Revista Científica - Capital Científico - v7n1

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Volume 7 Número 1 2009

Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTROGuarapuava/Irati - Paraná- Brasil

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Revista Capital Científico - RCCiUniversidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO

Reitor: Vitor Hugo ZanetteVice-reitor: Aldo Nelson Bona

Editora UNICENTROBeatriz Anselmo Olinto

Assessoria Técnica: Bruna Silva, Luiz Gilberto Bertotti, Luciano Farinha Watzlawick, Waldemar Feller

Divisão de Editoração: Renata DaleteseSeção de Revisão de Inglês: Raquel Cristina Mendes de

Carvalho.Estagiários: André Justus Czovny; Fernanda Gongra; Marcio

Fraga de Oliveira; Lucas Casarini

Revisão: Dalila Oliva Lima de OliveiraDiagramação: Lucas CasariniCapa: Lucas Gomes Thimoteo

Impressão: Gráfica UNICENTRO

Comissão CientíficaDra. Lucia Cortes da Costa – Universidade Estadual de Ponta

Grossa (UEPG)Dr. Eduardo Fernando Appio – Centro Universitário Filadélfia

(UNIFIL)Dra. Márcia Maria Dos Santos Bortolocci Espejo – Universidade

Federal do Paraná (UFPR)Dra. Patrícia Morilha Muritiba – Universidade Nove de Julho

(UNINOVE)Dra. Rúbia Nara Rinaldi – Universidade Estadual do Oeste do

Paraná (UNIOESTE)Dr. Weimar Freire da Rocha Júnior – Universidade Estadual do

Oeste do Paraná (UNIOESTE)

Catalogação na publicaçãoBiblioteca da UNICENTRO

Capital Científico / Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Centro-Oeste. – v.1, n.1 (2003) – Guarapuava: UNICENTRO, 2009 -

Anual.

ISSN 1679-1991 1. Ciências Sociais – Periódicos.

Versão online, ISSN 2177-4153 em http://revistas.unicentro.br/index.php/capitalcientificoCopyright © 2009 Editora UNICENTRO

Nota: Os conteúdos dos artigos desta revista são de inteira responsabilidade de seus autores.

Comissão EditorialDr. Ivan de Souza Dutra (presidente-editor); Ms. Ana Léa Macohon Klosowski; Dr. Carlos Alberto Marçal Gonzaga; Ms. Carlos Alberto Ferreira Gomes; Ms. Diogo Lüders Fernandes; Ms. Ivonaldo Brandani Gusmão; Ms. Juliane Sachser Angnes; Ms. Rosangela

Bujokas de Siqueira

Setor de Ciências Sociais AplicadasSanta Cruz: Luiz Fernando de Lima

Irati: Edelcio José Stroparo

Publicação do Setor de Ciências Sociais [email protected]

Para submissões: http://revistas.unicentro.br/index.php/capitalcientifico

Edição aprovada pelo Conselho Editorial da UNICENTRO

Editorial

A Revista Capital Científico - RCCi encerrou o ano de 2009 com várias novidades de volume, comunicação eletrônica e impressa, design gráfico, bem como na especialização e balanceamento temático dos artigos, marcando uma fase de crescimento, decorrente de mudanças significativas que estão sendo implementadas desde 2008.

A Comissão Editorial ensejou a procura incessante em conteúdos com melhor qualidade científica e contribuição para a sociedade, tendo sempre em vista a missão do periódico, um desafio que foi e continua árduo, o que pode ser observado nas considerações que seguem.

Diante da conjuntura recente, verificaram-se obstáculos comuns como em vários periódicos acadêmicos de instituição pública que não têm receita por assinaturas ou fomento institucional externo, a exemplo do trabalho com equipe reduzida. Além disso, existiu a dificuldade de recebimento de artigos relevantes, que pudessem ser aprovados dentro das exigências e condições necessárias, atendendo à qualidade e contribuição almejadas, dentro do prazo estabelecido para encerramento da edição. Isso também é explicado pela fase atual do periódico, que ainda é relativamente pouco conhecido para o público de estudiosos externos e não tem alto fator de impacto, ao verificar-se o baixo volume de artigos recebidos para dar giro de publicação das edições. Por causa dessas circunstâncias, a comissão considerou publicar artigos recebidos e aprovados após o ano de 2009 dentro dos critérios exigidos, sem perda da qualidade exigida, como pode ser verificado nesta edição.

Por outro lado, as contribuições dos autores desta publicação, e o recebimento mensal de novas submissões especialmente a partir de 2010, por autores de diversas origens institucionais, serviram de estímulo para superar as dificuldades de manutenção, e as crescentes exigências do sistema de avaliação Qualis, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/MEC. É importante ressaltar que várias manifestações de sugestões ou críticas dos pesquisadores, discentes e leitores recebidas ao longo do ano, contribuíram em boa parte para as modificações de melhoria do formato e consolidação do conteúdo.

Sendo assim, apresentamos essa edição com novo design gráfico para abarcar as temáticas contemporâneas do campo de Sociais Aplicadas. Na nova capa, buscou-se uma síntese dessa proposta, pela representação do globo terrestre estilizado, dando a idéia da característica interdisciplinar desse campo, em face de estudos que alcançam dimensão mundial, na perspectiva de que não é possível distinguir as fronteiras entre novas e diferentes realidades sócio-econômicas, bem como nas várias ciências do escopo das Ciências Sociais Aplicadas. A formatação interna de fonte e conteúdo acompanhou essa filosofia, também adaptada às novas tendências.

Para as ações de gestão e editoração periódica, foi implantado o Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas – SEER, uma ferramenta desenvolvida pelo Public Knowledge Project (Open Journal Systems) da Universidade British Columbia e customizada no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT. Com isso, iniciou-se um novo ciclo de edições com publicações eletrônicas em portal da revista via Internet, por meio do endereço http://revistas.unicentro.br/index.php/capitalcientifico. Em consequência, foi requerido e registrado um segundo número de ISSN, o 2177-4153, que é designado para a versão on line da revista. Com esse sistema, que é visto com aprovação pelo Qualis/CAPES/MEC, ganha-se em segurança, aumenta-se o controle, melhora a qualidade e cresce o nível de compartilhamento e socialização do conhecimento publicado.

Uma Comissão Científica foi criada para a constante melhoria das diretrizes, normas e conteúdos do periódico, constituída por doutores de instituições externas, representados em cada uma das seis áreas

de Sociais Aplicadas aceitas no periódico. Nessa edição, a RCCi tem um privilégio de contar com essa comissão composta por professores e pesquisadores que se destacam nas suas áreas de trabalho e na academia nacional, cujos nomes dão reconhecimento à missão e aos propósitos científicos do periódico.

Os artigos publicados nesta edição são de autores vinculados a instituições de ensino e organizações de pesquisa de renome, com a participação em mais de 70% de autores externos, que não possuem qualquer vínculo formal com a UNICENTRO, conferindo legitimidade e seriedade à revista aos seus objetivos editoriais. Esses autores também contribuíram significativamente com seus estudos em qualidade e relevância do conteúdo.

Esta edição contempla estudos, discussões e aspectos sobre a mudança social, organizacional e a sustentabilidade. Assim, apresentam-se artigos que trazem pesquisas e reflexões sobre as transformações organizacionais diante da vida no mundo, em termos macroambientais e microambientais, de sistemas em que vivem pessoas e organizações sócio-econômicas. O leitor encontrará estudos do processo produtivo sobre o trabalho e o capitalismo, e outros, das desigualdades sociais, das alternativas de desenvolvimento sustentável e a crise ambiental, dos sistemas de gestão ambiental e de responsabilidade social, bem como do perfil daqueles que dirigem organizações com esses processos. Em perspectiva adjacente, são apresentados artigos tais como: o da hierarquização de atrativos turísticos da cidade de Irati-PR; o da análise dos objetivos do balanço social, da análise das metodologias de intervenção de consultores em ONG no Recife-PE; da qualidade de serviços em uma IES, utilizando-se o modelo metodológico 5 GAP´s; recursos de tecnologia e informação para o apoio ao ensino, pesquisa e extensão, além de trabalhos das narrativas (storytellings) contadas pelos anúncios e vídeos institucionais da organizações, de casos de ações em Customer Relationship Management (CRM) e sobre os processos de seleção de empregados por competência. Um ensaio que discute e traz metáfora para a mudança organizacional encerra o periódico.

Diante disso, a Revista Capital Científico traz conteúdos pela busca e auxílio do conhecimento contemporâneo nas Ciências Sociais Aplicadas, em suas diversas áreas, com a contribuição dos autores, sempre seremos agradecidos. Desejamos uma excelente leitura!

Dr. Ivan de Souza DutraEditor da revista Capital Científico

SumárioCapitalismo e as Transformações no Processo de Trabalho ................... 11

Caroline Goerck

Crise Ambiental e Desenvolvimento Sustentável: a nanotecnologia como uma das soluções de longo prazo .......................................................... 21

Marcia Regina Gabardo da CamaraRafael Borim de Souza

A Polarização e as Desigualdades Regionais no Brasil ......................... 35

Francieli do Rocio de CamposPatrícia Estanislau

A Evolução dos Sistemas de Gestão Ambiental: o caso do Laboratório de Camarões Marinhos ................................................................................47

Antonio Costa Gomes FilhoFernando Antonio ForcelliniMarilene BronoskiRafael Feyh Jappur

Projetos Brasileiros de Aterro Sanitário no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: uma análise dos indicadores de sustentabilidade .....................57

Miriam Tiemi Oliveira TakimuraValdir Machado Valadão Júnior

Avaliação e Hierarquização dos Atrativos Turísticos de Irati-PR ...........73

Diogo Lüders Fernandes Vanessa de Oliveira Menezes

Gestão da Responsabilidade Social e o Perfil dos Gestores: análise das organizações de Blumenau - SC .............................................................85

Danielle Regina UllrichMarialva Tomio Dreher

Balanço Social: uma análise comparativa entre objetivos propostos na literatura e a realidade empírica ...........................................................99

Diocesar Costa de SouzaMarcos Roberto KuhlVicente Pacheco

Metodologias de Intervenção Utilizadas pelos Consultores no Trabalho Realizado com ONGs: um estudo na região metropolitana de Recife-PE .................................................................................................... 115

Marcos Gilson Gomes FeitosaNaldeir dos Santos Vieira

Avaliação da Qualidade dos Serviços de uma Instituição de Ensino Superior Utilizando a Aplicação do Modelo Adaptado de Mensuração dos 5 GAP’s. ................................................................................................. 129

Rodrigo Navarro Xavier

BRT-ADM/I – Banco de Recursos Tecnológicos: apoio ao ensino, pesquisa e extensão .............................................................................................139

Carlos César Garcia Freitas

Dados de Clientes no Customer Relationship Management (CRM): estudo de casos múltiplos no desenvolvimento de software ...........................151

Flávio Régio Brambilla

Storytellings Organizacionais: narrativas contadas pelos anúncios e vídeos institucionais .............................................................................. 163

Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros

Mudando para Seleção por Competência: um caso paranaense .........175Keyla Cristina Pereira PradoSérgio Bulgacov

Ensaio: O Princípio da Bicicleta: revisitando a mudança organizacional ...187

Antonio Teodoro Ribeiro Guimarães

Capitalism and the Changes in the Working Process ............................. 11

Caroline Goerck

Environmental Crisis and Sustainable Development: the nanotechnology as one of the long run solutions ............................................................. 21

Marcia Regina Gabardo da CamaraRafael Borim de Souza

The Polarization of Regional Inequalities in the Brazil .......................... 35

Francieli do Rocio de CamposPatrícia Estanislau

Environment Management System Evolution: the case of Marine Shrimps Laboratory ...............................................................................................47

Antonio Costa Gomes FilhoFernando Antonio ForcelliniMarilene BronoskiRafael Feyh Jappur

Brazilian’s Landfill Projects to Clean Development Mechanism: analyzing the indicators of sustainability ................................................................57

Miriam Tiemi Oliveira TakimuraValdir Machado Valadão Júnior

Evaluation and Hierarchy of Turistic Attractive of Irati-PR .....................73

Diogo Lüders FernandesVanessa de Oliveira Menezes

Social Responsibility Management and the Managers Profile: an analysis of Blumenau-SC organizations ...............................................................85

Danielle Regina UllrichMarialva Tomio Dreher

Social Balance: comparative analysis between goals proposed in the literature and empirical reality .............................................................. 99

Diocesar Costa de SouzaMarcos Roberto KuhlVicente Pacheco

Summary

Methods of Intervention Used in Labor Performed by the Consultants with NGOs: a study in the metropolitan area of Recife-PE ............. 115

Marcos Gilson Gomes FeitosaNaldeir dos Santos Vieira

Evaluation of Higher Education Service Quality through the Adapted Measure Model of 5 GAPs ..................................................................... 129

Rodrigo Navarro Xavier

Clients’ data from the Customer Relationship Management (CRM): multiple cases study for software development ..................................................139

Flávio Régio Brambilla

Organizationals Storytellings: the narratives told in the videos and ads institutional ........................................................................................... 151

Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros

Moving to Competency-Based Selection: a Parana case ..............................163

Keyla Cristina Pereira PradoSérgio Bulgacov

The Bicycle Principle: revisiting an organizational change ..........................175

Antonio Teodoro Ribeiro Guimarães

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 04/10/2009 - Aprovado em 04/06/2010

Capitalismo e as Transformações no Processo de Trabalho

Capitalism and the Changes in the Working Process

Caroline Goerck1

Resumo

No capitalismo, os proprietários dos meios de produção exercem a hegemonia absoluta sobre as forças produtivas, apropriando-se com exclusividade dos excedentes gerados no processo de trabalho. Os capitalistas almejam intensificar a acumulação de capital, por meio da mais-valia absoluta e relativa, reduzindo os custos de produção e aumentando a sua produtividade. O processo de produção realizado pelo maquinário a vapor, durante a I Revolução Industrial, pelo petróleo e pela eletricidade, na II Revolução Industrial, e pelo desenvolvimento da automação, robótica e microeletrônica, elaborado por meio da III Revolução Industrial, foram submetendo os trabalhadores à máquina. Entretanto, faz-se necessário enfatizar que o desemprego é permanente no sistema capitalista, sendo que o investimento em mais-valia relativa, só o acentua. Este estudo está relacionado com uma revisão bibliográfica sobre o assunto apresentado e propõe-se também a desencadear alguns questionamentos junto a estudantes e/ou profissionais que trabalham com a questão social e suas manifestações, para serem objeto de prospecções sobre a realidade social e econômica. Nesse sentido, este artigo propõe-se a desencadear reflexões sobre as transformações que estão ocorrendo no processo de trabalho, visando prospectar alternativas à conjuntura macro social e econômica vigente.

Palavras-chave: Capitalismo; Processos de Trabalho; Revoluções Industriais; Desigualdade Social

Abstract

The owners of means of production in the capitalist system exert an absolute hegemony over the productive forces, suiting themselves exclusively from the surplus generated through the work processes. The capitalists intend to intensify the cumulative capital by relative and absolute surplus value, reducing the production costs and increasing their productivity. Production achieved by steam engines, during the First Industrial Revolution, by petroleum and electricity, during the Second Industrial Revolution, and by the development of automation, robots and micro-electronics, originated during the Third Industrial Revolution, were substituting machine operators. However, it becomes necessary to emphasize that unemployment is permanent in the capitalist system, considering that the investment in relative surplus accentuates this unemployment. In this sense, the present article proposes to elicit some reflections with students and/or professionals who carry about social manifestation issues, aiming to prospect alternatives to the social macro and economical conjuncture being viewed.

Key words: Capitalism; Work Processes; Industrial Revolutions; Social inequality

1 Possui doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.Contato: [email protected]

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Introdução

As questões referentes ao trabalho e seus processos produtivos, exercem influência fundamental na forma de organização da sociedade, com suas respectivas relações sociais e econômicas, políticas e culturais. Para a existência de alternativas e proposições em relação ao capitalismo, primeiramente se faz necessário, um conhecimento mais elaborado desse sistema.

Esse artigo tem como finalidade, introduzir e elucidar conceitos do modo de produção capitalista e sobre o processo de trabalho, por meio de uma retrospectiva histórica de forma que a questão social seja evidenciada. Primeiramente, serão apresentadas as primeiras formas de sistematização do trabalho coletivo e os procedimentos adotados pelo capital, para a obtenção da mais-valia. Num segundo momento, serão abordadas a II Revolução Industrial e as transformações que estão ocorrendo no final do século XX e limiar do século XXI, com suas respectivas implicações sociais e econômicas. Por fim, serão tecidas as considerações finais.

1. O Processo de Trabalho e o Sistema Capitalista

Antes de introduzir a I Revolução Industrial, faz-se necessário abordar um dos primeiros processos de trabalho existentes no sistema capitalista, como por exemplo, o trabalho manufaturado artesanal. Os processos de trabalho manufaturados artesanais foram caracterizados pela fragmentação das atividades produtivas, pelo acirramento da divisão do trabalho, pela redução dos custos de produção e pela culminação do trabalho assalariado. Essa dissociação entre o produtor e os meios de produção é nomeada de acumulação primitiva (MARX, 1988).

No trabalho manufatureiro artesanal, cada trabalhador se tornou especialista de uma determinada função, auxiliado pela ferramenta. Pelo intermédio do parcelamento das atividades laborais, realizadas na manufatura, ocorreu um processo de estranhamento, entre os trabalhadores e as mercadorias por eles produzidas (MARX, 1988). Esse processo de estranhamento é nomeado

de alienação. Na manufatura, entretanto, o trabalhador ainda possuía certa autonomia, em relação às atividades que estava desempenhando, pois a ferramenta era utilizada para auxiliá-lo na produção, e não substituí-lo. “Na manufatura, o trabalho é desenvolvido pelo esforço humano, as operações são manuais e dependem da habilidade, rapidez, segurança e destreza individual dos trabalhadores” (PIRES, 1998, p. 31). Assim, no trabalho desenvolvido pela manufatura, o capital ainda dependia da habilidade manual do operário.

Durante o século XVIII, na Inglaterra, emergiu um intenso processo de transformação nos processos produtivos, intitulado de 1ª Revolução Industrial. “A Revolução Industrial assinala a mais radical transformação da vida humana já registrada em documentos escritos” (HOBSBAWM, 1983, p. 13). Nesse momento histórico, acentuou-se a divisão entre a classe trabalhadora e os proprietários dos meios de produção.

O período da 1ª Revolução Industrial corresponde ao momento de consolidação do capitalismo industrial, principalmente na Inglaterra. O trabalho manufatureiro fora substituído pela criação da máquina a vapor, pelo tear mecânico, pelas estradas de ferro e pelo surgimento das fábricas. “Ainda que a indústria seja a forma através da qual a sociedade apropria-se da natureza e transforma-a, a industrialização é um processo mais amplo, que marca a chamada Idade Contemporânea, e que se caracteriza pelo predomínio da atividade industrial sobre as outras atividades econômicas” (SPOSITO, 2000, p. 43). A I Revolução Industrial foi mais do que uma simples causa dessas invenções, do tear mecânico, da estrada de ferro etc. Contrapondo-se a isso, essas inovações são consequências das mutações que estavam ocorrendo nos processos de produção industrial, desde o trabalho manufaturado, visando a realização do capital.

“A máquina, por meio de uma força externa, faz com suas próprias ferramentas, o que o homem fazia com suas ferramentas manuais” (PIRES, 1998, p. 31). Assim, a industrialização e as inovações de maquinarias, reduziram os custos de produção, aumentaram a produtividade e substituíram a mão-

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de-obra, ocasionando um crescente desemprego e uma exacerbada exploração dos trabalhadores, entre eles, o trabalho feminino e o infantil.

Por intermédio da perspectiva social e econômica liberal, os processos de produção continuaram sendo modificados. A produção realizada pelo maquinário a vapor – na 1ª Revolução Industrial, e pelo petróleo e pela eletricidade - durante a II Revolução Industrial, foram submetendo os trabalhadores à máquina. A II Revolução Industrial teve como características, o desenvolvimento dos setores de transportes, comunicação, produção em série e, principalmente, a utilização do aço e de novas formas de energia (petróleo e eletricidade), gerando a concentração de capital e favorecendo a transição do capitalismo concorrencial ao monopolista. Esses novos protótipos de produções industriais, ocasionados pela I e II Revoluções Industriais, desencadearam o acirramento da divisão social do trabalho. Nessa época, a classe trabalhadora era destituída de direitos trabalhistas e as condições de trabalho eram precárias.

No modo de produção capitalista, os detentores dos meios de produção exerciam (exercem) a hegemonia absoluta sobre as forças produtivas (meios de produção e força de trabalho), apropriando-se com exclusividade dos excedentes gerados (mais-valia) na atividade econômica. Os proprietários dos meios de produção exploram os trabalhadores pela obtenção da mais-valia, gerando a concentração de riquezas. Essa concentração de capital e do trabalho socialmente produzido resultou em tensões e lutas sociais, especialmente a luta de classes, processo analisado no livro “O Capital” (MARX, 1988).

O trabalho produzido pela classe trabalhadora era (é) apropriado pelos capitalistas e, na medida em que a força de trabalho é algo passível de compra, ela passa também a ser considerada uma mercadoria. Nesse processo, o valor da força de trabalho é determinado pelo tempo de duração destinado à produção e à reprodução das mercadorias. Essa relação entre a compra e venda da mão-de-obra é considerada uma relação social e desencadeia a questão social. A questão social pode ser apreendida,

como o conflito suscitado entre o capital (proprietários dos meios de produção) e o trabalho (trabalhadores que vendem suas forças de trabalho em troca de um salário), bem como, as desigualdades geradas através dessa relação social, de compra e venda da força de trabalho (BULLA, 1992).

Os trabalhadores, ao disponibilizarem a sua mão-de-obra aos capitalistas, são explorados gerando a mais-valia, que perpetua a acumulação capitalista. A força de trabalho pode ser caracterizada como o conjunto das faculdades físicas e intelectuais do trabalhador que as vende à burguesia (SALAMA, 1975). Os proprietários dos meios de produção compram a força de trabalho do proletariado, em troca de salários. “[...] o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente da sua construção antes de transformá-la em realidade” (MARX, 1968, p. 202). A mão-de-obra é vendida como mercadoria pelos próprios trabalhadores. “Ao firmar o contrato salarial [...] os trabalhadores submetem-se ao empregador, que disporá da força de trabalho alienada” (CATTANI, 1996, p. 93). O valor desse salário é definido pela quantidade de horas trabalhadas pelos operários (jornada de trabalho).

Para os capitalistas, o processo produtivo possui um valor, pois lhes são úteis, gerando a mais-valia. Esta realiza-se, quando os trabalhadores consomem mercadorias adquiridas, por intermédio de seus valores de troca, com os seus salários. Ou seja, o salário dos operários que foi gasto em mercadorias, retorna aos capitalistas, que por sua vez, acumulam mais capitais, perpetuando o sistema (MARX, 1988). A mais-valia produzida pela classe operária é apropriada pelos capitalistas que sempre tentam aumentar os seus lucros, através da intensificação da produção que não é paga - através dos salários, aos trabalhadores. Para o aumento da mais-valia, da produtividade, os capitalistas usufruem de duas possibilidades. A primeira ocorre com a mais-valia absoluta, que se subdivide em outras duas alternativas: ampliação da duração da jornada de trabalho (horas trabalhadas); e a segunda pelo aumento da intensidade do trabalho, visando à produção máxima dos trabalhadores

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junto às máquinas (quase robóticos) durante a execução do trabalho (MARX, 1988). Entretanto, ambas sofrem limitações, a primeira se contrapõe à resistência física dos trabalhadores, que não teriam condições de trabalhar muitas horas consecutivas; na segunda, os operários não possuem condições de acompanhar o ritmo dos maquinários, quando muito acelerados.

A outra possibilidade de ampliação do acúmulo de capital é obtido pela mais-valia relativa, que é responsável por uma grande exacerbação da produtividade no trabalho. A mais-valia relativa é realizada a partir do uso intensivo de capital constante (maior investimento em compra de maquinários, do que em contratação da força de trabalho), ocasionando uma redução nos custos de produção e no tempo socialmente necessário para a fabricação de uma mercadoria, sem alterar o tempo de duração na jornada de trabalho (MARX, 1988). É nesse processo de intensificação da mais-valia relativa, que se reduz o tempo socialmente necessário à produção de mercadorias, que geram acumulação de capital. Assim, as máquinas aumentam a produção reduzindo a quantidade de trabalhadores contratados.

A redução da contratação de mão-de-obra suscita o desemprego. O desemprego pode ser para os proprietários dos meios de produção, uma vantagem, pois se cria um exército de reserva (muita oferta de força de trabalho) a disposição dos capitalistas, que podem escolher a mão-de-obra, de acordo com as suas necessidades de produção. Portanto, o progresso técnico reduziu a contratação da mão-de-obra. Mas se faz necessário o esclarecimento de que o desemprego é permanente no capitalismo, sendo que o investimento na mais-valia relativa só o acentua. O objetivo dos proprietários dos meios de produção é intensificar a acumulação de capital, permitindo-lhe competir com os demais capitalistas, mantendo-se no sistema e evitando a sua eliminação ou incorporação a outro capitalista e/ou grupo de maior porte. A lógica do capitalismo se sobrepõe ao processo técnico, esse último só complementa-o. O desemprego, longe de ser um fenômeno natural ou uma decorrência

pura e simples do progresso técnico é, na realidade, um fenômeno inerente ao sistema capitalista e das suas próprias contradições (MARX, 1988). Nesse trabalho, ressalta-se o significado econômico da mais-valia, pois essa acirra a desigualdade social.

Conforme Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895), pensadores do Socialismo Científico, somente existiriam sociedades mais justas e igualitárias, quando o sistema capitalista se esgotasse e fosse substituído por outro modo de produção, que superasse a contradição capitalista. Esse outro sistema produtivo, segundo esses autores, seria o socialismo. Neste, a propriedade privada e as classes sociais deveriam ser eliminadas, gerando a propriedade social dos meios de produção. Na sequência dessas transformações, entre os modos de produção, em seu último estágio, pregavam Marx e Engels, haveria a passagem do socialismo ao comunismo, eliminando assim, as classes sociais e o Estado Burguês.

Para Marx, a práxis “está presente como elemento fundamental de transformação da sociedade e da natureza pela ação dos homens” (GOHN, 2002, P. 176). A transformação do social por intermédio de atividades teóricas, conjuntamente com atividades políticas e/ou produtivas, constituem a práxis, que tem como base fundante o mundo do trabalho. Entretanto, para que ocorra a transformação por meio da práxis, é necessário que exista a consciência de classe. Essa consciência de classe, que Marx se refere, foi uma das condições necessárias à emergência dos movimentos sociais existentes no século XIX. As Internacionais Socialistas, organizadas pelo próprio Marx e Engels, se constituíram em movimentos de organização da classe operária. A Primeira Internacional, realizada em Londres (1824) e a Segunda Internacional em Paris (1889), fixou a data de 1º de maio como o Dia Internacional do Trabalho, em homenagem à mobilização realizada pelos grevistas em Chicago, no ano de 1886. Outros movimentos sociais emergiram no século XIX frente ao capitalismo, como forma de resistência dos trabalhadores diante do capital. No próximo subitem, serão problematizadas as transformações que ocorreram e estão ocorrendo no processo de produção e gestão que envolvem o sistema.

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2. As Transformações no Processo de Trabalho desenvolvidas nos Cenários dos Séculos XX e XXI

Os Séculos XX e XXI são cenários de acentuadas transformações no mundo do trabalho, com suas respectivas implicações sociais e econômicas. Para apresentar as novas transformações que estão ocorrendo nos processos de trabalho - que têm como finalidade a intensificação da acumulação capitalista, é necessário que se introduza, o contexto social e econômico existente no Século XX - cenário originário e que permeou essas transformações. O sistema capitalista, com a finalidade de expandir a acumulação de capital, promoveu a Segunda Revolução Industrial, manifestada, principalmente, pelo binômio Taylorismo/Fordismo. Esses dois modelos predominaram no processo de industrialização, tendo sua ascensão na segunda década do século XX. Suas caracterizações estão relacionadas à hierarquização das relações de trabalho, a homogeneização das mercadorias, a produção em massa e em série (ANTUNES, 2003).

Na indústria automobilística Taylorista e Fordista, foram considerados elementos centrais à produção, a racionalização das operações, o combate ao desperdício na produção (redução de tempo), o aumento do ritmo do trabalho e da intensificação das formas de exploração pelos capitalistas (ANTUNES, 2003). Taylor, fundador da gerência científica, começou sua carreira como operário numa fábrica. A partir de suas experiências, enquanto sujeito trabalhador, dedicou-se em observar e em estudar os tempos e movimentos realizados em cada tarefa e atividade da produção. “O ‘Taylorismo’ ou ‘administração científica do trabalho’ surge como uma nova cultura do trabalho na passagem do século XIX para o século XX, nos Estados Unidos, nação que começava a despontar como potência mundial” (DRUCK, 1999, p. 41).

Para o enfrentamento do capital em relação à dependência da habilidade manual da força de trabalho, Taylor estabeleceu os seguintes princípios: dissociação dos processos de produção das especialidades dos trabalhadores; separação do

trabalho de concepção e de execução; utilização do conhecimento, para controlar cada fase da produção e o seu modo de execução (HARVEY, 1999). Através da cisão entre o trabalho intelectual e o operacional, a gerência científica racionalizava a produção, estabelecendo rigidamente os modos e tempos de produção, bem como os rendimentos da força de trabalho, colocando os trabalhadores sobre uma estrutura hierárquica de produção, em que eles eram vigiados e controlados.

O Taylorismo caracterizou-se pelo controle do capital (com o objetivo de elevar a produtividade do trabalho) sobre processos de produção, nos quais o capital dependia ainda da habilidade do trabalhador. Esse controle era efetivado através dos tempos e movimentos do trabalhador. Após as inovações dos processos produtivos de Taylor, em 1913 Henry Ford, utilizando essas inovações, criou a linha de montagem (automobilismo) e o método de produção em massa (esteira), obtendo produtos padronizados (FLEURY; VARGAS, 1983). O Fordismo, que teve seu desenvolvimento hegemônico no período pós-guerra, pôde ser desenvolvido ao fundir-se com o Taylorismo.

O Fordismo caracteriza o que poderíamos chamar de socialização da proposta de Taylor, pois, enquanto este procurava administrar a forma de execução de cada tra-balho individual, o Fordismo realiza isso de forma cole-tiva, ou seja, a administração pelo capital da forma de execução das tarefas individuais se dá de uma forma coletiva, pela via da esteira (NETO, 1991, p. 36).

Ao contrário do Taylorismo, que se baseava no rendimento individual de cada trabalhador, no Fordismo, o controle dos tempos e dos movimentos era determinado pelo ritmo do funcionamento das maquinarias. Nesse modelo, eram as máquinas (esteiras) que levavam o trabalho até os operários, eliminando assim, os tempos mortos de produção. Com esse protótipo, que desenvolveu a mecanização associada e parcialmente automatizada, o controle sobre o trabalho não precisava mais ser realizado diretamente pelo gerente, mas sim, pelos maquinários (PIRES, 1998). O Fordismo constituiu-se no processo contínuo da produção que agregou a produtividade

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ao consumo, ou seja, sempre dispondo de estoque mínimo às mercadorias (Just-In-Case). Também pode ser considerado, o modelo de produtividade que separou rispidamente o trabalho de concepção e o de execução. Esse tipo de produção ocasionou a “expansão das unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril” (ANTUNES, 1995, p. 17).

O Fordismo criou as linhas de montagem, desqualificando, parcelando e desenvolvendo atividades laborais repetitivas, prejudiciais à saúde dos trabalhadores. Tanto o Taylorismo como o Fordismo, foram modelos produtivos degradantes das condições e relações de trabalho. A ruptura entre o trabalho de concepção e o de execução foram elementos preponderantes para a alienação dos operários diante do trabalho. Porém, não se deve confundir o Taylorismo com o Fordismo. O Taylorismo se caracterizou pela racionalização científica do trabalho, eliminando os tempos mortos de produção e pôde ser viabilizado em pequenas e médias empresas; enquanto que o Fordismo envolveu uma nova organização dos processos de trabalho, através de máquinas-ferramentas especializadas, mecanização e intensa divisão de atividades laborativas, sendo que foi desenvolvido em grandes empresas com produtos padronizados (CATTANI, 2000). Esses modelos contribuíram para a exploração da classe trabalhadora no século XX.

Paralelamente ao modelo de produção Taylorista/Fordista, também no período Pós-Guerra, emergiu o modelo de Estado designado como Welfare State nos países liberais. “O Estado é chamado para arbitrar o conflito entre o capital e o trabalho” (SCHONS, 1999, p. 119). Esse modelo de Estado contribuiu para o Boom Econômico até o final da década de 1960 e “é entendido como a mobilização em larga escala do aparelho do Estado em uma sociedade capitalista, a fim de executar medidas orientadas diretamente ao bem-estar de sua população” (MEDEIROS, 2001, p. 6). O Welfare State interviu no planejamento econômico, montando esquemas de transferências sociais e de distribuição de bens e serviços. Nesse período

de vigência do Welfare State e com os modelos de produção Fordistas e Tayloristas, ocorreu a massificação da classe operária, conjuntamente com a precarização das condições e relações de trabalho, fazendo com que eclodissem movimentos reivindicatórios e questionadores desses métodos de produção. Essas manifestações foram concebidas por meio de greves, boicotes e resistência ao trabalho despótico e verticalizado, oriundo do Taylorismo/Fordismo (ANTUNES, 2003).

Outros elementos, além das manifestações operárias, que constituíram a crise desses modelos produtivos foram: a queda dos ganhos de produtividade pelo capital; a abertura à concorrência internacional, caracterizada pelo processo de globalização; a flexibilização do capital; a desterritorialização e a crise do Welfare State (COCCO, 2001). A crise do Welfare State, modelo de Estado que regulava o capital e reproduzia a força de trabalho, efetivou-se pela retirada das coberturas sociais públicas e pelo corte nos direitos sociais, num processo de ajuste do Estado que visa à diminuição dos ônus do capital e do déficit público, na esquematização da reprodução da força de trabalho e das condições para a perpetuação da acumulação capitalista (NETTO, 1996). O Estado mínimo proposto pelas políticas neoliberais propõe a retirada do Estado, junto aos bens e serviços sociais públicos e não em relação ao financiamento do capital.

Nesses contextos sociais e econômicos, os governos dos Estados de capitalismo avançado, liderados por Margaret Tatcher na Inglaterra, em 1979, e Ronald Reagan nos Estados Unidos, em 1980, implementaram uma política econômica e social embasados no aporte teórico neoliberal. Essa política econômica e social tem como medidas: o enxugamento e a redução das responsabilidades dos Estados diante das sociedades; o fortalecimento da liberdade de mercado; as privatizações de instituições e organismos estatais; a redução e a extinção do capital produtivo estatal; o desenvolvimento de uma legislação “desregulamentadora” das relações de trabalho e “flexibilizadora” dos direitos sociais; o enfraquecimento dos movimentos sindicais etc (ANTUNES, 2003).

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Outro elemento preponderante que constituiu a crise do Taylorismo e Fordismo foi o processo de globalização do capitalismo. A globalização, intensificada durante a década de 1990, é constituída pela: mundialização dos mercados; dinamização do mercado mundial; acumulação flexível; liderança econômica dos grandes bancos e empresas oligopólicas; revolução tecnológica; implementação do referencial teórico neoliberal nas políticas econômicas e sociais; subordinação dos países periféricos aos de capitalismo avançado (ANTUNES, 2003). Na mundialização do capital, os países periféricos são subordinados às instituições financeiras dos países de economia avançada, não possuindo condições de competir em condições de igualdade nos mercados internacionais.

Juntamente com a globalização, outro fenômeno emergiu no término do século XX, o processo de desterritorialização. Este é caracterizado pela mobilidade do capital e consequentemente dos trabalhadores, em escala mundial (IANNI, 1999). O trabalhador migra conforme os movimentos do capital, e este, por meio das transnacionais e/ou multinacionais, direciona-se conforme os seus interesses de aumento na reprodução e acumulação de capital.

A crise dos modelos de produção que vigoraram no Século XX e do Welfare State, o advento do neoliberalismo, a infiltração do capital nos países tidos como socialistas, a expansão da globalização, juntamente com o processo de desterritorialização, são elementos que integraram o cenário do Século XX. Diante dessas circunstâncias, iniciou-se um processo de reorganização do próprio capital, com seu sistema ideológico e político de dominação, resultando num acentuado processo de reestruturação da produção e do trabalho (ANTUNES, 2003). O término do século XX e o limiar do século XXI são marcados por uma profunda transformação do mundo do trabalho e seus processos produtivos.

Essa transição do Taylorismo/Fordismo ao Toyotismo também é expressa pela passagem da máquina-ferramenta, ao sistema de máquinas auto-reguladas, em que “a máquina se vigia e se regula a si mesma” (IANNI, 1999, p. 18). Com a

Terceira Revolução Industrial, intensificam-se as mais-valias relativas, que são responsáveis por um grande aumento da produtividade nos processos de trabalho. Com a revolução tecnológica, “o homem deve exercer na automação funções mais abstratas e intelectuais” (IANNI, 1999, p. 19), fazendo com que o mercado requisite constantemente um profissional mais qualificado e polivalente. Com os novos processos tecnológicos - mecanização, automação e robótica -, o capital não gera mais uma significativa quantidade de emprego, a ponto de absorver a força de trabalho disponível, pois as inovações tecnológicas intensificam a produção e racionalizam os processos produtivos.

O processo de reestruturação do capital, juntamente com o neoliberalismo, vem apresentando no aspecto econômico, porém, limitações, que estão sendo materializadas pelas crises que ocorreram nos Tigres Asiáticos (1997-1999), no México (1994-1995), na Argentina (2001-2002), e, mais recentemente, nos Estados Unidos da América, desencadeando a crise mundial em 2008 e 2009. A recessão norte-americana que está ocasionando a crise mundial possui sua origem vinculada à crise das hipotecas dos EUA, desde agosto de 2007, alastrou-se rapidamente por todo o setor financeiro da economia norte-americana e do mundo - mundialização do capital. Esse mecanismo permitiu a expansão do consumo nos EUA e no desenvolvimento da economia chinesa, entre outros aspectos.

Ainda não se tem conhecimento de quais serão as consequências futuras dessa crise, porém, sabe-se que ela não é equivalente a de 1929, que desencadeou a depressão econômica generalizada (FACHIN, 2008). O que está ocorrendo constitui-se numa recessão materializada pela redução na taxa de crescimento econômico, que gera desempregos, entre outros elementos. O que se sabe, entretanto, com a atual recessão mundial - advinda da crise norte-americana -, é que o protótipo neoliberal respaldado na autorregulação do mercado, na liberalização e expansão da economia em escala mundial e na não intervenção estatal nas relações comerciais, vem demonstrando sinais sérios de esgotamento,

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principalmente nos EUA, no Japão e na Europa Ocidental - que possui como moeda o Euro.

Na América Latina, diante desse cenário mundial, o trabalho informal constitui-se num dos elementos que contribui para a sobrevivência dos sujeitos que estão exclusos do mercado formal de trabalho (CATTANI, 2003). Já no Brasil 32,6% dos municípios possuem mais da metade de sua população vivendo na pobreza, e a Região Nordeste possui a realidade mais alarmante, totalizando 77,1% dos municípios nessas condições.

Salienta-se ainda que, além das velhas formas estocadas de exclusão social nos países periféricos - entre eles os países latino-americanos -, designada de “velha pobreza”, representada pelos pobres, miseráveis, mendigos, pedintes, indigentes subnutridos e minorias sociais (idosos, deficientes, mulheres, negros, índios), com a Reestruturação do Capital ou III Revolução Industrial, surge tanto nos países centrais, como também nos periféricos - emergentes -, outra forma de exclusão social, nomeada de “nova pobreza” (REIS, 2002). Essas novas exclusões sociais, que atingem tanto os países periféricos como os centrais, são originárias do desemprego estrutural e de suas manifestações, compreendidas como exclusão de bens e serviços, do mercado formal de trabalho, da terra, da segurança, dos direitos humanos (REIS, 2002).

Segundo os dados coletados pela PED-IBGE (Pesquisa de emprego e desemprego) entre os anos de 2002 e 2008, houve uma redução na taxa de desemprego total em todas as capitais pesquisadas, e em Belo Horizonte, chegou a diminuir 11%. Em Porto Alegre, teve uma redução de 4,7%, pois a região metropolitana de Porto Alegre, em outubro de 2008, possuía 10,6% de sua população economicamente ativa desempregada (dados para outubro de 2008). Na região metropolitana de São Paulo, os índices de desemprego correspondiam a 12,5% (outubro de 2008); na região metropolitana de Belo Horizonte, a 9,0% (outubro de 2008); na região metropolitana de Recife, a 18,9% (outubro de 2008); no Distrito Federal, a 16,0% (outubro de 2008) e, na região metropolitana de Salvador ainda há o maior índice de desemprego, em torno

de 20,4% (outubro de 2008) (ATLAS..., 2009). Já em relação à taxa de crescimento econômico no Brasil, ocorreu uma redução maior do que 3% entre os anos de 2007 e 2008. Em 2007, houve um crescimento de 7,0%, e, em 2008, com a crise mundial, o crescimento no Brasil reduziu para 3,8%.

Outra característica fundamental que se atribui ao trabalho feminino é que, para a inserção da mulher no mercado formal de trabalho, faz-se necessário um nível de qualificação, que comumente é superior ao masculino, devido à desigualdade de gênero nas relações de (re) produção social e econômica. Mesmo com o fato das mulheres brasileiras terem em média um ano a mais de escolaridade que os homens, as mesmas recebem salários inferiores a eles mesmos (CAMPUS, 2008). Uma trabalhadora que possui escolaridade entre 8 e 10 anos, recebe valor semelhante ao de um trabalhador que estudou no máximo 3. Além do aspecto cultural, outro motivo que possivelmente desencadeie essa diferença salarial pode ser explicado pelo fato de os homens possuírem uma maior taxa de abandono e defasagem escolar maior do que as mulheres, e por entrarem em média com menos idade do que as mulheres no mercado de trabalho (CAMPUS, 2008).

Frente a essa realidade de desemprego tanto feminino como também o masculino, constata-se que estão sendo prospectadas novas formas ou possibilidades de geração de trabalho e renda, com vistas a incluir os sujeitos – especialmente os menos qualificados - no sistema, possibilitando uma melhoria nas suas condições de vida e consequentemente de seus familiares. Para isso, estão sendo pensados novos protótipos de desenvolvimento (DE PAULA, 2001) que podem ser observados sob o aspecto de que o desenvolvimento social significa desenvolvimento não-desigual e que visa à inclusão social de todos os sujeitos.

Considerações Finais

Neste artigo pretendeu-se esclarecer o modo de produção capitalista e seus processos de trabalho, durante as três Revoluções Industriais. No sistema capitalista, os proprietários dos meios de produção,

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sempre visam intensificar a acumulação de capital, seja através da mais-valia absoluta, ou por meio da mais-valia relativa, reduzindo os custos de produção e aumentando a sua produtividade. O processo de acumulação e centralização de capital é inerente a esse sistema, pois deles dependem, a permanência de qualquer empreendimento no mercado, evitando sua eliminação e/ou incorporação a outro capitalista de maior porte.

Nesse sentido, este estudo propõe-se a desencadear algumas reflexões, a estudantes ou profissionais que trabalham com a questão social e suas manifestações, para serem objeto de prospecções sobre a realidade social e econômica. Diante das transformações que estão ocorrendo no processo de trabalho, o que será proposto aos

trabalhadores sobrantes - desnecessários ao capital, que não conseguirão mais serem absorvidos pelo sistema? Será que emergirá alguma alternativa viável ao crescente desemprego? Será que não está no momento da sociedade como um todo, bem como, profissionais, refletirem seriamente sobre as “novas armadilhas” do capital? Ou será que, ao criar alternativas para atenuar as manifestações da questão social, não se está novamente deixando de prospectar mudanças, que realmente transformem a realidade, reduzindo a desigualdade social e econômica, assim como a exploração capitalista? E por último, será que a criação de alternativas de geração de trabalho e renda, além de serem fruto das próprias contradições do capital, não se constituem também, como uma forma de alienação?

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Crise Ambiental e Desenvolvimento Sustentável: a nanotecnologia como uma das soluções de longo prazo

Environmental Crisis and Sustainable Development: the nanotechnology as one of the long run solutions

Marcia Regina Gabardo da Camara1

Rafael Borim de Souza2

Resumo

O artigo discute os determinantes da crise ambiental e possíveis soluções, a partir da emergência de uma nova realidade internacional e organizacional, amparada por um paradigma de sustentabilidade ambiental e social. O objetivo do artigo é o de analisar o comportamento organizacional que desencadeou a crise ambiental e a reflexão sobre as soluções não imediatistas que permitiriam uma produção sustentável e suas consequências. A pesquisa é de natureza qualitativa, exploratória, bibliográfica e documental. Foi realizado um levantamento teórico-metodológico a partir do paradigma de sustentabilidade e convergências tecnológicas. Apresentou-se, também, como exemplificação, o movimento nanotecnológico do continente europeu, possibilitado pela análise do documento: European activities in the field of ethical, legal and social aspects (ELSA) and governance of nanotechnology, cuja primeira versão foi disponibilizada em outubro de 2008, pela European Comission, DG Research, Unit “Nano and Converging Sciences and Technologies”. A disseminação das nanotecnologias, coordenadas por uma governança multilateral global responsável por institucionalizar e legitimar valores sociais e ambientais necessários em tais convergências tecnológicas, é apresentada como uma das possíveis soluções para a problemática ambiental.

Palavras-chave: Nanotecnologia; Sustentabilidade e Governança Multilateral.

Abstract

This article discusses the determinants of environmental crisis and its possible solutions which come from the emergence of a new international and organizational reality structured in a sustainable paradigm. The objective of this qualitative, exploratory, bibliographic and documental research was to analyze the organizational behavior that resulted in the environmental crisis and its consequences. A survey on theories and methodologies that deals with sustainable paradigm and technologic convergences was carried out. It was presented, for instance, the European movement on nanotechnology, through the following document: European activities in the field of ethical, legal, and social aspects (ELSA) and governance of nanotechnology, which first version was published in October 2008, by the European Commission, DG Research, Unit ‘Nano and Converging Sciences and Technologies’. One of the solutions for the environmental problem is the dissemination of the nanotechnologies,

1 Professora Associada da Universidade Estadual de Londrina - UEL, Brasil. Desenvolve estudos e tem experiência em Economia, com ênfase em Organização Industrial e Estudos Industriais.Possui doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, Brasil, mestrado em Economia pela mesma instituição, e graduação em em Economia pela Universidade de Brasília - UnB, Brasil. Contato: [email protected]

2 Discente do curso de Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Estadual de Londrina e Universidade Estadual de Maringá, consorciadas - PPA/UEM-UEL, Brasil.Possui especialização em Controladoria e Finanças pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR, Brasil, e especialização em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro - FGV-RJ, Brasil, ambas nível latu sensu. Bacharelado em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR, Brasil. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 27/06/2010 - Aprovado em 18/12/2010

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coordinated by a global governance, which is responsible for institutionalize social and environmental values needed in these technologic convergence.

Key words: Nanotechnology; Sustainability and Multilateral Governance

Introdução

A solução da crise ambiental passa por um amplo debate internacional. Pesquisadores das mais diversas áreas têm destacado a importância da criação de um órgão internacional multidisciplinar, através de um grupo consultivo constituído por membros de diversos países, que possua a capacidade e a legitimidade para estabelecer em nível global, um sistema de governança multilateral como resposta institucional à crise ambiental. É nesse contexto também que surgem propostas focando às convergências tecnológicas e à necessidade de avaliação dos impactos transformativos oriundos das novas tecnologias. O estabelecimento de um conceito avançado de desenvolvimento responsável deve abranger critérios como: avaliação de saúde, segurança e ética, engajamento de atores internacionais quanto a parcerias, e instigação de um comprometimento social, pautado por planejamentos e investimentos interessados em fatores de longo prazo.

As convergências da nanotecnologia, biologia, revolução digital e ciências cognitivas, por exemplo, promovem o desenvolvimento de inovações construtivas e transformadoras à concepção de novos produtos e serviços, oportunidades de melhores condições de desenvolvimento ao potencial humano e conquistas sociais necessárias, que, com o tempo, remodelarão os relacionamentos estruturais e institucionais até então vivenciados. Para tanto, a participação de todos os sujeitos sociais influenciados por essas novas tecnologias, a transparência das estratégias dessa governança, e a responsabilidade específica de cada stakeholder precisam efetivar-se plenamente. A nova realidade é promotora de uma emancipação social, caracterizada, principalmente, pela legitimação urgente do paradigma de sustentabilidade, o qual retira os ferramentais decisórios de uma unilateralidade e os insere em um multilateralismo interdisciplinar.

O artigo levanta o problema que alimenta o debate sobre produção sustentável nos meios acadêmicos e empresariais: a crise ambiental derivada da ação humana e empresarial. A questão de pesquisa que o estudo busca responder é: há soluções para a crise ambiental? O objetivo do trabalho é analisar os comportamentos organizacionais que desencadearam a crise ambiental e refletir sobre as soluções não imediatistas que permitiriam uma produção sustentável.

O trabalho está estruturado em cinco capítulos: introdução, metodologia, a crise do meio ambiente e o contexto de ascensão de um paradigma pautado por valores de sustentabilidade social e ambiental, a convergência tecnológica como fenômeno exigente de uma governança multilateral e global sobre os anseios do paradigma de sustentabilidade: a nanotecnologia na Europa, e considerações finais.

1. Metodologia

A abordagem do problema aconteceu de maneira qualitativa, por ser uma forma adequada de entender a natureza de um fenômeno social. O objetivo foi analisado pelo ponto de vista exploratório, uma vez que se orienta por conhecer as características de um fenômeno, para procurar, em um momento posterior, explicações de suas causas e consequências. Em relação às estratégias de pesquisas abordadas, o estudo classifica-se como bibliográfico, uma vez que busca conhecer, analisar e explicar contribuições sobre o tema abordado, e documental, por utilizar documentos como fonte de dados, informações e evidências (RICHARDSON, 2008; MARTINS; THEÓPHILO, 2007).

Três possíveis soluções de longo prazo à problemática ambiental são apresentadas: os programas de responsabilidade social adotados por organizações com poder de atuação local, regional, nacional e internacional (CLAPP, 2005); a reforma

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ecológica (BORINELLI, 2007); e o desenvolvimento oriundo do movimento de convergências tecnológicas exemplificado pelas nanotecnologias (MARTINS, 2005). O artigo aborda as diferentes soluções e concentra-se na última proposição.

O levantamento teórico-metodológico é realizado a partir do paradigma de sustentabilidade e convergências tecnológicas. Apresenta-se, também, como exemplificação, o movimento nanotecnológico do continente europeu, possibilitado pela análise do documento: European activities in the field of ethical, legal and social aspects (ELSA) and governance of nanotechnology, elaborado pela Dra. Angela Huffman, cuja primeira versão foi disponibilizada em outubro de 2008 pela European Comission, DG Research, Unit “Nano and Converging Sciences and Technologies”.

A análise do documento permite verificar que o financiamento das atividades de pesquisas acontece através de programas sistêmicos (framework programme - FP) com períodos de duração pré-determinados. No documento mencionado, são apresentados 2 projetos referentes ao 5º FP (1998-2002); 20 projetos referentes ao 6º FP (2002-2006), e 5 projetos referentes ao 7º FP (2007-2008) (HULLMANN, 2008).

A essência dos programas são as pesquisas tecnológicas e científicas, mas há a presença de projetos interessados em evidenciar os aspectos éticos, legais e sociais dessas atividades européias, tais como os: Science and Society, The New Emerging Science and Technology e Citizens and Governance, os quais pertencem ao 6º FP e serão apresentados com maiores detalhes no capítulo quatro, deste trabalho.

2. A crise do meio ambiente e o contexto de ascensão de um paradigma pautado por valores de sustentabilidade social e ambiental

Em um momento de questionamento sobre as estruturas mundiais, as relações de poder estão ameaçadas e as empresas líderes nos mercados globais podem ter seu posicionamento questionado,

mediante determinadas atitudes mercadológicas, tomadas no intuito único de incrementarem seus lucros, sem estarem preocupadas com as respectivas consequências sociais e ambientais de tais decisões. A legitimação dos lucros empresariais por uma aceitação social e comunitária, portanto, passa a ser imprescindível.

A ação de tais agentes sociais incorre em consequências ambientais, estas nem sempre agradáveis. A análise da problemática ambiental se dá por uma diversidade de abordagens, as quais se mostram distintas em alguns pontos e convergentes em outros. Nesse sentido, adota-se a via interpretativa das ciências sociais.

Zioni (2005, p.39) destaca que “para discutir a relação entre as ciências sociais e o meio ambiente, é fundamental uma reflexão sobre o cenário em que essas questões emergiram: a modernidade”. O ambiente tem sofrido os impactos das ações capitalistas; no caso específico das revoluções industriais, caracterizaram-se pela exploração do solo e da mão-de-obra, gerando inúmeros resíduos sólidos, líquidos e gasosos que se intensificaram no século XX.

A modernidade trouxe gradativamente uma exigência de sociabilidade do homem para com o meio e vice-e-versa. Os mecanismos de produção desenvolvidos, ao serem analisados de maneira isolada, pouco emancipam a sociedade atual das comunidades antigas, porém se aliados aos acontecimentos ambientais, permitirão constatar a emergência de uma nova representação simbólica do mundo por inéditas relações de poder.

