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19 número 10 março de 2004 revista da abem A dupla dimensão da política educacional e a música na escola: I – analisando a legislação e termos normativos Maura Penna Universidade Estadual da Paraíba [email protected] Resumo. Este artigo apresenta a primeira parte do texto que serviu de base ao fórum de debates Políticas Públicas em Educação Musical, no XII Encontro Anual da ABEM. Analisamos detalhadamente as leis e os diversos termos normativos que tratam do ensino de arte – e especificamente de música – nas décadas de 1970 e 1990, apontando as continuidades e diferenças entre estes dois momentos históricos. Mostramos como, desde a Lei 5.692/71, não há dispositivos legais de alcance nacional específicos sobre o ensino de música na educação básica. Mesmo agora, com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e médio, a música está subordinada ao campo mais amplo e múltiplo da arte como componente curricular, de forma que há apenas um espaço potencial para a música na escola. Assim, a realização efetiva desse potencial depende de inúmeros fatores, inclusive do modo como atuamos concretamente na prática escolar, nos diversos espaços possíveis. Palavras-chave: educação musical, legislação, ensino fundamental e médio Abstract. This article presents the first part of the text that served as a basis for the forum on Public Policies on Music Education, during the 12 nd Meeting of the Brazilian Association of Music Education (ABEM). The legal acts and diverse normative terms that concern the teaching of art – and specifically of music – in the 1970s and 90s were analyzed in detail, pointing out continuities and differences between these historical moments. The analysis shows that since the Law 5,692/1971 there are no specific legal devices of national reach for music teaching in education. Even now, with the National Curriculum for primary and secondary teaching, music is subordinated to the broad field of arts as a curriculum component, in such a way that there is just a potential space for music in school. Therefore, the effective accomplishment of that potentiality depends on countless factors, including the ways in which teachers concretely develop their pedagogical practices. Keywords: music education, legal acts, primary and secondary teaching Questões preliminares Ao abordar o tema “Políticas Públicas em Educação Musical”, proposto para um fórum de de- bates no XII Encontro Anual da Associação Brasilei- ra de Educação Musical (ABEM) – Florianópolis, outubro de 2003 – sentimos a necessidade de, pri- meiramente, compreender e explicitar o conceito de “política educacional”. Para tanto, recorremos ao já clássico trabalho de Bárbara Freitag (1980), Escola, Estado e Sociedade. Com base na concepção de Gramsci, que subdivide o Estado em duas esferas – a sociedade política e a sociedade civil –, Freitag (1980, p. 37, 41) adota uma concepção ampla de política educa- PENNA, Maura. A dupla dimensão da política educacional e a música na escola: I – analisando a legislação e termos normativos. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 10, 19-28, mar. 2004.

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    A dupla dimenso da polticaeducacional e a msica na escola:

    I analisando a legislao etermos normativos

    Maura Penna

    Universidade Estadual da [email protected]

    Resumo. Este artigo apresenta a primeira parte do texto que serviu de base ao frum de debatesPolticas Pblicas em Educao Musical, no XII Encontro Anual da ABEM. Analisamos detalhadamenteas leis e os diversos termos normativos que tratam do ensino de arte e especificamente de msica nas dcadas de 1970 e 1990, apontando as continuidades e diferenas entre estes dois momentoshistricos. Mostramos como, desde a Lei 5.692/71, no h dispositivos legais de alcance nacionalespecficos sobre o ensino de msica na educao bsica. Mesmo agora, com os ParmetrosCurriculares Nacionais para o ensino fundamental e mdio, a msica est subordinada ao campo maisamplo e mltiplo da arte como componente curricular, de forma que h apenas um espao potencialpara a msica na escola. Assim, a realizao efetiva desse potencial depende de inmeros fatores,inclusive do modo como atuamos concretamente na prtica escolar, nos diversos espaos possveis.

    Palavras-chave: educao musical, legislao, ensino fundamental e mdio

    Abstract. This article presents the first part of the text that served as a basis for the forum on PublicPolicies on Music Education, during the 12nd Meeting of the Brazilian Association of Music Education(ABEM). The legal acts and diverse normative terms that concern the teaching of art and specificallyof music in the 1970s and 90s were analyzed in detail, pointing out continuities and differencesbetween these historical moments. The analysis shows that since the Law 5,692/1971 there are nospecific legal devices of national reach for music teaching in education. Even now, with the NationalCurriculum for primary and secondary teaching, music is subordinated to the broad field of arts as acurriculum component, in such a way that there is just a potential space for music in school. Therefore,the effective accomplishment of that potentiality depends on countless factors, including the ways inwhich teachers concretely develop their pedagogical practices.

    Keywords: music education, legal acts, primary and secondary teaching

    Questes preliminares

    Ao abordar o tema Polticas Pblicas emEducao Musical, proposto para um frum de de-bates no XII Encontro Anual da Associao Brasilei-ra de Educao Musical (ABEM) Florianpolis,outubro de 2003 sentimos a necessidade de, pri-meiramente, compreender e explicitar o conceito depoltica educacional. Para tanto, recorremos ao j

    clssico trabalho de Brbara Freitag (1980), Escola,Estado e Sociedade.

    Com base na concepo de Gramsci, quesubdivide o Estado em duas esferas a sociedadepoltica e a sociedade civil , Freitag (1980, p. 37,41) adota uma concepo ampla de poltica educa-

    PENNA, Maura. A dupla dimenso da poltica educacional e a msica na escola: I analisando a legislao e termos normativos. Revista daABEM, Porto Alegre, V. 10, 19-28, mar. 2004.

