberaes que possam modificar as opinies e as convices. Alis, algum j disse que o pior para a verdade no so as mentiras, so as convices. Os convictos querem s marcar posio. No pretendem resultados. Eles se deleitam com a monotonia das coisas mortas. Para as reformas, precisamos identificar os nossos consensos e nossos dissensos.

    Vamos mesa. Todos: advogados, juizes, promo-tores, acadmicos, organizaes sociais... O Poder Executivo e o Poder Legislativo. Baixemos as armas.

    Vamos ao dilogo e ao debate democrtico.

    Proponho a elaborao de uma agenda comum. Eis um de seus possveis itens. Vamos dimensionar a nossa capacidade de oferta de decises e seus gargalos. Esse dimensionamento, absolutamente necessrio, reclama uma anlise estratgica do Poder Judicirio na sua integralidade. Anlise essa que induza os vinte e sete Tribunais de Justia Estaduais, os vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho, os cinco Tribunais Regionais Federais, com todas as suas estruturas de primeiro grau, juntamente com os quatro Tribunais Superiores e com o Supremo Tribunal Federal a comearem a agir em comum e de forma sistmica.

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    A diviso constitucional em tribunais com competn-cias especficas foi pensada para produzir consistncia ao todo. Em momento algum se pensou nas autonomias dos rgos judici-rios para impedir o dilogo e obstruir a complementariedade. assim que devemos pensar a nossa ao futura. Creio que o Conselho Nacional de Justia, que o Senado Federal est para votar na Reforma Constitucional, deve ser visto nessa perspectiva: um rgo voltado para a consistncia e a funcionalidade do sistema.

    O debate de surdos forjou a expresso "controle externo", porque em sua composio se encontram membros no integrantes da magistratura. Lembro a composio pretendida no Senado: nove so integrantes da magistratura, desde o Supremo Tribunal at o juiz de primeiro grau. Quatro outros so oriundos das carreiras que a prpria Constituio define como "funes essenciais Justia" a Advocacia e o Ministrio Pblico.

    Pergunto:

    Estes quatro ltimos advogados e promotores no tm nada com o Poder Judicirio? So absolutamente estranhos aos seus problemas? Advogados e promotores no tm nenhuma responsabilidade com a funcionalidade desse Poder? A resposta est na Constituio. So eles nsitos ao sistema. Basta ver onde se encontram na textura constitucional. impossvel falar sobre o Poder Judicrio sem contar com eles. Intregram, assim, o que pode-mos chamar de Poder Judicirio em sentido lato. Tm eles legitimi-dade constitucional para pensar e discutir as polticas estratgicas que podero ser formuladas por tal Conselho. Se viessem eles a ser excludos, onde estaria a legitimao de um rgo que precisa integrar todos os atores, posto que deve definir papis e condutas?

    Temos, na composio, ainda, dois outros membros indicados pelas Casas do Congresso Nacional. So os represen-tantes da cidadania. As exigncias para sua escolha so as mesmas para Ministros deste Tribunal. So as mesmas exigidas para a forma-o das listas para os oriundos da Advocacia e do MP:

    Notvel saber jurdico e conduta ilibada.

    Impossvel pensar que esse Conselho, por sua s composio, venha ferir autonomias e independncias. Salvo se entendermos que a mquina judiciria no tem contas a prestar

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    Nao quanto s suas condutas administrativas e financeiras. Salvo se entendermos que o concurso pblico ou a aprovao pelo Senado Federal tenha dado ao magistrado um poder sem responsabili-dade. A independncia no incompatvel com a responsabilidade. Pelo contrrio, a independncia exige democraticamente a respon-sabilidade.

    As funes correicionais outorgadas ao Conselho tm carter nitidamente subsidirio e complementar aos rgos dos tr ibunais. Onde falharem estes, h a possibilidade de acionar aquele. Nada, absolutamente nada, de extravagante. Trata-se de subsidiariedade. claro o texto em debate no Senado Federal.

    O Conselho nada ter com o contedo das decises judiciais. Nada com a nota que d contedo e explica, determinan-temente, a independncia do Judicirio:

    A atividade jurisdicional.

    O produto dessa atividade a sentena exami-nado, avaliado e eventualmente substitudo quando da deciso dos recursos. A jurisdio o mbito para essas questes. Creio que a anlise da capacidade de oferta de decises nos conduzir ao retorno idia mestra do desenho republicano: o fortalecimento da Justia nos Estados.

    nesse ponto que emerge o tema dos recursos."

    ( nesse ponto, eminente Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, que emerge a questo da smula vinculante. Parece-me que ouvi a expresso "parecer vinculante da OAB nas questes relativas formao das universidades". Vamos trocar de vinculncia. Ns ficamos com a nossa, Vossa Excelncia fica com a sua.)

    "Temos uma mirade de recursos que se reproduzem em cada grau de jurisdio". (Aqui, nesta Corte, costumamos brincar: vamos tratar de um recurso de quinta e oitava gerao, pois so embargos sobre embargos sobre embargos, embargos, embargos... de agravos de agravos de agravos... de recurso de recurso de recurso de agravo de agravo de agravo de recurso extraordinrio numa sentena.) Alm do mais, e principalmente, temos a possibilidade do uso indiscriminado e sem conseqncias

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    desses recursos. Esse conjunto produziu, no Supremo Tribunal e nos Tribunais Superiores, a usurpao de funes dos Tribunais nos Estados.

