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Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XIII – Nº 97 – SET-OUT 2015 EDIÇÃO ESPECIAL – NOVO CPC REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alex Araujo Terras Gonçalves, Alex Perozzo Boeira, Alexandre Freitas Câmara, Antonio Carlos Marcato, Bruno Campos Silva, Carlos da Fonseca Nadais, Carlos Eduardo Oliveira Dias, Carlos Henrique Soares, Celso Hiroshi Iocohama, Christine Oliveira Peter da Silva, Clito Fornaciari Júnior, Cristiano de Melo Bastos, Diego Santiago y Caldo, Felipe Cunha de Almeida, Felipe Scalabrin, Flávio Luiz Yarshell, Gelson Amaro de Souza, Georgenor de Sousa Franco Filho, Gilberto Kerber, Gisele Leite, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Handel Martins Dias, Henrique Alves Pinto, Jorge Sylvio Marquezi Junior, José Henrique Mouta Araújo, Leonardo Faria Schenk, Leonardo Oliveira Soares, Luiz Manoel Gomes Junior, Marcelo Marzochi, Marco Aurélio Serau Junior, Mirelle Stefani da Silva, Miriam Fecchio Chueiri, Nehemias Domingos de Melo, Olney Queiroz Assis, Patricia Palhares Aversa Marzochi, Rodrigo Mazzei, Sergio Pinto Martins, Valdeci Mendes de Oliveira, Vinícius de Carvalho P. Mendonça, Vinicius Silva Lemos, Walter Piva Rodrigues ISSN 2179-166X

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  • Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

    ano Xiii – nº 97 – set-out 2015 eDição esPeCial – novo CPC

    rePositório autorizaDo De JurisPruDênCiaSuperior Tribunal de Justiça – nº 45/2000

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0

    Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9

    Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007

    Diretor eXeCutivo Elton José Donato

    Gerente eDitorial e De Consultoria Eliane Beltramini

    CoorDenaDor eDitorial Cristiano Basaglia

    eDitora Simone Costa Salleti Oliveira

    Conselho eDitorialAda Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim,

    Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim,

    José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

    ColaboraDores Desta eDiçãoAlex Araujo Terras Gonçalves, Alex Perozzo Boeira, Alexandre Freitas Câmara, Antonio Carlos Marcato, Bruno Campos Silva, Carlos da Fonseca Nadais, Carlos Eduardo Oliveira Dias, Carlos Henrique Soares,

    Celso Hiroshi Iocohama, Christine Oliveira Peter da Silva, Clito Fornaciari Júnior, Cristiano de Melo Bastos, Diego Santiago y Caldo, Felipe Cunha de Almeida, Felipe Scalabrin, Flávio Luiz Yarshell, Gelson Amaro de Souza,

    Georgenor de Sousa Franco Filho, Gilberto Kerber, Gisele Leite, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Handel Martins Dias, Henrique Alves Pinto, Jorge Sylvio Marquezi Junior, José Henrique Mouta Araújo,

    Leonardo Faria Schenk, Leonardo Oliveira Soares, Luiz Manoel Gomes Junior, Marcelo Marzochi, Marco Aurélio Serau Junior, Mirelle Stefani da Silva, Miriam Fecchio Chueiri, Nehemias Domingos de Melo,

    Olney Queiroz Assis, Patricia Palhares Aversa Marzochi, Rodrigo Mazzei, Sergio Pinto Martins, Valdeci Mendes de Oliveira, Vinícius de Carvalho P. Mendonça, Vinicius Silva Lemos,

    Walter Piva Rodrigues

    ISSN 2179-166X

  • 1999 © SÍNTESE

    Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

    Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil.

    Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

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    Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

    A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

    Distribuída em todo o território nacional.

    Tiragem: 5.000 exemplares

    Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

    Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

    v. 1, n. 1, jul. 1999

    Publicação periódica Bimestral

    v. 13, n. 97, set./out. 2015

    ISSN 2179-166X

    1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

    CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347

    (Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

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  • Carta do Editor

    Esta edição da Revista SÍNTESE Direito Civil e Processual Civil vem focada nas alterações do Novo Código de Processo Civil que entrarão em vigor em março de 2016.

    Depois de tantos estudos, discussões, e conclusões, a disciplina legal aprovada fomenta que as controvérsias sejam solucionadas de forma con-sensual, por meio de conciliação e da mediação. Tudo em prol da celerida-de processual, com a solução amigável do litígio.

    Apresentamos uma coletânea de estudos, trazendo doutrinas que abrangem diversos temas, tanto quanto é possível, de cunho prático de grandes nomes do Direito, tais como: Alexandre Freitas Câmara, Walter Piva Rodrigues, Valdeci Mendes de Oliveira, Nehemias Domingos de Melo, Georgenor de Sousa Franco Filho, Sergio Pinto Martins, Carlos Eduardo Oliveira Dias, Alex Perozzo Boeira, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Antonio Carlos Marcato, Rodrigo Mazzei, Carlos Henrique Soares, José Henrique Mouta Araújo, Luiz Manoel Gomes Junior, Miriam Fecchio Chueiri, Marco Aurélio Serau Junior, Handel Martins Dias, Celso Hiroshi Iocohama, Leonardo Faria Schenk, Gelson Amaro de Souza, Gisele Leite, Christine Oliveira Peter da Silva, Olney Queiroz Assis, Carlos da Fonseca Nadais, Jorge Sylvio Marquezi Junior, Leonardo Oliveira Soares, Felipe Cunha de Almeida, Felipe Scalabrin, Clito Fornaciari Júnior, Diego Santiago y Caldo, Flávio Luiz Yarshell, Henrique Alves Pinto, Cristiano de Melo Bastos, Mirelle Stefani da Silva, Bruno Campos Silva, Gilberto Kerber, Vinícius de Carvalho P. Mendonça, Vinicius Silva Lemos, Marcelo Marzochi, Patricia Palhares Aversa Marzochi e Alex Araujo Terras Gonçalves.

    Excepcionalmente, nesta edição, não serão publicados os Acórdãos na íntegra do repositório autorizado.

    É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

    Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

  • Sumário

    Parte Geral

    Doutrinas

    1. O Princípio da Primazia da Resolução do Mérito e o Novo Código de Processo CivilAlexandre Freitas Câmara ..................................................................................................................9

    2. Breves Anotações sobre o Incidente de Assunção de Competência no Novo CPC/2015Walter Piva Rodrigues .....................................................................................................................17

    3. O Poder Judiciário, o Código de Processo Civil de 2015, a Técnica da Cognição e as Tutelas Provisórias. Breves ConsideraçõesValdeci Mendes de Oliveira ............................................................................................................22

    4. Da Gratuidade da Justiça no Novo CPC e o Papel do JudiciárioNehemias Domingos de Melo .........................................................................................................58

    5. Férias (de Advogado) e Recesso ForenseGeorgenor de Sousa Franco Filho ....................................................................................................66

    6. Perícia no Novo CPC e o Processo do TrabalhoSergio Pinto Martins ........................................................................................................................73

    7. A Carga Principiológica do Novo CPC e a Instrumentalidade do ProcessoCarlos Eduardo Oliveira Dias ..........................................................................................................82

    8. Inovação Recursal no Juízo de Retratação dos Artigos 543-C do CPC e 1.053 do Novo CPCAlex Perozzo Boeira ........................................................................................................................97

    9. Mediação e Autocomposição: Considerações sobre a Lei nº 13.140/2015 e o Novo CPCGustavo Filipe Barbosa Garcia ......................................................................................................148

    10. Os Precedentes Judiciais e o Novo CPCAntonio Carlos Marcato .................................................................................................................162

    11. O Dever de Motivar e o “Livre Convencimento” (Conflito ou Falso Embate?): Breve Análise do Tema a Partir de Decisões do Superior Tribunal de Justiça e com os Olhos no Novo Código de Processo CivilRodrigo Mazzei .............................................................................................................................165

    12. Abuso do Direito Processual no Novo Código de Processo CivilCarlos Henrique Soares .................................................................................................................177

    14. A Duração Razoável do Processo e o Fenômeno da Coisa Julgada no Novo Código de Processo CivilJosé Henrique Mouta Araújo .........................................................................................................200

    15. Algumas Considerações sobre os Recursos no Novo Código de Processo Civil – Impressões IniciaisLuiz Manoel Gomes Junior e Miriam Fecchio Chueiri ...................................................................224

    16. Impacto do Novo CPC sobre as Ações PrevidenciáriasMarco Aurélio Serau Junior ...........................................................................................................241

    17. A Gratuidade da Justiça no Novo Código de Processo CivilHandel Martins Dias ......................................................................................................................260