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    cional, que nos parece bastante produtiva para a dis-cusso e anlise dessa temtica. A sociedade pol-tica, onde se concentra o poder da classe dirigente(governo, tribunais, exrcito, polcia), o lugar dodireito e da vigilncia institucionalizada, estando aseu cargo, portanto, a formulao da legislao edu-cacional (e outros termos normativos), assim comoa sua imposio e fiscalizao. J a sociedade civil composta pelas associaes ditas privadas, comoigrejas, escolas, sindicatos, meios de comunicao,ONGs, etc. o campo onde se situa o sistemaeducacional, sendo nela, portanto, que as leis soimplantadas e concretizadas.

    Nos ltimos anos, temos nos dedicado, juntoao Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artesda Universidade Federal da Paraba (UFPB), a anali-sar as propostas para Arte a includa a msica dos Parmetros Curriculares Nacionais para a educa-o fundamental e mdia,1 desenvolvendo, paralela-mente, pesquisas de campo sobre a situao do ensi-no de arte nas escolas pblicas da Grande Joo Pes-soa, nesses nveis escolares (cf. Penna, 2002a, 2002b).Temos, portanto, investigado a poltica educacional emsua dupla face termos oficiais e seus efeitos nasescolas , no tocante educao bsica, qual res-tringiremos aqui a nossa discusso, devido no ape-nas aos limites deste trabalho, mas tambm por op-o, por acreditarmos na importncia da msica nasescolas regulares de ensino fundamental e mdio, quetm um maior alcance social.

    Desenvolvemos nossa exposio e anliseem duas partes, que correspondem a dois artigosarticulados:2

    I Analisando a Legislao e TermosNormativos, objeto deste texto, que aborda os dis-positivos oficiais que tratam do ensino de arte eespecificamente de msica nas dcadas de 1970e 1990, apontando as continuidades e diferenasentre esses dois momentos histricos;

    II A Poltica Educacional na Prtica Esco-lar, discutindo a educao musical nas escolas e osdesafios atuais, que ser apresentado no prximonmero desta revista.

    A msica e a implantao da EducaoArtstica

    Certamente, pesquisas sobre poltica educa-cional no se esgotam no estudo da legislao e daregulamentao que lhe correlata, mas estas serevelam um instrumento privilegiado para a anlisecrtica da organizao escolar porque, enquantomediao entre a situao real e aquela que pro-clamada como desejvel, reflete contradies(Saviani, 1978, p. 193). Assim, debruamo-nos so-bre as leis e demais dispositivos oficiais de alcancenacional que tratam do ensino de arte, a includa amsica.

    A legislao educacional estabelece, h maisde 30 anos, um espao para a arte, em suas diver-sas linguagens, nas escolas regulares de educaobsica. No entanto, essa presena da arte no curr-culo escolar tem sido marcada pela indefinio,ambigidade e multiplicidade. Para discutir a situa-o da msica dentro desse quadro, analisaremosparticularmente a Lei 5.692/71 e a atual Lei de Dire-trizes e Bases da Educao Nacional (LDB) Lei9.394/96 , assim como diversos termos normativosque lhes so correlatos. Privilegiamos essas duasleis porque, em nossa rea, elas so, muitas vezes,colocadas em oposio: a primeira sendo vista comoresponsvel pelo desaparecimento da msica nasescolas, e a atual LDB como tendo resgatado o en-sino de msica. Apesar de alguns estudos interpre-tarem as duas leis de tal forma, em nossa anliseno vemos distino significativa entre elas, comrelao garantia da msica na escola, como pre-tendemos deixar claro nesta discusso.

    Vale ressaltar que precede s leis acima refe-ridas a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Naci-onal, Lei 4.024, promulgada em 1961 aps longo pro-cesso de gestao, iniciado em 1946, em decorrn-cia da Constituio estabelecida nesse mesmo ano.Essa LDB a primeira lei de alcance nacional3 quepretende abordar todas as modalidades e nveis deensino, alm de sua organizao escolar. Uma d-cada depois, essa LDB de 1961 alterada pela Lei5.692/71, gerada sob o regime militar, que se dirigeapenas ao ensino de 1o e 2o graus, articulando-se

    1 Para uma anlise dos Parmetros para Arte no ensino fundamental, inclusive das propostas para cada modalidade especfica, verPenna (2001a). Quanto ao ensino mdio, ver Penna (2003).2 Evitando-se uma verso condensada, optou-se pela publicao em duas partes em nmeros sucessivos da Revista da Abem , com vistas a manter uma maior fidelidade ao texto que efetivamente serviu de base ao frum de debates Polticas Pblicas emEducao Musical, e que, como base e preparao para as discusses, foi antecipadamente divulgado no site do XII Encontro Anualda ABEM (Florianpolis, outubro de 2003).3 Antes dela, os termos legais que regulavam a educao tratavam sempre de uma modalidade ou nvel de educao especfico. o caso, por exemplo, do conjunto de leis anterior LDB de 1961: as chamadas Leis Orgnicas do Ensino, estabelecidas atravs dediversos decretos-leis, no perodo de 1942 a 1946 (Romanelli, 1982, p. 154).

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    primeira LDB e alterando vrias de suas determina-es. Dessa forma, a inspirao liberalista que ca-racterizava a Lei 4.024 cede lugar a uma tendnciatecnicista na Lei 5.692 (Saviani, 1978, p. 187), ten-dncia essa atenuada pelo carter humanstico daEducao Artstica,4 cuja incluso estabelecida comoobrigatria nos currculos plenos dos estabelecimen-tos de 1o e 2o Graus ao lado da Educao Moral eCvica, Educao Fsica e Programas de Sade , deacordo com seu artigo 7o . Assim, sob a designaode Educao Artstica, o ensino de arte contempla-do no prprio corpo da lei, enquanto que, comparativa-mente, a definio das matrias do ncleo comum,obrigatrio em mbito nacional, fica a cargo do Con-selho Federal de Educao (Lei 5.692/71 art. 4o).