    Precisamos rever isso tudo com responsabilidade e fundamentalmente com coragem. Aqueles que pensam o processo de forma s acadmica preocupam-se com a consistncia sistmica do modelo e no com sua funcionalidade (transformam o processo em tese de mestrado e doutorado e no algo que esteja a servio do povo e da Nao). Colocam em segundo plano a funo real do processo: a produo de decises em tempo eficaz.

    Nossa legitimidade est indissoluvelmente ligada eficincia operacional. H que modernizar a gesto dos Tribunais. A informatizao mais do que um imperativo de modernizao administrat iva. condio operacional indispensvel para a legitimidade, posto ser esta o produto da eficincia. H aqueles que querem a ineficincia. Querem a manuteno da complexidade processual. Tudo porque a morosidade lhes assegura um subsdio oculto sua atividade.

    Esse outro item possvel desta agenda aberta. Devemos dimensionar e identificar a demanda de decises. Toda a delonga no cumprimento da obrigao acaba fazendo com que o devedor seja financiado pelo oramento do Judicirio, considerada a taxa de juros:

    (A) Deixo de cumprir, hoje, minha obrigao para cumpri-la anos aps;

    (B) O valor no desembolsado, capitalizado ao longo dos anos, taxa de juros do mercado acaba sendo superior ao valor final da obrigao decorrente da deciso do processo;

    (C) Aproprio-me do excedente.

    Esse excedente acaba sendo resultado de um financiamento oriundo da morosidade e bancado pelo oramento do Judicirio leia-se do contribuinte. Ponha-se isso tudo em demandas de massa. Estas as demandas de massas se material izam em infinitas demandas individuais. Poderemos, assim, ter uma idia dos subsdios ocultos aos inadimplentes, traves-tidos em custos da mquina judiciria. Temos que dimensionar

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    a nossa capacidade de oferta de decises vis--vis aos focos de demandas de decises. S assim poderemos dizer Nao quem so os interessados no longo tempo do processo e traz-los responsabilidade. Sejam eles quem forem. Estejam eles onde estiverem. Sempre tendo presente as republicanas funes do Poder Judicirio.

    No somos mais e tambm no somos menos que os outros Poderes. Com eles, harmonicamente com eles, devemos servir Nao. Lembro que, nos anos 70, a nossa gerao procurou atribuir ao Poder Judicirio uma funo de oposio ao regime poltico de ento. No tnhamos espao para influir nas polticas pblicas. Por isso tentvamos subverter o regime pela sentena. Bravejvamos a distino entre o legal e o justo. Queramos, na sentena, o segundo em lugar do primeiro. Pregvamos a rebeldia jurisdicional. Tudo porque o legal era produto de um regime auto-ritrio. O Poder Judicirio aparecia como um local em que podera-mos produzir na sentena uma oposio ao regime.

    As circunstncias polticas mudaram. O Pas outro. O regime autoritrio ficou no registro da Histria. Na plenitude democrtica s o voto legitima as polticas pblicas. O discurso e a prtica de ontem so imprestveis hoje. A deciso judiciria no pode se produzir fora dos contedos da lei lei essa democra-ticamente assentada em processo poltico, constitucionalmente vlido. No h espao legtimo para soberanismos judicirios estri-bados na viso mstica de poder sem voto e sem povo.

    A mensagem democrtica e republicana simples:

    Cada um em seu lugar; Cada um com sua funo. isso que a Repblica quer de ns!

    Todos comprometidos e responsveis com o desen-volvimento do Pas. Senhor Presidente da Repblica; Senhor Presidente da Cmara dos Deputados; Senhor Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional; Parlamentares; Governadores; Magistrados e Magistradas: essa a regra do convvio democrtico. So esses os pressupostos da ao. So essas as exigncias do futuro. Faamos um acordo a bem do Brasil e do seu futuro. De um Brasil que reclama a incluso social e o bem-estar de todos. Que exige o desenvolvimento social e econmico. Que passa a

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    enfrentar os seus obstculos culturais, sociais e econmicos. Que discute e quer dar soluo excluso dos negros. Que sente o desafio deste sculo. Sejamos todos merecedores da condio de brasileiros.

    Lembro-me, a propsito, de meu av Walter:

    "No adianta fazer praa da nossa misria e das nos-sas dificuldades; o que precisamos ter a coragem de domin-las.

    S os desalentados que abandonam o combate da vida."

    (E se entregam ao discurso e retrica e no querem enfrentar, em lucidez, o desenvolvimento da Nao e as tentativas que se fazem para o avano e a incluso que esto sendo feitas por este Governo.)

    Meus Colegas de Tribunal.