    18. O Princípio da Veracidade e o Direito de Não Fazer Prova Contra Si Mesmo Perante o Novo Código de Processo CivilCelso Hiroshi Iocohama ................................................................................................................277

    19. Notas sobre a Interdição no Código de Processo Civil de 2015Leonardo Faria Schenk ..................................................................................................................308

  • 20. Execução e Responsabilidade Patrimonial no CPC/2015Gelson Amaro de Souza ................................................................................................................326

    21. Considerações sobre Ontologia Processual Civil Contemporânea e o CPC/2015Gisele Leite ...................................................................................................................................350

    22. Sistemática da Repercussão Geral no Novo Código de Processo CivilChristine Oliveira Peter da Silva ....................................................................................................371

    23. Condomínio Edilício e o Novo CPCOlney Queiroz Assis ......................................................................................................................391

    24. Desconsideração da Personalidade Jurídica: um Estudo Doutrinário, Normativo e Jurisprudencial Atualizado (Incluindo o Novo Código de Processo Civil)Carlos da Fonseca Nadais ..............................................................................................................415

    25. A Sistemática Recursal no Novo Código de Processo Civil: Pontos Positivos e NegativosJorge Sylvio Marquezi Junior .........................................................................................................445

    26. Coisa Julgada, Coerência Jurisprudencial e o NCPC: Ligeiro ApontamentoLeonardo Oliveira Soares ..............................................................................................................459

    27. O Novo Código de Processo Civil e as Ações de Família: Emenda Constitucional nº 66/2010 e a Confirmação da Manutenção da Separação Judicial no Ordenamento BrasileiroFelipe Cunha de Almeida ..............................................................................................................468

    28. A Crise do Poder Judiciário sob as Lentes do Novo Código de Processo CivilFelipe Scalabrin .............................................................................................................................493

    29. O Novo Processo Como uma Nova FilosofiaClito Fornaciari Júnior ...................................................................................................................504

    30. O Ideal Controle Jurisdicional de Políticas Públicas e o Novo Código de Processo CivilDiego Santiago y Caldo .................................................................................................................507

    30. Novo CPC e o Processo Eleitoral: Solução para o Problema do Julgamento de Demandas Fundadas nos Mesmos Fatos?Flávio Luiz Yarshell .......................................................................................................................524

    31. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica do Novo CPC: Breves ConsideraçõesHenrique Alves Pinto .....................................................................................................................528

    32. O Novo CPC e a Usucapião Administrativa: a Desjudicialização do ProcedimentoCristiano de Melo Bastos e Mirelle Stefani da Silva ........................................................................537

    33. Embargos de Declaração e o Novo Código de Processo CivilBruno Campos Silva ......................................................................................................................558

    34. Honorários Advocatícios: o Que Muda no Novo Código de Processo CivilGilberto Kerber ..............................................................................................................................569

    35. O Procedimento Comum Único e as Causas sobre Direito do Seguro no Novo CPCVinícius de Carvalho P. Mendonça ................................................................................................584

    36. A Desistência no Microssistema de Formação de PrecedentesVinicius Silva Lemos ......................................................................................................................602

    37. Pedido Genérico na Ação de Dano MoralMarcelo Marzochi e Patricia Palhares Aversa Marzochi ................................................................625

    38. Do Reconhecimento Extrajudicial de Usucapião à Luz do Novo Código de Processo CivilAlex Araujo Terras Gonçalves .......................................................................................................629

    Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................................................635

  • Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

    cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

    Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publica-ções.

    3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

    4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

    5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

    dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

    artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

    TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

    9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as idéias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

    10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

    11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

    12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

    13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

    14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

    15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

    16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

    17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

  • Parte Geral – Doutrina

    O Princípio da Primazia da Resolução do Mérito e o Novo Código de Processo Civil

    ALexAnDRe FReITAS CâmARADesembargador no TJRJ, Professor Emérito e Coordenador de Direito Processual Civil da EMERJ, Membro da Comissão de Juristas que assessorou a Câmara dos Deputados no exa-me do projeto de lei que resultou no novo Código de Processo Civil, Presidente do Instituto Carioca de Processo Civil (ICPC), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual (IIDP) e da Associação Internacional de Direito Processual (IAPL).

    SUMÁRIO: 1 O direito fundamental ao exame do mérito; 2 O princípio da primazia da resolução do mérito como norma fundamental do processo civil; 3 Regras de aplicação do princípio da primazia da resolução do mérito no novo CPC; Conclusão.

    1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO EXAME DO MÉRITO

    Há muito se fala, em sede de doutrina, que existe um direito funda-mental de acesso à justiça, o qual não pode ser visto como mera garantia de acesso ao Judiciário, mas, mais do que isto, deve ser compreendido como o direito fundamental de acesso ao resultado final do processo1. Não obstante isso, sempre foi muito grande o número de decisões obstando o exame de mérito (de processos e de recursos), o que gerou até mesmo um movimento nos Tribunais que ficaria conhecido como “jurisprudência defensiva”2.

    A existência de uma jurisprudência defensiva, porém, com a cria-ção de obstáculos ao exame do mérito de processos e recursos, acaba por contrariar o direito fundamental de acesso à justiça (aqui compreendido como garantia de acesso aos resultados a que o processo se dirige, e, pois,

    1 Não é por outra razão que a doutrina, ao definir o acesso à justiça, fala expressamente da obtenção dos resultados: FÉRRAND, Frédérique. Ideological background of the Constitution, Constitutional rules and civil procedure. In: International Association of Procedural Law Seoul Conference. Seul: IAPL, 2014. p. 10: onde Se lê que “[a]cesso à justiça se refere à habilidade das pessoas de buscar e obter um remédio através de instituições formais ou informais de justiça, e em conformidade com os standards dos direitos humanos” (tradução livre. No original: “[a]ccess to justice refers to the ability of people to seek and obtain a remedy through formal or informal institutions of justice, and in conformity with the standards of human rights”).

    2 Reconhecendo a existência de uma jurisprudência defensiva, vale ler o que disse, em voto proferido no STF, o Ministro Gilmar Mendes: “É evidente que a orientação dominante está presidida por aquela denominada por alguns de nós de ‘jurisprudência defensiva’. Cabe à parte, portanto, tomar todas as medidas para o recurso ser adequadamente aviado e chegue ao Tribunal em condições de ser devidamente apreciado” (STF, AI 496136-AgRg/SP, Rel. Min. Celso de Mello, J. em 15.05.2004).

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    garantia de obtenção de pronunciamentos de mérito e de satisfação prática dos direitos)3.

    O direito fundamental de acesso à justiça, evidentemente presente no ordenamento jurídico brasileiro (por força do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República), assegura, porém, o acesso aos resultados efe-tivos do processo, notadamente a resolução do mérito (nos procedimentos cognitivos, aí incluídos os recursos) e a satisfação prática do direito subs-tancial (nos procedimentos executivos, inclusive naquele que no Brasil se convencionou chamar de cumprimento de sentença, e que nada mais é do que a execução de decisões judiciais). Para dar efetividade a este direito fundamental, o Código de Processo Civil de 2015 fez constar do rol (não exaustivo) de normas fundamentais do processo civil o princípio da prima-zia da resolução do mérito, objeto deste breve estudo.

    2 O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO COMO NORMA FUNDAMENTAL DO PROCESSO CIVIL

    O Código de Processo Civil de 2015 é, em sua estrutura (e não só em seu conteúdo), bastante diferente da legislação processual anterior. Des-taca-se, aí, a existência de uma Parte Geral, cujos dispositivos, ao serem interpretados, dão azo à identificação de normas aplicáveis a todos os pro-cedimentos civis (e não só civis, como se pode ver pela leitura do art. 15 do Código). E na Parte Geral do Código tem especial destaque um capítulo denominado “Das normas fundamentais do processo civil”, composto pelos doze primeiros artigos da lei.

    Nesse capítulo podem ser encontrados dispositivos cuja interpreta-ção permite a afirmação de princípios e regras que compõem a base do direito processual civil brasileiro. No que concerne aos princípios, especifi-camente, não há – no CPC de 2015 – grandes novidades. É que todos esses princípios já resultam diretamente da Constituição da República de 1988,

    3 É claro que o direito ao julgamento do mérito e à satisfação prática do direito não esgota a garantia de acesso à justiça. Como se pode ler em UZELAC, Alan. Goals of civil justice and civil procedure in the contemporary world: Global developments – towards harmonisation (and back). In: UZELAC, Alan (Coord.). Goals of civil justice and civil procedure in contemporary judicial systems. Suíça: Springer, 2014. p. 3: “Qual é o objetivo de tribunais e juízes em causas cíveis no mundo contemporâneo? Seria fácil afirmar o óbvio e repetir que em todos os sistemas de justiça do mundo o papel da justiça civil é aplicar o direito substancial aplicável aos fatos estabelecidos de modo imparcial, e pronunciar julgamentos justos e precisos. O diabo está, como sempre, nos detalhes” (tradução livre. No original: “What is the goal of courts and judges in civil matters in the contemporary world? It would be easy to state the obvious and repeat that in all justice systems of the world the role of civil justice is to apply the applicable substantive law to the established facts in an impartial manner, and pronounce fair and accurate judgments. The devil is, as always, in the details”).