    No entanto, quais linguagens artsticas estocontempladas pelo componente curricular designa-do como Educao Artstica? Isso no definidocom clareza pelo uso da expresso no texto da lei,expresso essa que, vale lembrar, j era empregadano projeto do canto orfenico, nas dcadas de 1930e 1940.5 Apenas aos poucos atravs de parecerese resolues do Conselho Federal de Educao(CFE), assim como da prtica escolar vai sendodemarcado o campo da Educao Artstica. Em 1973,so aprovados o Parecer CFE no 1.284/73 e a Reso-luo CFE no 23/73, termos normativos acerca docurso de licenciatura em Educao Artstica, que es-tabelecem: a) a licenciatura de 1o grau que capacitapara o exerccio profissional neste nvel de ensino, tam-bm chamada de licenciatura curta, em funo de suadurao , que proporciona uma habilitao geral emEducao Artstica; b) a licenciatura plena, que com-bina essa habilitao geral a habilitaes especficas,relacionadas com as grandes divises da Arte Ar-tes Plsticas, Artes Cnicas, Msica e Desenho (nostermos do Parecer CFE no 1.284/73).

    Estas linguagens artsticas passam a ser vis-tas como integrantes do campo da Educao Arts-tica, inclusive porque vrios anos decorrem at que,em 1977, o CFE se pronuncie sobre a sua prticaescolar, atravs do Parecer CFE no 540/77.6 Entre

    outras linguagens artsticas, esse parecer mencio-na especificamente a msica, comentando que osenfoques que lhe eram dados anteriormente limi-tando-a teoria musical ou ao canto coral noatenderiam, isoladamente, ao que se espera numcontexto mais amplo e novo de Educao Artstica.Dessa forma, fica claro que, do ponto de vista dospreceitos normativos, o campo da Educao Artsti-ca engloba a msica.

    Vale ressaltar, nesse mesmo sentido, queentre 1977 e 1984, em plena vigncia da Lei 5.692/71, trabalhamos com msica rea para a qual pres-tamos concurso no espao da Educao Artstica,na Fundao Educacional do Distrito Federal (a redepblica de Braslia e suas cidades-satlites). Por suavez, a Secretaria Municipal de Educao de SoPaulo produziu, em 1991, como resultado do Movi-mento de Reorientao Curricular, um documentodestinado a dar uma viso da rea de Educao Ar-tstica e propor parmetros para a construo deprogramas pelos educadores, no qual a msica uma das linguagens que compem a rea, ao ladode teatro, artes visuais e dana (So Paulo, [1991]).

    No entanto, a habilitao geral em EducaoArtstica qual se reduz a licenciatura curta e queintegra a licenciatura plena, constituindo o currculomnimo da parte comum do curso indicado pela Re-soluo CFE no 23/73 dirige-se a uma abordagemintegrada das diversas linguagens artsticas (ou seja,um tratamento polivalente). Prevista nos termosnormativos tanto para a formao do professor quantopara o 1o e 2o graus,7 a polivalncia marca a implanta-o da Educao Artstica, contribuindo para a dilui-o dos contedos especficos de cada linguagem.

    No entanto, como mostra Fucks (1991, p. 124-126, 130-142), essa abordagem integrada das lin-guagens artsticas antecede Lei 5.692/71, tendosido proposta pelo movimento chamado criatividade,que surgiu no ps-guerra, articulado s mudanasesttico-musicais desse perodo e s propostas daarte-educao,8 dando ao ensino de msica um ca-

    4 Acerca de seu carter humanstico, ver Barbosa ([s.d.], p. 110). No caso da referncia matria escolar, grafamos Arte eEducao Artstica com iniciais maisculas.5 O canto orfenico tinha como objetivos, segundo Villa-Lobos, desenvolver, em ordem de importncia: 1 a disciplina; 2 ocivismo e 3 a educao artstica (Fucks, 1991, p. 120).6 O Parecer CFE n 540/77 aborda o tratamento a ser dado aos componentes curriculares previstos no art. 7 da Lei n 5.692/71"(Brasil, 1979, p. 192).7 De acordo com a Resoluo CFE n 23/73 (Brasil, 1982, p. 39-41) e o Parecer CFE n 540/77, relativo prtica pedaggica, que dizclaramente: A Educao Artstica no se dirigir, pois, a um determinado terreno esttico. E adiante: A partir da srie escolhida pelaescola, nunca acima da quinta srie, [] certo que as escolas devero contar com professores de Educao Artstica,preferencialmente polivalente no 1 grau. (Brasil, 1979, p. 196-197, grifo meu).8 As propostas da arte-educao, originadas na rea de artes plsticas, enfatizavam a criatividade e a expresso pessoal comocontribuio ao desenvolvimento global do indivduo. No Brasil, um importante plo difusor desse movimento foi a Escolinha de Arte doBrasil, fundada em 1948, sob influncia direta do pensamento de Herbert Read (cf. Fucks, 1991, p. 125, 135; Pessi, 1990, p. 27-29).

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    rter experimental. Com o enfraquecimento do pro-jeto do canto orfenico, que perde o contexto polti-co que o sustentava com o fim do Estado Novo, apresena da msica na escola regular de formaogeral diminua progressivamente, pois a maioria doseducadores musicais abraou a criatividade, inclu-sive em funo de sua frgil formao.9 Difundia-se,portanto, um enfoque polivalente, marcado peloexperimentalismo, que levava ao esvaziamento doscontedos prprios de cada linguagem artstica.Desse modo, a Lei 5.692/71 vem oficializar a pr-criatividade,10 tendncia que j dominava, de fato, aprtica pedaggica escolar (Fucks, 1991, p. 159).

