Revista nº3 da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto

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Diretor Editorial

Rui Resende (ISMAI)

Diretor Editorial Adjunto

Hugo Sarmento (ISMAI, ESEV-IPV)

Conselho Editorial

Pedro   Sequeira   (ESDRM-­‐IPSantarém),   Susana   Alves   (ESDRM-­‐IPSantarém),   Valter  Pinheiro   (ISCE),   Armando   Costa   (ISCE),   Alberto   Albuquerque   (ISMAI),   Francisco  Gonçalves   (ISMAI),   Vítor   Ferreira   (FMH-­‐UL),   Nuno   Loureiro   (ESDRM-­‐IPSantarém),  Hélder  Lopes   (UMA),   Isabel  Varregoso   (ESECS-­‐IPLeiria),  Ricardo  Lima   (ISMAI),  Nuno  Pimenta   (ISMAI),   José   Rodrigues   (ESDRM-­‐IPSantarém),   Antonino   Pereira   (ESEV-­‐IPViseu),  Ágata  Aranha  (UTAD),  Pedro  Sarmento  (ULusíada),  João  Prudente  (UMA)

Edição

Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto

Capa

Mariana Moreira  

ISNN 1647-9696

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ÍNDICE Editorial

3

Desporto escolar: A opinião dos alunos de uma escola citadina 4 Rui Resende, Carla Mendes, Ricardo Lima, Nuno Pimenta, Júlia Castro, Hugo Sarmento

O Desafio de ser treinadora

11 Selma Malta, Rui Resende, Cláudia Pinheiro, Alfonso Valle

Conhecimento dos alunos acerca das recomendações para a prática de atividade física

15

Fábio Santos, João Martins, Adilson Marques

O papel pedagógico do treinador desportivo: Uma perspetiva histórica

20

Tiago Gouveia, João Lopes, Valter Pinheiro, Pedro Sequeira

Educação física: Que perspectivas, para que objetivos?

26 Fábio Santos, Adilson Marques, João Martins

Desporto escolar adaptado nas escolas

33

Daniel Fernandes, Fábio Silveira, José Nobrega, Luís Sousa, Nelson Martins

O estágio profissional em análise: Estudo com estudantes estagiários de educação física

37

Patrícia Gomes, Ana L. Pereira, Amândio Graça, Paula Queirós, Paula Batista

Caraterização do perfil psicomotor em crianças com dificuldades de aprendizagem

48

Ricardo Almeida

A prática do exercício físico como componente da educação em Portugal, na idade média

55

Fernando Maia, Alberto Albuquerque

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EDITORIAL Editorial Sai finalmente o terceiro número da revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto! Como sabem, no passado dia 11 de Dezembro de 2013 realizaram-se as eleições para todos os órgãos sociais da SCPD. Esse momento marca o início de uma nova etapa da SCPD com todos os desafios que esta assume. A primeira iniciativa pública é o retomar da Revista da SCPD. Após um interregno não previsto e alterações editoriais o presente número emana de diversas contribuições. Apresenta um novo Layout que pretende ser mais apelativo e consentâneo com as suas ambições de crescimento. Pretende a direção da Sociedade Científica criar uma nova dinâmica editorial na revista da qual é detentora no sentido de melhorar e ampliar a divulgação científica da pedagogia do desporto. Para além desta importante contribuição mobiliza-nos igualmente a qualificação dos artigos submetidos, pelo que estamos a mobilizar esforços no sentido de criar um corpo de revisores que sem dúvida melhorará a qualidade científica dos artigos a publicar, concedendo uma maior credibilidade à própria revista. Está previsto a saída do quarto número para Dezembro de 2014 e que pretendemos que tenha as contribuições dos autores que venham a submeter os seus trabalhos ao congresso da SCPD que vai decorrer nos dias 25 e 26 de Outubro no Instituto Politécnico da Guarda! Pedro Sequeira Rui Resende

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Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto 4 (2014) 4-10

*Correspondência - Rui Resende – [email protected] - Instituto Superior da Maia – Avenida Carlos Oliveira Campos, Castelo da Maia., 4475-690, São Pedro de Avioso

4

Desporto escolar: A opinião dos alunos de uma escola citadina

Rui Resende1,2,*; Carla Mendes1; Ricardo Lima1,2; Nuno Pimenta1,2; Júlia Castro1,2; Hugo Sarmento1,2

1ISMAI (Instituto Superior da Maia); 2ARDH – GI (Adaptação Rendimento e Desenvolvimento Humano – Grupo de Investigação)

RESUMO

O Desporto Escolar levanta questões que urgem reflexão, em função da configuração das próprias escolas, resultando num conjunto de soluções estratégicas que o possam desenvolver. O propósito deste trabalho é auscultar as percepções dos alunos face ao Desporto Escolar em termos dos indicadores de adesão e crescimento, interesses, forças, fraquezas, oportunidades e, ainda, a ação do mesmo. Participaram 12 alunos dos 11º e 12º anos de uma escola do Centro do Porto com idades entre os 17 e 21 anos de ambos os sexos.

A coleta de dados foi obtida diretamente pela abordagem oral em grupo (focus group), de modo a encontrar “significados dos fenômenos vivenciados”, acompanhada de um guião previamente construído e validado. Os resultados evidenciam que as ofertas que a escola dá não estimulam a maioria dos alunos. Estes, se pudessem escolher os horários dos treinos e as modalidades preferidas consideram que haveria maior adesão. Sugere-se assim, a necessidade de alterações no Desporto Escolar para que possa despertar, nos jovens, o desejo de participarem nas atividades, proporcionando um ambiente que permita a transmissão de valores dando sentido a um estilo de vida ativo.

ABSTRACT

The School Sports raises questions that urge reflection, depending on the configuration of the schools themselves, resulting in a set of strategic solutions that can develop it. The objectives of this research intend to listen the student’s perceptions in relation to school sports in terms of compliance indicators and growth, interests, strengths, weaknesses, opportunities, and also it’s own action. In this context, the study included 12 students with enrollment in 11th and 12th grades, practitioners in the Sports School and with, at least, two years experience in the same school. The intervention came upon a group of students aged between 17 and 21 years, of both genders. Data collection was obtained directly approached orally, in group (focus group) in order to find "meanings of experienced phenomena", followed by a guide, validated by experts in performing qualitative research. The results show that the offers provided by the school don’t stimulate most students. If they could choose the training schedule and favorite sports, their participation would increase. In these circumstances and from the viewpoint of Pina (1997), it’s shown that the lacks of facilities, as well as the limited range of offerings are obstacles to the participation of more students. In order to create in more students the desire of participation in School Sports and for them to have a more active lifestyle, it’s necessary to have profound changes in these activities!

Palavras-chave Desporto escolar; Alunos; Focus Group;

KEYWORDS School Sports; Students; Focus Group

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Desporto Escolar – A Opinião do alunos

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O Desporto Escolar na escola é uma atividade de aderência voluntária por parte dos alunos. Atendendo a que a atividade desportiva da generalidade dos alunos é reduzida (Resende, Póvoas, Moreira, & Albuquerque, 2014) e que a escola proporciona gratuitamente esta participação desportiva é relevante identificar as razões desta baixa frequência assim como perspectivar o que poderá ser melhorado para incentivar os alunos à sua adesão. O Desporto Escolar é uma atividade de complemento curricular que, enquanto subsetor do sistema educativo, é tutelado pelo Ministério da Educação. Os seus objetivos centram-se, principalmente, no ensino e na pedagogia, não descurando a competição. O Desporto Escolar integra-se num conceito de maior abrangência que a educação para a cidadania, na medida em que, através dos seus objetivos pretende promover a formação desportiva, aquisição e desenvolvimento de comportamentos, respeito pelas regras, pelos outros e por si mesmo, integração social, bem como desenvolvimento harmonioso e equilibrado. No seio de um país com enormes dificuldades, de um ministério com uma dimensão colossal as questões que envolvem o Desporto Escolar acabam por aparecer aos olhos da sociedade como pouco pertinente (Pires, 1991). Contudo, a reflexão, segundo Pires (1991), em torno do Desporto Escolar é crucial num meio social com elevada inércia e sedentarismo. Slack e Parent (2006) expõem as vantagens e desvantagens que o praticante poderá obter ao estar envolvido no Desporto Escolar. Como vantagens assinalam a prática desportiva gratuita e devidamente orientada por pessoal qualificado e em segurança, o caráter não lucrativo, a valorização positiva pela população, a manutenção do Desporto Escolar na esfera do sistema educativo e a promoção, de uma forma simples e eficaz, da interligação entre o sistema educativo e o federado. Por sua vez, nas desvantagens poderão ser equacionados os seguintes aspetos como o nível de ineficácia e a crise de identidade em que se encontra, a carga horária letiva semanal dos alunos e a sua distribuição, as instalações desportivas e o equipamento material de muitas escolas, os transportes escolares, a formação dos professores e o financiamento. Neste contexto pretende-se com este estudo auscultar as percepções dos alunos face ao Desporto Escolar em termos dos indicadores de adesão, crescimento, interesses, forças, fraquezas, oportunidades e, ainda, a ação do mesmo.

METODOLOGIA

Participantes

A seleção dos participantes para o estudo teve os seguintes pressupostos: alunos com matrícula nos 11º e 12º anos numa Escola citadina, praticantes no

Desporto Escolar e com, pelo menos, dois anos de experiência no Desporto Escolar na mesma escola. Os motivos para esta seleção radicam nos objetivos do estudo e na metodologia de investigação a empregar. Assim, pretendeu-se reunir um conjunto de alunos com capacidades de reflexão e de interpretação da realidade que possibilitasse uma avaliação introspetiva da veracidade dos seus relatos (Gatti, 2005). Os participantes têm idades compreendidas entre os 17 e os 21 anos, 4 são do sexo feminino e 7 do masculino. O número de anos de experiência no Desporto Escolar é distinto do número de anos de frequência da escola. Todos os alunos têm menos dois anos de experiência desportiva face ao número de anos na escola que frequentam, exceto um caso em que um aluno frequenta o segundo ano na escola, mas já pratica há quatro anos atividades extracurriculares. Por opção metodológica, optamos por designar os participantes do estudo por E1 a E12, de modo a que as suas identidades permanecessem no anonimato.

Instrumento e Procedimentos de Recolha de Dados

Inicialmente elaborou-se um guião de entrevista semiestruturada para ser aplicada sob a forma de focus group e de forma a responder aos objetivos do estudo. Após a sua validação por três peritos na realização de investigação qualitativa realizou-se um pré-teste, no sentido de identificar falhas, avaliar exigências temporais e saber se efetivamente com a sua utilização seria passível a obtenção dos dados necessários para dar resposta às questões da investigação. Após a realização do teste considerou-se pertinente ligeiras reformulações no sentido de melhor operacionalização da entrevista. A recolha de dados foi adquirida pela abordagem oral em grupo, onde os participantes relataram as suas experiências e percepções sob a moderação de um dos autores do estudo. A escolha desta técnica de recolha de dados (focus group), teve em linha de conta a economia de tempo e recursos, permite a recolha das opiniões além de estimular uma reflexão conjunta da matéria em apreço. O grupo focal, de acordo com Nogueira-Martins e Bógus (2004), deve ser composto no mínimo por seis e no máximo doze a quinze pessoas sendo que a sua duração não deve ser superior a noventa minutos. Segundo Gatti (2005) grupos maiores limitam a participação, as oportunidades de trocas de ideias e elaborações, o aprofundamento no tema e o registo dos dados. A recolha de dados foi realizada em duas reuniões, com seis elementos em cada uma delas, numa sala de aula, no horário destinado ao Desporto Escolar. Tiveram uma duração média de 45 minutos. Os objetivos do estudo foram explicados a todos os alunos que participaram na sua realização, tendo sido fornecida a garantia de anonimato e

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confidencialidade da informação recolhida. A direção da escola autorizou expressamente a realização do estudo assim como os participantes concordaram com a sua colaboração voluntária no estudo. Foram definidas regras referentes ao modo como a sessão se iria desenrolar: o debate decorria em formato de “mesa redonda”, pelo que se solicitava a todos os alunos o seu contributo. Toda a informação foi gravada em áudio, acompanhada de filmagem para posterior análise e identificação de quem emitia opinião. Após o término da entrevista, recorreu-se à transcrição e respetivo processamento da informação para suporte digital, procurando-se um respeito rigoroso do conteúdo. Foi utilizado o software QRS – NVivo 10 para a codificação e agrupamento dos dados em sistemas de categorias e atributos, uma vez que se considera que a elaboração de um sistema de rúbricas permite a definição objetiva da produtividade do estudo, sobre o tema e a especificidade dos dados produzidos nas sessões de debate. RESULTADOS O tratamento dos dados foi inspirado na abordagem indutiva proposta pela Grounded Theory (Corbin, 1990).A apresentação dos resultados não discriminou as sessões efetuadas de aquisição de dados por se reconhecer melhor interpretação do objeto de estudo de forma conjunta. Do conteúdo das entrevistas emergiram três domínios que se intitularam: Perspetiva psicossociológica; indicadores de crescimento e; organização. Em relação ao primeiro domínio discriminam-se três categorias: Adesão; oportunidades e; objetivos do Desporto Escolar. Relativamente ao segundo registam-se três categorias: Pontos fortes; pontos fracos e; desenvolvimento pessoal. Por fim, no que reporta ao domínio organização emergiram cinco categorias: Treinador; treinos; horários, competição, arbitragem e público (figura 1).

Categoria 1 - Adesão

Considerando a perceção psicossociológica, as respostas relativas à Adesão, permitiram constatar que a maioria dos alunos aderiu ao Desporto Escolar por via de amigos. No entanto, dois alunos referenciaram o Professor como fonte de incentivo para participar no Desporto Escolar, na modalidade de Basquetebol, dado serem seus atletas no clube de Desporto Federado. Merece referência ainda uma aluna que mencionou a sua irmã como guia, uma vez que já tinha conhecimento da existência das atividades extracurriculares proporcionas pela escola.

Figura 1 - Modelo de categorias relativas à percepção dos alunos face ao Desporto Escolar, elaborado a partir do Nvivo 10

Domínio 1 – Perspetiva Psicossociológica

(…) Foi através dos amigos; vim cá com uma amiga, vi-a jogar. E disseram para vir jogar. (E3) Jogava desporto federado (…); tive um treinador que era meu professor aqui e falou-me para vir para cá. (E6)

Outro ponto a acrescentar nesta categoria (Adesão) refere-se aos fatores de interesse que os levaram a participar no Desporto Escolar. As opiniões foram muito distintas e divergentes. Enquanto uns procuravam a competição e o convívio, outros referenciaram a prática desportiva pela ocupação do tempo livre. O gosto pela modalidade e a procura de novas experiências foram as respostas mais frequentes. Nesta escola, a modalidade dominante é o Basquetebol o que para alguns alunos foi apontado como vantagem para os envolver na participação da atividade (E2, E10 e E11).

Participamos no sentido de ocupar o tempo livre a fazer algo que gostamos e que contribua para uma boa condição física. (E6) Os amigos (…) para estar mais com os amigos. (E5 e E7) Novas perspetivas (…); não praticava desporto federado porque não era compatível com o meu horário e aqui dava. (E9)

Categoria 2 – Oportunidades

A categoria Oportunidades aborda um aspeto crucial pois reflete a possibilidade de participação na modalidade com a qual os alunos mais se identificam e apreciam. Com base nas respostas facultadas pelos participantes, evidenciasse que o leque de oferta é relativamente limitado, apenas

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Basquetebol, Voleibol e Ténis de mesa (existindo Futsal, Surf e Xadrez noutras escolas do agrupamento). Destas a primeira modalidade é a que oferece maior número de oportunidades, tanto para rapazes como para raparigas. Com efeito, as inscrições não contemplam as disponibilidades afetivas dos alunos. Desta forma, realce-se o facto de um aluno mencionar que a inexistência de muitas opções não deve condicionar a opção pelo Desporto Escolar. Uma outra aluna aponta que os alunos deveriam ser chamados a ter um papel mais determinante no que se refere aos desportos.

(…) quando cheguei aqui procurei futebol e não havia (…). (E10) O Desporto Escolar é uma forma de mostrar a escola e se existe porque é que não aproveitam (…). Existem escolas que nem sequer têm desporto escolar e quando não tem cá a modalidade que quero posso ir jogar para outra escola (…). (E6) No início do ano os alunos deveriam dar as suas opiniões (…), indicar as modalidades que gostariam de jogar e depois seriam selecionadas por votos. (E11)

Categoria 3 – Objetivos Desporto dos Escolar

Finalizando este domínio, e no que se refere à categoria Objetivos do Desporto Escolar, todos os participantes entendem a importância duma efetiva promoção da condição física, da aquisição de boas condutas, da estimulação da solidariedade, do fomento da cooperação, da promoção da autonomia e do desenvolvimento harmonioso e equilibrado nos praticantes. Neste sentido, consubstanciam como objetivo para o Desporto Escolar a formação de seres humanos e atletas mais capacitados para o desporto e para a sociedade. Alguns referenciam a inclusão tanto nas atividades escolares como na sociedade. Outros alunos aludem ao ensino tanto da cultura desportiva como de todas as habilidades motoras essenciais para a prática, destacando a importância da sua utilização e a execução das mesmas (E3, E6, E9 e E10).

(…) criar novas oportunidades, principalmente àqueles que não têm oportunidade de jogar fora da escola. (E4) Ensina-nos a sermos melhores pessoas e jogadores (…). (E5)

Domínio 2 – Indicadores de Crescimento

Categoria 1 – Pontos Fortes

Aquando da proposta à consideração pelos participantes sobre os Pontos Fortes constata-se que a população em estudo denota um deficit avaliativo. Com efeito, perpassa pelos dados a consideração de uma avaliação superficial e com pouca compreensão do fenómeno em estudo. Nestas circunstâncias, verifica-se que o Desporto Escolar é regulado pelos valores e pelas expectativas e, como alguns

comentam, é uma atividade de lazer na qual o aluno tem a liberdade de escolha. Assim, a maioria das respostas proporcionadas incide sobre avaliações referentes às instalações, ao convívio e à colaboração de outros professores. Os entrevistados apontam como um importante fator a solidariedade para com o próximo e o companheirismo entre professores e alunos. Reforçam a tomada de consciência dos seus atos (sendo disso exemplo as inúmeras vezes que mencionam a presença de um professor ou estagiário a produzir um conjunto de estímulos tanto para a prática como na correção das dificuldades) (E9). Referenciam ainda a oportunidade de viverem aventuras e novas experiências (noutras instituições, outras culturas, outros atletas, outro público), encontrarem novas soluções, tendo ainda em conta a questão pedagógica. Comentam igualmente que os professores são os principais condutores para a obtenção a manutenção nas atividades, salientando também as experiências que podem ser adquiridas através de novos contatos.

Para além de nos divertirmos a jogar, também fazemos aquilo que gostamos (…) sem obrigação. (E2) Estamos todos interligados, na brincadeira, mas a aprender (…). e ter um professor que nos ajuda e os próprios colegas também ajudam (…) às vezes, o professor quer ensinar-nos e nós ainda queremos mais (…). (E6) A possibilidade de conhecermos outras escolas, outras pessoas e fazermos amigos (…). (E4)

Categoria 2 – Pontos Fracos Assinalámos que os entrevistados evidenciam de forma mais direta e espontânea os Pontos Fracos. Os mais referenciados situam-se ao nível dos recursos espaciais, ao horário dos treinos ou à organização escolar em interação com o meio social. Revelam que as instalações existentes contêm espaços pequenos, pouco adequados comparativamente com outras instituições que conhecem. Acrescentam, ainda, o meio em que elas estão inseridas, desde o balneário até ao número de material existente.

A nível do espaço, a nossa é muito diferente das outras escolas (…). A nível dos balneários (…). (E3) O meio (…), todas as condições e o horário. (E6)

Categoria 3 – Desenvolvimento Pessoal

Os alunos referem que acolheram um conjunto de conceitos básicos não só para a prática desportiva, mas também para o desenvolvimento de competências. Paralelamente, os juízos referidos maioritariamente como mais importantes para o

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Desenvolvimento Pessoal foram, regra geral, o acréscimo de divertimento, a descarga de energias, a modelação da personalidade e as aptidões. Comentam que a melhor forma de aprenderem é com os próprios erros considerando este facto como importante para o fomento da sua personalidade. No que respeita à competência social, registámos, um elevado grau de importância atribuído ao trabalho em equipa e ao espírito de equipa existente (E9).

Acesso mais profundo da cultura desportiva e na formação total da personalidade do aluno. (E1) Respeito (…) autoconfiança (…). O Desporto Escolar tem um papel importante, no sentido de ter alguém especializado a ensinar-nos não só sobre essa modalidade mas, também é aprendermos a ouvir e a aprendermos com os nossos erros (…); ajuda-nos a crescer e a tornarmo-nos melhores pessoas. (E6) Para além da experiência… temos alegria em participar e a nível de personalidade crescemos como pessoas e olhamos para a vida com mais frontalidade… encaramos a vida e todos os desafios. (E4)

Domínio 3 – Organização

Categoria 1 - Treinador

Ao salientar a importância do treinador, os alunos evidenciam que este assume-se como um agente de socialização fulcral. Com efeito, a relação de empatia e afeto que se estabelece entre professor-aluno também parece ser um estímulo motivador fundamental. Revelam ser positivo na qualidade das vivências no treino e jogos, conduzindo ao sucesso pedagógico (numa perspectiva do enquadramento técnico e pedagógico).

É um mestre, digamos assim, dá ordens (…), mas também é importante no sentido de que é ele quem nos ajuda (…); temos um bom professor (…); criamos uma ligação forte com o professor (…); se calhar nas outras escolas até têm um professor que sabe muito, mas não devem ter este tipo de ligação e se calhar não são capazes de aceitar as regras tão facilmente. (E6)

Categoria 2 – Horários

Os motivos mais importantes para não praticar Desporto Escolar são os horários disponíveis, que consideram não adequados, opinião frequentemente repetida. Todos os participantes referem que os horários definidos, nesta escola, são poucos e alguns em tempo de aulas (Ténis de mesa masculino: 11h30 e 15h; Basquetebol Feminino: 15h e 18h15 e Masculino: 14h e 18h15; Voleibol Feminino: 13h30 e 17h). O aluno E8 acrescenta que os horários deveriam estar conforme a disponibilidade dos alunos e se assim fosse haveria maior adesão.

Devia haver mais horários, as raparigas têm treino à segunda e quinta e nós à terça e quarta-feira… é apenas uma vez por semana, uma ou duas horas. (E1)

Categoria 3 – Treinos

À semelhança dos horários, de acordo com o que foi mencionado em relação à carga horária e ao número de oportunidades que têm, quando se questiona quanto ao número de treinos a que conseguem ir, constata-se que dos dois treinos disponíveis apenas conseguem ir a um. Paralelamente a esta questão, revelou-se que o número de atletas que vão aos treinos é bastante reduzido comparativamente com o número de inscrições. Os treinos acolhem qualquer aluno, saiba ele jogar ou não.

Somos mesmo pouquinhas no treino, e mesmo as que estão nem todas levam a sério, faltam a muitos treinos (…), mas vai de tudo um pouco (…); o problema é que quando não sabem fazer não sabem ouvir as críticas (…); são muito novinhas, algumas têm 13 anos, há uma grande diferença de idades (…). (E3) (…) devia haver mais tempo e mais dias de treinos, para estarmos mais preparados, pois os treinos são muito separados de uma semana para a outra e há um grande desfasamento entre o treino e o jogo. (E6)

Categoria 4 – Competição

A competição foi apontada como uma estratégia altamente motivadora, sendo frequentemente abordada pelos alunos. Sem dúvida, a competição é vivenciada como a festa, é o local onde se trocam experiências, se efetivam hábitos desportivos, se desencadeiam solidariedades. Em consonância, os inquiridos indicam que esta é realizada nas próprias escolas e concordam pouco com o quadro competitivo. Afirmam que o calendário é muito reduzido e existem poucas escolas que usufruem desta oferta desportiva gratuita (E6) assim como não apreciam que as competições se realizem ao sábado de manhã.

A competição é por grupos, existem 2 grupos com 4 a 6 equipas e jogam por eliminatórias (…) deveria de haver só um grupo. (E8) Os jogos são ao sábado de manhã (…) deveria haver mais competição, mais equipas a entrar na competição. (E11)

Categoria 5 – Arbitragem

A organização dos jogos envolve a dinâmica da sua direção, nomeadamente a arbitragem. Esta é exercida pelos alunos das diferentes escolas participantes. Os intervenientes do presente estudo consideram que muita vezes, não estão preparados para as situações competitivas com as quais são

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confrontados sendo a sua qualificação muito escassa, (E8).

Cometem muitos, muitos, muitos erros (…) já vimos de tudo (…) como é lógico não há árbitros oficiais (…) os árbitros arbitram jogos do mesmo grupo a que eles pertencem… e deveriam, no mínimo, arbitrar a outros grupos. (E6)

Categoria 6 – Público

Por fim, e conforme o que foi registado, não só os fatores relativos à falta de horários e falta de condições levam à desvalorização da atividade, mas também a falta de apoio do público pode influenciar este motivo. Qual é a atividade que, para ser reconhecida, não necessita de valorização, resultantes do esforço despendido e imprescindíveis para o aumento do número de praticantes? As opiniões partilhadas foram nesse sentido, de que qualquer grupo necessita de aplausos e de público que partilhe as vivências dos atletas.

Os jogos deveriam de ser à semana, porque há mais pessoas e integravam-se mais (...), porque quando vamos jogar ninguém nos vai ver (…) às vezes ainda temos um ou dois, que são as namoradas ou aqueles mais chegados. (E6) Nós só vemos pessoas contra nós e é quando vamos jogar às outras escolas (…) há escolas em que vemos gente a lutar por eles. (E11)

DISCUSSÃO

A discussão dos resultados apresenta-se pelos domínios que emergiram da análise dos resultados.