As ocorrências históricas, os acontecimentos sociais e o desenvolvimento econômico permitem a construção na modernidade de uma nova representatividade da vida social. A sequência de movimentações econômicas é caracterizada como o próprio desenvolvimento, que, segundo Coimbra (2002, p.51), é:

um progresso contínuo e progressivo, gerado na co-munidade e por ela assumido, que leva as populações a um crescimento global e harmonizado de todos os setores da sociedade, através do aproveitamento dos seus diferentes valores e potencialidades, em modo a

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produzir e distribuir os bens e serviços necessários a satisfação das necessidades individuais e coletivas do ser humano, por meio de um aprimoramento técnico e cultural, e com menor impacto ambiental possível.

Ao longo da historicidade econômica, não foram promovidas metodologias de desenvolvimento aplicáveis a todas as sociedades e ao meio ambiente, pois pequeno foi o interesse em preservar os recursos e energias não renováveis para as futuras gerações, através de seu uso racional. Surgiram inúmeras explicações para justificar a escassez de atitudes favoráveis ao ambiente nos meios governamentais e organizacionais; mas o debate contribuiu para o desenvolvimento científico, econômico e social.

Segundo Montibeller (2007, p.57), as teorias do desenvolvimento são “o conjunto de formulações que visam compreender e modificar a realidade pelo exame dos mecanismos, segundo os quais, os fenômenos sociais inter-relacionam-se, dos elementos principais que respondem pela evolução da economia e das tendências seculares”. Mas o desenvolvimento econômico pode ocorrer em diferentes ambientes institucionais, por meio de atividades produtivas, negociações virtuais, redes de relacionamento, cadeias de suprimento, entre outros.

Nesse contexto, a instituição se apresenta como protetora da propriedade privada ao incentivar investimentos que apreciem decisões democráticas capazes de disponibilizar socialmente os benefícios oriundos de tais negociações. Para Montibeller (2007), o desenvolvimento adequado e a qualificação institucional são condições necessárias, mas insuficientes para sanar os problemas sociais e ambientais em toda sua contingência.

Muitos são os fatores inerentes a uma concepção solucionadora de inúmeras patologias sociais e ambientais provenientes de mecanismos de desenvolvimento econômico. Através da concepção capitalista da economia, a sociedade e o meio ambiente estão imersos em uma rede entrelaçada de custos privados e sociais; os custos ambientais em particular, pelas situações de poluição, e incremento da produção diferenciam os custos privados dos custos sociais. Todavia a importância dos últimos, em grande maioria dos estudos, é relegada a um segundo plano

na engenharia econômica das organizações que buscam a minimização de seus custos privados.

A insuficiência dos instrumentos estatais de combate e a busca incessante de lucros pelo setor privado oneram a sociedade e agravam as questões ambientais. É necessário, portanto, discutir novos modelos, normas e valores, que vislumbrem a melhoria na qualidade de vida das populações.

O modelo capitalista é o “representante legítimo e universal da racionalidade, cuja proposta era libertar o homem do reino das necessidades pelo uso científico dos recursos naturais e econômicos do planeta, pela adaptação do conhecimento científico à produção, processos que criariam riquezas incessantemente” (ZIONI, 2005, p.41).

O desenvolvimento capitalista contribui para o incremento da inovação e do desempenho tecnológico, entretanto, os índices de desenvolvimento humano e de qualidade de vida não acompanham o fator econômico. Segundo Montibeller (2007), o crescimento capitalista instiga a degradação, a poluição e o esgotamento de bens ambientais e, quando da retração das atividades econômicas, as questões ambientais são desprezadas por implicarem custos adicionais.

De acordo com Brunacci e Philip Jr. (2005), a era de conquistar o desenvolvimento econômico sem qualquer restrição e às custas de prejuízos ambientais já não permanece, entretanto, persistem em algumas ideologias empresariais. Há de se compreender a insuficiência de fatores naturais, dos quais, depende a sobrevivência social do planeta. É, ainda mais importante, necessário reconhecer que, após a geração presente, outras virão e também habitarão neste mesmo território.

Segundo Diaz (2002) é iminente a precisão de romper definitivamente com a filosofia do crescimento ilimitado, uma vez que, o desenvolvimento insustentável apresentará seu limite de esgotamento em tempos breves caso as tendências sociais e econômicas não sejam transformadas em prol do bem estar da população mundial.

Logo, mediante os “impasses gerados por essa conjuntura social, faz-se extremamente urgente uma rediscussão sobre normas, valores, orientações culturais

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e formas de conhecimento em todas as sociedades. A crise ambiental é, com certeza, a maior razão para que isso ocorra com amplitude e profundidade” (ZIONI, 2005, p.56).

Uma nova interpretação sobre o funcionamento econômico no mundo é necessária. Mesmo que algumas ações voluntárias ocorram por empresas e governantes, ainda sim são insatisfatórias, pois é reconhecida a capacidade econômica das nações de apresentarem, conforme Montibeller (2007), um comportamento menos agressivo à natureza somente quando pressionadas por externalidades com poder de regulação.

Meio ambiente e economia entrelaçam-se no campo teórico e econômico. Há uma série de denominações tais como economia ambiental, economia ecológica, economia humana, em que cada uma representa uma abordagem explicativa do problema. Todavia, o que mais interessa é a dimensão econômica associada às questões ambientais, por ser situação fundamental na formulação de diretrizes de atuação do governo, das empresas e dos cidadãos para a própria compreensão dos fatos e das relações sociais, culturais e políticas (CALDERONI, 2004).

O paradigma da sustentabilidade, então, emerge entendido como aquele que

expressa hoje o desejo de quase todas as sociedades, em qualquer parte do mundo, por uma situação em que o econômico, o social e o ambiental sejam tomados de maneira equânime. Então, não basta apenas haver cres-cimento econômico, avanço tecnológico e as instituições; e, sim, pensar na revolução tecnológica e no arcabouço institucional objetivando o bem-estar social com a ampli-tude a este inerente (MONTIBELLER, 2007, p.59).

Observa-se a ocorrência de um crescimento econômico pautado por características de sustentabilidade, logo, o vocábulo ‘sustentável’, em palavras de Brunacci e Philip Jr. (2005, p.274), ao qualificar o tipo de desenvolvimento que se deseja “deve ser aplicado à realidade ambiental do presente”.

Dentro desse aparato interpretativo, as mudanças institucionais tornam-se necessárias, uma vez que as instituições precisam ser eficientes no atendimento pleno dos anseios originados em

diferentes tempos. A iminência de tais transformações faz notória a insustentabilidade do antigo paradigma desenvolvimentista. Por essa evolução da importância da questão ambiental através da economia, vislumbram-se as decisões políticas e econômicas sendo alinhadas a preceitos sustentáveis.

Os interesses econômicos coincidem com os ecológicos em um quadro de desenvolvimento sustentável que foca o longo prazo, pois os recursos são limitados e esgotáveis. Entretanto, no paradigma anterior os cálculos eram fundamentados na minimização dos custos privados e na ótica neoclássica da economia que até recentemente não inseriam os custos e benefícios sociais nas contas capitalistas.

Os institucionalistas integram as discussões econômicas e ambientais, ao adicionarem custos e benefícios sociais à análise econômica das organizações (EHLERS, 2007; NORTH, 1990). Porém, a essência da sustentabilidade tem de ser compreendida, no intuito de evitar falsas interpretações a ações não condizentes com valores éticos, ambientais e representativos de uma responsabilidade social corporativa.

Segundo Brunacci e Philip Jr.(2005, p.268), há “a possibilidade de um entendimento pragmático e imediatista que conduz ao risco de se implantar um programa de sustentabilidade do desenvolvimento como sutil desdobramento de uma política moldada por um sistema capitalista ainda conservador e predatório”. Assim, iniciativas que envolvam políticas, instituições, tratados ou acordos internacionais, interessados na problemática ambiental e abordagem sustentável, devem ser capazes de transpor as barreiras físicas no intuito de se obter uma maior eficácia na resolução de calamidades.

Flora, fauna, microorganismos, atmosfera, solo, água e formas geológicas formam os ecossistemas. Os componentes se ligam mediante cadeias alimentares, ciclos minerais e hidrológicos e pela circulação de energia. Há um equilíbrio dinâmico que pode ser alterado com o uso intensivo e desordenado dos elementos e a deposição de resíduos. A intervenção humana e a produção capitalista, em particular, modificaram os sistemas produtivos, os conhecimentos científicos e tecnológicos (BORINELLI, 2007).

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A resposta ao uso desordenado dos recursos naturais e a crescente demanda por energia tem de ocorrer por uma ótica capaz de abranger as diferenças e especificidades entre as nações, de maneira que, uma intervenção em favor da humanidade e do meio ambiente seja aceita como verdade, e, conseqüentemente, como um apoio ao acontecimento do desenvolvimento sustentável. Os vieses ambientais não são de responsabilidade exclusiva das nações, das empresas e da humanidade, mas de todos os que habitam e agem intensivamente sobre o planeta Terra.

Como afirmou MacNeill e outros autores (1992, p.16) “o mundo avançou agora da interdependência econômica para a interdependência ecológica – e até, para além desta, para um entrelaçamento entre ambas”.

Tanto é verdade que, “o sistema climático global possui um alto grau de inércia e cria uma grande defasagem entre as alterações nas emissões e as consequências sobre os sistemas naturais, o que significa que, quando se descobre que uma catástrofe vai acontecer, talvez seja tarde demais para evitá-la” (LA TORRE; FAJNZYLBER; NASH, 2009, p.20). Questões ambientais, tal como a mudança climática, incorporarão custos significativos à humanidade e aos ecossistemas. A amenização desses efeitos pode ocorrer através de possíveis ações globais solucionadoras, pois iniciativas individuais serão muito limitadas, implementadas com grande atraso, e realizadas por países e organizações inadequadas. Nesse sentido, quais seriam as possíveis soluções à crise ambiental?

Zioni (2005) aponta o novo paradigma de sustentabilidade para a solução dos problemas e desequilíbrios evidenciados, o qual deve partir da crítica do conhecimento existente, e evoluir do monoculturalismo ao multiculturalismo de tal forma que o domínio global da ciência moderna não possa silenciar os outros saberes, e assim, emancipe-se um conhecimento que consiga discernir a objetividade da neutralidade.

Por esse contexto, a reforma ecológica torna-se uma solução viável e equacionadora do problema da degradação ambiental (GIDDENS apud BORINELLI, 2007, p.7). Uma segunda solução está nos programas de responsabilidade social adotados por

organizações com poder de atuação local, regional, nacional e internacional (CLAPP, 2005). E uma terceira vertente solucionadora pode advir das transformações geradas pelas nanociências, nanobiotecnologias e nanotecnologias, em geral (MARTINS, 2005).

3. A convergência tecnológica como fenômeno exigente de uma governança multilateral e global sobre os anseios do paradigma de sustentabilidade: a nanotecnologia na Europa

Convergência tecnológica caracteriza, segundo Sáenz e Souza-Paula (2008), o moderno processo de avanço do conhecimento e inovação já estabelecido em um elevado nível de complexidade, o qual, não permite a separação entre o teor científico e técnico pela prerrogativa intensa de inserir nas discussões as relações dialéticas entre ciência, tecnologia e sociedade.

A interação temática é imprescindível, pois a partir das novas tecnologias surgem implicações sociais a serem analisadas por um processo criterioso, através de metas estabelecidas, ao vislumbrar os benefícios sociais, e as possíveis consequências inesperadas, por meio de uma combinação dos possíveis riscos prospectados em diferentes cenários. Para Roco (2008) tais adversidades apresentam-se como influentes em diversas áreas, tais como economia, ambiente, saúde, educação, ética, moral e filosofia.

Por esse entrelaçamento de ideologias e ciências, constata-se a busca por um mecanismo organizador, tal como uma governança global e multilateral capaz de abranger, compreender e institucionalizar convergências tecnológicas livres de atuações prejudiciais a qualquer ordem ambiental e social. Para tanto, um sistema politicamente democrático, consenso social e conhecimento da engenharia econômica do sistema promovem um quadro agradável à implantação de uma eficaz governança.

Caberá a esse sistema de governança, de acordo com Roco (2008), a adaptação das instituições e organizações já existentes; o estabelecimento de novos programas, regulamentações e organizações

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interessadas em propagar inovações não promotoras de prejuízos ao meio; a promoção de mecanismos de legitimação de tais mudanças por vias políticas e institucionais; e, a realização de parcerias e acordos internacionais.

Conforme Sáenz e Souza-Paula (2008), os processos que envolvem tal anseio são essencialmente dinâmicos e cumulativos e, para acompanhar a evolução de tais convergências tecnológicas é de extrema importância que as ações ocorram de forma contínua, rápida e flexível. A governança multilateral e global deve preparar-se para antever os riscos complexos e de elevado impacto negativo dos tipos social e ambiental. A figura 1 mostra a representação de um sistema de governança baseado nos critérios inseridos na realidade das convergências tecnológicas (ROCO, 2008).

Os processos de decisões sobre as questões de convergências tecnológicas seguem um ciclo de interferências aberto, constituído por etapas que levam desde a pesquisa até a efetiva fabricação

e comercialização dos produtos. Através da figura, é possível verificar que cada ciclo gera novas classes de produtos, os quais determinam diferentes implicações sociais e exigem diversos patamares de decisões. Pelo fato de transformações fundamentais ocorrerem sobre os conhecimentos implícitos em cada ciclo, estabelece-se um sistema aberto em termos tecnológicos e socioeconômicos (ROCO, 2008).

As questões éticas devem constar como objetos de monitoramento e discussões, desde o início de um projeto até as avaliações ex-post. As avaliações dessas tecnologias, por meio de um mecanismo regulador de governança, devem ocorrer no entorno de tais inovações e considerar todos os respectivos ciclos, ao levar em conta sua disposição futura e confluentes efeitos ao meio, oriundos de suas manufaturas e operações (ROCO, 2008).

Em todo esse processo, é imprescindível a análise da presença dos fatores envolvidos

Figura 1 – Sistemas abertos em uma governança de convergências tecnológicas

Fonte: adaptado de ROCO, 2008.

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em uma governança de risco, para amparar as decisões e as ações tomadas no intuito de amenização das patologias sociais e ambientais. Tal sistemática é de extrema importância nos casos constatados com altos riscos, cuja redução dos mesmos exige a coordenação e colaboração de inúmeros stakeholders. As decisões unilaterais se apresentam como ineficazes e inaplicáveis, pois, a disseminação de novas tecnologias promove uma interferência dos possíveis riscos nas esferas social, ambiental, tecnológica, e, com maior evidência na dinâmica evolutiva e interativa de todo o sistema social. As convergências tecnológicas, por exemplo, focam suas prioridades sobre os possíveis benefícios a serem gerados nos âmbitos individuais e sociais. Os parâmetros de sucesso para essas redes de empresas e instituições são os indicadores de qualidade de vida, saúde, segurança, e, principalmente, a análise de como se dá a distribuição desses resultados sociais a todos os seres humanos inseridos em um modelo democrático. Roco (2008) apresenta, através da figura 2, quais são os atores afetados pelas convergências tecnológicas.

Dentre as novas tecnologias, destaca-se a importância da nanotecnologia. Nano é um prefixo usado nas ciências para designar uma parte em um bilhão e, assim, um nanômetro (1nm) corresponde a um bilionésimo de um metro. Dado o seu caráter integrador, convergente e por caracterizar-se por inovações concentradas no tempo, poderá gerar um processo de destruição criadora atenuando os impactos do uso intensivo dos fatores produtivos, gerando redução do consumo energético e, possivelmente, uma revolução produtiva (SÁENZ; SOUZA-PAULA, 2008).

Para Martins (2005), as nanotecnologias validam a necessidade de uma governança global e multilateral, pois, somente por um mecanismo como esse, será possível gerenciar os benefícios econômicos, sociais e ambientais oriundos de tais inovações. Suas aplicabilidades implicam diminuir os problemas ambientais nos processos produtivos, ou seja, responsabilizam-se por eliminar os conflitos sociais fundamentados em questões de prejuízos à natureza.

Entretanto Schnaiberg (2005) assume que tudo o que for apresentado e produzido pelo setor

Figura 2 – Visão geral de uma governança de convergência tecnológica

Fonte: adaptado de ROCO, 2008.

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privado é passível de suspeita pela possibilidade de interesses na alocação de capital. Ele evidencia que a própria história confirma muitas contradições em torno de novas tecnologias sempre demonstradas como algo beneficiário ao público em geral.

Por apresentar uma nova aplicabilidade de fatores científicos, sociais e ambientais a nanotecnologia não pode ser tratada unicamente pela ótica das organizações. Lerma (2005) admite que a humanidade exige um novo paradigma ecológico, portanto sustentável, por compreender que sua existência está inserida em uma continuidade de processos sociais mutantes, alteradores das estruturas vigentes e promotores de inúmeros conflitos transnacionais.

Não se pode esperar, segundo Martins (2005), que o ambiente seletivo supra a questão ambiental em sua totalidade, pois, tal expectativa é incompatível para com o modo de produção capitalista. Logo, a admissão dessa nova tecnologia deve ser pautada por discussões interessadas em entender plenamente suas aplicabilidades e objetivos para com a sociedade.

Schnaiberg (2005) acredita que a nanotecnologia irá promover uma distribuição mais negativa ao transferir a renda dos trabalhadores para um lucro adicional dos investidores. Ao longo dos prejuízos, o autor cita o incremento do problema ou crise ambiental, cuja maior causa é a extrema liquidez do sistema econômico mundial.

Lerma (2005) analisa a crise ambiental como um conflito oriundo de relações de produção e não como algo adicional aos conflitos sociais. Por essa percepção, ele entende a interferência da nanotecnologia nas relações sociais e econômicas ao promover a intervenção nos diversos sistemas de produção e controles de exploração.

Segundo Cramer e Zegveld (1991), as demandas de soluções estruturais para problemas ambientais requerem a participação ativa e representativa dos públicos a serem atingidos. Pois, em palavras de Romero e Salles Filho (1995, p.17) “quanto maior a pressão [...], mais os agentes

responderiam e melhores seriam os resultados para o meio ambiente”.

Sandler (2009) observa que a eficiência de um fenômeno tecnológico, como a nanotecnologia, está em sua contribuição à prosperidade humana, através da oferta de um cenário estruturado por uma sociedade justa e preceitos ambientais de sustentabilidade. O autor apresenta, ainda, que as funções sociais a serem observadas em um desenvolvimento sustentável advindo das nanotecnologias são: o esclarecimento de constituição de uma sociedade justa e a prosperidade da raça humana; identificação de oportunidades socioambientais às nanotecnologias; desenvolvimento de padrões de avaliação sobre os prospectos nanotecnológicos; provisão de ferramentais éticos que possibilitem a sociedade uma efetiva adaptação às emergentes nanotecnologias; e, a identificação dos limites ambientais para o alcance das plenitudes nanotecnológicas.

Porém, em referência à nanotecnologia e a outras inúmeras problemáticas de ordem ambiental, não há qualquer instituição com estrutura capaz de impor e dirigir uma intervenção política global. Todavia, a construção dessa instituição global, representativa de uma governança multilateral é importante fator que está por trás da emergência do movimento transnacional antiglobalização corporativa (MARTINS, 2005).

Roco (2008) também aborda a questão supranacional deste tema, ao admitir que as inovações tecnológicas provenientes desse movimento de convergência, tal como as nanotecnologias, rompem com as barreiras geográficas existentes ao transporem os limites das jurisdições nacionais. Logo, a concepção de uma governança multilateral e global como resposta institucional a crise do meio ambiente e consequente do paradigma de sustentabilidade, alcançará sua plenitude através da separação clara das opiniões fundamentadas em pilares científicos daquelas oriundas de julgamentos políticos, para que assim, sejam adotadas, em definitivo, institucionalizações e regulamentações eficientes para com a realidade do problema abordado.

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Toda essa realidade é envolta por uma série de fatores. Estes se unem e promovem uma governança contínua e avaliativa. A nanotecnologia apresenta um modelo de governança proposto por Roco (2008), possivelmente capaz de ser aplicado em nível global. E, bem por isso, esse autor propõe a nanotecnologia como uma das respostas essenciais à crise do meio ambiente. A estruturação do modelo é apresentada na figura 3.

Sáenz e Souza-Paula (2008), no entanto, apresentam os seguintes riscos da nanotecnologia, os quais se traduzem nos desafios a serem enfrentados por uma governança multilateral: criação descontrolada de formas de vida; redução da biodiversidade; desestabilização da engenharia ambiental; concorrência trans-humana, biológica e cibernética; maiores desigualdades sociais; desenvolvimento de armas de poder letal; entre outros.

Para Sandler (2009), ainda não há um consenso entre os cientistas quanto aos possíveis riscos da nanotecnologia, pois, assim como pode contribuir para uma revolução tecnológica e ambiental ao consumir menos energia e promover o uso mais eficiente dos novos fatores produtivos, também é possível um cenário composto por inúmeras reações adversas nos seres humanos e no meio ambiente.

A aplicabilidade da nanotecnologia fica questionada mediante tantas dúvidas discursivas. Nesse sentido, para se validar a efetiva contribuição social deste fenômeno advindo de uma convergência tecnológica, apresenta-se em sequência a realidade desse tema no continente europeu. Através da análise minuciosa do relatório European activities in the field of ethical, legal and social aspects (ELSA) and governance of nanotechnology, elaborado pela

Figura 3 – Passos para a definição de uma governança multilateral na análise de riscos derivados das nanotecnologias que podem ser aplicadas à mitigação da crise ambiental

Fonte: Renn; Roco apud ROCO, 2008, p.16.

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Dra. Angela Hullman, em 2008, observa-se uma concepção construtiva sobre a nanotecnologia. Sendo assim, a seguir, é disponibilizada uma breve análise da contribuição européia baseada em fatos, números e programas extraídos do relatório supramencionado.

A União Européia junto a demais nações tem promovido debates sobre a questão principal de que esses desenvolvimentos científicos e tecnológicos não ocorrem separados da movimentação social dos seres humanos. Muitos atores sociais, com visões diferentes sobre o tema têm modelado os processos envoltos à nanotecnologia, situação promotora de aplicabilidades fundamentadas em critérios éticos, legais, e sociais.

Os critérios éticos, legais e sociais da nanotecnologia compreendem uma diversidade de campos de pesquisas, produções e aplicabilidades de nanoprodutos. Estes aspectos, então, abrangem questões de privacidade, aceitação social, saúde humana, acesso comunitário, responsabilidade cívica, regulamentações normativas e controles institucionais.

As atividades européias sobre os aspectos éticos, legais e sociais de uma governança referenciada à nanotecnologia abrangem numerosas iniciativas, das quais algumas merecem

destaque, pois representam a possibilidade de apresentar esse fenômeno a um público maior, o qual estabelece uma discussão sobre as expectativas sociais geradas, que são informadas aos poderes políticos nacionais e internacionais.

O intuito destes projetos está em facilitar a cooperação entre stakeholders, localizados em diferentes partes da Europa, e promover uma massa crítica sobre o desenvolvimento sustentável, pela identificação de diferenças nacionais e culturais percebidas entre as diversas regiões do continente, e, assim, providenciar mecanismos sociais que agreguem desenvolvimento social e econômico a essas áreas.

Os financiamentos deles se dão pelo EC Framework Programmes for Research and Technological Development (FP). Os FPs acontecem há anos e incentivam áreas de pesquisa que amparam interesses europeus. A nanotecnologia tornou-se um tema em evidência a partir de 1998, mas apenas no 6º FP alcançou uma escala maior de reconhecimento e investimentos.

O 6º FP (2002 a 2006) dedicou prioridade máxima a nanotecnologia. De 17,5€ bilhões revertidos aos projetos integrantes desse Framework Program, 1,3€ bilhão foram destinados a pesquisas, cujo problema de investigação estava em analisar a interação entre nanotecnologia, conhecimento

Quadro 1 – Projetos de pesquisa com aplicabilidades sociais

O programa Science and Society

Objetivo: Desenvolver conexões estruturais entre instituições e atividades sociais interessadas em um diálogo a ser estabelecido entre a comunidade científica e o público em geral, de maneira que, as pesquisas fossem aproximadas da sociedade.

Contexto: As ações inseridas neste programa promoveram conversações contextuais em nível global; a emancipação de uma consciência social; treinamentos; pesquisa sobre a relação dos valores éticos relacionados à ciência e tecnologia; a aplicação dos princípios de risco; reconhecimento público em relação às comunicações científicas; prêmios para conquistas científicas referenciadas à

colaborações e comunicações sociais; e a promoção das mulheres no meio científico.

Recursos: Foram investidos 3,814,402€ neste programa.

O programa Citizens and Governance

Objetivo: Prover um embasamento científico para o gerenciamento de transições voltado ao conhecimento social europeu, para tanto, condicionou seus estudos em duas vertentes: as políticas locais, regionais e nacionais; e, o comportamento decisório dos

cidadãos, famílias e demais unidades sociais.

Contexto: Constam, neste projeto, ações tomadas no intuito de melhorar a geração, distribuição e utilização de conhecimentos em um processo de desenvolvimento de novas formas de governança.

Recursos: Foram investidos 1,163,100€ neste programa.

O programa New Emerging Science and Technology

Objetivo: Apoiar pesquisas visionárias e não convencionais, mas potencialmente capazes de abrir novos campos às ciências e tecnologias européias.

Contexto: Sustentou projetos interessados em problemas ainda não pesquisados, mas que se relacionassem diretamente aos aspectos éticos, legais e sociais da nanotecnologia.

Recursos: Foram investidos 222,265€ neste programa.

Fonte: adaptado de HULLMANN, 2008.

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social, recursos naturais, e desenvolvimento de novos procedimentos industriais. Por uma abordagem articuladora, projetos de longo prazo têm sido financiados, pois intentam introduzir as nanotecnologias nos setores industriais já existentes, e, também, originar novos caminhos operacionais que confluam na concepção de materiais inovadores, novos aparelhos, produtos diferenciados, e indústrias sustentáveis.

Embora o 6º FP estivesse focado em pesquisas científicas e tecnológicas, houve a inclusão de tópicos essenciais relacionados aos aspectos éticos, legais e sociais da nanotecnologia. Estes foram tratados pela instigação de uma comunicação entre os diversos atores e redes sociais. Dentro dessa abordagem aplicativa de uma governança global da nanotecnologia, os aspectos supramencionados passaram a alicerçar projetos de pesquisa com aplicabilidade social, tais como os: Science and Society, The New Emerging Science and Technology e Citizens and Governance. Vale ressaltar que todos esses programas orientaram-se em interligar o movimento social aos aspectos éticos, sociais e legais da nanotecnologia. Para melhor compreensão o detalhamento deles é exposto na página seguinte:

Mediante a exposição da realidade européia quanto aos aspectos sociais da nanotecnologia, verifica-se que o desenvolvimento de seus preceitos apenas ocorre com respectivas alocações de capitais. Entretanto, a destinação de tais valores apenas incrementa a legitimação sustentável desse fenômeno, responsável pela propagação de uma governança multilateral e global, possível de ser utilizada como mecanismos de resposta institucional à crise do meio ambiente.

Sandler (2009) admoesta que, quando as dúvidas são esclarecidas e as expectativas controladas, concebe-se um ambiente articulador e integrador entre os fatores éticos e sociais e as emergentes nanotecnologias. Os aspectos éticos, legais, e sociais da nanotecnologia são essenciais para a articulação de respostas proativas a possíveis cenários negativos. Bem por isso, as nanotecnologias precisam promover a prosperidade dos seres humanos, por vias justas e

sustentáveis. Cada nação interessada em estabelecer uma iniciativa nanotecnológica, assim como as européias, permitir-se à uma oportunidade única de fomentar um campo crítico e construtivo sobre as relações interativas entre tecnologia, governo, ambiente e sociedade. As emergentes nanotecnologias, portanto, oferecem possibilidades efetivas de progressos sociais e tecnológicos, através de um desenvolvimento compreensivo, inovador e sustentável.

Considerações Finais

O artigo analisou os determinantes da crise ambiental e as soluções propostas pela academia, tendo em vista a emergência de uma nova realidade internacional e organizacional ,amparada pelo paradigma da sustentabilidade ambiental e social. Discorreu-se sobre a ascensão de uma nova compreensão social pautada por premissas sustentáveis, amparada pela necessidade de novas tecnologias – nanociências, nanobiotecnologia e nanotecnologias e seus riscos – e a imprescindibilidade de uma governança multilateral global como resposta institucional à crise do meio ambiente.

Verificou-se que a teoria econômica neoclássica tradicional – base do paradigma de produção capitalista anterior – discutia custos e benefícios privados. No século XX, a teoria institucionalista incorpora à análise os custos e benefícios sociais, dando origem à economia do meio ambiente, ao propor soluções possíveis para a questão ambiental. A complexidade dos sistemas dinâmicos, a criação de novas ferramentas de trabalho, a oferta de uma ampla plataforma tecnológica, a ampliação das capacidades produtivas e a conversão da educação, engenharia e tecnologia nos principais fatores contributivos às inovações industriais, conferem ao meio uma riqueza jamais vista.

Já o meio ambiente, com seus recursos limitados, não consegue acompanhar o desenvolvimento intelectual do homem quanto aos seus anseios tecnológicos. Através desta incompatibilidade de recursos, estabelece-se a crise do meio ambiente,

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por meio da qual, inúmeras nações e organizações optam por operacionalizar suas metodologias mercadológicas em práticas alinhadas aos conceitos de desenvolvimento insustentável.

Daí emerge a concepção de um novo paradigma interessado em valores sustentáveis e preocupado em oferecer às gerações presentes e futuras condições de habitação e sobrevivência neste planeta. Por essa nova compreensão da realidade, as ciências sociais se fazem presentes com uma miscelânea dialética de ideologias e interpretações, as quais, em conjunto, reafirmam a necessidade de um novo agir das organizações e nações para com as questões ambientais.

Logo, a sociedade passa de um colóquio passivo para um ator emancipado no intuito de prover-se de munições e regulamentações imprescindíveis à continuidade de sua existência na Terra. Por conseguinte, fatores de discussão anteriormente unilaterais passam a ser vislumbrados por uma ótica multilateral exigente de um sistema de governança que ampare, fiscalize, determine e institucionalize meios de proteção, coerção e legitimação no intuito único de sanar questões que alarmem a já existente crise ambiental.

Entretanto, todo esse esforço somente será válido se aplicado em sua ordem global, pois, se uma governança responsável por toda a organização e aplicabilidade dos vieses e soluções ambientais ocorrer através de uma institucionalização supranacional legitimada, serão verificadas respostas mercadológicas e econômicas condizentes para com a realidade

ambiental vivenciada. É extremamente necessário este mecanismo regulador internacional, porque a economia, aqui representante dos governos, nações e organizações, somente se atenta ao quesito ambiental e social se drasticamente pressionada por órgãos externos, cujos poderes de regulação sejam devidamente reconhecidos e comprovados.

Um exemplo, a nanotecnologia, representante do movimento de convergência tecnológica observado há tempos. Suas benfeitorias e lucros sociais são inquestionáveis, entretanto os possíveis riscos incalculáveis. Além de prescindir um enorme valor em alocação de capitais representa, na ótica de muitos estudiosos, uma ameaça a já desqualificada divisão de renda mundial, além dos inúmeros questionamentos ambientais ainda não respondidos. Em casos como esses, as decisões sobre a continuidade em pesquisas e aplicabilidades referenciadas a nanotecnologia, por exemplo, não podem ser pautadas por uma unilateralidade. Torna-se imprescindível, portanto, uma multilateralidade de informações que abasteçam um sistema de governança global oriundo de uma resposta institucional, em nível internacional, como uma consequência ao paradigma de sustentabilidade, este, emergente, no intuito de amenizar a constatada crise ambiental.

O intangível a ser alcançado em um longo prazo passa a ser mais valorizado do que o tangível conquistável em curto prazo, pois, aquele representa a concepção moral e ética de uma sociedade imersa na compreensão do paradigma defensor de uma sustentabilidade social, ambiental e econômica.

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A Polarização e as Desigualdades Regionais no BrasilThe Polarization of Regional Inequalities in the Brazil

Francieli do Rocio de Campos1

Patrícia Estanislau2

Resumo

O artigo tem como objetivo evidenciar as desigualdades regionais das Unidades Federativas Brasileiras no período de 1985 a 2006. O método utilizado é embasado em análise estatística descritiva, e o coeficiente de Williamson capaz de captar os efeitos da desigualdade regional. Entre as diferenças apresentadas pelos Estados brasileiros, os efeitos das desigualdades alcançam o ápice em 1995, seguindo o processo de declínio até se estabilizarem entre período de 2000 e 2006. Por meio do Produto Interno Bruto de cada Estado, os resultados do estudo apontam para concentração industrial e populacional no Estado de São Paulo. Dessa forma, constatou-se no período estudado, que o processo de polarização e despolarização no Brasil decorre das desigualdades econômicas regionais.

Palavras-chave: Economia Regional; Indústria e Aglomeração de Negócios; Pólos de Crescimento.

Abstract

The article aims to highlight the regional differences of Brazilian states from 1985 to 2006. The method is grounded in statistical analysis, and coefficient of Williamson which is able to capture the effects of regional inequality. Among the differences presented by the Brazilian states, the effects of inequality reached its top level in 1995, following the process of decline until stabilizing period between 2000 and 2006. By means of the Gross Domestic Product of each state the study findings point to industrial and population concentration in São Paulo State. Thus it was found out during the study period, the process of polarization and depolarization in Brazil follows regional economic inequalities.

Key words: Regional Economics; Industry; Growth Poles, Agglomeration.

1 Discente do Programa em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Campus Toledo, Brasil, nível mestrado. Bacharel em Economia Doméstica pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Brasil. Contato: [email protected]

2 Discente do Programa em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Campus Toledo, Brasil, nível mestrado. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 26/07/2010 - Aprovado em 18/12/2010

Introdução

O objetivo do artigo é evidenciar as desigualdades regionais nas Unidades Federativas Brasileiras partindo do processo de polarização ascendente no período de 1985 a 2006. Nessa ocasião, acredita-se que houve um movimento de polarização e despolarização desencadeando a desigualdade no processo de crescimento do país. Para verificar a existência desse movimento

adota-se o Coeficiente de Williason (1977), cujo procedimento utilizado por Souza (1993) capaz de captar os efeitos da desigualdade regional.

O processo de polarização decorre do efeito causado pela instalação de uma indústria motriz, ou um conjunto de indústrias (complexo industrial), cuja função é interagir de forma independente com os espaços produtivos das diversas empresas. Ao atrair mais indústrias, o modelo passa a funcionar do seguinte modo: quando há oferta de empregos

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aumenta a população de uma região e eleva o consumo de bens/serviços. Sob esse efeito se encadeia uma força atrativa (força motriz) de indústrias e/ou empresas para localidade, assumindo condições de crescimento ou desenvolvimento à economia da região (pólo de crescimento) (SOUZA, 1993).

A desigualdade regional concebida pela deterioração do nível de vida advém da maior concentração industrial em algumas regiões, em detrimento a outras sem tais atributos econômicos. De tal modo, Perroux (1977) relaciona essas questões de desigualdades procedentes da inovação intensificada pela vontade de acumular capital, conquistar o poder e desestimular o subdesenvolvimento.

O enredo do trabalho está segmentado em cinco seções, partindo desta breve introdução, na seção dois, aborda-se os procedimentos metodológicos. Na seção três, apresenta-se os conceitos de polarização e despolarização, assim como os fatores de desenvolvimento e as possíveis causas das disparidades regionais. Na quarta seção, têm-se os resultados da pesquisa, com a apresentação de dados sobre as disparidades regionais entre os Estados brasileiros e, na quinta seção, as conclusões que sumarizam este trabalho.

1. Procedimentos metodológicos

A princípio buscar-se-á o método estatístico descritivo que procura descrever e avaliar certo objeto, conforme menciona Peternelli (2005). Os dados utilizados são oriundos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compilados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a fim de averiguar a participação do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados e macrorregiões do Brasil. O período a ser analisado corresponde ao ano 1985 até o ano de 2006, partindo da premissa de existência de polos estaduais e de que há regiões mais desenvolvidas do que outras.

Na teoria dos polos de crescimento e desenvolvimento de Perroux (1977), os efeitos positivos no PIB per capita de região propiciam rendimentos maiores na cidade pluriativadas (que tendem a atrair investimentos, diversas atividades e demais fatores a si)

concentrando a população em uma dada localidade e tornando-a principal em seu entroncamento regional (SCOTT, 2003). Assim procurar-se-á verificar a participação do PIB dos Estados brasileiros para elucidar as desigualdades regionais, a fim de relacionar com a distribuição da população e a quantidade de empresas em cada unidade federativa.

Visto a possível existência concentração populacional e de empresas nos Estados, para evidenciar as disparidades regionais no Brasil, utilizar-se-á o Coeficiente de Williamson (1977) para o PIB per capita, na tentativa de mensurar as desigualdades regionais. Pressupondo-se que com o aumento do crescimento econômico, essas desigualdades atinjam um máximo e depois declinam gradativamente, formando um “U” invertido. Esse fenômeno varia entre proximidades de 1 (maior polarização) e proximidades de 0 (menor polarização). O cálculo é dado como:

Em que:Fj = é a população da iésima regiãon = população nacionalyj = PIB per capita da iésima regiãoyNac = PIB per capita NacionalN = Número de regiões

De acordo com Williamson (1977), o “coeficiente ponderado de avaliação que mede a dispersão dos níveis da renda regional per capita, relativamente à média nacional, enquanto cada desvio regional é ponderado por sua participação na população nacional” (WILLIAMSON, 1977, p. 64).

Souza (1993) observa que o Coeficiente de Williamson (1977) mostra a possível reversão do processo de polarização de um país, constituindo-se de um índice de desigualdade regional. Azzoni (1997) complementa o fato do coeficiente de Willianson ser tradicional visto pela vertente de ser “unidimensional da desigualdade de renda, relativa a uma distribuição regional igualitária da renda média nacional” (AZZONI, 1997 p.5). Outros autores também fizeram o uso desse coeficiente como Souza (1993), Azzoni (1997), Gomes (1997), Cavalcante (2003) e Chiarini (2006).

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Conforme Cavalcante (2003), a medida de desconcentração fornecida pelo Coeficiente de Williamson depende de um componente arbitrário, associado à forma como o país em análise foi subdividido em regiões. Se o país corresponder à apenas uma região ou estado, i i Y / P será igual a Y / P e Vw tenderá a zero, involuntariamente das desigualdades que se poderiam efetivamente observar.

2. Aspectos conceituais sobre a polarização e despolarização

Segundo Perroux (1977), o processo de polarização favorece um crescimento destinado a raras regiões, as quais são obra da associação de conjuntos ativos (indústrias motrizes e atividades aglomeradas em territórios) e conjuntos passivos (indústrias movidas, regiões periféricas dependentes das aglomerações industriais), que sofrem influência de fornecedores e compradores de insumos. Assim, Souza (2005) complementa que a essência do processo de polarização está interligada às economias externas geradas pela infraestrutura produtiva, possíveis de ser encontrada em regiões com disponibilidade de consumidores, mão-de-obra especializada e serviços destinados às indústrias dos diversos setores econômicos.

O objetivo central da polarização é fomentar incentivos às regiões com caráter secundário, possibilitando a propulsão de empresas pusilânimes se tornarem canais de difusão e, não apenas contribuir com concentração de uma ou duas regiões principais (SOUZA, 2005). A idéia que procede na atração de polos decorre de uma política fundamentada na redução da concentração de crescimento dos polos, e desconcentração deles em grandes centros. E tende a um equilíbrio econômico proveniente da oportunidade dada as regiões subdesenvolvidas atrair novos investimentos produtivos (AZZONI, 1986).

Nessa conjuntura, um polo industrial apresenta características acessíveis de crescimento e representatividade aglomerativa, além de conceber intensificação das atividades econômicas. Seu contingente remodela toda a estrutura geográfica

da região independente de sua localização tende intensificar o poder na estrutura da economia no âmbito nacional (PERROUX, 1977).

Cabe ressaltar que a formação de polos industriais, diz respeito a um fenômeno essencial, ao modo provisório do processo de crescimento econômico. Desse pressuposto, a polarização tem princípios calcados na aglomeração de indústrias em pleno advento tecnológico e, oriundo da concentração espacial de um complexo industrial acessível as atividades de produção (WILTGEN, 1991). De acordo Tellier (2004), o processo de polarização ocorre com a complexa interação entre forças de atração e de repulsão de ativos, as quais intervêm na decisão da localização industrial, além de reforçar o seu grau de dependência.

Em um território com regiões marcadas por um desenvolvimento industrial insignificante, ou até mesmo inexistente, configura-se numa situação de poucas perspectivas de crescimento econômico significativo. Ao contrario, quando se observa crescimento aglomerado no mercado econômico, tem-se a dimensão das funcionalidades das atividades produtivas em mesmo território. Por isso, a ideologia do polo aglomerado é contrária em promover um crescimento distribuído em uma única região (PERROUX, 1977). O contraste se encontra em regiões, que o progresso econômico alcançou elevados patamares se tornando um gerador de impacto negativo constituído na moderna situação de produção (SCOTT, 2003).

2.1 Fatores propulsores do crescimento e do desenvolvimento regional

Para ilustrar teoricamente as desigualdades e contrabalançar com desenvolvimento das regiões, remete-se ao crescimento econômico mediante uso da distribuição de renda. Em que, Scott (2003) correlaciona o termo desenvolvimento com um processo construtivo, no qual as emissões dos recursos econômicos se tornam necessárias para melhoria da produtividade. Ao sintetizar o termo crescimento faz menção das linhas de melhorias, seguindo os aumentos do produto bruto das regiões.

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O crescimento e o desenvolvimento estão associados à aglomeração territorial, e a densidade dos investimentos nas trocas ou nas informações aplicadas em pontos determinados pelos indivíduos. Suas implicações por causa da medida formalizada pelo crescimento econômico da região se fundamentam pela espacionalidade territorial da aglomeração geográfica, das atividades econômicas, e por conta dos aumentos da produtividade nacional (SCOTT, 2003).

As atividades produtivas industriais se concentram em poucos locais de um território fazendo parte do processo, cuja conjuntura econômica se abasta da acumulação dos recursos naturais, bem como tem sido considerado nos últimos tempos, os antecedentes históricos econômicos, formalizando a atual estrutura econômica, moldando seus padrões produtivos de acordo com industrialização (AZZONI, 1985).

O auge do crescimento regional deriva do efeito da aglomeração alcançado pela indústria, ou conjunto de indústrias medido pelos índices econômicos e aguçado pela estrutura de produção. A ponto de ser registrado como fenômeno desequilibrado, devido um progresso econômico com ausência de crescimento homogêneo, equilibrado e igualmente distribuído entre populações e territórios (SILVA et al, 2000).

O crescimento econômico regional funciona como mediador do estágio de desenvolvimento, ao perceber sua influência na maioria das empresas, fragmentado no controle de seus investimentos, além de emergir, conforme o andamento dos saldos positivos dos negócios. Outro fator propulsor é a especialização de um setor econômico, visível a partir do desenvolvimento instantâneo do próprio (LIMA, 2006).

De tal forma, para contribuir com o desenvolvimento e crescimento de uma região a ferramenta essencial é delimitar as suas potencialidades de mercado. Para tentar superar as etapas do seu desenvolvimento, uma região subdesenvolvida ao tentar alcançar todas as etapas para sua industrialização percorre um caminho bloqueado por crises ou forças insípidas do mercado

adentrando no chamado declínio econômico (SCOTT, 2003).

Dessa forma, o processo de crescimento de uma região se explica mediante um desenvolvimento em ascensão, que ao atingir seu ponto máximo dá inicio ao processo de despolarização e a partir desse, descresse o crescimento estável da região. A representação curvilínea inicia com aumentos dos indicadores e depois um declínio deles.

2.2 Detalhamento teórico sobre desigual-dades regionais

As desigualdades regionais são evidentes em regiões com amplos avanços no contingente econômico, dando margem para mesma continuarem evoluindo, por receber maior número de investimentos industriais. Em casos de regiões que permanecerem pobres significa ausência em quantidade de intervenções estatais, falta de aspectos de rentabilidade econômica, seguindo em condições de pobreza e subdesenvolvimento (AZZONI, 1986).

Por isso, a solução encontrada para esse problema está no investimento da industrialização, que assume como precedente o desenvolvimento regional. A indústria tende angariar grande número populacional e consumir mais mão-de-obra, pois ocorre expansão do setor terciário, alcança-se um mercado de amplas oportunidades de inserção de novas indústrias, sobretudo se concentra o setor de subsistência incorporando- no mercado interno (SINGER, 1986).

Kuznets (1955) propõe o desenho da curva em U-invertido para representar a oscilação do contingente de desenvolvimento e enfatizar as disparidades regionais. O aumento do índice da desigualdade regional pode ser representado pela forma como é conduzida a distribuição de mão-de-obra nos polos industriais. Muito comum de se encontrar fenômenos como êxodo rural, devido à movimentação em busca de empregos e políticas sociais, resultando num desenvolvimento regional desordenado. Sendo que, a diminuição da pobreza e das desigualdades em regiões de desenvolvimento pode ser atingida a partir de um tempo e contando com a tendência natural.

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No seguimento da mesma proposta, os contra-sensos dos indicadores propiciam as desigualdades regionais a aumentarem e depois declinarem, dando margem a um processo chamado de despolarização. Em gráfico isso significa uma curva com um formato de “U” invertido (∩) que representa as desigualdades regionais (AZZONI, 1997).

2.3 A situação das disparidades intra-re-gionais do Brasil

O Brasil assumiu formato de industrialização instituído para todos os países colonizados no período de 1500, um processo que perpetua com características de uma rápida expansão do comércio exterior, com forte apoio do governo e com alta proteção tarifária. Desde então, ocorre a sucessão de atividades econômicas desenvolvidas numa série de estágios, estabelecidas numa proposta de causas com natureza do crescimento industrial descontínuo, e impacto na estrutura de funcionamento da economia no país (BAER, 2003).

Nos anos de 1970, pode ser visto uma oscilação na quantidade de indústrias instaladas e várias formulações de polos de crescimento no Brasil. A partir da década de 1980, houve crises econômicas, decorrentes da problemática gerada pelo declínio econômico de diversas regiões brasileiras, em que os polos industriais passaram exercer frequência negativa, ao invés de apresentar continuidade positiva no crescimento do país. Com a extensiva falência de firmas em todo o território, ocorre transformação nas áreas polarizadas - conhecido por fenômeno de transferências de atividades produtivas. Essas mudanças foram de alta escala para todos os envolvidos, tanto em nível regional, como na condensação de serviços oriundos e mais submissos das indústrias (LIMA, 2006).

Seguindo a linha de raciocínio das disparidades regionais encontradas no Brasil, o constante crescimento de algumas atividades econômicas, a distribuição desigual do produto nacional e a emergente concentração industrial refletiram numa situação de redistribuição espacial em determinadas regiões. Kuznets (1955) mostra

que não foi necessário haver alguma interferência para eliminar as disparidades regionais, já que elas seriam eliminadas naturalmente no longo prazo. Portanto, houve a necessidade de fazer uma análise entre diferentes regiões para verificar a proporção do desenvolvimento regional do país.

3. Desigualdades regionais dos estados brasileiros

A desigualdade regional representada no Brasil perdura com o modelo implantado no cerco das atividades produtivas, o qual tem beneficiado uma ou outra região específica. Essa dinâmica em sua dimensão se apresenta em maior proporcionalidade nas Regiões Sudeste e Nordeste.

A análise sobre o Produto Interno Bruto fundamenta-se em dados extraídos do Ipeadata. Para melhor apresentar as participações do PIB dos Estados brasileiros, agrupa em regiões. Entre as regiões, a Região Sudeste é a que mais se destaca na participação do PIB nacional. Em 1985, era responsável por 60,15% do PIB nacional, no entremeio do período, teve algumas oscilações, sua percentagem decaiu (56,78%) em 2006, mas continua sendo a Região que mais contribui com o PIB nacional. Conforme Perroux (1987) salienta-se que as regiões com maior concentração de indústrias intensificam seu desenvolvimento das demais regiões.

A Região Sul responde pela segunda colocação na composição do PIB no ano de 1985, a qual colaborava com 17,10% no PIB nacional declinando para 16,32% em 2006. A Região Norte apresentou menor resultado junto ao PIB nacional, no entanto, visto pela grande extensão territorial composta por matas e florestas, e dada à região amazônica situar-se nesse território, justifica-se o aumento de sua taxa de participação no período exposto.

A Região Nordeste se sobressaiu pela influente receita advinda de bens não inclusos na economia nacional, bens característicos da cultura local do território (BAER, 2003). Essa Região obteve 14,10% na composição do PIB nacional, no ano de 1985, durante o período sua taxa de participação

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sofreu leves oscilações e fechou em 2006 com 13,13% no PIB nacional. A região Centro-Oeste iniciou o período com 5,66% de participação no PIB nacional e chegou ao ano de 2006 com 8,71 % de participação no PIB nacional.

A tabela a seguir apresenta os valores de participação do Produto Interno Bruto dos Estados Brasileiros:

Na tabela 1, nota-se a participação dos Estados na composição do PIB Nacional, no período analisado, destaca-se a redução da contribuição do Estado de São Paulo, sendo numa média de 34,53%. O Estado do Rio de Janeiro ocupa-se da segunda colocação, porém suas

porcentagens oscilaram, mas manteve-se em queda na participação do PIB nacional, alcançando uma média de 11,72%. O terceiro Estado com maior índice no PIB nacional é o Estado de Minas Gerais com uma média de 9,23%.

Os Estados de Roraima e Acre são os que menos contribuíram para o PIB nacional, entretanto, seus índices de crescimento se elevaram, visto pelas atividades econômicas como extrativista e auto-consumo desenvolvidas por tais Estados.

O elo entre o processo de industrialização e a elevada disparidade econômica das Regiões brasileiras está representado pelas mudanças de distribuição de renda nos setores industriais,

Tabela 1 - Participação do Produto Interno Bruto, com preços constantes dos Estados no Produto Interno Bruto do Brasil entre 1985 e 2006 em (%)

ESTADOS 1985 1990 1995 2000 2006 Média

São Paulo 36,12 37,02 35,47 33,67 33,87 34,53

Rio de Janeiro 12,70 10,86 11,52 12,52 11,62 11,72

Minas Gerais 9,61 9,29 9,74 9,64 9,06 9,23

Rio Grande do Sul 7,88 8,13 8,30 7,73 6,62 7,48

Paraná 5,92 6,35 5,94 5,99 5,77 6,07

Bahia 5,35 4,49 4,14 4,38 4,07 4,32

Santa Catarina 3,30 3,73 3,65 3,85 3,93 3,80

Distrito Federal 1,37 1,61 2,05 2,69 3,78 2,92

Pernambuco 2,62 2,66 2,70 2,64 2,34 2,49

Goiás 1,80 1,75 1,84 1,97 2,41 2,17

Espírito Santo 1,72 1,66 1,99 1,96 2,23 1,93

Ceará 1,72 1,62 1,93 1,89 1,95 1,86

Pará 1,52 2,06 1,87 1,72 1,87 1,80

Amazonas 1,52 1,82 1,70 1,71 1,65 1,62

Mato Grosso 0,69 0,83 1,01 1,22 1,49 1,31

Mato Grosso do Sul 0,95 0,96 1,08 1,08 1,03 1,05

Maranhão 0,74 0,80 0,78 0,84 1,21 0,97

Paraíba 0,72 0,85 0,82 0,84 0,84 0,82

Rio Grande do Norte 0,78 0,72 0,73 0,84 0,87 0,80

Alagoas 0,86 0,71 0,62 0,64 0,66 0,68

Sergipe 0,92 0,57 0,55 0,54 0,64 0,64

Rondônia 0,48 0,49 0,46 0,51 0,55 0,53

Piauí 0,39 0,45 0,49 0,48 0,54 0,49

Tocantins 0,00 0,16 0,19 0,22 0,41 0,29

Amapá 0,12 0,16 0,19 0,18 0,22 0,19

Acre 0,13 0,14 0,15 0,15 0,20 0,17

Roraima 0,07 0,11 0,07 0,10 0,15 0,12

Brasil 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Ipeadata, 2009.

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agrícolas e serviços (BAER, 2003). Ao relacionar a participação do PIB estadual com o PIB nacional, aborda-se a composição do valor adicionado dos Estados Brasileiros, composto pelos setores agropecuário, industrial e de serviços.

Os dados mostram que a Região Sudeste possui valores mais elevados no segmento industrial, e acredita-se que devido a isso, haja maior concentração urbana, dada a localização das indústrias. A Região Centro-Oeste atribui valores atrelados ao segmento agropecuário, justificando sua participação ativa no agronegócio brasileiro. A Região Sul possui valores correlativos à agricultura, aos serviços presentes e à crescente ativação do segmento industrial. Os dados referentes às Regiões Norte e Nordeste mostram que seus aspectos econômicos têm incrementado gradativamente as participações da indústria, serviços e agricultura. Conforme apresenta a tabela 2:

A tabela 2 mostra o Estado de São Paulo em 1985 com 48,53% de PIB atrelado à indústria, enquanto em 2006, esse valor diminuiu para 34,76%. No entanto, quando se analisa o setor de serviços, obteve um crescimento de 33,35% em 1985 para 34,14% em 2006. Já o setor agropecuário assentiu uma queda de 18% para 12,78%. As diversas participações desses setores em diferentes anos mostram mudanças no padrão de produção, consumo e fatores de trabalho que implicam na diversa evolução econômica dos Estados.