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    e compõem o modelo constitucional de processo civil brasileiro4. Não obs-tante isso, o CPC de 2015 explicita esses princípios constitucionais (como os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões judiciais) ou apresenta corolários seus (como os princípios da boa-fé objetiva e da cooperação), o que tem a evidente vantagem de deixar clara a necessidade de se desenvolver o processo a partir de um modelo constitucional. Não é à toa, aliás, que o art. 1º do CPC de 2015 expressamente estabelece que “[o] processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valo-res e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

    Pois o art. 4º do CPC de 2015 faz alusão a dois princípios funda-mentais do processo civil do Estado Democrático brasileiro: o da duração razoável do processo (que tem guarida constitucional no art. 5º, LXXVIII, da Lei Maior) e o da primazia da resolução do mérito. É que o aludido disposi-tivo expressamente afirma que “[a]s partes têm o direito de obter em prazo razoá vel a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

    Evidentemente, uma primeira leitura do dispositivo legal transcrito faz com que a atenção do intérprete seja chamada para a referência ao “prazo razoável”, o que imediatamente leva ao princípio constitucional da duração razoável do processo. Uma leitura mais atenta, porém, permite verificar ali a afirmação de que “[a]s partes têm o direito de obter [a] solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

    Consolida-se, aí, um princípio fundamental: o de que se deve dar primazia à resolução do mérito (e à produção do resultado satisfativo do direito) sobre o reconhecimento de nulidades ou de outros obstáculos à produção do resultado normal do processo civil. Eis aí, portanto, o princípio da primazia da resolução do mérito.

    Por força deste princípio, combate-se a jurisprudência defensiva, sen-do, portanto, equivocado identificar obstáculos superáveis (à resolução do mérito) e não envidar esforços para os superar. A decretação de uma nuli-dade, o não conhecimento de um recurso ou a extinção de um processo sem resolução do mérito só serão legítimos, então, naqueles excepcionais casos em que se encontre vício verdadeiramente insanável ou que, havendo

    4 Sobre o conceito de modelo constitucional de processo civil, ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile italiano. Turim: G. Giappichelli, 1990. passim. A respeito do modelo constitucional do processo civil brasileiro, CÂMARA, Alexandre Freitas. Dimensão processual do princípio do devido processo constitucional. Revista Iberoamericana de Derecho Procesal, São Paulo: RT, v. 1, p. 20, 2015.

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    necessidade de atividade da parte para que seja sanado o vício, esta perma-neça inerte e não o corrija, inviabilizando a superação do obstáculo.

    Para efetiva aplicação deste princípio, o CPC de 2015 permite a iden-tificação de uma série de regras destinadas a permitir que sejam removidos obstáculos à resolução do mérito, facilitando a produção dos resultados a que o processo civil se dirige. Vale, então, examinar um rol meramente exemplificativo dessas regras, o que permitirá uma melhor compreensão do modo como incide o princípio de que aqui se trata.

    3 REGRAS DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA RESOLUÇÃO DO MÉRITO NO NOVO CPC

    A primeira regra de aplicação do princípio da primazia da resolução do mérito que se destaca aqui é a que resulta da interpretação do § 2º do art. 282. Este dispositivo é apresentado antes de qualquer outro com uma finalidade: permitir que se verifique que o princípio de que aqui se trata não foi “inventado” pelo CPC de 2015, mas é resultado de uma evolução histórica que já permite afirmar a existência de uma história institucional do princípio. Afinal, o dispositivo mencionado é reprodução (com peque-ninos ajustes de redação, como a substituição da expressão “declaração da nulidade” pela expressão, mais precisa, “decretação da nulidade”) do § 2º do art. 249 do CPC de 1973. Pois é por força do § 2º do art. 282 do CPC de 2015 que se pode afirmar que, “[q]uando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Pense-se, por exemplo, no caso em que o juiz verifica não ter havido a correta intimação do réu para comparecer a uma audiência de instrução e julgamento, vício este que só é percebido quando os autos estão conclusos para sentença. Ora, se o material probatório existente nos autos é suficiente para a prolação de uma sentença de improcedência do pedido (pronunciamento de mérito favorável ao réu, que seria favorecido pela decretação da nulidade da audiência para a qual não fora regularmente intimado), não há qualquer sentido em anular--se a audiência. Deve-se, pois, proferir sentença de mérito, e não anular o ato processual.

    Este modo de proceder, como dito, já encontrava precedentes no sis-tema processual anterior, o que justificou a prolação de decisões de mérito em casos nos quais haveria motivo para reconhecer a existência de nulida-des processuais e até mesmo para se extinguir o processo sem resolução do mérito5.

    5 Assim, por exemplo, no julgamento da Apelação Cível nº 0074003 (08.2006.8.19.0002) o TJRJ, por sua 2ª Câmara Cível, julgou procedente pedido formulado por autor que não estava devidamente representado

  • RDC Nº 97 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������13

    Merece destaque, também, o disposto no art. 317 do CPC de 2015, por força do qual “[a]ntes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o ví-cio”. É, pois, absolutamente incompatível com as normas fundamentais do processo civil brasileiro extinguir-se o processo sem resolução do mérito sem que antes se dê ao demandante oportunidade para sanar eventual vício processual. E, por força do princípio da cooperação – consagrado no art. 6º do CPC de 2015 –, é incumbência do órgão jurisdicional apontar com pre-cisão qual o vício que se faz presente e pode, se não for sanado, obstar a re-solução do mérito. Daí a razão para a previsão, contida no art. 321, de que

    [o] juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

    No mesmo sentido se encontra o disposto no art. 488, segundo o qual, “[d]esde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a de-cisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”, ou seja, a extinção do processo sem resolução do mérito. Pense-se, por exemplo, no caso de o juiz verificar que o processo se encontra paralisado há mais de trinta dias por desídia do autor, o que é causa de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485, III), mas se dá conta, também, de que o direito que o autor pretende fazer valer em juízo já se extinguira por força da consumação de prazo decadencial, o que é causa de prolação de sentença de mérito (art. 487, II). Como a sentença de mérito, aqui, favoreceria o demandado, mesma parte que seria beneficia-da pela extinção do processo sem resolução do mérito, deve-se considerar adequada a emissão de um pronunciamento que resolve o mérito da causa, dando-lhe solução definitiva.

    Em grau de recurso – sede em que a jurisprudência defensiva mais se desenvolveu – há diversas regras de concretização do princípio da primazia da resolução do mérito. Algumas aqui também merecem destaque.

    A primeira delas, sem dúvida, é a que se alcança com a interpreta-ção do art. 932, parágrafo único, do CPC de 2015, por força do qual “[a]ntes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de

    por advogado, já que o reconhecimento da nulidade aí serviria para beneficiar o demandante, que – sem advogado – teria uma defesa técnica de seus interesses que poderia ser considerada deficiente. Ora, se era possível julgar procedente o seu pedido, não obstante o vício de sua representação, não havia qualquer sentido em decretar-se a nulidade.

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    5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Pense-se, por exemplo, no caso de ter sido in-terposto recurso que só será tempestivo se ficar comprovada a ocorrência, durante a fluência do prazo, de algum feriado local, pois o art. 1.003, § 6º, do CPC de 2015 estabelece que incumbe ao recorrente comprovar a ocor-rência de feriado local no ato de interposição do recurso. A ausência desta comprovação no momento da interposição do recurso, porém, não acarreta a inadmissão automática do recurso: incumbe ao Relator, antes de proferir decisão de não conhecimento do recurso, determinar a intimação do recor-rente para produzir a prova em cinco dias.