    Paralelamente, o padro tradicional de ensi-no de msica, de carter tcnico-profissionalizante,mantm-se sem maiores alteraes em grande par-te das escolas de msica especializadas bacha-relados e conservatrios , continuando a ser vistocomo o modelo de um ensino srio de msica. Noentanto, seus contedos e metodologias no soadequados para as escolas regulares, onde a msi-ca tem objetivos distintos da formao deinstrumentistas (cf. Penna, 1995). Persiste, portan-to, o desafio de levar uma educao musical de qua-lidade para as escolas pblicas de educao bsi-ca, que se encontram em fase de expanso, pas-sando a atender a grupos sociais que anteriormenteno tinham acesso ao sistema de ensino.

    Nesse sentido, no podemos esquecer que aLei 5.692/71 a primeira a estabelecer, em seu arti-go 44, o dever do Estado com o oferecimento pbli-co e gratuito do ensino por 8 anos (por todo o 1ograu, atual ensino fundamental). Expressa-se assim,no texto da lei, uma mudana na concepo de edu-cao, em funo dos interesses polticos e econ-micos dominantes nesse momento histrico, em queo pas se encontra sob governo militar e diante dochamado milagre econmico:

    Se no Brasil era concebida at ento como um bem deconsumo de luxo, ao qual somente uma minoria tinhaacesso fcil, a educao precisa ser consumida portodos para que se torne um capital que, devidamenteinvestido, produzir lucro social e individual. O Estadobrasileiro, que se torna o mediador do processo deinternacionalizao do mercado interno, passa a investirem educao assumindo parte dos gastos daqualificao do trabalhador em benefcio das empresasprivadas nacionais e multinacionais. (Freitag, 1980, p.107, grifo da autora).

    Nesse quadro, a Lei 5.692/71 acarreta umaprogressiva expanso da rede pblica e das oportu-nidades fsicas de acesso escola, embora, do pontode vista pedaggico, possa ser questionada a quali-dade do ensino e, por conseguinte, da formao.11Contudo, consideramos que, pelo menos potencial-mente, o espao curricular da Educao Artstica tambm aberto ao ensino de msica configura umespao de maior alcance social (e portanto maisdemocrtico), em comparao tanto com as esco-las de msica especializadas, quanto com a capa-cidade dos sistemas pblicos anteriores em atender demanda social por educao. Mas esse espao tambm aberto, na verdade, a qualquer uma daslinguagens artsticas, ou mesmo a todas elas, numenfoque polivalente. E o fato que a msica noconsegue se inserir de modo significativo nesse es-pao, e a prtica escolar da Educao Artstica, quese diferencia de escola a escola, acaba sendo domi-nada pelas artes plsticas, principalmente. Vale lem-brar que inmeros livros didticos de Educao Ar-tstica, publicados nas dcadas de 1970 e 1980,apresentam atividades nas vrias linguagens artesplsticas, desenho, msica e artes cnicas , em-bora com predominncia das artes plsticas. Almdisso, essa a rea em que a maior parte dos cur-sos e conseqentemente dos professores habilita-dos se concentra, de modo que, em muitos con-textos, arte na escola passa, pouco a pouco, a sersinnimo de artes plsticas ou visuais. E isso per-siste at os dias de hoje, como veremos adiante.

    Dcada de 1990: nova legislao

    As crticas polivalncia e ao esvaziamentoda prtica pedaggica em Educao Artstica vo sefortalecendo, paulatinamente, atravs de pesquisase trabalhos acadmicos, em congressos e encon-tros nos diversos campos da arte. Difunde-se, con-seqentemente, a necessidade de se recuperar osconhecimentos especficos de cada linguagem ar-tstica, o que se reflete, inclusive, no repdio deno-minao educao artstica, em prol de ensino dearte ou melhor, ensino de msica, de artes plsti-cas, etc. Isto se reflete na nova LDB Lei 9.394, ho-mologada em 1996, aps um longo processo de ela-borao , que tambm dispensa aquela expresso.

    Cabe aqui um breve parntese, para contex-tualizar historicamente esse momento de criao de

    9 No artigo A Dupla Dimenso da Poltica Educacional e a Msica na Escola: II a Poltica Educacional na Prtica Escolar, a serpublicado no prximo nmero desta revista, discutiremos mais profundamente o projeto do canto orfenico e os problemas naformao do professor.10 [] o que chamamos de pr-criatividade se constitui numa prtica polivalente, geralmente caracterizada pelo laissez-faire e quese realiza intercaladamente ou simultaneamente ao canto cvico-escolar. (Fucks, 1991, p. 60).11 A esse respeito, ver, entre outros, Cunha (1985, p. 57).

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    uma nova legislao para a educao brasileira.Desde meados da dcada de 1980, vo sendo ado-tadas medidas governamentais que visam a adequa-o do sistema educacional do pas s transforma-es de ordem econmica, poltica, social e culturalque afetam o mundo contemporneo, e que se ex-pressam nos processos de reorganizao da estru-tura produtiva e de internacionalizao da economia.Diante das exigncias colocadas por essareestruturao global, intensificam-se, a partir dasegunda metade da dcada de 1990, as aes nosentido de ajustar as polticas educacionais ao pro-cesso de reforma do Estado brasileiro, seguindo re-comendaes de organismos internacionais, comoo Banco Mundial, e em funo de compromissosassumidos pelo governo brasileiro especialmentena Conferncia Mundial de Educao para Todos(Jomtiem, Tailndia, 1990) , que resultaram na ela-borao do Plano Decenal de Educao para Todos 1993/2003 (Fonsca, 2001, p. 15-19).