O Estado do Rio de Janeiro apresenta os resultados do setor de serviços (16,48%) em 1985, sendo que tal decaiu no ano de 2006 (11,66%) admitindo que esse setor se tornou o maior contribuinte na formação de seu PIB estadual. O Estado de Minas Gerais tem na agricultura o fator de maior contribuição para o PIB estadual no decorrer dos anos de 1985 e 2006. Os Estados

Tabela 2 – PIB Estadual a preços básicos em R$ de 2000, no valor adicionado da Indústria, Agropecuária e Serviços, nos anos selecionados de 1985 e 2006

1985 2006

Estados Indústria Agropecuária Serviços Indústria Agropecuária Serviços

São Paulo 43,58 18,00 33,35 34,76 12,78 34,14

Rio de Janeiro 13,21 1,41 16,48 13,09 1,04 11,66

Minas Gerais 9,25 14,71 7,93 10,21 14,12 8,38

Rio Grande do Sul 7,00 11,25 6,99 6,52 11,30 6,34

Paraná 4,82 12,66 5,39 5,94 8,87 5,60

Santa Catarina 3,32 5,23 2,50 4,80 5,07 3,57

Bahia 4,90 8,46 4,40 4,32 5,84 3,79

Amazonas 1,94 1,13 0,95 2,57 1,48 1,22

Espírito Santo 1,41 3,03 1,50 2,48 3,64 1,80

Goiás 1,08 3,11 2,13 2,28 4,65 2,38

Pará 1,01 3,51 1,34 2,27 3,29 1,71

Pernambuco 1,95 3,00 2,72 1,76 2,22 2,61

Ceará 1,39 2,44 2,02 1,63 2,65 2,10

Mato Grosso 0,30 1,21 0,89 0,96 7,04 1,31

Distrito Federal 0,35 0,10 5,54 0,87 0,15 5,59

Maranhão 0,31 1,80 0,90 0,86 3,85 1,23

Rio Grande do Norte 0,88 0,63 0,69 0,79 1,03 0,92

Sergipe 1,37 0,65 0,47 0,72 0,59 0,64

Paraíba 0,43 1,28 0,78 0,67 1,16 0,95

Mato Grosso do Sul 0,36 3,09 0,88 0,65 2,70 1,04

Alagoas 0,48 1,49 0,70 0,63 1,03 0,70

Tocantins 0 0 0 0,36 1,44 0,37

Piauí 0,17 0,61 0,51 0,33 0,97 0,63

(continua)

42

com maior contribuição no PIB nacional (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) têm composições diferenciadas de valor adicionado (para a produção da indústria, agricultura e serviços).

De acordo com Andrade e Serra (1998), o período de 1985 a 2006 possui concentração industrial em grandes centros brasileiros, como mostra o gráfico 1:

No gráfico 1 e no gráfico 2, observa-se que o Estado de São Paulo concentra o maior número de empresas (30,45%) e, por conseguinte, é o Estado mais populoso (21,95%) do Brasil. O Estado de Roraima é o menos populoso com 0,21% da população total do país e possui número reduzido de empresas, no ano de 2006.

Em contrapartida, o Estado do Amapá ocupa o menor índice de empresas devido as potencialidades

da Região. A partir do exposto, destacam-se as disparidades entre regiões, pelos valores restringidos de habitantes e empresas em ambos os Estados. Com base no registro populacional, o gráfico 2 mostra a distinção populacional entre os Estados do Brasil.

Segundo a representação do gráfico 2, as unidades federativas brasileiras com maior

(continuação)

1985 2006

Estados Indústria Agropecuária Serviços Indústria Agropecuária Serviços

Rondônia 0,33 0,74 0,50 0,28 2,02 0,57

Acre 0,05 0,27 0,17 0,10 0,66 0,23

Amapá 0,06 0,09 0,19 0,08 0,17 0,32

Roraima 0,02 0,07 0,11 0,06 0,23 0,21

BRASIL 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Ipeadata, 2009

Gráfico 1 – Número de Empresas por Estados Brasileiros no ano de 2006

Fonte: IBGE, 2009.

número de empresas se assemelham aos Estados que possuem maior adensamento populacional. Portanto, existe atração populacional nessas regiões que tendem investir nas empresas já existentes, possibilitando manutenção/formação de novos empregos e empreendimentos. Com isso, essas regiões mantêm um crescimento continuo em termos de PIB que lhes permite a possibilidade do desenvolvimento econômico.

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Outras regiões com ausências de desenvolvimento não viabiliza em níveis de crescimento econômico contínuos, e por diversos fatores acabam não tendo a mesma possibilidade gerir desenvolvimento. E ainda o crescimento desigual entre as regiões brasileiras se atribui a algumas diferenças regionais, considerando o enfoque populacional e número de empresas em cada Estado.

O gráfico 3 apresenta a disparidade regional do PIB per capita dos Estados Brasileiros, mediante a representatividade dos dados extraídos do IBGE para as anos de 1985 á 2006. De acordo com Williamson (1977), as disparidades regionais crescem por um determinado período de tempo, após declinam mostrando o movimento de polarização ou movimento de despolarização. Entre a amostra das desigualdades averiguadas nos Estados brasileiros, o valor máximo atingido chegou a torno (0.0866) no ano de 1995, representando o maior diferencial de PIB per capita entre os Estados Brasileiros, seguindo no decorrer dos anos um declínio gradativo formando a figura de um “U” invertido. Como está representado no gráfico a seguir:

Gráfico 3 – Medida de Desigualdade Regional do PIB per capita a preços constantes em R$ de 2000 do Brasil, para os Estados Brasileiros, no período de 1985 á 2006.

Fonte: Resultados da Pesquisa, 2009.

Como mostra o gráfico 3, ocorre aumento das disparidades entre os Estados Brasileiros até 1995. Esse fato se explica por meio do declínio caracterizado pela despolarização entre 1996 á 2002, o qual permite destacar a redução das disparidades entre os Estados brasileiros. Esse período é caracterizado pela implantação do Plano Real na economia brasileira e sua desvalorização a partir de 1998/99, atingindo, no ano 2000, o menor índice de disparidade entre os Estados brasileiros. Após 2002 até 2006, as disparidades estaduais se mantiveram a níveis estáveis, porém não nulas, as quais indicam a existência das disparidades estaduais a níveis menores.

Gráfico 2 – População Total por Estados Brasileiros no ano de 2006

Fonte: Estimativa Populacional, 2009.

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Conclusões

O período de 1985 á 2006 proposto para estudo foi um momento de transformações na economia Brasileira. Com taxas exorbitantes de inflação em um primeiro momento, assumindo um equilíbrio com o controle inflacionário sob intensa mudança econômica em vários setores da economia, tendo que se adaptarem às mudanças da abertura econômica, proposta em 1990. Visto isso, como influencia nas disparidades regionais e desenvolvimento econômico desigual no conjunto de Estados brasileiros.

O movimento de crescimento das desigualdades no início nos anos 1990 e a concomitante ascensão em 1995, remota a característica da teoria da polarização na impactante atração de empresas e pessoas em relação aos polos. As quais transmitem o movimento de regiões mais ricas à frente de regiões mais empobrecidas. Esse movimento, depois de 1995 até 2002, manteve-se em queda, comprovando a hipótese de “U” invertido, mostrando que o crescimento elevado aumenta as desigualdades regionais, depois declinarem dando margem a um processo chamado de despolarização, que ocorre sem qualquer tipo de interferência.

Verificou-se através das tabelas 1 e 2 e dos gráficos 1 e 2, que o Estado de São Paulo é o representante motriz brasileiro. Pois maior parte da população e empresas situa-se nesse Estado, isso gera atração de investimentos e mão-de-obra em intensa escala. Em contraste os Estados de Roraima (menos populoso) e Amapá (menor número de empresas) possuem maiores dificuldades em relação a atração de investimentos. Desse modo, no período analisado, as desigualdades regionais entre os Estados reduziram relativamente com a abertura econômica, principalmente após a desvalorização cambial de 1999, e estabilizaram a partir do ano 2002.

Nas disparidades econômicas entre os Estados Brasileiros, o papel do investimento público em infraestrutura é essencial, pois consideram a caracterização e a adequabilidade como instrumentos de desenvolvimento regional para as áreas menos favorecidas. Sendo assim, as disparidades regionais devem ser analisadas com mais atenção e cuidado pelas autoridades públicas, no sentido de melhor qualificar a mão de obra, incentivando políticas internas de crescimento nos Estados subdesenvolvidos, a fim de equiparar ao crescimento dos demais Estados.

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A Evolução dos Sistemas de Gestão Ambiental: o caso do Laboratório de Camarões Marinhos

Environment Management System Evolution: the case of Marine Shrimps Laboratory

Rafael Feyh Jappur1

Antonio Costa Gomes Filho2

Marilene Bronoski3

Fernando Antonio Forcellini4

Resumo

O estado da arte em um Sistema de Gestão Ambiental se dá quando ele consegue a certificação NBR ISO 14001. Isso significa que as práticas e procedimentos de gestão de aspectos e impactos ambientais estão adequados, por proporcionarem à organização os elementos para o atendimento à legislação e para o cumprimento dos requisitos de melhoria contínua e prevenção da poluição, além de proporcionarem a obtenção de vantagens interna e externa. Este artigo tem por objetivo mostrar a necessidade de evolução dos sistemas de gestão ambiental, de forma que a garantia da qualidade ambiental seja para toda a cadeia produtiva. A análise é feita a partir de um estudo de caso. A evolução de um único subsistema da Cadeia de Produção de Camarões Marinhos rumo à padronização de processos e obtenção de certificação ISO 14001 não foi o suficiente para garantir a sustentabilidade do sistema. Conclui-se que qualquer empresa, organização ou cadeia de produção precisa evoluir de forma integrada e na opção pela certificação ISO 14.001 há que se pensar em certificação da cadeia produtiva como um todo.

Palavras-chave: Sistemas de Gestão Ambiental; Cadeia Produtiva; Sustentabilidade.

Abstract

The state of the art in an Environmental Management System is when it gets the certification ISO 14001. This means that the practices and procedures for managing environmental aspects and impacts are appropriate for the organization providing the information for compliance and to meet the requirements of continuous improvement and pollution prevention, and provide benefits to obtain internal and external advantaged. This article aims at showing the need for environmental management systems development, so that environmental quality is guaranteed for the whole production chain. The analysis was carried out from a case study. The evolution of a single subsystem of Marine Shrimps production chain toward standardization of processes and obtaining ISO 14001 was not enough to ensure the sustainability of the system. It was concluded that any

1 Professor do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de Santa Catarina - SENAC/SC, Brasil. Discente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina - EGC/UFSC, Brasil, nível doutorado. Contato:[email protected]

2 Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Brasil.Discente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina - EGC/UFSC, Brasil, nível doutorado. Contato: [email protected]

3 Professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Brasil.Possui doutorado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil. Contato: [email protected]

4 Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil. Possui doutorado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil, e Pós-doutorado em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo - USP, Brasil. Pesquisador Nível 2 do CNPQ. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 13/05/2010 - Aprovado em 26/11/2010

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Introdução

As organizações são sistemas sociais abertos em constante interação com o ambiente no qual estão inseridas. As funções administrativas e operacionais devem ser estruturadas e gerenciadas de forma a manter o equilíbrio entre os ambientes geral externo e o ambiente de tarefas internas de maneira a evitar o conflito entre a organização e a sociedade à qual pertence (PRESTES; BULGACOV, 1999).

Por influência da Teoria Geral de Sistemas proposta por Bertalanfy, na década de 1950, (Bertalanfy, 1977), a Ciência das Organizações incorporou o conceito de sistema aberto; isso trouxe à tona a forma de se pensar a empresa a partir de processos e uma visão de interação com as necessidades dos stakeholders internos e externos ao sistema empresarial.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, esse conceito de processos foi incorporado ao ambiente empresarial, inicialmente pelas empresas orientais, em especial pela indústria automotiva japonesa e, posteriormente, na década de 1980, no mundo ocidental, com a proposta denominada de Reengenharia de Processos (HAMMER; CHAMPY, 2003).

No entanto, até a década de 1980, o cliente, notadamente, o stakeholder principal do cenário organizacional, não era tão valorizado em função das poucas empresas atuantes e, consequentemente, de poucos produtos existentes. A década de 1980 inaugurou a necessidade de maior integração da empresa com o seu ambiente externo, colocando o cliente como sujeito das decisões empresariais.

A evolução dos Sistemas de Gestão Ambiental também tem seu marco inicial a partir daquele período, pois a preocupação com a preservação do meio ambiente, conjugada com a melhoria das condições sociais e econômicas da população mundial, trouxe o conceito de ecodesenvolvimento,

sendo mais tarde substituído por Desenvolvimento Sustentável (LEIS, 1999). As cinco dimensões da sustentabilidade - social, econômica, ecológica, espacial e cultural - foram fundamentadas conceitualmente por Sachs (1993).

No macroambiente empresarial os estudos focam o Desenvolvimento Sustentável; no contexto do microambiente empresarial, o conceito mais utilizado é o do triple bottom line – TBL e se refere à prosperidade econômica, qualidade ambiental e progresso social e à construção de métricas que permitem mensurar a atuação da empresa nas esferas econômica, social e ambiental.

Este artigo discorre sobre a evolução dos Sistemas de Gestão Ambiental, enfocando a necessidade de visão sistêmica da cadeia produtiva.

A pesquisa foi caracterizada como descritiva, tomando-se como fonte primária um estudo de caso desenvolvido e sua certificação em um laboratório de larvicultura de camarões marinhos, situado em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

1. Os subsistemas da cadeia produtiva de camarões marinhos

A idéia de sistema induz à idéia de ordem, arranjo, plano, método e busca da racionalidade, mesmo que parcial. A ausência de organização poderia se chamar de “caos”, de forma que um sistema organizacional é um conceito, uma visão funcional e estática da organização (PRESTES; BULGACOV, 1999).

A empresa, tipo especial de organização, enquadra-se no modelo de sistemas abertos, considerando sua contínua interação com o ambiente, recebendo e transformando insumos em produtos acabados, de acordo com Montana e Charnov (1998).

O conceito de sistema aberto é também aplicado na cadeia de produção do cultivo de camarão marinho, que apresenta três elementos principais: o laboratório de reprodução e larvicultura, a fazenda

company, organization or production chain needs to evolve in an integrated way, and in choosing ISO 14001 certification it is to consider the certification of the production chain as a whole.

Key words: Environmental Management Systems; Supply Chain; Sustentability.

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de engorda e o centro de processamento para o mercado. O Laboratório de Camarões Marinhos - LCM é um subsistema do sistema de reprodução e larvicultura de pós-larvas de camarão marinho.

Figura 1 – Fluxograma da Cadeia Produtiva do Camarão Marinho

Fonte: Os autores.

O fluxo de informações permeia toda a cadeia produtiva, entre os seus diversos componentes. Buscam-se informações no fornecedor (capacidade de fornecimento, tecnologias utilizadas, logística de ressuprimento) que, ao mesmo tempo, avalia o poder de compra e demanda do cliente e assim sucessivamente. O fluxo de informações é, portanto, nos dois sentidos (bidirecional), desde o produtor primário, até o consumidor final (usuário). Já o de mercadorias/produtos é unidirecional, em se tratando de logística direta, visto que é o fluxo físico que segue do produto primário (origem da cadeia), até o consumidor final. Salvo, é claro, em caso de devolução, reutilização num processo anterior, situações contempladas na da logística reversa.

2. A evolução dos sistemas

O conceito de “evolução dos sistemas técnicos” defende a idéia de que todo sistema evolui. Essa evolução pode ser a partir de uma idéia inicial para a qual o sistema técnico ainda não existe de forma organizada, como também para sistemas já existentes. Tal consideração foi utilizada como base para a Teoria da Resolução de Problemas Inventivos – TRIZ - desenvolvida por Genrich Altshuler (1926-1998) conforme relembra Demarque (2005).

Se o sistema evoluiu como um todo, infere-se que seus subsistemas também evoluíram,

no entanto, isso nem sempre ocorre de forma simultânea. Tomando como exemplo o sistema de qualidade, que envolve processos, recursos, atitudes e responsabilidades de forma que a sua sobrevivência depende do nível de atendimento ao mercado e acompanhamento de suas evoluções por todos os subsistemas do sistema empresa.

Para Juran (1995), o Gerenciamento da Qualidade por Toda a Empresa (GQTE) é uma abordagem sistemática para se estabelecer e atingir metas da qualidade na empresa como um todo; no planejamento por departamentos, ele deve identificar e concentrar-se nas poucas atividades mais vitais; os clientes podem constituir todo um elenco de personagens, sendo que o planejamento departamental da qualidade deve identificar e concentrar-se nos poucos clientes mais importantes (Classe A, dentro da Classificação ABC). Nesse sistema, a metodologia aplicada é a mesma que a aplicação em toda a empresa, somente restrita à divisão em que se pretende planejar a qualidade, isoladamente.

Dentro desse contexto, na evolução dos sistemas empresariais, a gestão de processos tornou-se ferramenta substancial para a melhoria contínua dos processos críticos de uma organização. Cada vez mais a exigência da sociedade para que as empresas assumam sua responsabilidade socioambiental tem forçado as empresas a evoluírem, especialmente em seus sistemas de gestão ambiental. O movimento ambientalista chegou para ficar e cabe às empresas adequarem-se a essa realidade.

Considerando esse cenário, de crescente preocupação com a variável ambiental, é que muitas organizações padronizaram seus processos de gestão voltados a esse enfoque. O conceito de gestão ambiental para organizações pode ser definido como um sistema administrativo integrado aos demais processos gerenciais que busca a excelência da performance ambiental (ALMEIDA, 2002).

A evolução dos Sistemas de Gestão Ambiental encontra sua maior dificuldade no jogo de forças existente entre os diversos stakeholders. Antes da década de 1980, por exemplo, os clientes e o movimento ambientalista não tinham força e

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os sistemas de Marketing e os Sistemas de Gestão Ambiental não evoluíram, predominando o lucro a todo custo, em atendimento ao acionista que tinha maior influência no sistema empresa.

Um método inovador que considera a sustentabilidade como consequência das ações de inovação e responsabilidade social empresarial incorporada à visão de longo prazo do modelo de negócios foi desenvolvido por Gomes Filho et al (2009). Segundo esses autores, o Método para Concepção de Negócios Sustentáveis baseado em TRIZ (MCNS-TRIZ) possibilita evoluir o modelo de negócios incluindo a dimensão social e a dimensão ambiental.

3. Abordagem de processos e evolução via padronização

A aplicação de um sistema de gerenciamento por processos em uma organização, junto com a identificação, interações desses processos e sua gestão, pode ser considerada como “abordagem de processo”. Uma vantagem da abordagem de processo é o controle contínuo que ela permite sobre a ligação entre os processos individuais dentro do sistema de processos, bem como sua combinação e interação.

O estabelecimento de processos documentados dá suporte, para que nada importante seja esquecido e também serve para que todos tenham o conhecimento do que fazer, quando fazer, como fazer, por que fazer, onde fazer e dependendo da situação, o quanto custa fazer. Daí a importância da necessidade da existência de processos devidamente formalizados, instruções, registros, para assegurar que os executores da tarefa o façam dentro de um padrão pré-estabelecido do melhor jeito possível e não cada um com o seu próprio jeito (MELLO et al., 2002).

Conforme Harrington (1993), a padronização é um norte para a operacionalização eficiente e eficaz das atividades organizacionais. Ressalta-se ainda, que esses documentos padronizados, podem, de acordo com a necessidade, ser revistos e melhorados. A padronização não significa o

engessamento das atividades organizacionais e sim um mecanismo de suporte à gestão, incluindo os limites de flexibilidade possíveis.

Sob a ótica da gestão, um processo é definido como um ou mais procedimentos/atividades relacionados, os quais coletivamente realizam o objetivo de um negócio dentro de um contexto organizacional definido em papéis e relacionamentos (WFMC, 1999).

Muitas organizações gerenciam suas operações através da aplicação de sistema de processos e suas interações, que podem ser referenciados como “abordagem de processos”. A ABNT ISO 9001 promove a utilização da abordagem de processo. Como o PDCA pode ser aplicado a todos os processos, ela também pode ser compatível com os processos de gestão ambiental (ABNT ISO 14001, 2004).

A implementação de sistemas de gestão ambiental - SGAs - é um movimento organizacional recente e que ganhou velocidade a partir da década de 1990, com a disseminação da norma ISO 14001. De acordo com ISO (2003), o número de certificações de sistemas de gestão no mundo tem crescido significativamente, o que comprova a credibilidade dessas certificações num mercado cada vez mais competitivo e globalizado.

Existem várias metodologias para a implementação e manutenção de sistemas de gestão ambiental, sendo estas baseadas no método do ciclo do “PDCA”, já mencionado anteriormente. A própria ISO 14001 foi concebida com essa base conceitual (HARRINGTON; KNIGHT, 2001). O ciclo “PDCA” foi proposto por Shewhart na década de 1930 e disseminado por Deming na reconstrução do Japão pós-guerra. Ele é considerado por Moura (2008) e Moreira (2006) como a ferramenta mais importante do gerenciamento do SGA, a qual poderá resumir todo processo de gestão. Compõe-se pelo “P” de plan (planejar), “D” de do (realizar), “C” de check (verificar) e “A” act (atuar para corrigir).

De acordo com a ABNT ISO 14001 (2002), o processo de operacionalização de um SGA eficiente e eficaz com base no “PDCA” deve ser alcançado por meio da seguinte forma:

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• Planejar: estabelecer os objetivos e processos necessários, para atingir os resultados em conformidade com a política ambiental da organização.

• Executar: implementar os processos.

• Verificar: monitorar e medir os processos em conformidade com a política ambiental, objetivos, metas, requisitos legais e outros, relatando seus resultados.

• Agir: agir para continuamente melhorar o desempenho do SGA.

O conceito de gestão ambiental para empresas pode ser definido como um sistema administrativo integrado aos demais sistemas que suportam os processos gerenciais e que buscam a excelência da performance ambiental. Para Almeida (2000), gestão ambiental é a forma de como a empresa se mobiliza, internamente e externamente, para a conquista da qualidade ambiental desejada. Viterbo Junior (1998) enfatiza que a gestão ambiental é como a organização administra as relações entre suas atividades e o meio ambiente, observando as partes interessadas (consumidores, empregados, ONG’s, comunidade, entre outros).

De uma maneira geral, a gestão ambiental é um meio administrativo que liga as atividades de uma organização ao meio ambiente, com a finalidade de prevenir e minimizar os impactos ou efeitos ambientais causados direta e/ou indiretamente por ela. A aplicação de um sistema de gestão ambiental (SGA) é a melhor estratégia de gestão ambiental, com menor custo e de forma permanente, segundo Almeida (2000).

A norma ambiental ISO 14001 é o método mais aceito e difundido internacionalmente de SGA, segundo Harrington e Knight (2001). Ela é a tentativa de homogeneizar e padronizar conceitos, ordenar atividades e criar procedimentos que sejam reconhecidos por aqueles que estejam envolvidos com alguma atividade produtiva que possam gerar impactos ambientais.

Nesse contexto, no caso do Laboratório de Camarões Marinhos, local de estudo, buscou-se a fundamentação nos requisitos normativos

propostos pela NBR ISO 14001. O entendimento dos autores deste artigo é que o estado da arte é atingido pela certificação, isso em termos de práticas e procedimentos de gestão de aspectos e impactos ambientais, e também por proporcionarem à organização os elementos para o atendimento à legislação e para o cumprimento dos requisitos de melhoria contínua e prevenção da poluição.

Além de possibilitarem a obtenção de vantagens diferenciais internas e externas, a padronização dos processos dos Sistemas de Gestão Ambiental caracteriza sua evolução e visa apoiar a sustentabilidade competitiva das organizações.

4. A evolução do laboratório de camarões marinhos (lcm) à padronização e certificação pela iso 14001

A criação de camarões em cativeiro (carcinicultura) é uma atividade que nos últimos anos tem apresentado grande expansão mundial, assumindo considerável importância socioeconômica em diversos países (ANDREATTA, 2002).

A cadeia produtiva do cultivo de camarão marinho no caso em estudo apresenta três elementos: o laboratório de reprodução/larvicultura, a fazenda de engorda e o centro de processamento para o mercado. O Laboratório de Camarões Marinhos (LCM) está posicionado no segmento de reprodução/larcicultura de pós-larvas de camarão marinho.

Idealizado para promover o desenvolvimento do cultivo de camarões marinhos na região sul do Brasil, a construção do LCM iniciou-se em novembro de 1983, tendo sido inaugurado em 5 de janeiro de 1985. Em 1984, a Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - iniciou as pesquisas com reprodução e cultivo das espécies nativas. Durante dezessete anos, dedicou-se ao desenvolvimento de tecnologia para reprodução e cultivo das espécies nativas P. paulensis e P. schmitti, que, apesar dos ótimos resultados na reprodução, em escala comercial não foram competitivos nas fazendas de produção. Durante esse período, grande parte do potencial do laboratório foi usada para programas

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sociais, através do repovoamento de Lagoas Costeiras (entre os anos de 1991 a 1997).

Com o intuito de viabilizar a atividade de carcinicultura em Santa Catarina, no segundo semestre de 1998, a UFSC e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do Estado de Santa Catarina (EPAGRI) foram responsáveis pela introdução da espécie Litopenaeus vannamei nas fazendas existentes no Estado.

O LCM possui capacidade instalada para produzir 60 milhões de pós-larvas (filhotes de camarão) por mês, além de atuar nas áreas de ensino, pesquisa, planejamento e transferência de tecnologia, atua no povoamento das fazendas de cultivo de camarão marinho existentes em toda a Região Sul do Brasil.

Em suas primeiras etapas, o cultivo de camarões se baseava nos recursos naturais, como, por exemplo, a captura de pós-larvas silvestres, os viveiros semi-naturais, os alimentos naturais e o uso de grandes ecossistemas para recepção dos efluentes. Essa grande confiança nos recursos naturais conduziu a problemas de impacto ambiental. No entanto, à medida que a indústria foi avançando, o uso de recursos naturais foi diminuindo a favor de um melhor controle, eficiência e sustentabilidade (CHAMBERLAIN, 2001).

Os aspectos ambientais da carcinicultura são relativamente claros, sendo os impactos negativos da indústria extensivamente relatados na literatura como a destruição de mangues, captura de pós-larvas na natureza, poluição das águas, salinização de solos e mananciais de água potável, além dos conflitos sociais (GESAMP, 1991; MACINTOSH et al. 1992; PILLAY, 1992; PHILLIPS, 1993; BARG, 1994; FAO/NACA, 1995; PRIMAVERA, 1998; AYPA, 1999; NURDJANA; 1999; CNA, 1999; RAHMANN, 1999).

Na maioria dos países importadores de camarão, o público está geralmente atento para a necessidade de proteger o meio ambiente e os recursos naturais para as futuras gerações. Um número crescente de consumidores leva em conta as consequências ambientais quando compra certos produtos, o que vai desde a recusa em adquirir um

produto que tenha impactos ambientais negativos ao longo de sua cadeia produtiva, até a disposição de pagar mais por um produto com efeitos sócio-ambientais relativamente benignos (BOYD et al., 2002).

Considerando a perspectiva de abertura de novos mercados e as pressões das partes interessadas em relação às questões ambientais (comunidade, ONG´s, órgãos ambientais, entre outros), que o LCM-UFSC decidiu implementar um SGA, em conformidade com a ISO 14001. A finalidade dessa implementação foi a possibilidade de obtenção de uma certificação ambiental, concedida por um organismo auditor independente e o mapeamento dos processos.

Antes do início da implementação do SGA, o LCM não possuía processos documentados. As atividades eram executadas de acordo com o conhecimento tácito de seus colaboradores. Contudo, para essa finalidade, foi necessário o mapeamento e a documentação dos processos operacionais e gerenciais, a fim de identificá-los e validá-los junto aos colaboradores responsáveis. Após essas etapas, foi possível incluir a esses processos os controles ambientais concernentes.

O LCM recebeu a certificação de seu SGA em acordo com os requisitos da NBR ISO 14001. O SGA uma vez implantado forneceu os mecanismos gerenciais para que o LCM, além de obter a conformidade com as normas e leis ambientais, pudesse proporcionar aos colaboradores uma série de vantagens sócio-econômicas.

4.1. Os resultados

Como resultados positivos, segundo Richard (2003), verificou-se que o LCM passou de um processo de trabalho informal, anteriormente calcado em conhecimento empírico e sem padronização, para um processo totalmente formal, com procedimentos organizados, padronizados e, também, evoluído. Isso considerando o entendimento de que a ISO 14000 é o que há de mais moderno em termos de garantia da qualidade ambiental.

Entre os benefícios proporcionados pelo SGA no LCM, podem ser citados

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• o estabelecimento de uma política ambiental para o Laboratório;

• o mapeamento e padronização de todos os procedimentos operacionais, para a produção de pós-larvas da espécie Litopenaeus vannamei;

• o levantamento e identificação dos aspectos e impactos ambientais reais e potenciais das atividades realizadas no Laboratório;

• o estabelecimento de objetivos e metas ambientais e dos programas de gestão ambiental (planos de ação que visam à eliminação ou mitigação dos impactos ou potenciais impactos ambientais significativos identificados);

• o atendimento a toda legislação ambiental aplicável ao setor;

• a redução no consumo de energia elétrica e água doce;

• a diminuição no uso e/ou a substituição de produtos químicos por outros menos impactantes; o atendimento às situações de emergência;

• a eliminação do escape de organismos exóticos, para o meio ambiente e a ampliação e aprimoramento do sistema de tratamento dos efluentes sanitários e do processo produtivo, culminando com o monitoramento semanal de 12 parâmetros físico-químicos da água, coletados em mais de dez pontos diferentes, incluindo a Lagoa da Conceição.

Em todas as unidades do Laboratório, as lâmpadas fluorescentes, baterias e rejeitos químicos passaram a ter uma destinação adequada e estão sendo enviados para empresas especializadas na reciclagem desses materiais. Também foi instituído um programa de coleta seletiva de lixo, que segrega mensalmente dezenas de quilos de materiais recicláveis que são doados para empresas de reciclagem.

Como resultado negativo, verificou-se que a evolução de um único subsistema da Cadeia

de Produção de Camarões Marinhos rumo à padronização de processos e obtenção de certificação ISO 14001 não foi o suficiente para garantir a sustentabilidade do sistema por meio da garantia de qualidade em todos os subsistemas da cadeia produtiva.

Com efeito, após a certificação do LCM apareceram alguns problemas na manutenção de sua certificação. Esses problemas foram tanto internos quanto externos ao LCM, ou seja, impactando e sendo impactado por todos os elementos da cadeia produtiva.

Sendo o LCM um subsistema do sistema de reprodução/larcicultura de pós-larvas de camarão marinho, manter a certificação ISO 14001 tanto em termos de dependência na integração de processos quanto em termos de sustentação financeira da certificação, a vinculação direta e a vinculação indireta ao restante da cadeia produtiva (figura 1) era uma realidade a ser considerada ao adotar-se a estratégia da certificação, de forma que a manutenção da certificação tornou-se inviável financeiramente, devido ao problema ocorrido no subsistema da cadeia.

A idéia inicial era de aprender com o SGA e disseminar os conhecimentos para os produtores. Várias atividades para esta disseminação foram desenvolvidas, tais como: palestras, seminários, apoio técnico e científico para as associações dos fazendeiros, legalização das áreas de manejo, entre outras. Porém, surgiram algumas barreiras ao longo desse processo. Aspectos relacionados à liderança, cultura e estrutura, aqui abordadas, foram muito intensos, dificultando a captura e o entendimento do aprendizado por boa parte dos fazendeiros.

Essas barreiras levaram ao que Levinthal e March (1993) apontaram sobre a analogia da cegueira e o compartilhar de percepção. Os líderes desse processo de compartilhamento não conseguiram persuadir as lideranças locais para uma mudança cultural sustentável. O aumento da produção, a preocupação com maiores lucros e a falta de percepção com qualidade ambiental, culminou com aparição do vírus da mancha branca,

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gerando grandes perdas econômicas e quebrando boa parte da cadeia produtiva. As 110 fazendas de produção no Estado, 90% delas em Laguna, Sul do Estado, que antes produziam 4,5 mil toneladas do crustáceo por ano e que rendiam R$ 40 milhões, hoje estão desativadas ou são utilizadas em atividades econômicas alternativas.

Considerações finais

Este artigo discorreu sobre a evolução dos sistemas de gestão ambiental, enfocando a necessidade de visão sistêmica da cadeia produtiva.

A profissionalização de qualquer empreendimento se dá pela evolução, e essa evolução deve sempre levar em conta seu caráter sistêmico, sob pena de haver retrocessos.

Igualmente aos outros sistemas organizacionais, os sistemas de Gestão Ambiental buscam atingir a sua evolução junto ao que foi chamado aqui de “estado da arte”. O estado da arte é entendido nesse contexto, como sendo aquele mais atual da evolução de um determinado sistema, e no caso dos SGAs, foi aceito como sendo a certificação ISO 14.001.

No entanto, o que se observa é que em alguns casos, as organizações adotam a certificação da qualidade, e num momento seguinte voltam atrás, abrindo mão da certificação, demonstrando que o seu próprio sistema de gestão estratégica não está evoluído. Esse lapso, ou não discernimento dos reais motivos que levariam uma empresa a optar pela certificação normalmente passa pelo contexto em que ela está inserida; a exigência do cliente, a adoção da certificação como um modismo, ou seja, porque a concorrente também fez a empresa também

resolve imitar, e por fim, os custos com manutenção da certificação, que incluem, principalmente, custos com consultorias independentes.

O que se precisa ter em mente é que a evolução de apenas um subsistema de uma organização causa um desequilíbrio do ponto de vista sistêmico; é evidente que a abordagem por processos que defende a melhoria contínua diz que se deve melhorar em “processos críticos” ao negócio num primeiro momento, no entanto, num segundo momento, isso deve ser estendido a toda a organização. A certificação da qualidade não pode-se dar apenas no setor produtivo, mas em toda a empresa, e isso é visão holística de processo de gestão.

Os problemas acima são comuns a empresas já constituídas, levando-se a pensar, que, ou se evolui o sistema empresarial e seus subsistemas como um todo, ou a sua sustentabilidade, aqui entendida como perenidade no tempo, estará comprometida. Na década de 1980, a solução foi a Reengenharia.

Conforme foi visto no caso do Laboratório de Camarões Marinhos, o problema já conhecido pelas empresas aplica-se também a uma cadeia produtiva; a certificação ISO 14001, conseguida a muito trabalho, mostrou-se insustentável pelo não acompanhamento da evolução da cadeia produtiva, comprometendo a sustentabilidade na manutenção da certificação e obrigando o laboratório a abrir mão de uma conquista já consolidada naquele subsistema da cadeia produtiva.

Conclui-se que qualquer empresa, organização ou cadeia de produção precisa evoluir de forma integrada e na opção pela certificação ISO 14.001 há que se pensar em certificação da cadeia produtiva como um todo.

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Projetos Brasileiros de Aterro Sanitário no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: uma análise dos indicadores

de sustentabilidadeBrazilian’s Landfill Projects to Clean Development Mechanism: analyzing the indicators of sustainability

Miriam Tiemi Oliveira Takimura1

Valdir Machado Valadão Júnior2

Resumo

Discussões relacionadas ao aquecimento global desencadearam, entre outras iniciativas, o Protocolo de Quioto, cuja participação brasileira se dá por meio dos projetos MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo). O objetivo deste estudo foi verificar se os projetos brasileiros de aterro sanitário, poderiam ser caracterizados como sustentáveis na divulgação de seus dados, analisando os indicadores ambientais, sociais e econômicos neles previstos. O estudo é dito descritivo qualitativo sendo o método de procedimento a análise de conteúdo clássica. Partiu-se pelo levantamento de indicadores nacionais e internacionais que atendiam ao tripé de sustentabilidade proposto por Elkington (1997), obtendo-se a combinação entre Dashboard of Sustainability e Indicadores de Sustentabilidade do IBGE. Ao confrontarem-se os dados dos projetos com as categorias selecionadas, não foi possivel comprovar a sustentabilidade. Uma segunda apreciação ponderou os critérios descritos na Resolução n.1, de 11 set. 2003, da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, quanto à contribuição dos projetos para o desenvolvimento sustentável. Mesmo com a crítica adicional não se consegue comprovar a sustentabilidade. Chega-se à consideração de que a abordagem econômica prevalece em detrimento das abordagens ambiental e social, ficando claro que os projetos só existem por causa de suas respectivas viabilidades econômicas.

Palavras-chave: Sustentabilidade; Protocolo de Quioto; Aterro Sanitário.

Abstract

Discussions about global warming led, among others initiatives, to Kyoto Protocol where Brazilian participation is represented by CDM’s projects (Clean Development Mechanism). The general objective of this paper was to verify if Brazilian landfill site could be defined as sustainable according to their data, analyzing the environmental, social and economic indicators forecasted. The study is defined as qualitative descriptive and the method of procedure is the analysis of classical content. It started from the national and international searching indicators, that agrees with the tripod of sustainability proposed by Elkington (1997), getting the combination of Dashboard of Sustainability and IBGE (Brazilian Institute for Geography and Statistics) Indicators of Sustainability. Comparing projects data with categories selected, it was not possible to prove the sustainability. One second assessment was done considering the criteria from Resolution nr.1 dated September 11, 2003 of Climate Global Changing Committee, in order to

1 Professora da Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Brasil.Possui Mestrado em Administração pela Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Uberlândia - FAGEN/UFU, Brasil. Graduada em Administração e Engenharia Civil pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Brasil. Contato: [email protected]

2 Professor Adjunto da Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Uberlandia - FAGEN/UFU, Brasil.Possui doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil, e Mestrado em Administração pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 22/07/2010 - Aprovado em 18/12/2010

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verify the contribution of projects for sustainable development. Even with additional criticism it cannot prove the sustainability. It was concluded that economic approach prevails on environmental and social approach, being clear that projects only exist because of economic viability.

Key words: Sustainability; Kyoto Protocol; Landfill site.

Introdução

Aquecimento global significa o aumento, além do normal, da capacidade de a atmosfera reter calor. Não se sabe ao certo as consequências decorrentes do aquecimento da Terra. Sabe-se que certos lugares ficam mais quentes, outros mais frios, assim como ocorrem alterações de umidade ,tornando certos lugares mais secos, outros mais úmidos (HAWKEN et al, 1999).

Do mesmo modo que existem cientistas empenhados em provar a interferência antropogênica do aquecimento global, existem aqueles que não concordam com os estudos realizados. A grande crítica se dá ao analisar as variações naturais de temperatura. Através de estudos geológicos provou-se que as variações sempre ocorreram, fazendo parte da história e da evolução das espécies (EEROLA, 2003). Os dados de medições meteorológicas de temperatura são recentes, datam de aproximadamente 100 anos. Porém, cem anos é um período de significado desprezível do ponto de vista geológico, por isso as críticas.

O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) utiliza essas medições recentes para provar o aquecimento, mas não deixa claro que no, período entre 1925 a 1946, o planeta Terra se aqueceu mais rapidamente quando a quantidade de CO2 lançada na atmosfera era inferior a 10% da atual. E que, entre 1947 e 1976, ocorreu um resfriamento, mesmo quando os países passavam por um grande processo de desenvolvimento econômico decorrente do fim da Segunda Guerra (MOLION, 2008). Outro ponto levantado pelo autor é que a atividade solar ainda pouco conhecida também é variável ao longo do tempo e influencia diretamente o clima da Terra.

Mesmo que não se possa culpar o homem e seu processo de desenvolvimento pelas mudanças climáticas, muitos estudiosos concordam que é necessário se posicionar frente às consequencias

que o aumento da poluição decorrente da emissão de CO2 possa gerar no efeito estufa. Não é possível esperar por séculos para confirmar se a degradação do meio ambiente, juntamente com o aumento populacional, vai dispor para as gerações futuras os mesmo recursos atuais.

Neste cenário, a ONU (Organização das Nações Unidas) teve a iniciativa de reunir os países para debater o tema, chegando ao chamado Protocolo de Quioto, no qual as nações industrializadas que aderiram à convenção se obrigaram a reduzir emissões. Isso se faz modernizando fábricas, exigindo maior controle na emissão de CO2, e, com muita informação para toda a sociedade. Um dos elementos discutidos nos projetos voltados ao Protocolo de Quioto é a sustentabilidade. Para ser sustentável, cada projeto deve conter, em si, indicadores que o apontem como viável, não apenas economicamente, mas também social e ambientalmente, noutras palavras, a ideia do triple-botton-line proposto por Elkington deve estar presente (ELKINGTON, 2001). Além do fato de melhorar a qualidade do ar atmosférico, o MDL (Mecanismo de Desenvolivimento Limpo) e os certificados de redução de carbono, são vistos como um mercado de grandes perspectivas para o Brasil.

Na primeira etapa do acordo, de 2008 a 2012, o país não tem cotas a cumprir e pode participar apresentando projetos de redução ou captura de carbono. Os projetos movimentam grandes valores monetários e a mídia oferece destaque. Os créditos de carbono gerados pelos projetos podem ser negociados diretamente entre a empresa responsável pelo desenvolvimento e acompanhamento do projeto e a empresa compradora, ou em Bolsas de Valores. A BM&F (Bolsa de Mercadorias de Futuros) realizou seu primeiro leilão global pela internet para venda de créditos gerados em fevereiro de 2008. Foram negociados aproximadamente R$33 milhões através do projeto Bandeirantes de Gás e Geração

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de Energia da Prefeitura de São Paulo (ACIONISTA, 2008).

Porém, além da questão econômica, o termo sustentabilidade vem acompanhando essa ênfase. Saber o que significa sustentabilidade e sua abrangência torna-se imprescindível, já que o termo é amplamente utilizado. O problema de pesquisa levou à busca de referencial sobre o assunto. Essa investigação revelou que o conceito de sustentabilidade é amplo, geral e relativamente novo, pois as primeiras referências surgem a partir da década de 1970. É preciso conhecer melhor suas características e limitações, para tornar mais significativo o emprego do termo para a sociedade em geral. Para que seja possível tornar aplicáveis os conceitos, é necessário conhecer e utilizar ferramentas que permitam uma mensuração e para tal utilizam-se indicadores e índices de sustentabilidade.

1. Problema de pesquisa e objetivo

Partindo-se do pressuposto de que um projeto aprovado é sustentável, esta pesquisa é fundamentada no seguinte problema: quais indicadores de sustentabilidade em nível ambiental, social e econômico, conforme indicadores previamente selecionados e critérios presentes na Resolução n.1 de 11/set/2003 estão presentes nos projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, inseridos no Protocolo de Quioto, para aterros sanitários no Brasil? O objetivo é verificar se os projetos brasileiros de aterro sanitário no MDL podem ser caracterizados como sustentáveis na divulgação de seus dados, analisando os indicadores ambientais, sociais e econômicos.

Quando delimitada a pesquisa, fez-se a eleição pela análise dos projetos de aterro sanitário por ser um ramo de negócio voltado à gestão pública, por isso, em tese, comprometida com o bem comum. Normalmente, a gestão pública tem participação associada à gestão privada, seja na execução de parte do processo de descarte do lixo ou na fiscalização do serviço executado. O esforço despendido para melhor disposição do lixo urbano é grande e a quantidade de resíduo

sólido gerado tem aumentado significativamente (IBAM, 2007), preocupação que contribuiu para a seleção. Não se pode generalizar, entretanto, é natural imaginar que demais projetos que partem da iniciativa privada busquem o retorno financeiro com a negociação de créditos de carbono, redução na emissão de poluentes e exploração da imagem decorrente da participação em ações ambientais e sociais.

2.Revisão bibliográfica

A questão socioambiental tem origem em duas frentes distintas, a gestão social e a gestão ambiental. A questão da atuação dos órgãos públicos na resolução de problemas sociais é discutida conjuntamente com a atuação e responsabilidade das empresas privadas em geração de bens e riqueza e benefício da sociedade. Schroeder e Schroeder (2004), em seu artigo, discutem o poder das organizações ao assumirem as causas sociais e questionam até onde essa atuação é benéfica sem gerar dependência. Quando as empresas assumem a responsabilidade social, podem desenvolver “programas de relação com empregados, serviço público e à comunidade, assistência médica e educacional, desenvolvimento e renovação urbana, cultural, arte ou recreação”, ou seja, “a empresa além de prover a sociedade de bens e serviços, terá sob seus domínios o bem-estar do cidadão” (SCHROEDER; SCHROEDER, 2004, p.5-6).

Já Schommer e Rocha (2007, p.14) debatem a questão, enfatizando que “pelo poder que elas concentram, empresas não podem estar de fora do debate público e da renegociação do pacto social”, a elas não cabe a neutralidade, perante os desafios sociais e ambientais, visando somente à lucratividade. Muito há de ser estudado e realizado para se chegar ao ponto de equilíbrio na busca do desenvolvimento sustentável, tanto em nível público quanto privado.

Já a questão ambiental antes era vista como uma bandeira levantada por ambientalistas extremos e organizações não governamentais que traçavam panoramas pessimistas quanto à continuidade de vida no planeta Terra. Esses grupos não aceitavam a

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sociedade de consumo e seus hábitos e realizavam manifestações e piquetes nas empresas e indústrias que ofereciam produtos considerados não-corretos. As organizações empresariais, com seu poderio de fabricação e distribuição de produtos, eram consideradas as vilãs, pois elas poderiam ser a ferramenta de mudança para a melhoria social e ambiental do planeta (SOUZA, 2005).

A partir de 1968, quando foi fundado o Clube de Roma, tornou-se evidente que a preocupação com o meio ambiente era mundial. O grupo composto por especialistas de várias áreas de conhecimento e de vários países, reuniram-se com o objetivo de analisar as questões ambientais e sociais da época e as suas consequências futuras. Em 1972, publicou-se o Relatório de Limites do Crescimento, que condenava a busca incessante do crescimento da economia sem considerar as implicações decorrentes (HOFF; PRETTO, 2008). A grande contribuição do relatório foi mostrar que os recursos naturais eram extinguíveis. E que, em nossa civilização, não se cria valor econômico sem haver, como contrapartida, degradação do ambiente.

Novos grupos surgiram baseados na cooperação de todos os países na busca de soluções a respeito das relações humanas e meio ambiente. O Protocolo de Quioto foi firmado em dezembro de 1997, durante a COP 3 (Conferência das Partes), em Quioto, Japão. É um tratado internacional com o compromisso de redução de gases responsáveis pelo efeito estufa que gera o aquecimento global. O acordo foi firmado por 175 países sendo que 36 países desenvolvidos se comprometeram a reduzir suas emissões de GEE no período de 2008 a 2012 (MCT, 2007).

O Brasil também é um emissor de GEE, principalmente pelas elevadas taxas de desmatamento e queimadas, especialmente na região amazônica, porém não possui cotas de redução neste primeiro período. O país, juntamente com outras nações em desenvolvimento, não listadas no Anexo I, podem contribuir com a redução das emissões por meio de projetos do MDL. Este, descrito no artigo 12 (MCT, 2007), permite a um país industrializado financiar, em

outros em desenvolvimento, projetos que reduzam as emissões de poluentes atmosféricos e descontar de sua cota o que tiver sido reduzido pelos países por eles financiados. Cada tonelada de carbono, que deixa de ser emitida pela adoção de novas tecnologias, poderá ser negociada com outros países e usada como uma maneira de cumprirem suas metas de redução de emissões. Assim, o Brasil pode alterar e aperfeiçoar a tecnologia empregada visando à redução de emissão de CO2 em seu processo produtivo e ainda gerar créditos de carbono que serão vendidos no exterior, isto é como obter patrocínio pela boa performance.

Esse mecanismo estabelece que cada governo é responsável pelo critério de desenvolvimento sustentável em seu país e, portanto, os projetos devem passar pela aprovação dos governos nacionais segundo suas necessidades e prioridades. A AND (Autoridade Nacional Designada), comissão brasileira destacada para análise das conformidades, visa atender os requisitos de desenvolvimento sustentável, delineada na “Resolução n. 1”, de 11 de setembro de 2003, segundo cinco critérios básicos: “distribuição de renda, sustentabilidade ambiental local, desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de emprego, capacitação e desenvolvimento tecnológico, e integração regional e articulação com outros setores” (MCT, 2008, p.2).

O termo desenvolvimento sustentável e sustentabilidade auxiliou na difusão da gestão socioambiental. Em concordância com Almeida (2000) e Van Bellen (2002), ao procurar e estudar os termos desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, encontrou-se uma profusão de conceitos e definições que se confundem com as diversas abordagens dadas ao tema, dos diversos campos de estudo e das ideologias e dimensões que cada organização adota. Foi utilizado o termo desenvolvimento sustentável como aquele que se preocupa em atender às necessidades da geração atual, sem esquecer as gerações futuras. Esse conceito foi definido pela Comissão Brundtland em 1987 e é o mais conhecido e difundido mundialmente, de acordo com Elkington (2001).

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Elkington, em 1997, dividiu o termo sustentabilidade em três dimensões, isto é, para que a busca pela sustentabilidade seja possível é necessário atender à prosperidade econômica, à qualidade ambiental e à igualdade social, o chamado triple-bottom-line. Essa decomposição permite a mensuração e tomada de decisão em diferentes frentes que ao final irão compor a gestão socioambiental.

Ainda assim, é dificil medir a sustentabilidade de uma nação, localidade, negócio ou empresa. Quando se faz referência a ferramentas de medição, precisa-se utilizar indicadores para tal. Na busca por indicadores de sustentabilidade em vigência, encontrou-se em abundância várias metodologias, utilizadas nacionalmente ou internacionalmente. O levantamento trouxe autores que buscaram conhecer os indicadores da sustentabilidade como Van Bellen (2002), Coral, Strobel e Selig (2004), Gamboa, Mattos e Silva (2005), Benetti (2006), Soares, Strauch e Ajara (2006), Bufoni, Ferreira e Legey (2007), Barddal e Alberton (2008), dentre outros. A quantidade de abordagens, metodologias e critérios adotados são decorrentes da finalidade da mensuração da sustentabilidade, do campo de estudo e da organização ou instituição ligada. Cada qual utiliza a mais conveniente ou faz adaptação de alguma existente para os moldes necessários à situação. Acredita-se que o problema dessa miscelânea seja em decorrência do conceito de sustentabilidade não ser único e ter abordagens diversas. Então o que é informado como sustentável,

nem sempre o é, depende da metodologia utilizada e o critério de análise realizado.

3.Metodologia

A base de pesquisa se dá nos textos dos projetos de MDL já aprovados, até 05/junho/2008, disponíveis na página eletrônica do Ministério da Ciência e Tecnologia. Cabe aos aterros sanitários 27 projetos em atividade, sendo 26 aprovados. Nesta análise, a totalidade da amostra foi analisada, conforme Quadro 1.

Quanto aos objetivos, neste estudo em particular, a pesquisa é classificada como descritiva, pois os fatos serão observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interfira sobre eles. Quanto aos procedimentos, isto é, a maneira pela qual se obtem os dados necessários para a elaboração da pesquisa, é categorizada como análise de documentos (ANDRADE, 2004).

Fez-se então a escolha pela análise de conteúdo clássica - abordagem qualitativa - em que trechos dos documentos são utilizados para comprovação da sustentabilidade ou não dos projetos aprovados. De acordo com Bauer (2002), um texto pode apresentar uma riqueza de informações pois “do mesmo modo que as falas, referem-se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões das pessoas, e algumas vezes nos dizem mais do que seus autores imaginam” (BAUER, 2002, p.189). Seguindo o

Quadro 1 - Relação de projetos MDL de aterros sanitários

Projeto Título Local

0001/2004 Projeto NovaGerar - Projeto de Energia a partir de Gases de Aterro Sanitário Nova Iguaçu - RJ P1

0002/2004 Projeto Vega Bahia - Projeto de Gás de Aterro de Salvador da Bahia Salvador - BA P2

0004/2004 Projeto de Energia de Gases de Aterro Sanitário da Empresa MARCA Cariacica - ES P3

0005/2005 Projeto de Conversão de Gás de Aterro em Energia no Aterro Lara – Mauá – Brasil Mauá - SP P4

0006/2005 Projeto ONYX de Recuperação de Gás de Aterro Tremembé - Brasil Tremembé - SP P5

0010/2005 Projeto de Recuperação de Gás de Aterro ESTRE - Paulínia (PROGAE) Paulínia - SP P6

0011/2005 Projeto de Redução de Emissões de Biogás, Caieiras - Brasil Caieiras - SP P7

0013/2005 Projeto Bandeirantes de Gás de Aterro e Geração de Energia em São Paulo, Brasil São Paulo-SP P8

0016/2005 Projeto de Gás do Aterro Sanitário Anaconda Santa Isabel - SP P9

0021/2005 Projeto São João de Gás de Aterro e Geração de Energia no Brasil São Paulo-SP P10

0076/2006 Projeto de Gás de Aterro Sanitário Canabrava - Salvador-BA, Brasil Salvador - BA P11

(continua)

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raciocínio do autor “a validade da AC (análise de conteúdo) deve ser julgada, não contra uma ‘leitura verdadeira’ do texto, mas em termos de sua fundamentação nos materiais pesquisados e sua congruência com a teoria do pesquisador, e à luz de seu objetivo de pesquisa” (BAUER, 2002, p.191).