    Regra equivalente se aplica aos casos em que não há comprovação do preparo no momento da interposição do recurso. O CPC de 2015 repe-tiu, em seu art. 1.007, § 2º, a disposição contida no § 2º do art. 511 do CPC de 1973, por força da qual o recorrente será intimado, no caso de insufici-ência do preparo, para complementar o depósito no prazo de cinco dias. Novidade, porém, está na previsão do § 4º do art. 1.007 do novo CPC: “[o] recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhi-mento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção”. Verifica-se aí não só a preocupação com a observância do princípio da primazia da resolução do mérito, mas também a necessidade de combater-se conduta protelatória (que, na hipótese, consistiria em não comprovar preparo algum com o objetivo de retardar o exame do mérito do recurso, aguardando-se a abertura de nova oportunidade para comprovar o recolhimento das custas): haverá, é certo, uma segunda oportunidade para o recorrente efetuar o preparo, mas, de outro lado, será ele punido com a exigência de que efetue o depósito do valor em dobro.

    Ainda tratando do preparo do recurso, merece destaque o disposto no art. 1.007, § 7º, segundo o qual “[o] equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias”. Elimina-se, aqui, aquela que talvez tenha sido a principal causa de prolação de decisões afinadas com a “jurisprudência defensiva”: a dos erros no preenchimento de guias de reco-lhimento de custas6.

    6 Veja-se, apenas a título de exemplo, o acórdão da 4ª Turma do STJ, proferido em 21.05.2015, no julgamento do AgRg-AREsp 576060/SP, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, assim ementado: “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PREPARO – EQUÍVOCO QUANTO À INDICAÇÃO DO CÓDIGO DE RECOLHIMENTO – DESOBEDIÊNCIA À RESOLUÇÃO Nº 4/2013 DO STJ – DESERÇÃO – DECISÃO MANTIDA – 1. ‘No ato da interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção’ (art. 511, caput, do CPC). 2. A regularidade do preparo se verifica pela juntada aos autos da Guia

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    Em sede de recurso especial e de recurso extraordinário se destacam algumas previsões que não têm qualquer antecedente na legislação proces-sual anterior. Veja-se, por exemplo, o disposto no art. 1.029, § 3º, por força do qual “[o] Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”. Evidentemente, só se poderá desconsiderar ví-cio de recurso interposto tempestivamente, já que no caso de ser intempestivo o recurso especial ou extraordinário já terá o acórdão recorrido transitado em julgado, caso em que apreciar o mérito do recurso implicaria violar a garantia constitucional da coisa julgada. Tempestivo que seja o recurso excepcional, porém, o STF e o STJ deverão (e não simplesmente poderão, como consta da literalidade do texto normativo, eis que evidentemente não se trata de facul-dade do órgão jurisdicional, mas de um dever que lhe é imposto por princí-pios fundamentais do ordenamento processual) desconsiderar vícios menos graves (como seria uma diferença ínfima entre o valor do preparo recolhido e o efetivamente devido) ou determinar a sua correção (como se daria, por exemplo, no caso de não estar indicado o endereço eletrônico onde encon-trado acórdão invocado como paradigma em recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial, o que afrontaria a exigência formal resultante do dis-posto no art. 1.029, § 1º, do CPC de 2015).

    Outra regra de aplicação do princípio da primazia do mérito se en-contra nos dispositivos que regulam a conversão de recurso especial em extraordinário e vice-versa. Dispõe o art. 1.032 do CPC de 2015 que, no caso de o Relator do recurso especial entender que este versa sobre questão constitucional, não deverá declará-lo inadmissível, mas conceder prazo de quinze dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional, a fim de, em seguida, remeter os autos ao Supremo Tribunal Federal. De sua vez, se o STF reputar reflexa a ofensa à Constituição da República alegada em recurso extraordi-nário, por pressupor a revisão da interpretação da lei federal ou de tratado, deverá remetê-lo ao STJ para julgamento como recurso especial (art. 1.033).

    CONCLUSÃO

    A apresentação que aqui se fez, de algumas regras de aplicação do princípio da primazia da resolução do mérito, teve um único objetivo7: mos-

    de Recolhimento da União – GRU e o respectivo comprovante de pagamento, devendo ser observado o correto preenchimento da GRU, conforme determinar a resolução em vigor à época da interposição do recurso. 3. A irregularidade no preenchimento da guia, consistente na indicação equivocada do Código de Recolhimento, caracteriza a deserção do recurso. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg-AREsp 576.060/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Julgado em 21.05.2015, DJe 01.06.2015, sem grifos no original).

    7 Perdoe-se a insistência na afirmação de que as regras aqui apresentadas são apenas exemplos de normas que asseguram a primazia da resolução do mérito. Outras disposições como essas poderiam ter sido indicadas.

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    trar que é preciso tratar o processo civil brasileiro do século XXI como um mecanismo eficiente de produção de resultados constitucionalmente legíti-mos. O juiz do século XXI deve ser visto como garantidor de direitos funda-mentais8, e entre estes está, sem dúvida, o direito fundamental de acesso à justiça, compreendido aqui como direito fundamental à produção de resul-tados constitucionalmente legítimos por meio do processo.

    Certamente a aplicação deste princípio exigirá uma mudança de pos-tura (e de cultura) dos magistrados: é preciso que eles passem a ver-se como integrantes de uma comunidade de trabalho9, por meio da qual, junto com as partes (e seus advogados), construirão a decisão correta para o caso concreto10. É preciso, então, que essa comunidade de trabalho seja compreendida em consonância com o paradigma do Estado Democrático de Direito, estabele-cido pelo art. 1º da Constituição da República. É que, como leciona Nunes11:

    Como uma das bases da perspectiva democrática, aqui defendida, reside na ma-nutenção da tensão entre perspectivas liberais e sociais, a comunidade de tra-balho deve ser revista em perspectiva policêntrica e comparticipativa, afastando qualquer protagonismo, e se estruturando a partir do modelo constitucional de processo.

    O processo civil brasileiro do Estado Democrático, que o CPC de 2015 consolida a partir de um modelo estabelecido pela Constituição da República de 1988, há de ser um processo comparticipativo, cooperativo, capaz – por isso mesmo – de conduzir a decisões constitucionalmente legí-timas, que serão, preferencialmente, decisões de mérito.

    Veja-se, apenas à guisa de exemplo, o disposto nos arts. 139, IX, 338 e 352, todos do CPC de 2015.8 NUNES, Dierle; DELFINO, Lúcio. Juiz deve ser visto como garantidor de direitos fundamentais, nada mais.

    Disponível em: . Acesso em: 1º jul. 2015.

    9 O conceito de comunidade de trabalho processual nasceu na obra do processualista austríaco Franz Klein, que prefigurava uma forma de cooperação (Arbeitsgemeinschaft) entre juiz e partes. Sobre o ponto, PICARDI, Nicola. Le riforme processuali e sociali di Franz Klein. In: Historia et ius – Rivista di Storia Giuridica dell’età Medievale e Moderna, v. 2, p. 16, 2012. A concepção dessa comunidade de trabalho hoje, porém, como se verá melhor no texto, deve ser completamente diferente, já que o CPC de 2015 consolida a superação do processo hiperpublicista inspirado no modelo de Klein e acolhe definitivamente o modelo de processo cooperativo, comparticipativo.

    10 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Princípio da primazia do julgamento do mérito. Disponível em: . Acesso em: 1º jul. 2015.

    11 NUNES, Dierle José Coelho. Comparticipação e policentrismo: horizontes para a democratização processual civil. Belo Horizonte: Tese, 2008. p. 163. No mesmo sentido, DIDIER JÚNIOR, Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson (Coord.). Ativismo judicial e garantismo processual. Salvador: JusPodium, 2013. p. 212.

  • Parte Geral – Doutrina

    Breves Anotações sobre o Incidente de Assunção de Competência no Novo CPC/2015

    WALTeR PIvA RODRIgueSDesembargador pela Classe dos Advogados no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Professor Doutor no Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP.

    SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A reforma no CPC em 2001: a uniformização de jurisprudência mediante incidente de assunção de competência [CPC, artigo 555]; 3 A abolição do incidente de uniformiza-ção e a nova dimensão do instrumento identificado como “incidente de assunção de competência”; 4 Conclusão.

    1 INTRODUÇÃO

    1.1 O incidente de assunção de competência está previsto no art. 947 do CPC/2015, que, por sua vez, está inserido no Livro III “Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais” [arts. 926 a 1.044].

    Essa não é propriamente uma “inovação” na medida em que a regra contida no § 1º do art. 555 do CPC/1973, resultante de acréscimo pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001, contemplou essa técnica de julgamento cujo ob-jetivo atende o “prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal”.

    Diz a lei, verbis:

    Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou com-por divergência entre câmaras ou turmas do Tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado por órgão colegiado que o regimento indicar; reconhe-cendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.

    1.2 Como se constata, essa regra pede uma previsão complementar no Regimento Interno do Tribunal que deve designar, como é curial, “órgão colegiado” com participação tal que exprima uma significativa representa-ção dos membros que as Câmaras ou Turmas do Tribunal.