    Nesse contexto, como mostra Saviani (1998),o processo de tramitao da nova Lei de Diretrizes eBases da Educao Nacional na verdade a nossasegunda LDB inicia-se em dezembro de 1988, quan-do apresentado o primeiro projeto Cmara dosDeputados, projeto esse que contava, na sua elabo-rao, com a participao de diversas entidades re-presentativas da rea de educao. Essas entida-des, organizadas no Frum Nacional em Defesa daEscola Pblica, acompanham e participam das vri-as verses que esse projeto vai ganhando, at que,em 1992, j em sua fase final, ele suplantado eesvaziado pelo projeto que surge no Senado, apre-sentado por Darcy Ribeiro. Neste novo projeto, asincoerncias se expressam, basicamente, na coe-xistncia entre propostas avanadas, via de regra,transpostas do projeto da Cmara, e medidas queconstituem verdadeiro retrocesso como a reduodo ensino fundamental obrigatrio, entre outras. Noentanto, o projeto do Senado que encampadopelo governo, na medida em que expressa os seusinteresses de carter neoliberal, sendo que a suasegunda verso constitui a base do texto da lei final-

    mente aprovada e promulgada em dezembro de 1996 um texto incuo e genrico, nos termos de Saviani(1998, p. 197-199).12

    A atual LDB, estabelecendo que o ensino daarte constituir componente curricular obrigatrio, nosdiversos nveis da educao bsica, de forma a pro-mover o desenvolvimento cultural dos alunos (Lei9.394/96 art. 26, pargrafo 2o), garante um espaopara a(s) arte(s) na escola, como j estabelecido em1971, com a incluso da Educao Artstica no curr-culo pleno. E continuam a persistir a indefinio e ambi-gidade que permitem a multiplicidade, uma vez que aexpresso ensino da arte pode ter diferentes interpreta-es, sendo necessrio defini-la com maior preciso.

    Nesse sentido, algumas especificaes a res-peito vo ser encontradas nos Parmetros Curricu-lares Nacionais (PCN) para os ensinos fundamentale mdio (Brasil, 1997a, 1998a, 1999), documentoselaborados pelo Ministrio da Educao (MEC), que,embora no tenham formalmente um carter obriga-trio,13 configuram uma orientao oficial para a pr-tica pedaggica, e tm sido utilizados pelo MECcomo referncia para a avaliao das escolas e alo-cao de recursos. Os PCN para o ensino funda-mental subdividem-se em dois conjuntos de docu-mentos um para os 1o e 2o ciclos (1a 4a sries),outro para os 3o e 4o ciclos (5a 8a sries) , publica-dos em 1997 e 1998, respectivamente, com volu-mes dedicados s reas de conhecimento dentreelas Arte e aos temas transversais que compema estrutura curricular. Nos dois documentos para area de Arte, so propostas quatro modalidades ar-tsticas artes visuais (mais abrangentes que asartes plsticas), msica, teatro e dana (demarcadaem sua especificidade) , mas no h indicaesclaras sobre como encaminhar essa abordagem naescola, que tem a seu cargo as decises a respeitode quais linguagens artsticas, quando e comotrabalh-las na sala de aula (cf. Penna, 2001b).

    Na educao mdia, o currculo abarca umabase nacional comum e uma parte diversificada, sen-do Arte uma disciplina potencial14 da rea Lingua-

    12 Pelas razes expostas, consideramos inadequado e injusto denominar a atual LDB (Lei 9.293/96) de Lei Darcy Ribeiro, ou apont-lo como seu idealizador (cf., p. ex., Lima, 2000, p. 42), pois equivale a desconsiderar todo o processo anterior de construo doprojeto da Cmara, muito mais democrtico, assim como a atuao do Frum Nacional em Defesa da Escola Pblica. Esta LDB ,portanto, fruto de um longo processo, com contradies e disputas internas, e no apenas obra de uma pessoa.13 Segundo o Parecer CNE/CEB n 03/97, do Conselho Nacional de Educao (CNE), os PCN [para os 1 e 2 ciclos do ensinofundamental] resultam de uma ao legtima, de competncia privativa do MEC e se constituem em uma proposio pedaggica, semcarter obrigatrio, que visa melhoria da qualidade do ensino fundamental e o desenvolvimento profissional do professor. nestaperspectiva que devem ser apresentados s Secretarias Estaduais, Municipais e s Escolas (grifo meu). Os volumes posterioresdos PCN no foram mais submetidos apreciao do CNE.14 Ateno fragilidade da concepo de disciplina potencial: O fato de estes Parmetros Curriculares terem sido organizados em cada umadas reas por disciplinas potenciais no significa que estas so obrigatrias ou mesmo recomendadas. O que obrigatrio pela LDB ou pelaResoluo n 03/98 [que estabelece as Diretrizes Curriculares para o ensino mdio] so os conhecimentos que estas disciplinas recortam e ascompetncias e habilidades a eles referidos e mencionados nos citados documentos. (Brasil, 1999, p. 32, grifo meu).

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    gens, Cdigos e suas Tecnologias, que integra abase comum. Os Parmetros Curriculares Nacionaispara esse nvel de ensino (Brasil, 1999) so bemmais sucintos e genricos que os documentos parao ensino fundamental; o texto sobre Arte (como o dequalquer outra disciplina) no muito extenso, almde que no inclui uma proposta especfica para cadalinguagem artstica. Pretendendo uma progresso noprocesso pedaggico ao longo da trajetria escolardo aluno, o ensino mdio deve dar continuidade aosconhecimentos de arte desenvolvidos na educaoinfantil e fundamental em msica, artes visuais,dana e teatro, ampliando saberes para outrasmanifestaes, como as artes audiovisuais (Bra-sil, 1999, p. 169, grifo no original). Dessa forma, aproposta para o ensino mdio mantm a multipli-cidade interna da rea, levando-a ainda mais adiante com a referncia s artes audiovisuais , mastampouco explicita como tornar vivel a sua concre-tizao na prtica escolar cotidiana.