Na busca por indicadores, Van Bellen (2002) apontou 18 diferentes métodos utilizados internacionalmente para medição de sustentabilidade e, destes, o autor considera três ferramentas como mais relevantes: Ecological Footprint, Barometer of Sustainability e o Dashboard of Sustainability. No âmbito nacional, oito foram os modelos tomados como referência, baseados em estudos realizados por Coral, Strobel e Selig (2004), Gamboa, Mattos e Silva (2005), Soares, Strauch e Ajara (2006), Bufoni, Ferreira e Legey (2007) e Barddal e Alberton (2008), para citar alguns.

Foram selecionados o Dashboard of Sustainability e o critério do IBGE, por se enquadrarem dentro das perspectivas de análise ambiental, social e econômica, segundo o tripé da sustentabilidade proposto por Elkington (1997) e o artigo 3 parágrafo 14 do Protocolo de Quioto, que menciona a necessidade de implementação de medidas que minimizem os efeitos sociais, ambientais e econômicos. Ambos possuem a vertente

institucional, referente às ações públicas em prol do desenvolvimento sustentável. Essa vertente não foi levada em consideração na apreciação proposta, uma vez que o presente estudo tem a análise focada em projetos brasileiros de aterros sanitários que partem da iniciativa privada, operados por terceiros, e não se leva em conta a localidade, a região de implementação ou a orientação política.

A partir das duas metodologias, houve a seleção de critérios de análise pertinentes a aterro sanitário, descritos no Quadro 2.

Quadro 2 - Indicadores unificados para análise

Dimensão Indicadores

Dimensão Ambiental

Emissão de gases estufa; Concentração de poluentes atmosféricos;

Porcentagem de área protegida.Acesso a serviço de coleta de lixo doméstico;

Destinação final do lixo;Tratamento adequado de esgoto;

Dimensão SocialDoenças relacionadas ao saneamento ambiental

inadequado

Dimensão Econômica

Investimento; Consumo comercial de energia; Fontes renováveis de energia;

Disposição adequada de resíduos sólidos; Coleta seletiva de lixo

Reciclagem;Geração de resíduos perigosos;

Fonte: elaborado pela autora a partir de Dashboard of Sustainability e IBGE (2004).

Após esta análise, foi realizada uma segunda apreciação. No caso do Brasil, os projetos são

Projeto Título Local

0089/2006 Projeto de Gás do Aterro de Bragança - EMBRALIXO/ARAÚNA Bragança - SP P13

0093/2006 Projeto de Gás de Aterro SIL (PROGAS) Minas do Leão - RS P14

0105/2006 Projeto de Gás de Aterro Sanitário de Manaus Manaus - AM P15

0109/2006 Projeto de captura de gás de aterro sanitário Alto-Tietê Itaquaquecetuba - SP P16

0114/2006 Projeto de Gás de Aterro Terrestre Ambiental (PROGATA) Santos SP P17

0115/2006 Projeto de Gás de Aterro ESTRE Itapevi - (PROGAEI) Itapevi - SP P18

0116/2006 Projeto de Gás de Aterro Quitaúna (PROGAQ) Guarulhos - SP P19

0138/2006 Projeto de Gás de Aterro CDR Pedreira (PROGAEP) Tremembé - SP P20

0158/2007 Atividade de projeto de redução de emissão de gás de aterro no Aterro Sanitário SANTECH Resíduos Içara - SC P21

0162/2007 Probiogas – JP João Pessoa - PB P22

0180/2007 Projeto de Captura e Queima de Gás de Aterro Sanitário de Tijuquinhas da ProactivaTijuquinhas, Biguaçu -

SCP23

0182/2007 URBAM/ARAUNA – Projeto de Gás de Aterro Sanitário (UAPGAS) São José Campos - SP P24

0198/2007 Projeto de redução de emissão do aterro CTRVV Vila Velha - ES P25

0202/2007 Projeto de gás de aterro sanitário de Feira de Santana Feira de Santana - BA P26

Fonte: baseado em MCT, 2008

(continuação)

63

analisados pelos integrantes da AND, que avaliam o relatório de validação e a contribuição da atividade do projeto para o desenvolvimento sustentável do país, atendendo à Resolução n. 1, de 11 de setembro de 2003. Os projetos serão ponderados segundo cinco critérios: distribuição de renda, sustentabilidade ambiental local, desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de emprego, capacitação e desenvolvimento tecnológico, integração regional e articulação com outros setores. Como se tratam de pontos adicionais ao levantado pelos métodos de indicadores selecionados, são considerados como adicionais na análise dos dados.

4.Análise dos resultados

O primeiro passo para a realização deste trabalho foi conhecer detalhadamente os projetos do MDL do Protocolo de Quioto, relativos ao setor de resíduos, mais especificamente aos aterros sanitários. Estes correspondem a somente 9% do volume total dos projetos brasileiros, porém representam 24% de reduções anuais propostas. Assim, apesar da pequena participação, trata-se de um setor de grande relevância, sendo que cada projeto individualmente é responsável pela redução de grande volume de emissão de GEE (MCT, 2008).

Ao estudar os dados, foi percebida a semelhança existente entre a maioria dos discursos. Esta similaridade não se dá somente em decorrência de utilização de formulário padrão (Documento de Concepção do Projeto) ou orientações sobre o preenchimento dos documentos que levam em conta a utilização de metodologia de cálculo já aprovadas anteriormente. O que pode explicar esse fato é a divulgação pública desses projetos, o que facilita a consulta e cópia, além da presença de empresas de consultoria como autores. Essas semelhanças em projetos podem gerar a ideia de um modelo que garanta a aprovação, sem a preocupação de apresentar propostas de melhoria, com o intuito de torná-los mais sustentáveis.

A seguir, parte-se para a análise individualizada quanto às abordagens ambiental, social e econômica, acompanhado pelo desdobramento em indicadores específicos. Seguido pelo segundo

critério de análise em relação aos parâmetros definidos pela AND, comissão nacional que julga se um projeto irá beneficiar o país.

4.1. Análise da abordagem ambiental

Nos documentos se privilegiam as informações referentes a aspectos ambientais, como o cálculo da metodologia da linha de base e descrição do monitoramento, chegando a um valor de redução de emissão de gases do efeito estufa, além da duração do projeto e a descrição dos impactos ambientais. Portanto, grande parte do documento analisado refere-se à abordagem ambiental, sendo possível levantar seis indicadores: emissão de gases estufa; concentração de poluentes atmosféricos; porcentagem de área protegida; acesso a serviço de coleta de lixo doméstico; destinação final do lixo e tratamento adequado de esgoto.

4.1.1. Quanto à emissão de gases de estufa

Foi feito um levantamento baseado na ocorrência de termos similares e que remetem ao mesmo fim (levantado pelo referencial teórico), como efeito estufa, gás de aterro, biogás e metano, sendo verificadas as palavras que fazem limite e o conteúdo específico do texto. As maiores ocorrências se deram destacando a descrição do objetivo e a razão de ser do projeto, e, em outros momentos, referem-se principalmente a aspectos técnicos da descrição de metodologia de cálculo utilizada, fato não considerado neste estudo.

Grande parte dos projetos (73%) preveem somente a queima dos gases gerados, o chamado biogás. Somente sete (27%) utilizam o biogás para geração de energia. A utilização secundária do biogás é possível devido ao seu alto poder calorífico (BANCOR, 2003), mas se torna viável somente quando o volume de metano gerado é significativo e quando existe um usuário ou comprador potencial dessa energia. Seja a destinação do biogás qual for, queima ou aproveitamento, já representa uma melhoria na qualidade do meio ambiente.

Foi citado que os gases gerados pelo aterro são prejudiciais e podem ocasionar poluição, doenças e até acidentes como

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explosões. Em decorrência da própria natureza do empreendimento ter como matéria prima o lixo, a legislação brasileira (NBR 8419/1984) já prevê a diminuição de riscos, como impermeabilização do solo, tratamento dos líquidos residuais mas não impõe a queima do metano gerado, somente a implantação de dutos coletores visando dispersão dos gases. Os aterros se localizam em áreas controladas e poucos são os casos de desastres relativos a explosões que tenham ocorrido nesses locais. Trata-se então de um exagero por parte dos autores dos projetos, a inserção de vários pontos negativos. Ponderando o empreendimento comercial, não seria viável correr o risco de desastres e explosões que colocariam em risco funcionários, equipamentos e a longevidade da iniciativa privada.

O P25 indica que “a legislação brasileira não exige que o gás de aterro seja queimado, a única exigência é a ventilação dos aterros para fins de segurança, isto é para evitar incêndios e explosões” (CTRVV, 2007, p.14). Para complementar e justificar o pedido de aprovação do projeto cita-se que “é bastante improvável que esta situação mude durante o curso do período de obtenção de créditos, uma vez que nenhum regulamento exigindo a queima ou o uso do gás de aterro está em desenvolvimento” (CTRVV, 2007, p.14). Fica claro que não haverá revisão de regulamentação, mesmo sabendo que é uma atividade que gera gases prejudiciais, enfim, uma brecha da legislação brasileira proporciona a inserção de projetos de MDL.

4.1.2. Quanto à concentração de poluentes atmsféricos

Nesta categoria de análise, a totalidade dos projetos podem ser classificadas como sustentáveis, pois apresentam os valores resultantes dos cálculos realizados da transformação dos gases de aterro coletados em gás carbônico equivalente (CO2e), isto é, o quanto se deixou de emitir em termos de concentração de poluentes atmosféricos. Não nos interessa a metodologia de cálculo utilizada, pois esta é legitimada pelas comissões de análise e verificadas pelas empresas responsáveis pela validação.

4.1.3. Quanto à porcentagem de área protegida

A legislação relativa ao funcionamento de aterros sanitários, NBR 8419/1984, exige que estejam localizados em áreas geologicamente apropriadas e que não corram o risco de contaminar o lençol freático, não sendo determinada a necessidade de reserva de área para preservação ambiental. Somente quatro projetos fazem referência a áreas de proteção, os demais não se caracterizam nesta categoria de análise. O projeto P1 faz referência à área que tem a obrigação de recuperar, por se tratar de um lixão a céu aberto, a fim de minimizar os danos gerados. Destacam-se os projetos P6, P7 e P20, por apresentarem cuidados ambientais além dos decretados por lei, ainda que não se possa afirmar que tal referência seja cláusula do contrato da empresa prestadora de serviço. Entretanto, a citação de trechos em P1, P6, P7 e P20 que fazem menção à preocupação ambiental, foi levado em conta como atendimento ao critério de sustentabilidade analisado.

4.1.4. Quanto ao acesso a serviços de coleta de lixo doméstico

Nada foi citado explicitamente nos documentos quanto ao serviço de coleta de lixo doméstico, porém tratando-se de projetos de aterro sanitário, deduz-se que haja serviço de recolhimento de resíduos urbanos, principalmente por se tratar de áreas metropolitanas e densamente povoadas. Normalmente, a concessão de atividade de lixo urbano prevê a prestação desse serviço. Portanto os projetos preveem a melhoria ambiental e qualidade de vida da população. Não é objeto deste trabalho a verificação do percentual de coleta de lixo das cidades ou busca de informações secundárias, basta analisar a sustentabilidade do projeto.

4.1.5. Quanto à destinação final do lixo

Foi observado através da pesquisa do IBAM (2008) que poucas cidades brasileiras fazem uso de aterros sanitários controlados, somente os grandes municípios e as regiões metropolitanas. Levando-se em conta que o lixo coletado atual seja direcionado ao aterro e que esse resíduo é a matéria prima de

65

fornecimento dos gases, razão do projeto de MDL, parece natural que haja interesse em manter e ampliar esse serviço, pode-se considerar então que atendem ao critério de análise.

5.1.6. Quanto ao tratamento adequado de esgoto

Considera-se como esgoto o resíduo líquido denominado chorume que a disposição do lixo gera, sendo a toxidade variável, de acordo com os materiais em decomposição. Ele deve ser recolhido e sofrer tratamento neutralizador, pois corre-se o risco de contaminação das águas subterrâneas e rios próximos quando existe infiltração, seja pela impermeabilização inadequada, seja por vazamentos existentes (BRAGA et al, 2005; MILLER, 2007). Esse tratamento é obrigatório por força da lei de normalização das atividades de aterro e normas ambientais locais. Deduz-se, então, que todos os empreendimentos já atendam a essa disposição, portanto, atendendo ao indicador de sustentabilidade analisado.

4.2. Análise da abordagem social

Os projetos não oferecem muitas informações quanto à abordagem social. Os objetivos sociais de melhora da qualidade do ar, diminuição do risco de explosões, criação de empregos e capacitação da mão-de-obra são válidos, porém pelo critério escolhido não são levados em consideração. Portanto quanto aos indicadores selecionados pelo método, foi possível somente a apreciação das doenças relacionadas. Para tal, fez-se levantamento através da presença de palavras como doença(s), saúde, população e comunidade, buscando ocorrências que pudessem ser relacionadas com a preocupação social.

Não foi associada nenhuma doença decorrente das atividades de aterro sanitário, apenas foram citadas as possibilidades de odores desagradáveis, asfixia, contaminação da água e incêndios. Odores e asfixia decorrentes da proximidade do empreendimento não causam graves problemas de saúde à população, somente geram desconforto.

Projetos como P1, P5, P11, P12, P15 e P16 citam a minimização da contaminação da água como fator relevante de redução de doenças. Pela NBR 8419/1984, há obrigatoriedade de disposição de resíduos em locais distantes de cursos d’água e de preparo do solo para impermeabilização, com posterior drenagem para tratamento do líquido decorrente da decomposição, o que dificulta a contaminação da água. Incêndios e explosões são citados em P1, P5, P11 e P15. Elas ocorrem quando a concentração de metano não é drenada e liberada na atmosfera, porém a legislação obriga a presença de dutos, que pode inclusive ser integrado ao sistema de drenagem de líquidos. Desse modo, os principais aspectos levantados pelos projetos como benefício à população já são atendidos no cotidiano e no funcionamento regular da atividade.

Alguns projetos citam o retorno do dinheiro para obras sociais, educacionais, não relacionadas a tratamento de doenças. Já o P12 prevê organizar os catadores em uma cooperativa formal, o que poderá contribuir de maneira significativa para a vida das pessoas que necessitam do lixo para sobrevivência, diminuindo o aparecimento de doenças relativas à baixa qualidade de vida.

Portanto nos projetos não se constata a contribuição para a sustentabilidade, no que se refere à abordagem social e a presença de indicador relativo a doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado.

4.3. Análise da abordagem econômica

Quanto à abordagem econômica, foi possível selecionar sete indicadores: investimento, consumo comercial de energia, fontes renováveis de energia, disposição adequada do lixo, coleta seletiva, reciclagem e geração de resíduos perigosos. A análise do descarte de resíduos influi na abordagem econômica quanto aos padrões de produção e de consumo e se referem à preocupação com o tema e aos valores monetários destinados a este fim. De acordo com IBAM (2008), sabe-se que a quantidade de lixo gerada tem proporção direta com o número de habitantes da localidade, porém a apreciação realizada neste trabalho não busca essa relação.

66

Optou-se então, por verificar referências às palavras escolhidas dentro de cada indicador e sua possível relação com o conceito de sustentabilidade, portanto sem ligação direta com padrão de consumo.

4.3.1. Quanto ao investimento

Buscou-se informações relativas ao investimento necessário para adequação do empreendimento. O que se obteve foram poucas referências, destacadas em P1, P2, P4 e P5, sendo que reforçam a ideia de que a legislação atual não impõe a queima dos gases e deixam claro que, caso o projeto não venha a ser aprovado, não se fará nenhum aporte adicional em busca da sustentabilidade, já que em termos financeiros a atividade não gera recursos para retorno esperado.

4.3.2.Quanto ao consumo comercial de energia

A adequação do empreendimento requer a instalação de equipamentos e maquinários que utilizam energia elétrica para funcionamento, portanto buscou-se referências quanto a esse emprego de energia. Nessa categoria de análise os projetos P7, P9 e P13 são considerados sustentáveis.

Os projetos P9 e P13 apresentam calculos de gastos decorrentes da utilização de energia elétrica da rede pública no emprego de equipamentos a serem instalados e informam que os valores foram retirados dos cálculos finais de ganho na redução de emissão de CO2e. Portanto, os resultados encontrados representam valores mais próximos da realidade, já que descontam os aspectos negativos da intervenção. Já o projeto P7 revela que haverá gastos adicionais, mas por se tratar de energia da rede pública e principalmente pela base energética do Brasil se dar por meio de hidroelétricas (consideradas menos poluidoras e prejudiciais), pode-se pensar que os autores não o considerem tão danoso.

A preocupação em apresentar esses cálculos é uma iniciativa interessante, porém não consta na maioria dos projetos analisados, somente em 2 deles (P9 e P13). Mesmo se tratando de um pequeno percentual de gasto de energia, e, talvez considerado irrelevante pela maior parte dos autores dos projetos,

essa informação mostra a preocupação em relação a sustentabilidade.

4.3.3.Quanto às fontes renováveis de energia

Somente 27% dos projetos preveem a utilização do gás resultante da decomposição do material depositado para geração de energia adicional. A maioria (73%) propõe somente a queima de gases. Segundo BANCOR (2003), o poder calorífico do biogás só é menor que o fornecido pelos combustíveis fósseis, sendo prática comum a sua utilização em muitos aterros sanitários do mundo. No Brasil a quantidade de material orgânico depositado facilita a decomposição e formação do metano (EPA, 1996), porém as empresas responsáveis pelos aterros não fazem uso. Existem três possíveis explicações para isto: a implementação requer investimentos financeiros, a tecnologia ainda não está disponível no país e, como citado anteriormente, as leis brasileiras não sofrerão alterações que imponha a obrigatoriedade de queima eficiente ou utilização para geração de energia.

Nos projetos que partem para a utilização do biogás nota-se um esforço adicional, logicamente baseado em cálculo de retorno de investimento, já que os custos de instalação de bombas conversoras são altos e o metano gerado depende da quantidade e qualidade do material depositado, da umidade local e do tempo de atividade do aterro. Esses projetos que fazem uso secundário do biogás atendem a categoria analisada (P1, P3, P4, P8, P10, P15 e P26).

4.3.4.Quanto à disposição adequada de resíduos sólidos

Faz parte da atividade comercial das operadoras de aterro sanitário a correta disposição de resíduos sólidos, desse modo, compreende-se que a empresa prestadora do serviço o faça corretamente. Não foram encontradas informações adicionais que demonstrassem uma preocupação maior quanto à sustentabilidade, somente descrição de aspectos técnicos, mesmo assim os projetos foram considerados sustentáveis no atendimento na categoria.

67

Para análise desse indicador, os textos foram estudados a partir das palavras aterro, lixo e resíduo. Encontrou-se referências como área destinada, em termos de metragem (hectares), população atendida, cidades favorecidas, local, capacidade total de utilização da área em toneladas, dentre outros dados a respeito do funcionamento do aterro e atendimento a normas. Foi salientada a idoneidade das operadoras de aterro e sua capacidade de trabalho, por se tratar de empresas do ramo que atuam em diversas localidades do Brasil e do mundo.

4.3.5. Quanto à coleta seletiva de lixo

Não foi analisado se as localidades onde estão instalados os projetos possuem diretrizes de plano de coleta seletiva de lixo como prática, ou se as ações partem das empresas operadoras dos aterros. Observou-se que, dentre os projetos analisados, somente P4 e P6 contam com a coleta seletiva ou separação dos resíduos antes de serem depositados no aterro e cobertos por camada de terra.

4.3.6. Quanto à reciclagem

De maneira semelhante à análise do indicador de coleta seletiva, a reciclagem do lixo não foi citada na maioria dos projetos, somente P4 e P6 deixam claro as atividades realizadas. Já P12 demonstra a intenção de tratar a questão de maneira diferenciada, oferecendo assistência aos catadores. É necessário ressaltar uma controvérsia. As atividades de aterro sanitário são realizadas em áreas fechadas, onde a entrada deve ser restrita, os caminhões que fazem o descarte são pesados, materiais perigosos devem passar por tratamento prévio, enfim, a atividade requer todo um cuidado e controle, portanto a população não teria acesso permitido. Em P12, o conteúdo selecionado deixa transparecer que o aterro funciona como um lixão a céu aberto e que as pessoas retiram deste local materiais que significam o modo de sobrevivência. O que pode parecer uma boa iniciativa para a sustentabilidade mostra a irregularidade da atividade.

Dessa forma, foi considerado que P4, P6 e P12 atendem ao crítério de aprovação quanto à reciclagem.

4.3.7. Quanto à geração de resíduos perigosos

O empreendimento não gera resíduos perigosos, a não ser os decorrentes da decomposição de materiais. Para recebimento de materiais provenientes de indústrias e hospitais há regulamentação própria que classifica esses resíduos e os encaminha para neutralização antes do descarte. Nos projetos não foi indicada a geração de resíduos perigosos ou o recolhimento de materiais que podem contaminar o meio ambiente. Somente o projeto P26 prevê a utilização do biogás para queima de resíduos hospitalares. Não havendo portanto nenhum projeto que atenda ao critério.

4.4. Considerações a respeito das catego-rias selecionadas

Após análise de conteúdo dos documentos, tendo como base a metodologia dos sistemas Dashboard of Sustainability e IBGE (2004), pode-se considerar que não refletem a intenção do Protocolo de Quioto quanto à sustentabilidade. Nos projetos não se consegue comprovar a existência de informações que legitimem os indicadores estudados quanto às abordagens ambiental, social e econômica. Em nenhum deles, ocorreu o atendimento integral das categorias de análise e, portanto, a sustentabilidade dos projetos é parcial. O quadro 3 sintetiza o atendimento às categorias de análise:

4.5. Parâmetros definidos pelo Protocolo de Quioto

A fim de averiguar a comprovação da sustentabilidade por parâmetros traçados nacionalmente pela AND, estes são verificados pela mesma técnica de análise de conteúdo clássica.

4.5.1.Quanto à distribuição de renda

As condições de vida das pessoas que sobrevivem das atividades relacionadas a catação de materiais recicláveis presentes no lixo e da população residente no entorno dos locais destinados a aterro

68

deve ser revista pelo empreendimento. Somente P1 e P3 mencionam a criação de novos empregos e aumento da renda da população. Projetos como P8, P11, P12, P15 e P21 indicam que parte da receita gerada pelo crédito carbono será distribuída com a prefeitura local, mas não deixa claro como esta irá trabalhar a fim de melhorar a renda da população. O projeto P4 não visa distribuição de renda em curto prazo pois aplicará em programas de alfabetização e treinamento para jovens carentes.

Quadro 3 - Atendimento categorias de análise

Proj

etos

Dimensão AmbientalDimensão

SocialDimensão Econômica

Em

issã

o de

gas

es e

stuf

a

Con

cent

raçã

o de

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P1 ü ü ü ü ü ü ü ü ü

P2 ü ü ü ü ü ü ü

P3 ü ü ü ü ü ü ü

P4 ü ü ü ü ü ü ü ü ü ü

P5 ü ü ü ü ü ü ü

P6 ü ü ü ü ü ü ü ü ü

P7 ü ü ü ü ü ü ü ü

P8 ü ü ü ü ü ü ü

P9 ü ü ü ü ü ü ü

P10 ü ü ü ü ü ü ü

P11 ü ü ü ü ü ü

P12 ü ü ü ü ü ü ü

P13 ü ü ü ü ü ü ü

P14 ü ü ü ü ü ü

P15 ü ü ü ü ü ü ü

P16 ü ü ü ü ü ü

P17 ü ü ü ü ü ü

P18 ü ü ü ü ü ü

P19 ü ü ü ü ü ü

P20 ü ü ü ü ü ü ü

P21 ü ü ü ü ü ü

P22 ü ü ü ü ü ü

P23 ü ü ü ü ü ü

P24 ü ü ü ü ü ü

P25 ü ü ü ü ü ü

P26 ü ü ü ü ü ü ü

Fonte: elaborado pela autora

Convém destacar que a maioria dos projetos (62%) nem fazem referência a este ponto de análise, sendo que P1, P3, P4, P8, P11, P12, P15 e P21 atendem ao critério.

4.5.2.Quanto à sustentabilidade ambiental local

Foram estudados os impactos ambientais locais do projeto, em comparação com a situação existente antes da sua implementação. Os projetos

69

de aterros sanitários estudados já estão em funcionamento, portanto, na análise de ganhos ambientais tem-se que verificar aspectos além dos cobrados pela legislação de funcionamento do empreendimento. A queima dos gases decorrentes da decomposição de material é um ganho a ser destacado, visto que não ocorreria se o projeto não existisse, conforme P1, P3, P4, P8, P9 e P13. Além da diminuição de odores e riscos de explosões, P9 destaca que o ganho ambiental influenciará na valorização imobiliária da região circunvizinha. Ressalta-se que 77% deles não fazem nenhuma referência a esse parâmetro de análise.

4.5.3.Quanto ao desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de emprego

A geração de empregos imediatos, seja para construção, execução e manutenção das alterações no funcionamento do aterro sanitário, é fator positivo quanto ao desenvolvimento sustentável, sendo necessário atestar a quantidade de cargos gerados e nível de instrução requerido. Verifica-se que poucos postos de trabalho serão gerados pelas atividades diárias do aterro após implantação do projeto, sendo criados cargos na função de monitoramento, que requerem a capacitação de profissionais. Como se trata de tecnologia estrangeira, inicialmente haverá treinamento, porém poucos empregos indiretos serão criados. É citada a contratação de pessoas no período de construção e adaptação do empreendimento, porém no dia-a-dia da atividade, que pode se estender por até 21 anos, não há necessidade de muita mão de obra.

Também cabe nesta análise a criação de programas de coleta seletiva ou reciclagem, nos quais a mão de obra local seja aproveitada e que se crie condições de inserção no mercado de trabalho. Somente 3 projetos preveem programas de seleção e reciclagem de materiais indicando a possibilidade de inserção de catadores de recicláveis que vivem na dependência de descarte de resíduos sólidos.

Apesar de serem destacadas poucas alteraçoes após a implantação dos projetos, pode-se considerar que confirmam a sustentabilidade. Mesmo sabendo que o projeto possa gerar empregos,

não foi encontrada nenhuma citação nos projetos P5, P13, P24, P25 e P26.

4.5.4.Quanto à capacitação e desenvolvimento tecnológico

O MDL incentiva a troca de tecnologia entre nações. No caso dos aterros sanitários, haverá essa possibilidade, visto que não é prática comum no Brasil a utilização de flares e condutos para direcionamento dos gases gerados e posterior queima ou aproveitamento energético. A troca de conhecimento envolvendo várias organizações também é incentivada para fomentar o mercado nacional no desenvolvimento de empresas prestadoras de serviço e desenvolvedoras de mesma tecnologia.

Por se tratar de uma atividade não usual no Brasil, a queima dos gases decorrentes da decomposição dos materiais depositados no aterro ou a utilização do biogás para geração de energia, requerem adaptação de tecnologia e equipamentos vindos de outros países, com os quais serão firmadas parcerias de fornecimento e treinamento. Dessa maneira, os projetos conseguem justificar o parâmetro de capacitação e desenvolvimento tecnológico. Os projetos P7 e P13 não fazem nenhuma referência a este critério de análise.

4.5.5.Quanto à integração regional e articulação com outros setores

Este parâmetro preza o estabelecimento de parcerias entre municípios para viabilizar a implantação de aterros sanitários, além de parcerias entre municípios e empresas privadas e organizações não-governamentais, para desenvolver atividades sociais e produtivas. Dos projetos analisados 50% não indicam quais benefícios serão alcançados. Já outros 50% fazem alusão à articulação, seja incentivando projetos sociais e ambientais, ou através de repasse de royalties às prefeituras locais. São destacados aspectos do interrelacionamento em que uma boa gestão de resíduos possa favorecer a população, beneficiando o meio ambiente. Portanto, em relação à análise desse parâmetro, pode-se considerar que a maioria dos projetos justificam os

70

requisitos de aprovação, conforme P1, P3, P4, P8, P9, P10, P11, P12, P13, P15, P16, P21 e P25.

4.6. Considerações a respeito dos parâme-tros selecionados

Após a análise, segue quadro 4 com compilação dos projetos quanto ao atendimento aos requisitos de avaliação.

Quadro 4 - Atendimento critérios da Resolução 1 de 11 set. 2003.

Proje-tos

Distribui-ção de renda

Sustenta-bilidade

ambiental local

Desenvolvi-mento das condições

de trabalho e geração líquida de emprego

Capacitação e desenvol-vimento tec-

nológico

Inte-gração

regional e arti-

culação com

outros setores

P1 ü ü ü ü ü

P2 ü ü

P3 ü ü ü ü ü

P4 ü ü ü ü ü

P5 üP6 ü ü

P7 ü

P8 ü ü ü ü ü

P9 ü ü ü

P10 ü ü ü

P11 ü ü ü ü

P12 ü ü ü ü

P13 üP14 ü ü

P15 ü ü ü ü

P16 ü üP17 ü ü

P18 ü ü

P19 ü ü

P20 ü ü

P21 ü ü üP22 ü ü

P23 ü ü

P24P25 üP26

Fonte: elaborado pela autora

Nota-se que poucos são os projetos que se preocupam em apresentar os benefícios gerados, frente aos critérios que são solicitados pela comissão brasileira de avaliação. Somente P1, P3, P4 e P8 apresentam trechos com justificativas para atendimento de todos os critérios de análise. Isto não significa que conter as informações seja garantia de aprovação, mas a omissão deveria ser, no mínimo, fato que levasse a maiores explicações. Pode-se notar que vários deles (80%) não apresentam informações completas sobre os parâmetros, além

de destacar P24 e P26 que não fazem qualquer referência. Considerando que a apresentação desses parâmetros fosse primordial para a aprovação, poderia-se pensar que a maioria deles não seria aprovada, pela falta de dados evidenciando a sustentabilidade.

Fica a impressão de que a busca por soluções para diminuição das emissões de poluentes e alteração dos prognósticos pessimistas sobre o aquecimento global é tratada como uma oportunidade comercial, em que as empresas (e também governos) valorizam as transações financeiras. Lembrando que já há um mercado estabelecido para esses créditos de carbono e que a regulamentação atual de aterros sanitários não exige a queima dos gases, pode-se considerar que a abordagem econômica é a propulsora dos projeto e dos avaliadores credenciados. Assim os objetivos maiores dos projetos de MDL que buscam a transferência de tecnologia, utilização de energia limpa, redução da pobreza e benefícios ambientais são consequencia do novo mercado.

Conclusão

A proposta geral do trabalho foi analisar os indicadores econômicos, sociais e ambientais presentes nos projetos brasileiros de aterros sanitários do MDL do Protocolo de Quioto. As evidências não comprovam a sustentabilidade, ao confrontar os dados dos projetos com as categorias selecionadas no método, tão pouco pelas análises adicionais quanto aos parâmetros definidos pela AND.

Acredita-se que a falta de dados a respeito da sustentabilidade pode ser afetada pelo desequilíbrio entre informações técnicas e aspectos das abordagens estudadas do formulário padrão oferecido. Os projetos são escritos de maneira a convencer sobre a viabilidade da proposta, e visam passar imagem positiva do empreendimento, sem dar muitas explicações de como isso vai acontecer. Porém destacam que, caso não consigam a aprovação e consequente negociação no mercado de crédito carbono, provavelmente nenhuma iniciativa será tomada, mesmo sabendo que mudanças na atividade atual diminuiriam os efeitos negativos na camada de ozônio, riscos de asfixia e explosões, tanto citados.

71

A conscientização de que a atividade agride o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas dos arredores, não serve de motivo para a empresa tomar iniciativa particularmente. Então a existência de trechos de discurso enfatizando a preocupação social e ambiental contradiz o enfoque econômico.

Outro ponto é a atuação das empresas em projetos sociais que permitam às pessoas que sobrevivem de catação de materiais recicláveis a criação de cooperativas e centros de triagem. Surgem, então, questionamentos a respeito da relação público/privado quanto à responsabilidade de cada uma das partes no desenvolvimento sustentável do país. Acredita-se que a gestão socioambiental é responsabilidade de cada um, não cabendo somente ao poder público o bem estar da população e nem às empresas privadas a filantropia ou intencional utilização da imagem de cidadania.

Este trabalho pode auxiliar a política pública, pois tem a intenção de alertar sobre a semelhança entre os documentos e a verificação do cumprimento das metas sociais descritas nos textos apresentados. Aos responsáveis pela legislação de disposição de resíduos sólidos no Brasil cabe modificação das normas de funcionamento já que foi comprovado, e as empresas cientes, que os aterros sanitários

são grandes geradores de gases de efeito estufa, portanto passível de alteração de processo. À academia uma contribuição aos estudos de gestão socioambiental. Caberia como sugestão para trabalhos futuros a verificação da sustentabilidade na prática do empreendimento já que se encontram em atividade. Também como proposta, a verificação da sustentabilidade de outras atividades brasileiras de MDL a fim de detectar um padrão de concordância e aprovação. A análise de projetos aprovados de aterro em outros países seria interessante para busca dos critérios representativos nas diversas nações e comparação com os critérios brasileiros.

Por fim, faz-se uma ressalva sobre a importância de mais estudos sobre o tema sustentabilidade. Verificou-se que é uma questão abrangente, por isso utilizada de maneira indiscriminada, caracterizando-se até mesmo como um “modismo” de administração. Organizações buscam uma imagem positiva tendo como alicerce um termo que não possui base sólida, em que cada um faz e adota um modelo ou padrão mais conveniente. O tema ainda encontra-se em desenvolvimento e os estudos na área de gestão socioambiental irão enriquecer e elucidar as empresas de todos os setores e a sociedade a firmar esses conceitos e sua aplicação em busca do desenvolvimento sustentável.

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Avaliação e Hierarquização dos Atrativos Turísticos de Irati-PR

Evaluation and Hierarchy of Turistic Attractive of Irati-PR

Diogo Lüders Fernandes1

Vanessa de Oliveira Menezes2

Resumo

O presente estudo tem como objetivo hierarquizar os atrativos da área urbana da cidade de Irati/PR, mostrando sua potencialidade para o uso do turismo utilizando a técnica de avaliação e hierarquização de atrativos da Secretaria de Turismo do Estado do Paraná - SETU. Esta pesquisa se caracteriza por ser descritiva, ocorrendo um estudo de gabinete em bibliografias específicas, uma pesquisa em documentos da Secretaria de Turismo do Estado do Paraná e do Departamento de turismo de Irati e a pesquisa de campo em visitas in loco dos atrativos e equipamentos para avaliação e hierarquização dos atrativos da cidade de Irati. Por meio das pesquisas, foi possível verificar que os atrativos da cidade necessitam de melhor estruturação.

Palavras-chave: Hierarquização; Atrativos Turísticos; Cidade de Irati-PR.

Abstract

The present study has as prime goal to categorize the urban attraction areas into an hierarchy in Irati, a city in the South Brazil, in order to show its potentiality for Tourism using the technical support of attraction evaluation e hierarchy of Tourism Secretariat of Paraná State - SETU. This research characterizes as descriptive, carried out by means of document study in specific bibliographies, a research in Tourism Secretariat of Paraná State and Irati Tourism Department documents, as well as a field research through visits to attractions and the equipment for evaluation and hierarchy of the attractions in Irati. Through the research, it was possible to verify that the city attractions need better structure.

Key words: Hierarchy; Turistic Attraction; Irati-Brazil./

1 Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Brasil. Possui mestrado em Turismo e Hotelaria pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Brasil. Contato: [email protected]

2 Professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, Brasil Possui mestrado em Administração de Empresas Turísticas pela Universidad de Extremadura – UEX, Espanha. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 22/12/2009 - Aprovado em 04/06/2010

1 introduçãoA atividade turística organizada como

conhecemos hoje, surge em meados do século XIX, e desde então vem crescendo de maneira bastante significativa.

O turismo, assim como qualquer outra atividade, causa uma série de relações na localidade onde se desenvolve, podendo ser positivas ou negativas. De acordo com Cruz (2002), o turismo é ainda um grande agente transformador e organizador de sociedades e de (re) ordenamento

de territórios; e ainda possui uma característica única, o turismo é uma atividade que consome elementarmente o espaço.

Essa apropriação do espaço pelo turismo é realizada por meio das políticas públicas de turismo, que são responsáveis segundo Cruz (2002, p. 44) pelo:

[...] estabelecimento de metas e diretrizes que orientam o desenvolvimento socioespacial da atividade, tanto no que tange à esfera pública como no que se refere

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à iniciativa privada. Na ausência da política pública, o turismo dá à revelia, ou seja, ao sabor de iniciativas e interesses particulares.

E dessa falta de planejamento se dão diversos problemas relacionados à realização da atividade turística desordenada. Ruschmann (1997) afirma que no caso do turismo, cabe ao governo a tarefa de planejar a atividade de forma a proporcionar o bem-estar da população local e do turista, aliado à conservação dos recursos naturais e culturais da comunidade e a normatização da atividade turística. Sendo assim a autora compreende que a finalidade do planejamento turístico “consiste em ordenar as ações do homem sobre o território e ocupa-se em direcionar a construção de equipamentos e facilidades de forma adequada, evitando assim os efeitos negativos nos recursos, como sua destruição e a redução de sua atratividade”. (RUSCHMANN, 1997, p.84)

O planejamento turístico por sua vez é compreendido, segundo Bissoli (1999), como sendo um processo que avalia a atividade turística de um determinado espaço geográfico, verificando seu desenvolvimento e fixando um modelo de atuação mediante o estabelecimento de metas, objetivos, estratégias, e diretrizes com os quais se pretende fomentar, coordenar e integrar o turismo ao ambiente em que está inserido.

Para tanto, é necessário analisar os atrativos turísticos do local para avaliá-los de modo a estabelecer o seu valor. Nesse contexto, é importante também hierarquizá-lo, para determinar a sua importância turística dentro do contexto municipal, regional e nacional.

O objetivo dos processos de avaliação e hierarquização, segundo Magalhães (2001), é empreender uma análise do patrimônio turístico municipal de modo a determinar o coeficiente de atratividade de cada atrativo e de cada município. Muitos documentos ditos inventários turísticos consistem em uma lista de recursos turísticos naturais e culturais assim como o levantamento da infraestrutura municipal e os empreendimentos e serviços turísticos. Porém, Magalhães (2001, p. 57) afirma que a inventariação dos atrativos

turísticos concede “[...] pouca atenção aos aspectos voltados para a valorização, em termos turísticos, da importância individual, ou mesmo coletiva dos atrativos”.

O enfoque analítico de cada atrativo permite fixar o valor intrínseco do próprio recurso com base em suas principais características, das quais se obtém um índice de qualidade que pode ser comparável ao calculado para outras áreas ou recursos de características similares.

Tal análise possibilita atribuir valor quantitativo ao atrativo, de modo a classificá-lo em uma escala de hierarquização, demonstrando em números o valor de potencialidade de cada atrativo e do município. Esse instrumento de análise é de fundamental importância para o processo de planejamento turístico, pois auxilia na tomada de decisão dos planejadores.

De posse das informações apresentadas acima, a problemática deste trabalho é: Qual a hierarquia dos atrativos turísticos presentes no perímetro urbano da cidade de Irati/PR?

Este artigo tem como objetivo hierarquizar os atrativos da área urbana da cidade de Irati/PR, mostrando sua potencialidade para o uso do turismo.

Este trabalho é de extrema importância, pois propicia um debate sobre o assunto e levanta dados que poderão ser usados pelos órgãos competentes como instrumento para estruturar os atrativos turísticos locais.

Durante o texto, serão descritos os métodos científicos utilizados para obter os dados referentes à temática da pesquisa, a apresentação e discussão dos dados e de posse dessas informações, as considerações e conclusão.

2 Fundamentação teórica

O turismo, os atrativos turísticos e suas tipologias, a potencialidade e também a avaliação e hierarquização dos atrativos, são temáticas trabalhadas neste artigo, bem como, a abordagem dos autores que por meio de livros ou artigos expuseram seus pensamentos adquiridos durante a carreira, ou através de ciências empíricas para formulação de suas teses.

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Ao definir turismo, Barretto (1995), faz um apanhado de diversos conceitos do que é a atividade em si. De acordo com a autora, a primeira definição de turismo remonta do ano de 1911, quando o economista austríaco Hermann Von Schullern Schattenhofen descreve a atividade como um processo econômico que se manifesta na chegada, permanência e saída de um turista em uma determinada localidade. As definições de turismo passaram por diversas transformações, sendo incorporadas nelas diferentes realidades, deixando de ser exclusivamente vista do ponto da economia, para uma visão mais sistêmica. Para Boullón (2002), o turismo é um fator social, não foi criado, mas sim surgiu de um fenômeno social da existência do tempo livre, impulsionado pela tecnologia dos sistemas de transportes.

Para De La Torre apud Barretto (1995, p. 13)

O turismo é um fenômeno social que consiste no des-locamento voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por moti-vos de recreação, descanso, cultura, ou saúde, saem do seu local de residência habitual para outro, no qual não exercem nenhuma atividade lucrativa nem remu-nerada, gerando múltiplas inter-relações de importân-cia social, econômica e cultural.

Portanto, para que haja turismo, é necessário o deslocamento temporário de pessoas por motivação diversas, em busca de atrativos, como explica Ruschmann (1997); o atrativo é caracterizado por aquilo que atrai o turista. Ruschmann (1997, p.71) segue explicando que os atrativos:

[...] são fundamentais, pois podem proporcionar maio-res fontes de renda à comunidade, também ajudar no crescimento de maior conscientização ambiental, pro-porcionar o bem estar do turista e com conseqüência da população.

Para o Brasil (2006), o atrativo é um elemento, seja natural ou artificial, que intrinsecamente motiva o ser humano, individualmente ou em grupos, a conhecê-lo. A singularidade do atrativo muitas vezes é fundamental para motivar o visitante;

muitos atrativos naturais ou artificiais são únicos em nosso planeta, com exemplo as pirâmides no Egito, apesar de existirem, contemporaneamente outras construções “imitando” pirâmides egípcias, apenas as originais conservam toda a cultura antiga do seu povo.

A Secretaria de Estado do Turismo - SETU tem sua fundamentação muito paralela com a do Ministério do Turismo, caracterizando o atrativo como lugar, objeto ou acontecimento que motive o turista a conhecê-lo. (PARANÁ, 2005) Dessa forma, o atrativo faz parte significativa da oferta turística, esse que sua ausência torna-se por dificultar a consolidação da atividade turística, pois o atrativo é a matéria prima do turismo, diz Boullón (2002). E sem a matéria prima toda vontade de trabalho não se torna ação, consequentemente sem ação não há turismo.

Alguns lugares são potenciais turísticos e podem vir a se tornar um atrativo, em que um potencial turístico é um elemento com dois adjetivos: aptidão e disponibilidade. Não adianta este elemento ter aptidão e por motivos outros não poder ser explorado.

O conceito de atrativo tem como prerrogativa a existência de condições mínimas para haver visitação. Essas condições conhecidas como infraestruturas devem suprir as necessidades básicas das pessoas que a este lugar buscam; caso o local não ofereça tais facilidades, o produto possui apenas potencial e não pode ser considerado um atrativo. Infelizmente é comum o equívoco conceitual por muitos profissionais atuantes na área.

Segundo Ignarra (1998), conceitualizar o atrativo turístico é uma tarefa complexa, pois a atratividade varia de turista para turista, ou seja, o valor de um atrativo para alguns pode ser insignificante para outros. O autor segue explicando que o atrativo tem maior valor à medida que for maior seu diferencial, sua singularidade.

Ainda, segundo a metodologia do Centro Interamericano de Capacitação Turística - CICATUR, citado por Ignarra (1998), os atrativos são classificados em naturais e culturais, e são divididos

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em tipos e subtipos, todavia não cabe especificá-los aqui.

Estudar o atrativo é fundamental para a primeira fase do processo de planejamento, como explica Molina (2005, p. 54), pois nesta primeira fase, o “Diagnóstico, compreende a análise e avaliação da situação histórica e atual do objeto que vai ser planejado.” Ou seja, ao avaliar e hierarquizar um atrativo, está se fazendo um levantamento de dados para o planejamento. Este por sua vez é conceitualizado por Petrocchi (2002, p.19) como “[...] a definição de um futuro desejado e de todas as providências necessárias à sua materialização”, então, a providência inicial que ele descreve passa pelo levantamento de dados sobre o objeto a ser planejado e consequentemente, o atrativo está inserido nele.

O planejamento turístico é compreendido, segundo Bissoli (1999, p. 66) com sendo

[...] um processo que avalia a atividade turística de um determinado espaço geográfico, diagnosticando seu desenvolvimento e fixando um modelo de atuação me-diante o estabelecimento de metas, objetivos, estraté-gias, e diretrizes com os quais se pretende impulsionar, coordenar e integrar o turismo ao conjunto macroeco-nômico em que está inserido.

Para tanto, é necessário analisar os atrativos turísticos do local de modo a avaliá-los, estabelecendo assim seu valor de atratividade e determinando a sua importância turística dentro do contexto municipal, regional e nacional, por meio da sua hierarquização.

Segundo Petrocchi (1998), o sistema do planejamento está composto por três passos; decisão, informação e ação, formando assim um ciclo. Compreende que, para agir é necessário a informação, e inserido na informação a avaliação e hierarquização de atrativos é fundamental.

Compreender o atrativo e seu potencial turístico se faz essencial para trabalhar o turismo em uma localidade. Avaliar e hierarquizar um atrativo é um passo importante, na tomada de decisão de qualquer ambiente, com o intuito de conhecer a realidade turística de cada espaço.

Identificando o valor quantitativo da potencialidade do atrativo por meio de estudos de avaliação, após hierarquizando-o, de modo a levantar e seu grau de influência no fluxo turístico no cenário municipal e regional, esses estudos permitem aos planejadores do turismo levantar as prioridades e os elementos do espaço a ser estudado que realmente interessam ao desenvolvimento turístico local.

A avaliação é o processo que pode definir a importância atual ou futura de um atrativo em relação a outros de características homogêneas. Para avaliar, é necessário reunir um conjunto de fatores que permitam captar as qualidades e valores específicos que possuem cada atrativo, em função de sua natureza e dos elementos que exercem ou podem influenciar o seu aproveitamento turístico. (PARANÁ, 2005) A análise desses fatores deverá ser efetuada sob o ângulo estritamente turístico, portanto para Ruschmann (2004, p. 142):

a avaliação dos atrativos determina seu potencial turís-tico e constitui elemento fundamental para a tomada de decisões estratégicas para uma localidade e forne-ce subsídios para determinar a abrangência dos proje-tos e a quantidade e a qualidade dos equipamentos e da infra-estrutura por instalar.

A Hieraquização, por sua vez é o processo que permite ordenar os atrativos de acordo com a sua importância turística. Esta análise contribui para a formação de roteiros (de modo a selecionar atrativos que devem fazer parte ou excluidos), na identificação dos pontos fortes ou a melhorar, na identificação do público alvo do atrativo avaliado, na priorização de ações, e em outros subsídios que devem pautar a tomada de decisões dos planejadores. (PARANÁ, 2005)

Desse modo, esses dois estudos nos permitem a adquirir informações sobre os atrativos de forma cinetífica, que se tornam fundametais para o planejamento turístico de uma localidade, possibilitando elaborar um ranking com os atrativos com maior potencial para uso, além de informar aos gestores, os pontos fortes e os pontos fracos de cada atrativo da localidade, possibilitando, assim, uma tomada de decisão

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baseada em conhecimentos que adquiridos por meio de técnicas que favorecem o planjemanto e a gestão do turismo nos municípios.

3 Metodologia

A pesquisa foi realizada em dois momentos distintos:

O primeiro deles consistiu em um levantamento bibliográfico sobre a temática em questão para embasar teoricamente o trabalho. Para tal pesquisa foram levantados temas como; planejamento turístico, inventário e hierarquização dos atrativos turísticos. Nessa etapa, também foi realizada uma pesquisa documental na Secretaria de Turismo do Estado do Paraná e no Departamento de Turismo de Irati/PR onde foi pesquisado o Inventário Turístico municipal de Irati, elaborado em 2002. O mesmo serviu de base para levantar quais os atrativos turísticos presentes na área urbana da cidade. Por meio desta pesquisa, foram averiguados 6 (seis) atrativos, sendo eles: Colina Nossa Senhora das Graças, Casa da Cultura, Igreja Nossa Senhora da Luz, Igreja São Miguel, Igreja Imaculado Coração de Maria e o Parque Aquático.

Após a etapa de pesquisa de gabinete, foi realizada a pesquisa de campo. Os atrativos levantados na pesquisa documental foram avaliados e hierarquizados de acordo com a metodologia de inventariação da SETU (2005). Para tal, utilizou-se de uma matriz de avaliação do atrativo, no qual foram analisadas as características citadas abaixo de cada atrativo:

1. Intrínsecas (variáveis internas);

2. Extrínsecas que compõem o atrativo (natural ou histórico);

3. Estrutura (do local), que podem influenciar na possibilidade de uso turístico do espaço.

Vale ressaltar que cada fator de avaliação possui um peso e características específicas, sendo atribuídos uma nota de 0 a 3 pontos para cada fator, sendo este:

• Acesso (peso 4): avaliar o acesso mais utilizado pelos visitantes para se chegar ao

atrativo, se este é rodoviário, ferroviário, marítimo ou aéreo, pontuado da seguinte forma:

Quadro 1 - Pontuação referente ao acesso aos atrativos

RODOVIÁRIO AÉREO, MARÍTIMO/FLU-VIAL, FERROVIÁRIO

3 pontos 2 pontos 1 ponto 3 pontos 0 pontoBom Regular Precário Existência Inexistência

Fonte: SETU, 2005 e adaptado por FERNANDES, 2009.

• Transporte (peso 3): avaliar o transporte existente e mais utilizado para o atrativo. Conforme segue abaixo:

Quadro 2 - Transporte mais utilizado para o atrativo

3 pontos 2 pontos 1 ponto 0 pontoBom Regular Precário Não existe

Fonte: SETU, 2005 e adaptado por FERNANDES, 2009.

• Equipamentos e Serviços (peso 3): consistem na análise dos equipamentos e serviços instalados no atrativo que a valorizarem e agregarem valor ao atrativo visitado. Esse fator por sua vez foi analisado da seguinte forma:

Quadro 3 - Valores a serem atribuídos aos atrativos

Valores a serem atribuídos aos atrativos que possuírem:3 pontos 2 pontos 1 ponto 0 ponto

- sinalização;- monitor

especializado;- local de

alimentação;- serviços de

limpeza;- sanitários;

- integrar roteiros comercializados.

- sinalização;- monitor

especializado;- local de

alimentação;- serviços de

limpeza;- sanitários.

- sinalização;- serviços de

limpeza.

- atrativo que não possuir nenhum

dos serviços utilizados.

Fonte: SETU, 2005 e adaptado por FERNANDES, 2009.

• Valor Intrínseco do Atrativo (peso 10): é o valor próprio do atrativo mediante à análise e avaliação do de suas características relevantes, tais características estão previamente selecionadas por tipo e subtipo de atrativos. Este valor varia de 1 a 4 pontos, conforme a comparação dos elementos relevantes do atrativo com outro da mesma categoria.

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Quadro 4 - Valor intrínseco do atrativo

4 PONTOS 3 PONTOS 2 PONTOS 1 PONTO

Muito Interessante

Interessante Interessante

RelativoPouco

interessante

Fonte: SETU, 2005 e adaptado por FERNANDES, 2009.

O Valor Intrínseco do Atrativo foi obtido por meio do somatório do valor médio de cada uma das características relevantes, divido pela quantidade de característica que integra o atrativo.

Após a avaliação de cada elemento e feito a média dos pontos de cada fator pelos avaliadores, multiplica-se cada fator por seu peso para se ter o Ponto do Fator (PF).

Utiliza-se então a fórmula seguinte para se chegar ao Índice de Atratividade do Atrativo (IA):

Quadro 5 - Fórmula do índice de atratividade do atrativo

IA = PF Acesso + PF Transporte + PF Equipamentos e Serviços + PF Valor Intrínseco20

Fonte: SETU, 2005 e adaptado por FERNANDES, 2009.

Após a identificação do Índice de Atratividade do atrativo, dá início a segundo etapa, da sua hierarquização. Conforme o valor do Índice de Atratividade, o atrativo poderá ser classificado nas seguintes hierarquias, conforme o intervalo de seu valor de atratividade:

• HIERARQUIA I: Índice de atratividade de 1,00 a 1,75

Atrativo complementar a outro de maior interesse, tem capacidade de estimular correntes turísticas locais.

• HIERARQUIA II: Índice de atratividade de 1,76 a 2,50

Atrativo capaz de estimular correntes turísticas locais e regionais, atual ou potencial, podendo motivar a visitação de turistas nacionais e internacionais que visitam a localidade ou região por outras motivações.

• HIERARQUIA III: Índice de atratividade de 2,51 a 3,25

Atrativo turístico muito interessante, em nível nacional e internacional, capaz de motivar a visitação por si só ou por um conjunto de atrativos.

• HIERARQUIA IV: Índice de atratividade de 3,26 a 4,00

Atrativo de grande significado para o mercado turístico internacional, capaz por si só de motivar expressivas correntes de visitantes, tanto nacionais quanto internacionais.

Desse modo, cada um dos 06 (seis) atrativos encontrados na área urbana de Irati, segundo o Inventário de Oferta Turística do Município, foram avaliados e hierarquizados. Vale ressaltar que além desses atrativos, o documento aponta mais um atrativo na cidade, mas atualmente tal ponto encontra-se em uma propriedade particular e está fechado para visitação. Por essa razão, o atrativo não foi apresentado neste trabalho.

Para a realização desta pesquisa, foi organizada uma equipe com 5 profissionais responsáveis pela avaliação dos patrimônios culturais e naturais do município, utilizando as variáveis representativas das características que devem possuir cada atrativo turístico, tais variáveis previamente estipuladas por uma ficha desenvolvida pela SETU - PR.