    No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exem-plo, o atual regimento indica que os feitos da classe “assunção de compe-tência” serão julgados por suas “Turmas Especiais” [art. 184 c/c art. 32]

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    que, por sua vez, são compostas pelos dois desembargadores mais antigos de cada Câmara da mesma seção ou subseção, ou havendo recurso pelos seguintes na ordem de antiguidade, sucessivamente. É vedada a recusa que comprometer a representação da Câmara [art. 31].

    1.3 Impõe-se observar que esse expediente do § 1º do art. 555 [a ino-vação decorre de lei de 2001] conviveu ao longo destes últimos anos [mais de uma década] com a previsão dos arts. 476 e seguintes do CPC/1973 que já estabelecia a possibilidade de ser suscitado o “incidente de uniformiza-ção de jurisprudência”.

    É de se recordar que, uma vez suscitado um tal incidente e concluin-do a turma julgadora de um recurso pela existência de pressupostos da uni-formização, paralisava-se o julgamento, para colher de órgão designado pelo Regimento um pronunciamento prévio de forma a eliminar ou prevenir a divergência na interpretação de uma questão de direito relevante para apreciação do caso concreto.

    Por isso mesmo, fala-se em “julgamento per saltum”, pois, acolhido o incidente e fixando-se a tese diante do dissídio jurisprudencial, o julgamen-to do recurso retomava na turma o devido procedimento recursal, devendo a turma julgadora aplicar ao julgamento, até então sobrestado, o entendi-mento fixado pelo acórdão que apreciou o incidente.

    Expressa, então, estava a vinculação da turma julgadora ao enuncia-do adotado no incidente.

    2 A REFORMA NO CPC EM 2001: A UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA MEDIANTE INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA [CPC, ARTIGO 555]

    2.1 Ocorre que, em 2001, surgiu a novidade acima relatada (item 1, parágrafos 1.1. a 1.3.), sobrevivendo, ao lado do incidente de uniformiza-ção de jurisprudência propriamente dito, uma outra alternativa de alcançar igual resultado, qual seja, “prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal” [art. 555, § 1º].

    A similitude sobretudo quanto aos objetivos era tanta que Alvaro de Oliveira & Mitidiero, em volume dedicado ao processo de conhecimento de seu Curso de processo civil, editado em 2012 [Atlas, São Paulo], op-taram por dele tratar no parágrafo 41, sob significativo rótulo “Incidente de Uniformização de Jurisprudência mediante Assunção de Competência” [p. 225/226].

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    2.2 Nada obstante, devem ser apontadas diferenças, a saber: [a] o incidente pode ser instaurado apenas nos recurso de apelação e agravo de instrumento; [b] o próprio órgão que o Regimento indicar como competente para fixar o entendimento sobre questão jurídica relevante julgará o recurso; [c] o efeito vinculativo servirá de “orientação” em relação a casos futuros.

    2.3 O art. 555 do estatuto processual de 1973 faz referência expres-sa, para efeito de processar o incidente, à investigação do “interesse públi-co”, bem assim a existência de relevante questão de direito, encerrando, ao cabo, uma mera “faculdade judicial” [STJ, REsp 723.890/MG, Rel. Min. Francisco Falcão. In: Op. cit., p. 226].

    Considere-se, igualmente, o fato de o órgão indicado pelo Regimento, caso entenda ser conveniente o julgamento do incidente, assumir a função de juiz natural do recurso [apelação ou agravo de instrumento] com as con-sequências processuais daí derivadas.

    2.4 No Tribunal de Justiça de São Paulo, “a uniformização de ju-risprudência mediante assunção de competência” revelou ser expediente oportunamente cogitado na sua Seção de Direito Público.

    Tome-se como “caso-padrão” o relatado pela Desembargadora Tere-sa Ramos Marques, da 10ª Câmara de Direito Público, nos autos da Apela-ção Cível com Revisão nº 766345-5/9-00, da Comarca de São Paulo – Fa-zenda Pública, que logrou convencer os demais membros Desembargador Reinaldo Miluzzi e Desembargador Urbano Ruiz a proporem “assunção de competência” mediante acórdão lavrado em 16.06.2008.

    Ali, a relatora fez anotar que

    controverte-se nesses processos a base de cálculo do quinquênio ou da sexta--parcela, ou ainda de ambos, como no presente [autos] – diante do art. 129 da Constituição Estadual – e a possibilidade de incidência de uma vantagem re- muneratória sobre outra, após a alteração da redação do inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 19/1998 – diante do art. 115, XVI, da Constituição Estadual.

    E identificando, também, a existência de “interesse público”, a rela-tora postulou, com exemplar propriedade, o deslocamento da competência até então da 10ª Câmara [três desembargadores] para a Turma Especial, esta, por sua vez, composta por trinta e dois desembargadores presentes.

    Após conhecerem da “assunção e do interesse público”, a Turma Es-pecial julgou a apelação para dar provimento ao recurso, a par de firmar tese segundo a qual “abrangência de todas as vantagens incorporadas ou

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    não, desde que não contenham a sexta parte em sua base de cálculo” e “gra-tificações de ordem geral têm natureza jurídica de reajuste, razão pela qual integram o padrão dos inativos, devendo ser incluídas na base de cálculo do quinquênio”.

    O acórdão foi lavrado pela mesma relatora da apelação, reunindo minoria de votantes discordantes da tese.

    3 A ABOLIÇÃO DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO E A NOVA DIMENSÃO DO INSTRUMENTO IDENTIFICADO COMO “INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA”

    3.1 Agora, com o advento do novo CPC, aboliu-se o incidente de uniformização de competência, atribuindo-se ao “incidente de assunção de competência” uma nova feição procedimental, a par de manter o objetivo de assegurar o cumprimento da norma do art. 926, qual seja, “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coeren-te”, sem menosprezar, contudo, um outro comando do novo sistema no sentido de “racionalizar a prestação jurisdicional e impor a observância firmada no âmbito dos Tribunais” [vide CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2111/2113].

    3.2 O incidente pode ser suscitado quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múl-tiplos processos.

    Dita o art. 947, em seus quatro parágrafos, o novo desenho do inci-dente, dele podendo extrair, desde logo, o marcante propósito segundo o qual o acórdão a ser lavrado vincular juízes e órgãos fracionários do Tribu-nal em decisões futuras [vide § 3º].

    Mais ainda.

    3.3 Surge outra função prevalecente, qual seja, o seu caráter preventi-vo, na medida em que há cláusula limitativa de cabimento do incidente. Diz a lei que o incidente não se instaura quando houver “repetição em múltiplos processos”, pois, para uma tal situação, o novo sistema prevê o incidente de recursos repetitivas.

    Em outras palavras, procura-se obter para a jurisdição sob égide de um determinado Tribunal a definição de tese sobre questão de direito para vincular órgãos fracionários [juízes e câmaras] pela simples razão de que a definição dessa tese exsurge de uma colegialidade mais ampla e represen-

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    tativa sobre “questões relevantes com grande repercussão na sociedade de uma forma mais prudente e diferenciada de questões corriqueiras e ordiná-rias” [Paixão Cortês, ob.cit., p. 2112].

    Paixão Cortês refere-se a demandas que, ao interpretar norma jurídica questionada e resolvê-la, é hábil a enunciar como o Tribunal que a julgou no âmbito de incidente passará a decidir em eventuais causas futuras. Exem-plifica com “questão [...] uma vez definida pode importar em mudanças de rumo em políticas públicas, aumento de preços, que pode afetar grupos de pessoas, consumidores, empresas etc.” [vide Ob. cit., p. 2112].

    4 CONCLUSÃO

    4.1 Pode-se adotar, diante do exposto, o seguinte esquema a permi-tir uma apreensão do tema suscitada pelo instituto em tela: [a] elementos subjetivos – o relator, as partes, o MP e a defensoria pública; [b] elementos objetivos: [b.1] relevante questão de direito com grande repercussão social, desde que não ocorra a repetição em múltiplos processos; [b.2] incidente previsto para qualquer recurso, remessa necessária e processo de competên-cia originária; [b.3] função preventiva predominante; [c] competência para julgamento do feito no qual o incidente for suscitado: órgão definido no Regimento interno [grupos de câmara, turmas especiais]; [d] efeitos vincu-lativos: a tese vinculará juízes e órgãos fracionários do respectivo Tribunal em decisões futuras até que ocorra revisão da tese.

    4.2 O tempo e só o tempo dirá se o incidente terá a funcionalidade projetada no novo CPC, sabendo-se de antemão a resistência dos Tribunais Superiores a uniformizar a sua jurisprudência.