    Tanto no ensino fundamental quanto no m-dio, as decises quanto ao tratamento das vriaslinguagens artsticas ficam a cargo de cada estabe-lecimento de ensino. Em certa medida, essa flexibi-lidade procura considerar os diferentes contextosescolares deste imenso pas, levando em conta tam-bm a disponibilidade de recursos humanos. Diantedas condies de nosso sistema de ensino, seriairrealista pretender vincular cada linguagem artsticaa sries determinadas, num programa curricular fe-chado. No entanto, essa flexibilidade permite que asescolhas das escolas no contemplem todas as lin-guagens, o que bastante provvel, diante da cargahorria de Arte, em geral muito reduzida, e aindapela questo da disponibilidade de professores qua-lificados e os critrios financeiros de contratao situao similar que a prtica da Educao Artsti-ca enfrentava, em muitos espaos, quando da vign-cia da Lei 5.692/71.

    A isso tudo se soma a falta de clareza acercada formao do professor de Arte, cuja qualificaono indicada com preciso, quer na LDB quer nosdiversos Parmetros, o que uma questo impor-tante, na medida em que define o seu domnio dosconhecimentos artsticos: sua formao especfi-ca em uma linguagem, ou mantm-se a viso geraldas vrias modalidades? Nesse sentido, as Diretri-zes Curriculares Nacionais dos Cursos de Gradua-o na rea de arte estabelecem a licenciatura emcada linguagem, como veremos adiante. Mas quemtrabalha com arte nas sries iniciais do ensino fun-damental e na educao infantil? Em relao a es-ses nveis de ensino, o problema ainda mais srio,pois neles no costuma atuar o professor licencia-

    do, e o ensino de arte normalmente fica a cargo doprofessor de classe. Como j vimos, os ParmetrosCurriculares Nacionais em Arte para as 1a 4a sri-es trazem propostas para artes visuais, msica, te-atro e dana, enquanto, por outro lado, poucos cur-sos superiores de Pedagogia contemplam, em seucurrculo, alguma(s) destas linguagens artsticas.

    Na educao infantil que, de acordo com aatual LDB, constitui a etapa inicial da educao b-sica , o problema at mesmo se agrava, j que nestenvel muitas vezes no h uma perspectiva propria-mente educativa adequada para cada faixa etria, oque resulta num descuido com a formao profissio-nal do educador, principalmente nas creches. O pr-prio Referencial Curricular Nacional para a Educa-o Infantil considera que ainda so dominantes tantoa tradio assistencialista das creches quanto amarca da antecipao da escolaridade das pr-es-colas (Brasil, 1998c, Carta do Ministro). Vale lem-brar que este documento de orientao pedaggicapara a educao infantil, tambm sem carter obri-gatrio, traz com destaque, em seu volume denomi-nado Conhecimento de Mundo, uma proposta bas-tante detalhada para msica (Brasil, 1998d, p. 45-81). H estudiosos, contudo, que consideram que,em alguns pontos, essa proposta reflete uma visoromntica e uma concepo idlica de educaomusical (Souza, 1998, p. 133). De qualquer forma,tudo indica que a proposta curricular e pedaggicadesse referencial uma idealizao muito distanteda realidade atual, e somente em poucas e privilegi-adas escolas deste pas encontraremos um profes-sor graduado na rea especfica de msica atuandonesse nvel escolar, especialmente na rede pblica.Quanto educao infantil, portanto, existe uma pro-posta especfica para msica sem subordin-la rea de Arte apresentada no Referencial CurricularNacional; no entanto, pela no obrigatoriedade des-se documento e pelo percurso histrico desse nvelde ensino, acreditamos improvvel a sua concre-tizao em termos mais amplos.

    Pelo exposto, quanto flexibilidade e multipli-cidade interna dos PCN para Arte no ensino funda-mental e mdio, possvel uma leitura polivalente daproposta das quatro diferentes modalidades artsti-cas como integrantes da rea. Com isso, seria exigidado professor uma polivalncia ainda mais ampla einconsistente que aquela promovida pela EducaoArtstica, e j to criticada. A falta de uma definioclara da qualificao exigida do professor para quepossa assumir o trabalho pedaggico no campo daarte, como acima discutido, pode favorecer essa lei-tura, como tambm a tendncia de as provas deconcursos pblicos para professor de Arte como

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    anteriormente para Educao Artstica serem ela-boradas nesse formato, abordando as diversas lin-guagens. Alm disso, pelo fato de a contratao deprofessores estar muitas vezes sujeita relaocusto/benefcio, improvvel encontrar vrios profes-sores de Arte, com formaes especficas, atuandoem uma mesma turma. Uma interpretao das indi-caes dos vrios Parmetros como uma prticapolivante, contudo, est na contramo do prpriopercurso da rea de ensino de arte, que tem aponta-do para o resgate dos contedos prprios de cadalinguagem, e, por conseguinte, tambm na contra-mo das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cur-sos de Graduao nas diversas reas artsticas, ela-boradas pelas Comisses de Especialistas em En-sino em cada uma das linguagens. significativo ofato de que, inicialmente, a equipe formada pela Se-cretaria de Educao Superior do MEC para a ela-borao dessas diretrizes era mais abrangente Comisso de Especialistas em Ensino de Artes/CEEARTES , tendo depois se subdividido em di-versas comisses, conforme sua especificidade,dentre elas a de msica.