Após a pesquisa de campo e os dados coletados, começou o momento de tabular e analisar os resultados obtidos, para assim redigir o relatório final de pesquisa.

4 Apresentação dos dados

O município de Irati está localizado na região Centro Sul, segundo planalto do Estado do Paraná, precisamente no Paralelo 25º 27’ 56” de latitude Sul com intercessão com o meridiano 50º 37’ 51” de longitude Oeste a uma altitude de 812,00 metros. Possui uma área de 998,30 km2 segundo os dados gerais da Prefeitura Municipal de Irati (2005).

A sede encontra-se excentricamente a nordeste do município com uma área de 33,52 Km2, que está localizado a uma distância de 155 km da capital do estado, Curitiba, pela rodovia BR 277 que liga o litoral do estado ao município de Foz do Iguaçu, sendo essa a principal via de acesso. As outras vias de acesso ao município são a BR - 153 e a BR - 364, além da ferrovia.

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Segundo a Prefeitura Municipal de Irati (2004, p.56), o município de Irati apresenta uma “função microrregional, de caráter complementar, abrigando atividades agropecuárias e industriais que são essencialmente, salvo poucas exceções, uma extensão do que é mais significativo no centro-sul do Estado, na qualidade de economia provedora de insumos básicos, com baixo valor agregado.” Não só como pólo econômico regional, mas também dos sub-setores bancário, de transporte rodoviário de passageiros e a área cultural e de lazer (esportes, cinema e eventos).

A cidade está localizada em um vale, a sede do município segundo a Prefeitura Municipal de Irati (2004, p.71)

apresentando uma “parte baixa” — mais antiga — e uma “parte alta”, circundante — mais recente, e onde se localizam alguns ícones da paisagem urbana local, como as igrejas católicas de Nossa Senhora da Luz e a de São Miguel, bem como os Colégios São Vicente de Paula e de Nossa Senhora das Graças, além da grande imagem de Nossa Senhora das Graças, com 22 metros de altura, inaugurada em 1957, por oca-sião do cinqüentenário da cidade, ícone estes passíveis de avistamento a partir de quase todos os pontos da cidade.

Irati é um município que não se utilizou das riquezas formadas pela agricultura para desenvolver sua indústria, e hoje permanece como uma cidade com uma morfologia singular. O município desenvolve-se em um vale acidentado, cortado na direção norte-sul pela linha da Estrada de Ferro São Paulo- Rio Grande, esta ativa até hoje, cruzando largos espaços urbanos tornando-se um elemento forte que estruturou a malha urbana do município, reforçada mais tarde pelas rodovias. Nos bairros do município, não existe uma grande infraestrutura comercial e de serviços, além dos serviços públicos, como transporte coletivo, pavimentação, passeios, iluminação pública e arborização, e as vias não possuem uma hierarquização adequada.

O município vem há vários anos procurando desenvolver a atividade turística, com influência da colonização polonesa, ucraniana, alemão

e italiana, a área urbana de Irati, segundo o inventário turístico do município, possui alguns atrativos que serão avaliados e hierarquizados a seguir, será descrito cada atrativo, apresentando suas principais características e particularidades. Nesse mesmo texto, será demonstrado o valor de Índice de Atratividade destes atrativos e seu valor de hierarquia. Os valores foram obtidos a partir da metodologia da SETU, descrita no capítulo anterior.

4.1 Colina Nossa Senhora das Graças

A colina Nossa Senhora das Graças é um dos logradouros de maior importância da cidade. Quanto à sua visitação, este espaço é passagem obrigatória para os turistas que visitam Irati. Lá se encontra uma imagem de 22 metros de altura de Nossa Senhora das Graças, um marco do município. Construída no ano de 1957, em comemoração aos 50 anos de Irati, a imagem é esculpida em 70 peças pelo artista Ottaviano Papaiz, de Campinas. A imagem não representa a padroeira da cidade, Nossa Senhora da Luz, pois sua construção se tornou inviável devido à imagem do menino Jesus que carrega no colo. Feita uma eleição, a imagem de Nossa Senhora das Graças surge em função da grande devoção popular (PREFEITURA MUNICIPAL DE IRATI, 2009).

O acesso se dá através de uma escada que acompanha o declive da colina para os pedestres, ou por duas vias secundárias que permitem ao visitante um acesso por trás da colina. Todos os caminhos estão em estado regular de conservação sendo necessários alguns ajustes, principalmente ao acesso de pedestres o qual não é sinalizado. Já as escadarias não possuem corrimões nem bancos para descansos em meio à subida.

A colina está equipada com playground, sanitários, uma capela e um mirante com vista para cidade, equipados com bancos defronte à imagem. Infelizmente atualmente o espaço passou por uma reforma, foram retirados do local a lanchonete e os estacionamentos.

Observou-se também que a colina possui alguns problemas estruturais, que acabam dificultando ou prejudicando sua visitação: a

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falta de sinalização, e o estado de conservação de seu acesso são deficientes. Entretanto as condições das instalações foram melhoradas quando comparada aos dados coletados por esta pesquisa em abril de 2005; os bancos de madeiras do mirante foram trocados, foi feito um novo mirante no local, houve uma reforma no interior da capela, foi aparada a vegetação de entorno e foram feitos novos banheiros.

Devido às condições descritas anteriormente, a Colina Nossa Senhora das Graças obteve um índice de atratividade IA = 2,00, ficando, portanto com Hierarquia II.

Sendo um dos principais atrativos da cidade, é importante ressaltar a importância de benfeitorias nesse atrativo para que ele tenha seu valor de atratividade aumentado, principalmente no que diz respeito ao acesso para o atrativo, além da instalação de lanchonete e de monitores que informarem ao turista sobre a imagem que lá se encontra.

A colina Nossa Senhora das Graças é hoje o espaço mais visitado pelos turistas no município de Irati, portanto uma paisagem que merece maior atenção dos responsáveis pela gestão no município, pois é a imagem que o turista mais vê e a que o visitante realmente vai levar com ele do município. A constante manutenção e conservação da paisagem da colina da Santa são de suma importância para a qualidade dessa área turística do município.

4.2 Casa da Cultura

Localizada na rua XV de Julho no. 329, compreende num antigo casarão de madeira que data das primeiras décadas do século XX e que mantém conservados todas as características impostas pela cultura urbana então vigente. Residência da família Gomes, foi construída em 1919 por Arcélio Batista Teixeira. O imóvel foi cedido à Prefeitura em 1987, em comodato pela família proprietária e doada ao município em 2004. Hoje a antiga residência da família Gomes é utilizada como centro de cultura, onde ocorrem cursos e exposições periódicas de diversas áreas (PREFEITURA MUNICIPAL DE IRATI, 2009).

Uma paisagem singular no centro da cidade, um casarão de arquitetura eclética preservado, com jardins laterais, onde ao seu entorno encontra-se residências, que na maioria não possuem harmonia com a edificação em questão. À sua frente, encontra-se o Clube do Comércio - o primeiro da cidade - hoje com uma nova forma. A rua até pouco tempo era de paralelepípedo e hoje está asfaltada.

A edificação atualmente é denominada de Casa da Cultura, onde se encontra alojada a Coordenadora de Cultura do município e é um espaço também destinado a exposições e mostras de artistas regionais. O pequeno museu no interior da casa apresenta alguns artefatos da cultura ucraniana predominante na região, além de objetos da família Gomes, e quadros e gravuras de artistas iratienses que relatam a história do município, a vida e a cultura de Irati em suas épocas. A Casa da Cultura ainda é um centro de ensino de línguas, artes, música e atividades culturais promovidas por entidades diversas.

Sua visão destaca na Rua XV de Julho devido à singularidade da construção com os demais edifícios do entorno. Portanto um marco urbano iratiense, que merece destaque devido ao seu uso como centro cultural onde se encontra um pequeno museu que conta parte da história da família Gomes e da cidade de Irati.

A área possui um grande potencial para uso turístico, não só por sua preservada forma como também pela sua função urbana. Esse é um espaço de cultura que se melhor utilizado, proporcionaria ao turista um resgate da história e da identidade de Irati. A visita orientada poderia proporcionar ao turista, informações significativas sobre a história e sobre o desenvolvimento da cidade.

O acesso até ao atrativo encontra-se em bom estado de conservação e bem sinalizado, mas não há transporte regular. Outras dificuldades são a falta de estacionamento próprio, a ausência de monitores ou guias especializados no local e de serviços de alimentação.

Portanto o Índice de Atratividade da Casa da Cultura (IA) é 1,25, ficando dessa forma classificada com Hierarquia I. Deve-se salientar que esses valores

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não são fixos, pois podem sofrer alterações, conforme o atrativo vá recebendo benfeitorias e melhorias para melhor atender ao turista. Nesse caso, a contratação de monitores que possam oferecer o serviço de orientação a visitantes, melhoria na exposição do acervo existente e melhor utilização dos espaços do atrativo poderiam melhorar a classificação do atrativo.

4.3 Igreja Nossa Senhora da Luz

Localizada na Rua Cel. Pires nº994, a Igreja Matriz Nossa Senhora da Luz, segundo dados do Inventário Turístico de Irati (2002), teve sua construção iniciada em 1931. Portanto essa edificação religiosa foi a primeira do município, que possui como padroeira Nossa Senhora da Luz.

No seu entorno, encontra-se residências com jardins frontais, o antigo edifício da Faculdade e a Praça Etelvina Gomes, que apresenta sinais de descaso e abandono. A rua em frente à igreja apresenta pavimentação em calçamento articulado em paralelepípedo, valorizando assim o estilo antigo da localidade.

A arborização é caracterizada por árvores de grande porte, localizadas principalmente na praça em frente à igreja. A Praça Etelvina Gomes faz parte da paisagem do conjunto desse atrativo, passou recentemente por reforma o que melhorou muito o entorno do atrativo, principalmente no que diz respeito à iluminação.

A Igreja Matriz Nossa Senhora da Luz, apresenta um Índice de Atratividade (IA) = 1,05, ficando assim com Hierarquia I. Essa situação é devido a falta de recursos para a visitação de turistas.

4.4 Igreja São Miguel

Localizada na Praça Madalena Anciutti, anteriormente construída em madeira e hoje em alvenaria, a igreja encontra-se em um dos pontos mais altos da cidade podendo ser vista de vários locais. Na sua frente encontra-se uma praça e aos fundos o Cemitério Municipal. Ao lado, o Colégio Nossa Senhora das Graças, um edifício antigo que em seu entorno encontram-se construções em sua maioria comerciais com um e dois pavimentos de

arquitetura contemporânea, porém com pouca expressividade. A Rua XV de Novembro, em que está localizada, apresenta uma pavimentação em paralelepípedo, característica da cidade, com poucas árvores de pequeno porte, com exceção da Praça Madalena Anciutti. Esta está bem arborizada e ainda possui o monumento, a Bíblia, inaugurado em 18 de fevereiro de 2001, e é considerado um monumento ecumênico que visa à integração entre todas as crenças cristãs.

Essa edificação encontra-se inscrita numa paisagem bem preservada que proporciona uma qualidade paisagística, devido à harmonia do conjunto edificado.

Ao contrário da Igreja Nossa Senhora da Luz, a paisagem da Igreja São Miguel possui atratividade turística, isto porque seu entorno agrega maior valor ao atrativo, onde o conjunto paisagístico do atrativo em questão encontra-se em harmonia, qualificando a paisagem dessa área urbana para o uso turístico.

Esse atrativo da cidade de Irati obteve como avaliação 1,5 pontos. Isto devido ao fato de que o atrativo encontra-se em local privilegiado do ponto de vista de seu entorno e apresenta também elementos intrínsecos componentes que chamam a atenção para seu interior, ficando com Hierarquia I.

4.5 Igreja Imaculado Coração de Maria

Em 24 de junho de 1950, foi inaugurada a primeira Igreja Ucraniana no município. Com o crescimento da cidade de Irati, novas famílias dos municípios vizinhos vieram morar nessa cidade e, com elas muitas famílias ucranianas. Assim a igreja ficou pequena, sendo necessário ampliar o espaço em virtude do aumento de seus fiéis. Foi adquirido então, o terreno na Rua Barão do Rio Branco nº156 e, em 1970, construída uma igreja maior, hoje a sede de todas as igrejas ucranianas do município (PREFEITURA MUNICIPAL DE IRATI, 2009).

A Igreja tem capacidade para atender a 400 pessoas sendo que, as celebrações são feitas em ucraniano, com exceção da missa dos Sábados celebrada em português, pois muitos dos descendentes não entendem a língua de origem.

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Essa edificação religiosa chama atenção por sua forma e construção que apresenta algumas particularidades como: uma coroa prateada na parte superior e gravuras na fachada do prédio em formato cúbico.

A igreja está localizada em uma área residencial, com casas que em sua maioria possuem jardins frontais, em uma rua pavimentada com paralelepípedo e arborização quase que inexistente.

A Igreja Imaculado Coração de Maria tem destaque como um atrativo, devido à sua singularidade. A forma da edificação é um tanto diferente das demais e esse marco urbano destaca-se na paisagem por sua arquitetura singular, que aguça no turista uma curiosidade quanto à imagem que transmite e quanto ao rito religioso da Igreja Católica Ortodoxa. Essa imagem transmite os símbolos da cultura ucraniana ao turista e está fortemente atrelada às características socioculturais de uma grande parte da população de Irati, ou seja, os descendentes dos imigrantes ucranianos.

Devido à sua singularidade de construção e seu rito, a igreja Ucraniana como é conhecida, obteve IA = 1,8 pontos, pois é reconhecida como um atrativo de destaque devido às suas peculiaridades. Ainda são necessárias algumas melhorias para que ela tenha plenas condições de atender aos turistas como guias, placa indicando os horários de visitação, estacionamento, etc. Desse modo, o atrativo atingiu Hierarquia II.

Parque Aquático

Localizado no Bairro Rio Bonito, na Rua Adão Panka s/n, este logradouro tem uma grande importância enquanto paisagem turística e para o lazer da comunidade de Irati, isto devido ao seu uso atual e a seu histórico, um espaço que deixou de ser um ambiente degradante da área urbana para se transformar em uma área de lazer e visitação da cidade de Irati.

Essa área pertencia a Olaria Santa Therezinha até o ano de 1987, quando foi adquirida pelo poder municipal entre maio e junho do mesmo ano, sendo então transformado em parque pela Lei no. 834, de 12 de dezembro de 1988, passando a ser

denominado como Parque Aquático e de Exposição Santa Terezinha (PREFEITURA MUNICIPAL DE IRATI, 2009).

Antes da revitalização da área, o terreno em que hoje se encontra o parque era uma área sem atratividade, um grande banhado que desqualificava o bairro e sua área de entorno. Hoje o que vemos é uma área urbana qualificada da cidade, um espaço verde propício para realização de atividades de lazer e de eventos.

O parque é caracterizado em seus 79000 m² por ser uma área extensa composta por lago e um grande gramado. Possui playground, pontes, churrasqueiras, uma mini estrada de ferro de 870 metros. Sua estação e uma réplica de Maria Fumaça que faz passeios em torno do parque, postos médico e odontológico, canchas cobertas, pista de cooper/ciclismo, estrutura para prática de exercícios físicos e o Pavilhão de Exposições João Wasilewski (PREFEITURA MUNICIPAL DE IRATI, 2009).

No seu entorno, encontram-se edifícios comerciais e habitações de um ou dois andares, com jardins frontais, com estilo arquitetônico contemporâneo, mas de pouca expressividade. A topografia do local é de solo plano, com ruas de mão dupla com estacionamento nos dois lados da via, com árvores médias e pavimentação de paralelepípedo.

O parque aquático é um espaço interessante, pois apresenta algumas características singulares como seu portal de entrada. Esse marco do parque encontra-se em um acesso secundário, e não na principal rua de acesso ao logradouro. Nessa entrada encontra-se um estacionamento pouco utilizado, já que o acesso principal ao atrativo se dá pelo outro lado, onde existe uma grande área sem edificações ou ajardinamento, que a população usa como estacionamento. Outro detalhe que o Parque apresenta é uma gruta com algumas imagens, como a de Santa Terezinha em homenagem ao nome do parque.

O Parque Aquático e de Exposições de Irati é um espaço de uso público, onde a população iratiense e os municípios vizinhos utilizam para o lazer nos finais de semana. O local ainda é muito utilizado para realização de eventos tendo como as

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principais festas do município, a Festa do Pêssego e a Festa do Kiwi.

Os problemas estruturais para visitação que foram identificados podem ser classificados da seguinte forma; primeiramente há deficiência de sinalização para orientar os visitantes, outro empecilho é o mal estado de conservação dos sanitários e lixeiras existentes, mas o principal problema encontrado é a falta de segurança o que resulta em uma má utilização do espaço.

Essas deficiências produzem uma desqualificação na paisagem do parque, uma vez que esse espaço possui atratividade de abrangência regional e que é, portanto, significativo logradouro da cidade, uma área verde que destoa na paisagem urbana de Irati, um espaço de intenso uso pela comunidade local principalmente durante os finais de semana de verão. Essa área poderia ser mais bem aproveitada, uma paisagem que hoje, devido a problemas já citados anteriormente, encontra-se degradada, mas que com um bom plano de uso, essa imagem poderia ser revertida.

Devido ao exposto anteriormente, o Parque Aquático de Irati recebeu IA = 1,8 pontos. Mesmo sendo um dos atrativos mais visitados do município, seu mau uso e estado de conservação prejudicam a sua avaliação. Mesmo assim sua Hierarquia atinge o valor II.

Dessa forma, pode-se ver que os atrativos da cidade de Irati precisam de algumas melhorias, para que possa aumentar sua pontuação na avaliação e em sua hierarquização. O quadro a seguir mostra os atrativos da cidade de Irati e suas respectivas pontuações.

Quadro 6 - Relação dos atrativos avaliados em Irati/PR

Atrativo Nota Avaliação HierarquizaçãoColina Nossa Senhora da Luz 2,0 II

Parque Aquático 1,8 IIIgreja Imaculado Coração de Maria 1,8 II

Igreja São Miguel 1,5 ICasa da Cultura 1,25 I

Igreja Nossa Senhora da Luz 1,05 I

Fonte: FERNANDES, 2009.

Conforme pode ser observado pelo quadro anterior os atrativos que se encontram na área urbana de Irati possuem baixo índice de atratividade

e de hierarquização, representados pelas hierarquias I e II, que correspondem a atrativos complementares com potencialidades de atração local e regional ou de fluxos de turistas nacionais que se dirigem a região por outro atrativo de maior potencialidade.

Portanto hoje a realidade do turismo na cidade de Irati consiste em atender, se bem trabalhado, aos turistas que visitam a região por outras motivações, ou que trafegam pela BR-277, buscando inicialmente um desenvolvimento como centro de excursão, onde estes fluxos de turistas provavelmente se concentre nos seguintes atrativos: Colina Nossa Senhora das Graças, Parque Aquático e Igreja Imaculado Coração de Maria. Proporcionando a esses turistas opções para permanecerem algumas horas no município.

É importante destacar que os valores obtidos nesta avaliação não são definitivos, podendo ser alterado ao longo do tempo por intervenções planejadas para melhorar os índices de atratividade dos atrativos avaliados, podendo assim aumentar seu potencial. Outra constatação a ser feita é o fato de que se há interesse de Irati desenvolver a prática do turismo em sua cidade, deve se valer de uma organização regional, buscando em conjunto com os municípios vizinhos atrativos que aumentarem o fluxo turístico regional, para que assim possa favorecer de uma demanda que conheça os atrativos que se encontram em seu centro urbano.

5 conclusão

O artigo ora apresentado teve como objetivo hierarquizar os atrativos da área urbana da cidade de Irati/PR, mostrando sua potencialidade para o uso do turismo. Para tal, foram analisados 05 (cinco) atrativos, conforme apresentado na metodologia.

A Matriz de Avaliação e Hierarquização de Atrativos utilizada neste estudo foi a da SETU – Secretaria de Estado do Turismo (2005) que se baseia em variáveis estritamente intrínsecas do atrativo. De acordo com os dados apresentadas, é possível verificar que os atrativos possuem potencial turístico, mas necessitam de melhor estruturação. Para tal, é imprescindível que haja comprometimento e interesse do poder público

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e maior participação da iniciativa privada. Com atrativos bem estruturados, a cidade poderá atrair uma demanda mais significativa, gerando maior renda, postos de trabalho e desenvolvimento a região.

Fica claro com a pesquisa que a capacidade de atração de fluxo de turistas dos atrativos estudados na cidade de Irati possui sua influencia em abrangência local e regional, podendo ser utilizado como um atrativo complementar em roteiros nacionais se estes interessarem aos turistas que passam pela BR – 277 ou visitam outros atrativos na região.

Este trabalho não teve o intuito de cessar o assunto e sim fomentar outros autores a

explorarem a temática e desenvolverem diferentes pesquisas relacionadas ao planejamento turístico no município. Estudos que valorizem elementos como visitação, número de visitantes e como essa visitação ocorre, assim como se este atrativo faz parte de um roteiro turístico ou não seriam de igual importância para a atividade. São elementos que devem ser sim, observados e levados em conta no planejamento turístico, uma vez que o atrativo é um dos componentes de um roteiro. As pesquisas turísticas são ferramentas para o conhecimento da realidade e auxiliam na tomada das decisões. Elas dão suporte a um planejamento adequado às destinações turísticas. Planejamento necessário para o desenvolvimento ordenado da atividade.

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Gestão da Responsabilidade Social e o Perfil dos Gestores: análise das organizações de Blumenau - SC

Social Responsibility Management and the Managers Profile: an analysis of Blumenau-SC organizations

Marialva Tomio Dreher1

Danielle Regina Ullrich2

Resumo

Os processos de Responsabilidade Social (RS) preconizam ações para a sustentabilidade das organizações, porém fundamentadas em estratégias que privilegiam a ética e as demandas socioambientais, que permeiam o processo produtivo e os relacionamentos entre os stakeholders. Pela complexidade desta temática, os gestores que conduzem a RS necessitam de capacitação e de poder de decisão contribuam com a efetivação das suas propostas. Assim, o objetivo deste artigo foi analisar o perfil dos gestores de RS das organizações de Blumenau (SC). Para tanto, utilizou-se o método da pesquisa qualitativa amparada pela técnica da metodologia exploratória, envolvendo uma população de dezesseis gestores de RS, que atuam em organizações de vários portes em diferentes setores da economia. Os resultados evidenciam que os atuais gestores são maioria mulheres com formação acadêmica na área humana, mas não específica em RS; não conduzem setor exclusivo de RS. Somente duas organizações têm certificações na área, demonstrando que, embora haja intenção, este processo é embrionário. Diante disso, como na maioria das organizações a RS ainda não é formalmente instituída, sejam pelas estratégias ou pelos instrumentos como as certificações, a legitimidade das ações de seus gestores fica comprometida pela falta de poder de decisão.

Palavras-chave: Responsabilidade Social; Gestão Organizacional; Perfil Dos Gestores.

Abstract

The processes of Social Responsibility (RS) emphasize actions for the organization sustainability, however based on strategies that grant privilege to ethics and social-environmental demands that permeate the productive process and the relationships among the stakeholders. For the complexity of this theme, the managers that lead the RS process need training and decision-making that can contribute to their proposals effect. The objective of this article was to analyze the RS managers profile in Blumenau (Brazil) organizations. Thus, the qualitative research method supported by the technique of exploratory methodology, involving a population of sixteen RS managers that act in organizations of several loads in different economy sections. The results evidence that the current managers are majority women with academic formation in the human area, but no specific in RS; they don’t drive exclusive section of RS. Only two organizations have certifications in this area demonstrating that,

1 Professora titular da Universidade Regional de Blumenau - FURB, Brasil, do Programa de Pós-Graudação em Ciências Contábeis e Administração da Universidade Regional de Blumenau - FURB, Brasil, nível doutorado. Professora dos Programas de Pós-Graduação Em Ciências Contábeis e Pós-Graduação em Administração da Universidade Regional de Blumenau - FURB, Brasil.Possui Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil, e mestrado em Turismo e Hotelaria pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, Brasil. Discente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGA/UFRGS, Brasil, nível pós-doutorado. Contato: [email protected]

2 Discente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGA/UFRGS, Brasil, nível doutorado. Possui o mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau - FURB, Brasil. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 08/07/2010 - Aprovado em 18/12/2010

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although there is intention, this process is embryonic. Before that, as in most of the organizations RS still isn’t instituted formally, be for the strategies or for the instruments as the certifications, the legitimacy of their managers’ actions is committed for the lack of power of decision.

Key words: Social Responsibility; Management; Profile Managers.

Introdução

A temática da Responsabilidade Social (RS) ganhou destaque principalmente no final do século XX, cenário no qual as organizações passaram a enfatizar com muito mais afinco as preocupações sócio-ambientais. Começaram promover gestão mais transparente e responsável, numa tentativa de minimizar os impactos da atividade produtiva sobre o ambiente e a sociedade. Todavia, a incorporação da RS, quando adotada estrategicamente pelas organizações, exige mudança da cultura organizacional, reestruturação da estrutura e gestores capacitados. Essas exigências devem-se ao fato de que a RS, por ser complexa, abrange um processo que precisa envolver várias atitudes, pessoas e outros recursos da organização. Essa transformação requer um perfil de gestor que consiga conciliar a função de produção com questões sociais e ambientais implícitas nos processos organizacionais.

Esse período de adaptação compreende, ao mesmo tempo, reorganização da estrutura de cargos e funções legitimarem a RS como estratégia e ainda dão conta desse novo desafio, especialmente com a criação de espaços abertos a participação e envolvimento dos stakeholders. A RS movimenta adaptações no modo de administrar os relacionamentos interpessoais, uma vez que, é fundamentada em decisões éticas. No entanto, em muitas organizações, essa movimentação limita-se, especialmente, no seu estágio de concepção e consolidação, na aceitação e na adesão das pessoas que atuam na organização. Isto no seu estágio embrionário, por exemplo, torna-se um processo lento e com resultados nem sempre mensuráveis. Por isso, em alguns casos, essa falta de visualização de resultados dificulta o desenvolvimento desse processo. Desse modo, se o gestor de RS e sua equipe, não estiverem capacitados para lidar com esse contexto,

provavelmente o processo não se consolidará prejudicando sua legitimidade. Para compreender melhor essa problemática, este estudo pretende atender ao objetivo de analisar o perfil dos gestores de RS de dezesseis organizações de Blumenau (SC).

A relevância deste estudo se dá no momento em que apresenta uma reflexão que elucida a preocupação em se pensar com muito cuidado na preparação das pessoas que atuam na RS. Esse fato poderá contribuir com o sucesso da RS nas organizações e ainda minimizar problemas que possam complicarem ainda mais o bem estar das pessoas que são assistidas pelos projetos de RS. Teoricamente, essa reflexão poderá servir como um exemplo do atual cenário da gestão da RS nas organizações, uma vez que tradicionalmente a visão dos gestores é focada somente na sua função. Capra (2002, p. 123) afirma que “A correspondente mudança do estilo de administração exige uma mudança de percepção que é tudo, menos fácil. Porém, quando acontece traz consigo grandes recompensas.”

Responsabilidade social

No século XX, as organizações enfrentaram desafios, ligados a alguns fatores como existência de uma demanda crescente, num mercado menos competitivo; necessidade de melhorias e ajustes nos processos produtivos; maior orientação para o mercado, entre outros. Esses desafios tornam-se uma motivação na busca pela sobrevivência da organização, entretanto, em muitos casos, ainda se apresentam desarticulados de considerações sobre outros agentes e recursos que devem continuar existindo para que essa sobrevivência seja possível. Competentes em responder às ameaças intrínsecas ao seu ambiente operacional, no que diz respeito à produção e à comercialização de bens e serviços, as empresas têm-se mostrado negligentes quanto

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aos fatores que dão sustentação a esse mesmo ambiente. Historicamente, isto é percebido pelas inexpressivas conquistas em termos de qualidade de vida da maioria dos trabalhadores, pela exploração irresponsável dos recursos naturais, pelo descompromisso com qualquer grupo de interesse que não seja o dos acionistas (VERGARA; BRANCO, 2001).

É então, que a RS passa a ser destaque nas discussões empresariais. Já na década de 50, Bowen (1957) relacionava as ações de responsabilidade social, com imposições da Igreja Protestante, segundo a qual, a igreja e os cristãos, individualmente, têm o dever de trabalhar por uma ordem social melhor. Isso abrange a obrigação de manter-se a par dos assuntos sociais, e de participar e trabalhar, ativamente, em organizações, partidos e movimentos que estejam tentando aperfeiçoar as instituições sociais. Os pensadores protestantes afirmavam que, a propriedade não é um direito absoluto ou inerente e, só pode ser justificada, enquanto o bem-estar da comunidade estiver sendo atendido pela posse e administração dos bens materiais, por particulares. Os que possuíam propriedade deveriam usá-las e administrá-las, visando às necessidades de toda a sociedade. Sob o ponto de vista moral, o dono de determinada propriedade é responsável perante Deus e a sociedade.

A partir desses postulados, determinados pela Igreja Protestante, nos Estados Unidos, novos questionamentos e inquietações surgiram. Ressalta-se, segundo Preston (1975), que a partir dos trabalhos desenvolvidos por Bowen, surgiram três correntes que fundamentaram o papel das organizações de interesse privado, na sociedade: a institucionalista, a organizacional e a filosófica. Para os institucionalistas, as organizações privadas se relacionavam com o universo social mais amplo. Para os teóricos organizacionais, as estratégias organizacionais são como ferramentas que permitem a adaptação da organização às mudanças ambientais. E os filosóficos, baseiam-se em concepções teóricas da responsabilidade social, que defendem posições de cunho neoliberal, filantrópicas, e de maior comprometimento com as questões sociais.

Analisando as correntes de discussão teórica sobre o termo, percebe-se a sua abrangência, e por isso, esse pode ter diversas interpretações. Para alguns, remete a idéia de responsabilidade legal ou responsabilidade civil, enquanto que, para outros, significa o comportamento socialmente responsável, num sentido ético. E ainda, pode remeter a idéia de que é a “responsabilidade para”, em seu modo causal. Pode-se equiparar a esse conceito com contribuições filantrópicas; comparar com algum significado de consciência social. Para muitas pessoas, que adotam esse conceito, este é sinônimo de legitimidade, no contexto de “pertencentes”; poucos veem como uma espécie de dever fiduciário, que impõe padrões mais elevados de comportamento ao empresário, do que sobre os cidadãos em geral. Inclusive os antônimos, irresponsável ou não-responsável, são sujeitos de múltiplas interpretações (VOTAW, 1973 apud PRESTON, 1975).

Pode-se considerar que a responsabilidade social, em seu amplo sentido, abrange os atos dos indivíduos e suas formas de organização, porque tem em sua concepção intrínseca, um dever ético dos sujeitos. Porém, quando essa concepção de responsabilidade social passa a ser incorporada pelas organizações privadas ou empresas, surge a responsabilidade social empresarial (RSE) ou, também denominada, responsabilidade social corporativa (RSC). Conforme Kraemer (2005), a concepção de responsabilidade social pelas empresas vem sendo bastante difundida, principalmente, porque as empresas passam a enfrentar desafios impostos pelas exigências dos consumidores, pela pressão de grupos da sociedade organizada e por legislações e regras comerciais, que demandam proteção ambiental, produtos mais seguros e menos nocivos à natureza, e o cumprimento de normas éticas e trabalhistas em todos os locais de produção e em toda a cadeia produtiva.

Félix (2003) afirma que, a mudança de comportamento, por parte das organizações de interesse privado, se deu por um conjunto de fatores históricos, que correlacionados e paralelos, contribuíram para atitudes de responsabilidade social dessas organizações. Em primeiro lugar, a

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globalização, caracterizada por um processo de encurtamento das distâncias, imprimiu um aumento do fluxo do comércio internacional e das atividades financeiras, o que fortaleceu as organizações não-estatais. Essa mudança fez com que o Estado perdesse o controle dos processos e, passasse a se concentrar na garantia da estabilidade econômica interna, em detrimento das políticas públicas de caráter social. Se por um lado, o Estado deixa sua posição de propiciador do bem-estar e realizador de políticas de cunho social, por outro lado, as organizações de interesse privado percebem que são, em parte, responsáveis pela situação de exclusão e injustiça social. A globalização, portanto, na medida em que influencia na evolução das tecnologias de informação, influi na conduta dessas organizações, já que seus atos passam a ser cada vez mais públicos, o que demanda um cuidado maior com a imagem transmitida para a sociedade.

Nesse sentido, o Instituto Ethos (2008) em uma conceituação contemporânea, afirma que, a RSE está relacionada com a ética e a transparência na gestão dos negócios, e deve refletir-se nas decisões cotidianas, que podem causar impactos na sociedade, no meio ambiente, e no futuro dos próprios negócios. Dizem respeito à maneira como as empresas realizam seus negócios, os critérios que utilizam na tomada de decisões, e suas prioridades e relacionamento com os públicos que interagem.

A idéia básica da RSE é que a empresa e a sociedade estão entrelaçadas, ao invés de estarem separadas, portanto, a sociedade possui expectativas sobre o comportamento empresarial e seus resultados. Entretanto, existem alguns princípios específicos nessa relação gerados em relação às expectativas: a expectativa depositada em todas as organizações, devido ao seu papel enquanto instituições econômicas; a expectativa depositada nas organizações sobre o que elas são e o que elas fazem; e as expectativas depositadas nos gestores como atores morais das empresas. Essas expectativas geram três níveis de análises distintas em relação a RSE: institucional (princípio da legitimidade), organizacional (princípio da responsabilidade pública) e individual (princípio da

prudência gerencial). O princípio da legitimidade refere-se ao poder e legitimidade que a sociedade confere à organização e seus negócios; o princípio da responsabilidade pública expõe que as organizações são responsáveis pelos resultados gerados na sua relação com a sociedade; o princípio da prudência gerencial expõe que os gestores são agentes morais, obrigados a serem prudentes nos negócios, a fim de obter resultados responsáveis. Baseado nesses princípios, é possível avaliar a RS nos processos organizacionais como: diagnóstico ambiental, a gestão da relação com os stakeholders e a gestão de questões sociais (WOOD, 1991).

Sethi (1975), já tinha observado, ná década de 70, que as ações empresariais podem ser consideradas socialmente responsáveis, sob um conjunto de circunstâncias em uma cultura, e socialmente irresponsável, em outro tempo, sob diferentes circunstâncias. Por isso, a legitimidade é o melhor indicador de avaliação de desempenho social das organizações. Assim, o comportamento de qualquer organização pode ser classificado como imbuído de obrigação social, responsabilidade social ou responsividade social. A obrigação social refere-se ao comportamento organizacional, em resposta à pressão do mercado ou às restrições legais; a responsabilidade social é definida como a atitude da organização, não vinculada às obrigações legais, que a obriga a ser flexível nas atuações sociais; e por último, a responsividade social é o papel que a organização deve desempenhar, no longo prazo, num contexto social dinâmico. Ou seja, as organizações devem iniciar políticas e programas que minimizem os efeitos adversos de suas atividades presentes e futuras. Destarte, Wood (1991) afirma que, a responsividade, num posicionamento proativo, está no fato de ouvir e integrar os stakeholders no processo de tomada de decisão das organizações.

Assim, as organizações são também desafiadas a se engajarem em uma ampla interação e diálogo com os stakeholders externos, atentando para as ofertas atuais (responsabilidade por produto), bem como para o modo como poderiam desenvolver soluções economicamente interessantes para os problemas sociais e ambientais do futuro (visão de

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sustentabilidade). A maioria foca seu tempo e sua atenção apenas nas soluções presas aos produtos existentes e em grupos de stakeholders. As empresas européias, por exemplo, vêm sendo particularmente proativas a esse respeito, buscando ativamente estratégias que permitam o diálogo com os stakeholders. Uma inclusão criativa desses interesses pode estimular uma posição diferenciada para a organização, levando a um aumento de reputação e a uma legitimidade cruciais para a preservação e o crescimento do valor ao acionista e relação com a sociedade. Ao engajar construtivamente os stakeholders, as empresas elevam a confiança externa em suas intenções e atividades, ajudando a otimizar a reputação corporativa e a catalisar a disseminação de novas outras práticas dentro do sistema de negócios como um todo (HART; MILSTEIN, 2004).

Para alguns gestores, a responsabilidade social é uma missão moral; para outros, uma exigência legal. Ainda para alguns outros, é entendida como um custo inerente ao fato de se fazer negócios – um mal necessário para se manter a legitimidade e o direito da organização funcionar. Friedman (1988), crítico da responsabilidade social, argumenta que os assuntos sociais não competem ao setor privado, e esse problema pode ser resolvido com o funcionamento do sistema de livre comércio. Desse modo, administrar é lucrar tanto quanto possível de acordo com as regras básicas da sociedade, em que a lei e o costume ético já estão incorporados.

No entanto, as empresas consideradas éticas são geralmente aquelas cuja conduta é socialmente valorizada e cujas políticas se reconhecem sintonizadas com a moral vigente, subordinando as suas atividades e estratégias a uma reflexão ética prévia e agindo posteriormente de forma socialmente responsável (ALMEIDA, 2007). Uma organização nunca está sozinha num lugar. Ela estabelece, necessariamente, relações com outras organizações e pessoas, quer em redes de aliança, quer em redes de rejeição. Essas relações são às vezes extremamente complexas e evoluem com o tempo. De toda forma, um elemento central estrutura a vida dessas organizações, que é a negociação

constante com os outros, a fim de construir um espaço que lhes permita afirmar seus projetos. Eis a dificuldade para a organização: manter seu próprio projeto (ou pelo menos o essencial deste) e ser capaz, ao mesmo tempo, de estabelecer laços de cumplicidade e de conivência com organizações com as quais não está forçosamente de acordo, ou ainda relações de competitividade e concorrência com outras, sem com isso angariar inimigos empenhados em destruí-la. Em todo caso, é necessário que o projeto específico que a organização defende possa se inserir (ou pelo menos participar) num projeto coletivo que tenha os mesmos objetivos gerais e o ultrapasse, sem, contudo, desnaturá-lo (ENRIQUEZ, 1996).

Desse modo, Carroll (1991) ressalta que, as responsabilidades éticas abrangem os padrões, as normas, as expectativas ou, refletem uma preocupação daquilo que os consumidores, empregados, acionistas e a comunidade consideram justo, de acordo com o respeito e defesa dos direitos morais. Elas podem ser vistas como os valores e normas que a sociedade espera que as empresas reúnam, apesar de, tais valores e normas refletirem um maior nível de desempenho, do que o atualmente exigido por lei. Por isso, muitas vezes, as responsabilidades éticas são mal definidas e não se entende sua legitimidade, o que dificulta a compreensão por parte das empresas. Entretanto, há outras dimensões que compreendem a RS: econômica, jurídica, e filantrópica.

Essas dimensões constituem o cenário organizacional da RS, assim sendo, o exercício da gestão requer uma orientação ética e um comportamento orientado em valores, por parte dos seus gestoresa observância mínima da ética é indispensável para segurança e integridade dos indivíduos nos momentos de situações conflitantes. Conforme Ramos (1983, p.44), “A ética da responsabilidade é ingrediente de toda ação administrativa. É o seu conteúdo subjetivo por excelência, os que adotam em todos os níveis de autoridade, chefe e subordinados, por definição tácita ou explicitamente, se acham sob o vínculo de um compromisso.”

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Gestores da responsabilidade social

A administração é palavra que se aplica a muitos aspectos, coisas, assuntos tão diversos, tão heterogêneos, que é impossível evitar certa ambiguidade e imprecisão em seu emprego. É pertinente, portanto, iniciar a sua elaboração e esperar que, não se interrompa o esforço de compreensão, cujo êxito, obviamente, depende da contribuição de muitos (RAMOS, 1983). Neste estudo, fez um recorte teórico com alguns autores, mas entende-se que vários outros olhares podem ser valorizados na definição do termo “administrar”, inclusive utilizando a expressão “gerenciar” no mesmo sentido, desconsiderando-se posições hierárquicas, mas sim, centralizando-se na ação da prática de administrar ou gerenciar.

Diante dessa complexidade, entende-se que os gestores necessitam de habilidades intelectuais, humanas e técnicas nas suas ações e decisões que impactam diretamente nos seus desempenhos e nas suas orientações. Administrar, segundo Drucker (2002, p. 96) “[...] significa a substituição da obediência hierárquica pelo senso de responsabilidade, e da autoridade de poder pela autoridade de desempenho.” Independentemente do nível do cargo, os gestores assumem responsabilidades que estarão sujeitas à cooperação e à aceitação dos demais envolvidos nas tarefas, decorre disso a necessidade de confiança, que geralmente é materializada pelas decisões éticas (DREHER, 2004).

Por isso, a elevação de expectativas em relação ao desempenho social das organizações exige uma nova postura quanto ao modo de gerenciar uma organização. Para Almeida (2007), a visão moral do mundo de um dirigente é referencial importante para compreender algumas das suas decisões e das suas escolhas entre opções alternativas. Dessa forma, assumindo a ligação entre valores morais e comportamento, pode estabelecer-se uma relação entre o nível de desenvolvimento moral de um dirigente e a orientação social das práticas organizacionais que ele define e influencia. A gestão ética e o desempenho social das organizações pode

efetivamente constituir, ainda que parcialmente, um reflexo da maturidade moral dos seus dirigentes.

Todavia, o gestor ou dirigente depende da dinamicidade da organização. Enriquez (1996), afirma que as organizações mais dinâmicas são aquelas que, como, sabem conciliar eficácia e prazer, trabalho assíduo e convivência, racionalidade e imaginário, ética e estética. Uma organização dinâmica é um agente de mudança da cultura local, um ator que dá como exemplo a sua própria solidariedade interna, que promove os valores democráticos e que cria em seu seio uma cultura viva. E uma cultura só é viva se permite a seus membros realizar seu potencial (ou pelo menos parte deste), desenvolver seu imaginário motor e sua atividade simbólica, e não ser esmagado pelo projeto coletivo, mesmo que sua adesão seja profunda. Ramos (1983) salienta que o fato administrativo está em permanente atualização, por força do desempenho consciente e ininterrupto dos agentes que constituem dele elemento capital. Sem a atividade dos agentes, só restam do fato administrativo elementos materiais e estatutos mortos.

Nesse contexto, a decisão ética de um mesmo indivíduo pode ser diferente, consoante o contexto específico que envolva essa decisão variando, por exemplo, de acordo com a posição que o indivíduo ocupa na empresa ou com a antecipação subjetiva que ele faça da reação pública à sua decisão (ALMEIDA, 2007). Corroborando, Ramos (1983) afirma que as atividades humanas “limitadas e orientadas”, tendo em vista objetivos sistematicamente estabelecidos, toca no âmago da natureza do fato administrativo e da ação de que resulta. Administração é a “ação social com relação a fins”, com limites e orientação, visto que seleciona e combina meios para atingir objetivos. Desse modo, o desempenho administrativo refere-se a atividades humanas associadas. Naturalmente, é preciso advertir que o caráter associado de tais atividades necessariamente precisa ser explícito. A associação confere a devida importância aos elementos estruturais, aos fatores que suscitam a formação de grupos informais e de critérios tácitos

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ou não estatutários entre os indivíduos que integram a organização.

Muitas das tarefas do gestor envolvem condutas diferenciadas, entre elas a gestão da responsabilidade social (RS), foco deste estudo. Esse gestor precisa considerar não só a estrutura interna da administração, mas também as relações da organização com as outras esferas da vida social. Isso porque, segundo Capra (2002), as organizações são um sistema que interagem com outros sistemas do ambiente social e seus fenômenos, como regras de comportamento, valores, intenções, objetivos, estratégias, projetos, relações de poder. Por um lado são instituições sociais criadas com objetivos específicos, como gerar lucro para os acionistas, administrar a distribuição do poder político, transmitir conhecimento ou dissiminar uma fé religiosa. Ao mesmo tempo, as organizações são comunidades de pessoas que interagem umas com as outras para construir relacionamentos, ajudar-se mutuamente e tornar significativas suas atividades num plano pessoal. Para conseguir administrar uma organização, os gestores precisam saber de modo suficientemente detalhado como a organização funciona, posto que os processos e padrões podem ser muito complexos. Para tanto, os administradores precisam lidar com algumas metáforas: a organização como uma máquina (voltada para o controle e para a eficiência), como organismo (desenvolvimento, adaptação), como cérebro (aprendizagem organizativa), como cultura (valores, crenças) e como sistema de governo (conflitos de interesse, poder).

Metodologia

Como método de pesquisa, optou-se pelo Qualitativo, visto que se refere a aspectos da realidade social, num recorte sobre o perfil dos gestores da responsabilidade social, envolvendo os atores, suas motivações e percepções sobre a atuação das organizações às quais pertencem. Muitas respostas foram baseadas no sentimento desses, trazendo certa subjetividade aos dados coletados. Segundo Minayo (1994), a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, e se preocupa com um

nível de realidade que não pode ser quantificado, pois trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, valores.

Na parte técnica metodológica, utilizar-se-á: pesquisa exploratória. A pesquisa exploratória permite ao pesquisador aumentar sua experiência em torno de determinado problema. O pesquisador, normalmente, parte de uma hipótese e aprofunda seu estudo em uma realidade específica, buscando um maior conhecimento acerca da temática (TRIVINÕS, 1987).

A população pesquisada compreende os atores e organizações que atuam no Núcleo RS/ACIB, sendo que participaram desta pesquisa 16 gestores. Para tanto, utilizou-se como instrumento de coleta de dados o formulário de entrevista semi-estruturada. Segundo Minayo (1994), a entrevista é o procedimento mais usual na pesquisa de campo, e não significa uma conversa despretensiosa. É um meio de coleta de dados dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam a realidade que está sendo analisada. Ressalta-se que, através das técnicas ou instrumentos de coletas de dados, seja possível responder aos questionamentos desta pesquisa.

Após o levantamento dos dados, eles foram organizados de maneira coerente, de forma que fosse possível responder o problema de pesquisa. Posteriormente foi realizada uma análise qualitativa em torno deles, indicando os resultados mais significativos, que foram apresentados aos gestores do Núcleo RS/ACIB em uma das reuniões.

Análise dos resultados

Os resultados evidenciam os dados das entrevistas aplicadas aos atuais gestores de RS de 16 organizações, que foram escolhidas intencionalmente pelo fato de desenvolverem algumas ações reconhecidas como de responsabilidade social (RS) no município de Blumenau em Santa Catarina (SC). Esse reconhecimento deu-se por meio da participação no Núcleo de Responsabilidade Social da Associação Comercial e Industrial de Blumenau (Núcleo RS/ACIB) único movimento coletivo que fomenta a RS no município. Com relação ao perfil das

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organizações nucleadas, os portes variam de grande (12 organizações), médio porte (1 organização), pequeno porte (1 organização) e micro empresa (2 organizações). Salienta-se que destas, 1 é pública, 10 são privadas e 5 são do terceiro setor. Os setores de atuação são diversos entre eles: 05 na área de serviços, 02 na de saúde, 06 na área têxtil, 01 na alimentícia, 01 metal-mecânica e 01 na área gráfica.

Com relação ao desenvolvimento da RS por essas organizações, evidenciam-se os projetos de responsabilidade social que contemplam o público interno e externo. Dentre os programas sociais e ambientais, encontram-se: iniciativas voltadas para prevenção e diagnóstico de doenças; ambulatório universitário; atendimento jurídico para a comunidade; festas comemorativas (Natal, Páscoa, Junina, etc.); projetos que estimulam o voluntariado nos colaboradores; programas de treinamento e desenvolvimento para os colaboradores; segurança dos colaboradores; ginástica laboral; festas e bailes beneficentes; sistemas de captação de dejetos; sistema de separação do lixo; sistema de tratamento da água utilizada no processo industrial; projetos voltados para educação (Aluno Nota 10, Formare, Junior Achievement); projetos voltados aos idosos (cuidadores de idosos, cursos, palestras, viagens); cursos de desenvolvimento profissional para a comunidade; pacto contra a corrupção; pacto em defesa dos direitos humanos; apoio para atletas; campanha contra o câncer de mama; ações ambientais em geral (limpeza de rios); dentre outros. As áreas de atuação são diversas, referem-se ao desenvolvimento de projetos e programas de responsabilidade social, contemplando aspectos econômicos, sociais e ambientais. Todavia, ainda percebe-se um maior direcionamento dos projetos e programas para o público interno, característica de organizações que estão em fase inicial do processo de RS. Geralmente no início a intenção é disseminar junto aos colaboradores as propostas dessa estratégia, para, posteriormente, atingir o público externo.

Destaca-se ainda que dessas organizações apenas duas possuem certificações de RS, seguindo as normas SA 8000 e NBR 16001. Isso demonstra

que poucas organizações buscam adequar-se às normas de RS. Na maioria delas, as ações realizadas não passam por nenhum tipo de acompanhamento, de critérios, ou normas. Implantar uma certificação exige mudanças que afetam a estrutura organizacional como um todo. A maioria (93,75%) dos entrevistados afirmou que a RS não é assumida formalmente como um setor sendo distribuída em ações em vários departamentos, somente uma (6,25%) assumem a RS em sua estrutura, através da criação de um departamento específico. A justificativa dos entrevistados, quanto a esse quadro alarmante, deve-se ao fato das organizações acreditarem que todos os setores precisam envolver-se com a RS. Esse fato, mesmo sendo relativo à abrangência da RS, não justifica a falta de compromisso formal com este processo.

Outro fator complicador é o baixo envolvimento de colaboradores que atuam na RS, dos entrevistados 43,75% afirmaram que a condução dos projetos de RS envolve de 1 a 5 colaboradores. Apenas 18,75% ressaltam que há envolvimento de mais de 10 colaboradores e os demais (37,5%) não souberam informar o número específico de colaboradores envolvidos com a RS. Essa falta de conhecimento comprova novamente a falta de compromisso da organização para com a RS.

Quanto ao perfil dos gestores entrevistados (Quadro 1), a maioria são mulheres (93,75%) apenas um (6,25%) são homens, a idade é bastante variada numa concentração (81,25%) de 25 a 40 anos, mas com gestores (18,75%) acima de 40 anos. Com relação ao setor de atuação, observa-se que na organização esses se encontram em proporção similar de 25% na área de Recursos Humanos, Marketing e Administração. Além desses, em menor número, mas também em proporção similar (6,25%) atuam na área financeira e de projetos, e 6,25% atuam com consultoria prestando serviços externos de RS. Verifica-se que os gestores estão distribuídos em áreas distintas. Apenas um (6,25%) dos entrevistados afirma atuar na área específica de RS. E ainda um (6,25%) não possuem setor específico de atuação na organização. Este resultado demonstra

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que as organizações ainda não incorporaram a RS como uma estratégia organizacional, visto que não existem setores específicos de RS e, na maioria das organizações, os gestores estão alocados em setores que acumulam funções de RS a outras funções administrativas da organização, dentre elas Recursos Humanos e Marketing.

Já, com referência aos cargos ocupados pelos entrevistados, os assessores representam 25%; 18,75% são proprietários; 25% são gerentes; em igual quantidade (6,25%) estão os consultores, assistente social e coordenador de RS (único com cargo específico de RS) e 12,5% não responderam essa questão. De tal modo, somente uma das

Quadro 1 - Perfil dos Gestores de RS

Organizações Sexo Formação Tempo que atua na RS

Motivação para participar da RS Setor Cargo

A Feminino Serviço Social De 1 a 7 anos

Interesse da organização implantar e

regularizar a RS

RS Coordenadora RS

B Feminino Comunicação Social De 1 a 7 anos

Interesse da organização implantar e

regularizar a RS

Marketing Assessora

C Feminino Administração Mais de 7 anosCriação de grupos de ações sociais

Marketing Não informou

D Feminino Administração De 1 a 7 anosPreenchendo

questionário sobre RS

Recursos Humanos Gerente

E Feminino Administração De 1 a 7 anos

Interesse da organização implantar e

regularizar a RS

Recursos Humanos Assessora

F Feminino Ciências Sociais De 1 a 7 anos

Interesse da organização implantar e

regularizar a RS

Não possui setor específico

Não informou

G Feminino Comunicação Social De 1 a 7 anosCriação de grupos de ações sociais

Marketing Assessora

H Feminino Serviço Social De 1 a 7 anosIniciou numa

organização do setor privado

Recursos Humanos Assistente Social

I Masculino Contabilidade De 1 a 7 anosPráticas individuais e

doaçõesAdministração Proprietário

J Feminino Serviço Social Mais de 7 anosCriação de

projetos sociais nas organizações

Marketing Gerente

K Feminino Serviço Social De 1 a 7 anosCriação de

projetos sociais nas organizações

Consultoria Consultor

L Feminino Serviço Social De 1 a 7 anosPor indicação da

organizaçãoFinanceira e de

projetosAssessora

M Feminino Pedagogia Mais de 7 anos

Interesse da organização implantar e

regularizar a RS

Recursos Humanos Gerente

N Feminino Não informou De 1 a 7 anosCriação de

projetos sociais nas organizações

Administração Gerente

O Feminino Ciências Sociais Mais de 7 anosPráticas individuais e

doaçõesAdministração Proprietário

P Feminino Serviço Social De 1 a 7 anosCriação de

projetos sociais nas organizações

Administração Proprietário

Fonte: da pesquisa.