Domínio 1 – Perspetiva Psicossociológica

Os motivos que levam à participação no Desporto Escolar assumem um caráter intrínseco e correspondem a aspetos como prática da modalidade com que os alunos mais se identificam, dentro do leque de opções, optando pelo envolvimento nesta atividade extracurricular gratuita, mas que proporciona atingir “novas perspetivas”, participar em competições e ocupar o tempo livre a fazer algo que gostam e que contribua para a uma boa condição física. Relativamente às dificuldades em participar nesta atividade os participantes destacam as escassas condições materiais e os horários como fator negativo para a participação.

Domínio 2 – Indicadores de Crescimento

Os fatores de crescimento do desporto são segundo Pires (2003) os instrumentos de transformação e progresso que possibilitam a melhoria da situação desportiva, num dado período de tempo, de diversas formas, biológicas, culturais, psicológicas, económicas, entre outras, fatores que, por si só, não são potenciadores de nenhuma melhoria, pelo que se

impõe a conjugação de todos eles, se quiserem provocar uma melhoria da situação. Um dos objetivos operacionais do presente estudo era verificar, como salienta Pinho (2001), quais os fatores que permitem observar os pontos fortes e ameaças do ambiente interno e externo da instituição. Constata-se a importância atribuída pelos participantes ao fator instalações desportivas e respetivo apetrechamento. No entanto, a solidariedade, a amizade, o espírito desportivo, o respeito pelo próximo e cumprimento de todas as regras são valores que cativam os alunos, o que, para o Desporto Escolar, são fatores de atração muito grande (Pina 1997).

Domínio 3 – Organização

De acordo com Guimarães (2005) as atividades internas no seio da escola são pouco valorizadas e funcionam em horários em que a maior parte dos alunos não pode participar. Constata-se, de acordo com os resultados evidenciados, que as atividades do Desporto Escolar se deveriam conciliar com os restantes horários dos alunos possibilitando a sua efetiva participação. Os intervenientes neste estudo consideram esta situação de grande relevância na medida em que poderiam promover a adesão ao desporto escolar e concomitantemente a todas as outras suas vertentes enunciadas como a arbitragem e o apoio do público.

CONCLUSÃO

A importância do Desporto Escolar na vida dos jovens deve ser valorizada. Assume também importância na dimensão cívica pois a atividade física e desportiva permite aos jovens um contato direto com elementos da cultura desportiva essenciais para além das fronteiras do desporto e da escola – a aprendizagem das regras da cooperação e da competição saudável, dos valores da responsabilidade e do espírito de equipa, do esforço para atingir metas desejadas ou da importância de cumprimento de objetivos individuais e coletivos. O empenho individual e coletivo de alunos e professores no bom desempenho desportivo permitem a construção de vínculos entre os jovens e a escola como instituição, isto é, como espaço que lhes confere a oportunidade de se realizarem e de se desenvolverem as capacidades físicas, mas também, as cognitivas. Após análise realizada podemos inferir que o Desporto Escolar caracteriza-se como propiciador do desenvolvimento integral do jovem na escola e sociedade podendo constituir-se como fator motivacional das aprendizagens. No que respeita às razões para a prática desta atividade podemos referir que os principais motivos assumem um caráter intrínseco. Isto, porque os alunos procuram realizar aquilo que mais gostam, nas modalidades que se sentem mais à vontade, procurando atingir os seus objetivos, como estar

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com os amigos, em prol da saúde, descarregar energias, entre outros. Relativamente à não prática referem a falta de tempo; a quantidade diminuta de treinos, semelhante à inadequação dos horários; inexistência da modalidade predileta e fatores externos como as instalações. No ponto de vista desportivo, a escola não deve apenas ser um espaço onde os jovens dispõem de infraestruturas e oportunidades para fazer desporto, mas deve estar ao serviço da missão da escola pública.

REFERÊNCIAS

Corbin, J., & Strauss, A. (1990). Grounded theory research: Procedures, canons, and evaluative criteria. Qualitative Sociology, 13(1), 3-21.

Fontanella, B., Campos, C., & Turato, E. (2006). Coleta de dados na pesquisa clínico-qualitativa: uso de entrevistas não dirigidas de questões abertas por profissionais da saúde. Rev Latino-americana de Enfermagem, 14, 812-20.

Gatti, A. (2005). Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Editora Liber Livro.

Nogueira-Martins, M., & Bógus, C. (2004). Considerações sobre a metodologia qualitativa como recurso para o estudo das ações de humização em saúde. Saúde e Sociedade, 13, 44-57.

Pina, M. (1997). Estrutura e dinâmica do desporto escolar: Levantamento e análise da situação em Portugal de 1990 a 1995 do modelo à prospectiva. Lisboa: FMH.

Pires, G. (1991). O desporto escolar no quadro da reforma do sistema educativo - Da organização do passado à organização do futuro. Paper presented at the Congresso Nacional de Educação Física, Tróia.

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Pinho, L. (2001). Estratégia empresarial. Lisboa: Edições Sílabo.

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Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto 4 (2014) 11-14

*Correspondência - Rui Resende – [email protected] - Instituto Superior da Maia – Avenida Carlos Oliveira Campos, Castelo da Maia., 4475-690, São Pedro de Avioso

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O desafio de ser treinadora

Selma Malta1,3; Rui Resende2,3*; Cláudia Pinheiro2,3; Alfonso Valle1

1FCAFD, Universidade Léon, Espanha; 2ISMAI (Instituto Superior da Maia); 3ARDH – GI (Adaptação Rendimento e Desenvolvimento Humano – Grupo de Investigação)

RESUMO

O projecto de investigação que se apresenta procura contribuir para a fundamentação do défice de treinadores do género feminino que prosseguem carreira no alto nível. Pretendendo-se identificar os obstáculos colocados à sua maior envolvência no treino desportivo, assim como interpretar a razão da disparidade do número de representantes mulheres existente entre as diferentes modalidades federadas colectivas e individuais. A recolha dos dados assenta em procedimentos metodológicos de carácter qualitativo e quantitativo, através da realização de entrevistas semiestruturadas a treinadoras experts, identificando o seu percurso até à excelência, assim como, a criação e validação de um instrumento que permita recolher um conjunto de dados demográficos identificadores do perfil tendencial da treinadora, tal como as principais dificuldades no acesso e prosseguimento da carreira. Procura-se também, perscrutar quais as competências que mais valorizam para o desempenho profissional, assim como as suas necessidades de formação. O estudo delineado pretende ser desenvolvido em Portugal e Espanha.

ABSTRACT

This study aims to understand why so few female pursuing careers as coaches in high level sport teams. We intend to identify the obstacles placed to their greater involvement in sports training, as well interpret the reason for the existing disparity in the number of women that coaching in different federated collective and individual sports.    The data collection is based on methodological procedures of qualitative and quantitative nature through the realization of semi-structured interviews to experts coaches, identifying its path until they reach a level of excellence. Was also aim of this study the creation and validation of an instrument to collect a set identifiers of trend demographics profile coach as the main difficulties in accessing and continuing career. We sought to perceive what skills they most value for professional performance as well as their training needs. The study will be outlined developed in Portugal and Spain.

Palavras-chave Género; Treinadoras; Competências; Progressão na Carreira; Alto nível.

KEYWORDS Gender; Coaches; Skills, Career progression; High Level.

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Desafio de Ser Treinadora

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Viveram-se décadas desde as primeiras recomendações internacionais, com o propósito de comprometer todos os órgãos do desporto no combate à discriminação das mulheres neste mundo e no alto nível em particular, no qual a presença do género feminino é ainda escasso (Kilty, 2006). Apesar de apresentarem qualificações para exercer lugares de liderança no desporto, a actividade destas, circunscreve-se aos níveis de formação, sendo desta forma pertinente realizar um estudo nesta área para compreender este fenómeno (Almeida & Cruz, 2010). Com este trabalho, procuramos trazer um contributo para uma melhor compreensão da realidade das treinadoras em Portugal e Espanha, através da caracterização do perfil social, da actividade e da formação, traçando desta forma o perfil condutor das treinadoras e identificando os obstáculos colocados à maior envolvência do género feminino no treino desportivo de alto rendimento. ESTADO DA ARTE Género e Desporto Elias e Dunning (1986) procuraram demonstrar a relação entre sociedade e desporto, concordando que este tem um importante impacto no quotidiano das sociedades modernas, sendo possível vislumbrar detalhes específicos, tanto do próprio desporto, como da sociedade onde está inserido. Durante muitos anos vivemos num universo desportivo onde o predomínio masculino prevalecia e a mulher uma mera espectadora (Almeida, 2001). Durante várias décadas, estas apenas praticavam desporto tradicionalmente caracterizado como feminino, como a dança e a ginástica, tal como os homens praticavam os desportos másculos, como o futebol (Pfister, 2010). Segundo Messner (1990), paulatinamente a sociedade tornou-se mais consciente do problema do género, reconhecendo que é fundamental apresentar um compromisso ético para a construção de uma sociedade justa e igualitária. As relações entre o género e o desporto são complexas e alteráveis ao longo dos tempos e são influenciadas pelas variâncias antropológicas, culturais, económicas, históricas, políticas e sociais, assim como pelos acontecimentos dentro e fora do desporto. Lutas de feministas desde a década de sessenta ocorrem, com o intuito de compreender a discriminação entre os sexos e desta forma aboli-la. (Hargreaves, 1992; Scraton e Fintoff, 2002). Assim, lentamente, as mulheres começaram a ter mais acesso ao desporto que durante muitos anos era absolutamente tabu (Pfister, 2010).  

O foco sobre as diferenças entre o género masculino e feminino em geral, é apoiado nas tradicionais afirmações acerca de inferioridade biológica, por este motivo, é essencial a sensibilização dos profissionais sobre a necessidade de maiores oportunidades para as meninas e mulheres (Mansfield, 2007). Uma vez, que o tipo de formação dos professores, leva muitas vezes a perpetuar um discurso discriminatório, imperando oportunidades de aprendizagem distintas, com base no género, que consequentemente leva à construção de uma linha de aprendizagem diferenciada da ideal, atribuindo à rapariga uma educação física subordinada à sua constituição mais frágil (Dowling, 2006). A juventude é a melhor fase para desenvolver a naturalidade para este fenómeno, devendo ser laborada desde os primeiros anos em contacto com o desporto (Messner, 2011). Actualmente, existem poucas modalidades, dos quais um dos dois sexos seja formalmente impedido de participar, apesar de alguns desportos ainda ser apontados como tradicionalmente femininos ou masculinos (Pfister, 2010). Segundo Liston (2004), na Irlanda o número de mulheres que pratica um desporto tradicionalmente masculino, como é o caso do futebol, tem aumentado consideravelmente nos últimos cinco anos, fenómeno este que se tem vindo a sentir um pouco por todo o mundo. O desafio de ser treinadora As mulheres têm triunfado no desporto, em torno de um enorme consentimento social, que no entanto tem estado congelado relativamente ao papel de treinadora (Kane, 2001). Em 2009, segundo Read, Rodgers e Norman, a taxa de ocupação das mulheres treinadoras em relação ao sexo oposto, muito diminuta, no que diz respeito às posições de alto nível, o que inevitavelmente significa menos modelos. A partir da sub-representação feminina como treinadoras de alta performance, o potencial das mulheres é negligenciado e marginalizado (Hargreaves, 1994). No entanto, apesar do grande envolvimento no desporto e de elevada qualificação para exercer no alto nível, ficam-se na generalidade pelos escalões de formação (Almeida & Cruz, 2010), revelando falta de orientação estrutural, reforçando assim, a noção que a alta performance é demasiado para a mulher (Norman, 2008). Nos primeiros anos de actividade, ambos os sexos apresentam experiências equivalentes, no entanto as mulheres são mais novas, melhor qualificadas e possuem maior nível de experiência competitiva pessoal. Posteriormente os homens aumentam a sua experiência em níveis elevados de prática, atingindo cargos de grande importância nos diferentes desportos, apesar das baixas qualificações, enquanto

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apenas as mulheres mais qualificadas conseguem postos semelhantes. (Read, Rodgers & Norman, 2009). A educação formal e não formal, a experiência como atleta e treinadora, são atributos que contribuem para um conjunto de competências do treinador (Côté, 2006). Num estudo que procura identificar os problemas com que se deparam as mulheres treinadoras e que procura definir estratégias de formação para facilitar o processo de formação destas, Kilty (2006) defende, que o processo de formação destas deve passar por três áreas destintas: programas desportivos que oferecem a oportunidade de aprender com outro, enquanto desenvolve as suas capacidades; criar condições de trabalho; e por último, ter apoio na acoplagem da carreira de treinadora e das transições de vida, através de modelos de tutoria. O estudo da relação e género em Portugal e Espanha está pouco investigado. Foi realizado um estudo acerca da situação das treinadoras em Portugal, um grande contributo para a área, no qual realizaram a caracterização da prática desportiva e da actividade de treinadora. Neste estudo, Almeida e Cruz (2010), concluem que apesar das dificuldades, as treinadoras desenvolveram diferentes estratégias que lhes permitem ultrapassar os limites impostos no desporto, histórica e socialmente, reservado aos homens. No entanto, as mulheres geralmente assumem o papel mais importante nas responsabilidades domésticas, o que pode estar a afectar a capacidade destas se comprometerem em posições de um nível mais elevado, por causa do tempo que terá de despender para actividade, planeamento, viagens, recrutamento, entre outras responsabilidades inerentes. De acordo com o resultado de um estudo acerca das expectativas inicias dos atletas consoante o género dos treinadores, o género feminino está em desvantagem comparado com os treinadores do sexo oposto, no que diz respeito à habilidade de obter uma resposta positiva por parte das atletas com quem são convidadas a trabalhar. Este resultado, segundo o autor, não é surpreendente, porque em estudos anteriores, atletas de ambos os sexos, manifestaram a sua preferência em serem treinados por homens. No entanto, estes mesmos atletas anteriormente questionados, percepcionam que o sexo do treinador não influencia as expectativas que têm acerca da competência. Este fenómeno pode advir de experiências de trabalho anteriores, existindo então um impacto negativo relativamente ao género feminino. Alternativamente, os participantes podem ter sido motivados pela descrença social nas mulheres treinadoras, baseada nos estereótipos do papel social (Manley, Greenlees, Thelwell & Smith, 2010). As direcções e os técnicos do desporto de performance, são predominantemente do género masculino, o que poderá originar ideias parciais de

quem fará um bom treinador e que qualidades e atributos desejam. Estes atributos podem ser considerados masculinos, criando mecanicamente um desafio para a treinadora. E pelo contrário, estas e os seus empregadores devem assegurar que informação positiva e de liderança, esteja acessível aos atletas antes de a relação atleta-treinadora se iniciar, de forma a serem criadas expectativas positivas. Nos Estados Unidos da América, na modalidade de basquetebol, treinadores homens e mulheres são compensados monetariamente de forma diferente com empregos similares. Este fenómeno é justificado pela receita mais elevado no masculino (Brook & Foster, 2010). Segundo Blom, Abrell, Wilson, Lape, Halbrook e Judge (2011), no que diz respeito ao trabalho de mulheres treinadoras em equipas masculinas, a habilidade, a autoridade e a experiência são os aspectos mais questionados. Compreendendo as questões sociais que as treinadoras podem enfrentar, é fácil entender a baixa taxa deste género como treinadoras dos homens. CONCLUSÃO A mulher como treinadora tem ao longo dos tempos ocupado o seu espaço na sociedade e para que progrida neste mundo, é essencial estudar as barreiras identificadas que freiam a progressão das carreiras. Focarmo-nos nas crenças, atitudes e experiências das treinadoras que alcançaram a expertise, criando um novo modelo em que cada mulher aprende a filosofia, os objectivos, a direcção, a ética, e a necessidade de remodelar o papel da mulher como treinadora, tornando-o positivo, para que sirvam de fio condutor no futuro. As mulheres são um recurso inexplorado e estamos a perder uma valiosa experiência competitiva se não existir um leque de atletas, que progridam a sua carreira como técnicas no desporto de alto rendimento, e consequentemente ampliarmos o universo de treinadores com potencial. Este trabalho deverá ser um ponto de partida para diversas discussões, e assim contribuir parar a diminuição da escassez de recursos na área da mulher como treinadora, focando a relação desporto-género em Portugal e Espanha. REFERÊNCIAS Almeida, C. (2001). O treinador em Portugal – Perfil social, caracterização da actividade e formação. Instituto da Juventude e do Desporto.

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Desafio de Ser Treinadora

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Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto 4 (2014) 15-19

*Correspondência - Adilson Marques – [email protected] - Faculdade de Motricidade Humana. Departamento de Ciências Sociais e Humanidades. Estrada da costa, 1495-688 Cruz-Quebrada-Dafundo, Portugal.

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Conhecimento dos alunos acerca das recomendações para a prática de atividade

física

Fábio Santos1; João Martins1,2; Adilson Marques1,2*

1Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa; 2Centro Interdisciplinar de Estudo da Performance Humana, Faculdade de Motricidade

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar o conhecimento dos alunos das recomendações para a prática de atividade física. Metodologia: Participaram no estudo 825 rapazes e 1181 raparigas com idades entre 17 e 19 anos. Os dados foram recolhidos por questionário. Considerou-se que o aluno conhece as recomendações se considerar que se deve praticar atividade física 6-7 vezes por semana, pelo menos 30 minutos, com intensidade moderada a vigorosa. Os dados foram analisados com os testes t-teste e Mann-Whitney. Resultados: Em média os participantes referiram que se deve praticar atividade física 3.7/semana, não havendo diferenças significativas entre os sexos (t(2004)=-0.061, p=0.952). Para 67.5% dos rapazes e 63.7% das raparigas deve-se praticar entre 30-90 minutos diariamente, sendo significativas as diferenças (Z=-5.776, p<0.001). Relativamente à intensidade, 63.4% dos rapazes e 68.9% reportaram que deve ser moderada ou moderada a vigorosa. Verificou-se que somente 3.5% dos alunos (5.5% rapazes, 2.1% raparigas) tinham um conhecimento correto das recomendações, havendo diferenças significativas entre os sexos (X2(1)=16.067, p<0.001). Conclusão: Verifica-se que uma percentagem reduzida de alunos conhece as recomendações para a prática de atividade física, o que se revela alarmante, pois estes resultados parecem indicar que a área dos conhecimentos poderá estar a ser ignorada pelos professores de Educação Física.

ABSTRACT

TThe aim of this study was to analyze students’ knowledge about the recommendations of physical activity. Methodology: 825 boys and 1181 girls aged 17-19 have participated in this study. Data was collected using a questionnaire. We have considered students who meet the recommendations those who acknowledge that physical activity must be practiced 6-7 times per week, for at least 60 minutes, with moderate to vigorous intensity. Data was analyzed with t-tests and Mann-Whitney. Results: On average, participants have indicated that physical activity should be practiced 3.7 times per week, with no significant differences between sexes (t(2004)=-0.061, p=0.952). 67.5% of the boys and 63.7% of the girls have indicated that the practice should be between 30-90 minutes daily, with significant differences (Z=-5.776, p<0.001). In regards to intensity, 63,4% of boys and 68.9% of girls have reported the ideal to be moderate, or moderate to vigorous. It was observed that only 3.5% of the students (5.5% boys and 2.1% girls) had an accurate knowledge of the recommendations, with significant differences between sexes (X2(1)=16.067, p<0.001). Conclusion: It was verified that a short percentage of students knows the recommendations of physical activity. This is worrying since it might be an indication that this type of knowledge is being ignored by physical education teachers.

Palavras-chave Educação física; Atividade física; Conhecimentos; Recomendações.

KEYWORDS Physical Education; Physical activity; Knowledge; Recommendations

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Prática da Atividade Física

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Os Programas Nacionais de Educação Física (PNEF) preconizam que a disciplina deve ser planeada, conduzida e avaliada dentro de quatro áreas: atividades físicas e desportivas, aptidão física, conhecimentos e atitudes/valores. Dentro da área dos conhecimentos destaca-se a importância da ação pedagógica do professor enquanto contributo para a aquisição de conhecimentos sobre estilos de vida ativos e saudáveis que permitam a continuação da participação nas atividades física, autonomamente, depois da escolaridade obrigatória (Haywood, 1991; Sallis & McKenzie, 1991).

Muitas vezes a difusão do conhecimento, com vista à promoção da saúde das populações, tem sido feita sob a forma de recomendações para a prática de atividade física (AF) (Marques, 2010). Nas duas últimas décadas vários autores procuraram estabelecer recomendações sobre os níveis apropriados de AF para os jovens. Sallis e Patrick (1994) consideram que todas as crianças deveriam ser fisicamente ativas diariamente, realizando 3 ou mais sessões semanais durante pelo menos 20 minutos com intensidade moderada a vigorosa. Por sua vez, Fletcher (1997) recomenda que os principais grupos musculares devam ser exercitados 3-4 vezes por semana durante 20 a 30 minutos. Mais recentemente, o American Heart Association e o American College of Sports Medicine recomendaram a prática de exercícios aeróbios durante pelo menos 30 minutos a uma intensidade moderada, 5 dias por semana, ou atividades vigorosas com a duração mínima de 20 minutos em 3 dias da semana.

Apesar de não existir conhecimento cientifico sobre a dose-resposta, existem evidências que a prática regular de AF é benéfica para a saúde. Neste sentido, os PNEF parecem ser concebidos segundo um ponto de vista educacional, onde a EF tem como objetivo o estabelecimento de hábitos de prática de AF que se mantenham para além da permanência na escola (Shephard & Trudeau, 2000). De facto, os seus objetivos são abrangentes e fazem parte integral da educação eclética de cada aluno, ou seja, a escola e a EF devem criar condições para que cada aluno desenvolva plenamente as suas potencialidades, adquirindo competências para cuidarem de si próprios. Neste sentido, interessa que os alunos adquiram conhecimentos e gosto pelas atividades físicas e desportivas e façam da sua prática um estilo de vida (Marques, 2010).

O objetivo deste estudo foi analisar o conhecimento dos alunos do 12º ano acerca das recomendações para a prática de AF, no que respeita à sua frequência, duração e intensidade.

METODOLOGIA Participantes

Participaram no estudo 2006 alunos, 825 rapazes (17.7±0.7) e 1181 raparigas (17.6±0.7) com idades entre os 17 e 19 anos, que frequentavam o 12º ano de escolaridade.

Instrumento

Ao analisarmos os PNEF encontrámos que entre as suas finalidades a disciplina deve aprofundar a compreensão da importância da prática de AF e, entre os objetivos gerais, os alunos devem ser capazes de “analisar e interpretar a realização das atividades físicas”, conhecendo as recomendações para a prática da mesma. Assim sendo, pretendíamos saber os conhecimentos que os alunos tinham adquirido, relativamente às recomendações existentes para a prática de AF, no final da escolaridade. Desde modo realizamos um questionário com questões sobre a frequência, duração e intensidade da AF que se deve praticar para ter benefícios ao nível da saúde.

Procedimentos

O questionário foi aplicado nas aulas de EF, na presença do professor da turma e de um investigador. Antes do seu preenchimento os alunos foram informados do objetivo do estudo e foram dadas garantias de confidencialidade no tratamento dos dados.

Análise de dados

Com base nas respostas relativas à frequência, duração e intensidade criou-se uma nova variável para determinar se os alunos conheciam ou não as recomendações para a prática de AF. Consideramos que os alunos que responderam cumulativamente que se deve praticar AF 6 ou mais vezes por semana, durante mais de 30 minutos, com intensidade moderadas a vigorosa conheciam as recomendações (Cavill et al., 2001; Sallis & Patrick, 1994; Strong et al., 2005). Com base nas respostas as variáveis foram caracterizadas pela frequência das modalidades e ainda pela percentagem que cada modalidade representava no total. As variáveis contínuas foram caraterizadas pelo valor médio e desvio padrão. As significâncias da diferença entre as variáveis frequência, duração, intensidade e conhecimento das recomendações foram avaliadas pelos testes de Mann-Whitney, t-student e qui-quadrado de independência. As análises estatísticas foram executadas com o SPSS v. 20, para um nível de significância de p<0.05.

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RESULTADOS No que diz respeito à frequência, em média, rapazes e raparigas responderam que se deve praticar AF 3.7 ± 1.9 vezes por semana. Relativamente à duração da AF, cerca de metade dos participantes afirmou que se deve praticar 30 a 60 minutos por dia (44.1% dos rapazes e 49% das raparigas) e 23.5% dos rapazes e 14.7% das raparigas referiram que a prática de AF deve ter uma duração compreendida entre 60 e 90 minutos (figura 1). Apenas uma pequena percentagem revelou que a duração da AF deve ser superior a 90 minutos (4.2% de rapazes e 1.1% de raparigas).

Figura 1 - Resultados relativos à duração da AF

No que respeita a intensidade, aproximadamente 10% dos participantes (9.8% dos rapazes e 9.1% das raparigas) indicaram que a AF deve ter uma intensidade leve ou até mesmo nula. Inversamente, 26.8% dos rapazes e 22.1% das raparigas responderam que se deve praticar AF a uma intensidade vigorosa. No entanto, mais de metade dos jovens inquiridos afirmou que a intensidade da AF deve ser moderada (59.5% dos rapazes e 68.1% das raparigas), sendo que apenas 4.7% dos participantes (3.9% dos rapazes e 0.8% das raparigas) afirmou que o nível da intensidade deve ser moderado a vigoroso (figura 2).

Figura  2  -­‐  Resultados  relativos  à  intensidade  da  AF  

Analisando as três variáveis em simultâneo, o que permite avaliar o conhecimento dos alunos relativos às recomendações, verificou-se que somente 3.5% dos alunos (5.5% rapazes, 2.1% raparigas) demonstraram conhecer corretamente as recomendações para a prática de AF, verificando-se diferenças significativas entre os sexos (X2(1)=16.067, p<0.001), isto é, dos 2006 alunos inquiridos (875 rapazes e 1181 raparigas), apenas 70 (45 rapazes e 25 raparigas) revelaram estar a par das recomendações supracitadas (figura 3).