    Ocorrendo as hipóteses, caberá ao Relator, de ofício ou a requeri-mento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, submeter ao Colegiado o julgamento do incidente.

    Deverá o Colegiado julgar se, porventura, reconhecer interesse públi-co na assunção de competência, tendo em vista que o acórdão do Colegia-do “vinculará todos os juízes e órgãos fracionários”.

    Esse efeito vinculativo persistirá até que se proponha “revisão de tese”.

  • Parte Geral – Doutrina

    O Poder Judiciário, o Código de Processo Civil de 2015, a Técnica da Cognição e as Tutelas Provisórias� Breves Considerações

    vALDeCI menDeS De OLIveIRAJuiz de Direito da 4ª Vara Cível de Marília/SP, Pós-Graduado e Especialista em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial, Mestre em Direito Privado, Professor Universitário.

    SUMÁRIO: Introdução; 1 Dos processos judiciais no regime do Código de Processo Civil de 2015; 2 A cognição como técnica processual, os julgamentos e as três espécies de tutelas jurisdicionais: exau-riente, sumária ou provisória e a rarefeita; 3 Tutelas provisórias ou cognição sumária; 3.1 Espécies de tutelas provisórias; 3.2 Enunciados sobre tutelas provisórias da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam (aprovados no seminário realizado em 26 a 28 de agosto de 2015) e do “V” Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis – V FPPC (realizado nos dias 1º, 2 e 3 de maio de 2015, em Vitória/ES); 3.3 Considerações iniciais sobre a estabilização da tu-tela provisória ou tutela antecipada estabilizada (CPC/2015, artigo 304); 4 A conclusão; Referências.

    INTRODUÇÃO

    Nascemos, vivemos e morremos no plano material. Mas o nosso “existir” envolve ou implica quase que necessariamente uma aventura de experiências na vida que vão se acumulando na diversidade e na hetero-geneidade de seres, coisas e questões, tudo com o escopo primordial de alcançarmos sobretudo o progresso moral exatamente nas relações sociais que nos levam ao exercício da solidariedade, da fraternidade, da caridade e do trabalho para o bem-estar individual e coletivo. Em uma palavra: evolu-ção. O verbo da vida: “evoluir”, por isso mesmo que impossível o viver em uma ilha isoladamente e sem vida de relação com os semelhantes. Em uma linguagem filosófica, a recomendação seria: “atrite-se”.

    Contudo, assentado que a vida é realmente uma experiência inces-sante, a marcha rumo à felicidade e ao desiderato individual pode encon-trar diferenças, resistências, dissensões ou antagonismos, e aí os conflitos são inevitáveis. As pessoas então envolvidas diretamente nos conflitos, por questões emocionais ou mesmo por falta de oportunidade, habilidade ou maturidade, não conseguem, na grande maioria das vezes, resolver por si sós os atritos surgidos das relações intersubjetivas. É necessário um terceiro para a resolução desses conflitos de interesses, e os povos de uma maneira geral, à custa de muito tempo, aprendizado e experiência, resolveram criar o “Estado” como esse “terceiro” cuidador e zelador da paz social, isto é, um

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    ente ou uma pessoa jurídica pública com a incumbência de realizar o bem comum e propiciar o bem-estar individual e coletivo e ainda resolver os conflitos de interesses. O Estado, por sua vez, escolheu, elegeu e estruturou o Poder Judiciário por meio de juízes-técnicos para dar respostas protetivas aos anseios e direitos das pessoas em conflito. A proposta é a de que um órgão julgador imparcial resolva e responda aos conflitos de interesses sur-gidos no seio da sociedade. Pois bem.

    Podemos denominar essas “respostas” do Estado aos conflitos de in-teresses dos indivíduos em geral de “tutelas”, até porque o próprio legisla-dor processual de 2015 empregou expressões como “tutelas provisórias”, “tutelas de urgência”, “tutelas antecipadas”, “tutelas cautelares” e “tutelas de evidência” (CPC/2015, arts. 294, parágrafo único, 300, 305 e 311). Na verdade, as tutelas são providências, amparos, proteções ou medidas judi-ciais oriundas dos juízes e que tendem a assegurar e fazer valer os direitos individuais ou coletivos e propiciar a paz social, normalmente envolvendo um dar (coisa certa, incerta ou quantia em dinheiro) ou um fazer (serviço ou tarefa física ou intelectual) ou não fazer (omitir-se ou abster-se) (CPC, art. 515, I). E, afinal, como obter essas tutelas ou medidas judiciais protetivas ou simplesmente tutelas jurisdicionais?

    A rigor, são necessários “os processos judiciais”, vale dizer, na esfera civil, o legislador, para evitar pedidos desorganizados ou desestruturados perante o Estado, criou dois (2) processos ou dois métodos ou, ainda, duas técnicas para as pessoas entrarem em contato com o Estado-juiz e pedirem as tutelas judiciais adequadas. Ninguém bate às portas do Poder Judiciário sem métodos, sem critérios, quer dizer, sem processos. Vejamos então os modelos do Código de Processo Civil de 2015, não sem antes firmar uma proposição jurídica inicial: os conflitos de interesses suscitam um processo judicial para resolução ou solução formal, quando impossível a autocom-posição extrajudicial.

    1 DOS PROCESSOS JUDICIAIS NO REGIME DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

    O Código de Processo Civil de 2015 – Lei nº 13.105, de 16.03.2015 – criou ou admitiu dois (2) processos judiciais pelos quais as pessoas po-dem pedir as tutelas ou providências quanto às suas pretensões e aos seus direitos violados ou ameaçados. Antes, advirta-se que o aludido Código de Processo Civil, com esses dois modelos de processos, veio para o nosso universo jurídico todo principiológico e com ênfase aos direitos das pessoas de obterem, em tempo razoável, a solução integral do mérito das contro-vérsias, e uma solução justa e efetiva, incluída a atividade satisfativa (CPC,

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    arts. 4º e 6º), sem olvidar o resguardo e a promoção da dignidade da pessoa humana, tudo com respostas dentro dos declarados princípios da proporcio-nalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência (CPC, art. 8º). Por outras palavras, valorizando a dignidade da pessoa humana, para esta o legislador processual civil desejou ou criou mecanismos funcionais para dar respostas rápidas, justas, efetivas, satisfativas ou cautelares e pautadas na razoabilidade, proporcionalidade, legalidade, eficiência e publicidade (CPC, arts. 4º, 6º e 8º). De início, pois, compreende-se o processo judicial como um conjunto ou complexo de atos concatenados e sistematizados das partes, dos servidores e dos juízes tendentes à formação e prolação de uma decisão que resolva um conflito de interesses. Vai desde o requerimento ini-cial, a citação do réu, a contestação, a réplica, a audiência e as inquirições das partes e das testemunhas, a juntada de documentos e a prova pericial, os debates finais, a sentença e a execução com penhora de bens, avaliação, adjudicação ou arrematação e pagamento ao credor, ou a busca e apreen-são de coisas móveis ou, ainda, a imissão na posse de imóveis, tudo com ou sem multa cominatória. Realizam-se e praticam-se atos para se chegar a uma decisão e resposta aos pedidos dos interessados.

    Quais são, então, esses dois processos judiciais para tal proselitismo ou intento? São eles:

    a) O processo de conhecimento ou de cognição, que é o instrumento ou o veículo da pretensão e/ou da ação declaratória (CPC, arts. 19 e 20), ação condenatória (CPC, arts. 491 e 495), ação constitutiva (negativa ou positiva – CPC, art. 505, I), e quem prefere a divisão quinária das ações cognitivas, também o instrumento das ações executivas lato sensu e as man-damentais (CPC, arts. 139, IV, 497, 498, 500, 501, 536, 537 e 538)1.