    Agradeo a confiana. A tradio do Tribunal foi mantida. Vejo esta Presidncia como um espao para servir ao Poder Judicirio nacional e ao Tribunal e, portanto, Nao. No usando de expresso muito cara (e o Ministro Seplveda Pertence nos faz lembrar disso) aos movimentos polticos dos anos 60 no o Tribunal repito e esta Presidncia um aparelho para projetos pessoais. Para servir (repetindo o que Velloso j repetiu), no para mandar.

    Magistradas e Magistrados.

    S a convergncia de vontades fortalece a ao. Vamos ao dilogo e ao entendimento. Tenhamos o esprito aberto ao discernimento. Agradeo a meus Colegas e sorte muita sorte pela presena de Ellen Gracie na Vice-Presidncia. Haver, como j est havendo, a efetiva partilha de tarefas e aes a bem da administrao do Tribunal e do exerccio de sua funo de rgo de Cpula no Poder Judicirio nacional. Conheo Ellen desde muitos anos. Sei de seu carter, capacidade, transparncia, franqueza e coragem.

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    Fao menes pessoais.

    Refiro-me, com gratido e reverncia, pessoa de Fernando Henrique Cardoso. O Deputado de 1987 aprendeu com Fernando que a tolerncia filha da reflexo. Registro, tambm com gratido, a presena de Pedro Simon em 1986 ele teve a coragem ajudado por Paulo Brossard de arrancar, para a poltica, um advogado de Santa Maria. Agradeo a meus amigos, emocionado, presena de meus amigos de sempre desde a Constituinte: Miro Teixeira, Jos Serra, Jos Genoino e Sigmaringa Seixas. Um j se foi : Luiz Eduardo Magalhes. Aprendi muito com vocs alis com o Parlamento Brasileiro, o Presidente Sarney e o Presidente Joo Paulo Cmara e Senado.

    Agradeo ao Rio Grande. Ao Governador Germano Rigotto. Agradeo a meu sempre Professor Llio Candiota de Campos. Agradeo aos meus Professores Nri da Silveira e Paulo Brossard. Aos meus colegas da turma de 1968 a Turma do Sino. Santa Maria da Boca do Monte. Ao meu pai e memria de minha me, a meus filhos, a meus irmos, a meus enteados. Aos meus parentes. Agradeo a palavra de todos. Desconsiderem os exageros de Velloso. o carinho mineiro do amigo mineiro. Carlos Mrio, tu sabes, todos ns sabemos, que ao fim de tudo, quando nada mais temos para dar, o que individualmente conta a amizade dos reais amigos.

    Tu s um deles.

    Mas acima de tudo, agradeo o amor, para dar e para ter reciprocamente. Isso eu tenho e muito, e muito mesmo.

    Adrienne.

    Beijo-te as mos, querida."

    Os discursos proferidos, que honram o Poder Judi-cirio da Nao, integraro a histria e os anais do Tribunal.

    Registro e agradeo a presena do Excelentssimo Senhor Presidente da Repblica, Luiz Incio Lula da Silva; do Vice-Presidente da Repblica, Jos Alencar da Silva; do Presidente do Senado Federal, Senador Jos Sarney, em nome de quem agradeo a presena dos Senhores Senadores; Senhores Senadores e

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    Senhoras Senadoras; do Presidente da Cmara dos Deputados, Deputado Joo Paulo Cunha, em nome de quem agradeo a presena dos demais Deputados e Deputadas Federais; dos Presidentes dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, e dos Tribunais de Justia, de Alada e Militares dos Estados; do Procurador-Geral da Repblica e dos Membros do Ministrio Pblico da Unio, dos Estados e do Distrito Federal; do Ministro da Justia e dos demais Ministros de Estado; dos Embaixadores e demais Representantes do Corpo Diplomtico; do Presidente do Tribunal de Contas da Unio; dos Governadores dos Estados e do Distr i to Federal e demais Autoridades Estaduais, Distritais e Municipais; do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e dos demais Advogados; dos Presidentes dos Partidos Polticos e Lderes Partidrios do Congresso Nacional; da Defensora Pblica da Unio; do Presidente do Instituto dos Advogados do Brasil; do Presidente do Colgio Permanente dos Presidentes dos Tribunais de Justia dos Estados; dos Presidentes das Associaes Nacionais dos Magistrados e demais Representantes das Entidades da Classe e da Magistratura; do Presidente da Associao Nacional do Ministrio Pblico Federal e demais Representantes das Entidades de Classe; das Autoridades Civis e Militares; das Representaes da Sociedade Civil; dos Representantes de Associaes de Classe; dos Servidores desta e de outras Cortes; dos Queridos Familiares e dos Co-esta-duanos. Muito obrigado!

    Cumprida a sua finalidade, declaro encerrada esta Sesso e solicito a todos que permaneam em seus lugares at a retirada da Corte, de Sua Excelncia o Senhor Presidente da Repblica e das demais Autoridades que compem o Tablado, bem como dos Familiares dos Empossados, para o Salo Branco, onde ocorrero os cumprimentos.

    Est encerrada a sesso.

  • Esta obra foi composta em Verdana e impressa na Perffil Grfica e Editora Ltda, no sistema off-set, em papel couch fosco 90g/m2, com capa em papel couch fosco 240g/m2, para o Supremo Tribunal Federal, em janeiro de 2005.