Figura 3 - Resultados relativos ao conhecimento acerca das

recomendações para a prática de AF DISCUSSÃO Este estudo tinha com objetivo analisar o conhecimento dos alunos do 12º ano acerca das recomendações para a prática de AF, no que respeita à sua frequência, duração e intensidade. É na frequência da AF que se deve praticar que os alunos apresentam mais desconhecimento. Analisando este resultado, é possível afirmar que os alunos parecem não atribuir relevância suficiente à necessidade de se praticar AF de forma regular, usufruindo dos benefícios adjacentes a esta prática. É preocupante verificar que, a maioria dos alunos, parece terminar a escolaridade sem a perceção da importância de uma prática regular de AF. Um dos objetivos gerais, definidos nos PNEF define-se pela necessidade de “conhecer e aplicar diversos processos de elevação e manutenção da condição física de uma forma autónoma no seu quotidiano, na perspetiva da saúde, qualidade de vida e bem-estar”. Compreendemos, portanto, que se os alunos não revelam conhecer a importância e necessidade de uma prática regular de AF, dificilmente serão capazes de organizá-la e estruturá-la correta e autonomamente nas suas vidas (Brynteson & Adams, 1993). Importa referir que os resultados refletem as perceções que os alunos têm daquilo que são as recomendações para a prática de AF. Neste sentido, é inequívoco que a maioria parece assumir que para serem considerados indivíduos ativos, basta praticarem AF num total de 4 vezes por semana. O panorama parece ser mais satisfatório quando nos orientamos para a perceção que os alunos têm da

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duração da AF que se deve praticar. Neste contexto, a análise dos resultados permite aferir que a maioria dos alunos reconhece que para ser considerado ativo é necessário que a prática de AF tenha uma duração superior a 30 minutos, preferencialmente compreendida entre 30 e 60 minutos. Saliente-se que uma percentagem considerável de rapazes (27.7%) considera que para ser um indivíduo ativo, a prática de AF deve ser superior a 60 minutos diários, podendo alargar-se a uma duração superior a 90 minutos. Comparativamente, apenas 15.8% das raparigas partilha desta opinião. Este fator indicia que os rapazes poderão ter uma perceção mais física das recomendações, no que respeita à duração da AF, isto é, os rapazes parecem demonstrar que apenas se sentem ou consideram ativos com durações de AF superiores às referidas pelas raparigas. Verifica-se, por conseguinte, que à medida que a duração da AF aumenta, a ponderação das respostas das raparigas parece diminuir comparativamente à dos rapazes. O mesmo se observa em durações inferiores a 30 minutos diários. De facto, é preocupante constatar que, aproximadamente 1/3 dos participantes de cada sexo (28.1% de rapazes e 35.1% de raparigas), desconhece a componente das recomendações relativas à duração, ao indicar que a prática de AF não deve ser superior a 30 minutos diários. Apesar dos resultados obtidos para a duração da AF serem mais satisfatórios que aqueles obtidos para a frequência, é indubitável que, aproximadamente, um em cada três alunos termina o ensino obrigatório desconhecendo a necessidade de se praticar AF num período superior a 30 minutos, por ordem a garantir uma das condições essenciais na criação e manutenção de um estilo de vida ativo e saudável. Os valores relativos à intensidade não variam muito dos obtidos para a duração. De facto, a grande maioria dos participantes revela estar a par das recomendações relativas à intensidade da AF, onde as raparigas demonstram maior conhecimento, comparativamente aos rapazes. Neste sentido, importa realizar um paralelismo com a discussão efetuada anteriormente às diferenças de perceção dos rapazes e raparigas, no que respeita à duração da AF. Também na intensidade os rapazes parecem ter uma perceção mais física das recomendações, considerando, uma grande percentagem deles (26.8%), que para um indivíduo ser considerado ativo deve realizar AF com uma intensidade vigorosa. Embora os resultados obtidos nesta variável sejam positivos, importa salientar que aproximadamente um em cada dez alunos terminará a escolaridade obrigatória considerando que poderá ter um estilo de vida ativo com um nível de intensidade leve ou até mesmo nulo. Analisando as três variáveis em simultâneo, os resultados revelam-se preocupantes, sendo que dos

2006 alunos inquiridos apenas 70 (3.5%) demonstram estar a par das recomendações supracitadas. Estes resultados indiciam que apenas 1 em cada 30 alunos terminarão o 12º ano de escolaridade com o conhecimento necessário para organizarem e estruturarem autonomamente a sua AF numa perspetiva de saúde, qualidade de vida e bem-estar, tal como preconizado nos PNEF. Estes resultados urgem reflexão: Que causas apontar para este resultado? Serão as finalidades e objetivos gerais dos Programas Nacionais de Educação Física demasiadamente ambiciosos? Estarão os professores a ignorar a área dos conhecimentos? Saberão os próprios professores quais são as recomendações para a prática de AF para que as possam transmitir aos seus alunos? Darão os alunos pouca significância à disciplina de Educação Física, não aprendendo os seus conteúdos teóricos? Estas são questões legítimas face aos resultados observados e que devem fazer parte da reflexão crítica ao conteúdo transmitido. Numa sociedade onde urge a necessidade de sensibilizar os jovens para o compromisso com um estilo de vida ativo, renunciando ao sedentarismo, parecem-nos ineficazes as estratégias em utilização por parte dos professores na educação física dos adultos do amanhã. REFERÊNCIAS Brynteson, P.. & Adams, T. (1993). The effects of conceptually based Physical Education programs on attitudes and exercise habits of college alumni after 2 to 11 years of follow-up. Research Quarterly for Exercise and Sport, 64(2), 208-212.

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Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto 4 (2014) 20-25

*Correspondência - Pedro Sequeira: [email protected]. Escola de Desporto de Rio Maior. Av. Dr: Mário Soares 2040 - 413 Rio Maior, Portugal

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O papel pedagógico do treinador desportivo: uma perspetiva histórica

Tiago Gouveia1,*; João Lopes1; Valter Pinheiro2; Pedro Sequeira2*

1Instituto Superior de Ciências Educativas (ISCE); 2Unidade de Investigação do instituto Politécnico de Santarém (UIIPS) / Centro de Investigação em qualidade de vida

RESUMO

No presente artigo, pretendeu-se realizar uma pesquisa bibliográfica de estudos que abordaram temas como o papel pedagógico do treinador, responsabilidades, comunicação, liderança e constante atualização de conhecimentos. O principal objetivo do artigo foi identificar a influência do trabalho do treinador e tudo o que envolve para garantir o sucesso desportivo e emocional da equipa. Conclui-se que, para o treinador cumprir o seu papel pedagógico, tem de ampliar os seus saberes. Para além dos conhecimentos obrigatórios, técnico-táticos específicos da sua modalidade, também deverá saber intervir com os atletas, a equipa, a estrutura do clube, órgãos de comunicação e público. Para além de treinador, ser gestor é essencial.

ABSTRACT

In this article we intended to carry out a literature research of studies that focus topics such as the educational role of the coach, responsibilities, communication, leadership and constant updating of knowledge. The main purpose of the article was to identify the influence of the work of the coach on strengthening the sportive and emotional success of the team. In spite of that, we concluded that in order to fulfill their educational role, coaches must expand their knowledge forward mandatory technical-tactical knowledge of the specific modality. We mean, therefore, that they must have know how to deal with the athletes, the team, the structure of the club, media and public. So, besides coaching, to be a manager is essential.

Palavras-chave Treinador; Pedagogia; Responsabilidades Comunicação; Liderança.

KEYWORDS Coach; Education; Responsabilities; Communication; Leadership.

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Papel Pedagógico do Treinador

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Entende-se o treinador como o principal responsável pelo desenvolvimento individual e coletivo da equipa, com vista à obtenção de um rendimento elevado que permita atingir o sucesso. Muitas vezes o treinador é apenas observado e julgado pelos resultados que a sua equipa vai obtendo no decorrer do campeonato onde milita. No entanto, é também reconhecido que o seu trabalho é realizado diariamente e abrange muito mais que a aplicação de conhecimentos táticos e técnicos no treino. O presente trabalho pretende mostrar, através de diversos estudos nesta área, que as funções do treinador envolvem muitas responsabilidades para além do treino, tais como o seu papel pedagógico, comunicação, liderança e atualização de conhecimentos. Pedagogia do Desporto

Hofmann (1987), aborda o tema da Pedagogia do Desporto definindo-o como uma área do conhecimento que tem como principal ocupação estabelecer os pressupostos teóricas de uma prática educativa das atividades físicas e desportivas, colaborando para o desenvolvimento humano e para o engrandecimento global da vida humana. Sarmento (1991) define o treinador como um “pedagogo desportivo por excelência” referindo que o estudo das interações ao nível da educação física e do desporto não se devem restringir à análise do ensino pura e simples, sendo necessário ampliar o seu espetro de ação, não só ao âmbito da relação pedagógica, como também à identificação das componentes do ato comportamental em presença e que engloba os intervenientes desportivos. Alcançar a boa prestação desportiva depende da influência de muitos aspetos que são de numerosa ordem e grandeza no âmbito das relações comportamentais em presença. Lembra ainda que o praticante desportivo necessita de um apoio multidisciplinar que o treinador tem de abarcar, e que, na prática, tem de saber integrar. Responsabilidades do treinador desportivo

As responsabilidades do treinador, como foi referido anteriormente, são imensas e assumem grande importância na sua equipa, clube, modalidade e desporto. Cunha, Gaspar, Costa, Carvalho e Fonseca (2000) realçam este aspeto ao indicar que muitos dos problemas que afligem o sistema desportivo direcionam-se para os treinadores e para o seu papel decisivo na organização, condução e orientação do processo desportivo. mostrando assim a responsabilidade extrema que lhe é atribuída. O mesmo autor, apesar de entender como pilar para o sucesso os conhecimentos técnico-científicos, defende que a polivalência dos treinadores é uma necessidade obrigatória para responder às exigências com que são confrontados.

Cunha et al (2000), referem que uma linha de investigação pedagógica refere que um bom treinador é aquele que integra no seu trabalho diferentes aspetos, designadamente a organização do treino, a apresentação das atividades, a observação e a reação à prestação motora dos atletas e a criação de um clima positivo. Na conceção de Sequeira (2008) o treinador deve, durante os treinos, proporcionar aos atletas todos os meios para que possam atingir o máximo rendimento durante a competição. É com a otimização dos processos de treino que sucede a sua aplicabilidade na competição, mas para que isso aconteça o treinador vai ter que investir nas tarefas de planeamento e de reflexão. O autor entende que a função principal do treinador não se deve restringir à orientação dos atletas durante os treinos e as competições, sendo que as determinantes do sucesso desportivo são inúmeras, onde devemos destacar, e não desvalorizar, o papel e as funções do treinador. Embora as áreas de influência possam ser isoladas para posteriormente serem estudadas, a sua relação e interdependência estão sempre presentes. Buceta (1998) relembra que fora do espaço de treino e competição, o treinador realiza muito do seu trabalho intelectual onde se incluem as tarefas de planificação e organização. No entender de Ferreira (1994), o treinador é a uma figura que assume o papel relevante na gestão, orientação e direção de todo o processo sendo considerado um elemento imprescindível e tem a responsabilidade de conduzir a direção e o rumo para o qual os atletas se dirigem, a observação e análise do seu comportamento, em termos da relação pedagógica que mantém dentro e através do treino. Araújo (1980) inclui, para além do treinador, os atletas como peças importantes de um qualquer sistema de treino, embora entenda que pela especificidade da sua função é ao treinador que cumpre o cumprimento de uma tarefa primordial no todo do sistema de treino e desempenhar uma ação determinante em tudo o que diga respeito ao rendimento e à qualidade do treino, atribuindo como responsabilidades os comportamentos sistemáticos de observação, planificação, antecipação, registo de resultados, correção de estratégias de intervenção, mobilização do interesse individual e coletivo, tendo em vista o granjear de metas parciais e globais. Todas estas ações resultam de uma outra responsabilidade que passa por orientar, coordenar e dirigir a ação da equipa de especialistas que o rodeiam (Araújo, 1985). Para Gomes e Cruz (2006), o papel do treinador assume grande relevância, pois, as suas ações implicam não só o ensino de competências ao nível físico, técnico e motor como produzem um efeito positivo no desenvolvimento psicológico dos atletas. Na conceção de Araújo (1996), o desporto profissional exige aos treinadores as responsabilidades globais que pertencem a qualquer

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individuo e acrescenta as responsabilidades que têm de ser assumidas pelo que representam e produzem em termos sócio desportivos. Sabemos ainda, que elas têm profundos reflexos em várias áreas, desde o desenvolvimento desportivo, a necessária empatia com o público, contribuições dos patrocinadores e a organização e gestão financeira dos clubes que representam. Entende que se exige uma atitude profissional cujas consequências sócio desportivas sejam positivamente reconhecidas pelos diferentes agentes desportivos e o público em geral e que se deve destacar pelos contributos dados para que esse nível de prática constitua um modelo positivo para o desporto em geral. Araújo (1995) reforça esta ideia salientando que a relevância do seu exercício social está muito para além da condução do processo do treino desportivo e da direção de equipas em competição. Opina que se deu um grande passo no progresso do desporto quando os treinadores compreenderam que a definição de tarefas de cada um dos componentes da equipa de trabalho, se tornava indispensável, e que dele depende a conceção das condições necessárias para que cada um dos elementos do coletivo de trabalho, participe na plenitude das suas possibilidades, tendo em vista a obtenção dos objetivos traçados. No entanto, é o treinador que deve antecipar na preparação, as dificuldades incluídas na competição, com o objetivo de capacitar a sua equipa com uma capacidade de reação às diferentes situações de jogo, superior à dos adversários. Adelino (1988) apresenta o seu conceito sobre as responsabilidades do treinador reforçando a ideia de que não é suficiente preparar corretamente os seus treinos e intervir na área da técnica, da tática, da preparação física e psicológica, devendo ainda estar consciente da existência de muitas outras áreas para além do trabalho direto com os atletas e onde deve mostrar que pode ser influente com os seus conhecimentos técnicos, constituindo tudo isso causas por vezes determinantes para a consecução de melhores resultados. O mesmo autor atribui como responsabilidade, a apresentação de soluções para os problemas com que se depara e deve tentar melhorar as carências detetadas, nunca esquecendo a realidade existente no clube. Perante isto, refere que só o treinador pode dizer aquilo de que carece e quase sempre é ele quem deve estimular o processo de obtenção ou construção de soluções transitórias e rudimentares mas minimamente eficientes, até porque importa não esquecer que na sessão de treino o trabalho que vai ser efetuado inicia-se muito antes da hora prevista para o seu começo e finda muito para além do apito final. Quanto às responsabilidades do treinador de jovens atletas, Campbell (1998) entende que o treinador cumpre uma função central no desenvolvimento do jovem atleta, do ponto de vista físico, psicológico, emocional e social.

Pinheiro, Costa, Baptista e Sequeira (2012) entendem que a principal função do treinador é desafiar as potencialidades das crianças, encorajando-as a quererem ser cada vez melhores nunca esquecendo que ser treinador de jovens é procurar intervir positivamente na saúde daqueles que são objeto do nosso labor. Na mesma linha de pensamento, Terroso e Pinheiro (2010) referem que para se cumprir as necessidades próprias da formação de jovens o treinador pode e deve assumir um papel preponderante na calendarização desportiva, pois, formar significa respeitar de modo equilibrado a formação científica e pedagógica. O processo de comunicação

A comunicação do treinador com a sua equipa técnica, estrutura do clube, órgãos de informação e, principalmente, com os atletas prende-se de uma extrema importância no seu trabalho pré e pós treino/jogo. Nunes (1998) refere que a transmissão de informação é uma das competências fundamentais dos treinadores. Lima (2000), refere que a a relevância da comunicação tem sido pouco destacada como uma das áreas em que o treinador tem de adquirir uma evidente competência no desporto atual e que a comunicação pode estabelecer a diferenciação entre o êxito e o insucesso individual dos jogadores, entre a vitória e a derrota da equipa. No entender de Lima (1999), o processo de comunicação tanto com o grupo como individualmente, deve ser estabelecido desde o primeiro dia, pois, é através dele que se consegue aprofundar o relacionamento interindividual que conduz à motivação dos jogadores respeitando a sua personalidade e transmite tanto a filosofia de jogo como os estímulos adequados à realização dos objetivos comuns. O processo de conhecimento dos seus atletas deve ser dinâmico e aberto e deve prolongar-se durante o relacionamento quotidiano. Sarmento (1991) lembra que a interação com os atletas não deverá ter apenas em conta as suas características, mas também o calendário desportivo e a natureza da competição. Reforça que a importância do tipo de transmissão, ou seja, da qualidade e quantidade da transmissão informativa realizada também tem influência e nem tudo depende do atleta. O autor entende, então, o treinador como alguém que deverá dominar não só as questões de âmbito comunicativo, mas igualmente conhecer a matéria a transmitir. Desta forma, o treinador não pode ser apenas um conselheiro que tenha a habilidade de saber comunicar ao atleta toda a sua confiança e saber, através de um profundo conhecimento dos processos de comunicação, como a colocação de voz e precisão de linguagem técnica mas deve também

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dominar aspetos técnicos e de natureza científica relativos à modalidade. Durante o treino/jogo Ferreira (1994) menciona que os comportamentos como o fornecimento de feedback, os ciclos de correção-instrução, as reações de intensificação dos esforços e os encorajamentos parecem predominar no perfil dos treinadores que, efetivamente, objetivam a modificação comportamental desejada, assinalando que nas situações e competição, o comportamento predominante é a observação do contexto, deixando para situações de carácter mais analítico (técnico-tático) o reforço da prática, a correção e os momentos de instrução. Wooden (1966), refere que o Treinador durante o jogo carece de estar alerta no sentido de corrigir, se necessário for, quer aspetos individuais quer algo de natureza coletiva. Santos e Rodrigues (2008) entendem que o treinador deve controlar e aconselhar os jogadores durante o treino e a competição mas não deve negligenciar a preleção de preparação para a competição pois é um momento fundamental na comunicação estabelecida entre o treinador e os jogadores, um momento de reflexão teórica, onde se pretende preparar a equipe mentalmente para o jogo. Araújo (1995) aborda o facto da constante presença dos órgãos de informação e o facto de esta alteração ter tido uma profunda diferença na necessidade do treinador adquirir saberes inerentes a quem tem de dominar a arte de comunicar em público e com o público. Serpa (2008) considera que as ciências da comunicação devem passar a fazer parte do mundo pluridisciplinar do treino desportivo, pois, quando aplicadas ao desporto poderão construir treinadores com mais competência e preparação para enfrentar as difíceis exigências da competição. Liderança

A   liderança do treinador é outra das áreas fundamentais na obtenção do sucesso desportivo e emocional da equipa. Os processos de liderança têm de ser adaptados ao grupo de trabalho e às suas individualidades e estar em constante desenvolvimento e atualização para que possam ser eficazes. No entanto, e tal como Lima (1984) refere, os líderes de grupo constituídos em atividades sociais não desportivas não reúnem condições para assumir a liderança autêntica no domínio das atividades desportivas, afirmando que qualquer pessoa, que adquira o papel de líder numa atividade, verá como grande probabilidade o insucesso ao manter esse mesmo papel em uma outra atividade ou situação. Entende também que a simples transmissão das técnicas desportivas, aquisição de processos técnico-táticos e a preparação física não são suficientes nas suas funções cumprindo ao treinador respeitar a personalidade do atleta, se pretende de facto

assumir-se como agente social da formação e da educação desportiva. Ainda a respeito das responsabilidades do treinador, Pinto (1991) compara o treinador a um gestor, gestor de estímulos, de potencialidades, de capacidades, de motivações, de interesses, de estruturas, de conflitos, de influências, sempre com o objetivo da sua rentabilização para o sucesso desportivo” mas ser treinador é primeiramente alguém que deve guiar-se por comportamentos, atitudes e opções de natureza ética e da moral desportiva. Sarmento (1991) vê o treinador como alguém que exerce uma influência direta sobre os atletas ao nível de hábitos, opiniões, conhecimentos e capacidades, isto é, um condutor do processo desportivo. Vê ainda, a aplicação dos processos de liderança e comunicação como fator importante na aquisição de novos comportamentos, a sua modificação e/ou manutenção e também na melhoria qualitativa e quantitativa de execução. Para Araújo (1980), cumpre ao treinador saber rentabilizar o treino por via de uma participação motivada dos atletas, pois, entende que o segredo dos treinadores que atingem o sucesso é, admitindo que possuem um leque alargado de conhecimentos, a capacidade que este tem em criar nos atletas e dirigentes a motivação própria de quem se sente a participar e a contribuir para o progresso coletivo. Araújo (1985) entende a liderança como o modo de atuar de um determinado grupo de indivíduos, tendo em vista alcançar objetivos específicos, e o liderar de uma equipa como a possibilidade de o treinador exponenciar o seu grau de preponderância sobre o coletivo de trabalho, através de intervenções e decisões baseadas nos conhecimentos que possua, as experiências que viveu e, muito importante, possuir a sensibilidade para concordar e compreender os que consigo trabalham. O mesmo autor entende que a liderança é exercida em várias áreas da modalidade e enriquece a capacidade de comunicação entre as várias componentes da equipa, daí se pressupõe uma maior consciência das suas carências na área da psicologia desportiva que tem vindo, gradualmente, a aumentar o recorrer à ajuda dos psicólogos. Araújo (1995) lembra que, para o treinador, os interesses da equipa e o seu coletivismo estão acima de qualquer individualidade, independentemente da sua representatividade embora reconhecendo que cada jogador tem as suas aspirações e caraterísticas reacionais. Define como responsabilidades nesta área, observar, analisar e por fim imiscuir-se relativamente a cada um deles, de modo conforme com as conclusões a que chegou na observação realizada e com o objetivo primordial de colaborar para a sua melhor integração e aceitação no grupo, os maiores sucessos individuais e reconhecimento público possíveis, o reforço da confiança em si próprio e nos restantes membros do coletivo e, como preocupação, a necessidade de ser um especialista

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no provocar do interesse e da motivação dos que consigo aprendem e treinam. Adelino (1988) advoga que analisando os diferentes tipos de relação para diferentes tipos de atletas e considerando que, para um mesmo atleta em situações diferentes, a intervenção poderá ter de ser distinta. Entende que a relação treinador-atleta deve ser justa e adequada às circunstâncias podendo perfeitamente variar entre o ríspido ou duro e o carinhoso ou paternalista. Lima (1999) encara a atuação do treinador como um autêntico e permanente catalisador no processo de formação da equipa, da coesão do grupo e da transformação permitida das metas individuais em objetivos coletivos, incorporando aquelas um conceito defendido por todos que, defende o autor, é obviamente a equipa. Deve então ser um contribuidor para que exista um desenvolvimento da autoconfiança e do autocontrole nos seus jogadores e que para isso é necessário compreender os interesses, os comportamentos, as atitudes e a personalidade de cada um deles para assim cumprir a grande tarefa do treinador que é preparar os jogadores para fazerem parte da equipa. Quanto à liderança nos treinadores de jovens e na relação estabelecida treinador-atleta, Campbell (1998) afirma que muitas vezes o treinador assume-se como amigo, conselheiro e protetor, dotando-o de uma enorme capacidade de influência sobre os atletas e, por isso, têm uma incumbência ética e moral de nunca aproveitar-se dessa sua posição. Deverá então, para ser um bom treinador de jovens, compreender a necessidade de ser carinhoso sem ser complacente, de apoiar e até mesmo diligenciar a independência dos seus praticantes e de olhar as pessoas como individualidades, tratando-as a todos de uma forma imparcial. Pinheiro, Costa, Baptista e Sequeira (2012) referem que o treinador deve assumir que a sua conduta se assume como um exemplo a seguir pelos seus atletas. Atualização de conhecimentos

Um treinador que entenda ser preponderante o domínio de várias áreas, algumas referenciadas neste trabalho, para a obtenção do sucesso desportivo e emocional da sua equipa, é alguém que deverá procurar uma atualização constante de conhecimentos dentro da sua área de especialidade ou outra que considere ser importante no exercício competente das suas tão alargadas funções. Terroso e Pinheiro (2010) consideram que as grandes transformações geradas no desporto obrigam o treinador atual a investir cada vez mais na sua formação pessoal e que as suas necessidades passam por uma formação que o incentive no sentido de um constante interesse pela inovação científica, pedagógica e cultura e lhe desenvolva uma necessária atitude crítica, tal como, uma formação bem dimensionada em termos

pedagógicos que lhes possibilite saber transmitir, e uma formação científica que lhes permita transmitir saber. Araújo (1995) refere também esta necessidade perante os sofisticados métodos e tecnologias de treino a utilizar. Pinto (1991) identifica o treinador com alguém que tem de assumir o conhecimento em toda a sua relatividade de forma a sentir-se obrigado a aderir a um processo de formação contínua. Nunes (1998) acredita que o desenvolvimento individual dos treinadores tem influência direta no maior rendimento na função do treinador durante sua intervenção na modalidade. Adelino (1988) identifica o treinador como um estudioso permanente das questões ligadas ao exercício da sua função e, como tal, deve acompanhar os progressos da ciência do treino em todas as suas vertentes, fazendo leituras, frequentando seminários, conversando com outros treinadores, numa atitude aberta e interessada e, assumindo-se como figura central do desporto, tem de acompanhar a evolução da sua modalidade e os avanços ou recuos do sistema desportivo, do país e do estrangeiro. Esta real necessidade dos treinadores tem de ser entendida não só pela busca constante do sucesso não esquecendo que, tal como refere Campbell (1998), os treinadores desempenham um papel central na saúde do desporto de qualquer país e enfatizam Terroso e Pinheiro (2010) ser um dos principais promotores da atividade física desportiva. REFERÊNCIAS Adelino, J. (1988). As Funções do Treinador. Revista Horizonte, 28, 115-121

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Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto, 1(3), pp.20-25, 2014 24

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Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto 4 (2014) 26-32

*Correspondência - Adilson Marques – [email protected] - Faculdade de Motricidade Humana. Departamento de Ciências Sociais e Humanidades. Estrada da costa, 1495-688 Cruz-Quebrada-Dafundo, Portugal.