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organizações tem um cargo de RS, a maioria das organizações ainda não apresenta essa preocupação evidenciando que os gestores da RS acumulam funções, não tendo tempo suficiente para priorizar as ações e os projetos de RS. Observa-se que, não havendo setor e nem gerência específica, a RS fica comprometida pela ausência de comando e, portanto, organização. Encontraram-se apenas gestores que assumiram a RS como mais uma atividade no seu escopo de atuação. A ação dessas pessoas pode ser um resultado das iniciativas pessoais, especialmente devido ao fato de que a maioria (68,75%) possui formação na área humana e social, demonstrando conhecimento e envolvimento com o tema da questão social. Dos entrevistados 25% não possuem formação específica na área social. Um deles (6,25%) não informou. Acredita-se que a concentração de formação na área social pode ser um aspecto que motivou o início do desenvolvimento da RS nas organizações.

O início da atuação dos gestores entrevistados no processo de RS, em sua maioria (31,25%) está relacionado com a necessidade da organização em que trabalham implantar e regularizar o processo de RS; mais especificamente, 25% iniciaram sua atuação com a criação de projetos sociais nas organizações; 12,5% quando começaram a trabalhar em uma organização do setor privado, que desenvolvia a RS; 6,25% quando responderam um questionário sobre RS e se interessaram pelo tema; 12,5% através da criação de grupos que atuam em ações sociais; e, 12,5% com práticas individuais e doações, indicando, portanto, que não havia envolvimento entre estas práticas e sua atuação na organização. Percebe-se, portanto, que na maioria dos casos, o início da atuação dos gestores na área de RS esteve envolvido, de alguma forma, com as atividades da organização em que esses trabalham. Poucos, entretanto, tiveram motivações pessoais para iniciar o trabalho nessa área.

Todavia, o tempo de atuação na área de RS, por parte dos gestores, ainda é recente. A maioria dos entrevistados (75%) atua com RS de 1 à 7 anos. Desse modo, compreende-se que a atuação dos gestores com RS ainda encontra-se em estágio inicial, devido

ao pouco tempo em que desempenham atividades ligadas a esse processo. Constata-se que em menor proporção (25%) os entrevistados atuam há mais de 7 anos com RS. Neste caso, os gestores já estão mais capacitados para o desenvolvimento da RS nas organizações em que atuam, bem como estão familiarizados com o tema da RS e suas propostas.

Diante desse quadro, é fundamental que as organizações revejam a gestão da RS, iniciando pela capacitação e treinamento dos seus gestores. O maior desafio é que, não há uma cultura nas organizações em que a responsabilidade social seja prioritária, como dito, está nas mãos dos gestores de RS, que muitas vezes estão iniciando sua atuação nessa área, ao mesmo tempo em que iniciam a implantação da RS na organização. Significa que o processo de implantação ainda é muito novo, cheio de desafios e dúvidas.

Salienta-se que os gestores precisam saber detalhadamente como uma organização funciona para conseguir geri-la (CAPRA, 2002). Da mesma forma, os gestores precisam compreender os processos e ações que envolvem a responsabilidade social e sua influência na gestão da organização, posto a complexidade de tal processo. A adoção da RS como um processo pelas organizações, implica uma mudança cultural e gerencial. Destaca-se a importância de todos na organização estarem envolvidos com a RS. Por isso, uma reformulação da estrutura organizacional, através da criação de setores e de cargos específicos de RS, pode auxiliar no desenvolvimento desse processo, principalmente em seu estágio inicial. Trata-se de uma questão de “organização”, ou seja, de estruturar e preparar a organização para o desenvolvimento e gestão da RS. Entende-se que a falta de uma estrutura adequada para o desenvolvimento da RS dificulta a atuação e demonstra a falta de poder dos próprios gestores. Isso porque, a RS ainda não é considerada questão primordial nas organizações. Privilegia-se ainda o desenvolvimento de estruturas enxutas e que maximizem o lucro organizacional. A criação de um departamento de RS, muitas vezes, não é interessante, pois não é um departamento que

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irá agregar diretamente no lucro da organização, visto que não está envolvido com seu objetivo inicial.

As mudanças só irão ocorrer quando os gestores dessa área tiverem poder suficiente para alterar as estruturas organizacionais. Entretanto, conforme os dados expostos, a maioria dos gestores entrevistados, não possui poder de decisão, pois não ocupam cargos estratégicos nas organizações. Poucos são os proprietários e diretores que se envolvem com esse tipo de questão. Por isso, entende-se que o caminho ainda é longo, visto que a RS precisa ser compreendida como uma estratégia, articulada e suportada pelas decisões dos gestores do nível estratégico das organizações. Enquanto for tratada a nível tático e operacional, as mudanças culturais não ocorrerão, justamente pela falta de poder nas decisões.

Além da reestruturação da organização, outro aspecto é a capacitação dos gestores. Por ser uma área relativamente nova, no contexto organizacional, ainda faltam profissionais capacitados em RS. Especialmente, ainda falta formação nessa área, sendo que muitos cursos de graduação ainda não preconizam esse tipo de discussão no currículo. Para tanto, torna-se necessário o desenvolvimento de cursos de capacitação para gestores, que discutam a temática da RS e sua aplicação nas organizações. Além da formação, o tempo de atuação dos gestores na área de RS, ainda é muito recente, denotando falta de maturidade e conhecimento do processo.

Ressalta-se que as organizações possuem limites em sua atuação na área social, e o principal deles é o econômico; nos investimentos, ainda preconizam sua cultura de geração de lucro econômico. No entanto, as práticas socialmente responsáveis iniciam com a intenção de contribuir com o bem-estar dos sujeitos, e isso pode partir de simples atitudes como, por exemplo, respeito, oferecer um adequado ambiente de trabalho, boa relação entre as pessoas, segurança, dignidade, aceitação das diferenças, participação, entre outros. O amadurecimento dessas práticas pelas organizações pode gerar uma nova cultura organizacional, em que a RS seja conduzida de forma estratégica.

Conclusão

Como em qualquer processo de mudança organizacional, a RS também necessita de gestores capacitados para tal, uma vez que pela sua complexidade exige a participação e controle de muitas pessoas que se envolvem nesse processo. A RS promove a participação social numa tentativa de humanizar a organização, por isso, está fundamentada em comportamentos éticos e morais que exigem postura da gestão. Um fator de risco é sua legitimidade que decorre de um processo de gestão garantam a confiança dos envolvidos.

Com relação ao objeto deste estudo, pode-se afirmar que o perfil dos entrevistados é propício para encarar esse desafio, com destaque para a formação na área humana da maioria, entretanto, esses mesmos gestores ainda não são capacitados, especificamente, na área de responsabilidade social, isso pode afetar o desempenho da gestão. A RS é um processo de gestão que indica investimentos em todas as áreas de uma organização e já existem na sociedade e no mercado experiências em modelos consolidados que podem favorecer sua gestão. Adverte-se que os modelos, certificações, entre outros servem de apoio, para evitar riscos, contudo precisam ser adaptados a cada realidade e exigem discussão coletiva para serem ajustados. Outro fator fundamental na formação e atuação específica deve-se ao fator comprometimento e foco de trabalho, fortalecendo o engajamento da equipe e dos assistidos. Esse é um empecilho no atual estágio embrionário em que se encontra a RS nas organizações estudadas. Os gestores, atualmente, não contam com um sistema de gestão, composto por dados do desempenho social da organização, diminuindo dessa maneira seu poder de decisão.

Além disso, a maioria dos gestores entrevistados não são os proprietários, diretores das organizações, normalmente são colaboradores que acumulam a função de gerir a RS e também outras funções na organização, como marketing ou recursos humanos. Aliado a isso, a maioria são gestoras do sexo feminino, demonstrando que a atuação social continua na visão tradicional em que as mulheres

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eram as responsáveis pelas preocupações relativas ao bem-estar. Este não é um fator negativo, mas evidencia a falta de envolvimento dos gestores masculinos que ainda são a maioria nos cargos estratégicos (presidência e direção) nas organizações estudadas.

Por fim, entende-se que a responsabilidade social conduz a discussão na definição de estratégias organizacionais. Por isso, a união da gestão adequada (manutenção mercadológica e econômica) com

uma visão aliada as responsabilidades social e ambiental podem aproximar ao que preconiza a gestão social. Isto é um desafio ao gestor da RS que necessita conduzir a função social como incorporada às práticas sociais. Desse modo, devido à complexidade do tema, são necessárias outras leituras que possam complementar esta discussão, por exemplo, novas pesquisas que investiguem o desempenho da responsabilidade social e sua contribuição nas organizações e na sociedade.

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Balanço Social: uma análise comparativa entre objetivos propostos na literatura e a realidade empírica

Social Balance: comparative analysis between goals proposed in the literature and empirical reality

Diocesar Costa de Souza1

Marcos Roberto Kuhl2

Vicente Pacheco3

Resumo

O relacionamento das empresas com o meio em que está inserida é cada vez mais discutido, em função principalmente da livre concorrência, do efeito globalização e do avanço tecnológico. A sociedade tem exigido cada vez mais informações sobre esse relacionamento, e a Contabilidade pode fornecer informações relevantes por meio do Balanço Social (BS). Os anos 60 e a Guerra do Vietnã foram marcos para a história do BS, que no Brasil passou a ser divulgado de forma mais consistente apenas a partir do final dos anos 90, com incentivo do sociólogo Betinho e, segundo o modelo do IBASE. O objetivo deste estudo é verificar quais informações relevantes podem ser extraídas do BS, segundo o modelo do IBASE, divulgado pelas empresas brasileiras e, principalmente, se a partir dessas informações o BS está conseguindo atingir os principais objetivos propostos na literatura. Os objetivos levantados na literatura, segundo os conceitos do BS, são demonstrar o resultado da interação da empresa com o meio, refletir o comprometimento com as necessidades básicas da população e suprir as necessidades de informações de caráter social e ecológico. Foram pesquisadas 69 empresas que apresentaram o BS, representando 21% das empresas que divulgam o BS segundo o modelo IBASE, no período selecionado. As informações extraídas dos BS podem ser consideradas interessantes, mas são pouco relevantes para cumprir os objetivos propostos pela literatura. Conclui-se que o modelo IBASE de BS necessita evoluir, contemplando mais informações para que seja possível atingir aos objetivos que a literatura determina para o BS.

Palavras-chave: Balanço Social; Contabilidade Social; Informação Social.

Abstract

The relationship of companies with the environment in which it is inserted is increasingly discussed, primarily on the basis of free competition, the effect of globalization and the technological advancement. Society has demanded more and more information about this relationship, and Accounting can provide relevant information through the Social Balance (BS). The 1960s and the Vietnam War were landmarks in the history of Social Balance, which in Brazil was reported more consistently only from the middle of 1990, with encouragement from the sociologist Betinho and following the IBASE (Brazilian Institute of Social and Economic Analyses) model. The objective of this

1 Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Brasil.Possui mestrado em Contabilidade pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil. Contato: [email protected]

2 Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Brasil.Possui mestrado em Contabilidade pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil. Contato: [email protected]

3 Professor da Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil.Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Brasil. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 12/01/2010 - Aprovado em 07/05/2010

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study is to ascertain what relevant information can be extracted from the Social Balance, according to the IBASE model, issued by Brazilian companies, and especially if based on this information the Social Balance is getting to achieve the key objectives proposed in the literature. The objectives lifted in the literature, according to the concepts of the Social Balance, are to demonstrate the result of the company interaction with the environment, to reflect the commitment to the needs of the population and meet the information needs of social and ecological character. We searched 69 companies that presented the BS, representing 21% of the companies that reporting the Social Balance modeled IBASE the selected period. The information obtained from the Social Balance can be considered interesting, but is little relevant to meet the objectives proposed in the literature. It was concluded that the IBASE model Social Balance needs to evolve, addressing more information so that you can achieve the goals that the literature determines for the Social Balance.

Key words: Social Balance; Social Accounting; Social Information.

1 introdução

O desenvolvimento tecnológico e a abertura do mercado têm contribuído substancialmente para o acirramento da concorrência. Em função disso a população tem se conscientizado, unido e passou a ter influência na condução da política e da economia, não somente do governo, mas também nas empresas que auferem lucros à custa de prejuízos sociais e ambientais (RIBEIRO, 2005, p. 2).

Ultimamente é comum ver e ouvir nos meios de comunicação fatos relacionados à responsabilidade das empresas com relação ao meio em que estão inseridas, principalmente quando relacionados aos aspectos sociais e ambientais. Segundo Oliveira (2005, p. 3), “Responsabilidade Social ou Sócio - Ambiental de Empresas (RSE) é um tema recente, mas de crescente interesse na mídia, empresariado, academia, governo, e sociedade civil no Brasil”.

O indivíduo enquanto pessoa jurídica, é que realmente pode ser responsabilizado, já que são as empresas que mais interagem com o meio em que estão inseridas, e também são as que mais podem fazer frente a essas responsabilidades.

Mesmo que se considere que a responsabilidade social das empresas se limita a gerar empregos e a pagar seus empregados, impostos e remunerar os investidores, conforme destacado por Tinoco (2002, p. 70), quando diz que “Ao nosso juízo, a grande responsabilidade social das organizações consiste em gerar renda e emprego, [...]”, a idéia da responsabilidade social das empresas vai além dessas meras obrigações formais.

A responsabilidade social da empresa pode ser resumida como sendo a responsabilidade que ela tem para com o meio em que está inserida, tanto social, como ambiental, ou seja, compreende a integração entre a empresa e os elementos importantes para sua subsistência, sociedade e meio ambiente. Essa responsabilidade advém do fato de que a empresa, enquanto sistema aberto e dinâmico interage com o ambiente sendo influenciado por ele, mas principalmente influenciando esse meio.

A influência que a empresa exerce sobre o meio pode apresentar caráter benéfico, como a geração de emprego, renda, entre outros, mas também pode apresentar caráter maléfico, tal como a poluição, desmatamento, bolsões de pobreza, discriminação de gênero, raça e de idade, salários baixos, dentre outros.

A grande dificuldade é dimensionar a responsabilidade social das empresas e identificar o que elas têm feito para retribuir ao meio pelos recursos que esse lhes fornece, ou seja, “[...], necessário se faz demonstrar o que está sendo feito” (RIBEIRO, 2005, p. 3).

É na Contabilidade, principalmente a Contabilidade Social, por meio do demonstrativo contábil chamado Balanço Social (BS), que se podem fornecer informações relevantes sobre a forma como as empresas estão retribuindo ao meio. “As demonstrações contábeis representam o principal canal de comunicação entre a sociedade e a empresa que presta contas à comunidade, sobre sua conduta e estado patrimonial” (RIBEIRO, 2005, p. 3).

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Não existe um padrão formal de apresentação das informações do BS, mas existe um modelo amplamente reconhecido no Brasil, o modelo do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Um número considerável de empresas brasileiras divulga seu BS, segundo este modelo, e muitas outras em outros modelos.

Diante do exposto, a questão que surge é se as informações do BS, modelo IBASE, atingem os objetivos propostos na literatura para o BS. Portanto, o objetivo deste estudo é verificar quais informações relevantes podem ser extraídas do BS, segundo o modelo do IBASE, divulgado pelas empresas brasileiras e, principalmente, se a partir dessas informações esse modelo está conseguindo atingir os principais objetivos propostos na literatura.

O estudo se justifica pela crescente importância dada à responsabilidade social corporativa (CSR) pela literatura (McWILLIAMS; SIEGEL; WRIGHT, 2006; DOH; GUAY, 2006; WADDOCK, 2008; entre outros) e, principalmente, pela necessidade de evidenciação dessa responsabilidade, como destacado por Stöström e Welford (2009, p. 281 – tradução livre): “uma parte crucial da CSR é a transparência e a responsabilidade na qual implica uma maior ênfase na evidenciação.”

Não se pretende com isso diminuir a importância do modelo e da iniciativa do IBASE, mas contribuir para o debate com vistas ao aprimoramento da Ciência Contábil, ao aperfeiçoamento dos meios de evidenciação da contrapartida empresarial para a sociedade e ao incentivo às empresas para divulgarem o BS. Entende-se que a divulgação, segundo um modelo, pode prejudicar a evidenciação de informações ímpares, mas sem um modelo cada empresa fará de uma forma diferente, conforme apontado por Pinto e Ribeiro (2004, p. 32 – nosso grifo)em seu estudo: As entidades adotam modelos diferentes e publicam os dados das mais variadas formas. Um mesmo indicador é expresso em valores por algumas organizações, em quantidades físicas ou percentuais por outras. Isso impossibilita ao usuário fazer comparações entre empresas”.

Este estudo está dividido, além desta introdução, em mais quatro partes, sendo que a

segundo trata da revisão da literatura, a terceira trata dos aspectos metodológicos, a quarta trata do estudo exploratório e a quinta traz as considerações finais.

2 Revisão da literatura

2.1 Contabilidade Social

Segundo a teoria dos sistemas, a empresa está inserida dentro do contexto social e ambiental e interage com esse meio. Neste processo de interação (inter-relação), as empresas causam e recebem impactos do meio (empregados, sociedade, ambiente, etc.). Os impactos da empresa sobre o meio, e vice-versa, podem ser tanto de forma positiva, quanto de forma negativa. Mais especificamente, os impactos que a empresa causa sobre o meio, e principalmente os impactos negativos, são muito questionados nos últimos anos, conforme Marques (2004, p. 308) “Os frequentes problemas sociais e ambientais que vêm ocupando a mídia de quase todos os países acabaram por atrair a atenção dos pesquisadores de diversas áreas para o novo contexto”.

A grande dificuldade é dimensionar a responsabilidade social das empresas e identificar o que elas têm feito para retribuir ao meio pelos recursos que ele lhes fornece, ou seja, “[...], necessário se faz demonstrar o que está sendo feito” (RIBEIRO, 2005, p. 3).

A Contabilidade Social surge como um instrumento capaz de medir esses impactos, gerando, demonstrando e analisando o perfil da responsabilidade social e ecológica das entidades. Para Lisboa Neto (2003, p. 46), “A contabilidade social é um produto da conscientização, por parte das empresas, de sua responsabilidade social”, e para Marques (2004, p. 308) “a Contabilidade absorveu também essas preocupações e vem desenvolvendo instrumentos para medir os níveis de envolvimento e contribuição das organizações à comunidade”. Os principais instrumentos que a Contabilidade vem desenvolvendo atualmente são: Balanço Social (BS) e Demonstração do Valor Adicionado (DVA), sendo está última já objeto de regulamentação dos

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critérios de elaboração por meio de Pronunciamento Contábil emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) em outubro de 2008.

Na sequência será dada ênfase apenas ao BS que é o foco principal deste estudo.

2.2 Balanço Social (BS)

Em Contabilidade, a denominação Balanço dá a noção de equilíbrio, como acontece no Balanço Patrimonial, mas que não ocorre no BS. Sendo assim, a denominação BS não é a mais precisa para representar o demonstrativo que fornece informações de caráter social, entretanto, a ela já foi incorporada em nível mundial e, portanto, é adotada também neste estudo. Segundo Kroetz (2000, p. 78), alguns autores entendem “que a expressão utilizada deveria ser relatório de informações sociais, que é mais preciso [...]”.

Segundo Sá (apud KROETZ, 2000, p. 55), em 1939, a empresa alemã AEG já publicava o BS. Entretanto o período considerado como marco inicial do BS no mundo são os anos 60, nos Estados Unidos da América, onde a sociedade criticava o governo Nixon e as entidades que o apoiavam, em função da Guerra do Vietnã. Nessa época, a sociedade exigia das empresas uma postura moral e ética perante os cidadãos por meio do fornecimento de informações relativas às relações sociais, dentro e fora das empresas.

O surgimento e a evolução do BS ao redor do mundo acompanham a tendência americana, ou seja, a exigência da sociedade por informações das empresas com foco nas relações sociais. Na maioria dos países a iniciativa da sociedade, ou das próprias empresas, é que deu origem a divulgação de informações sociais. No entanto, em alguns países ainda impera a determinação legal para que essas informações sejam fornecidas à sociedade.

A primeira abordagem a investigar a responsabilidade social de um empreendimento se deu em 1962, quando o professor Raymond Bauer foi encarregado pela Nasa para fazer investigações sobre as conseqüências sócio-culturais do programa espacial (Amorin apud KROETZ, 2000, p. 54).

Kroetz (2000, p. 55) afirma que ao final da década de 70 foram desenvolvidos modelos de BS por americanos, europeus e latino-americanos, “seguindo os interesses, particularidades e culturas próprias”.

Conceitualmente o “Balanço Social é um instrumento de gestão e de informação que visa evidenciar, da forma mais transparente possível, informações econômicas e sociais, do desempenho das entidades, aos mais diferenciados usuários, entre esses os funcionários” (TINOCO, 2001, p. 14).

Segundo Lisboa Neto (2003, p. 53):

O balanço social é um instrumento de demonstração das atividades das empresas, com ênfase no social, que tem por finalidade transmitir maior transparência e visibilidade às informações que interessam não apenas aos sócios e acionistas das companhias, mas também a um número maior de atores: empregados, fornece-dores, parceiros, consumidores e comunidade.

Para Iudícibus et al. (2003, p. 34), “o Balanço Social busca demonstrar o grau de responsabilidade social assumido pela empresa e assim prestar contas à sociedade pelo uso do patrimônio público, constituído dos recursos naturais, humanos e o direito de conviver e usufruir dos benefícios da sociedade em que atua”.

Nesses dois conceitos, é possível perceber dois enfoques distintos. No primeiro, sobressai o enfoque de instrumento de gestão e, no segundo, destaca-se o enfoque de prestação de contas à sociedade. Mesmo assim, os dois conceitos não se contradizem, mas sim se complementam.

Ainda com relação aos dois conceitos, o primeiro afirma que o BS deve informar aos mais diferentes usuários, enquanto que o segundo destaca a sociedade como principal usuário dessas informações. Nesses dois casos, a determinação de usuário é bastante ampla.

Para reduzir essa amplitude Tinoco (2001, p. 34) relaciona alguns usuários que, segundo ele se destacam na utilização do BS:

• Grupos cujos membros de uma forma pessoal e direta trabalham para a empresa – os trabalhadores;

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• Grupos que se relacionam com a empresa – os clientes, pois de sua confiança vive a empresa;

• Acionistas que aportam recursos a empresas;

• Sindicatos dos trabalhadores;

• Instituições financeiras, fornecedores e credores;

• Autoridades fiscais, monetárias e trabalhistas, o Estado;

• Comunidade local;

• Pesquisadores, professores, todos os formadores de opinião.

Por fim, os conceitos destacados acima definem como objetivo do BS a prestação de informações sociais à sociedade. Também neste caso, a amplitude é um fator restritivo. Segundo Kroetz (2000, p. 79), o BS tem como objetivo genérico suprir as necessidades de apresentação de informações de caráter social e ecológico. Na sequência, esse objetivo genérico é tratado de forma mais especifica.

Para Iudícibus et al. (2005, p. 33) e Pinto e Ribeiro (2004, p. 24), independente da sua formatação, o BS deve ter por objetivo demonstrar o resultado da interação da empresa com o meio em que está inserida, ressaltando-se os aspectos de recursos humanos, contribuição para o desenvolvimento econômico e social, ambientais e contribuições para a cidadania. Para Lisboa Neto (2003, p. 63), “o balanço social tem como objetivo geral suprir as necessidades de apresentação de informações de caráter social e ecológico”.

Sob o aspecto de benefícios e contribuições à sociedade, o BS pode refletir o comprometimento da empresa com as necessidades básicas da população, mediante investimentos voluntários nas diferentes áreas (PINTO; RIBEIRO, 2004, p. 27).

Para Kroetz (2000, p. 79) o BS, tem como objetivos:• Revelar, conjuntamente com as demais de-

monstrações contábeis, a solidez da estraté-gia de sobrevivência e crescimento da enti-dade;

• Evidenciar, com indicadores, as contribui-ções à qualidade de vida da população;

• Abranger o universo das interações sociais entre: clientes, fornecedores, associações, governo, acionistas, investidores, universi-dade e outros;

• Apresentar os investimentos no desenvolvi-mento de pesquisas e tecnologias;

• Formar um banco de dados confiáveis para análise e tomada de decisão dos mais di-versos usuários;

• Ampliar o grau de confiança da sociedade na entidade;

• Contribuir para a implementação e manu-tenção de processos de qualidade, sendo a própria demonstração do Balanço Social um parâmetro para tal;

• Medir os impactos das informações apre-sentadas no Balanço Social perante a co-munidade dos negócios; no amanha da entidade; na marca/godwill, na imagem do negócio;

• Verificar a participação do quadro funcio-nal no processo de gestão (fase da gestão participativa);

• Servir de instrumento para negociações la-borais entre a direção da entidade e sindi-catos ou representantes dos funcionários;

• Melhorar o sistema de controle interno, permitindo qualificar o ambiente organi-zacional, numa perspectiva de confirmar a regularidade da gestão identificada com o gerenciamento social;

• Clarificar os objetivos e as políticas admi-nistrativas, julgando a administração não apenas em função do resultado econômi-co, mas também dos resultados sociais.

Esses objetivos podem ser chamados de objetivos específicos, que têm por finalidade auxiliar no sentido de que os objetivos gerais sejam atingidos.

A partir das considerações apresentadas, é possível determinar quais são os principais objetivos do BS: demonstrar o resultado da interação da

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empresa com o meio; refletir o comprometimento com as necessidades básicas da população e; suprir as necessidades de informações de caráter social e ecológico.

Dentro do BS, é comum observar valores relativos ao total de valor adicionado pela empresa e a distribuição desse valor adicionado. Esses valores são encontrados na Demonstração do Valor Adicionado (DVA), que é um demonstrativo não obrigatório, segundo a legislação brasileira, vigente em 2007, mas com critérios de elaboração regulamentos pelo CPC a partir de 2008.

3 Aspectos metodológico

3.1 Caracterização do Estudo

Segundo Collis e Hussey (2005, p. 23), os tipos de pesquisa podem ser classificados de acordo com:

• O objetivo da pesquisa - os motivos pelos quais você a está realizando;

• O processo da pesquisa - a maneira pela qual você coletará e analisará seus dados;

• A lógica da pesquisa - se você está se movendo do geral para o específico ou vice-versa;

• O resultado da pesquisa - se você está tentando resolver um determinado problema ou fazer uma contribuição geral para o conhecimento.

Então, quanto ao objetivo, trata-se de pesquisa exploratória; quanto ao processo da pesquisa: qualitativa; quanto ao resultado da pesquisa: aplicada; quanto à lógica da pesquisa: indutiva.

3.2 Métodos

Quanto aos métodos, a pesquisa pode ser classificada como bibliográfica e documental. Quanto ao horizonte de tempo tem-se um estudo longitudinal. Quanto ao método da coleta de dados, tratam-se de dados secundários.

No tocante ao método de tratamento e análise dos dados, será usada apenas estatística descritiva.

3.3 Seleção da amostra

A amostra selecionada corresponde aos Balanços Sociais divulgados em 2004 e 2005, respectiva e concomitantemente, por empresas brasileiras, disponíveis no banco de dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), disponível em www.ibase.org.br ou www.balancosocial.org.br. Optou-se por utilizar dois anos, para se poder evidenciar a evolução das informações, mesmo que superficialmente, ao menos em termos monetários, já que em termos qualitativos apenas o último já seria suficiente. A escolha dos anos de 2004 e 2005, e não 2007 e 2008 (os mais recentemente divulgados), não prejudica os resultados obtidos porque a sistemática utilizada e as informações obtidas atualmente seriam praticamente as mesmas, com exceção dos resultados econômico-financeiros, no entanto, isso provavelmente será objeto de estudo futuro com caráter comparativo. Comparando os modelos do BS do IBASE em 2004/2005, e em 2007/2008, não se visualiza qualquer diferença em termos de estrutura.

Das aproximadamente 330 empresas que disponibilizavam seus balanços sociais, no final de 2006, no banco de dados do IBASE, apenas 116 divulgaram os mesmos nos dois anos selecionados para estudo, o que corresponde a aproximadamente 35% do total de empresas com BS disponível no site do IBASE. Depois dessa seleção inicial, foram excluídas da amostra 3 empresas, sendo uma por não apresentar os valores de receita líquida e outras 2 por não apresentar indicadores externos. Também foi excluído o BS da Petrobras, já que ela apresentava valores que correspondiam, na maioria dos casos, a mais de 30% do total de todas as empresas, fato que poderia distorcer as análises. Nesse momento a amostra totalizava 112 empresas, ou seja, 33,94% do universo.

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A receita líquida das 112 empresas correspondia a aproximadamente 15,3% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano 2004 e aproximadamente 15,9% do PIB de 2005. Um parâmetro melhor para demonstrar a importância da amostra é o percentual do valor adicionado em relação ao PIB, mas apenas 69 empresas divulgaram esse valor e sua distribuição nos dois anos, concomitantemente. Nesse caso, a proporção foi aproximadamente 6,7% em 2004 e 7,3% em 2005. A proporção da receita líquida em relação ao PIB, apenas das 69 empresas que restaram na amostra, foi de 11,7% em 2004, e 12,1% em 2005. A amostra final corresponde a aproximadamente 21% do universo de empresas que divulgavam o BS pelo modelo IBASE.

Para o presente estudo será considerado que a inflação no período foi de 5%, já que segundo a FGV (IPC-DI), o DIEESE (ICV), a FIPE (IPC e o IPCA) e o IBGE (INPC) a inflação foi de 4,93%, 4,53%, 4,52%, 5,05% e 5,69, respectivamente, o que resulta em uma média aritmética simples

Quadro 1 – Indicadores sociais internos e externos e valor adicionado 2004.

1. Dados Econômico-Financeiros 2004

Em mil R$. % da RL % do VA % do RO % da FPBReceita Líquida (RL) 270.254.530 226,9% 574,1% 801,4%Valor adicionado (VA) 119.090.596 44,1% 253,0% 353,1%

Resultado Operacional (RO) 47.072.971 17,4% 39,5% 139,6%Folha de Pagamento Bruta (FPB) 33.722.818 12,5% 28,3% 71,6%

2. Indicadores Sociais InternosAlimentação 2.236.593 0,8% 1,9% 4,8% 6,6%

Encargos sociais compulsórios 7.292.570 2,7% 6,1% 15,5% 21,6%Previdência privada 1.659.303 0,6% 1,4% 3,5% 4,9%

Saúde 1.453.112 0,5% 1,2% 3,1% 4,3%Segurança e medicina no trabalho 179.309 0,1% 0,2% 0,4% 0,5%

Educação 66.390 0,0% 0,1% 0,1% 0,2%Cultura 26.842 0,0% 0,0% 0,1% 0,1%

Capacitação e desenvolvimento profissional 341.887 0,1% 0,3% 0,7% 1,0%Creches ou auxílio-creche 118.746 0,0% 0,1% 0,3% 0,4%

Participações nos lucros ou resultados 2.527.668 0,9% 2,1% 5,4% 7,5%Outros 581.657 0,2% 0,5% 1,2% 1,7%

Total – Ind. Sociais Internos 16.484.077 6,1% 13,8% 35,0% 48,9%3. Indicadores Sociais Externos

Educação 254.258 0,1% 0,2% 0,5% 0,8%Cultura 238.371 0,1% 0,2% 0,5% 0,7%

Saúde e saneamento 184.693 0,1% 0,2% 0,4% 0,5%Habitação 34 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Esporte 77.177 0,0% 0,1% 0,2% 0,2%Lazer e diversão 230 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Creches 40 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%Alimentação 1.296 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Combate à fome e seg. alimentar 89.902 0,0% 0,1% 0,2% 0,3%Outros 511.995 0,2% 0,4% 1,1% 1,5%

Total das contribuições para a Sociedade

1.357.996 0,5% 1,1% 2,9% 4,0%

(continua)

de 4,94%. Como os dados serão comparados em relações percentuais pequenas diferenças apresentadas pelas taxas não apresentarão discrepâncias relevantes nas análises.

4 Estudo exploratório

4.1 Demonstração dos dados preliminares

O modelo de BS divulgado pelo IBASE pode ser observado no sitio eletrônico do instituto. Ele possui algumas divisões. Em uma delas estão os dados que servirão como base de cálculo dos percentuais. Os percentuais auxiliam a comparação de ano para ano e até de empresa para empresa, mas sempre mantidas as precauções necessárias quando se fazem comparações.

Num primeiro momento, foram extraídas algumas informações da comparação entre os dados informados em 2004 e em 2005, conforme Quadros 1 e 2.

106

Quadro 2 – Indicadores sociais internos e externos e valor adicionado 2005.

1. Dados Econômico-Financeiros 2005

Em mil R$. % da RL % do VA % do RO % do FPBReceita Líquida (RL) 308.796.391 220,1% 563,5% 822,1%Valor adicionado (VA) 140.281.359 45,4% 256,0% 373,5%

Resultado Operacional (RO) 54.804.369 17,7% 39,1% 145,9%Folha de Pagamento Bruta (FPB) 37.560.001 12,2% 26,8% 68,5%

2. Indicadores Sociais InternosAlimentação 2.499.648 0,8% 1,8% 4,6% 6,7%

Encargos sociais compulsórios 8.201.937 2,7% 5,8% 15,0% 21,8%Previdência privada 1.780.088 0,6% 1,3% 3,2% 4,7%

Saúde 1.748.144 0,6% 1,2% 3,2% 4,7%Segurança e medicina no trabalho 188.631 0,1% 0,1% 0,3% 0,5%

Educação 69.824 0,0% 0,0% 0,1% 0,2%Cultura 23.272 0,0% 0,0% 0,0% 0,1%

Capacitação e desenvolvimento profissional 474.958 0,2% 0,3% 0,9% 1,3%Creches ou auxílio-creche 137.129 0,0% 0,1% 0,3% 0,4%

Participação nos lucros ou resultados 3.582.123 1,2% 2,6% 6,5% 9,5%Outros 606.636 0,2% 0,4% 1,1% 1,6%

Total – Ind. Sociais Internos 19.312.390 6,3% 13,8% 35,2% 51,4%3. Indicadores Sociais Externos

Educação 207.062 0,1% 0,1% 0,4% 0,6%Cultura 303.349 0,1% 0,2% 0,6% 0,8%

Saúde e saneamento 318.989 0,1% 0,2% 0,6% 0,8%Habitação 0 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Esporte 77.103 0,0% 0,1% 0,1% 0,2%Lazer e diversão 1.379 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Creches 5 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%Alimentação 31 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%

Combate à fome e seg. alimentar 275.155 0,1% 0,2% 0,5% 0,7%Outros 1.081.277 0,4% 0,8% 2,0% 2,9%

Total das contribuições para a Sociedade 2.264.350 0,7% 1,6% 4,1% 6,0%

Tributos (excluídos enc. sociais) 65.191.916 21,1% 46,5% 119,0% 173,6%

Total – Ind. Sociais Externos 67.456.266 21,8% 48,1% 123,1% 179,6%4. Destinação do valor adicionado

Governo 56.758.181 18,4% 40,5% 103,6% 151,1%Colaboradores 33.174.087 10,7% 23,6% 60,5% 88,3%

Acionistas 15.625.726 5,1% 11,1% 28,5% 41,6%Terceiros 13.662.911 4,4% 9,7% 24,9% 36,4%Retido 21.060.454 6,8% 15,0% 38,4% 56,1%

Total - Valor Adicionado 140.281.359 45,4% 100,0% 256,0% 373,5%

A partir dos quadros 1 e 2, é possível identificar, dentre outros pontos, que:

• Nos dados econômicos e financeiros, com exceção da folha de pagamento, os demais valores mantêm uma proporção praticamente estável de um ano para outro;

• As empresas mantêm um padrão de investimento social interno em relação aos dados econômicos e financeiros;

• Nos indicadores de investimento social externo existe um aumento significativo na proporção com os dados econômicos e financeiros, principalmente nos valores referentes a tributos.

• Na destinação do valor adicionado ocorreu um aumento na parcela do governo em comparação com todos os dados econômicos e financeiros.

(continuação)3. Indicadores Sociais Externos

Tributos (excluídos enc. sociais) 51.394.044 19,0% 43,2% 109,2% 152,4%

Total – Ind. Sociais Externos 52.752.040 19,5% 44,3% 112,1% 156,4%Governo 45.671.655 16,9% 38,4% 97,0% 135,4%

Colaboradores 29.309.389 10,8% 24,6% 62,3% 86,9%Acionistas 13.553.756 5,0% 11,4% 28,8% 40,2%Terceiros 12.593.447 4,7% 10,6% 26,8% 37,3%Retido 17.962.349 6,6% 15,1% 38,2% 53,3%

Total - Valor Adicionado 119.090.596 44,1% 100,0% 253,0% 353,1%

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quando desconsiderados os efeitos inflacionários;

• Os investimentos em indicadores sociais internos também aumentaram, principalmente na capacitação profissional e na participação nos lucros e resultados, mas os investimentos em cultura caíram significativamente;

• Os investimentos em indicadores sociais externos aumentaram mais que os internos, principalmente no combate à fome e segurança alimentar. O aumento exagerado do investimento em lazer e diversão se deve

Quadro 3 – Variação do investimento social interno e externo.

1. Dados Econômico-Financeiros2004 2005 VARIAÇÃO

Em mil R$. Em mil R$. Normal CorrigidoReceita Líquida (RL) 270.254.530 308.796.391 14,26% 8,82%Valor adicionado (VA) 119.090.596 140.281.359 17,79% 12,18%

Resultado Operacional (RO) 47.072.971 54.804.369 16,42% 10,88%Folha de Pagamento Bruta (FPB) 33.722.818 37.560.001 11,38% 6,07%

2. Indicadores Sociais InternosAlimentação 2.236.593 2.499.648 11,76% 6,44%

Encargos sociais compulsórios 7.292.570 8.201.937 12,47% 7,11%Previdência privada 1.659.303 1.780.088 7,28% 2,17%

Saúde 1.453.112 1.748.144 20,30% 14,57%Segurança e medicina no trabalho 179.309 188.631 5,20% 0,19%

Educação 66.390 69.824 5,17% 0,16%Cultura 26.842 23.272 -13,30% -17,43%

Capacitação e desenvolvimento profissional 341.887 474.958 38,92% 32,31%Creches ou auxílio-creche 118.746 137.129 15,48% 9,98%

Participações nos lucros ou resultados 2.527.668 3.582.123 41,72% 34,97%Outros 581.657 606.636 4,29% -0,67%

Total – Ind. Sociais Internos 16.484.077 19.312.390 17,16% 11,58%3. Indicadores Sociais Externos

Educação 254.258 207.062 -18,56% -22,44%Cultura 238.371 303.349 27,26% 21,20%

Saúde e saneamento 184.693 318.989 72,71% 64,49%Habitação 34 0 -100,00% -100,00%

Esporte 77.177 77.103 -0,10% -4,85%Lazer e diversão 230 1.379 499,57% 471,01%

Creches 40 5 -87,50% -88,10%Alimentação 1.296 31 -97,61% -97,72%

Combate à fome e seg. alimentar 89.902 275.155 206,06% 191,49%Outros 511.995 1.081.277 111,19% 101,13%

Total das contribuições para Sociedade 1.357.996 2.264.350 66,74% 58,80%

Tributos (excluídos enc. sociais) 51.394.044 65.191.916 26,85% 20,81%

Total – Ind. Sociais Externos 52.752.040 67.456.266 27,87% 21,78%4. Destinação do valor adicionado

Governo 45.671.655 56.758.181 24,27% 18,36%Colaboradores 29.309.389 33.174.087 13,19% 7,80%

Acionistas 13.553.756 15.625.726 15,29% 9,80%Terceiros 12.593.447 13.662.911 8,49% 3,33%Retido 17.962.349 21.060.454 17,25% 11,66%

Total - Valor Adicionado 119.090.596 140.281.359 17,79% 12,18%

a um investimento baixo em 2004 para um investimento maior em 2005, mas que não representa nada em relação aos dados econômicos e financeiros;

• O aumento representativo no item outros dos indicadores sociais externos deriva do fato de que algumas empresas não subdividiram seus valores nos demais itens, ficando sobrecarregado esse item;

• A destinação do valor adicionado deixa claro que houve um aumento na parcela destinada ao governo, superior aos demais, e, conjuntamente com o aumento da

No Quadro 3, é possível identificar, dentre outros pontos, que:

• Os valores econômicos e financeiros aumentaram de 2004 para 2005, mesmo

108

Nos Quadros 2, 3 e 4 estão demonstrados os dados acumulados extraídos do BS publicado pelas 69 empresas da amostra. Alguns desses dados foram simplesmente somados, outros foram incorporados aos dados pré-existentes. Diante desses, dados é

possível visualizar algumas das informações que o BS divulgado segundo o Modelo IBASE pode fornecer aos usuários, primordialmente à sociedade em que está inserida. Os dados crus normalmente não têm muito a dizer, mas quando analisados em conjunto, comparados com outras empresas, acumulados com os de outras empresas ou conjugados com outros dados podem fornecer informações pertinentes a quem analisa este demonstrativo contábil.

4.2 Análise complementar dos dados

Um dos objetivos do presente estudo era verificar quais informações relevantes podem ser extraídas do BS, segundo o modelo do IBASE, divulgado pelas empresas brasileiras. Esse objetivo foi atingido em grande parte, conforme visto no item 4.1 deste estudo. Alguns pontos não foram analisados, tais como os indicadores ambientais, que em muitas empresas não foram informados e que não leva o leitor a conclusões relevantes, da forma como está estruturado. Outro ponto que foi demonstrado e analisado apenas em uma pequena parte são as informações relevantes

Quadro 4 – Variação dos indicadores do corpo funcional.

5. Indicadores do Corpo Funcional2004 2005

VARIAÇÃOUnidades % Unidades %

Nº de empregados(as) ao final do período 477.123 499.963 4,79%Nº de admissões durante o período 82.927 17% 101.882 20% 22,86%

Nº de empregados(as) terceirizados(as) 139.835 29% 156.686 31% 12,05%Nº de estagiários(as) 24.235 5% 23.716 5% -2,14%

Nº de empregados(as) acima de 45 anos 93.101 20% 98.328 20% 5,61%Nº de mulheres que trabalham na empresa 166.361 35% 179.780 36% 8,07%

Nº de mulheres em cargos de chefia 49.464 10% 54.824 11% 10,84%Nº de negros(as) que trabalham na empresa 57.299 12% 67.313 13% 17,48%

Nº de negros em cargos de chefia 6.398 1% 8.013 2% 25,24%Nº portadores de defic. ou necessidades especiais 8.795 2% 9.240 2% 5,06%% de cargos de chefia ocupados por mulheres 29,73% 30,50%

% de cargos de chefia ocupados por negros(as) 11,17% 11,90%Relação maior / menor remuneração da empresa 30,49 7,60 23,32%

Número total de acidentes de trabalho 101,65 120,98 19,02%RL p/empregado 566,43 617,64 9,04%VA p/empregado 249,60 280,58 12,41%RO p/empregado 98,66 109,62 11,11%FPB p/empregado 70,68 75,13 6,29%

VA destinado aos colaboradores p/empregado 61,43 66,35 8,02%

parcela retida do valor adicionado reduziu as parcelas dos colaboradores, acionistas e terceiros.

O quadro 4 destaca os indicadores do corpo funcional.

No Quadro 4, é possível identificar, dentre outros pontos, que:

• Houve um aumento no número de pessoas empregadas, haja vista o aumento de pessoas empregadas no final do período e o número de contratações;

• Houve um aumento significativo de negros em relação ao total de pessoas empregadas e principalmente um aumento de negros em cargos de chefia;

• O número de mulheres empregadas em relação ao total também aumentou, bem como sua participação em cargos de chefia;

• A relação homens/mulheres manteve-se pouco acima de 1/3 nos dois anos e a relação de mulheres em cargos de chefia ficou pouco abaixo de 1/3 nos dois anos;

• A relação entre o maior e o menor salário aumentou significativamente nos dois anos, demonstrando o distanciamento entre as classes sociais.

109

quanto ao exercício da cidadania empresarial, em que são relatados apenas dados não qualitativos e muito restritos, contribuindo apenas para um posicionamento superficial quanto às políticas de cidadania da empresa.

O outro, e principal objetivo, era verificar se o modelo IBASE consegue atingir os objetivos propostos na literatura. Em função disso, foram definidos que os objetivos que serão utilizados no presente estudo são aqueles objetivos gerais evidenciados nas definições do BS, ou seja, demonstrar o resultado da interação da empresa com o meio, refletir o comprometimento com as necessidades básicas da população e suprir as necessidades de informações de caráter social e ecológico. Justifica-se esta escolha porque os objetivos específicos são originados dos objetivos gerais e, portanto, para que os objetivos gerais estejam sendo alcançados, é necessário que alguns dos objetivos específicos à eles pertinentes também estejam sendo alcançados.

Na sequência, são analisadas as informações obtidas dos Balanços Sociais segundo o modelo IBASE à luz de cada um dos três objetivos, tentando identificar se o BS realmente fornece informações suficientes para atender aos objetivos. Não se pretende esgotar o assunto, mas apenas levantar alguns pontos considerados pertinentes para o desenvolvimento da ciência contábil. Para iniciar esta discussão, seria extremamente importante conhecer as necessidades de informações dos usuários do BS, mas como isso não é possível e não é o objetivo desse estudo, assumiremos que o conhecimento destas necessidades é no mínimo aquilo que os autores deste estudo percebem.

a) Demonstrar o resultado da interação da empresa com o meio

Por interação da empresa com o meio entende-se como a ação recíproca entre ambos, ou seja, o meio fornece para a empresa os recursos necessários para sua subsistência e esta devolve ao meio os recursos necessários para compensá-lo. Os salários pagos aos funcionários, os tributos pagos e os lucros distribuídos são formas de retribuir ao meio pelos recursos disponibilizados. Mas existem outros recursos que não são

facilmente identificáveis, como por exemplo, os recursos naturais, o direito de exploração de uma atividade poluidora, a dependência local pela empresa, entre muitos outros.

O BS segundo o modelo IBASE não chega da demonstrar a interação da empresa com o meio, mas apenas destaca alguns pontos dessa interação. Existe a necessidade de outras informações quantitativas e qualitativas, para que seja possível estabelecer se existe um relacionamento de interação entre a empresa e o meio.

Para que o BS demonstrasse toda a interação entre a empresa e o meio, seriam necessários muito mais dados dos que hoje são apresentados e muitos além daqueles dos que hoje estão disponíveis nas empresas. Não se pretende que o BS evidencie todas as informações que os usuários por ventura venham a necessitar, mas que o atual volume de informações seja implementado, fornecendo subsídios mais consistentes para que se possa demonstrar a interação da empresa com o meio.

Nesse ponto, além de muitas outras sugestões que cada usuário do BS poderia ter, sugere-se que ao menos ficasse evidenciado os patrocínios a equipes esportivas e a eventos culturais, as contribuições para implementação e/ou manutenção de escolas e hospitais, indicação de pessoas beneficiadas por programas implementados ou apoiados pela empresa, etc. Por exemplo, a implantação de um centro cultural pode gerar lazer e cultura para a sociedade.

b) Refletir o comprometimento com as necessidades básicas da população

Supondo que as necessidades básicas da população sejam no mínimo, conforme relaciona a Constituição Brasileira, ou seja, moradia, vestuário, alimentação, saúde, higiene, educação, lazer, etc., é possível destacar que alguns pontos são mais privilegiados pelas empresas que outros, como é o caso do investimento interno em capacitação profissional e na participação nos lucros ou resultados.

O modelo do IBASE não contempla todos os itens que a Constituição chama de ‘necessidades básicas da população’. Com relação apenas aos

110

dados destacados no modelo IBASE, em sua maioria, manteve os mesmos patamares nos dois períodos analisados, em relação à receita líquida ou ao resultado operacional, refletindo que não houve um comprometimento adicional com as necessidades básicas da população, mas apenas um incremento em pontos específicos, como é o caso dos tributos.

A carência de investimentos foi destacada no estudo de Pinto e Ribeiro (2004, p. 29) “Investimentos com vistas a atender às necessidades básicas dos trabalhadores, tais como: educação, saúde, transporte, lazer etc.; políticas voltadas à valorização, ao desenvolvimento profissional e reconhecimento do trabalho dos empregados, foram informados pela minoria das empresas examinadas”.

Uma dificuldade que surge nesse ponto é definir qual o nível que os indicadores precisam atingir para refletir o comprometimento da empresa. Apenas destinar algum numerário para rubricas que fazem parte das necessidades básicas da população não representa o comprometimento da empresa com estas. Mas o que pode refletir o nível de comprometimento? Talvez o nível de informações que as empresas podem fornecer atualmente ainda não chegue a refletir esse comprometimento, mas com certeza, apenas os dados que constam do BS, segundo o modelo IBASE, estão muito aquém daquilo que se torna necessário para esbarrar de leve na reflexão do comprometimento.

Nesse ponto, muitas ações que não geram desembolsos diretos podem ser incluídas para demonstrar o comprometimento da empresa com as necessidades básicas da população. A demonstração da evolução do nível de escolaridade dos colaboradores, enquanto funcionários da empresa, pode dar indícios do comprometimento com a educação. O incentivo, e talvez até a destinação de parte da carga horária dos colaboradores, para a realização de trabalho voluntário pode dar sinais do comprometimento da empresa com o lazer, saúde, etc. A promoção ou o incentivo de programas assistenciais podem demonstrar o comprometimento da empresa com a moradia, a alimentação, etc.

c) Suprir as necessidades de informações de caráter social e ecológico

Como não se conhece as informações que os usuários necessitam, é difícil saber como supri-la, mas, imaginando que também somos usuários dessas informações, então é possível inferir que o BS não supre as necessidades de informações de caráter social, fornecendo apenas algumas informações incipientes. Quanto às informações ecológicas, é possível afirmar que praticamente inexistem, já que dos poucos dados relativos a esse tema no modelo estes não são informados pela maioria das empresas. Entende-se que suprir não seja em caráter totalitário, mas sim em um nível que possa ser considerado no mínimo satisfatório.

Seria extremamente relevante que as empresas divulgassem informações sobre o total de investimentos em projetos sociais e de recuperação ambiental segregados, dando condições de suprir algumas necessidades de informações. Para Gray (2001, p. 14), “Nós devemos urgentemente mudar nossa atenção para os problemas de como reportar a sustentabilidade, e especialmente para assunto de justiça social. Neste caso, eu temo, o passado tem pouco a nos ensinar” (tradução livre).

d) Considerações sobre os objetivos

As informações disponíveis no BS, que na maioria dos casos é informada em valores monetários (absolutos ou relativos) deixam a desejar pela falta de outras informações não monetárias, para que forneçam dados adicionais para uma análise mais efetiva. Mazzioni, Oliveira e Tinoco (2006, p. 9) identificaram as informações que devem ser priorizadas na divulgação do BS. Os mesmos autores (2006, p. 11) indicam que o BS é um instrumento voltado a evidenciar as ações que as empresas tomam, com destaque para os seguintes grupos, prioritariamente:

a) Responsabilidade social: não se trata de fazer filantropia apenas, ou doações caritativas, mas assumir um posicionamento social responsável e de elevada cidadania;

111

b) Recursos humanos: o modo pelo qual a organização se relaciona com os empregados da instituição; a preservação de direitos individuais e coletivos; remuneração e benefícios concedidos; pessoas ocupadas no fim de cada exercício: por categoria, sexo, instrução, idade, estado civil e raça; formação profissional e desenvolvimento contínuo;

c) Valor agregado: evidenciar a riqueza gerada e de que maneira é distribuída;

d) Meio ambiente: projetos e ações de proteção, recuperação e melhoria do meio; indicadores ambientais e socioeconômicos do desempenho sustentável;

e) Outros: informações para suporte ao processo decisorial, dados sobre a satisfação e insatisfação social dos diferentes agentes econômicos em relação ao desempenho da entidade, a participação dos empregados no processo decisório.

Freire, Botelho e Nunes (2001, p. 28) e Kroetz (2001, p. 60-61) já identificavam modelos para o BS tentando suprir algumas das falhas do modelo IBASE. Nesses modelos as informações que hoje constam do modelo IBASE eram previstas, além de informações adicionais, chegando os primeiros a sugerir uma ponderação dos indicadores pelas opiniões dos usuários.

6 Considerações finais

O BS é uma ferramenta importante para a evidenciação do comprometimento das empresas com a sociedade, além do compromisso legal. Para Oliveira (2005, p.3), “O Balanço Social, [...], surge como uma das principais ferramentas para sintetizar e disponibilizar as informações sobre como a empresa vem trabalhando as questões sócio-ambientais”. No entanto, Ainda é incipiente para atingir aos objetivos propostos na literatura, se apresentado pelas empresas, conforme o modelo do IBASE, existindo a supremacia de dados quantitativos,

em detrimento de dados qualitativos, e a carência de mais informações concretas necessárias para atender aos anseios da sociedade.

Não se pretende, em hipótese alguma, desmerecer o trabalho realizado pelo IBASE e nem tampouco o modelo por ele utilizado, até porque alguma informação ainda é melhor que nenhuma e trata-se de uma iniciativa louvável. No entanto, o que se pretende é retomar o debate em relação às informações que as empresas geram para o meio em que estão inseridas e se essas informações podem atender aos objetivos propostos na literatura, buscando sempre a evolução da ciência contábil.

Os autores do modelo IBASE idealizaram o BS e seus objetivos a partir de informações que lhes eram pertinentes à época. Passados vários anos, desde que o sociólogo Betinho iniciou seu trabalho em prol da implantação do BS no Brasil e que os Balanços Sociais são evidenciados pelo modelo proposto, com as alterações que já se sucederam, torna-se necessário um novo upgrade do modelo, com vistas ao fornecimento de informações mais consistentes. Segundo Oliveira (2005, p. 15), “O aprimoramento contínuo do Modelo IBASE de BS (já foram feitas algumas revisões ao longo dos anos) tem permitido a introdução de mais variáveis quantitativas e qualitativas. Espera-se que no futuro as comparações possam ser feitas com melhores parâmetros e informações mais confiáveis”.