    Paralelamente a essa possvel leitura poli-valente das propostas para a prtica pedaggica emArte nos ensinos fundamental e mdio, cabe lem-brar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para aEducao Profissional de Nvel Tcnico institudaspela Resoluo CNE/CEB no 04, de 1999 (Brasil,2000) prevem a sua organizao em reas profis-sionais, dentre elas a de Artes (artigo 5o). Nesta, amultiplicidade interna do campo artstico persiste, oque claro pela proposio, como uma das compe-tncias profissionais gerais do tcnico da rea, de:Identificar e aplicar, articuladamente, os componen-tes bsicos das linguagens sonora, cnica e plsti-ca. Ao lado dessas competncias gerais, so pre-vistas, ainda, competncias especficas para cadahabilitao, a serem definidas pela escola (anexos Resoluo CNE/CEB no 04/99), numa estrutura que,articulando uma abordagem geral (polivalente) a ou-tra especfica, mantm alguma proximidade com ocurrculo mnimo da licenciatura em Educao Arts-tica (Resoluo CFE no 23/73). Aprovadas pela C-mara de Educao Bsica do CNE, essas Diretri-zes para a Educao Profissional de Nvel Tcnicointerligam-se quelas dos demais nveis da educa-o bsica, assim como aos documentos que orien-

    tam a estruturao curricular (Parmetros eReferenciais), ajudando a reafirmar a possibilidadede uma leitura polivalente dos Parmetros para Arteno ensino fundamental e mdio.

    Continuidades e diferenas

    Por tudo que foi discutido a respeito dos di-versos termos legais e normativos de alcance nacio-nal, fica claro que, por um lado, a atual LDB refere-se arte de forma imprecisa, ao mesmo tempo emque os Parmetros para os ensinos fundamental emdio estabelecem um espao potencial para amsica como parte do contedo curricular Arte, semcontudo garantir a sua efetiva presena na prticaescolar, que depende, fundamentalmente, das deci-ses pedaggicas de cada escola. Assim, quanto auma garantia real da presena do ensino de msicana educao bsica, atravs de alguma norma ofici-al que indique especificamente a sua obrigatoriedadeem todo o pas, a situao atual no apresenta mu-danas expressivas em relao Educao Artsti-ca: a msica, como contedo curricular, continuasubordinada ao campo mais amplo e mltiplo dasartes. Entre a Educao Artstica e a atual Arte, asdiferenas mais significativas, nos vrios Parmetros,no envolvem diretamente a msica, mas dizem res-peito maior abrangncia, em relao s artes pls-ticas, das artes visuais e audiovisuais, e ainda demarcao da dana como modalidade especfica,15aspectos que no nos cabe aqui discutir maislongamente.

    No que concerne ao campo prprio da msi-ca, a maior diferena entre esses dois momentoshistricos encontra-se nas indicaes para a forma-o do professor: as Diretrizes Curriculares Nacio-nais do Curso de Graduao em Msica, ao deter-minar uma formao de carter especfico, indicama transformao das licenciaturas plenas em Edu-cao Artstica (com habilitao em msica) em li-cenciaturas em msica. Embora essas diretrizes jvenham sendo divulgadas h vrios anos, servindocomo base para a criao ou reformulao curricularde muitos cursos, o processo de sua oficializao na forma de resoluo do Conselho Nacional de Edu-cao ainda se encontra, no presente momento,inconcluso.16 Sua influncia, assim, no ainda toampla, no sendo possvel detectar, em muitos con-

    15 Na prtica escolar, a dana muitas vezes trabalhada pelo professor de Educao Fsica, integrando tambm os Parmetros paraesta rea.16 Conforme consulta, em 25/01/2004, aos sites do Conselho Nacional de Educao (www.mec.gov.br/cne/ diretrizes.shtm#Musica)e da Secretaria de Educao Superior (www.mec.gov.br/sesu/ diretriz.shtm), a resoluo que aprova as Diretrizes CurricularesNacionais do Curso de Graduao em Msica ainda no foi numerada e nem publicada procedimentos que configuram aconcluso do processo de sua formalizao , embora j tenha sido objeto do Parecer CNE/CES n 0146/2002, aprovado em 03/04/2002, e do Parecer CNE/CES n 0195/ 2003, aprovado em 05/08/2003.

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    textos, efeitos expressivos quer sobre o ensino demsica na prtica escolar na educao bsica, quersobre os critrios de contratao de professores, oumesmo sobre a estrutura de alguns cursos.

    Outra diferena relevante est na funo atribu-da arte na educao e concepo de ensino dearte, que tem reflexos sobre o ensino de msica. Comofoi visto, a implantao da Educao Artstica articula-se ampla difuso das propostas da arte-educao,que enfatizam a expresso pessoal, a liberdade criati-va e a revelao de emoes. Nesse quadro,

    Propostas de atividades com certos materiais [], porexemplo, so encaradas como uma oportunidade para aatividade criativa e expressiva, no tendo por objetivo odomnio tcnico de um fazer artstico em si, nem tampoucoo manuseio consciente de princpios de organizaodas linguagens artsticas. (Penna, 1999, p. 60).

    Por sua vez, bastante distinta a concepode ensino das artes expressa nos diversosParmetros Curriculares Nacionais mais claramentenos documentos para o ensino fundamental e espe-cialmente para 5a 8a sries , enfocando os conhe-cimentos prprios da arte e a sua abordagem atra-vs do fazer, apreciar e refletir, como eixos nortea-dores do processo de ensino e aprendizagem (cf.Penna, 2001b). Apesar de no apresentarem o mes-mo grau de elaborao e detalhamento, a propostapara Arte dos Parmetros para o ensino mdio man-tm basicamente o mesmo direcionamento. Comoj mencionado, todos esses documentos curricularesenglobam, em Arte, diversas linguagens artsticas,dentre elas a msica. Quanto a esta, os vriosParmetros revelam uma concepo de msica bas-tante aberta, que abarca a diversidade de manifesta-es musicais, em todos os campos de produo(erudito, popular, da mdia), apontando para aintegrao da vivncia musical do aluno no processopedaggico, que tem como objetivo ltimo ampli-la em alcance e qualidade. Destacamos, por outrolado, o carter ambicioso pela abrangncia e pro-fundidade dos contedos da proposta para msicanas 5a 8a sries do ensino fundamental.17 No en-tanto, como em relao s demais linguagens arts-ticas, os contedos musicais propostos esto sub-metidos grande flexibilidade dos Parmetros: Oscontedos podem ser trabalhados em qualquerordem, conforme deciso do professor, em confor-midade com o desenho curricular de sua equipe(Brasil, 1998a, p. 49; 1997a, p. 56, grifo meu).