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Educação física: Que perspectivas, para que objetivos?

Fábio Santos1; Adilson Marques1,2*; João Martins1,2

1Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa; 2Centro Interdisciplinar de Estudo da Performance Humana, Faculdade de Motricidade

RESUMO

O objetivo deste estudo foi Sistematizar as diferentes perspetivas do ensino da Educação Física. Para tal. procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica através de palavras-chave. Considerámos somente artigos publicados em língua inglesa e portuguesa. Para cada artigo foi realizada uma análise de conteúdo, procurando identificar as perspetivas de Educação Física enunciadas pelos autores. Através da análise da literatura ficaram evidenciadas três perspetivas de Educação Física. Estas surgem de um conjunto de alterações ideológicas nas práticas discursivas e dividem-se em três modelos: biomédico, desportivo e educacional. Cada professor perspetiva a Educação Física de acordo com as suas crenças. No entanto, urge refletir sobre qual deverá ser a identidade desta disciplina e importa relembrar que a escola se assume como a instituição que proporciona a oportunidade dos jovens acederem a um ensino de qualidade, devendo ser entendida como um agente de transformação cultural que visa dar oportunidade aos jovens de desenvolverem competências associadas à prática física e desportiva que perpetuem por toda a sua vida.

ABSTRACT

The aim of this study was to systemize the different perspectives in physical education teaching. To achieve this, we have undertaken a bibliographic research through keywords. We have only considered articles published in Portuguese and English. A content analysis was performed to each article in order to identify the different physical education perspectives showed by the authors. Through the literature analysis three perspectives of Physical Education became evident. They emerge from a set of ideological changes in the discursive practices and are divided in three: biomedical, sportive and educational. Each teacher has its own perspectives of physical education based on his/hers beliefs. Nevertheless, there is a need to analyze which should be the disciple’s identify. It is worthwhile to remember that schools have the role of an institution which provides the opportunity for youths to have access to quality teaching, and it should be understood as an agent of educational transformation which aims to allow the youth to develop skills associated with the practice of physical and sportive activities during their lives.

Palavras-chave Educação física; Modelo Biomédico; Modelo Desportivo; Modelo Educacional.

KEYWORDS Physical education; Biomedical model; Sportive model; Educational Model

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Os As práticas discursivas do ensino da Educação Física têm sido baseadas num conjunto de mudanças ideológicas que vão da Educação Física, educação desportiva, cultura física, à educação para a saúde (Penney, Clarke, & Kinchin, 2002). Estas mudanças não têm tido consenso ou consistência e nem sempre são acompanhadas de uma definição de objetivos alcançáveis (Cale & Harris, 2006; Johns, 2005). A presente ênfase que se atribui à atividade física relacionada com a saúde pode ser considerada como uma manifestação do novo paradigma de saúde em que cada indivíduo tem um papel importante. Vários investigadores têm tentado transpor este paradigma para o contexto do ensino das atividades físicas e desportivas em meio escolar, principalmente devido ao crescente interesse que a saúde pública tem expressado na Educação Física como um meio de promoção da saúde (Sallis & McKenzie, 1991). Por outro lado, outros autores preconizam que a Educação Física deve ser substituída pela educação desportiva, porque a escola tem a missão de introduzir os jovens na vida social e cultural (Siedentop, 1994), e como o desporto é um fenómeno social e culturalmente relevante, os jovens devem ser socializados nos valores, regras e técnicas do desporto. Todavia, existem ainda os que defendem que a Educação Física, apesar de ser uma disciplina importante para a promoção da saúde e de introduzir os jovens nos valores desportivos, deve ter predominantemente um papel educativo, procurando formar os alunos nas dimensões física, moral e social (Johns & Tinning, 2006). Neste cenário, existem diferentes perspetivas que podem ser adotadas por cada professor, de acordo com as suas crenças sobre a identidade e a função que a Educação Física deve desempenhar enquanto disciplina escolar, e, mais especificamente, sobre o que é um aluno bem educado “fisicamente”, mesmo em países onde existe um programa nacional para a disciplina (Curtner-Smith, 1999). Assim sendo, o presente documento tem como objetivo descrever as diferentes perspetivas da disciplina de Educação Física, a saber, biomédica, desportiva e educacional, evidenciando as implicações práticas que as mesmas poderão ter no ensino da disciplina. METODOLOGIA

Para a identificação das diferentes perspetivas de EF procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica através de palavras-chave, utilizando-se de forma cruzadas as palavras Educação Física, concepções, modelos, práticas. Considerámos somente artigos publicados nos últimos 30 anos, em língua portuguesa e inglesa. A partir dos artigos selecionados foi feita uma análise de conteúdo, procurando identificar as perspetivas de EF enunciadas pelos autores RESULTADOS Modelo Biomédico

Um modelo que tem atraído a atenção dos especialistas da saúde pública é o discurso biomédico da Educação Física. Para os defensores deste modelo a Educação Física deve centrar-se exclusivamente na promoção da saúde, através da maximização da frequência e intensidade das aulas, e a sua avaliação consiste na análise de indicadores morfológicos, função muscular, habilidade motora, função cardiorrespiratória e regulação metabólica (Pate et al., 2006; Shephard, 2005). A origem desta perspetiva não é recente, tem por base a influência do treino físico e o papel histórico regulador que a medicina tem exercido sobre a Educação Física. Na verdade, a aproximação da Educação Física com as ciências biomédicas foi o que acabou por conferir o estatuto científico à profissão, mas essa ligação entre as duas áreas foi também a responsável pelas maiores inadequações, porque o professor de Educação Física assumiu o papel de educador do físico, deixando de atender às necessidades do aluno na sua totalidade, tornando-se um disciplinador, identificado com hábitos militares. Este modelo parece relacionar-se com a conceção biologista, preconizada por Crum (1993), que idealiza as aulas como um treino físico, onde os alunos devem realizar exercícios com elevada intensidade e repetições frequentes e cuja avaliação é feita, essencialmente, através de testes de condição física. As bases teóricas deste modelo assentam sobre as evidências que mostram a relação entre a prática regular da atividade física e a melhoria do estado de saúde (Paffenbarger, Hyde, Wing, & Hsieh, 1986), o declínio da atividade física como um fator de risco que, inevitavelmente, afetará a saúde (Ezzati, Lopez, Rodgers, Vander Hoorn, & Murray, 2002; Lopez, Mathers, Ezzati, Jamison, & Murray, 2006) e a confirmação de que um estilo de vida ativo durante a infância conduzirá à participação do adulto (Silverman, 2005; Telama, Yang, Laakso, & Viikari, 1997). Apesar da aceitação deste modelo por parte de alguns investigadores, Johns (2005) e Johns & Tinning (2006) assumem uma atitude crítica e baseiam as suas posições nas incertezas que este modelo apresenta. Nesta conceção de Educação Física impõe-se a ideia de que o corpo humano é uma máquina que necessita de manutenção para não perder uma capacidade satisfatória – a saúde. Como essa assunção carece ainda de confirmação para os mais novos, porque os resultados apresentados para a população infanto-juvenil são por vezes contraditórios e não acompanham os que estão descritos para os adultos (Twisk, 2001), a sua aplicabilidade nem sempre é bem aceite em meio escolar. Outro problema causado por este modelo está relacionado com a moralidade. Os estudantes são frequentemente rotulados (diligente e preguiçoso, bom e mau, resistente e desistente), porque se o que

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se pretende é elevar os níveis de atividade física através do aumento da frequência e intensidade, as diferenças individuais não são consideradas (Johns, 2005). Mas como as diferenças são uma realidade presente no contexto educativo, uma única “receita” não é apropriada para todos os alunos (Rankinen & Bouchard, 2002). O sucesso na Educação Física, de acordo com este modelo, está relacionado com a elevação dos níveis de aptidão física, por isso a ênfase no bom desempenho nos testes de aptidão física é uma marca característica deste discurso. Tem sido manifestada preocupação em relação a uma abordagem pedagógica baseada na promoção da aptidão física, por ter um efeito contraproducente na participação das crianças e adolescentes (Cale & Harris, 2006). Freedson & Rowland (1992) consideram que os programas baseados nos testes de aptidão física humilham, embaraçam e provocam desconforto nos alunos menos aptos e reforçam a noção de que o exercício competitivo é desagradável. Por esta razão, é argumentado que, da perspetiva da saúde pública, o objetivo da promoção da atividade física deve consistir em influenciar os hábitos de prática e não na elevação dos níveis de aptidão física (Freedson & Rowland, 1992), e as intervenções devem focar os resultados comportamentais, cognitivos e afetivos (Harris & Cale, 1997). Na verdade, Shephard & Trudeau (2000) sugerem que a habilidade dos programas para desenvolverem os hábitos para a prática regular de atividade física, que persistem ao longo da vida, parecem ser mais importantes do que qualquer ganho a curto prazo, provocado pela melhoria dos níveis de aptidão física. Os benefícios da atividade física nos jovens são transitórios, por isso tem sido referido que é mais importante estabelecerem-se padrões de participação regular que possam permanecer até a idade adulta (Sallis et al., 1992). Observa-se, com frequência, ações norteadas por essa visão da Educação Física. O paradigma biomédico está presente em muitas intervenções, com a ênfase simplesmente no movimento. Esse posicionamento poderá reforçar os estereótipos, os preconceitos em relação a quem não se enquadra num padrão físico determinado como bom ou normal. A visão desse modelo é restrita ao nível da melhoria das capacidades físicas e ignora os aspetos psicossociais e experiências associadas com a saúde. Modelo desportivo O modelo desportivo refere-se ao conceito de Educação Desportiva. Este conceito foi apresentado por Daryl Siedentop no início de 1980, mas somente mais de uma década depois é que se tornou conhecido. Desde o início, Siedentop considerou que a Educação Desportiva era uma alternativa desejável

à Educação Física tradicional que era ensinada nas escolas (Kirk, 2006). O autor considerava que a multiplicidade de atividades que eram ensinadas nas aulas de Educação Física não permitiam que as aprendizagens fossem de qualidade, porque algumas unidades de ensino tinham apenas 4 aulas ao longo do ano, o que permitia que os alunos tivessem somente um conhecimento superficial das matérias e não atingissem as competências necessárias para a prática das modalidades ensinadas nas aulas (Siedentop, 1994). Como alternativa, Siedentop apresentou um modelo de Educação Desportiva que assentava no desenvolvimento de competências desportivas individuais. Assim, passou a definir um indivíduo competente como sendo aquele que participa com sucesso numa modalidade desportiva (Siedentop, 1994). Este conceito de Educação Física enquadra-se na conceção acrítica para o desporto, apresentada por Bart Crum (Crum, 1993), que refere que a Educação Física deverá ser substituída pela Educação Desportiva e que a escola deverá ter como principal missão introduzir os jovens na vida social e cultural. Este modelo começou, paulatinamente, a ganhar importância nos Estados Unidos da América e tem sido adotado e adaptado em alguns contextos internacionais, particularmente na Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e Rússia (Penney et al., 2002; Sinelnikov & Hastie, 2010). Sendo um modelo que assenta na prática desportiva competitiva, a vitória pode ser sobrevalorizada, em detrimento de outros valores que a prática desportiva persegue. Por este motivo, Siedentop (1994) refere que a maior lição que se pode tirar desde modelo educativo é o esforço na competição, o fair play, honra e a aceitação de derrota. Isso assemelha-se aos ideais olímpicos que inicialmente eram defendidos, mas que com o tempo perderam o significado real. Como o desenvolvimento desde modelo tem por base a competição, as unidades de ensino/trabalho, passam a ser equiparadas às épocas desportivas, fazendo com que os alunos se associem a uma modalidade desportiva ao longo de um ano de escolaridade. Isso significa que as aprendizagens ao longo do ano se cingem a uma modalidade desportiva e o significado de ecletismo deixa de fazer parte da disciplina. Quanto aos alunos menos habilidosos fisicamente, esses assumem os outros papéis do sistema desportivo – árbitros, árbitros de mesa, delegados desportivos, entre outros (Siedentop, 1994). Devido à importância dada à performance e à competição, inevitavelmente os alunos terão como modelo os atletas profissionais de alta competição. Sobre esta questão Kirk (2004) alerta para o comportamento de muitos atletas, porque procuram enganar os árbitros e adversários, usam substâncias proibidas e estão associados a casos de corrupção desportiva. Os alunos podem facilmente incorrer,

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ainda que numa escala diferente, nesses mesmos erros. A educação desportiva ao assemelhar-se com a prática desportiva real, irá, naturalmente, afastar os alunos menos habilidosos fisicamente da prática das atividades físicas e desportivas, por terem piores performances do que os seus pares (Penney et al., 2002). Do ponto de vista da promoção da saúde, para muitos alunos a Educação Física representa o único local onde podem praticar atividade física regularmente (Marques, 2010). Como o modelo desportivo é elitista, selecionando somente os mais aptos, muitos alunos não conseguem praticar atividade física suficiente para a promoção da saúde (Cavill, Biddle, & Sallis, 2011). Do ponto de vista pedagógico o modelo desportivo parece ser contraproducente, porque os objetivos da Educação Física passam pela integração dos alunos nas aulas, permitindo que a prática desportiva seja uma realidade acessível para todos, independentemente das suas habilidades. Considerando ainda o papel da Educação Física como promotora da participação dos alunos nas atividades físicas e desportivas quando tiverem a idade adulta, este modelo pode não representar a melhor solução. Num estudo sobre o tracking da atividade física Telama et al. (1997) verificaram que um dos melhores preditores da participação dos adultos era a prática de atividade física nas aulas de Educação Física. Os resultados deste estudo suportam que a participação persistente nas atividades físicas nas aulas de Educação Física aumenta a probabilidade dos sujeitos terem elevados níveis de atividade física na idade adulta. Isso demonstra a importância que a disciplina tem para os alunos, não devendo ser somente restringida aos mais habilidosos fisicamente. Modelo educacional Este modelo é talvez o mais comum e assenta os seus fundamentos em argumentos de ordem psicológica e educativa. A saúde é relacionada com o estilo de vida e é entendida como uma responsabilidade individual, sobre a qual cada sujeito faz as suas escolhas conscientemente. O exercício físico, através de uma panóplia de atividades físicas e desportivas, é fundamentalmente o objeto através do qual o professor operacionaliza a ação pedagógica. A sua importância reside no contributo que pode dar para a aquisição de um estilo de vida ativo e saudável e na aprendizagem de um reportório de atividades motoras que permitam a continuação da participação autonomamente depois da escolaridade obrigatória {Haywood, 1991 #62;Sallis, 1991 #61}. Estratégias para o aumento da motivação {Biddle, 2001 #89}, de autoconceitos e satisfação {Spinath, 2005 #90}, são privilegiadas para mudar os estilos de vida. Esta perspetiva baseia-se na ideia da

racionalidade e liberdade, cuja finalidade é apoiar os alunos a fazerem opções fundamentadas no conhecimento aprendido. Os resultados que mostram o estado de saúde dos mais jovens, como consequência das suas opções relativas ao estilo de vida, constituem um desafio emergente para a disciplina de Educação Física. Através da educação é possível desenvolver estilos de vida saudáveis {Shephard, 2000 #87}, prevenir doenças {Tuomilehto, 2001 #99} e reduzir os gastos com os cuidados de saúde {Anderson, 2005 #102}. Neste sentido, os estudos realizados para definir estratégias de promoção da atividade física enfatizam a educação e os estilos de vida, remetendo para segundo plano os níveis de aptidão física {Dishman, 2004 #103} e as altas performances na prática de atividade física. O modelo educacional não exclui o desenvolvimento da aptidão física dos alunos nem a performance, apenas não os considera a única ou a mais importante prioridade. Nos propósitos da disciplina estão explícitos, por um lado, a melhoria efetiva da aptidão física e, por outro, a promoção de aprendizagens de conhecimentos relativos aos processos de elevação da aptidão física e de uma atitude favorável face à prática regular das atividades físicas e desportivas. Do ponto de vista educacional, a Educação Física tem como objetivo o estabelecimento de hábitos de prática de atividade física que se mantenham para além da permanência na Escola {Shephard, 2000 #87}. Isso significa que a Educação Física não pretende apenas criar condições para os alunos melhorarem as suas capacidades físicas, mas, também, criar hábitos duradouros de atividade física que sejam uma fonte de diversão, satisfação e diminuição dos fatores de risco para a saúde inerentes à vida sedentária {Haywood, 1991 #62}. Esta preocupação constitui uma das particularidades da Educação Física e é uma marca de muitos sistemas educativos. Contudo, os resultados da investigação ainda não comprovaram cabalmente a possibilidade dos currículos ecléticos poderem desenvolver hábitos de atividade física permanentes, nem o aumento do nível das capacidades físicas dos alunos {Bouchard, 1990 #105;Everhart, 2005 #104}. Apesar de não existirem ainda resultados conclusivos, existem evidências que suportam que um programa de Educação Física que visa os aspetos do domínio físico, cognitivo e de apropriação e aperfeiçoamento das matérias de cultura física {Dale, 1998 #107;Fairclough, 2005 #106}, bem como os aspetos mais gerais de socialização, tem efetivamente mais sentido no contexto escolar. Em oposição ao modelo biomédico e desportivo, a Educação Física não procura apenas os objetivos relacionados com o corpo e nem tem a pretensão de formar atletas. Os seus objetivos são mais abrangentes e fazem parte integral da educação eclética de cada aluno, ou seja, a Escola e a

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Educação Física devem criar condições para que cada aluno desenvolva plenamente as suas potencialidades, adquirindo competências para cuidarem de si próprios, serem solidários e capazes de se relacionarem positivamente com o meio. Neste sentido, interessa que os alunos adquiram conhecimentos e gosto pelas atividades físicas e desportivas e façam da sua prática um estilo de vida. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Este trabalho evidenciou as diferenças entre a perspetiva biomédica, desportiva e educacional, assim como algumas implicações pedagógicas associadas a cada uma, no que concerne à identidade e à função que a Educação Física deve desempenhar enquanto disciplina escolar. Em primeiro lugar, importa questionar se é a disciplina de Educação Física aceite como uma atividade educacional? A nível internacional, Hardman (2009) evidenciou que a disciplina de Educação Física enfrenta sérias limitações ao nível do estatuto escolar, devido à existência de, por exemplo, propostas para que a disciplina seja retirada do currículo, e para que haja uma redução da componente letiva e dos recursos disponíveis. Estas preocupações parecem persistir com indicações de novos cortes no currículo da disciplina de Educação Física como consequência da crise financeira global. Em Portugal, vários estudos comprovam que o estatuto da Educação Física junto de diferentes intervenientes da comunidade educativa (pais, diretores escolares e professores de outras disciplinas) também não é o mais favorável (Carreiro da Costa & Marques, 2011). Neste contexto, onde os direitos já adquiridos podem claramente ser reversíveis, urge refletir sobre qual é (ou deverá ser) a identidade da disciplina de Educação Física? O que é um ensino de qualidade em EF? Que homens e mulheres queremos formar através da educação? Mais especificamente, o que é um aluno bem-educado “fisicamente”? Considerando a sistematização de Crum (1993), o modelo educacional poder-se-á associar à orientação sócio-crítica, uma vez que a escola não deve ser vista como uma agência de adaptação e reprodução social, mas antes como um contexto de inovação e transformação cultural. Neste sentido, a escola assume-se como a instituição que proporciona a principal, e para muitas crianças e jovens a única, oportunidade de acederem a um ensino de qualidade do desporto e das restantes atividades físicas. Ideologicamente a disciplina de Educação Física deverá ser entendida como um projeto de inovação e transformação cultural que tem por finalidade dar oportunidade a todas as crianças e jovens de adquirirem conhecimentos e desenvolverem as atitudes e competências necessárias para uma participação emancipada, satisfatória e prolongada na cultura do movimento e ao longo de toda a vida.

Carreiro da Costa (2005) indica que as crenças que os professores apresentam têm impacto na implementação de um currículo. Consequentemente para o desenvolvimento de um plano de ação em Educação Física é necessário perceber melhor as ideologias, não apenas no documento oficial e no contexto real de aula, mas também no que diz respeito à formação inicial (e contínua) dos professores de Educação Física. Assim deve haver uma relação de coerência entre a conceção de um modelo curricular de um curso de formação de professores e as funções, tarefas e competências profissionais que devem ser promovidas com vista a que os (futuros) professores coloquem em prática a identidade de uma disciplina, transformando as crianças e jovens de forma a: demonstrarem competência nas habilidades motoras e nos padrões de movimento necessários para praticar um conjunto variado de atividades físicas; apresentarem e manterem uma adequada aptidão/condição física relacionada com a saúde; praticarem regularmente atividades físicas; conhecerem as implicações e os benefícios associados à prática das atividades físicas; demonstrarem conhecer como utilizar os princípios e as estratégias necessárias para conseguir benefícios da prática das atividades físicas; valorizarem a atividade física relacionada com a saúde assim como a sua contribuição para um estilo de vida saudável; exibirem um comportamento pessoal e social responsável respeitando-se a si mesmo e aos outros (NASPE, 2004). REFERÊNCIAS

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*Correspondência - Luís Sousa – [email protected]  - Rua Pedro Verdial, Ed. Quimarina – R/ch Esquerdo

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Desporto escolar adaptado nas escolas

Daniel Fernandes1; Fábio Silveira1; José Nobrega1; Luís Sousa1; Nelson Martins1

1Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

RESUMO

Com o presente estudo pretendeu-se verificar a existência do desporto adaptado em duas escolas do norte do país e as respectivas condições de prática. As informações foram recolhidas através do preenchimento de um questionário elaborado para o efeito, os quais foram tratados realizando-se uma análise estatística descritiva e de conteúdo. Dos resultados obtidos foi verificado que 100% das escolas oferecem Desporto Escolar Adaptado aos seus alunos com Necessidades Educativas Especiais. Em ambas as escolas, o Boccia é a modalidade desenvolvida (por ser a modalidade ideal para alunos com paralisia cerebral), estando esta enquadrada num contexto/quadro competitivo. Por último, metade dos inquiridos entende que atualmente a escola ainda não consegue proporcionar as condições essenciais para uma justa e adequada prática desportiva para aqueles que apresentam Necessidades Educativas Especiais, enquanto a outra metade afirma que a escola possui atualmente um conjunto de condições fundamentais para a prática, embora, anteveja dificuldades no futuro, pois acredita que finalizado o ensino secundário, o meio envolvente não está capacitado para lhes facultar a prática da modalidade.

ABSTRACT

The present study aims to verify the existence of sport adapted and the conditions for their practice in two schools of the north. The information gathered through the full thread of a questionnaire drawn up for this purpose, which was treated the performing of schools with a descriptive statistical analysis and content. The obtained results proved that 100% of schools offer School Sport Adapted to their pupils with Special Educational Needs. In both schools, Boccia is the modality developed (is the modality ideal for students with cerebral paralysis), being this framed in a context/competitive framework. Finally, half the respondents believes that currently the school still cannot provide the essential conditions for a fair and adequate sport for those countries with Special Educational Needs. While the other half says that the school has currently a set of basic conditions for the practice, although, and sees the difficulties in the future, because they believe that finalized secondary education, the environment is not enabled to provide the practice of modality.

Palavras-chave Escola; Alunos; Necessidades Educativas Especiais;

KEYWORDS School; Students; Adapted Sport in Schools; Special Educational Needs.

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Desporto Escolar Adaptado

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O Desporto Escolar e a própria Educação Física na escola ainda se encontram numa fase em que os recursos devem ser canalizados para a resolução de um problema básico e necessário: dotar as escolas de instrumentos, dar formação a professores e famílias, de forma a viabilizar uma verdadeira inclusão no âmbito da Educação Física, da atividade física e do desporto na escola. Segundo Graça (2008), o professor de Educação Física é aquele que se perfila como o mais dotado para lidar com o fator da heterogeneidade e, quando devidamente apoiado, torna-se um elemento fundamental em todo o processo de inclusão dos alunos que se destacam pela diferença.

É notório que a maioria dos cursos de formação inicial de professores de educação física não contempla nos seus currículos formação suficiente na área de intervenção da atividade física e desporto adaptado. Ao trabalhar com pessoas com deficiência nas aulas de educação física, os profissionais da área devem estar atentos aos conhecimentos específicos de cada deficiência. Nesse sentido, Cidade & Freitas (2002) colocam a importância do conhecimento básico dos professores relativos ao seu aluno com deficiência. O professor deve procurar sempre complementar sua formação, mesmo em seu quotidiano dentro da escola, para que possua maior segurança e tenha um melhor desempenho em sua prática docente. Por outro lado a grande maioria dos profissionais de apoio nas escolas aos alunos com necessidades educativas especiais e mais especificamente a alunos portadores de deficiência não têm preparação nestas mesmas áreas. Sendo estas, áreas de intervenção não só especializadas como prioritárias, exigem desenvolver mecanismos que permitam a todos os profissionais intervenientes no processo educativo, intervirem de forma correta e objetiva, contribuindo para uma verdadeira inclusão e o alargamento da oferta de qualidade na área da Educação Física, da atividade física e do desporto na escola, para os alunos portadores de deficiência. O desporto, quando praticado de forma sistemática e organizada, respeitando parâmetros de frequência, duração e intensidade apropriados à capacidade de rendimento corporal de cada um, conduz a uma melhoria da sua condição física, conduz ao desenvolvimento das suas capacidades motoras. Assim sendo, o desporto deverá ser símbolo de promoção de igualdade e não pode ficar à margem desta problemática. Encontra-se no Desporto todo um conjunto de situações e de experiências de socialização, que se revelam de importância fundamental para o jovem, como ser social em formação e, muito

particularmente, para o jovem com deficiência, tradicionalmente mais privado de oportunidades de socialização e de interação social adequadas. No que diz respeito ao acesso à prática desportiva, os profissionais do ensino não podem ficar indiferentes. Este é um direito que assiste a todos que, compartilhando esta atividade, se diferenciam nas atitudes com que encaram essas práticas pelo que é com toda a legitimidade que o cidadão, com determinadas patologias, se deva sentir como um sujeito ativo no desporto na sua plenitude.