Mesmo quando o BS é divulgado em outro padrão, as empresas não conseguem abranger um número satisfatório de informações, conforme destacado por Pinto e Ribeiro (2004, p. 32), “À luz dos conceitos estudados, considera-se que o conteúdo dos Balanços Sociais é bastante insatisfatório. Nenhum dos indicadores foi informado pela unanimidade das empresas. Muitas informações relevantes não foram evidenciadas em nenhum balanço”. Os mesmos autores sugerem que o modelo IBASE contenha ainda uma série de outras informações.

Portanto, é possível considerar que as informações fornecidas atualmente pelas empresas não atingem o nível desejado, de acordo com os objetivos encontrados na literatura. Muitas coisas

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precisam ser implementadas, mas esbarram em diversas dificuldades. Por outro lado coisas simples podem ser implementadas e evidenciadas, como, por exemplo, o nível de escolaridade, que poderia ser evidenciado simplesmente informando o percentual de funcionários analfabetos, com o primeiro grau incompleto, o primeiro grau completo, e assim por diante. Além disso, qual o percentual de funcionários que melhoraram seu grau de escolaridade durante o tempo em que esteve empregado na empresa e como a empresa participou dessa evolução.

Um fato que parece consenso para maioria dos autores pesquisados, com pequenas variações entre eles, é que a divisão do BS usada no modelo IBASE deveria ser diferente, usando ao invés de indicadores sociais internos e externos, indicadores ambientais e indicadores de quadro funcional, para indicadores laborais, sociais, ambientais e do corpo funcional, além de informações adicionais tais como lucro líquido e faturamento bruto, entre outras (VASCONCELOS, 2001; PEROTTONI, 2001; KROETZ, 2001; MAZZIONI; GALANTE; KROETS, 2006). Estes ainda podem ser divididos em monetário e não-monetários, internos e externos, ou qualquer outra subdivisão que se achar pertinente.

Mesmo que o BS divulgado segundo o modelo IBASE, ou qualquer outro, não consiga atingir plenamente os objetivos propostos na literatura, isso não significa que ele é inútil. Alguma informação ainda é melhor que nenhuma. O não

atingimento pleno dos objetivos apenas indica que existe a necessidade de uma melhoria na qualidade das informações nele disponibilizadas e que os objetivos propostos podem ser atingidos com melhorias incrementais nos modelos atuais.

Este estudo apresenta algumas limitações, dentre as quais a adoção apenas do modelo IBASE para análise, a limitação dos objetivos apenas nos três propostos na definição do BS, o número de empresas, o número de períodos, a utilização de períodos não recentes e o número limitado de sugestões para aprimoramento do modelo de BS. Por outro lado, confirmou-se que o BS, segundo o modelo IBASE, precisa evoluir, conforme já vem ocorrendo, e que cabe aos pesquisadores da ciência contábil contribuir nesse processo.

Como sugestões para futuros estudos, indicam-se:

• Ampliar o estudo para outros modelos de evidenciação do BS;

• Verificar a evolução histórica nos modelos de BS, principalmente do IBASE;

• Discutir detalhadamente cada uma das informações constantes do modelo atual, em confronto com os objetivos propostos pela literatura;

• Comparar modelos utilizados em outros países com o modelo brasileiro, buscando naqueles pontos relevantes que possam aprimorar este.

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Metodologias de Intervenção Utilizadas pelos Consultores no Trabalho Realizado com ONGs: um

estudo na região metropolitana de Recife-PEMethods of Intervention Used in Labor Performed by the Consultants with NGOs: a study in the

metropolitan area of Recife-PE

Naldeir dos Santos Vieira1

Marcos Gilson Gomes Feitosa2

Resumo

O presente estudo tem como objetivo identificar e analisar as metodologias de intervenção utilizadas pelos consultores no trabalho realizado com Organizações Não Governamentais (ONGs). Com este fim, além da pesquisa bibliográfica (ARGYRIS, 1970; FERNANDES, 1994; CARVALHO, 2000; OLIVEIRA, 2004; TENÓRIO, 2004; TUDE; RODRIGUES, 2007; ABONG, 2008), foram realizados estudos qualitativos com consultores de ONGs que atuam na região metropolitana de Recife-PE, sendo a coleta de dados dividida em três etapas: entrevistas exploratórias, entrevistas em profundidade e entrevistas de acompanhamento. Em seguida, os dados foram analisados utilizando-se como método principal a análise da pragmática da linguagem (MATTOS, 2006). Quanto aos resultados, podemos destacar que no trabalho de consultoria com ONGs os consultores enfatizaram que, pela natureza multifacetada dessas organizações, não existem metodologias pré-determinadas para a consultoria nesse campo, com exceção para as consultorias especializadas. Grande parte do trabalho do consultor está relacionada à realização de planejamentos estratégicos que têm como ponto de partida a realização de diagnósticos organizacionais. Pela escassez de recursos, muitas vezes, o acompanhamento das atividades planejadas pela consultoria fica a cargo dos próprios integrantes das ONGs.

Palavras-chave: Organizações do Terceiro Setor; Consultoria Organizacional; Aprendizagem.

Abstract

This study aims at identifying and analyzing intervention methods used by the consultants who work with Non-Governmental Organizations (NGOs). For this purpose, in addition to the literature (ARGYRIS, 1970; FERNANDES, 1994; CARVALHO, 2000; OLIVEIRA, 2004; TENÓRIO, 2004; TUDE; RODRIGUES, 2007; ABONG, 2008), qualitative studies were conducted with consultants from NGOs that work in the metropolitan area of Recife-PE, and the collection of data divided into three phases: exploratory interviews, in-depth interviews and follow-up interviews. Then, the data were analyzed using as the main method the pragmatic analysis of language (MATTOS, 2006). Regarding the results, it is possible to highlight that the consulting work with NGOs, due to the multifaceted nature of these organizations, there are no pre-determined methodologies for advising them, except for specialized consultancy. Much of the consultant work is related to the implementation of strategic plans

1 Professor Assistente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM, Brasil.Possui mestrado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Brasil. Contato: [email protected]

2 Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco - PROPAD/UFPE, Brasil. Possui doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR, Brasil. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 06/07/2010 - Aprovado em 18/12/2010

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that have, as a starting point, the realization of organizational diagnosis. Because of resource scarcity, often the monitoring of planned activities is carried out by the members of NGOs.

Key words: Organizations of the Third Sector; Organizational Consulting; Learning.

1 IntroduçãoDesde que algumas Organizações

Não Governamentais (ONGs) passaram a se profissionalizarem com maior intensidade – década de 1990 – tornou-se comum a contratação dos serviços de especialistas e consultores para este fim. Muitos desses profissionais tinham especialidade apenas em empresas e indústrias, mas trabalhando nas ONGs, começaram a deparar com uma realidade diferente da que estavam acostumados, vista que a lógica empresarial é voltada para atividades utilitaristas e pautadas em uma racionalidade instrumental.

Consequentemente, esses consultores que trabalharam em ONGs precisaram aprender com as singularidades dessas organizações, adotando as posturas apropriadas, para responder às exigências ambientais enfrentadas por estas. Diante desta problemática, a questão de pesquisa central desse artigo é: quais as principais metodologias utilizadas pelos consultores durante a prática de consultoria em ONGs? Em decorrência desta questão principal, este estudo, de caráter exploratório, teve como objetivo identificar e analisar as metodologias utilizadas pelos consultores na atividade de consultoria em ONGs, sendo realizados estudos qualitativos com 10 (dez) consultores de ONGs nacionais e internacionais que atuam na região metropolitana de Recife-PE.

De acordo com Oliveira (2004), considera-se consultor o profissional externo a ONG que assume a responsabilidade de auxiliar os integrantes da organização nas tomadas de decisões, não tendo, entretanto, o controle direto da situação. Neste estudo, consideramos os consultores individuais e não as empresas de consultoria.

A expressão ONG é polissêmica e ainda inexiste o consenso por uma definição mais precisa. Adotamos operacionalmente a visão de Tude e Rodrigues (2007, p. 14), que as classificam como “organizações da sociedade civil que lutam por

determinada causa em nível universal, agindo politicamente, de maneira profissional com a finalidade de realizar transformações sociais em todo o planeta”.

2. As Organizações Não Governamentais

As Organizações Não Governamentais “caracterizam-se por serem organizações sem fins lucrativos, autônomas, isto é, sem vínculo com o governo, voltadas para o atendimento das necessidades de organizações de base popular, complementando a ação do Estado” (TENÓRIO, 2004, p. 11).

Essas instituições, na visão de alguns autores, fazem parte do terceiro setor, que, para Mota, Ckagnaroff e Amaral (2007, p. 6), é visto como um termo guarda-chuva, pela falta de consenso quanto a uma definição stricto sensu “abarcando organizações com diferentes objetivos, tamanhos e escopos”. Na visão de Tude e Rodrigues (2007), esse termo foi concebido na década de 70, sendo primeiramente utilizado nos Estados Unidos da América e, depois, foi difundido para outros países no final da década de 80, com os estudos coordenados por Salamon.

A idéia de um “terceiro setor” supõe um “primeiro” e um “segundo” e nesta medida faz referência ao Esta-do e ao mercado. A referência, no entanto, é indireta, obtida pela negação – “nem governamental, nem lu-crativo”. Em termos explícitos e positivos, o conceito designa simplesmente um conjunto de iniciativas par-ticulares com um sentido público (FERNANDES, 1994, p. 127, grifos do autor).

Para Tude e Rodrigues (2007) a visão implícita sobre as organizações do terceiro setor parece limitada, ao compreendê-las como uma alternativa para a solução dos problemas do Estado, escondendo algumas verdadeiras motivações do movimento associativo moderno,

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resultantes das relações da sociedade civil. Os autores consideram mais apropriado denominar esse conjunto de organizações como Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que, no sentido utilizado por Antônio Gramsci, transfere o eixo explicativo “da necessidade de preenchimento de lacunas deixadas pelo Estado e pelo Mercado, no caso das teorias do terceiro setor, para o aumento da complexidade do fenômeno estatal e da intensificação dos processos de socialização política, para a sociedade civil” (TUDE; RODRIGUES, 2007, p. 13).

De acordo com a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG, 2008) a expressão terceiro setor traz-nos uma ideia de igualdade, unidade, convergência e consenso. Contudo, na realidade, a sociedade civil organizada no Brasil é extremamente diversa, plural e heterogênea, construída ao longo de séculos e marcada por processos brutais de exclusão, concentração de renda e violação de direitos, sendo que suas organizações expressam os conflitos e contradições existentes.

Em decorrência, a inclusão das ONGs no terceiro setor implica problemas de ordem conceitual, política e de identidade. Essa expressão é constantemente utilizada para referir-se às organizações da sociedade civil sem fins lucrativos de uma forma geral, abrigando segmentos com características diversas, como entidades filantrópicas, institutos empresariais e até ONGs. É importante afirmar a identidade de cada grupo e campo político de organizações da sociedade civil brasileira. Isso significa marcar as diferenças e os pontos em que convergem (ABONG, 2008).

Para a ABONG (2008), “do ponto de vista formal, uma ONG é constituída pela vontade autônoma de mulheres e homens, que se reúnem com a finalidade de promover objetivos comuns de forma não lucrativa”. A legislação brasileira prevê quatro formatos institucionais para a constituição de uma organização sem fins lucrativos, com essas características – associação, fundação, organização religiosa e partido político. Juridicamente, toda ONG é uma associação civil ou uma fundação privada.

No entanto, nem toda associação civil ou fundação é uma ONG. Entre clubes recreativos, hospitais e uni-versidades privadas, asilos, associações de bairro, cre-ches, fundações e institutos empresariais, associações de produtores rurais, associações comerciais, clubes de futebol, associações civis de benefício mútuo, etc. e ONGs, temos objetivos e atuações bastante distintos, às vezes, até opostos (ABONG, 2008).

Como as características que definem essas organizações não esclarecem totalmente as diferenças entre as ONGs e as demais OSCs, para Tude e Rodrigues (2007), podemos entendê-las melhor ao descrevermos o que as primeiras não são. Desse modo, as ONGs se diferem das demais OSCs ou terceiro setor por não representarem o interesse particular de um grupo específico ao trabalharem por causas tratadas universalmente; por não agirem somente através da filantropia e da caridade, buscando a justiça social e valores nos quais elas acreditam e pretendem disseminar e por serem organizações mais politizadas, não tendo finalidade comercial, mas buscarem agir profissionalmente para realizar transformações sociais.

Sabemos que ONG - Organização Não Governamen-tal - não é termo definido em lei, mas sim uma cate-goria que vem sendo socialmente construída e usada para designar um conjunto de entidades com carac-terísticas peculiares, reconhecidas pelos seus agentes, pelo senso comum ou pela opinião pública (ABONG, 2008).

Desse modo, mesmo sem o respaldo legal, consideramos neste trabalho que as ONGs são ”organizações da sociedade civil que lutam por determinada causa em nível universal, agindo politicamente, de maneira profissional com a finalidade de realizar transformações sociais em todo o planeta” (TUDE; RODRIGUES, 2007, p. 14). Em decorrência, objetivamos estudar somente consultorias realizadas para organizações que além de se considerarem como ONGs, de serem de natureza privada e de terem interesses públicos, são também autônomas e prestam serviços para a coletividade com o objetivo de desencadear transformações sociais.

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3 A consultoria organizacional em ONGs

Consultoria organizacional é uma expressão utilizada para definir uma relação de interação, que envolve uma atividade de ajuda para a solução de problemas (MANCIA, 1997). Para Argyris (1970), trata-se de um processo de intervenção, sendo esse realizado em uma organização denominada sistema-cliente. Intervir, na concepção do autor (1970, p. 15), “é entrar num sistema de relações em andamento, aproximar-se de pessoas, grupos ou objetos com o propósito de ajudá-los”. Esta ajuda pode ser oferecida a diferentes tipos de pessoas e/ou instituições, sendo estas: órgãos do Estado, empresas, clubes esportivos, ONGs e outros.

Nesse campo, podem atuar diversos profissionais, sendo que a única exigência é que estes consigam clientes que contratem seus serviços. Não existe uma regulamentação dessa atividade (VALENÇA; ASSOCIADOS, 1995) e, consequentemente, não existem ações ou metodologias padronizadas.

Para Oliveira (2004), existem dois tipos de consultoria de acordo com o método de intervenção adotado pelo consultor. A primeira é a consultoria

de pacote, que “é realizada às empresas-clientes por meio da transferência de fortes estruturas de metodologias e técnicas administrativas, sem a preocupação de otimizada adequação à realidade atual ou esperada para a empresa-cliente” (OLIVEIRA, 2004, p. 63). O outro tipo é a consultoria artesanal, que é “aquela que procura atender às necessidades da empresa-cliente por meio de um projeto baseado em metodologia e técnicas administrativas especificamente estruturadas para a referida empresa-cliente, tendo, entretanto, sustentação de outras abordagens e modelos aplicados em outras empresas” (OLIVEIRA, 2004, p. 65).

Tratando-se especificamente das atividades de consultoria voltadas para ONGs, essa prática se acentuou a partir do momento em que tais organizações começaram a profissionalizar-se, adotando práticas gerenciais, antes, comuns apenas às organizações mercantis.

A adoção do management pelas ONGs foi provocada por dois fatores principais: a necessidade das ONGs conseguirem uma maior eficiência de suas atividades e a de se tornarem mais “competitivas” na obtenção de recursos financeiros, uma vez que a partir da década de 90, estes se tornaram escassos.

As pressões dos financiadores para que as ONG’s se profissionalizassem se deu a partir do momento em que estes passaram a estipular determinados critérios para a liberação dos financiamentos. Dependentes destas Agências as ONG’s para obter créditos das mesmas passam a cumprir os critérios e procedimentos estabe-lecidos. Dentre estes critérios está a descrição de proje-tos, planos e orçamentos, além da prestação de contas dos resultados (LYRA, 2005, p. 57).

Além das exigências dos financiadores, autores como Falconer (1999) e Drucker (2002) consideram que a profissionalização das organizações do terceiro setor também foi resultado da necessidade delas se tornarem mais eficientes. Para Drucker (2002), as instituições sem fins lucrativos entenderam que precisam ser bem gerenciadas e que precisam aprender a utilizar a gerência como uma ferramenta. “Elas sabem que necessitam de gerência para que possam se concentrar em sua missão” (DRUCKER, 2002, p. XIV. Na verdade, Drucker crê que está ocorrendo um “crescimento gerencial” nessas instituições, sejam elas grandes ou pequenas.

Com essa profissionalização da gestão, técnicos especialistas passam a ser contratados para executar funções especializadas nas ONGs. “A visão romântica da organização horizontal baseada na igualdade e na ausência de hierarquia e autoridade, dá lugar, progressivamente, ao paradigma moderno da competência, da produtividade e da eficiência no mundo do voluntariado e suas organizações” (CARVALHO, 2000, p. 11).

Como exemplo de consultoria organizacional realizada em ONGs, temos a parceria Ashoka-McKinsey, criada em 1996, estando presente em mais de 10 países. Com esta parceria, que resultou na criação do Centro de Competência para Empreendedores Sociais Ashoka-McKinsey (CCES), consultores voluntários da Mckinsey and

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Company ficam à disposição de empreendedores sociais e instituições, para contribuírem com sua profissionalização e desenvolvimento (ASHOKA, 2007).

De acordo com a Ashoka (2007), com essa parceria, os empreendedores sociais são fortalecidos com a adaptação e a transferência de conhecimentos e ferramentas vindas do setor privado. Os consultores, por sua vez, têm a oportunidade de desenvolver-se profissional e socialmente nesse novo campo. Este é um processo, às vezes, demorado e que demanda aprendizagem da organização e do consultor.

4 Procedimentos metodológicos

Esta pesquisa teve um caráter qualitativo e procurou compreender nuances do processo de consultoria nas ONGs, sem a intenção de gerar dados quantificáveis e/ou generalizáveis a outros contextos. Caracteriza-se como um estudo exploratório e descritivo, captando informações sobre determinado problema ou questão.

Para o alcance dos objetivos, a pesquisa foi realizada seguindo as seguintes etapas:

1ª fase - Pesquisa bibliográfica: revisão bibliográfica em livros e publicações diversas sobre o referido tema, que trouxeram informações relevantes para o estudo da consultoria organizacional, das ONGs e do processo de aprendizagem do consultor por meio de suas intervenções.

2ª fase – Delimitação do campo empírico:

o campo empírico foi formado por consultores que prestam consultoria a ONGs que atuam na região metropolitana de Recife-PE. Foram entrevistados 10 (dez) consultores, sendo utilizada como técnica de seleção de amostra a “bola de neve” (MERRIAM, 1998). Embasado nesta técnica, após a primeira entrevista (Consultor A), os entrevistados foram indicando outros, sendo estes considerados como fontes de dados relevantes para o entendimento do processo da consultoria desenvolvido nas ONGs.

3ª fase – Coleta de dados: a coleta de dados foi realizada a partir da realização de entrevistas semi-estruturadas com os consultores, sendo que, a princípio, foi realizada uma entrevista exploratória

com 4 (quatro) consultores com o objetivo de obter dados gerais relativos ao campo de estudo. Estas entrevistas exploratórias propiciaram um maior embasamento para a elaboração de um segundo roteiro, mais extenso e com questões mais específicas. Nessa segunda fase, foram entrevistados 7 (sete) consultores.

Além da realização das entrevistas aprofundadas, foi feito o acompanhamento de algumas intervenções por meio dos relatos dos consultores sobre uma intervenção específica. Antes da intervenção, foi dado ao consultor um pequeno roteiro com nove pontos relacionados à consultoria a serem refletidos por ele. Posteriormente, foi agendada uma entrevista com o consultor para uma discussão sobre suas reflexões referentes àquela intervenção específica.

Quadro 1(4) – Entrevistas realizadas com os consultores de ONGs.

Consultores Exploratória Aprofundada AcompanhamentoConsultor A Maio, 2007 - Outubro, 2007Consultor B Maio, 2007 - -Consultor C Maio, 2007 Novembro, 2007 Novembro, 2007Consultor D Maio, 2007 - -Consultor E - Outubro, 2007 -Consultor F - Outubro, 2007 -Consultor G - Outubro, 2007 -Consultora H - Novembro 2007 -Consultora I - Novembro, 2007 Dezembro, 2007Consultora J - Novembro, 2007 -

Fonte: elaboração própria, 2008.

4ª fase – Análise dos dados: utilizamos como base para o nosso método de análise das entrevistas a análise da pragmática da linguagem desenvolvido por Mattos (2006) e composto por seis fases que serão especificadas abaixo:

1°: Recuperar os diálogos gravados e fazer a sua transcrição, enfatizando alguns momentos especiais que deverão ser registrados na memória ou anotados para o momento da análise final.

2°: Resgatar o contexto em que o diálogo aconteceu, a partir do levantamento das seguintes questões: o que aconteceu ali entre aquelas duas pessoas; ou o que foi acontecendo ao longo da entrevista? Como o assunto foi se desenvolvendo? Onde parece terem ocorrido “pontos altos” e momentos de “ausência”. Que respostas “transbordaram” para outras?

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3°: Apresentar ao entrevistado o significado nuclear da resposta, para que haja uma validação. Devido às dificuldades antecipadas de horários para apresentação dos dados para a validação da resposta, tivemos o cuidado, após cada seção da entrevista, de repetir o que estava sendo dito pelo entrevistado e perguntar a ele se o nosso entendimento do que ele tinha exposto estava correto, cumprindo assim o proposto nessa fase.

4°: Transcrever os dados colhidos, pelo menos os da análise dos significados nucleares das respostas acima para uma matriz de dupla entrada: em uma os entrevistados, aproximados por características de estratificação, em outra, as perguntas.

5°: Analisar o conjunto, visualizando os fatos de evidência relativos a cada entrevistado, no conjunto das suas respostas, quando se identificarão “respostas retardadas” ou “antecipadas”; segundo, visualizando os fatos de evidencia relativos, ou bem como aqueles que dizem respeito a cada uma das perguntas; terceiro, “pairando meditativamente” sobre todo o conjunto das entrevistas. Nessa etapa, demos início à redação parcial dos resultados, cuja elaboração, de forma sistemática, se seguiu à análise.

6°: Submeter aos pares certas observações conclusivas do pesquisador, antes que este se sinta autorizado a redigir seu texto, funcionando a praxe como validação da interpretação.

Posterior à sistematização das entrevistas, os dados foram analisados sob a luz do referencial teórico aqui exposto e, finalmente, foram obtidas algumas conclusões sobre o estudo.

5 Principais metodologias utilizadas pelos consultores nas intervenções em ONGs

Nesta seção foram descritos os resultados obtidos com os consultores referentes às metodologias utilizadas no trabalho com ONGs, aos aspectos relacionados à consultoria direcionada para a elaboração do planejamento estratégico destas organizações, às atividades posteriores

ao planejamento estratégicos, e, às consultorias pontuais desenvolvidas.

5.1 A necessidade de adequação da meto-dologia de intervenção ao contexto das ONGs

Pelo fato de o contexto das ONGs ser diferente do contexto das organizações que compõem o “primeiro” e o “segundo setor”, para os consultores, há uma necessidade de adequação ou construção de novas metodologias de intervenção. Algumas diferenças que, primeiramente, devem ser levadas em consideração estão relacionadas às atividades a serem desenvolvidas. A metodologia de cada intervenção deve ser elaborada como fruto do contexto entre a organização e o que é solicitado. Como foi citado pelo Consultor C, metodologias diferentes devem ser utilizadas quando a consultoria está relacionada a um curso de capacitação, ou a uma mobilização ou a uma intervenção organizacional. Cabe ressaltar que algumas atividades descritas como consultorias pelos consultores, para autores como Oliveira (2004), trata-se, na verdade, de assessoria ou de treinamento.

A questão da metodologia, a gente define em função do que vai ser feito. Então, conforme o que vai ser feito, combinado em termo de trabalho. A intervenção financeira tem uma metodologia de trabalho própria e, aí a gente estabelece esse caminho a se cumprir. Se é uma intervenção organizacional, uma mobilização, um curso, então, cada um vai ter um processo dife-rente. Dentre as existentes a gente seleciona algumas (Consultor C, entrevista em maio de 2007).

Outra diferença que deve ser considerada está relacionada ao ritmo que deve ser seguido no trabalho com cada organização. Em algumas menos estruturadas ou mais conflituosas, o processo de consultoria deve ser mais lento, o que não acontece em ONGs onde as atividades e o envolvimento dos integrantes estão bem articulados.

Cada organização tem seu tempo, não adianta impor tempo em uma organização e nem achar que o que você fez com uma organização em um determinado

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tempo, vai dar para fazer com a outra. Eu acho que eles têm muito a ensinar para a gente no que diz res-peito a processo de trabalho. Você entra nos proces-sos desenhados o que você acha que eles podem ser, como é que vai, como é que fica, mas a agenda nunca conseguirá ser cumprida. Pelo menos, eu nunca conse-gui cumprir exatamente aquilo que eu havia planejado (Consultora I, entrevista em novembro de 2007).

A terceira diferença diz respeito à complexidade da organização, sendo que a complexidade, para o Consultor A, está relacionada ao tamanho da ONG e às dificuldades enfrentadas pela mesma para que suas atividades sejam concluídas. Desse modo, organizações mais complexas demandam metodologias que dê conta dessa complexidade que são diferentes das utilizadas em organizações com um nível de complexidade menor.

Não adianta você achar que todas funcionam da mes-ma forma, que não é. Cada uma pode ter o mesmo número de funcionários, pode trabalhar com a mes-ma coisa, mas tem complexidades e dificuldades, problemas diferentes. (...) Depende de cada caso, do tamanho da instituição. É muito relativo, e depende do tamanho da instituição (Consultor A, entrevista de acompanhamento em outubro de 2007).

E, por fim, como afirmou a Consultora I, a própria diferença na área de atuação dessas organizações e a falta de um padrão quanto à sua estruturação as tornam diferentes entre si, o que dificulta a estruturação de metodologias padronizadas por parte do consultor.

Assim, torna-se necessário uma adaptação das metodologias às diferenças das ONGs, o que torna inviável tentar aplicar pacotes com etapas e propostas totalmente definidas. A experiência permite a elaboração de algo sistematizado, mas esta sistematização deve servir apenas como orientação para o consultor. Além da necessidade de flexibilidade, com unanimidade, foi considerado pelos consultores que uma metodologia que ajuda o consultor a direcionar suas atividades é necessária, mas as propostas do que deve ser feito, quanto às tomadas de decisão, deve partir dos integrantes das ONGs e não dos consultores.

No entanto, posteriormente, alguns se contradisseram, mostrando que isso seria o ideal, mas que nem sempre é o praticado. Podemos identificar esta contradição na fala do Consultor F:

Que você termina sendo solicitado para contribuir. Não assim, para fazer que a solução seja criada, mas para você próprio facilitar e dizer, é assim, assim, e assim. Eu resistia no começo. Eu achava que a pró-pria metodologia do trabalho das ONGs é a busca da construção dos sujeitos, que ele descubra o empo-deramento. Que ele empodere daquelas coisas para ser autônomo. Então, na minha atividade que é asses-soria, planejamento e consultoria, eu tentava e daqui a pouco eu mesmo dizia: “está perdendo muito tem-po e diz logo” [risos, demonstrando que é uma ação que ele faz, mas que não é a considerada como ideal] (Consultor F, entrevista em outubro de 2007).

A justificativa para essa ação inadequada, de acordo com o Consultor F, está no fato de que construir coletivamente demanda muito tempo e nem sempre o consultor dispõe desse tempo demandado, ou os contratos não levam em consideração a necessidade deste tempo.

5.2 O planejamento estratégico nas ONGs

Para os consultores entrevistados, na maioria das vezes, quando se trata de consultoria organizacional, as ONGs demandam dos consultores a realização de planejamento estratégico, sendo este o ponto de partida das consultorias. É por esse motivo que daremos uma maior atenção para as etapas da realização do mesmo.

Para o Consultor F, o método de planejamento para as ONGs é posterior aos anos 90. Antes existia pouco material voltado para essas organizações. Pensava-se basicamente em projetos de maneira isolada e não na organização como um todo. Poucas ONGs realizavam um planejamento como instituição, e o embrião desse planejamento foi o chamado projeto institucional.

Apareceu uma ou outra ONG falando de projeto insti-tucional que já era um grau acima do que era projeto específico de execução. O projeto institucional tinha que falar do objetivo da instituição e tinha que ter pro-

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gramas e dentro dos programas, terem projetos. En-tão, começam as agências, cobrando um pouco mais de arrumação das ONGs (Consultor F, entrevista em outubro de 2007).

Como uma evolução dos projetos institucionais, a partir dos anos 90, os consultores de ONGs passam a ser demandados para dar subsídios ao desenvolvimento do planejamento dessas instituições e algumas passaram a elaborar seus próprios planejamentos. Como afirmou o Consultor F (entrevista em outubro de 2007): “aí começaram a aparecer pequenos roteiros, pequenos manuais de planejamento. E aí, algumas ONGs começaram, elas próprias, a fazer seus planejamentos com seus métodos”.

Com essa demanda por planejamento, começam a aparecer diversos métodos de planejamento e os caminhos propostos pelos consultores, pelos financiadores e pelas ONGs, que começaram a desenvolver suas próprias metodologias, passaram, muitas vezes, a ser conflitantes. Assim, o consultor passa, muitas vezes, a ter que aceitar seguir certas metodologias propostas pelos financiadores, ou pelas ONGs, e somente quando tem abertura, seguem a sua própria metodologia. O Consultor E expõe a existência dessas diferentes fontes de metodologias para o planejamento:

Que varia em função do trabalho. Mas basicamen-te, tem uma fase de discussão. (...) Você é chamado para uma coisa e aí você reformula junto com o cliente no caso, o pessoal da ONG, o conjunto das pessoas, pode ser a pessoa única que encomenda, dependen-do do trabalho. Há uma reformulação, isto é comum em consultoria deste tipo. (...) Então, uma vez o foco pré-definido, tem umas abordagens que podem ser mais ou menos participativas, dependendo do traba-lho (Consultor E, entrevista em outubro de 2007).

Desse modo, não existe um modelo para a realização de planejamento em ONGs, existem modelos, sendo estes próprios das ONGs, trazidos pelos financiadores ou desenvolvidos pelos próprios consultores. Tendo em vista esses diferentes modelos o consultor, dependendo da situação, opta pelo que

vai utilizar em sua intervenção. “Aí tem diferentes experiências, e você vai descobrindo que não tem um modelo, não existe. Eu duvido, eu desafio quem conseguir levar um modelo de planejamento para ONG, depois de muitas experiências” (Consultor F, entrevista em outubro de 2007).

5.3 O ponto de partida para o planejamento estratégico

A partir das entrevistas com os consultores foi possível a identificação de três metodologias de planejamento, sendo todas participativas. O primeiro conjunto de metodologias tem como ponto de partida o diagnóstico e definição de problemas, para buscar suas possíveis soluções de acordo com a visão dos integrantes das ONGs. Nesse grupo, destaca-se o Método Altadir de Planificação Popular (MAAP) que é um método de planejamento participativo pelo qual, a partir do diagnóstico da organização, são planejadas as ações futuras. Podemos identificar a presença de atividades que se aproximam dessa metodologia embasados nas falas dos consultores E e F:

Tem gente que acha que deve partir do Método Altadir e começa a construir daí. Tem sua validade também, porque no final você termina construindo uma visão de futuro. Na verdade esse é diferente daquele [método baseado na visão futura]. Você vai colocar o proble-ma, combatendo o problema (Consultor F, entrevista em outubro de 2007).

Tem um diagnóstico que diz respeito apenas à entida-de em si. Eventualmente a parceiros. (...) Depois do diagnóstico, tem uma devolução para o grupo. En-tão o diagnóstico vê basicamente a documentação, conversar com o cara individualmente, tem um rotei-ro também. Depois tem o processamento disso tudo. A devolução para o grupo, e depois geralmente tem um tempo [risos, relacionados ao fato de depender da participação dos envolvidos] para eles se apropriarem, digerirem e tal. E, às vezes, tem, e, às vezes, não tem continuidade, depende da escolha do grupo (Consul-tor E, entrevista em outubro de 2007).

O segundo conjunto de metodologias segue os pressupostos da investigação apreciativa, em que o trabalho não parte do diagnóstico dos problemas,

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mas sim das aspirações dos integrantes do sistema-cliente. Parte de onde se quer chegar e não dos problemas.

Se eu for trabalhar, eu gosto de trabalhar com visão de futuro (Consultor F).

Expectativas?(Pesquisador)

É muito como eles gostariam de ser? (...) E eu fiz um esquema que é visão de futuro (...). Uma visão de futu-ro, quais são os valores que eles têm. O trabalho é em função destes valores, quais são os objetivos institucio-nais, e daí pensar o contexto interno e externo, com relação a esta visão de futuro dos valores e objetivos, se ela está para peixe ou não? (Consultor F, entrevista em outubro de 2007).

Com uma última proposta de metodologia, destaca-se a Consultora I que não segue uma metodologia detalhada. Seu planejamento parte somente do seu envolvimento no grupo, e embasada em perguntas, vai identificando as necessidades do grupo e proporcionando as discussões que resultarão em propostas futuras. Estas perguntas não têm como objetivo a elaboração de um diagnóstico sistematizado, mas busca despertar no grupo questionamentos e respostas que gerem ações para o desenvolvimento da ONG. São utilizadas também atividades lúdicas e dinâmicas de grupo, como no caso do Consultor G.

Nós nos consideramos consultores perguntadores. Só ajuda as pessoas a fazerem as suas próprias pergun-tas. Não é que a gente elabora as perguntas para as pessoas não, a gente elabora perguntas que levam as pessoas a elaborarem suas próprias perguntas e suas próprias respostas. Ou não, a deixá-las até no ar para que um dia elas sejam respondidas (...) A ferramenta é a pergunta (Consultora I, entrevista em novembro de 2007).

Independente do ponto de partida ou da metodologia utilizada para a realização do planejamento nas ONGs essa atividade não demanda muito tempo, em média, menos de uma semana. Para a Consultora I (entrevista em novembro

de 2007) “não se consegue nada com no mínimo dois, três encontros. A gente não consegue chegar a lugar nenhum se não tiver no mínimo três encontros. Encontros de dois a três dias. De dois dias é mínimo. O ideal é de três dias”.

5.4 Atividades posteriores ao planejamen-to estratégico

Para os consultores, após a realização do planejamento estratégico, muitas vezes, são demandas outras atividades relacionadas ao acompanhamento do que foi planejado e a capacitações dos integrantes das ONGs. Apesar de pontuais, essas atividades tornam as atividades de consultoria mais perenes, o que permite a criação de um vínculo mais forte entre consultores e ONGs.

Depois, eu posso ficar acompanhando, treinando o pessoal e apresentando como os passos devem ser. (...) Por exemplo, eu fiz uma intervenção, no mês de maio. Vou voltar lá agora, a partir de segunda-feira, eu continuo a ver o que está acontecendo e dando con-tinuidade ao que eu sugeri. E, paralelo à consultoria, tem a questão da capacitação. Sempre tem uma capa-citação, ou antes, ou depois (Consultora J, entrevista em novembro de 2007).

No entanto, muitas vezes, o que é considerado como necessidade de planejamento por parte dos membros das ONGs trata-se de outra demanda específica como organização e redução de conflitos. Desse modo, cabe ao consultor identificar qual papel ele deve assumir na instituição. Muitas vezes, como foi identificado na fala do consultor F, realizar um planejamento estratégico não é prioritário:

Aí, pronto, na ASA [Articulação do Semi-Árido] nós descobrimos, ali na hora, nós fizemos uma constru-ção. O que eles queriam? Eles queriam um plano de trabalho para o ano, aquele ano, onde todas as pesso-as da coordenação, aproximadamente trinta tivessem responsabilidade nele, porque o que estava existindo era: pela falta de planejamento, que não era estraté-gico, estava tendo poucas pessoas super atarefadas e muitas pessoas, sem nada para fazer. Um dos planeja-mentos em que senti o maior grau de felicidade foi este que aconteceu na ASA, ou seja, era exatamente aquilo que eles queriam, mas só descobri lá na hora. O que

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estavam me pedindo antes, na comissão encarrega-da de organizar, era um planejamento estratégico. Aí, eu queria a missão, eu queria os valores? Nada disso (Consultor F, entrevista em outubro de 2007).

Além da etapa da realização do planejamento estratégico, que é realizada em sua maioria em conjunto com os integrantes das ONGs, as etapas posteriores, implementação, controle e avaliação dos resultados são realizadas com a ajuda dos membros dessas organizações. Apesar de o consultor, como afirmou o Consultor F, muitas vezes, mesmo não sendo adequado, aconselhar e fazer propostas, estas propostas são apreciadas pelos membros das ONGs que participam de todas as etapas da intervenção. “Por exemplo, uma ação na área financeira, muitas vezes a gente intervém usando os próprios colaboradores da ONG” (Consultor C, entrevista em novembro de 2007).

Em algumas intervenções, são os próprios membros das ONGs que dão continuidade às atividades propostas no planejamento estratégico e os consultores se afastam da organização. De acordo com alguns consultores, o que dificulta a sua permanência nas atividades pós-planejamento é o fato de nem sempre as instituições terem recursos para mantê-los.

Desse modo, nem sempre os consultores acompanham todo o processo de estruturação organizacional. Quando acompanham todas as etapas, desde o planejamento até a avaliação, eles levam, em média, de um a dois anos, o que é considerado como pouco por eles. No entanto, eles precisam se adequar a estes prazos pelo fato de os financiamentos, muitas vezes, cobrirem as atividades somente dentro dos limites especificados. Então, como foi afirmado pelo Consultor E (entrevista em outubro de 2007): “depende do dinheiro disponível. Vai depender muita da demanda e do tempo disponível, mas normalmente dura um ano. Um trabalho organizacional é cerca de, no mínimo, um ano”.

5.5 Metodologias utilizadas nos traba-lhos de consultorias pontuais

No entanto, nem todas as ONGs, como foi exposto pelo Consultor C, contratam consultoria

para estruturação organizacional, algumas que trabalham focadas nos projetos ou que já têm suas estruturas profissionalizadas, muitas vezes, demandam atividades bem específicas e pontuais. Nessas intervenções pontuais, a metodologia de intervenção dependerá do serviço demandado, que pouco se diferencia das demandadas pelas empresas privadas. Dentre essas demandas, estão a aplicação de cursos de capacitações e treinamentos, e, a implementação de ferramentas gerenciais que o consultor tem no formato de “pacotes” a serem implementados. Porém, mesmo tendo um pacote, por serem ferramentas muito técnicas, torna-se necessário que se tenham algumas adaptações. Essa necessidade foi destacada pelo Consultor B, que foi contratado por uma ONG, para realizar uma capacitação em desenvolvimento de competências para seus funcionários.

Ele era muito técnico para um programa de compe-tências. Era um instrumento de apoio à decisão, que requereria, para ser aplicado melhor, mais tempo e o apliquei em pouco tempo e parte do grupo entendeu e a outra parte não entendeu. Alguns questionaram, e não deu para corrigir. O que tive que fazer foi dizer: olha este instrumento aqui é muito valioso, mas não foi adequado. Então eu pedi desculpa e, hoje, não farei de novo (Consultor B, entrevista em maio de 2007).

Além das consultorias voltadas para treinamentos, capacitações e elaboração de projetos, algumas são voltadas para a minimização dos conflitos, uma vez que estes são muito acentuados nas ONGs. Esse é o caso do Consultor G, cujo trabalho se pauta na geração da confiança e na integração dos membros das ONGs clientes.

Todo o trabalho que o Libertas [empresa de consul-toria da qual é sócio] desenvolve, é um trabalho de integração das pessoas dos grupos, nas equipes, nas organizações. (...) Trata-se de pessoas que estão lá, reunidas em grupos e que o processo de integração, normalmente, tem se mostrado rico para Organiza-ções Não Governamentais. Porque, muitas vezes, as pessoas vêm de uma educação muito competitiva. (...) A união, a cooperação é simbolizada pelas mãos

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dadas, só que as Organizações Não Governamen-tais muitas vezes não têm esta visão, até por causa da formação das pessoas (Consultor G, entrevista em outubro de 2007).

6 Discussão dos resultados e considerações finais

Quanto aos serviços de consultorias demandados pelas ONGs, podemos afirmar, embasados na definição de Oliveira (2004), que são demandadas tanto consultorias ”especializadas” quanto “totais”. No primeiro grupo, estão as atividades relacionadas a capacitações, treinamentos, implantação de ferramentas gerenciais e elaboração de projetos e, no segundo, destacam-se a elaboração de planejamentos estratégicos e atividades posteriores ou resultantes deles. Podemos observar que as consultorias especializadas são mais demandadas pelas ONGs mais estruturadas ou que se estruturam somente em torno de projetos, e as consultorias totais são demandas por ONGs menos profissionalizadas com maior carência para a estruturação administrativa.

Com relação às metodologias de intervenção utilizadas pelos consultores nas ONGs, por unanimidade, foi considerado como inadequada a adoção da consultoria de pacote (OLIVEIRA, 2004; WOOD Jr.; PAES de PAULA, 2004), sendo a consultoria artesanal (OLIVEIRA, 2004), que Wood Jr. e Paes de Paula (1997) chamam de construtivista, considerada como a mais adequada, uma vez que as realidades entre as ONGs e as empresas são diferentes, assim como, entre as próprias ONGs. Desse modo, não existe pacote pronto para se atuar em ONGs, com exceção para as consultorias “especializadas”. É por isso que Chapman (1998) alerta as Organizações Sem Fins Lucrativos, para terem cuidado com receitas prontas trazidas pelos consultores.

No entanto, torna-se necessário que se desenvolvam metodologias por meio das experiências nesse contexto, mas como foi afirmado por Argyris (1970) estas metodologias devem atuar somente como mapa cognitivo das ações do consultor permitindo que este, consciente de seu papel, tenha consciência de suas ações prioritárias nesse sistema.

Assim sendo, essa metodologia serve somente como norte para o consultor, mas é extremamente flexível e adaptável às realidades de cada organização.

Se por um lado as metodologias de intervenção condizem com a proposta da consultoria artesanal (WOOD Jr.; PAES de PAULA, 2004), por outro, certas limitações como a realização das atividades em curto prazo levam os consultores, muitas vezes, a darem conselhos e a dizerem o que deve ser feito pelos integrantes das ONGs. Essa prática inviabiliza o cumprimento das três tarefas primárias propostas por Argyris (1970) por não permitir o cumprimento da segunda – propiciar a escolha livre do sistema-cliente -, o que pode dificultar o desenvolvimento do comprometimento interno dos integrantes com as decisões propostas. Além de não gerar comprometimento, ela pode gerar dependência dos integrantes do sistema-cliente pelo consultor. É para não ter essa dependência que os integrantes das ONGs estudadas por Correia e Vieira (2007) preferem consultores com postura de mediador e não de conselheiro.

Quanto ao envolvimento dos integrantes nas etapas da intervenção do consultor, há uma adequação à proposta de Argyris (1970) de o consultor envolver todos os membros no processo de intervenção, mesmo que o contato inicial seja somente com a diretoria da organização. Na presente pesquisa identificou-se uma tendência de metodologias participativas, tanto na realização do diagnóstico quanto nas etapas posteriores como planejamento, execução e avaliação das atividades. No entanto, nas consultorias especializadas, esse envolvimento das partes interessadas é bem menor.

Além da implantação de pacotes vindos das empresas privadas de forma acrítica (DINIZ, 2000), foi destacado como um segundo erro praticado pelos consultores no processo de consultoria a ONGs o excesso de academicismo. A ocorrência desse erro se configura como uma das críticas citadas por Wood Jr. e Paes de Paula (2004) em que o consultor é acusado de ser arrogante e de utilizar uma linguagem hermética. Como os consultores destacaram a necessidade de evitar aconselhamentos e de elaborar propostas em conjunto com os integrantes das ONGs, o excesso de academicismo pode proporcionar aos consultores

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uma percepção de que são detentores do saber que deve ser “transmitido” para o sistema-cliente, sendo esta premissa considerada como equivocada pelos entrevistados.

Diante dos resultados desta pesquisa de natureza exploratória, fica como propostas para futuras pesquisas:

• Esclarecer de maneira mais aprofun-dada alguns conceitos que ainda não estão amadurecidos e se constituíram como dificuldades para esta pesquisa e que podem se configurar como difi-

culdades para pesquisas futuras, como a distinção entre ONGs, terceiro setor e organizações da sociedade civil; e o que vem a ser eficiência e eficácia nas organizações sem fins lucrativos.

• Analisar as metodologias utilizadas pe-los consultores em cada subconjunto de ONGs (nacionais, internacionais, micro crédito, educacionais, e outras), fazendo as devidas comparações e dis-tinções entre os contextos de cada sub-conjunto.

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Avaliação da Qualidade dos Serviços de uma Instituição de Ensino Superior Utilizando a Aplicação do Modelo

Adaptado de Mensuração dos 5 GAP’sEvaluation of Higher Education Service Quality through the Adapted Measure Model of 5 GAPs

Rodrigo Navarro Xavier1

Resumo

O desenvolvimento de instrumentos de avaliação institucional aptos a reconhecer a percepção dos clientes de instituições de ensino superior é de fundamental importância para a adequada prestação de serviços educacionais. Partindo-se dessa premissa, este artigo apresenta uma adaptação do modelo conceitual de qualidade em serviço ou modelo GAP à avaliação educacional em um curso de Pós-Graduação de uma instituição de ensino superior no município de Guarapuava-Pr. Seus objetivos específicos consistem em discutir sucintamente os modelos de escalas de avaliação da qualidade associados ao ensino de Pós-Graduação, detalhando as potencialidades e as limitações do emprego dessa técnica em reconhecer a percepção de qualidade dos estudantes do curso em estudo. Em seus resultados, o trabalho pôde identificar variáveis bem avaliadas e, também, estruturas, processos e condutas que devem ser aperfeiçoados na oferta dos próximos cursos. Puderam-se reconhecer, ainda, os grupos com julgamentos distintos e os atributos responsáveis pelos dissensos, que servirão de parâmetro para a priorização oportunidades de melhoria.

Palavras-chave: Educação; Qualidade em Serviços; GAP5.

Abstract

The development of institutional assessment tools able to recognize the clients’ perception of higher education institutions is fundamentally important for the adequate provision of educational services. Starting from this premise, this paper presents an adaptation of the conceptual model of service quality, GAP model or educational evaluation in a graduate course of an institution of higher education in Guarapuava, Brazil. Specific objectives consist of discussing, briefly, the models of rating scales associated with the quality of graduate education, detailing the potential and limitations of this technique in recognizing the perceived quality of the students in the course studied. In its results, it was possible to identify well evaluated variables, as well as structure, processes and procedures that must be improved for the provision of forthcoming courses. It was also possible to be recognized, the groups with different trials and the attributes responsible for dissent, which serve as a parameter for prioritizing improvement opportunities.

Key words: Educational; Service Quality; GAP5.

1 Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Brasil.Possui Mestrado Profissionalizante em Gestão Ambiental pela Universidade Positivo - UP, Brasil. Discente do Programa de Pós-Graduação em Processos Biotecnológicos pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 09/06/2010 - Aprovado em 13/11/2010

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Introdução

Nos tempos atuais, o mercado tem exercido forte influência no setor educacional, isto, devido à especialização e à divisão do trabalho dentro das organizações, o que originou o surgimento de necessidades por profissionais mais qualificados para exercer funções mais específicas e de alta especialização.

Segundo Leitão et al. (2007), na última década, a educação superior brasileira sofreu intensas mudanças, especialmente no âmbito de Pós-Graduação. Hoje, a Pós-Graduação é um elo importante na constituição das diversas relações que exercem o desenvolvimento tecnológico e científico do país por meio da interação e parcerias com os sistemas econômico, social e cultural; assim, vem contribuindo para a formação de profissionais e professores para os diversos níveis da economia e educação, prestando serviços comunitários e de desenvolvimento estrutural em todas as regiões do país, criando parcerias interinstitucionais e, até, interagindo com empresas para a transferência de conhecimento em setores estratégicos, como o de tecnologia.

Nesse sentido, a pós-graduação tem sido um esteio indispensável à formação de recursos humanos de alta qualificação e à produção de conhecimentos necessários para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Esse desenvolvimento possibilita ao país a atualização de saberes e a busca sistemática e metódica do conhecimento de ponta (CURY, 2004).

Os cursos de Pós-Graduação e educação superior crescentemente têm sido reconhecidos como uma indústria de Prestação de serviços e, como um setor da economia, deve canalizar seus esforços em identificar as expectativas e as necessidades de seus principais clientes, que são os estudantes (Cheng & Tam, 1997).

Segundo Bandeira et al. (1999), a avaliação da qualidade do ensino superior pode ser utilizada como ferramenta da reforma universitária, fortalecendo um padrão de política educacional e contribuindo para o desenvolvimento das instituições de ensino superior. Desse modo,

uma ferramenta adequada de avaliação do ensino superior deve também estar direcionada à identificação das possíveis falhas daa instituição em perceber as reais necessidades de seus alunos, o que contribui para fortalecer o foco da avaliação, evitando a ênfase em aspectos secundários do processo educacional.

Contudo, o desafio da emancipação humana permanece presente nas políticas educacionais, integrando as visões de “educação para a cidadania” e “educação para a competitividade”, que têm orientado a reforma do ensino em todos os seus níveis.

Tendo esses aspectos como ponto de partida, o artigo pretende apresentar uma aplicação do modelo adaptado de mensuração dos 5 Gap’s à avaliação educacional de um curso de Pós-Graduação. Seu emprego ocorreu junto aos discentes da pós-graduação lato sensu de uma instituição paranaense, cuja estratégia para captação de alunos baseia-se na oferta de cursos de qualidade e que promovam a diferenciação profissional de seus alunos.

A relevância deste trabalho deve-se ao fato de que o aperfeiçoamento de qualquer sistema educacional depende, necessariamente, de avaliações, e estas carecem de modelos adequados e abrangentes que forneçam parâmetros comparáveis, confiáveis e relevantes para a tomada de decisões gerenciais e pedagógicas.

1. O novo contexto do ensino superior

Na década de 1990, a educação passou a ser considerada, sobretudo, promotora de competitividade. O novo contexto mundial, marcado pela globalização e por uma menor intervenção do Estado na economia, estimulou a competição entre países e organizações. No sistema produtivo, um novo padrão a ser seguido de métodos e valores dentro das organizações, associado à indústria eletroeletrônica, caracterizou-se pela maleabilidade, pela conjugação de tarefas e pelo tratamento holístico dos problemas, valorizando o poder da criatividade (SOBRAL, 2000). Nesse contexto, educação e conhecimento associam-se ao desenvolvimento

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científico e tecnológico dentro das organizações, que, por sua vez, conduz à competitividade. Com isso, a formação de recursos humanos tornou-se importante para o ingresso nesta nova era baseada no domínio do conhecimento.

De acordo com Lovelock (1983), o serviço educacional é classificado como um serviço de ações intangíveis, dirigido à mente das pessoas, de entrega contínua, realizado através de uma parceria entre a organização de serviço e seu cliente, e, apesar de proporcionar um alto contato pessoal, é de baixa customização.

A pós-graduação sistemática tem uma origem recente e, como promotora de graus acadêmicos, usufrui de alto grau de flexibilidade organizacional, articulada com possibilidades interdisciplinares. Além disso, o rigoroso processo de reconhecimento de programas imprimiu um ritmo ordenado na expansão da pós-graduação (CURY, 2004).

2. Algumas considerações sobre a qualidade em serviços

O interesse pela otimização da qualidade em serviços aumentou exponencialmente durante a década de 1980. A literatura tem analisado de forma significativa o importante papel da qualidade dos serviços e como as organizações devem se posicionar para alcançá-lo. Segundo Parasuraman et al. (1985), o estudo da qualidade em serviços surgiu com a preocupação em melhorar a qualidade dos produtos, sendo que o fato das empresas de bens de consumo experimentarem ganhos em competitividade, fez com que as empresas de serviços se interessassem pela temática. No entanto, as especificidades dos serviços são bastante diferentes das características dos bens de consumo.

Partindo de uma estrutura que compara expectativas e percepções de desempenho Parasuraman et al. (1985, 1988 e 1991) propuseram uma escala denominada SERVQUAL utilizada para mensurar e avaliar a percepção da qualidade em serviços em geral.

Desde a sua introdução, o SERVQUAL tem sido amplamente estudado e utilizado na

literatura, sendo uma das ferramentas relacionadas à mensuração na qualidade de serviços de maior importância. Pesquisas utilizando o SERVQUAL em sua forma direta ou com pequenas alterações têm sido feitas por inúmeros pesquisadores

Num segundo momento, o modelo SERVIQUAL passou por algumas modificações por meio da redefinição de alguns pontos e da substituição de outros. As dimensões resultantes foram: tangibilidade, confiabilidade, presteza, segurança e empatia (PARASURAMAN et al., 1991). Os autores sustentam que a qualidade em serviços é resultado da percepção dos clientes sobre as cinco dimensões abaixo:

• Tangibilidade: refere-se aos aspectos tangíveis do serviço que podem servir de pistas ou indicadores de sua qualidade como aparência física das instalações, equipamentos, pessoal e material de comunicação;

• Confiabilidade: diz respeito à capacidade da empresa prestadora do serviço em executá-lo conforme contratado, de modo confiável e preciso;

• Presteza: disposição de ajudar os clientes e de fornecer o serviço com prontidão. Relaciona-se também à rapidez de respostas na correção de erros;

• Segurança: refere-se à capacidade dos funcionários da prestadora de serviço em inspirar credibilidade e confiança nos clientes, além de conhecimento e cortesia;

• Empatia: refere-se ao grau em que a prestadora do serviço é capaz de adequar-se para atender as especificidades de cada cliente, ou seja, a atenção individualizada e cuidadosa que as empresas proporcionam aos clientes.