    1 O inolvidável Pontes de Miranda não se conformava com a classificação tradicional das ações de cognição prevista no Código de Processo Civil – declaratórias, condenatórias e constitutivas –, e reclamava a inclusão das ações executivas lato sensu e as ações mandamentais como duas outras espécies, aliás, nas mandamentais estaria enquadrada a própria ação de embargos de terceiro. O gênio imortal de Pontes conceituou e explicou a ação mandamental, assim: “A ação mandamental é aquela que tem por fito preponderante que alguma pessoa atenda, imediatamente, ao que o juízo manda. Alude-se, no étimo, à mão, à manus, e a semelhantes palavras de outras velhas línguas. Porque quase só se trabalhava com a mão, formou-se o Mann, o homem, em tantas zonas do mundo. Com a mão, aponta-se, mas o mandamento refere-se ao movimento da mão e à premência de obedecer. Foi grave erro dos juristas menosprezarem a busca dos pesos de mandamentalidade nas ações e nas sentenças”. Prossegue o mestre: “A ação mandamental típica supõe que o juiz decida após o exame dos elementos contenutísticos, e de tal modo se considere baseada, acertadamente, a sua decisão, que ele possa mandar. Compare-se com a que, preponderantemente, apenas declare, com a que, com o peso 5, constitui (positiva ou negativamente), ou condena, e com a que executa. Juiz que executa, ou se trate de ação fundada em título judicial, ou em título extrajudicial, não manda preponderantemente; daí, nas ações executivas típicas, o mandamento ser quase sempre a eficácia imediata, 4. A função mandamental do juízo ou é exercida na própria sentença, ou é deixada a atividade posterior, dele ou de outrem...”. Diz mais: “Nas ações mandamentais, quase sempre há a eficácia imediata de declaratividade. A eficácia mediata está nos outros casos, exceto na ação de atentado e na de revisão de aluguer...”. E o arremate: “A confusão, corriqueira, entre mandado intraprocessual, e o mandado sentencial, tem levado a grandes erros. Sempre que alguém ordena ou manda, sem ter conteúdo e eficácia de sentença o mandamento, de modo nenhum

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    se pode falar de sentença mandamental, seja ela de força mandamental (5), seja de eficácia mandamental imediata (4), ou mesmo mediata (3). E os pressupostos da ação mandamental. Tem-se de partir de haver a pretensão pré-processual, que é a tutela jurídica, a pretensão e a ação de direito material. Pense-se na ação de habeas corpus, na ação de mandado de segurança, na ação de manutenção de posse, no interdito proibitório, na ação de arresto, de sequestro, de busca e apreensão, de embargos de terceiro, de atentado, de posse em nome do nascituro e tantas outras (grifos nossos). Não deixa de ser surpreendente que, através de tantos séculos, não se vislumbrasse a classe de tantas ações, evidentemente inconfundíveis com as das outras quatro classes. A sentença, que se profere na ação mandamental, tem, como efeito máximo, 5 de mandamentalidade; após ele, vem o efeito imediato, 4, que é o de declaratividade, mas espécies há em que se diminui o elemento declarativo, 3, na ação de interdito proibitório, na ação de nunciação de obra nova só do embargante, na ação de sequestro com a remoção do culpado, na ação de averbação do registro civil, na ação de instituição de bem de família, na ação de sequestro, na ação de entrega de objetos próprios, na ação de depósito de filhos, na ação de posse em nome do nascituro, na ação de regulação de avarias e na ação de reserva de bens da falência. Não se diga, portanto, que há sentenças de mandamento que carecem de elemento declarativo; só uma delas tem 1 de declaratividade, que é a de revisão de aluguer” (Tratado das ações – Ações mandamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, t. VI, 1976, p. 3/4, 6, 10/11 – grifos nossos).

    No mesmo diapasão, Kazuo Watanabe, discorrendo sobre as modificações ocorridas no processo civil brasileiro em dezembro de 1994, não esconde que, ao lado dos provimentos declaratórios, condenatórios e constitutivos, que são os que a doutrina tradicional admite, também ganham espaços os provimentos chamados mandamentais e executivos lato sensu, “que existem no nosso sistema jurídico, o que fica cada vez mais claro, principalmente com a lei de mandado de segurança, ação civil pública, Código de Defesa do Consumidor, Lei Antitruste, e agora com o art. 461 do Código de Processo Civil”. Diz o mestre Watanabe: “Há uma diferença muito grande entre mandar e condenar. Quando o juiz condena, dá nascimento a um título executivo, que propicia o acesso a uma outra ação, que é a ação de execução. E quando o juiz manda, o provimento deve ser cumprido, no mesmo processo, tal como ordenado pelo juiz, sob pena de desobediência e, conforme o caso, até de configuração do crime de responsabilidade (em se tratando de ordem dirigida à autoridade pública). A ordem do juiz, por exemplo, para cessar a publicidade enganosa deve ser cumprida de imediato, no mesmo processo, e não através de nova ação (de execução). Isto ocorre com várias outras espécies de obrigação de fazer ou não fazer, como a de não poluir, de não praticar ato que ofenda a honra, a privacidade, a saúde, ou qualquer outro direito fundamental de uma pessoa” (Jornal A Tribuna do Direito, p. 22/23, mar. 1995 – grifos nossos). Para o jurista de escol, o art. 461 e seus parágrafos do Código de Processo Civil/1973, inserido no contexto das regras que disciplinam a sentença judicial, seria um exemplo da possibilidade de existência de um provimento mandamental, ou ação mandamental.

    Anote-se ainda que Caio Sérgio Paz de Barros, em brilhante matéria sobre “Mandado de segurança como processo constitucional típico”, publicada no Repertório IOB de Jurisprudência (n. 5, 1ª quinz. mar. de 2005, indicativo n. 3/22413), deixou bem claro o seguinte sobre a classificação das ações de cognição:

    “2. Os cinco (5) comandos existentes nas sentenças prolatadas no processo de conhecimento.

    A doutrina clássica propala a existência de três tipos de ações na cognição (conhecimento), que são: (ações) declaratória, constitutiva e condenatória. Asserimos diante de ações declaratória, constitutiva, condenatória, quando, na verdade, é o conteúdo preponderante da sentença que determinará o tipo de ação. Ou seja, lastreado no conteúdo final da ação = sentença, será determinado o tipo de ação. Explicamos: quando a doutrina afirma ser declaratória, constitutiva ou condenatória, determinada ação, vaticina o conteúdo da sentença, ainda que este seja híbrido... A ação condenatória, com conteúdo híbrido (declara e condena), depende de subsequente procedimento para a satisfação do direito. E, este subsequente procedimento é orientado pelas regras de outro tipo de processo, o de execução...

    A classificação tradicional das ações de cognição (processo de conhecimento) resume-se nas: declaratórias, constitutivas e condenatórias. Porém, a moderna doutrina, pós Pontes de Miranda, aditou esse rol, inserindo as ações executivas lato sensu e as mandamentais. Os doutrinadores – louvando-se no vaticínio de Kuttner, traduzido por Pontes de Miranda – idealizaram a moderna classificação das ações orientadas pelos regramentos da cognição (processo de conhecimento), encontrando cinco (5) tipos (de ações): as declaratórias, constitutivas, condenatórias, executivas lato sensu e mandamentais. Destas, restam ao escólio as duas últimas.

    As ações executivas lato sensu nutrem conteúdo híbrido, mas não exigem subsequente procedimento orientado pelas regras do processo de execução (não tem execução do julgado). Diferentemente das ações condenatórias que exigem subsequente procedimento orientado pelas regras da execução (este para a devolução do bem- -da-vida, objeto da condenação que fora conteúdo da sentença híbrida que declarou o direito e condenou ao cumprimento da obrigação), nas ações executivas lato sensu, em abono do nome (executivas em sentido amplo), o próprio procedimento orientado pelas regras da cognição (processo de conhecimento) é suficiente para a devolução do bem-da-vida, objeto maior desta.

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    b) O processo de execução, que é o instrumento da pretensão e/ou da ação de execução de dar coisa certa, incerta ou de pagar quantia certa, ou, ainda, da execução de obrigação de fazer e/ou de não fazer alguma coisa (CPC, arts. 318, parágrafo único, 771, parágrafo único, e 785).

    Apenas para ilustração sobre o processo de cognição como instru-mento ou veículo da pretensão e/ou da ação declaratória positiva ou negati-va, confira-se os termos da Súmula nº 181 do STJ, dispondo que: “É admis-sível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual”.

    Em acréscimo, e exemplificativamente, cabe a ação declaratória para que se reconheça a prescrição de obrigação (JTA 100/164); cabe também a ação declaratória de reconhecimento ou de inexistência de sociedade de fato, ou de união estável (RT 724/297 e RSTJ 147/357), de declaração do estado de solteiro (RT 474/79), e, ainda, para acertamento de domínio (RT 503/102, RTJ 122/833 e RTJ 115/232)2. A propósito, cabe ação declaratória para reconhecer a inexistência de domínio ou de propriedade. Confira-se:

    Declaratória negativa de propriedade ou de inexistência de domínio ou proprie-dade e de débitos fiscais. Inviabilidade de vinculação ad perpetuam do vende-dor ao bem. Possibilidade. Ementa Oficial: “Apelação cível. Demanda declara-tória c/c inexigibilidade de débitos. Pretensão à invalidação de débitos de IPVA e outros encargos a recaírem sobre veículo, assim como declaração de nega-tiva de propriedade. Improcedência. Inconformismo. Cabimento. Possibilidade

    Com efeito, nas ações executivas lato sensu, tutelas de despejo (e algumas tidas possessórias), o autor, caso procedente o pedido, não necessita de subsequente procedimento, orientado pelas regras da execução, para obter a retomada do imóvel, resultado da rescisão judicial do contrato de locação (e possessória no caso de contrato de comodato descumprido). É o próprio procedimento formal, orientado pelas regras do processo de conhecimento, suficiente à devolução do bem-da-vida perseguido em Juízo.