A atividade física para a pessoa com necessidades especiais tem vindo a ser alvo das mais variadas atenções por parte das instituições escolares, recreativas entre outras. Segundo Potter (1981), elemento do Comité para o Desenvolvimento do Desporto do Conselho da Europa, a atividade física deve ser vista como uma gama completa de atividades adaptadas às capacidades de cada um, particularmente ao desenvolvimento motor, à Educação Física e a todas as disciplinas desportivas. Por outro lado, Doll-Tepper (1995), Lindstrom (1986) e Storm (1980) consideram que a atividade física adaptada (na medida em que se aplica a pessoas sem possibilidades de a praticarem em condições normais) está limitada aos indivíduos deficientes reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde e expressa-se em três dimensões, designadamente a competitiva, a recreativa e a terapêutica. No desporto adaptado as contribuições não são só competitivas, mas também, sociais terapêuticas, recreativas, envolvendo valores que sustentam o aluno com Necessidade Especial, como: auto-estima; valorização; limites; segurança; superação e outros sentimentos capazes de fortalecer uma vida. Com isso Sassaki (1997), reforça que o Desporto Escolar acarretá benefícios para o aluno com necessidades educativas especiais: “São muitos, dependendo do quanto de empenho os promotores invistam na implementação da filosofia de inclusão social nos desportos. Alguns exemplos de benefícios são: aumento da auto-estima e melhoria da competência física e social; aumento na variedade de modelos sociais propiciados pela diversidade dos participantes; crescimento do senso de pertencer à comunidade, de cada pessoa; melhoria da imagem da entidade promotora perante a comunidade local e internacional.” [ Vilela; Costa, & Tubino (2009)]

O Desporto Adaptado faz essa inclusão do aluno com necessidade educativas especial no desporto como forma de participação activa, fazendo com que conceitos sejam sempre modificados para que venham atender a todas as necessidades. Esse desporto na escola é possível e tem que ser valorizado, pois na escola a participação é alongada a todos num regime

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voluntário. Com isso essa proposta vem dinamizar a vida do aluno e sugerir um futuro promissor. Nesse sentido o desporto adaptado quando empregado com educação segue orientações pedagógicas com vistas à cidadania. Toda a actividade existente no Desporto Escolar Adaptado deve-se reger segundo alguns príncipios: Princípios da Participação, Superação, Segurança, Valorização e da Independência/Autonomia. O Desporto Escolar oferece condições favoráveis de inserção para o aluno com Necessidades Educativas Especiais para uma participação activa, fazendo com que os profissionais da área actuem directamente com eles de forma a proporcionarem actividades bem orientadas baseadas nos principios do Desporto Adaptado, de modo a oferecer-lhes uma inclusão real com direitos assegurados. Assim sendo, temos como objetivo verificar a existência do desporto escolar adaptado em duas escolas do norte do país e as suas respetivas condições de prática para os seus alunos com necessidades. METODOLOGIA Amostra No que concerne à caracterização da amostra considerada para a elaboração do presente estudo, esta constitui-se por dois indivíduos integrados no Sistema Educativo, ligados ao âmbito do Desporto Escolar Adaptado. Pretendia-se conhecer a existência do Desporto Escolar Adaptado nessas escolas, bem como entender toda a dinâmica associada a essa atividade. Foi-lhes apresentado um questionário elaborado para o efeito, com o intuito de tirar conclusões para alcançar os objetivos propostos. Na aplicação do questionário, o retorno foi de 100%. Instrumento Através de pesquisa bibliográfica (Cidade & Freitas, 2002; Graça, 2008; Vilela, Costa, & Tubino, 2009) elaboramos um questionário constituído por seis perguntas, sendo elas as seguintes: 1) Há quanto tempo existe o Desporto Escolar Adaptado na Escola?; 2) Quantos alunos com Necessidades Educativas Especiais existem na Escola?; 3) Desses alunos, quantos aderem ao Desporto Escolar Adaptado?; 4) Quais as atividades/modalidades que a Escola proporciona a estes alunos?; 5) Essas modalidades estão inseridas nos quadros competitivos?; 6) No presente, acha que a Escola está equipada para fazer face às necessidades desses alunos? Para o tratamento dos resultados, realizou-se uma análise estatística descritiva e de conteúdo, comparando os resultados obtidos com as

conclusões da bibliografia pesquisada. Assim nas primeiras cinco questões do questionário realizou-se uma estatística descritiva, enquanto para que para a sexta e última pergunta efetuou-se uma análise de conteúdo qualitativa. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Com base nos resultados obtidos, pode-se conjecturar que o Desporto Escolar Adaptado já começa a estar inserido no contexto escolar, uma vez que 100% dos inquiridos afirmaram positivamente à questão da existência do Desporto Escolar Adaptado nas suas escolas. Este tipo de resultado é benéfico pois permite perceber que nestes últimos tempos, a nível do âmbito educacional tem ocorrido desenvolvimentos favoráveis no sentido de proporcionar o processo ensino/aprendizagem e prática desportiva a qualquer tipo de alunos, sejam ou não alunos com Necessidades Educativas Especiais. Também é relevante, para além, da existência desses projetos, dar continuidade ano após ano aos mesmos de modo a aumentar ou solidificar a adesão a essa prática. Como analisado no estudo, o projeto (Desporto Adaptado) já se encontra enraizado em ambas as escolas há alguns anos. Em relação à existência de alunos com Necessidades Educativas Especiais e a respectiva adesão ao Desporto Escolar Adaptado, ocorrem duas situações similares. Decompondo por partes: uma das escolas apresenta uma percentagem de 50% de adesão, visto que um dos dois alunos com Necessidades Educativas Especiais está inscrito no projeto Desporto Escolar Adaptado. Na outra escola, apesar de não ter sido facultado o número total de alunos com estas necessidades existentes na escola, sabe-se que dois desses alunos aderiram ao Desporto Escolar Adaptado. Através destes números de adesão, supõe-se que os responsáveis pelo Desporto Escolar Adaptado transmitam melhor conhecimento mais direcionado e individualizado, visto o número de adesão ser relativamente baixo, sem comprometer desse modo o natural desenvolvimento do processo a fim de se atingir as competências objetivadas. Apesar de atualmente existir um leque variado de modalidades que podem ser trabalhadas pelos alunos com Necessidades Educativas Especiais, ambas as escolas proporcionam aos alunos a modalidade de Boccia, inserida no quadro competitivo. Estando esta modalidade, em ambas as escolas no quadro competitivo, proporciona aos alunos aderentes um enriquecimento de valores sociais e desportivos. Com as informações recolhidas por este estudo, verifica-se que há uma discordância entre os dois

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inquiridos pois estes apresentam uma avaliação/opinião distintas no que diz respeito às condições que as suas escolas oferecem para a prática do Desporto Escolar Adaptado. Existem nos dias que correm, escolas mais bem equipadas quer em termos materiais, logísticos e com recursos humanos. Realidade esta, aferida neste estudo, pois uma das escolas apresenta grandes dificuldades enquanto a outra escola até está bem preparada para oferecer a prática do Desporto Escolar Adaptado. Um dos problemas levantados por um dos inquiridos, que refere existir grandes dificuldades, prende-se pela falta de transportes, equipamentos. O outro inquirido referiu que a sua escola apresenta equipamentos apropriados, técnicos competentes e contribui financeiramente nas deslocações para competições bem como respectiva alimentação. Contudo, também acautela o futuro destes alunos, pois afirma que após terminarem o 12º ano (Secundário) poderão não ter condições para continuar as suas carreiras no Desporto Adaptado devido à ausência de oferta na sua zona residencial e teriam a partir dai que arcar com todas as despesas inerentes à continuação de prática do Desporto Adaptado. CONCLUSÃO Proporcionar Desporto Escolar a todos os alunos é um dever das escolas. Todo o aluno tem o direito de praticar desporto seja este um aluno dito normal, quer um aluno com Necessidades Educativas Especiais. Cabe às escolas direcionar, incentivar e oferecer condições para que estes tenham acesso a este “meio” de ensino. Pode-se agora, no final do trabalho e com base nos resultados obtidos afirmar que: i) As escolas oferecem condições de prática desportiva a todo o tipo de alunos e o Desporto Escolar Adaptado começa a ser implementado pelas mesmas; ii) Em relação às modalidades pode-se afirmar que o Boccia é uma das modalidades mais integradas nos projetos do Desporto Escolar Adaptado. Supõe-se que a baixa adesão por parte dos alunos com Necessidades Educativas Especiais seja devido ao menor número de alunos inscrito nas escolas; iii) Por último, as escolas preocupam-se em proporcionar aos alunos com Necessidades Educativas Especiais condições óptimas de prática desportiva. Contudo, ainda estão a ser confrontadas com inúmeros obstáculos que podem atrapalhar a prática das mesmas; iv) Um último aspecto a referenciar é a formação de futuros profissionais da área. Será importante estarem conscientes das dificuldades que o Desporto Escolar Adaptado conduz, procurando sempre uma formação contínua pedagógica e científica diversificada de modo a puder corresponder em diversos contextos.

REFERÊNCIAS  Cidade, R., & Freitas, P. (2002). Educação física e inclusão: considerações para prática pedagógica na escola. Brasília: Revista integração. Edição especial, 26-30.

Doll-Tepper, G. (1995). Deporte para atletas disminuidos: Oportunidades de hoy para una vida mejor mañana in: Instituto Andaluz del Deporte (ed), Actas – Congreso Científico Olímpico – 1992: Actividad Física Adaptada, Psicología y Sociología, p. 25-39.

Graça, J. (2008). Desporto adaptado em meio escolar. In: Seminário Desporto Adaptado: Captação e Treino, Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão.

Lindstrom, H. (1986). Philosophy of sports for the disabled in: Vermeer, A. (Ed), Sports for the Disabled - Respo 86. Arnhem: Uitgeverij de Vrieseborch, p. 89-100.

Potter, J. (1981). Sport pour les handicapés - Contribution à l’Année internationale des handicapés. Strasbourg: Comité pour le Développement du Sport ; Conseil de l’Europe.

Storm, A. (1980). Activites Sportives et Handicap. Sport, 1(89), 2-10.

Vilela, A., Costa, V., & Tubino, M. (2009). A inclusão do necessitado especial no esporte escolar. Efdeportes.com Revista Digital, 139.

   

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*Correspondência - Patricia Gomes – Faculdade de Desporto, Universidade do Porto - Rua Dr. Plácido Costa, 91 4200-450 Porto

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O estágio profissional em análise: Estudo com estudantes estagiários de educação

física

Patrícia Gomes1*; Ana L. Pereira1; Amândio Graça1; Paula Queirós1; Paula Batista1

1Faculdade de Desporto, Universidade do Porto

RESUMO

O processo de aprender a ensinar, entre outros fatores, é largamente influenciado pelas caraterísticas dos estudantes-estagiários. Por outro lado, a atribuição de sentido e (re)interpretação do valor de cada experiência permite aos estudantes construírem a sua Identidade Profissional. O propósito deste estudo foi descrever a realidade vivida e percebida pelos estudantes-estagiários durante o processo de estágio profissional, para melhor entender o modo como constroem as suas identidades profissionais como professores. Para a recolha de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas a 10 estudantes-estagiários da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. As entrevistas depois de transcritas foram submetidas à análise de conteúdo, com o auxílio do software Nvivo9. Os dados revelaram que: (i) o desenvolvimento de habilidades e competências superaram as expetativas iniciais dos estudantes-estagiários; (ii) o aumento da motivação dos alunos foram os momentos mais positivos para os participantes; (iii) gradualmente, os estudante-estagiários entenderam a funcionalidade e a utilidade de algumas tarefas obrigatórias, considerando-as indispensáveis ao ensino; (iv) nas aulas, os estagiários sentiam maior autonomia e, por considerarem, fundamental envolver os alunos, realizavam maior número de tarefas por iniciativa própria; (v) lecionar era a função em que se sentiam “verdadeiramente” professores; (vi) os participantes valorizaram a vivência em núcleo de estágio no seu desenvolvimento profissional.

ABSTRACT

The process of learning to teach, among other factors, is largely influenced by the pre-service teachers’ characteristics. Moreover, the attribution of meaning and (re) interpretation of the value of each experience allows students to build their professional identity. The aim of this study was to describe the experience lived and perceived by the pre-service teachers in the practicum context, to better understand how they construct their Professional Identity. 10 pre-service teachers of the Faculty of Sport, University of Porto was interview. The interviews were transcript and submitted to content analysis, with the support of Nvivo 9 software. The data revealed that: (i) the development of skills and competencies exceeded the pre-service teachers’ initial expectations; (ii) the increasing the students' motivation were the most positive moments for the participants; (iii) gradually, the pre-service teachers understand the functionality and usefulness of some obligatory tasks, considering these indispensable to the process of teaching; (iv) in lessons, the pre-service teachers felt more autonomy, they choose accomplished more tasks and considering essential to involve the students; (v) teaching was the function were they felt as "truly" teachers; (vi) the participants valued the experience in practicum group for their professional development.

Palavras-chave Estudante-estagiário; Estágio Profissional; Formação Docente;

KEYWORDS Pre-Service Teachers;  Practicum; Teacher Training.

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Partindo do pressuposto que a base do conhecimento para ensinar é complexa e multifacetada, Elbaz (1983) referiu que o conhecimento profissional dos professores é um conhecimento essencialmente prático, que resulta de saberes experienciais e saberes práticos integrados de forma diferenciada por cada professor. Assim, tendo em conta que o estágio profissional (EP) decorre num processo por via do choque com a realidade e com a responsabilidade total inerente à função de professor (Flores & Day, 2006) este, no passado e presentemente, assume uma importante e poderosa componente da formação docente. O EP possibilita a reflexão e a análise crítica de diversas representações sociais historicamente construídas e praticadas na profissão (Guimarães, 2004). Adicionalmente, como salienta Pereira (1996), é essencial à formação dos estudantes, na medida em que lhes proporciona um momento específico de aprendizagem sobre a função profissional, reconhecendo potencialidades e dificuldades a rentabilizar e solucionar. Neste contexto, os estudantes-estagiários (EE) são “obrigados” a abandonar alguma segurança construída pelos apoios sucessivos da instituição formadora e, decidindo sozinhos, enfrentam desafios que os levam a crescer (Galvão, 1998). Na perspetiva de Buriolla (2001), o estágio assume-se como o local onde a identidade profissional é gerada, construída e aferida, porquanto se volta para o desenvolvimento de uma ação vivenciada, reflexiva e crítica. Até porque, como refere Tardif (1991), a prática aparece como um processo de aprendizagem através da qual os professores traduzem a sua formação e a adaptam à profissão, eliminando o que lhes parece inutilmente abstrato ou sem relação com a realidade vivida. Desta forma, no EP, são esperados indivíduos capazes de apreender e integrar a complexidade dos estímulos e das situações que a transição para o mundo do trabalho e para o mundo adulto comporta, exibindo gradualmente respostas cada vez mais elaboradas em termos da sua adequação, diferenciação e integração (Caires, 2001; Chickering & Reisser, 1993; Ferreira, 2000). Como refere Matos (2009, p.9), o EP tem como objetivo “a formação do profissional, promotor de um ensino de qualidade (que) visa a integração do EE no exercício profissional de forma progressiva e orientada, em contexto real, desenvolvendo as competências profissionais que promovam nos futuros docentes um desempenho crítico e reflexivo, capaz de responder aos desafios e exigências da profissão”. Deste modo, importa saber, como este modelo de formação é atualmente entendido pelos EEs, especificamente pelos EEs da Faculdade de Desporto da

Universidade do Porto. Uma vez que, o modo como percebem a sua formação e o significado que dão às suas vivências influencia a construção das suas identidades profissionais. Com efeito, como lembra Stones (1984), o processo de aprender a ensinar, entre outros fatores, é largamente influenciado pelas caraterísticas dos EEs, pela qualidade das experiências de aprendizagem fornecidas pelo supervisor e pelo ambiente escolar. O presente estudo faz parte de um projeto mais amplo acerca do papel do estágio na (re) construção da identidade profissional no contexto da Educação Física (EF), no qual se acompanha o percurso dos intervenientes no processo de estágio durante esta fase de profissionalização. Neste caso em concreto, o estudo integrou apenas os EEs da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, com o objetivo de descrever a realidade vivida e percebida pelos EEs durante o processo de EP. Pretende-se, assim, compreender o modo como os EEs constroem as suas identidades profissionais como professores.

METODOLOGIA

Este é um estudo de natureza empírica, cujo foco são as vivências e as perceções dos EEs decorridas ao longo do EP. Participaram neste estudo 10 EEs da Faculdade de Desporto, da Universidade do Porto (FADEUP), do ano letivo 2010/2011. Seis do sexo feminino e quatro do sexo masculino, cuja média de idades varia entre 21 e os 25 anos. O regime de participação foi voluntário, sendo que, na salvaguarda do anonimato e confidencialidade dos participantes, foi atribuído um código a cada uma das referências. A primeira sigla são as iniciais da categoria, da qual a referência está inserida, e a segunda sigla, as iniciais de um pseudónimo atribuído a cada participante (i.e. referência 3 da Maria na categoria Ser Professor – SP.M3).

Recolha dos dados

Para a recolha de dados, foram efetuadas entrevistas semiestruturadas, cujo modelo tem origem numa matriz, num roteiro de questões-guia que neste caso dá cobertura ao interesse da pesquisa {Trivinos, 1990 #199}. Este modelo permite criar uma estrutura para comparação de respostas e articulação de resultados, auxiliando na sistematização das informações fornecidas por diferentes inquiridos {Barros, 2011 #200}. O roteiro de questões (Quadro 1) que constituiu a entrevista serviu como base para construção do quadro categorial. As entrevistas foram efetuadas no final do EP, sendo primeiramente objeto de gravação em áudio (com a devida autorização dos participantes) e, posteriormente, constituída a transcrição integral dos discursos.  

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 Análise dos dados

Após a transcrição e leitura integral das entrevistas, submeteu-se a informação à análise do conteúdo, com o auxílio do programa de análise de dados qualitativos NVivo9, sendo que o quadro categorial foi definido após a leitura flutuante dos dados (Quadro 2). Como refere Bardin (2004), a partir do momento em que através da análise do conteúdo se decide codificar o seu material, deve-se produzir um sistema de categorias. A generalidade das categorias analíticas dentro de cada tema foi objeto de especificação a posteriori, porquanto a preocupação consistiu em compreender e dar significado ao “discurso” dos entrevistados (Bardin, 2004).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Tendo em conta que as análises quantitativas aos resultados do quadro categorial, não são significativas para os resultados, optamos por não apresentar o quadro com o número de referências distribuídas pelas categorias e subcategorias. Seguidamente, fazemos uma análise e discussão descritiva acerca do conteúdo das entrevistas. Momentos marcantes Esta categoria apresenta situações vivenciadas pelos EEs, cuja experiência teve significado positivo ou negativo no decorrer da formação e, que de algum modo, se tornou representativo na construção de identidade dos EEs. Nesta análise, os EEs sentiram dificuldade em descriminar momentos negativos vivenciados ao longo do EP. No entanto, os EEs acabaram por mencionar o índice de desmotivação dos alunos para a prática, bem como alguns momentos em que se sentiram menos eficazes no desempenho docente, como sendo alguns dos episódios menos positivos nesta etapa da formação (MM.C1 e MM.S2).

(…) foi ver que no início do ano a turma era muito desmotivada e que por muito que eu tentasse não conseguia ainda motivá-los para as aulas (…) (MM.C1) Os menos positivos aconteciam muitas vezes quando fazia, traçava um determinado plano de aula para a turma e o mesmo acabava por não se concretizar como esperava porque eram alunos muito desmotivados.”(MM.S2)

 Estes momentos relacionados com o desempenho docente menos eficaz parecem evidenciar a

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dificuldade dos EEs em se assumirem como professores, pelo menos numa fase inicial do estágio. De facto, subjacente à passagem de aluno a professor está, não apenas uma mudança de contextos (universidade/escola) mas, também, uma mudança substancial nos papéis, no estatuto, na postura e nas funções desempenhadas (Mendes, 2002). Por esta razão, como elucidam as referências seguintes, alguns EEs revelaram sentir algumas dificuldades em tomar decisões, bem como em afirmarem os seus papéis fora do âmbito da aula.

Eu nesta fase estava muito preocupada com aquilo que achava que os outros queriam que eu fizesse, e não por aquilo que achava que deveria ser feito na realidade (…) que eu tinha que ter uma maior autonomia. (MM.J2) Ignorei-as e fiz de conta que não estava a ver o que elas estavam a fazer, porque realmente estavam fora da escola e eu não sabia (…) até que ponto eu teria responsabilidade. (MM.J3)

Além disso, os EEs recordam pequenos momentos em que se sentiram angustiados e impotentes frente aos episódios que foram “obrigados” a confrontar (MM.AC1).

(…) destaco como referências as lesões nas minhas aulas, porque acho que é um sentimento horrível para o professor, quase de impotência. (MM. AC1)

Com mais entusiasmo, os EEs não se sentiram inibidos em relatar episódios que os marcaram positivamente. Nesta categoria, os estudantes voltam a reforçar o seu desempenho como marcos importantes, no sentido de destacar a própria eficácia na ação como a principal incrementadora da motivação dos alunos (MM.J2).

(…) tenho outros momentos muito felizes, dos alunos quando apliquei o MED , que era uma turma completamente desmotivada para a prática, virem-me pedir para terem aulas extras, isso foi um momento muito gratificante. (MM.J2)

De facto, os EEs reconheceram que foram estes momentos, juntamente com a ótima relação com os alunos, elucidado na referência sequente, que mais os motivou para o contínuo desenvolvimento docente.

(…) aquilo que mais me marcou em termos do estágio, a forma como a relação é estabelecida, a forma como ela se foi

aprofundando e a importância que isso teve no lecionar das aulas. (MM.V1)

Além disso, os EEs reforçam a importância que foi para eles conseguirem aumentar a motivação dos alunos, não só para as aulas, mas igualmente para as atividades extracurriculares, envolvendo os alunos na dinâmica de toda a escola. a) Expetativas Este tema confronta as ideias que os EEs formulam aquando da sua entrada no EP (i.e. escola, alunos/turma, núcleo de estágio, grupo de EF) e com a realidade que vivenciaram ao longo do processo de estágio. No que concerne a esta categoria, os EE’s mencionaram que foi precisamente a falta de motivação dos alunos para a prática, entre algumas outras caraterísticas, que mais os decepcionaram no contato inicial do estágio, bem como algumas condições físicas da escola perante más condições climatéricas (E.R1). No entanto, os EEs reconheceram que foram estas dificuldades que lhes permitiram adquirir boas aprendizagens no EP (E.J2).

Eu esperava encontrar alunos melhores (…) aquela turma era realmente difícil, mas também por ser difícil foi o que me ajudou a descobrir outras coisas. (E.J2) (…) é a dificuldade que os professores de EF têm de continuar a lecionar quando as condições climatéricas não lhes permitem. (E.R1)

Na realidade, os EEs revelaram ter algumas expetativas iniciais ambiciosas, ou até mesmo desajustadas, por desconhecerem o contexto escolar no “ponto de vista” do professor, tal como é visível na referência precedente. Com efeito, a interferência das variáveis de formação e do contexto assumiu um papel crucial no enquadramento dos EEs no contexto de estágio.

As minhas expectativas iniciais se calhar, na altura eram um bocado desmedidas e descontextualizadas, até porque eu não sabia em que contexto eu iria estar. (E.J1)

Contudo, alguns EEs foram de tal forma ambiciosos nas expetativas criadas, que desde logo fizeram por mantê-las reais, trabalhando nesse sentido (E.M1).

(…) normalmente tenho sempre expectativas muito muito altas e por isso não deixei que essas expectativas ficassem a cargo, entre ásperas, do destino e tentei que fazer com que essas expectativas fossem cumpridas. (E.M1)

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Perante este compromisso e empenho, os EEs revelaram que, mesmo tendo trabalhado para isso, foi precisamente em relação ao seu crescimento e desenvolvimento enquanto professores que as expectativas iniciais foram mais superadas, como elucida a referência abaixo.

Aquilo que mais me surpreendeu foi a minha capacidade de ir modificando ao longo do tempo e de ir alterando as minhas práticas e aquilo que eu achava que era menos competente, as superações que fui fazendo ao longo do ano. (E.J1)

O EP revelou, assim, ser um processo de descoberta, onde os EEs se conheceram como professores e conheceram as condições onde futuramente poderão se assumir como profissionais de ensino (Alarcão, 1996). Neste enquadramento, e de acordo com Machado (1996), o confronto com a profissão docente força o indivíduo a procurar perceber-se a si próprio enquanto professor, em termos do que gostaria de ser e das suas expetativas em relação ao futuro na docência. A resposta a tais questões dependerá, fortemente, de aspetos como: a forma como irá assimilar a cultura, normas e valores inerentes à classe profissional que passou a integrar; o seu grau de identificação com os mesmos; e a relação criada com os interlocutores desta comunidade educativa. Com efeito, é na interação com os “outros” que se constrói a experiência subjetiva de se sentir professor, isto é, a sua identidade profissional. É através das imagens que lhe devolvem, acerca de si e do seu desempenho, ou do grau de reconhecimento e aprovação conquistados entre os diversos elementos da comunidade escolar, que irá depender o seu maior ou menor sentido de eficácia como profissional, e um maior ou menor conforto no papel de professor (Carrolo, 1997; Simões, 1996). Neste seguimento de ideias, os EEs valorizaram o reconhecimento do seu trabalho por parte dos alunos, bem como a sua liderança junto das turmas (E.A1).