    Assim, os vrios Parmetros CurricularesNacionais especificam o que idealizado ou desej-vel para o ensino de msica, mas nem eles nem aLDB garantem a sua presena na escola. Certamen-te, em relao msica na educao bsica, im-portante a existncia desses termos normativos fe-derais, que, embora no tenham carter obrigatrio,configuram uma orientao oficial para a ao peda-ggica, propondo-lhe uma linha bsica. As indica-es desses documentos revelam um direcionamentodistinto daquele das escolas especializadas, volta-das para a formao de instrumentistas, apontandoque outra a funo da msica na escola regular.Suas propostas, apesar de passveis de questio-namentos, podem servir de base para a reflexo ediscusso da prtica escolar em msica, o que semdvida produtivo e necessrio para o aprimoramentoe a expanso da rea de educao musical.

    Nesse contexto, as definies necessrias prtica escolar em Arte inclusive em relao msi-ca, como uma de suas vrias linguagens ficamtransferidas para outros nveis, como previsto nos vo-lumes introdutrios dos Parmetros para os diversosciclos do ensino fundamental (Brasil, 1998b, p. 51-52;1997b, p. 36-38), que apontam que esses documen-tos devem ser utilizados progressivamente para sub-sidiar: 1o) as prprias aes do MEC para o ensinofundamental; 2o) as revises ou adaptaes curricularesdesenvolvidas pelas secretarias de educao, no m-bito dos estados e municpios; 3o) a elaborao doprojeto educativo (proposta pedaggica) de cada es-cola, construdo num processo dinmico de discus-so, envolvendo toda a equipe; 4o) a realizao da pro-posta curricular na sala de aula, pelo professor.

    Sendo assim, os termos legais e normativosfederais, de alcance nacional, podem se articular adeterminaes em nvel estadual ou municipal, ondepoderia ser estabelecida, por exemplo, a obriga-toriedade do ensino de msica em sua especif-icidade e com espao curricular prprio na rede deensino correspondente. H, ainda, um espao dedeciso que cabe prpria escola, pois, seguindoprincpios de flexibilidade e autonomia, a LDB dele-ga aos estabelecimentos de ensino a incumbnciade elaborar e executar sua proposta pedaggica(Lei 9.394/96, art. 12), o que reafirmado pelas Dire-trizes Curriculares Nacionais para o ensino funda-mental e para o ensino mdio.18 Cada escola pode e

    17 Para uma anlise das propostas dos PCN para msica no ensino fundamental e sua viabilidade, ver Penna (2001c).18 As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental foram estabelecidas pela Resoluo CNE/CEB n 02/98, e portantono ano posterior publicao dos Parmetros para os 1 e 2 ciclos do ensino fundamental (Brasil, 1997a). J os Parmetros parao ensino mdio esto intimamente ligados s Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio, institudas pela Resoluo CNE/CEB n 03/98.

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    deve, portanto, decidir como utilizar os recursos hu-manos e materiais disponveis, de modo a atenders necessidades especficas de seu alunado. Seconstruda de forma participativa e compromissada e no apenas burocrtica , a proposta pedaggi-ca pode ser o espao ideal para definir o melhor modode encaminhar o trabalho de arte, o que leva a proje-tos curriculares para Arte diferenciados de escola aescola, que podem ou no incluir um trabalhoespecfico de msica.

    Ao longo deste texto, procuramos analisar asleis e termos normativos que dispem sobre o ensi-no de arte e de msica, explicitando os seus signifi-cados sociais e histricos. Entretanto, importanteter conscincia de que esses dispositivos regulamen-tadores no so dotados de uma virtude intrnsecacapaz de realizar mudanas na organizao e naprtica escolar (Saviani, 1978, p. 193). Nesse senti-do, no cabe esperar que essas ou outras normasque possam ser propostas gerem automaticamen-te transformaes na prtica pedaggica cotidiana.Por outro lado, no entanto, podem ser utilizadas pararespaldar aes promotoras de mudanas, se for-mos capazes de conhec-las e analis-las, para

    19 No prximo nmero desta revista, o artigo A Dupla Dimenso da Poltica Educacional e a Msica na Escola: II a Poltica Educacionalna Prtica Escolar dar continuidade a essa discusso.

    delas nos reapropriar. Expressivo o caso, rela-tado em boletim da ABEM (Associao Brasileirade Educao Musical, 2002, p. 1), em que amobilizao dos educadores musicais conseguiua reviso do programa do concurso pblico paraArtes da rede estadual do Par, em 2002, quepassou a incluir contedos de msica, anterior-mente no contemplados.

    Como vimos, desde a dcada de 1970, se noh garantias formais para o ensino de msica (emsua especificidade) na educao bsica, a msicaintegra, potencialmente, o campo da arte, como com-ponente curricular. Assim, a realizao efetiva des-se potencial depende de inmeros fatores, inclusivedo modo como atuamos concretamente na prticaescolar, nos mltiplos espaos possveis. Para umaanlise profunda da poltica educacional, cabe, por-tanto, articular a letra da lei a uma outra dimenso: omodo como as normas so incorporadas pela socie-dade civil, refletindo-se na prtica escolar.19 Pois,como j indicado, a legislao constitui uma medi-ao entre a situao real e aquela que proclamadacomo desejvel, havendo a probabilidade de contradi-es e defasagens entre elas (Saviani, 1978, p. 193).

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    Recebido em 29/01/2004

    Aprovado em 09/02/2004