    As ações mandamentais foram traduzidas ao direito pátrio por Pontes de Miranda que, louvado nos ensinamentos de Kuttner, tentou justificar a sua pertinência, idealizando cálculos e articulando ‘pesos’ para cada tipo de comando encartado nas sentenças. Infelizmente, o Mestre Fluminense não conseguiu justificar a sua pertinência (das ações mandamentais); porém, afirmamos que será muito difícil sustentar a sua inexistência. Não porque o modelo importado possa ser hábil ao Direito pátrio, mas, em decorrência do comodismo dos processualistas pátrios, quedando-se parcimoniosos nas teses, não conseguiram apresentar a natureza jurídica do mandado de segurança.

    As ações mandamentais, dizem os doutos, nutrem, como conteúdo da sentença, comando para o cumprimento de ordem, por isso mandamental (ordem). É dizer, a sentença de procedência do pedido, neste tipo de ação, impinge, ao sujeito passivo, a realização de ato ou, o seu desfazimento (fazer ou não fazer – p. ex., CPC, art. 461), sob condição de sanções: administrativa, civil e penal. Importa destacar, neste momento, que estas não exigem subsequente procedimento, orientado pelas regras da execução. O sujeito passivo, geralmente autoridade administrativa e, por exceção, Juiz de Direito, deverá cumprir imediatamente a ordem, insculpida no comando da sentença, produzida pelas ações mandamentais, sob pena de suportar sanções. Entrementes, a premissa resta jungida em conceber o processo de conhecimento como meramente declaratório, restando injustificável o mandado de segurança como ação mandamental. Mormente, o requisito ao seu manejo aflora muito mais probatório do direito, do que nos autos processos (execução e cautelar) juntos.” (Repertório IOB de Jurisprudência, n. 5/2005, indicativo 3/22413, p. 159/160 – grifos nossos)

    2 Cf. anotações de Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor (39. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 122/124, notas ao art. 4º do CPC/1973).

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    da declaração de ausência de domínio, independentemente de o vendedor não possuir cópia autenticada do comprovante de transferência com firma reconhe-cida, ou os dados identificadores do adquirente. Inviabilidade de vinculação ad perpetuam do vendedor ao bem. Precedentes desta eg. Corte. Existência de prova satisfatória do negócio. Débitos sobre automóvel. Comunicação de trans-ferência que foi realizada em 2004, exonerando a demandante (autora) das dí-vidas ulteriores, as quais devem ser invalidadas. Prescrição do IPVA anterior à comunicação (exercício de 1999). Tributo lançado de ofício, dando-se a consti-tuição do crédito tributário com o recebimento pelo contribuinte da notificação de cobrança enviada no ano de exercício. Decurso de mais de 05 anos para a propositura do executivo fiscal. Reconhecimento administrativo da prescrição quanto aos débitos do imposto de 2001 a 2004. Falta de interesse de agir re-conhecida de ofício neste ponto. Dívidas que, portanto, não subsistem em sua totalidade. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido”. (TJSP, Apela-ção Cível nº 9000134-51.2011.8.26.0562, Santos, 13ª Câmara de Direito Públi-co, Rel. Des. Souza Meirelles, Julgado em 13.05.2015, v.u.; Boletim da AASP, n. 2954, p. 12, 17 a 23 ago. 2015)

    Já para quem inclui as ações executivas lato sensu e as mandamentais entre as ações de conhecimento (p. ex., CPC/2015, arts. 497, 498, 500 e 537, antes arts. 461 e 461-A do CPC/1973), ou, por outras palavras, para os que compreendem que as sentenças contendo obrigações de fazer e de não fazer e as de dar coisa certa ou incerta são do tipo “executivas lato sensu”, dispensando por si só “a execução autônoma do julgado”, então temos o erudito acórdão classificatório do Ministro Relator Teori Albino Zavascki, na época do egrégio Superior Tribunal de Justiça, para o efeito inclusive de admissibilidade de defesas incidentais, mesmo fora dos embargos, e por meras petições ou impugnações incidentais no bojo do próprio processo de cognição que deu origem ao título executivo de dar, fazer ou não fazer. Confira-se:

    EXECUÇÃO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – ART. 461 DO CPC/1973 – AÇÃO DE EMBARGOS DO DEVEDOR – DESNECESSIDADE – DEFESA POR SIMPLES PE-TIÇÃO – PROCESSO CIVIL – CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – SENTENÇA EXECUTIVA LATO SENSU (CPC, ART. 461) – DESCABIMENTO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO – DEFESA POR SIMPLES PETIÇÃO, ATENDIDOS OS LIMITES DO ART. 741 DO CPC/1973 – 1. Os embargos do devedor consti-tuem instrumento processual típico de oposição à execução forçada promovida por ação autônoma (art. 736 do CPC/1973). Sendo assim, só cabem embargos de devedor nas ações de execução processadas na forma disciplinada no Li-vro II do Código de Processo de 1973. 2. No atual regime do CPC/1973, em se tratando de obrigações de prestação pessoal (fazer ou não fazer) ou de entrega de coisa, as sentenças correspondentes são executivas lato sensu, a significar que o seu cumprimento se opera na própria relação processual original nos ter-mos dos arts. 461 e 461-A do CPC/1973. Afasta-se, nesses casos, o cabimento

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    de ação autônoma de execução, bem como, consequentemente, de oposição do devedor por ação de embargos. 3. Todavia, isso não significa que o siste-ma processual esteja negando ao executado o direito de se defender em face de atos executivos ilegítimos, o que importaria ofensa ao princípio constitucio-nal da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Ao contrário de negar o direito de defesa, o atual sistema o facilita: ocorrendo impropriedade ou excessos na prática dos atos executivos previstos no art. 461 do CPC/1973, a defesa do devedor se fará por simples petição, no âmbito da própria relação processual em que for deter-minada a medida executiva, ou pela via recursal ordinária, se for o caso. 4. A matéria suscetível de invocação pelo devedor submetido ao cumprimento de sentença em obrigações de fazer, não fazer ou entregar coisa tem seus limites estabelecidos no art. 741 do CPC/1973, cuja aplicação subsidiária é imposta pelo art. 644 do CPC/1973. 5. Tendo o devedor ajuizado embargos à execução, ao invés de se defender por simples petição, cumpre ao juiz, atendendo aos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas, promo-ver o aproveitamento desse ato, autuando, processando e decidindo o pedido como incidente, nos próprios autos. 6. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp 654.585/BA, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU-1 de 06.03.2006; Revista IOB de Direito Civil e Processo Civil, n. 46, p. 39/40, mar./abr. 2007, grifos nossos)

    Já no tocante à pretensão e/ou ação de execução fundada em título extrajudicial, como adiante veremos, temos a Súmula nº 27 do STJ dispon-do: “Pode a execução fundar-se em mais de um título extrajudicial relativos ao mesmo negócio”.

    As pessoas, enfim, podem pedir o socorro ou o reconhecimento de seus direitos perante o Poder Judiciário através de “processos”, ou seja, mé-todos ou conjunto de atos sequenciais ou concatenados tendentes a dar origem a uma decisão que solucione um conflito de interesses, tudo co-meçando com uma petição inicial (requerimento) protocolada perante um dos órgãos do Poder Judiciário e com a citação (chamamento) do réu para responder ou impugnar a versão do autor, conferindo-se, ainda, a oportuni-dade para produção de provas documentais, testemunhais e periciais (CPC, arts. 312, 525, 536, § 4º, e 538, § 3º). O processo é dialético e de garantia ao contraditório e à ampla defesa, ouvindo-se sempre as duas partes. O advo-gado é o profissional qualificado com capacidade para postular e defender os direitos das pessoas em juízo.

    Então o registro forte da lei processual civil é o seguinte: os dois ti-pos de processos com os quais as pessoas entram em contato com o Po-der Judiciário são: a) o processo de conhecimento ou de cognição (CPC, arts. 318 e seguintes); e b) o processo de execução (CPC, arts. 771 e se-guintes). Foi abolido o processo cautelar, mas não as medidas cautelares,

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