(…) foi uma prática bem conseguida e onde eu consegui que os alunos reconhecessem em mim alguma liderança e alguma capacidade para os orientar. (E.A1)

Foi este reconhecimento que permitiu aos EEs assumirem a sua identidade como professores. Considerando que a identidade profissional é uma identidade social particular ligada ao lugar da(s) profissão(ões) e do trabalho no conjunto social, deve-se ter em conta duas transições importantes (Dubar, 1997). Uma interna (subjetiva ou bibliográfica) ao indivíduo, e outra externa (objetiva ou relacional), entre o indivíduo e as instituições. Assim, tendo em conta que ambas se processam por

mecanismos de identificação e atribuição, na transição objetiva, ela pode realizar-se por reconhecimento ou não reconhecimento, para os quais são utilizadas as categorias sociais disponíveis no lugar e tempo em que o indivíduo vive. Por esta razão, os momentos que os EEs dizem sentir-se “mais” professores estavam essencialmente relacionados com o reconhecimento não só dos alunos (SP.C2), mas também por parte dos restantes elementos da comunidade escolar (SP.J2).

(…) por vezes virem ter comigo para me pedirem para dar algum tipo de tarefa às vezes extra aula (…) o virem ter comigo como alguém que vai ser responsável por eles, ou como alguém que os pudesse ajudar (…) fez sentir como é óbvio professor. (SP.C2) Senti-me verdadeiramente professora quando numa reunião de turma, não perguntaram ao professor (professor cooperante) perguntaram-me a mim - “o quê que tu achas? (SP.J2)

O sentimento de que os alunos estavam consigo e queriam aprender, tanto quanto os EEs queriam ensinar, tornou-se muito relevante para os EE’s nesta fase de transmissão do papel de estudante a professor. Assim, perante um vasto leque de tarefas, os EEs admitem terem ficado também surpreendidos com a posição que os professores ocupam na escola e com as funções e papéis que devem adquirir como formadores e educadores (E.A2). Não obstante, alguns EEs sentiram alguma resistência no grupo de EF à inovação e ao investimento de melhores condições de ensino (E.C1).

(…) talvez tenha superado aí as minhas expectativas (…) ainda não tinha tanto a noção da importância do professor e particularmente o professor de EF tem. (E.A2) (…) parecia que era só os estagiários, ou pelo menos os professores estagiários e os professores mais novos, os tratados que estava só a tentar dar força à área de EF e tentar inovar. (E.C1)

b) Tarefas de Estágio Assumindo o papel de professor e de estudante, os EEs eram constantemente submetidos a um conjunto diversificado de tarefas (TE.A1). Como afirmam Caires e Almeida (2002), é o envolvimento num conjunto de papéis, atividades e responsabilidades, de natureza diversa e em interação com diferentes agentes, que diversos desafios e níveis de exigência

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fazem do EP um espaço privilegiado no desenvolvimento pessoal e profissional.

No âmbito do estágio há sempre aqueles documentos de cariz obrigatório que nós temos de realizar, o planeamento anual, os modelos de estrutura de conhecimento, pronto, esses aí, as reflexões, os planeamentos, esses são sempre aspetos mais burocráticos mas essenciais. (TE.A1)

Neste sentido, se inicialmente os EEs sentiam algumas destas tarefas como tarefas impostas, ao longo do tempo, perceberam essas mesmas tarefas, não como algo obrigatório, mas como necessário e fundamental à melhor qualidade de ensino e a uma melhor e completa formação docente (TE.AA1).

(…) não entendia tão bem porque é que as tínhamos de fazer, por exemplo, fazer uma estrutura do conhecimento. Para que é que precisávamos daquilo tudo? (…) ao início senti que isso era uma obrigação e não algo que eu quisesse fazer, porque era algo que me ajudava (…) (TE.AA1)

O planeamento das unidades de ensino, o designado Modelo de estrutura do conhecimento - MEC de Vickers (1992), constituído por 8 módulos, pareceu ser a tarefa que mais aborrecia os EEs (TE.AC1). Não no sentido de desvalorizarem a informação e o conhecimento que o modelo integrava, mas por não ser considerado prático para consultar ao longo da lecionação das aulas (TE.C1). Talvez por essa razão, o planeamento fosse observado como uma das tarefas menos confortáveis (termo expresso pelos próprios EEs). Neste sentido, os EEs argumentam que apenas o módulo 8 era considerado uma parte fundamental e muito útil para o dia a dia das aulas lecionadas, pelo facto de numa pequena tabela ser possível integrar toda a informação necessária às unidades de ensino.

Como imposto foi a elaboração dos MECs, realmente era imposto. (…) Só que depois com a continuidade de todo o processo, se calhar passava a ser encarado de uma obrigatoriedade para uma necessidade. (TE.AC.1) (…) se quisesse consultar não era algo prático (…) o MEC devia ser mais como um módulo 8, só duas ou três páginas e um quadro, para o professor se puder auxiliar nesse quadro facilmente (…). (TE.C1)

Outra tarefa que os EEs mencionaram como incomoda, na fase inicial do estágio, foram as reflexões. Não obstante, posteriormente, e como evidência a referência seguinte, os EEs

reconheceram que foi a própria vivência no estágio e a constante imprevisibilidade do contexto de ensino que lhes mostrou a utilidade e indispensabilidade desta tarefa. Como defende Silva (2009, p.3), é a partir da reflexão sobre o processo de ensino, sobre as estratégias utilizadas e os resultados obtidos, que o professor pode mudar, adequar ou potencializar as suas práticas de ensino, de forma a alcançar os objetivos pretendidos.

A reflexão foi exatamente este processo, primeiro custou, primeiro estranha-se e depois entranha-se (…) era uma necessidade e não uma imposição e já o fazia naturalmente e quase como algo que estava implícito a dar a aula. (TE.J2)

A observação das aulas dos colegas e do professor cooperante (PC), também se foram tornando significativas no aprendizado dos EEs, sendo que os próprios passaram a frequentar e observar as aulas dos colegas estagiários, muitas vezes não por imposição do regulamento de estágio, mas por iniciativa própria (TE.J3).

A observação de aulas era uma coisa imposta, mas era uma coisa que a gente fazia a mais sempre porque víamos que aquilo era importante para nós. (TE.J3)

Na realidade, durante o processo formativo, os futuros professores devem ser sujeitos a um conjunto diversificado de experiências formativas. Através destas, os professores aprendem a ensinar, não só pelo desempenho na sala de aula através da ação instrucional (Zeichner, 1993), mas também pela observação de aulas (Lortie, 1975) e pela interação com os seus pares e com os seus orientadores, através da ação comunicativa (Habermas, 1982). Seguindo as ideias anteriormente referidas, os EEs desempenharam várias tarefas por iniciativa própria, sendo que o maior investimento foi nas próprias aulas, pelo facto de sentirem necessidade de motivar os alunos (TE.T2) e por sentirem que na aula tinham maior autonomia e oportunidade de tomar decisões (TE.V1).

Lembro-me que nas modalidades de dança e ginástica acrobática, os alunos era pouco empenhados (…) era necessário criar metas, criar objetivos, para que eles se empenhassem de facto.” (TE.T2)

(…) em termos individuais houve umas que eu propôs que foram possíveis de realizar e outras que não foram possíveis porque a escola é muito mais que eu. (TE.V1)

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Além disso, os EEs consideravam importante dinamizar algumas atividades que ultrapassassem o âmbito da sala de aula e o conteúdo programático da EF. Neste contexto, os EEs investiram essencialmente nas visitas de estudos (TE.AC1), pois entendiam estes momentos, não só importantes para um melhor desenvolvimento integral dos alunos, como para a própria relação professor-aluno, tendo em conta que promovia melhores resultados nas aulas. Como assevera Sêco (1997, p. 60), “o ensino é uma relação interpessoal (…) há um professor e há um aluno, resultando o processo da ação-reação entre ambos (…) a situação docente-discente constitui, assim, o ponto de partida da transmissão de conhecimentos”.

(…) acompanhei os meus alunos a várias atividades extracurriculares (…) era mais um meio de estar e lidar com os meus alunos e de os entender.(…) Pode perceber quais eram as relações que se estabeleciam na turma, quais eram os grupos que se formavam fora do contexto de aula e aquilo que mais caracterizava cada aluno. (TE.AC1)

c) Aprendizagem em Comunidade Esta temática demostra a importância que os EEs atribuíram ao presente modelo de estágio. Baseado na aprendizagem em Comunidade de Prática (Wenger, 1998), o EP decorre em núcleo de estágio, constituído por três ou quatro EEs, um PC e um supervisor da faculdade. Os EE’s valorizaram muito a relação com os colegas e com o PC. Como tal, consideraram a aprendizagem em Comunidade de Prática indispensável à formação. Foram os momentos de cooperação e a boa relação entre os membros da comunidade de prática, que permitiram a alguns EE colmatar as suas dificuldades (AC.J1 e AC.R3).

Acho que o facto de estarmos em núcleo de estágio contribuiu muito. Eu evoluí com os meus colegas (…) sem dúvidas as minhas reflexões evoluíram graças às reflexões que tínhamos em conjunto, tanto o núcleo de estágio, como com o PC. (AC.J1) Eu penso que uma das coisas fundamentais este ano, foi como nós sabermos como nos organizar, como trabalhamos e sobretudo, como procuramos ajudar os outros (…) (AC.R3)

Além dos EEs reforçarem a necessidade de haver uma boa relação entre os estágios e entre eles e o PC, os EEs destacaram a importância de haver uma boa relação entre o PC e o supervisor da faculdade.

Como patenteia a referência abaixo, para os EEs, é esta cumplicidade que permite a ambos aceder à realidade que estes vivem na escola, ao desempenho das suas funções e à identidade profissional que vão construindo ao longo do processo de estágio.

A PC e a orientadora são duas pessoas com uma relação bastante próxima e sabendo a dificuldade que há em acompanhar os outros núcleos de estágio acho que fico contente, por saber que a existe a nossa PC que mantém uma relação muito próxima com o orientador porque a qualquer momento pode dar a conhecer, pode transmitir o quê que se está a passar (…) está na base da confiança (…). (AC.R4)

Os EEs salientaram ainda a partilha como um grande estímulo às suas aprendizagens (AC.AC.1), destacando a troca de conhecimento e a experimentação conjunta, como caraterísticas fundamentais ao desenvolvimento profissional. Com efeito, e como evidencia a referência abaixo, são também estas experiências que facilitam o desenvolvimento contínuo e a ampliação de conhecimentos.

Acho que o núcleo foi sem dúvida importante porque todo aquele processo de partilha e conjunto, planificação conjunta, acho todo este processo mais simplificado e enriquecedor do que eu só tivesse apenas a minha perspectiva. (AC.AC.1) Para lecionar a natação (…) Em conversas com ela, a analisar com ela todas as minhas aulas, aluno a aluno, permitiu-me, de facto, compreender hoje muito melhor essa modalidade e estar muito mais preparada para a lecionar. (AC.T1)

É expectável que as interações estabelecidas e a qualidade das mesmas proporcionem aos EEs oportunidades para observarem, ajudarem, questionarem e refletirem em conjunto, o que contribuirá para a construção do conhecimento e para a (re)interpretação dos próprios valores e experiências (Barros, 2011). Neste contexto, o PC revela-se fundamental no processo de formação. Esta ideia é realçada por Alarcão (1996, p. 93): “o PC deve surgir como um treinador de um atleta, um “amigo”, que possibilite as melhores condições de sucesso, como alguém que ajude e monitorize, de forma a desenvolver aptidões e capacidades no EE”. Também Albuquerque, Graça, e Januário (2005), mais recentemente, relevam a importância do PC. Para os autores, este é um dos principais intervenientes no processo formativo, que assume o acompanhamento da prática pedagógica, orientada e refletida, com a finalidade de proporcionar ao futuro

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professor uma prática docente de qualidade, num contexto real que permita desenvolver as competências e atitudes necessárias a um desempenho consciente, eficaz, responsável e competente. Assim, neste percurso de partilha e cooperação, os EEs reforçam o papel do PC e do supervisor para que a aprendizagem seja possível, tendo em conta que se estas ações não tiverem intencionalidade e não forem bem dirigidas, não serão momentos de partilha enriquecedores (AC.J2).

Quando eu falo de comunidades de prática há sempre um orador, que neste caso é o PC, que guia estas reuniões, que guia de uma forma orientada, dirigida e objetiva e com uma intencionalidade porque se não tiver esta intencionalidade ela perde-se. E perde-se no todo do sentido em que ela é realizada. (AC.J2)

Seguindo esta ordem de ideias, os EEs percebem a importância destes intervenientes (PC e supervisores) terem formação específica na orientação e supervisão (AC.J4). Sendo que, devem procurar, renovarem conhecimentos e terem uma experiência prática na base da reflexão (AC.A2), no sentido de saber como orientar, porque orientar e qual a importância de proporcionar aos EEs certas situações. De facto, tendo em conta que para aprender a ser professor os EEs necessitam de refletir sobre as suas práticas, os PCs e supervisores precisam saber como orientar e estimular esta reflexão. Isto porque, adotando as palavras de Rodrigues (2009, p. 9), “a reflexão não é “natural” e para se estimular, desenvolver e cimentar, requer dispositivos, estratégias e (…) formadores/mediadores (…) capazes de ter uma atitude mais questionadora e reguladora (…) capazes de fazer da prática e da análise (…) o lugar de eleição para a tomada de consciência de uma parte relevante dos saberes específicos dos professores-profissionais”.

Têm de ser todos eles competentes, porque se não houver o mínimo de rigor de competência e conhecimento sobre aquilo que se está a fazer. (AC.J4) Porque nem só o tempo na escola dá experiência, a experiência advém da reflexão. (AC.A2)

Outro aspeto importante para os EEs, é o facto de os PCs serem capazes de assumir a sua posição como guias, questionadores e desafiadores e não como meros transmissores, dominadores ou autoritários. Para estes EEs, e como evidenciam as referências seguintes, os PCs deram sempre autonomia e

permitiram aos EEs a liderança total das suas turmas, responsabilizando-os pelas suas decisões.

A PC teve uma atitude mesmo excecional ao dar liberdade e transmitir aos alunos que o professor era eu e não ela. (AC.A1) (…) ele nunca nos deu nada feito, nunca, jamais, mas ajudava-nos (…) no sentido de nos motivar, de nos incentivar, de nos desafiar. (AC.M6)

Simultaneamente, para os EEs foi importante que os PCs coadjuvassem na participação na escola, minimizando a inibição que sentiam enquanto EEs (AC.C1).

Por vezes sentia-me um bocado inibido em realizar algo que fosse novo para a própria escola e a minha PC conseguiu algumas vezes minimizar esse problema. (AC.C1)

Mais do que orientadores e integradores dos estudantes na comunidade escolar, os EEs viram os PCs como modelos da profissão docente (AC.M5). Pois, a par do próprio indivíduo, existem outros agentes que intervêm na sua preparação para a vida ativa (Van Maanen, 1976). Entre eles as instituições educativas e os profissionais envolventes, que funcionam como transmissores de modelos em relação às atitudes, normas e comportamentos considerados socialmente aceitáveis ao nível do trabalho e do desenvolvimento da carreira.

Quando olho para o meu PC (…) eu quero ser assim. Porque ele sabe tudo dos documentos, e como é que se mexe e se movimenta nas coisas da escola, e isso é fabuloso. (AC.M5)

d) Contributo do estágio Os EEs reconhecem a importância de vivenciarem o processo de estágio, uma vez que decorre no contexto real de ensino. É no confronto com este contexto que os EEs têm oportunidade de “testarem” suas crenças, suas concepções e conhecimentos. Este momento assume um particular interesse na formação dos professores por ser uma etapa de convergência, de confrontação entre os saberes "teóricos" da formação inicial e os saberes "práticos" da experiência profissional e da realidade social do ensino (Piéron, 1996). Assim, além de apresentar um contexto que até ao momento lhes era desconhecido, pelo menos no ponto de vista do professor, o estágio permitiu-lhes atribuir sentido aos conteúdos aprendidos nos anos anteriores (CE.C2). Simultaneamente, permitiu-lhes aceder à identidade profissional coletiva dos professores (CE.A2), ou seja, à socialização profissional.

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(…) foi o único momento que pude transformar os saberes teóricos num saber mais prático e confronta-los com a realidade (…). (CE.C2) O estágio funcionou como um abrir de portas para muitas questões, muitas dúvidas, muitas reflexões, porque não tinha noção de como as coisas funcionavam no que diz respeito à profissionalidade, o exercer da profissão. (CE.A2)

Neste seguimento, ao abordar os fatores de socialização, Carvalho (1996, p.38) acrescenta que “a socialização não pode ser apenas entendida como um processo de transmissão e interiorização de conteúdos – os saberes e os valores profissionais – mas, também de produção dessa cultura profissional, de modo a observar a força socializadora da estrutura escolar sobre a construção da cultura dos professores e de, ao mesmo tempo, visualizar as intervenções dos professores na sua construção”. Por conseguinte, esta vivência primária dos EEs na escola, revela-se fundamental num processo de socialização que tem marcas de continuidade e de descontinuidade. A existência de momentos de rotura, permite aos indivíduos (EEs) colocarem a descoberto e reformulem crenças quotidianas sobre a formação (Schempp & Graber, 1992). No estágio, os EEs tomam conhecimento da imprevisibilidade que é o ensino e da necessidade de ajustarem métodos e estratégias, bem como de adequarem os conteúdos programáticos às caraterísticas de cada aluno (CE.A3). Trata-se de um momento de aproximação à prática profissional, que promove a aquisição de um saber, de um saber fazer e de um saber julgar as consequências das ações didáticas e pedagógicas desenvolvidas no quotidiano profissional (Barros, 2011).

(…) o planear em função das necessidades dos alunos, o ter a capacidade para refletir sobre o que correu mal e correu bem em função da prática que nós tínhamos exercido. (CE.A3)

Como mencionado na referência seguinte, é esta necessidade constante de saber para melhor ensinar que estimula os EEs ao contínuo desenvolvimento profissional.

Em termos de formação deu-me conhecimento mais aprofundado das matérias que lecionei, porque tive mesmo de as tratar e tive mesmo um conhecimento do conteúdo mais aprofundado. (CE.AC1)

Este entendimento remete-nos para a ideia de identidade profissional docente como um processo

contínuo e subjetivo, que obedece às trajetórias individuais e sociais, e que tem como possibilidade a construção/desconstrução/reconstrução, atribuindo sentido ao trabalho (Cunha, 2007). Adicionalmente, e como revela a referência abaixo, a vivência em comunidade de prática mostrou aos EE’s os benefícios da partilha e da cooperação, tanto entre os elementos de estágio como entre os restantes professores de EF.

(…) consegui aprender e descobrir que através da partilha e da cooperação se consegue aprender muito com os demais colegas, nomeadamente os profissionais do grupo de EF. (CE.T5)

Os EEs reconheceram que o fim do estágio não é o ponto final da formação como professores (CE.T6). Para os EEs a formação académica, inclusive o EP, apenas forneceu as ferramentas necessárias para se tornarem autónomos, sendo este o ponto de partida para um processo contínuo de investigação/reflexão/ação.

(…) a minha formação teórica e a minha experiência académica, de alguma forma, deu-me valências para eu conseguir de facto procurar toda essa informação que me ajudará a ser melhor professora. (CE.T6)

Ao longo do discurso dos participantes percebemos, ainda, que a formação pessoal e/ou a identidade pessoal e a formação profissional e/ou identidade profissional são construções indissociáveis na construção do “eu” professor (CE.S2).

Percebi que ser professora é muito mais do que aquilo que eu imaginava, percebi que os alunos da escola têm uma realidade muito diferente e tudo isso acaba por interferir na pessoa que eu sou, na forma como eu vejo também os alunos. (CE.S2)

e) Ser Professor Ser professor foi um conceito constantemente reformulado ao longo do estágio profissional, conforme as aprendizagens que os EEs foram adquirindo e as experiências que foram sendo expostas (SP.C5). Na verdade, nesta etapa, os EEs definem o que para si é ser professor, não só pelas funções que foram desempenhando (SP.AC3), mas pelo sentimento que estas lhes provocaram.

Ser professor…Estamos sempre a adicionar uma peça do puzzle à nossa profissionalidade. (SP.C5) Eu acho que ser professor é sem sombra de dúvidas contribuir para a aprendizagem de

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uma disciplina e área específica em que atuamos, no nosso caso em EF, e aí compete-nos a nós transmitir um conjunto de matérias e de conteúdos que serão importantes para o desenvolvimento dos alunos. Além disso, compete-nos a nós também, tanto no contexto de aula como fora da aula, contribuir para uma formação e educação dos alunos. (SP.AC3)

Além disso, os EEs referem que ao professor cabe “um vasto leque de tarefas a cumprir, onde cada vez mais o cumprimento burocrático é exacerbado” (SP.AC4) e, por essa razão, sentem muitas vezes dificuldade em cumprir as suas funções naquilo que é o contexto de ensino mais prático. Em suma, os EEs defenderam que não existe uma definição de “ser professor”, pois para eles em “cada dia que passa o professor assume mais funções que, simultaneamente, acrescem aquele que é o meu entendimento sobre o que é ser professor” (SP.T3). Como refere um dos EEs, ser professor é “ter uma profissão em que se assume ou que se deve assumir a capacidade de se adaptar constantemente às circunstâncias, à imprevisibilidade que se vive na escola.” (SP.T6). CONCLUSÃO A participação regular dos EEs nas várias funções do exercício docente (e.g., lecionação de aulas, reuniões, desenvolvimento de atividades escolares, diálogos informais, visitas de estudo, tarefas de direção de turma e produção escrita), bem como o cumprimento de algumas tarefas regimentadas pelo regulamento de EP parecem conduzir a uma melhor capacidade crítica e reflexiva dos EEs sobre as suas práticas diárias e sobre o seu processo de aprendizagem como professores. Os resultados deste estudo revelaram que o desenvolvimento das habilidades e competências para o exercício da função docente superaram as expetativas iniciais dos EEs. Pelo contrário, as caraterísticas dos alunos e as caraterísticas do espaço físico da escola foram as expetativas que ficaram aquém. Cumulativamente, foi o sentimento de domínio e de pertença à profissão docente dos EEs que permitiu o aumento da motivação dos alunos nas aulas e nas atividades extracurriculares desportivas, sendo que estes foram os momentos mais positivos para os participantes. Relativamente às tarefas desempenhadas, concretamente a produção de documentos de carater obrigatório, a par do entendimento da funcionalidade e a utilidade de cada uma delas, os EES acabaram por considerá-las indispensáveis ao ensino. O módulo 8 do Modelo de Estrutura do Conhecimento e as reflexões foram as tarefas consideradas mais vantajosas para uma futura carreira docente. Paralelamente, os EEs

reconheceram ser importante ser-se um professor proativo, sendo que na posição de EEs, os participantes tiveram uma maior intervenção por iniciativa própria nas suas aulas. Até porque, era onde sentiam maior autonomia e onde consideravam fundamental conseguir envolver os alunos no próprio processo de ensino aprendizagem. Neste sentido, lecionar era a função em que os EEs se sentiam mais confortáveis e se percepcionavam como sendo “verdadeiramente” professores. Porquanto observavam a evolução da turma e obtinham o reconhecimento da sua autoridade e do seu trabalho. De facto, a capacidade de diagnosticar problemas, de refletir e de investigar sobre eles, construindo uma teoria adequada (teorias práticas) que oriente a tomada de decisões, parece ser uma competência fundamental aos professores atuais, quando confrontados com uma escola plural, dinâmica e multicultural (Alonso,2007, p. 46). Por esta razão, os EEs consideram a vivência em estágio fundamental no seu processo de formação, uma vez que lhes permitiu confrontar conhecimentos e crenças, antes adquiridos. Neste percurso, os EEs descobriam-se a si próprios, como pessoas, e desenvolveram capacidades individuais que lhes permitirão uma melhor integração no mundo profissional. Adicionalmente, os participantes valorizaram a vivência em núcleo de estágio no seu desenvolvimento profissional, reforçando a partilha, a cooperação e a boa relação que mantinham entre si. REFERÊNCIAS

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*Correspondência - Ricardo Almeida – [email protected]  - Cooperativa “O Professor”, lote 6, 5000-402, Vila Real.

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Caraterização do perfil psicomotor em crianças com dificuldades de aprendizagem

Ricardo Almeida1

1Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

RESUMO

Este estudo teve como objetivo caraterizar o perfil psicomotor de crianças com dificuldades de aprendizagem. A amostra integrou 53 crianças (34 rapazes e 29 raparigas) dos 1º e 2 º ciclos do ensino básico, entre os 6 e os 12 anos. O perfil psicomotor foi caraterizado com a bateria psicomotora de Fonseca (2007). O questionário biopsicossocial foi respondido pelos pais e professores para recolher informação sobre as variáveis individuais da criança (sexo, idade, número de retenções, nível socioeconómico). Para comparar o perfil psicomotor das crianças em função do género, utilizou-se o teste t. Para verificar a associação entre as variáveis independentes (idade, género, nº retenções, nível socioeconómico) utilizou-se o coeficiente de correlação r de Pearson. Apenas as variáveis que registaram associação com o perfil psicomotor entraram no modelo de regressão linear, para testar a influência das mesmas no perfil psicomotor. Os resultados do nosso estudo permitiram-nos concluir que 67,9% das crianças observadas apresentam um perfil psicomotor Normal, 18,9% Dispráxico e 13,2% Bom. Foram detetadas diferenças entre perfil psicomotor segundo o sexo, bem como uma associação moderada nos fatores número de retenções e idade. Verificamos a influência da idade no perfil psicomotor de 24,1%.

ABSTRACT

This study aimed to characterize the psychomotor profile of children with learning difficulties. The sample was comprised by 53 children (34 boys and 29 girls) of the 1st and 2nd cycles of basic education, aged between 6 and 12 years. Psychomotor profile was characterized through the psychomotor battery of Fonseca (2007). The biopsychosocial questionnaire was completed by parents and teachers to gather information about the individual child variables (gender, age, number of retentions, socioeconomic status). To compare the psychomotor profile of children by gender, t-test was used. To verify the association between the independent variables (age, gender, paragraph retentions, socioeconomic status) the correlation coefficient r of Pearson was used. Only the variables that showed association with psychomotor profile entered in the linear regression model to test the influence of the same in the psychomotor profile. The results of our study allow us to conclude that 67.9% of children tested show a normal psychomotor profile, 18.9% where dyspraxic, and 13.2% where classified as Good. Differences between psychomotor profile according to sex were detected, as well as a moderate association in the number of retentions factors and age. Checked the influence of age on the psychomotor profile of 24.1%.

Palavras-chave Perfil Psicomotor; Dificuldades de Aprendizagem; Crianças.

KEYWORDS Psychomotor Profile; Learning Dificulties; Children.

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Perfil Psicomotor em Crianças com Dificuldades de Aprendizagem

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Atualmente, a liberdade de aprender é uma realidade e uma certeza presente na escola portuguesa. Porém, a democratização do ensino evidenciou problemas que afetam os agentes educativos, as famílias e principalmente as crianças. Segundo Moreira, Fonseca e Diniz (2000), o apoio às crianças ou jovens com dificuldades de aprendizagem, com capacidade intelectual dentro dos limites considerados normais, tardam em receber uma atenção científica, holística, generalizadora e multidisciplinar, quer no plano de diagnóstico e de avaliação do potencial, quer no plano da intervenção pedagógica. Correia (2004) partilha uma ideia semelhante em Portugal, onde a legislação não contempla esta categoria e, por conseguinte, os alunos que apresentam Dificuldades de Aprendizagem (DA) são totalmente ignorados e, na maioria dos casos, entregues a um insucesso escolar total que leva a níveis assustadores de absentismo e de abandono escolar. O conceito de dificuldades de aprendizagem surgiu da necessidade de se compreender a razão pela qual um conjunto de alunos, aparentemente normais, estava constantemente a experimentar insucesso escolar, especialmente em áreas académicas como a leitura, a escrita ou o cálculo (Correia, 2004). De facto, as inúmeras tentativas de entendimento das dificuldades de aprendizagem (Correia, 2004; Fonseca, 2004; Dombrowski, 2004, Correia, 2007; Feitosa, Feitosa, Prette, & Matos, 2007; Cruz, 2009) têm na sua génese um misto de desafio e de incerteza, de motivação e de confusão, de avanços e recuos que são inerentes aos movimentos evolutivos das discussões académicas. A sua história considerada por Cruz (2009) é caraterizada em cinco fases: fundação europeia (1800-1920), fundação norte-americana (1920-1960), emergência (1960-1975), solidificação (1975-1980) e turbulência (1985-2000). No entanto, conforme refere o ultimo período histórico, perdura a ausência de uma definição consensualmente aceite que constitui um entrave para a construção de modelos de avaliação-prescrição-intervenção adequados a esta população (Fonseca, 1999). Na perspetiva de Hallahan, Lloyd, Kauffman, Weiss, e Martinez (2005), os resultados escolares, diferenças intraindividuais, problemas de processamento (psicológico e neurológico), disfunção do Sistema Nervoso Central (SNC), discrepância, exclusão de outras deficiências, problema da longevidade, são aspectos importantes identificados nas várias definições, todavia, Fonseca (2004) considera a adequada oportunidade de aprendizagem, a discrepância entre potencial de aprendizagem e os resultados escolares, a disfunção no processo de informação e os fatores de exclusão como parâmetros relevantes na concetualização das dificuldades de aprendizagem. O Comité Nacional Americano de Dificuldades de Aprendizagem, em 1988, apresenta uma definição como a mais

consensual: “Dificuldades de aprendizagem é um termo geral que se refere a um grupo heterogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso da compreensão, audição, fala, leitura, escrita e da matemática. Tais desordens são intrínsecas ao indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso que pode ocorrer e manifestar-se durante toda a vida. Problemas na auto-regulação do comportamento, na atenção, na percepção e interacção social podem coexistir com as dificuldades de aprendizagem. Apesar de as DA ocorrerem com outras deficiências (ex. deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbio sócioemocional) ou com influências extrínsecas (ex. diferenças culturais, insuficiente ou inadequada instrução pedagógica), elas não são o resultado de tais condições” (Fonseca, 2004). Tendo em atenção a polémica desta problemática, torna-se óbvio que tal disfunção psiconeurológica, em cima citada, pode refletir-se não apenas nas funções psíquicas superiores da leitura, da escrita e do cálculo, mas também na psicomotricidade. Moreira, Fonseca e Diniz (2000) referem como exemplos os trabalhos de Fonseca (1984), Wallon (1978), Piaget (1978), Frostig (1972) e Kephart (1960). No mesmo sentido salientamos os trabalhos de Sanches, Guerra, Luft, e Andrade (2004) que relacionam o perfil psicomotor e o desempenho escolar. Mais especificamente Neto, Amaro, Prestes e Arab (2011) sugerem que o desenvolvimento das capacidades motoras, principalmente o esquema corporal, são fundamentais para o desenvolvimento de habilidades essenciais à aprendizagem escolar. Por sua vez, Mulderij (2000) refere que a criança faz conexões com o mundo, desenvolvendo competências mentais ganhando assim, uma identidade através do corpo. Ao longo da sua história o corpo foi marcado por significações diversas. Desde Aristóteles, passando pelo Cristianismo, o corpo é negligenciado em função do espírito. Contudo, a fenomenologia, de Hegel, Husserl e Merlaux-Ponty, contraria essa visão mecanicista e cartesiana do corpo, valorizando a experiência que o corpo realiza, assumindo a vivência uma maneira diferente e significativa de existência e que, a intencionalidade, tomada no sentido psicológico, exprime precisamente a insuficiência intrínseca do corte entre a interioridade e exterioridade (Lyotard, 2008). Presentemente, Damásio (1994) refere que o organismo é constituído pela parceria cérebro-corpo que interage com o ambiente como um conjunto, não sendo a interação só do corpo ou só do cérebro. A psicomotricidade revela a importância da dialética entre mente e corpo, entre a atividade psíquica e a atividade motora, enquadrada na mesma totalidade sistémica e baseada na visão holística do ser humano. De acordo com Fonseca (2006), em psicomotricidade, o psíquico e o motor não são uma

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consequência linear um do outro; são os dois componentes complementares, solidários e dialéticos, da mesma totalidade sistémica, encarando o corpo e a motricidade como elementos essenciais da estrutura psicológica do EU, pois é na ação que se toma consciência de si próprio e do mundo. Assim sendo, torna-se determinante compreender o ser humano na sua plenitude e complexidade, integrando numa mesma perspetiva o ser humano como corpo e mente, como ser biológico e cultural, como membro de uma espécie animal e pertencente a um processo histórico. Oliveira e Rego (2010) no estudo sobre a perspetiva histórico-cultural de Alexander Luria indicam que este aborda o cérebro como um sistema biológico aberto, em constante interação com o meio físico e social em que o sujeito está inserido. Destaca os conceitos de plasticidade cerebral, a ideia de que as funções mentais superiores, tipicamente humanas, são construídas ao longo da evolução e da espécie (filogénese), da história social do homem (sociogénese) e do desenvolvimento de cada sujeito (ontogénese). Evidencia também os sistemas funcionais complexos, reiterando que as funções cerebrais são organizadas a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada e que podem estar localizados em áreas diferentes do cérebro. A atividade mental implica uma localização dinâmica, ou seja, descobrir quais os grupos ou zonas de trabalho responsáveis pela sua execução. Fonseca (2007) na sua abordagem ao modelo Luriano refere que quer Luria quer Vygotsky, abordam a noção de função como um sistema complexo e plástico realizando uma tarefa adaptativa particular, composta por um grupo de componentes permutáveis e altamente diferenciadas. A partir dos conceitos de sistema funcional e de plasticidade cerebral, Luria organiza qualquer atividade psicológica em três unidades de funcionamento cerebral. Fonseca (2007) descreve as unidades funcionais da seguinte forma: primeira unidade funcional para regular o tónus cortical e a função de vigilância; segunda unidade funcional para obter, captar, processar e armazenar informação vinda do mundo exterior e terceira unidade funcional para programar, regular e verificar a atividade mental. Oliveira e Rego (2010) enfatiza importância da operação simultânea que envolve as três unidades funcionais, dando o exemplo da perceção visual, envolve o nível adequado de atividade do organismo (primeira unidade), a análise e a síntese da informação recebida pelo sistema visual (segunda unidade) e a intenção do sujeito em olhar para determinado objeto, com certa finalidade e a correspondente mobilização do corpo (posição da cabeça, movimento dos olhos) para que a perceção plena aconteça (terceira unidade). Dentro da construção neurológica e sistémica, referida anteriormente, a psicomotricidade pode ser encarada como uma qualidade geral que emerge da

interrelação de vários fatores e subfatores psicomotores. A Bateria Psicomotora (BPM) apresenta um conjunto de tarefas, que ao mesmo tempo permitem a deteção qualitativa de sinais funcionais desviantes e a análise dos fatores psiconeurológicos subjacentes, contribuindo para compreensão dos problemas de aprendizagem e de desenvolvimento na criança. Segundo Fonseca (2007) a designação de fatores, implica a noção de funções e traduzem atividades complexas adaptativas, com contribuições específicas num todo funcional, que abrange a atividade mental expressa na psicomotricidade. A primeira unidade funcional apresenta em termos de fatores psicomotores a tonicidade e a equilibração. A segunda unidade funcional compreende os fatores psicomotores: lateralização, noção de corpo e estruturação espácio-temporal. Por último, a terceira unidade funcional integra os factores psicomotores: praxia global e praxia fina. Focando a atenção na introdução, onde se procurou situar as linhas conceptuais e as várias orientações teóricas inerentes ao estudo da psicomotricidade e dificuldades de aprendizagem, definimos os seguintes objetivos: caraterizar o perfil psicomotor de crianças com DA, com idades compreendidas entre 6 e 12 anos; comparar o perfil psicomotor das crianças, segundo o sexo e verificar a influência das variáveis individuais no perfil psicomotor.

METODOLOGIA

Para caraterizar o perfil psicomotor, desenvolvemos um estudo quasiexperimental. Solicitou-se a autorização dos pais ou responsáveis, os quais assinaram uma declaração de consentimento livre e esclarecido para a participação das crianças no estudo, para o qual foram adotados alguns critérios de seleção da amostra para exercer o maior controle sobre a mesma. A identificação das crianças foi da responsabilidade dos psicólogos dos agrupamentos das escolas envolvidas. A amostra compreende 53 crianças (34 masculino e 19 feminino) com uma média de idades de 8,55 anos, provenientes dos dois agrupamentos de escolas do município de Vila Real, pertencentes ao 1º e 2º ciclo de ensino básico de escolaridade. Os instrumentos utilizados foram: questionário biopsicossocial dirigido aos professores e pais, para recrutar informações relativas à criança e família (variáveis individuais: idade, o género, o numero de retenções, o historial familiar e a opinião do docente), ficha individual de cada aluno que contempla os relatórios das sessões realizadas e a bateria psicomotora (BPM) de Fonseca (2007), que aplicamos, observamos e avaliamos os resultados dessa aplicação. A BPM avalia 7 fatores psicomotores e 26 subfatores psicomotores: tonicidade (hipotonicidade, hipertonicidade, extensibilidade, passividade, paratonia, diadococinésias, sincinesias),

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Equilibração (imobilidade, equilíbrio estático e equilíbrio dinâmico), lateralização, noção do corpo (sentido cinestésico, reconhecimento direita-esquerda, auto-imagem, imitação de gestos e desenho do corpo), estruturação espácio-temporal (organização, estruturação dinâmica, representação topográfica), estruturação rítmica, praxia global (coordenação óculo-manual, coordenação óculo-pedal, dismetria, dissociação, agilidade) e praxia fina (coordenação dinâmica manual, tamborilar, velocidade-precisão). Tabela 1-Escala de Pontos do Perfil Psicomotor

Escala de Pontos dos Perfis Psicomotores

1 Perfil Apráxico Realização imperfeita, incompleta e descoordenada

2 Perfil Dispráxico

Realização com dificuldade de controlo (satisfatório)

3 Perfil Eupráxico Realização adequada e controlada (bom)

4 Perfil Hiperpráxico

Realização perfeita, harmoniosa e controlada

 A cotação máxima da prova é de 28 pontos (4x7 fatores), a mínima é de 7 pontos (1x7) e a média é de 14 pontos. Quadro 2-Cotação da BPM

Pontos Tipo de Perfil Dificuldades de Aprendizagem

27-28 Superior

22-26 Bom

14-21 Normal 9-13 Dispráxico Ligeiras (específicas) 7-8 Deficitário Significativas (moderadas ou severas)

O tratamento estatístico dos dados recolhidos nesta pesquisa foi realizado utilizando o pacote computadorizado Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 13.0. Para análise descritiva, utilizaram-se as medidas de tendência central e de dispersão, média e desvio padrão para as variáveis medidas em escala contínua, a frequência e percentagem para as variáveis medidas em escalas ordinais e nominais, para caraterizar o perfil psicomotor. Para comparar o perfil psicomotor das crianças, de acordo com o género, utilizou-se o teste t. Para verificar a associação entre as variáveis independentes (idade, género, nº retenções, nível socioeconómico) utilizou-se o coeficiente de correlação r de Pearson. Apenas as variáveis que registaram associação com o perfil psicomotor entraram no modelo de regressão linear, utilizado para testar a influência das mesmas variáveis no perfil psicomotor.  

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Caraterização do perfil psicomotor das crianças com DA

Os resultados (Tabela 3) evidenciam que 67.9% das crianças com DA apresentam um perfil psicomotor normal. Analisando, segundo Fonseca (2007), as crianças apresentam um nível de realização completo, adequado e controlado na maioria dos fatores, surgindo um ou outro, que revela imaturidade ou imprecisão de controlo. Tratam-se de crianças sem problemas psicomotores evidentes, visto não apresentarem sinais desviantes. Assim sendo, é provável que as crianças identificadas não tenham dificuldades de aprendizagem significativas ou apresentem sinais de disfunção cerebral mínima, contudo esta condição não é exclusiva. Relativamente ao funcionamento das unidades funcionais do cérebro, é previsível que a sua atividade esteja dentro da normalidade, ou seja, os estados de alerta e atenção, a codificação e a planificação da ação parecem intactos. Para explicar estas evidências, Moreira, Fonseca, e Diniz (2000) admitem, também, a existência de muitas crianças com DA, que revelam uma integridade motora global e, mesmo por compensação, ou por efeitos ecológicos específicos, revelam um perfil motor adequado. Almeida (2007) expõe nos seus resultados, que toda a sua amostra de crianças normais se situa num perfil Normal e com valores médios de realização psicomotora, no grupo experimental de 20,38 e 20,55 pontos. Levando-nos a pensar que, apesar das crianças com DA obterem resultados psicomotores normais, apresentam valores médios-baixos. Podemos ainda apresentar outra perspetiva, que envolve a experiência e vivência no mundo em que as crianças estão inseridas, referindo o estudo de Thelen (2000) Motor development as foudation and future os development psychology, que atribui relevância à plasticidade do sistema nervoso central e à interligação forte da rede neural de apoio motor, percetivo e processo cognitivo. Debruça-se também pela perspetiva de Endelman (1987) Theory of Neural Group Seletion, que pressupõe que determinadas redes neurais são fortalecidas pela ação no mundo, emergindo daí o comportamento adaptativo. Argumenta também que mapeamento funcional do cérebro depende da experiencia, principalmente através da exploração percetivo-motora.

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Quadro 3-Caraterização do Perfil Psicomotor

Perfil Psicomotor Crianças com DA

n % Superior (27-28) - -

Bom (22-26) 7 13.2% Normal (14-21) 36 67.9%

Dispráxico (9-13) 10 18.9% Deficitário (7-8) - -

 Comparação do perfil psicomotor das crianças com DA, segundo o género

Comparados os perfis psicomotores, tendo em conta o género (Tabela 4), verificamos diferenças estatisticamente significativas (p=0,05). Os dados destacam também que as DA incidem mais sobre o sexo masculino e estes apresentam uma média de realização inferior ao sexo feminino. Fonseca (2005), no seu estudo sobre Dificuldades de Aprendizagem: na busca de alguns axiomas revela que existem correlações entre a migração neurológica atípica, as desordens imunológicas, esquerdismo e dislexia e muitas delas discriminam efeitos hormonais que têm diferenciações sexuais claras. O mesmo autor justifica o aparecimento de migrações celulares atípicas, com a descoberta que a testosterona (hormona masculina) pode provocar alterações na plasticidade talâmica que surgem a partir de uma lesão cortical precoce. Em experiências com ratos, Habib (2000) sublinha no seu livro Bases Neurológicas do Comportamento o papel das hormonas no estabelecimento da dominância cerebral, onde durante o período crítico de desenvolvimento do cérebro a testosterona pode alterar a sua morfologia, demonstrando também que certas áreas corticais do rato são desenvolvidas de maneira assimétrica entre hemisférios, isto unicamente no animal macho. Salienta também os estudos de Galaburda e Geschwind com cérebros de disléxicos, o primeiro conseguiu provar que estes cérebros continham dois tipos de anomalias: ausência de assimetria do planum temporale e anomalias microscópicas do córtex, corroborando que o cérebro do individuo disléxico sofreu durante a sua maturação uma agressão de natureza indeterminada que fez não só alterar o processo que leva à assimetria do planum, mas também interferiu na migração dos neurónios corticais provocando anomalias arquitectónicas. O segundo invoca um excesso de testosterona durante o período de gestação (24ª semana), no início do período seguinte de maturação axónica. Segundo Cunha e Machado (2006), num artigo relacionado com o reconhecimento de palavras e a maturação percetivo-motora de alunos do ensino fundamental, revelam um estudo de Aylward e Schmidt (2001) que mencionam que as meninas demonstram ter mais maturidade percetivo-motora que os meninos, e

que os aspetos percetivo-motores são indicadores de dificuldades de aprendizagem

Tabela 4 - Comparação do Perfil Psicomotor, segundo o género

Sexo n Média D.P t p Feminino 19 19.05 2.877

1.998 0.05* Masculino 34 17.18 3.477

Verificação da influência das variáveis individuais no perfil psicomotor

Os resultados das correlações evidenciam associações moderadas e positivas entre o perfil psicomotor e as variáveis individuais idade (p=0,001), nº de retenções (p=0,005). As variáveis, nível socioeconómico e género não apresentaram correlações significativas, como podemos observar na tabela 5.

Tabela 5-Correlação entre perfil psicomotor e as variáveis individuais

Perfil Psicomotor r p

Nº Retenções 0.290 0.005*

Idade 0.475 0.001*

Sexo -0.208

Nível socioeconómico 0.81

Entraram no modelo de regressão unicamente as variáveis que apresentaram associação significativa e, como podemos observar na tabela 6, apenas a variável idade apresentou valor preditivo (p=0.002).

Tabela 6-Regressão entre perfil psicomotor e variáveis individuais

β r² p Idade -0.201 0.241 0.002

 Estes dados demonstram que existe uma influência da idade no perfil psicomotor. Para perceber estes dados, reforçamos a ideia de Fragoso, Vieira, Ferreira, Barrigas, Oliveira e Silva (2001) que a aprendizagem depende da evolução da idade (biológica, cronológica e maturacional) e que um desvio maturacional precoce pode influenciar o próprio ritmo biológico e, consequentemente, afetar a aprendizagem. Os mesmos autores sustentam esta visão com Damásio (1997), em que a aprendizagem envolve um enorme número de comportamentos que estão dependentes da evolução biológica do indivíduo pois aprender será alcançar as formas de adaptação mais estáveis através da criação e estabilização de certas ligações sinápticas. Cunha e Machado (2006) concluem que o género feminino é mais preocupado com a assertividade das respostas que o masculino, tendendo a piorar com a idade. De

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acordo com Medina, Rosa e Marques (2006), num estudo sobre o desenvolvimento da organização temporal de crianças com Dificuldades de Aprendizagem, à medida que a idade aumenta, parece haver um aumento relativo do défice dos aspetos componentes da organização temporal. Os mesmos autores acrescentam o estudo de Rosa Neto, Leite e Melo (2002) onde se destaca que na infância o movimento se faz de forma mais interessante, no sentido de ser melhor explorado a fim de que as crianças possam ter um processo de crescimento ativo. Complementam ainda com o trabalho de Crippa e Souza (2002) que indica que crianças com idades de 4 e 5 anos apresentam um atraso no desenvolvimento do esquema corporal em relação à idade cronológica. Baseado na perspetiva de Koffka e Vygotsky (2007), no seu livro Pensamento e linguagem, aborda o desenvolvimento e a aprendizagem, referindo que a maturação depende do funcionamento do órgão logo do desenvolvimento da sua função na aprendizagem. Pelo seu lado, a maturação abre novas possibilidades à aprendizagem. Deste modo, a aprendizagem tem certa influência sobre a maturação e vice-versa. Neste contexto, achamos fundamental também destacar a ideia de Fonseca (2005) quando aborda a importância da identificação precoce das crianças com DA como estratégia preventiva para a redução e minimização dos seus efeitos, visto que neste período crítico de desenvolvimento a plasticidade cerebral é maior daí que uma intervenção acertada pode ter consequências benéficas para a aprendizagem.

CONCLUSÃO Abordar a temática das dificuldades de aprendizagem significa percorrer um caminho confuso e nubloso, complexificado com heterogeneidade caraterística das próprias crianças. Contudo, realçamos as seguintes conclusões: i) a maioria das crianças com DA analisadas apresenta um perfil psicomotor normal; ii) existem diferenças estatisticamente significativas do perfil psicomotor, segundo o género; iii) A influência da idade no perfil psicomotor é de 24.1%. REFERÊNCIAS  Almeida, E. (2007). Geometria através do corpo: impacto de uma proposta de intervenção transdisciplinar na aprendizagem do da geometria do 1º CEB. Tese de Mestrado em Organização e Avaliação do Ensino. UTAD.

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*Correspondência - Alberto Albuquerque – [email protected] - Instituto Superior da Maia – Avenida Carlos Oliveira Campos, Castelo da Maia., 4475-690, São Pedro de Avioso

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A prática do exercício físico como componente da educação em Portugal, na

idade média

Fernando Maia1; Alberto Albuquerque1,2,3,4*

1Instituto Superior da Maia, Portugal; Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano – CIDESD; Adaptação, Rendimento e Desenvolvimento Humano – Grupo de Investigação (ARDH-GI); Centro de Investigação em Desporto e Atividade Física (CIDAF)

RESUMO

Partindo da ideia consensual de que em cada época a educação dos indivíduos é marcada por contextos políticos, sociais, económicos e culturais, a presente investigação procura correlacionar este conjunto de variáveis, procurando interpretá-los e percebê-los no longínquo contexto da vida medieval. Durante a Idade Média, a educação em Portugal, à semelhança do que se passava nos restantes estados-nação da Europa, foi profundamente influenciada pela corrente do pensamento filosófico que colocava a ênfase nos valores ético-morais provindos da ideologia cristã, que tendia para a valorização do espírito em detrimento dos aspetos corporais. Contudo, a nossa reflexão permite-nos concluir que muito embora os exercícios físicos não fossem referenciados como parte integrante da educação praticada na época medieval, num tempo de guerras, fomes e pestes, o cultivo do corpo não passou despercebido nem foi esquecido, já que para determinados contextos o êxito dependia do estado de prontidão atlética dos indivíduos.

ABSTRACT

Starting from the consensual idea that in every season the education of individuals is marked by political, social, economic and cultural contexts, this research seeks to correlate this set of variables, trying to interpret and perceived them and in the distant context of medieval life. During the Middle Ages, the education in Portugal similar to what was happening in the rest of nation-states of Europe, has been deeply influenced by the current of philosophical thinking which placed emphasis on the ethical and moral values stemmed from the Christian ideology, which tended to value the spirit in the detriment of the bodily aspects. However, our analysis allows us to conclude that although the physical exercises were not referenced as part of the education practiced in medieval times, in a time of wars, famines, and pestilences, the cultivation of the body has not gone unnoticed or been forgotten, since to certain contexts the success depended on the state of readiness of athletic individuals.

Palavras-chave Idade Média; Educação; Exercício Físico.

KEYWORDS Meadle age; Education; Phisical exercice.

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Exercício Físico – Idade Média

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Quando, em 1128, Portugal surge independente , as conceções vigentes sobre educação não destacavam a prática do exercício físico. A conceção dualista do homem - corpo e espírito -, provinda da Antiguidade Clássica, dava a primazia ao espírito, ao intelecto, elemento característico do homem como ser pensante. Pelo mesmo facto, subalternizava-se o elemento corpóreo, manifestação da sua animalidade. Esta conceção dualista, de raiz platónica, foi ainda influenciada e reforçada no plano normativo pela nova moral proposta e triunfante com o Cristianismo. Neste quadro social formou-se a opinião de que na Idade Média se teria desprezado o corpo. Todavia, esta ideia é contrariada pela tese apresentada por Jacques Ulmann (1965), ao lançar uma nova perspetiva onde afirma que “o espírito religioso da Cristandade medieval, como incorretamente se pensou, não foi hostil para os lazeres e exercícios do corpo” (p.64), no entanto, o mesmo autor também teve a consciência que as práticas físicas realizadas na Idade Média não seriam, apenas, atividades que procuravam as distrações e os jogos. Se bem que com uma expressão marcadamente aristocrática as práticas dos exercícios físicos serviram de educação para o corpo e para a alma. À distância de vários séculos, a investigação que realizámos pretende, a partir da caraterização da educação, da estrutura sociopolítica e do pensamento religioso, levar à identificação e compreensão das finalidades que as práticas físicas tiveram no período medieval. 1. Breve caraterização da educação no medievo O ideal de vida medieval, profundamente influenciado pelo Cristianismo, procurava a virtude na salvação da alma e esta atingia-se pela busca da "Cidade de Deus". Nessa procura esquecia-se e/ou castigava-se o corpo. Os anacoretas, os ascetas, os padres do deserto, os emparedados, os ciliciados são exemplos suficientes daqueles que, fustigando o corpo, pretendiam a salvação da alma. Ainda mesmo mais tarde, no século XIV, quando a Europa sofreu um período de grande recessão, com fomes, pestes e guerras, tornaram-se comuns os flagelantes. Era o castigo do corpo, da sede do pecado, da fonte de todos os males. Nestas circunstâncias, face ao papel que é atribuído ao corpo, resulta contraditória, inconciliável para a época, a relação entre educação intelectual e educação corporal. Por esse facto, pode dizer-se que a educação global, em si mesma, isto é, tida como um processo de influência inter-individual com o fim de desenvolver capacidades, atitudes e valores foi, durante a Idade Média, redutora. O intelectualismo foi a sua marca

como, do mesmo modo, a Escolástica foi o seu reino. Ora, se o domínio do Cristianismo se refletiu de uma forma tão intensa e afirmativa na educação, é importante, contudo, marcar o seu papel na evolução histórica da cultura. Foi através das suas expressões mais concretas, os mosteiros, as catedrais e as escolas paroquiais que se salvou e preservou a cultura do mundo antigo. Na baixa Idade Média (século XIII ao século XV) os homens souberam continuar a tradição escolar do mundo romano e, sob a égide da Igreja, haviam de ser criados altos centros de estudos onde a teologia, o direito, a medicina entre outros ramos do saber eram ministrados, tendo em vista a preparação dos estudantes para o exercício das respetivas profissões. Foi neste contexto erudito da evolução dos saberes que, em pleno século XIII, na Europa Central, começaram a surgir as primeiras universidades. Associadas ao seu aparecimento encontramos uma série de causas, das quais destacamos: i) o progresso do saber; ii) o rápido incremento de certas disciplinas, como a teologia, o direito romano e o direito canónico; iii) um novo sentido de unidade da ciência e uma noção mais rigorosa da hierarquia entre os vários ramos do saber humano; iv) o movimento europeu ligado à da formação dos grandes centros humanos; e, v) o sentimento de solidariedade profissional que veio a inspirar a formação das grandes corporações de artes e ofícios. A universidade medieval, produto deste conjunto diversificado de fatores foi, ao tempo, uma instituição rica de mudanças, cheia de vida e com uma personalidade bem vincada como instituição escolar. Na confusão, desnorte e barbárie que a Europa viveu após a queda do Império Romano do Ocidente (século V), foram todos esses centros de vida, gerados por um ideal religioso, que acolheram os homens, que souberam e tiveram capacidade para salvaguardar e transmitir o conhecimento e as produções do espírito provenientes do mundo greco-latino. 2. Estrutura sociopolítica da Idade Média O período que foi objeto do nosso estudo ficou igualmente marcado por fortes convulsões políticas que, na época, estavam sempre associadas às atividades bélicas. O fim do mundo antigo e o emergir de uma nova fase na evolução da Humanidade que ficou conhecida na história por Idade Média é, em si mesmo, um complexo fenómeno sociopolítico em que os acontecimentos bélicos resolvidos pela força das armas, ocorreram com bastante frequência. A mais, e na mesma linha, é de referir também a desagregação do Império Romano e o consequente aparecimento dos reinos bárbaros, base genérica do

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quadro geopolítico de que a Europa ainda hoje é herdeira. Os quase dez séculos em que perdurou a Idade Média foram tempos de crises e convulsões políticas e sociais, e a sua afirmação passou por choques e antagonismos que quase só a guerra conseguia resolver. A mesma turbulência sentia-se internamente nos estados-nação, com as rivalidades e lutas entre os numerosos senhores feudais (rodeados de séquitos militares, a exemplo do rei) entre si e, algumas vezes também, com a própria realeza. Em muitas ocasiões, nem o próprio juramento de fidelidade (elemento fundamental da sociedade feudal) constituía obstáculo decisivo. Portanto, a Idade Média ficou fortemente marcada por ser um tempo de lutas e, como tal, de superioridade daqueles que têm a capacidade de exercer a ascendência pela força das armas. É o domínio dos bellatores (os guerreiros) que, a par dos oratores (o clero), detinham a primazia na sociedade do tempo. 3. O pensamento religioso A visão filosófica de uma sociedade teocêntrica confirmada no espírito religioso da Idade Média levou-a, quase paradoxalmente, também, à luta. As cruzadas não foram senão expedições de cavaleiros que, ao serviço da Santa Sé e da religião, se propunham lutar contra os muçulmanos, inicialmente inimigos da Europa, porque a cercaram, pelo Sul e pelo Este, na sua expansão, e logo volvidos em inimigos da fé cristã, porque seguidores de um deus diferente. De um modo geral, a expressão desse antagonismo tornou-se mais forte e mais visível a partir do século XI, com aquilo a que se viria a chamar o movimento das cruzadas. De 1095 até pelo menos 1400, as Cruzadas foram uma atividade devocional genuinamente popular que atraindo leigos de todas as classes, eram acompanhados por exercícios penitenciais e litúrgicos que constituíam características marcantes do culto popular da época. De um modo particular - no espaço e na ideologia -, esse mesmo antagonismo assumiu um lugar de destaque na Península Hispânica. Aqui, a luta contra os muçulmanos iniciara-se no século VIII, e continuar-se-ia por muitos séculos (até ao final do XV), tendo por objetivo a recuperação de uma terra perdida, da Espanha (isto é, a Hispânia) perdida para os muçulmanos. Como ficou provado era a luta pela terra, pelo seu domínio político e efetivo, pelo afastamento do muçulmano, perigo para as populações e não apenas uma luta pela fé religiosa. Mas seja como for, o contexto determinava os fins e estes radicalizavam-se na peleja, na luta, e porque tão longa na sua duração e tão intensa, em certos momentos, mobilizou toda a sociedade peninsular. É assim que

os laboratores, isto é, os trabalhadores, os que com a sua força de trabalho deviam suportar o edifício social com os seus serviços e produção de bens, sobressaem como elementos importantes das atividades guerreiras. Assim, numa sociedade de desiguais – no poder, nas funções, nos privilégios – os homens da Península encontraram-se lado a lado na guerra, ainda que em situação diversa: os nobres eram sempre cavaleiros (à exceção dos mais novos – escudeiros), enquanto os populares podiam sê-lo ou não, dependendo da sua situação económica. Se os seus bens o permitiam, possuíam cavalo e armas se não, faziam a guerra a pé. A continuidade da guerra contra os muçulmanos, no Oriente, levou ao aparecimento de uma organização própria de combatentes. Estas organizações, que ficaram conhecidas por ordens militares, inicialmente, eram constituídas por pequenas comunidades de cavaleiros que rapidamente assimilaram princípios religiosos do tempo. Neste âmbito, é de destacar o triplo voto: castidade, pobreza e obediência, através do qual conciliavam a dupla luta entre a carne e o espírito. As mais importantes ordens religiosas surgidas no Ocidente foram, como se sabe, a dos Templários e a dos Hospitalários. Estas rapidamente chegaram à Península, local de eleição para os seus objetivos, a tal ponto que outras aqui se vieram a criar e a desenvolver, das quais salientamos, pela sua pujança, as de Santiago e as de Calatrava. Portugal conheceu também uma fundação própria, os freires de Évora, que seguiram a regra de Calatrava e que mais tarde se mudaram para Avis, ficando conhecidos por esse nome (Ordem de Avis). As outras, atrás referidas, também se instalaram em território nacional, tendo como sedes Tomar (Ordem do Templo), Leça - depois o Crato - (Ordem do Hospital) e Palmela (Ordem de Santiago). Face ao exposto, em relação aos ideais educativos medievais sobressai, por um lado um intelectualismo eivado de forte idealismo cristão, por outro, o carácter militar que a sociedade e a própria religião incutiram aos jovens do sexo masculino. Se este caráter militar dominante esteve perfeitamente presente em Portugal, como já tivemos ocasião de referir, o intelectualismo, isto é os aspetos culturais, também são de assinalar no tipo das escolas, conventuais e catedrais que na época existiram em Portugal. Umas e outras destinavam-se à formação do respetivo clero. Seguiam os “programas do tempo”, isto é, as disciplinas do trivium (dialética, gramática e retórica) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia, e música) e as bibliotecas eram compostas de livros de teologia, de moral e de direito canónico. 4. As práticas físicas

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Numa sociedade dominada pelos ideais teocêntricos, cujos fundamentos se evidenciavam por uma cega obediência à Igreja e à religião não admira que ainda hoje pouco se saiba sobre a prática dos exercícios físicos, isto é, pelo domínio e interesse pelo corpo. Hoje damos como óbvia a situação: o estado de guerra exigia homens não apenas disponíveis mas também treinados. Portanto, o exercício físico adquiria aqui um sentido pragmático, de utilidade para um fim específico. A fundação das ordens militares surge como um exemplo, apresentando-se os cavaleiros com verdadeiros exércitos disciplinados e treinados. Se a disciplina era treino, em simultâneo, para o corpo e para o espírito, a submissão à regra trazia a obediência ao chefe em todos os momentos, principalmente, no campo de batalha. E muito embora, neste âmbito a informação que nos chegou seja parca sobre a vida castrense, é bem provável que os cavaleiros realizassem verdadeiros treinos para manterem uma boa condição física, isto é, uma boa prontidão atlética. No dizer de Lima (1938, p. 153; 1937, p. 10, 59, 62) “o desporto medieval surge com o objetivo de treinar para a guerra”. Por isso tinha-se como incoerente, a não ser em casos excecionais, a participação dos vilãos. Quanto aos restantes combatentes há que distinguir entre os populares e os nobres. Dos populares, os peões, isto é, aqueles de capacidade económica inferior, que faziam a guerra a pé, eram, em simultâneo, os verdadeiros produtores nesta sociedade. Eram camponeses livres, detentores de pequenas propriedades, verdadeiramente vassalos. O seu treino, sobretudo na vertente da força, adviria do exercício do próprio trabalho no campo; a agilidade e astúcia, adquiria-se e exercitava-se na caça. 4.1. A caça Entre as atividades mais queridas da nobreza e também do clero, e com mais frequência praticadas, contava-se a caça. Nas várias formas como poderia ser praticada (montaria ou cetraria) foi ocupação de reis e de senhores, que a apreciavam e a teorizavam em desenvolvidos tratados (Marques, 1974). Durante a Idade Média sabe-se que a caça era uma atividade que podia ser realizada fundamentalmente por duas formas: a montaria pressupunha uma perseguição violenta a animais, e a cetraria, ou caça realizada através do recurso a aves de rapina domesticadas. Esta forma de caçar tinha os seus encantos e talvez tivesse merecido as preferências durante parte da Idade Média. Para a efetuar os açoreiros calçavam luvas especiais feitas em pele de corço, gamo ou cordeiro para segurar os falcões ou os açores. Mas a caça apresentava-se também como uma atividade importante podendo, para a vilania, assumir dois aspetos fundamentais: defesa e

atividade económica. Obviamente diferente nos objetivos, no primeiro caso, temos que ter em conta que o aspeto florestal do nosso país era diferente do dos nossos dias. Com uma mancha florestal bem maior, por certo, proporcionaria a existência de espécies cinegéticas diferentes das atuais (Mattoso, 1987; Coelho, & Rilley, 1988; Marques, 1993). Ao tempo, por todo o Portugal se disseminavam áreas mais ou menos vastas de reserva venatória. Com uma fauna cinegética bem diferente da que é hoje, por exemplo, a caça ao lobo era essencialmente defensiva - a defesa dos homens, das aldeias, dos bens (gados) - até porque dele o que era de aproveitamento comum era a pele e não a carne. Outras espécies havia, que apresentavam um interesse económico (pela carne e/ou pele), mas cuja caça também era autorizada, quer por razões de defesa, quer pelos danos que causavam nos campos. Referimo-nos à fauna herbívora - coelhos, lebres, veados, ursos. Seja como for, defensiva ou ofensiva, na Idade Média, o exercício da caça era frequente, podia mesmo ser profissão (Mattoso, 1987; Coelho, & Rilley, 1988; Marques, 1993). Pelos requisitos que exigia (ontem, como hoje...) - agilidade, robustez, resistência, sagacidade e astúcia aos que a praticavam (correr monte é a expressão frequente utilizada para designar a atividade) -, constituía um meio ideal de manter em boa condição física os homens para as correrias guerreiras a que fossem chamados. Quanto aos nobres, por certo que procuravam manter a sua condição física e ser-lhes-ia mesmo necessário algum treino específico para as atividades guerreiras. É sabido que os jovens nobres desde cedo tomavam contacto com as artes bélicas, iniciando-se como escudeiros de um senhor. Por isso, para o seu grupo social, a prática da atividade venatória foi sempre uma caraterística marcante, ao longo do tempo e do espaço. Era uma forma de recreação ou, como dizem os documentos do séc. XV, de “desenfadamento”. Se há provas de que, inicialmente, qualquer animal podia ser caçado por qualquer homem (Mattoso, 1987; Coelho, & Rilley, 1988; Marques, 1993), com o tempo, ou melhor, com a hierarquia que se foi fazendo dos animais, quiçá baseada na valoração que se lhes atribuía, ou, porventura, também ligada a uma certa nota de raridade que se foi verificando, a caça de algumas espécies passou a ser apanágio da classe nobre. Os reis preocuparam-se mesmo em “coutar” territórios e espécies cinegéticas para serem seu usufruto pessoal e dos seus mais próximos validos ou colaboradores. Os coutos eram territórios onde se encontrava caça grossa, cujas caraterísticas próprias (para além do seu porte) distinguiam o seu próprio caçador: o inteligente veado, o astuto e bravo javali e o forte e impulsivo urso. Pelas qualidades requeridas ao caçador, e pela frequência com que era praticada, a atividade

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venatória na Idade Média foi um verdadeiro passatempo para a nobreza sendo de facto, uma forma de passar o tempo que as atividades bélicas lhe deixavam livre e também um meio de, “desenfadando-se”, se manter sempre em forma, apto para a guerra, tanto mais que a própria legislação recomendava que nas terras da coroa se caçasse sem armadilhas nem bestas, mas a pé, e apenas, a cavalo às lanças e com cães (Lobo, 1903). Que a caça representava algo de muito importante para a nobreza, provam-no os vários túmulos de nobres dos séculos XIII e XIV que representam cenas de caça na sua decoração, normalmente, ao javali. Serão, por certo, uma memória pessoal mas, igualmente o reflexo de um ideal de força física, coragem e bravura que a nobreza reclamaria para si . Do mesmo modo, para a realeza, há alguns testemunhos de como reis e infantes de Portugal eram amantes da caça. D. Afonso III tem em especial apreço o seu açoreiro (Marques, 1993), D. Afonso IV parecia preferir a caça ao governo do reino, D. Pedro legislou no sentido de se poder conciliar a governação com a sua ausência na caça, D. Fernando era um verdadeiro apaixonado pelas atividades cinegéticas (Coelho, M. & Rilley, C., 1988). O Infante D. João (filho de D. Inês de Castro) protagonizou uma caçada a um urso, que deixou eco na pena do cronista Fernão Lopes, e gostava de tal modo dos seus cães que dormia no meio deles. Enfim, parece que terminadas as guerras em Portugal, os reis procuraram sobressair evidenciando-se na caça. Mas não era apenas a caça a proporcionar a oportunidade para o exercício físico por parte da nobreza, ouras atividades a ocupavam. 4.2. As justas e os torneios Igualmente a arte de cavalgar pressupunha um domínio pleno do corpo e da montada. Que esta atividade exigia um aturado conhecimento e era alvo de grande cuidado está bem patente na atenção que lhe dedicara alguns dos nossos reis. Referimo-nos, como é óbvio, a D. João I (1981) e a D. Duarte que, com a publicação de duas obras (Livro da Montaria e o Livro da Ensinança da arte de bem cavalgar toda a sela, respetivamente), deixam bem expressa a paixão da aristocracia medieval pela caça. O Livro da Ensinança é um tratado concreto que deve ter servido de breviário a muitos jovens cavaleiros. Nele se podia aprender tudo o que convinha ao perfeito domador de sela, desde a maneira de dirigir um cavalo e de utilizar convenientemente as rédeas e estribo até ao treino de saltar para o cavalo sem ajuda exterior (Marques, 1974). A arte de cavalgar podia realizar-se sob variadas formas. Corridas e saltos seriam o elementar. D. João I (1981) chamou-lhes “ligeirices”, designando com isso o conjunto das destrezas ou habilidades

corporais realizadas de um modo rápido (ligeiro), considerado proveitoso para o eficaz desempenho nos confrontos bélicos. Mais elaborados e vistosos se mostravam os jogos que se podiam realizar a cavalo. As justas e os torneios são tidos como os mais antigos. Aliás, de um famoso torneio, realizado em Arcos de Valdevez, entre portugueses e leoneses, há notícia em 1140. Também designado, na época, de “bafordo” e “tavolado”, realizou-se entre alguns cavaleiros de ambas as partes (Brandão, 1973) o que significa que era de contenda múltipla. Nas justas, o combate travava-se entre dois cavaleiros armados de espada ou lança. As justas e os torneios contam-se entre os divertimentos mais populares da aristocracia. Realizavam-se geralmente num terreiro (teia) delimitado por vedações. Era mesmo um espetáculo obrigatório em todas as festividades, sendo que a partir do século XV assumia foros de representação teatral ou de concurso de elegância, com os cavaleiros vestidos por vezes de maneira exótica e disputando um prémio estabelecido (Marques, 1974). Por vezes, para evitar desnecessários derramamentos de sangue e, eventualmente, mortes, as espadas ou as lanças eram substituídas por canas pontiagudas. Nessa ocasião estava-se perante uma variante, chamada “jogo das canas”. O “bafordo” e “tavolado” era um jogo de arremesso muito praticado na Idade Média. Consistia em o cavaleiro arremessar a sua lança (“bafordo”) contra uma “bastide” de madeira com a finalidade de a derrubar. Era um jogo que exigia força, firmeza, destreza e habilidade quer no domínio da lança, quer no domínio da montada. Mas as práticas físicas não se confinavam apenas a estes jogos. De entre muitos outros de que há conhecimento, a prática da “braceria” era também muito frequente. Era, igualmente, um jogo de arremesso, podendo efetuar-se a pé ou a cavalo. Consistia em atirar uma lança ou uma espécie de dardo (conhecido por barra) ou, ainda, manejar a espada (Marques, 1974). 4.3. O jogo da péla Por seu lado, no campo dos jogos violentos, não podemos deixar de referir o jogo da péla. O nosso rei D. João I (1981) enaltecia este jogo por considerar que a sua prática era benéfica para a tonificação dos membros, assim como para o treino do «folego» ou seja, para o treino da resistência corporal. Era, deste modo, que o nosso rei reconhecia o jogo da péla como um exercício bastante adequado à arte do manejo das armas. A este respeito, o monarca referia que certos guerreiros, em tempos de folga, “… jogam alguns dias a pella, porque este jogo lhes faz tender os membros, e outrosi o folego fazlho fazer bôo…” (D.

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João I, 1981, p. 11). Porém, o rei também reconhece que os benefícios do jogo da péla, isto é, a sua prática, é mais importante para os moços do que para os homens. Este jogo, que segundo os historiadores terá surgido em França com o nome de paume ou de palme foi durante muitos decénios, um dos principais exercícios, muito generalizado, praticado pelos nobres e, inclusivamente pelos reis. Criticado por uns por entreter a mocidade da época, em detrimento dos exercícios de cavaleiros, ou considerado por outros como “muito útil para o treino das armas” este jogo de bola apresentava contornos muito violentos, que deverão ter sido progressivamente sublimados (Serra, 2010). Durante a Baixa Idade Média praticaram-se, diversas variantes do jogo cujas regras eram transformadas ou adaptadas segundo os gostos e costumes locais ou regionais ou, ainda de acordo com o progresso do material utilizado. A prática do jogo estaria reservada aos nobres, contudo, acreditamos que em determinados momentos ele também tivesse constituído um divertimento para as classes populares, cuja atividade também era uma forma de imitação das classes mais altas. Se bem que não se saiba ao certo a proveniência do jogo da péla, sabe-se que foi uma atividade lúdica muito praticada em França e era conhecido por paume ou palme, que no século XIII designava uma pequena bola, um modo de jogar e, também o local onde a prática lúdica era realizada (Serra, 2010). O objetivo do jogo era fazer chasses, quer dizer, obter pontos. Assim, consoantes os casos, os intervenientes procuravam enviar a bola para um local determinado ou devolvê-la através de um batimento, sendo permitido um segundo ressalto da bola dentro do espaço de jogo (Serra, 2010). Quanto ao jogo, podemos dizer que se tratava de uma atividade coletiva, disputada entre dois grupos de jogadores, que ocupavam o seu espaço próprio. Os dois campos eram separados por uma corda ou rede, podendo a bola (paume) ser batida ou devolvida com a mão ou com a ajuda de um acessório. O terreno em que se disputava o jogo era dividido em dois campos, de dimensões desiguais ou apresentando condições diferentes, uma mais favorável do que a outra. O grupo que ocupava o campo mais difícil só podia mudar de campo após ter obtido uma ou duas chasses, quer dizer após ter obtido um ou dois pontos, conforme o contrato lúdico previamente estabelecido (Guillet, 1961). Quando o jogo se realizava no exterior, os dois campos eram apenas separados por uma linha traçada no solo. Como os jogadores se queixassem de que o mau tempo os impedia de prosseguir tão entusiásticas partidas, no início do século XIV, começaram a ser construídas salas com cerca de 30x12 metros onde era possível realizar o jogo da

péla de forma abrigada. Neste caso, os campos eram separados por uma rede. Os benefícios do jogo da péla ficaram bem patentes no Livro del exercício corporal, y de sus provechos… da autoria do médico espanhol Mendéz (1991) que em 1553, teceu alusões ao jogo, defendo que a sua prática constituía um exercício proveitoso para a saúde, visto mobilizar todas as partes do corpo. Apesar do jogo da péla merecer referência no Livro da Montaria, nem o seu autor, D. João I (1981), nem os cronistas que propagaram os seus feitos mencionam as caraterísticas de como este jogo era praticado em Portugal, pelo que as referências que aqui fazemos às suas práticas provêm de situações descritas do que se passava Além-Pirenéus. A par de todas estas atividades que exercitavam o cavaleiro e que o mantinham apto para a guerra, são de registar também as touradas, isto é, as corridas aos touros em campo fechado, de que a primeira referência em Portugal remonta ao séc. XIV, nas festas do casamento de D. Beatriz de Portugal com Mendez de Castela. O cavaleiro achava-se armado de lança ou espada e, nos primeiros tempos, as corridas assemelhavam-se muito a caçada, com matilhas de cães a perseguir os touros (Rodrigues, 1991). Parece, todavia, que os finais do séc. XIV, inícios do séc. XV, anunciavam algumas modificações. A luta corpo a corpo e o jogo da péla ganhavam terreno à cavalaria. Era o sinal dos tempos. Também na arte da guerra a infantaria ganhava à cavalaria, tendendo à sua substituição como elemento principal dos exércitos. Mas o que importa aqui realçar é que em todas estas atividades físicas o cavaleiro tinha oportunidade de exercitar as componentes do treino das capacidades físicas, condicionais e coordenativas - força, resistência, velocidade, agilidade, flexibilidade, equilíbrio, destreza e coordenação motora - que haveriam de o manter em boa forma para a atividade bélica, a sua função por excelência CONCLUSÃO

No Portugal medieval, como em toda a Europa do seu tempo, a prática do exercício físico não tem um valor isolado, isto é, uma justificação por si só. As conceções medievais sobre o homem e os atributos ligados ao corpo impediam que tal acontecesse. Foi um período de lutas que envolveu a realeza, os nobres e, obviamente, o povo. Mas também foram tempos de fomes, de doenças de caráter endémico, não propícios à criação de condições favoráveis à reflexão da problemática educativa. Por esse facto, temos que reconhecer que as práticas físicas foram sempre orientadas na vertente pragmática da rudeza social do tempo. Os frequentes conflitos bélicos exigiam cavaleiros com virtudes morais, astutos e

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fisicamente dotados. Em tempo de paz, a caça era a principal ocupação onde os homens adquiriam ou mantinham as qualidades indispensáveis de prontidão física. Mas os tempos medievais também foram tempos de incerteza que não permitiam, ainda, repensar o modelo de uma educação baseada na premissa espiritual, dogmática, provinda da Antiguidade e caldeada pela doutrina cristã, teocêntrica, entretanto afirmada na sociedade. Foram, outrossim, tempos de grande instabilidade política, económica e social, onde as práticas físicas, não tendo assumido um papel determinante na educação, temos que reconhecer, que se tornaram importantes como fator de treino das capacidades físicas - condicionais e coordenativas - necessárias para a realização de atividades tidas como mais importantes ou específicas para certos grupos sociais. ____________________________ Notas 1Apesar das manifestas dificuldades expressas por muitos autores para identificar o ano em que Portugal se tornou um Estado independente, tomamos como ponto de referência o dia da vitória das tropas de D. Afonso Henriques na batalha de S. Mamede (24 de Junho de 1128), na qual saiu derrotada a sua mãe, Condessa D. Teresa e o Conde Fernão Peres de Trava. Em documento datado de 6 de Abril de 1129, D. Afonso Henriques assume o título de rei, que se assemelha a uma proclamação: Eu, o Infante Afonso, filho do Conde D. Henrique, livre já de toda a opressão e, pela providência de Deus, na posse pacífica de Coimbra e de todas as cidades de Portugal… Encontramos estes exemplares, no Museu Arqueológico de Barcelos do Carmo; Museu de Barcelos; igreja de S. João de Tarouca. Nos motivos esculpidos, são figuras centrais: o animal alvo da caçada, a cavalo, munido de lança comprida. Está, ainda, presente, um outro homem, a pé, servidor do cavaleiro, munido também de uma arma, de lança curta e larga. Um cão, completa o quadro. REFERÊNCIAS

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Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto, 1(3), pp.55-62, 2014  

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