Outro modelo de mensuração da qualidade em serviços amplamente utilizado na literatura é o modelo conceitual de qualidade em serviço ou modelo GAP, que originou-se a partir de estudos realizados por ZEITHAML, PARASURAMAN e BERRY

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(1990) e se propunha a encontrar respostas para as seguintes questões:

• Como exatamente os consumidores avaliam a qualidade de um serviço?

• Os serviços são avaliados pelos consumidores de uma forma global ou parcial?

• Quais as múltiplas facetas das dimensões de um serviço?

• Essas dimensões diferem de acordo com o segmento do serviço?

E neste estudo foram incluídos entrevistas com clientes de quatro setores de serviços: banco de varejo, cartão de crédito, seguros e serviços de manutenção. As questões utilizadas nas entrevistas abordavam quais eram as razões de satisfação ou insatisfação percebida pelos consumidores; descrição de um serviço ideal; o significado da qualidade no serviço prestado; e o desempenho da empresa prestadora em relação às expectativas. Os pontos comuns observados nas entrevistas determinaram que o ponto chave da qualidade de um serviço prestado é atender ou exceder a expectativa do cliente. Em decorrência disso, a qualidade de um serviço pode ser definida como o grau da discrepância entre as expectativas ou desejos dos clientes em relação às suas percepções (PARASURAMAN et al., 1991).

Esses autores alertam para a existência de um afastamento entre as expectativas do cliente antes de receber um serviço e a percepção a respeito desse serviço após ele ter sido prestado. Esse afastamento, denominado de “gap 5”, é o resultado dos outros quatro “gaps”, como pode ser observado na Figura1.

Os demais “gaps” são definidos da seguinte forma:

Gap 1: discrepância entre o que o cliente quer (expectativas) e o que a gerência imagina serem aquelas expectativas.

Gap 2: discrepância entre a percepção por parte do gerente das expectativas do cliente e as especificações do serviço.

Gap 3: discrepância entre a especificação do serviço e o serviço prestado.

Gap 4: discrepância entre o serviço prometido (muito influenciado pelas comunicações externas) e o serviço prestado.

No ano de 1985, os mesmos autores haviam concluído que a qualidade dos serviços poderia ser descrita baseada em dez dimensões da qualidade, porém, posteriormente, no ano de 1988, após tentativas de medir essas dez dimensões, eles revelaram que os clientes só são capazes de distinguir cinco delas.

A partir do modelo da Figura 1 e dessas cinco dimensões da qualidade estabelecidas como principais, foram desenvolvidos questionários para determinação dos “gaps”, os quais se destinam aos clientes externos (gap 5), gerentes (gaps 1 e 2) e clientes internos (gaps 3 e 4)

3. Indicador de impacto

O cálculo de indicadores de satisfação é feito a partir de dados colhidos sobre as importâncias e satisfações dos requisitos do cliente utilizando a metodologia proposta por Kenny e Shike (1994). Esses requisitos, após terem sido definidos como resultados da pesquisa qualitativa foram submetidos a uma avaliação por meio da aplicação do questionário a uma amostra estatisticamente representativa do segmento de clientes. Tal procedimento permite a determinação da Importância e Satisfação Médias Relativas de cada um dos Requisitos do Cliente, assim definidas:

• Importância Média - Quantificação do grau de importância atribuído ao requisito considerado pelo cliente;

• Satisfação Média - Quantificação da percepção do cliente a respeito da maneira como o requisito está sendo atendido.

Uma vez colhidos os dados, são calculadas as médias de importância e satisfação e os resultados são empregados em cálculos que buscam agrupar dados segundo critérios de produtos, serviços, ou dimensões da qualidade. Um exemplo é o da determinação da satisfação do cliente a respeito de uma particular dimensão representado na Equação 1.

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Equação 1.

SDk= , i € k , k = 1,2…

Onde:

Ii = Importância Média do i-ésimo requisito do cliente, da dimensão k da qualidade;

Si = Satisfação Média do i-ésimo requisito do cliente.Kenny e Shike propuseram um Indicador

de Impacto dos requisitos do cliente, o produto da importância média pelo hiato existente entre a importância e satisfação média para cada requisito do cliente representado na Equação 2.

Equação 2.

IIi=Ii(Ii - Si)

Onde:

Ii = Importância Média do i-ésimo requisito do cliente.

Si = Satisfação Média do i-ésimo requisito do cliente.

4. O indicador gap ponderado

Observa-se que o Indicador de Impacto proposto por Kenny e Shike utiliza o hiato existente entre a importância e a satisfação do cliente, mas não leva em consideração a expectativa existente nesse cliente com respeito aos requisitos. A expectativa média pode ser definida como a quantificação da percepção do cliente da intensidade com que ele imagina que o requisito será atendido, ou seja, é uma pré-concepção do serviço, ou seja, a imagem gerada por meio das mais diversas influências sofridas pelo cliente.

Figura 1 - Esquema do Modelo Conceitual de Qualidade em serviços (GAP5)

Fonte: ZEITHAML, PARASURAMAN e BERRY, 1990.

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Verificando-se o modelo para a qualidade nos serviços proposto por Parasuraman (1990), nota-se que o mais importante dos “Gaps” é o de número cinco, o qual retrata exatamente a discrepância existente entre a expectativa e a satisfação do cliente, o que não foi considerado no modelo de Kenny (1994). É natural então que se façam algumas perguntas: Seria a expectativa desprezível ao tratar-se de impacto dos requisitos do cliente? Como poderia ela ser inserida em um modelo que viesse a traduzir melhor o impacto de um determinado requisito?

Acredita-se que a resposta à primeira pergunta seja “não”. Afinal, parece ser razoável afirmar que uma grande expectativa acompanhada de uma baixa satisfação também provoque alto impacto, e ainda, esses dois parâmetros são de mesma natureza e referem-se à “satisfação antes” e “satisfação após”, podendo ser subtraído um do outro. Já a resposta à segunda pergunta requer um pouco mais de cuidado. Assim, após alguns testes que empregaram dados coletados, chegou-se à expressão denominada Gap Ponderado (GP) (Equação 3), a qual permite o emprego do “Gap 5” sem desprezar o peso da importância dos requisitos.

Equação 3:

SP = Ii (Ei-Si) + 18

Onde:

Ii = Importância Média do i-ésimo requisito do cliente.

Ei = Expectativa Média do i-ésimo requisito do cliente.

Si = Satisfação Média do i-ésimo requisito do cliente.

5. Metodologia

Para o desenvolvimento deste trabalho, realizou-se uma pesquisa descritiva de caráter quali-quantitativo com os alunos de pós- graduação do curso de MBA Executivo em Administração de uma faculdade do município de Guarapuava - Pr. O universo pesquisado foi o conjunto de alunos da 3ª e 4ª edição do curso, somando assim um número de 39 pesquisados. A taxa de retorno foi

de 83%, representados pelos questionários válidos retornados.

Optou-se pela realização do censo em vez de uma amostragem significativa, atendendo o que observa MATTAR (1996) de que se realizam censos ao invés de amostras quando a população for pequena ou quando houver facilidade em obter dados sobre a população

A coleta de dados foi realizada ao final de oito módulos do programa do curso, obtida diretamente junto aos pesquisados. Os questionários foram baseados no modelo dos 5 Gap’s adaptado ao serviço educacional, sendo composto por 17 questões sobre as quais os alunos opinaram dentro de uma escala de concordância do tipo Diferencial Semântica de cinco pontos. As sentenças foram divididas em três blocos de perguntas relativas às generalidades do curso, dos módulos e dos docentes relatando suas expectativas e percepções sobre cada item. Neste estudo, considera-se o bloco das variáveis de percepção do desempenho como o conjunto de variáveis independentes diferenciada pelos seus graus de importância.

Para mensurar a discrepância entre a expectativa dos clientes e a satisfação percebida utilizou-se a metodologia do indicador GAP ponderado proposta por Parasuraman (1990).

Como o desejo era o de se traduzir o afastamento do atendimento dos requisitos do cliente sem que a expressão assumisse valores negativos, foi necessária a soma do valor 17 (relativo ao número de questões). Assim, no caso do emprego de uma escala de 1 a 5 (Likert,1932), a expressão não assumiria valores negativos, pois mesmo que a diferença entre as médias de expectativa e importância assumisse seu valor mínimo (-4), o GP seria igual a zero.

Buscou-se assim, desenvolver uma expressão que melhor representasse a oportunidade de melhoria apresentada por alguns requisitos, fazendo uso do “GAP 5” na forma como foi concebido por Parasuraman, como um meio de fácil identificação do grau de afastamento do atendimento a cada um dos requisitos do cliente.

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6. Resultados e discussão

Para o desenvolvimento deste trabalho, realizou-se uma pesquisa descritiva de caráter quali-quantitativo, cujos dados receberam um tratamento estatístico para análise dos resultados.

A figura 2 mostra as médias de Importância, Expectativa e Satisfação para os dezessete requisitos que compõem as dimensões de qualidade do serviço prestado, onde se pode notar a diferença entre alguns dos perfis apresentados por diferentes requisitos. Levando-se em conta os três parâmetros (Importância, Expectativa e Satisfação) ao mesmo tempo, torna-se possível inferir quais os requisitos do cliente estão sendo os maiores responsáveis pela sua insatisfação e fornecendo uma maior oportunidade de melhoria ao serviço.

É comum a afirmação de que a satisfação do cliente ocorre quando suas expectativas são superadas, porém, o GP (Gap Ponderado) não leva em consideração apenas essa discrepância entre expectativa e satisfação. No cálculo do Índice de Gap Ponderado é inserida a multiplicação pela importância média do requisito, o que requer maior cuidado com as afirmações a serem feitas. Assim, alguns perfis representados na Figura acima serão

comentados, tarefa esta, facilitada pela verificação das duas últimas colunas da Tabela 1.

Após o cálculo do Gap Ponderado, pode-se observar que os requisitos “Conteúdo das Aulas” e “Aplicabilidade” destacam-se como possuidores dos maiores valores de Gap Ponderado (21,9606 e 20,8326 respectivamente), aparecendo em primeiro e segundo lugares na ordem dos requisitos (última coluna da tabela), pois , tanto a importância como o Gap ponderado são elevados. São os requisitos que merecem a maior atenção, ou o que apresentam as maiores oportunidades de melhoria.

Os requisitos “Coffe-Break” e “Suporte On-line” são os que apresentam os menores índices de Gap Ponderado, pois, além de possuir uma baixa importância para o cliente, estão sendo prestados

além das suas expectativas, logo merecem menor atenção.

O requisito “Infraestrutura”, apesar de possuir importância mediana e uma expectativa inferior à maioria dos outros requisitos, o valor da satisfação do cliente atribuído a esse requisito encontra-se próximo ao valor da expectativa, o que faz com que esse requisito também tenha um valor baixo de Gap Ponderado, merecendo dessa forma pouca atenção.

FIGURA 2.

*Gráfico das médias de Importância, Expectativa e Satisfação para os dezessete requisitos que compõem as dimensões de qualidade do serviço prestado no curso de pós-graduação.

136

7. Considerações finais

Neste artigo, buscou-se investigar o emprego o do modelo conceitual de qualidade em serviço ou modelo GAP na avaliação da Qualidade dos Serviços prestados por um curso de pós-graduação de uma instituição de ensino no município de Guarapuava-Pr, segundo o ponto de vista de uma amostra de clientes (alunos).

Através do experimento foi possível extrair informações relevantes em análises dessa natureza, tais como: a expectativa dos usuários quanto ao serviço prestado pelo curso à luz das Dimensões e itens da Qualidade; o desempenho do serviço prestado pela instituição, avaliada segundo a percepção de uma amostra de usuários; além de obter os Gaps provenientes da diferença entre as percepções e expectativas dos usuários,

O curso de pós-graduação analisado, apesar de apresentar posição de destaque e sinônimo de qualidade na cidade Guarapuava-Pr, ainda precisa, de acordo com o seu corpo discente (usuários), melhorar em alguns aspectos considerados importantes e fundamentais ao avaliar o seu desempenho nos serviços educacionais promovidos.

Ouvir o cliente não é um fim, é um meio para melhorar os serviços e pode fornecer informações de valor inestimável e imprescindível para tomada de decisões futuras, que em alguns casos julga-se, erradamente, serem conhecidas.

A avaliação contínua da qualidade é uma ferramenta fundamental não só para mensurar o serviço como um todo, mas também traz outros benefícios a organização prestadora de serviços, tais como: capturar idéias para a inovação, cultivar e consolidar a predisposição à participação por parte dos funcionários para seguirem as metas propostas pela direção e criar uma visão mais clara tendo melhores informações para a tomada de decisões.

Apesar da elevada contribuição que uma análise dessa natureza pode oferecer ao prestador do serviço, é importante ressaltar que os resultados apresentados retratam apenas a avaliação da qualidade dos serviços prestados pelo curso em um período específico, segundo o ponto de vista de uma amostra de clientes (alunos).

Nesse sentido, uma análise mais conclusiva pode ser obtida a partir da continuidade das avaliações, realizadas periodicamente. Além disso, seria importante “ouvir a voz” dos clientes internos (funcionários) da instituição.

Portanto, o estabelecimento de instrumentos de avaliação da qualidade mostra-se indispensável para qualquer instituição de ensino comprometida com a melhoria de processos e com a satisfação do aluno, ou seja, seu consumidor. Entretanto, muitas instituições não possuem métodos formais, legítimos e validados para identificar a percepção discente sobre os serviços prestados.

Tabela 1 - tabela representativa da mensuração da discrepância existente entre a expectativa e a satisfação para os requisitos verificados

Requesitos Expectativa Satisfação Importante Importância - Satisfação

Expectativa - Satisfação

GAP Ponde-rado

Ordem do Va-lor do GAP

Material de Apoio 4,956521739 4,956521739 3 -0,685548293 1,270973446 20,81292030 3Suporte On-Line 4,869565217 3,75136689 1 -2,751366893 1,118198324 18,11819832 16

Recursos Audio-Visuais 4,869565217 4,869565217 3 -1,102719798 0,766845419 19,30053626 10Infra-Estrutura 4,681818182 4,00560897 3 -1,005608974 0,676209208 19,02862762 12

Conhecimento (Docentes) 4,913043478 4,31440666 5 0,685593344 0,598636822 19,99318411 7Atendimento 4,681818182 4,29299318 3 -1,292993183 0,388824999 18,166475 15Coffe-Break 4,608695655 4,49878363 1 -3,498783633 0,109912023 17,10991202 17

Despertar do Interesse 4,869565217 3,93340595 4 0,066594045 0,936159262 20,74463705 4Aplicabilidade 4,913043478 3,9548953 4 0,045107466 0,958150944 20,83260378 2

Conteúdo das Aulas 4,956521739 3,96440909 5 1,035590911 0,99211265 21,96056325 1Adequação ao Prog. 4,859565217 4,23218022 5 0,767819783 0,637385 20,186925 6

Carga Horária 4,869565217 4,18291734 4 -0,182917336 0,686647881 19,74659153 8Organização 5 4,20424403 3 -1,204244032 0,795755968 19,3872679 9

Didática 5 4,29019088 5 0,709809123 0,709809123 20,54904561 5Relacionamento 5 4,43971845 3 -1,439718451 0,560281549 18,68084465 13

Cump. de Horário 5 4,69329589 4 -0,693295886 0,306704114 18,22681646 14Domínio do Conteúdo 5 4,55618401 5 0,443815988 0,443815988 19,21907994 11

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BRT-ADM/I – Banco de Recursos Tecnológicos: apoio ao ensino, pesquisa e extensão

BRT-ADM/I – Bank of Technological Resources: supporting education, research and extension

Carlos César Garcia Freitas1

Resumo

A presente pesquisa teve a finalidade de identificar recursos tecnológicos que pudessem servir de apoio a atividade acadêmica no âmbito da pesquisa, ensino e extensão. Para tanto, foi utilizado como procedimentos metodológicos um estudo exploratório de caráter descritivo, dividido em duas etapas distintas, sendo estas: a) identificação e análise de alternativas de espaço, para alocação dos recursos tecnológicos e sua divulgação; e b) levantamento, catalogação e disponibilização de diversos recursos disponíveis que pudessem ser livremente utilizados no âmbito da instituição de ensino. Como principal resultado da pesquisa, obteve-se a criação de um sistema de informação, de caráter universal, acessível, oficial, flexível, atualizável e tecnológico, em formato página da WEB, hospedada junto ao portal corporativo da UNICENTRO, acessado por meio do link http://www.unicentro.br/graduacao/deadm/bancoderecursos/, no qual estão disponíveis tecnologias de apoio à atividade acadêmica, entre elas: softwares, links, documentos e procedimentos.

Palavras-chave: Recursos Tecnológicos; Sistemas de Informação; Ensino, Pesquisa e Extensão.

Abstract

The present researches, it had the purpose of identifying technological resources that could serve as support the academic activity in the ambit of the research, education and extension. For so much it was used as methodological procedures an exploratory study of descriptive character, divided in two different stages, being these: the) identification and analysis of space alternatives for allocation of the technological resources and popularization of the same ones; and b) rising, cataloguing and disposition of several available resources that could be used freely in the ambit of the teaching institution. As principal result of the research, was obtained the creation of a system of information, of character universal, accessible, official, flexible, update and technological, in format page of the WEB, accommodated the corporate portal of UNICENTRO close to, accessed through the link http://www.unicentro.br/graduacao/deadm/bancoderecursos /, in which are available support technologies the academic activity, among these: softwares, links, documents and procedures.

Key words: Technological Resources; Systems of Information; Teaching, Researches, Extension.

1. Introdução

Em uma era em que o conhecimento se torna a maior vantagem competitiva a ser conquistada pelas empresas e o capital intelectual torna-se um dos principais ativos das organizações, é de se esperar que os olhares se voltem para a gestão do conhecimento e para desenvolvimento de organizações de

1 Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, Brasil. Possui graduação em Administração de Empresas e mestrado em Administração pela Universidade Estadual de Londrina - UEL, Brasil. Discente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil, nível doutorado. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 10/08/2010 - Aprovado em 26/11/2010

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aprendizagem, ou seja, instituições que saibam conduzir seus integrantes a “aprender a aprender”, oferecendo-lhes oportunidades para o seu desenvolvimento contínuo.

Por outro lado, estudos indicam que muitos conceitos modernos da gestão das empresas não podem ser facilmente comunicados através dos métodos e técnicas tradicionais de ensino, o que acaba resultando em um gap entre a formação teórica e a prática do administrador, tão almejada pelo mercado de trabalho (CARVALHO et al., 1995; ANDRADE et al., 1999; ANDRADE et al., 2004).

Muitos desses conceitos advêm do crescente e complexo processo de globalização econômica e social vivenciados nas últimas décadas, em que as fronteiras geográficas deixaram de representar uma limitação para os relacionamentos interorganizacionais. Como consequência, houve o surgimento de interações dinâmicas, advindas do crescimento quantitativo e qualitativo de variáveis ambientais, tanto internas como externas as organizações, cujo impacto pode ser comparado às mudanças provocadas pela Revolução Industrial. Tais mudanças denominadas Revolução Tecnológica e do Conhecimento têm provocado profundas modificações nas organizações, principalmente no processo de sua gestão.

Diante deste contexto, surge uma demanda por profissionais que administrem a complexidade (LÊ BOTERF, 2003). Profissionais que sejam formados não apenas com foco na habilidade (técnica) ou no conhecimento, que já não são mais considerados suficientes para o exercício frente à complexidade. Tais demandas exigem dos atuais gestores a atitude da pró-atividade frente aos problemas e desafios do mundo empresarial. É preciso que os profissionais da sociedade moderna possuam competência para o propósito, que, segundo Brandão e Guimarães (2002), Lê Boterf (2003), Antonello (2005) e tantos outros, de conceituarem-na como o ato de agir pelo domínio de três dimensões: conhecimento, habilidade e atitude.

Somado ao crescente avanço da complexidade das relações interorganizacionais, as empresas ainda se deparam com o crescente aumento da

concorrência, fruto do avanço do modelo capitalista e da integração dos mercados regionais, nacionais e internacionais, que expõem as suas fraquezas, frente ao desafio de se manterem competitivas. Tais fraquezas dizem respeito à capacidade de criação, diversificação e inovação de seus produtos e serviços, como meio de atender a consumidores cada vez mais exigentes e informados sobre as diversas opções disponíveis.

Capacidade esta, que se apresenta como um desafio para o acadêmico de Administração, requerendo esforços para a compreensão dos conceitos teóricos, de uma realidade complexa que, conforme destacado anteriormente, não pode ser facilmente ensinada através de métodos e técnicas de ensino tradicional (transmissão por via única do conhecimento).

Diante disso, o papel das instituições de ensino, entre outros, torna-se de suma importância como incentivadora de profissionais competentes para o exercício da gestão, ensejando, dessa maneira, um postura metodológica de ensino que supra as demandas de instrumentos pedagógicos que sirvam de meio à capacitação desses novos profissionais, de forma a encontrar respostas para as dificuldades de ensino-aprendizagem enfrentadas por professores na formação de seus alunos, por meio do ensino, da extensão e da pesquisa.

Em resposta a essa demanda, foi desenvolvida uma pesquisa com o intuito de identificar recursos tecnológicos que apoiem as atividades de ensino, pesquisa e extensão do Curso de Administração, voltados à formação de futuros profissionais da complexidade, embasados pelos pressupostos de confrontação experimental do contexto cultural do ambiente profissional, e da promoção do ensino deslinearizado.

Resultado do esforço empreendido, houve a identificação de recursos tecnológicos norteados pelos princípios de aplicabilidade contextual, potencial de complementariedade e legalidade de utilização; vinculados à promoção de atitudes estimuladoras ao processo de ensino-aprendizagem. Ainda destaca-se a concepção de um “espaço” democrático informacional de tecnologias, direcionado a captar

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e institucionalizar novos conhecimentos, visando à gestão do conhecimento, como arcabouço para a aprendizagem organizacional.

2. Fundamentação Teórica

2.1 O Ensino na Educação Superior

A crescente intensidade das relações internacionais e nacionais, que caracteriza o processo de globalização, tem provocado modificações significativas no modo de vida das pessoas, assim como das organizações, em especial no sistema educacional que busca preparar os indivíduos para o exercício da cidadania e para a atuação profissional.

Apesar de todo o sistema educacional receber uma forte carga de responsabilidade frente às necessidades de equalização do status quo, diante das pressões de atualização e modernização, o ensino superior sofre maior pressão por ter que absorver criticamente tamanha carga de conteúdos e conhecimentos e possibilitar meios adequados de absorção desses aos seus indivíduos formativos. Essa responsabilidade enseja-se pela própria função dos cursos superiores em formar e diplomar pessoas nas diferentes áreas do conhecimento, tornando-as aptas para a inserção em setores profissionais e para participação no desenvolvimento da sociedade brasileira (MEC, 2003; MEC, 2005).

Ao curso superior é muitas vezes denominado como a “última fronteira”, após o que o indivíduo deveria estar apto a exercer de modo crítico sua profissão, participando integralmente, não apenas na manutenção, mas também no desenvolvimento da sociedade brasileira. Tal responsabilidade advém do fato deste ser “portador” de habilidades e conhecimentos promovedores e ampliadores de sua própria atuação profissional, o que se subentende estar preparado a conhecer, a compreender e a promover novos conhecimentos à cerca do homem e do meio em que vive. Para isso é preciso que o sistema esteja ajustado em seu processo de formar e capacitar as pessoas frente aos desafios atuais, como destaca Veiga (2000, p. 186):

A falta de clareza acerca do projeto-pedagógico reduz qualquer curso a uma grade curricular fragmentada, uma vez que até mesmo as ementas a as bibliográ-ficas perdem a razão de ser. Assim, o que dá clare-za ao projeto-pedagógico é sua intencionalidade... o projeto pedagógico como instrumento de ação política deve estar sintonizado com uma nova visão de mundo, expressa no paradigma emergente de ciência e edu-cação, a fim de garantir uma formação global e críti-ca para os envolvidos neste processo, como forma de capacitá-los para o exercício da cidadania, formação profissional e pleno desenvolvimento pessoal.

Nesse contexto, as universidades e demais instituições de ensino superior “representam um segmento importante no contexto econômico e social e têm uma parcela de responsabilidade pelos profissionais que colocam no mercado de trabalho” (HANASHIRO; NASSIF, 2006, p. 45). Tal responsabilidade justifica o constante questionamento sobre a necessidade de atualização das instituições de ensino na busca de um constante ajustamento tanto do processo como dos mecanismos utilizados para a formação dos profissionais, de modo que possam não somente estar preparados para atuar frente às mudanças, como estar à frente das mesmas.

2.2 O Processo de Ensino-Aprendizagem e a Formação do Administrador

De acordo com Mintzberg (1979), há várias pedagogias disponíveis para pedagogos empresariais. Segundo o autor, a academia influenciará a prática de administração, quando for capaz de “ensinar um jogo” de habilidades associadas com o trabalho de administrar.

Para Mintzberg (1979), da mesma maneira que o estudante de medicina tem que aprender a realizar um diagnóstico e o estudante de engenharia tem que aprender design, o estudante de administração precisa aprender negociação, liderança e outras habilidades administrativas.

O autor segue, afirmando que aprender é muito efetivo quando o estudante, na verdade, executa suas habilidades dentro de um ambiente realístico, desse modo, o estudante deve ser imerso no ambiente, de modo que ele possa praticar a habilidade (MINTZBERG, 1979).

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Ainda com relação à aprendizagem, Abreu e Masseto (1996) classificam a aprendizagem em três categorias: cognitiva ou de conhecimento, de valores e atitudes e de habilidades, indicando que o professor lida o tempo todo não só com o que o aluno aprende cognitivamente, mas também com atitudes e habilidades.

Além desses aspectos, deve-se lembrar que um ambiente de aprendizagem, como qualquer outro, deve reconhecer a importância do papel da cultura e do contexto na construção do conhecimento. De acordo com Moraes (2000), o responsável pelo processo de aprendizagem deve “compreender que a construção de conceitos ou o desenvolvimento de quaisquer outras habilidades intelectuais são diretamente relacionados com a riqueza ou pobreza de materiais existentes na cultura e no contexto, e que são dependentes de certos tipos de modelo fornecidos e reforçados pela cultura”.

Dessa forma, Moraes (2000, p. 223) destaca que,

Os novos ambientes e métodos de aprendizagem po-dem colaborar para o desenvolvimento de pensado-res autônomos, de cooperação, de diálogo, median-te o desenvolvimento de operações de reciprocidade, complementaridade e correspondência, o que pode ser incentivado com vivencias de trabalhos em grupo na busca de soluções para problemas propostos, que reconheçam a importância da experiência e do saber de cada membro do grupo na construção do saber coletivo.

Continuando suas reflexões, Moraes (2000) afirma que, ao criar ambientes de aprendizagem que facilitem a vivência dos processos intuitivos e criativos, que permitam o re-ligare do individuo com o universo, é que proporcionará mais autoconfiança, mais capacidade de enfrentar problemas, mais condições de preservar a integridade e o equilíbrio psico-emocional: “é essa capacidade de reflexão que leva o indivíduo a aprender a conhecer, a aprender a pensar, a aprender a aprender, a aprender a fazer, a aprender a conviver [...] para que possa aprender e estar em condições de agir com consciência, autonomia e responsabilidade” (MORAES, 2000, p. 224).

Diante disso, trazer para o ambiente de aprendizado recursos tecnológicos que levem os alunos a aprimorarem seus conhecimentos, suas habilidades e atitudes, mediante a confrontação experimental do contexto cultural de seu futuro profissional, contribuir-se-á para o re-ligare destes com o universo da administração (campo profissional), de modo a desenvolver pensadores autônomos, que ajam com consciência, autonomia e responsabilidade, frente às demandas de seu dia-a-dia.

2.3 Aprendizagem Organizacional e Com-petências – O novo Contexto das Organi-zações

Possibilitar ao indivíduo aprender de modo a agir conscientemente, com autonomia e responsabilidade é um grande desafio que se apresenta ao papel do professor, que deve buscar, conforme destacado por Abreu e Masseto (1996), desenvolver uma aprendizagem significativa por meio das três categorias de aprendizagem: cognitiva ou de conhecimento, habilidade e atitude.

O desafio da aprendizagem significativa não se restringe apenas ao meio acadêmico, mas também se aplica às organizações, dentro do processo de desenvolvimento de seus elementos. Tal aplicação se dá pela necessidade dessas frente às demandas das constantes pressões de seu ambiente externo, em virtude da ação dos concorrentes, exigências dos consumidores, interferências internacionais, políticas governamentais e ambientais.

“Em um ambiente cada vez mais complexo, demandante e instável, a competitividade organizacional passa a ser determinada pela agilidade que uma empresa tem de mobilizar esforços e adaptar-se internamente para atender às demandas de clientes cada vez mais exigentes” (DUTRA, 2001, p. 72).

Essas pressões cada vez mais fortes e frequentes geram uma constante demanda por adaptação, inovação e criação dentro da organização. A ênfase diante de tal contexto está na busca pela competitividade, ou seja, manter-se em condição de competir em seu mercado.

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“No contexto de constantes transformações em busca de maior competitividade, a aprendizagem organizacional surge como uma alternativa de resposta a essas alterações”, assim destaca Bitencourt (2005, p. 15), o papel da aprendizagem para as organizações que deve servir como instrumento de “desenvolver a capacidade de aprender continuamente, tomando por base suas experiências e traduzindo esses conhecimentos em práticas que contribuam para seu melhor desempenho” (BITENCOURT, 2005, p. 15).

Corroborando a definição acima, Antonello (2005, p. 27) a partir de uma revisão crítica acerca dos mais diversos enfoques (socialização, processo-sistema, cultura, gerenciamento do conhecimento, melhoria contínua, inovação) sobre a aprendizagem organizacional a conceitua da seguinte forma:

A aprendizagem organizacional é um processo contí-nuo de apropriação e geração de novos conhecimen-tos nos níveis individual, grupal e organizacional, en-volvendo todas as formas de aprendizagem – formais e informais – no contexto organizacional, alicerçando em dinâmica de reflexão e ação sobre as situações--problema e voltado para o desenvolvimento de com-petências gerenciais.

Pela definição dada por Bitencourt (2005), é possível ressaltar a aprendizagem como o meio de gerar uma ação por meio de um conhecimento, e ligando-a com a definição dada por Antonello (2005), tal ação pode ser entendida como consequência do atributo competência do indivíduo, ou seja, competência para realizar a ação, concluindo-se dessa forma que o papel da aprendizagem organizacional é o de propiciar às pessoas a necessária competência para o desenvolvimento de seu papel.

2.4 A Hipertextualidade e os Novos Recur-sos Tecnológicos na Educação

Houaiss (2001, p. 1536) apresenta como definição para hipertexto uma “apresentação de informações escritas, organizadas de tal maneira que o leitor tem liberdade de escolher vários caminhos, a partir de seqüências associativas

possíveis entre blocos vinculados por remissões, sem estar preso a um encadeamento linear único”, ou seja, uma forma de apresentação de um conteúdo de forma não contínua, mas cambiável em suas partes, através de vínculos ou nós ligados por conexões, as quais o leitor pode acessar de forma autônoma o conteúdo, montando a si próprio o conhecimento de acordo com o tempo desejado.

Cabe destacar que tal recurso não é novidade no meio acadêmico, podendo ser encontrado nos textos em forma de referências, citações, notas de rodapé, sumário e índices remissivos. O que existe de novo é a evolução da tecnologia pelos recursos computacionais que trouxeram uma verdadeira revolução ao hipertexto, proporcionando uma maior aplicação desse ao ensino.

Sobre esse aspecto, Valente (2006, p. 1) destaca que os computadores podem “enriquecer ambientes de aprendizagem onde o aluno, interagindo com os objetos desse ambiente, tem chance de construir o seu conhecimento [...]. O aluno não é mais instruído, ensinado, mas é o construtor do seu próprio conhecimento.”

A liberdade de escolher caminhos e interagir de forma “autônoma” ao conhecimento caracteriza a ação hipertextual e representa não só mais um método de ensino, mas um encontro à realidade da sociedade moderna, ao que se pode destacar Silva (2002, p. 25):

Há uma cultura da interatividade historicamente emer-gente. Pode-se dizer que a cena interativa, tomada genericamente como interação da emissão e recep-ção, é tão antiga quanto as primeiras manifestações comunicacionais entre seres humanos. No entanto, em nosso tempo, é explícita a pregnância tanto do termo interatividade quanto de práticas comunicacionais di-tas interativas. No campo das novas tecnologias da informação da infotecnologia, tal pregnância parece ter chegado ao paroxismo, a ponto de o termo passar a ser visto como originário do funcionamento “amigá-vel” e “conversacional” do computador. Também no campo mercadológico, precisamente a partir da Inter-net, a perspectiva tomada necessariamente como um mais comunicacional, torna-se explícita reescrevendo o ambiente comunicacional que envolve a comunida-de de negócios.

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Tal contexto explicitado por Silva (2002) representa bem o “status quo societal”, configurado por uma emergente cultura de interatividade, que envolve não somente o campo das novas tecnologias de informação, mas o setor mercadológico, assim como, a própria configuração social. No meio de toda essa transformação interativa, de informações e conhecimentos que se formam e informam de modo livre através dos novos canais de comunicação (midias interativas), os indivíduos passam a criar um modo de ver, interpretar e interagir com seu mundo e trazem consigo aos bancos acadêmicos essa herança comportamental contrastando com as metodologias tradicionais de formação linear do conhecimento, gerando hiatos educacionais, pelo distanciamento do setor educacional em relação à prática comunicacional derivada da interatividade.

Alencastro et al (2003, p. 57) destacam que “a grande diferença entre a cultura da escrita linear e a linguagem hipertextual reside na deslinearização da comunicação, em que a linguagem é construída de forma estritamente linear”, ou seja, uma linguagem não contínua, que procede por diversas direções, gerando um exercício do leitor e consequentemente um ensino mais interativo e envolvente. Alencastro et al (2003) destacam a importância dos “novos meios, tais como redes de computadores, linguagens de consulta a banco de dados, comunicação móvel e outros, ao operarem em suporte digital, tornam possível saltar de um pensamento ao outro estabelecer conexões por associação, movimentar-se num texto tal como em uma rede multidimensional e com isto, aproximar tempos distintos”.

Desenvolver a deslinearização da comunicação apresenta-se como desafio à educação, na sua função de fomento da sociedade; é buscar nivelar a escola com o espírito de sua época, é poder como destacado por Abreu e Masseto (1996), possibilitar ao aluno uma aprendizagem significativa, ou seja, relacionar o ato de aprender com as suas experiências e vivências, é encontrar no aluno o seu próprio caminho de aprender.

Diante disso Silva (2002, p. 70) destaca que “o professor está diante do desafio que se constitui em conhecer e adotar a metodologia comunicacional interativa e ao mesmo tempo não invalidar o paradigma clássico que predomina na escola”, ou seja, não anular o que existe numa ação de troca, mas sim, complementar, numa ação de soma. “O professor então se dará conta de que tal modificação significa a emergência de um novo leitor [...] Não mais que se submete às récitas da emissão, mas aquele que, não se identificando apenas como receptor, interfere, manipula, modifica e assim reinventa a mensagem” (SILVA, 2002, p. 71).

No esforço de somar ao velho o novo, de responder às demandas da sociedade pelo processo de interatividade e incorporar a hipertextualidade ao processo educacional, apresenta-se diversos recursos tecnológicos, como: jogos de empresa, simuladores, plataformas, sites de comunicação, softwares educativos e profissionais e diversas outras ferramentas; como metodologias adequadas de auxílio ao processo de ensino-aprendizagem, seja pelo desenvolvimento específico do ensino, como pela pesquisa e extensão, para contribuir na superação das deficiências na formação dos futuros administradores.

3. Análise e Descrição dos Dados

A pesquisa foi realizada em duas etapas distintas, de modo a atender ao seu objetivo o de identificar recursos tecnológicos de apoio ao ensino, pesquisa e extensão do Curso de Administração da UNICENTRO: a) etapa inicial, de estudo exploratório, que consistiu na identificação e análise de alternativas de espaço para alocação dos recursos tecnológicos e sua divulgação; e b) etapa final, de estudo exploratório, que consistiu no levantamento de diversos recursos disponíveis que pudessem ser utilizados dentro do âmbito da instituição de ensino.

Para o desenvolvimento da etapa inicial, foram delineados alguns pressupostos básicos sobre o espaço de alocação dos recursos, que, propriamente dito, consisti num sistema de

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informações, que doravante será denominado BRT-ADM/I (Banco de Recursos Tecnológicos do curso de Administração)..

• O BRT-ADM/I foi concebido como uma “porta de acesso” a diversos mecanismos sejam eles softwares, documentos, informações, links, instruções e recursos, de modo em geral, que possam servir de auxílio ao docente, no intuito de aperfeiçoar o processo de ensino. Desse modo, os recursos disponíveis no BRT-ADM/I servem como ferramentas para aprimoramento das atividades docentes, assim como, instrumentos de auxílio aos discentes dentro do seu processo de formação;

• O BRT-ADM/I não foi criado com o intuito de servir de um repositório de materiais de aula ou mesmo materiais particulares de docentes e discentes, mas sim de um local que pudesse armazenar conhecimentos tecnológicos aplicáveis nas atividades destinadas ao ensino, pesquisa e extensão do curso de administração;

• Os mecanismos dispostos no BRT-ADM/I são dedicados tanto ao processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos vistos em sala, como de sua própria aplicação, quando cabível, em situações profissionais ou particulares. Exemplo disso, um software estatístico disponibilizado, pode ser tanto utilizado pelo docente em sala de aula para elucidação de um conceito, como pode ser utilizado pelos discentes, para realizar uma análise apurada de uma pesquisa;

• Outro pressuposto básico envolvido no BRT-ADM/I é que este sirva como mecanismo de captação e divulgação de conhecimento. O professor, sendo um estudioso e pesquisador de sua área, acaba se deparando com novos conhecimentos, quando, não raras vezes acaba ele mesmo criando. Por sua vez, esse rico conhecimento fica estanque no

professor ou em sua prática do dia a dia, “inacessível” aos demais docentes ou discentes que ora ou futuramente possam necessitar deste.

O BRT-ADM/I foi concebido como um “espaço” democrático no qual os professores possam arquivar publicamente o conhecimento, permitindo que este seja socializado, promovendo a sua institucionalização. Nesse intuito o BRT-ADM/I está direcionado à gestão do conhecimento, por permitir a instituição gerir conhecimentos e potencializar o processo de aprendizagem tanto dos docentes como discentes; o foco está em prover um mecanismo de aprendizagem organizacional.

Destaca-se como elemento importantíssimo a democratização do espaço, uma vez que a participação, como contribuinte, ou usuário do BRT-ADM/I é livre, ficando a critério de cada docente a disponibilização ou não de seus conhecimentos. Enfatiza-se, porém o exercício de cooperação entre profissionais e estudantes, que ora estará ajudando, e ora sendo ajudado, e, que além do mais, contribuirá para uma melhor formação de futuros profissionais.

Outra contribuição importante está na divulgação; o conhecimento em sua grande maioria está vinculado a uma aplicação, e estando ele à disposição pública dos demais professores e estudantes, na hora conveniente, é possível utilizá-lo e reutilizá-lo.

Exposto os pressupostos básicos e benefícios da utilização do BRT-ADM/I, esclarece-se que a escolha desse espaço foi norteada pela preocupação de optar por um meio com as seguintes características: universal, acessível, oficial, flexível, atualizável e tecnológico.

O caráter universal do BRT-ADM/I está na condição de atender a todos os públicos da academia, sendo docentes, discentes e demais interessados, uma vez que os recursos disponíveis podem ser utilizados tanto em sala de aula como fora dela, em ambientes profissionais ou não.

O caráter acessível está na condição de que BRT-ADM/I possa ser acessado em qualquer

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ambiente, desde que o usuário interessado tenha acesso a uma conexão de Internet, uma vez que este está disponibilizado no ambiente WEB.

O caráter oficial do BRT-ADM/I está em sua vinculação com a Instituição de Ensino UNCIENTRO, mais especificamente com o Curso de Administração do campus Irati, disponibilizado por meio do portal da universidade.

O caráter atualizável do BRT-ADM/I está na ampla possibilidade da inclusão de novos recursos, o que permite uma constante atualização do conhecimento, de modo a atender às demandas que possam surgir, assim como o aperfeiçoamento deste.

O caráter flexível do BRT-ADM/I encontra-se na condição de atender as três áreas de atuação da universidade, pesquisa, ensino e extensão, assim como, seus desdobramentos. Tal característica vai ao encontro de um antigo ensejo de uma maior aproximação e integração entre elas O caráter tecnológico do BRT-ADM/I consiste na utilização da mais moderna plataforma em Tecnologia da Informação disponível no momento que é o ambiente WEB, que possibilita a democratização do conhecimento.

Tomando os esclarecimentos destacados, foi identificado três alternativas possíveis, sendo estas página WEB pessoal, sistema moodle e página WEB corporativa. A análise, realizada em conjunto com um especialista da área de Tecnologia da Informação, apontou os seguintes aspectos que nortearam a decisão:

• A página WEB pessoal, implicaria uma apropriação particular do conhecimento, o que feriria o princípio da socialização e da democratização do conhecimento, além de ser um mecanismo de custo elevado, e que não permitiria a alocação de recursos públicos para sua manutenção;

• O sistema moodle por sua vez, apesar de ser uma ferramenta direcionado ao e-learning, apresentava restrições quanto ao limite de espaço destinado dentro da Instituição, e quanto à exposição do conhecimento uma vez que seu acesso está vinculado a formalidades de cadastramento de acesso, o que não permitiria uma exposição direta dos recursos tecnológicos.

• Em última análise, a página WEB corporativa foi a alternativa considerada mais adequada, permitindo a apropriação coletiva do conhecimento, possibilitando a socialização deste, em um ambiente já financiado pela própria instituição, com amplo espaço para alocação dos recursos, assim como exposição destes.

A partir das considerações expostas optou-se pela criação do BRT-ADM/I no formato página da WEB, hospedada junto ao portal corporativo da UNICENTRO, acessado por meio do link http://www.unicentro.br/graduacao/deadm/bancoderecursos/, tendo sua apresentação visual definida, conforme figura 2.

Figura 1 – características básicas do BRT-ADM/I

Flexível

Tecnológico

Atualizável

Oficial

Acessivel

Universal

BRT-ADM/I

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Uma vez definido o formato do BRT-ADM/I, deu-se a etapa de levantamento de recursos, catalogação e alocação, conforme as peculiaridades de cada área e seus desdobramentos. A análise de cada recurso levou em conta o potencial deste, o de permitir aos usuários, condições de experimentar o contexto cultural de seu futuro profissional, ou seja, tornar o conhecimento passado por meio de um recurso que faz parte do ambiente que em um futuro próximo será seu, desse modo, possibilitando além da compreensão cognitiva, o desenvolvimento de habilidades importantes ao exercício de sua profissão

Além do mais o recurso foi analisado segundo seu potencial de complementariedade aos métodos tradicionais de ensino, que enfatizasse a hipertextualidade, contribuindo para o entendimento maior de conceitos complexos em sala de aula.

Por fim um aspecto relevante, considerado na etapa de levantamento, foi a atenção dada para a obrigatoriedade legal do conhecimento disponibilizado, ou seja, ele deveria ser de acesso livre, consistindo assim em instrumentos lícitos que

possam ser amplamente utilizados por todo o meio acadêmico.

Em síntese a análise foi norteada pela aplicabilidade no contexto cultural do ambiente profissional, pelo potencial de complementariedade com ênfase na hipertextualidade e pela legalidade de utilização. Tais aspectos estão vinculados à necessidade de promover atitudes positivas de interesse dos acadêmicos em relação aos conteúdos ministrados, por permitir a eles vivenciarem não somente o processo de ensino, mas sim ensino-aprendizagem.

Aplicado no levantamento e análise, os aspectos mencionados foram levantados diversos recursos, catalogados e atualmente disponíveis no BRT-ADM/I. A seguir é apresentado alguns exemplares:

• Área de pesquisa: Links de sites direcionados à divulgação da produção científica. Esse recurso é de extrema importância ao meio acadêmico, pois serve como meio para um aprofundamento do conhecimento, assim como um referencial para a pesquisa científica;

Figura 2: imagem do BRT-ADM/I

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• Programa Estatístico gratuito, desenvolvimento pelo Instituo Mamiraua, em português, de fácil utilização. Apresenta diversos recursos de auxílio ao planejamento da análise de dados em pesquisa. O mesmo foi desenvolvido para aplicações nas áreas das ciências biológicas e médicas, porém, por se tratar de um software estatístico, não há limitações para aplicações em outras áreas do conhecimento. Ainda acompanha um manual passo a passo para utilização do software.

• Mecanismo online para referências, mantido pela Universidade Federal de Santa Catarina, que auxilia na elaboração de referências dos mais diversos documentos que possam ser pesquisados por alunos e professores.

Área de ensino, tendo a disciplina de empreendedorismo e sistemas de informação, como exemplo:

• Links de diversos sites de apoio ao empreendedorismo e sistemas de informação, nos quais, além de artigos sobre o assunto, os acadêmicos poderão encontrar vídeos e materiais de apoio. A título de exemplo: sebrae, endeavor, geranegocio, olhar digital...

• Software de elaboração de plano de negócio, desenvolvido e fornecido pelo SEBRAE-MG, com o intuito de permitir por meio de um software atraente e dinâmico, a compreensão do processo de desenvolvimento de um plano de negócio.

Área de extensão:

• Roteiro analítico para levantamento de dados e diagnóstico organizacional, desenvolvido e utilizado junto ao curso de administração da UNICENTRO;

• Orientação para cópia de vídeos livres disponibilizados na Internet

• Software post-it disponibilizado pela 3M que auxilia os acadêmicos no agendamento de compromissos

• Software BrOffice que oferece diversos programas livres de uso geral nas organizações, como: planilha eletrônica, editor de texto, apresentação de slides, entre outros.

A lista de recursos descrita não é exaustiva, mas meramente exemplificativa destacando-se alguns dos principais recursos obtidos. A ampla possibilidade do uso do BRT-ADM/I é vasta e a considerar suas características e a versatilidade de sua plataforma, pode-se dizer que seu uso é quase ilimitado. Ainda é importante esclarecer que BRT-ADM/I, fruto deste estudo, não é “algo” final e acabado, mas sim um sistema em processo de desenvolvimento, dado pela possibilidade de constante aprimoramento.

4. ConclusõesA considerar o objetivo da pesquisa o de

identificar recursos tecnológicos que pudessem apoiar as atividades de pesquisa, ensino e extensão, do Curso de Administração, compreendendo os passo de levantamento, análise, catalogação e divulgação, ela tornou-se possível pela disponibilização de recursos tecnológicos, em um sistema de informação, denominado BRT-ADM/I (Banco de Recursos Tecnológicos de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão do Curso de Administração de Irati).

Constituído com base nos pressupostos de: a) armazenamento de conhecimentos tecnológicos; b) “portal de acesso” a tecnologias de apoio ao ensino, pesquisa e extensão; e c) mecanismo de captação e divulgação de conhecimento. Desse modo o BRT-ADM/I foi concebido como um “espaço” democrático no qual os docentes podem arquivar livremente e publicamente o conhecimento, permitindo que este seja captado e institucionalizado, visando à gestão do conhecimento, como arcabouço para a aprendizagem organizacional.

Uma vez concebido o “espaço”, o resultado em essência do levantamento foi a identificação de recursos tecnológicos norteados pelos princípios de aplicabilidade contextual,

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potencial de complementariedade e legalidade de utilização. Aspectos estes vinculados à promoção de atitudes estimuladoras ao processo de ensino-aprendizagem.

Por fim, vale ressaltar que apesar do BRT-ADM/I estar direcionado ao curso de

administração, o seu formato pode ser aplicado a qualquer curso de formação, sendo a grande contribuição do presente estudo a disponibilização de um recurso modelo à comunidade acadêmica, direcionado a apoiar atividades de ensino, pesquisa e a extensão.

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Dados de Clientes no Customer Relationship Management (CRM): estudo de casos múltiplos no

desenvolvimento de softwareClients’ data from the Customer Relationship Management (CRM): multiple cases study for software

development

Flávio Régio Brambilla1

Resumo

Para que ações de Customer Relationship Management (CRM) sejam efetivas, não basta apenas o desenvolvimento de tecnologias inovadoras. É preciso que essas ferramentas sejam alimentadas com dados pertinentes. Ainda, que sejam corretos e os mais completos possíveis. A fidelidade dos dados de clientes é necessária, para que as ações do Marketing de Relacionamento por meio das soluções de CRM sejam adequadas. Este artigo está dividido em duas etapas. Na primeira, foi desenvolvido o panorama teórico. Na etapa seguinte, foram feitas análises empíricas, através de Estudo de Caso na relação entre empresas desenvolvedora e usuária de CRM. Através da condução de entrevistas semi-estruturadas com gestores responsáveis nas respectivas empresas, foram obtidos subsídios que suportam a relevância do adequado uso dos dados de clientes, e também a importância do entendimento e comunicação entre empresas durante a elaboração de uma ferramenta de CRM. Mais que uma referência técnica, a elaboração dos perfis de clientes, com base em dados coletados pela firma, permitem ações de relacionamento mais próximas dos desejos dos clientes e ações de marketing direcionadas adequadamente ao segmento de mercado almejado. Estudos específicos sobre variáveis técnicas ou operacionais do CRM ainda são requeridos ao entendimento mais completo desse tipo de solução empresarial. Portanto, além de investigar o papel dos dados de clientes, futuras pesquisas devem migrar da visão geral de CRM aos componentes específicos que o compõe, sejam indicadores tecnológicos, organizacionais ou financeiros.

Palavras-chave: Gestão de Marketing; Marketing de Relacionamento.

Abstract

Unilateral development of new technologies is not enough to make Customer Relationship Management (CRM) actions effective. Alignment with adequate data from these tools is also necessary. Yet, correction and completeness are required in that set of data. Clients’ data fidelity are necessary to adequate the CRM next to the conceptual idea of Relationship Marketing. This academic research consists of two steps. Firstly, the development of theoretical assumptions was carried out. Secondly, empirical analysis based on Case Study research between developer and client firms which use CRM. Semi-structured interviews were conducted with managers in those enterprises, where evidence supports the relevance of clients’ data ideal use and the importance of inter-business communications between firms during the CRM tool development. More than technical report, the consumers’ identification made by the firm, allows relationship actions closely to clients’ desires and marketing actions conduced to the adequate market segmentation. Specific new studies based on technical or organizational

1 Professor da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Curso de AdministraçãoPossui mestrado em Administração e Negócios: Marketing pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Brasil. Discente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, Brasil, nível doutorado. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 20/11/2009 - Aprovado em 29/05/2010

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variables of CRM are needed to a more complete understanding of that kind of business solution. Throughout the identification of clients’ data, future research must comprise more than a general CRM vision, to investigate specific components, technological, organizational or financial indicators.

Key words: Marketing Management; Relationship Marketing.]

1 introdução

Como mencionado no artigo clássico de Dwyer, Schurr e Oh (1987) a extensão dos relacionamentos de troca contribui na diferenciação de produtos e serviços da empresa, promovendo barreiras às substituições que em muitos casos pode culminar em vantagem competitiva. Nessa perspectiva, é encontrado em Veloutsou, Saren e Tzokas (2002), que o marketing, como um composto de conhecimento, é concebido pelo entendimento dos pontos de relacionamento entre os prestadores de serviços e clientes. A retenção de clientes então, Rowe e Barnes (1998), possui uma série de vantagens, como os baixos custos de esforços para os clientes que retornam e os efeitos positivos nos resultados financeiros, além da criação dos conhecidos advogados da organização, os quais positivamente a divulgam. Entende-se que o cliente já conquistado, e que realmente gera valor para a organização, deve ser o foco da excelência nos serviços, porque manter um cliente é reconhecidamente mais barato do que prospectar novos clientes. Esforços de marketing em retenção são significativamente mais efetivos do que identificar novos segmentos de clientes a serem conquistados.

Para Verhoef (2003, p.30), “empresas podem utilizar as mesmas estratégias tanto para a retenção de clientes quando para o desenvolvimento de sua segmentação”, o que proporciona a adoção de um conceito que incorpore todos esses aspectos no trato com os clientes. Trata-se do propósito deste estudo, que traz o CRM, como uma extensão do Marketing de Relacionamento com suporte tecnológico. Diz Winer (2001, p.99), que “o serviço ao cliente precisa receber o status de alta prioridade no ambiente organizacional”. Esta é a essência do CRM, composto por uma complexa relação entre marketing e tecnologia, tendo em vista o adequado trato com os clientes, especialmente os que geram maior valor à empresa. O primeiro conceito a ser explorado é o do Marketing de Relacionamento.

Marketing de Relacionamento, para Berry (2002), é relativo à atração, manutenção, e aumento dos relacionamentos com os clientes. O foco nos relacionamentos com os clientes se dá porque “a elevação da orientação para o cliente resulta em programas de marketing mais significativos” (IM, WORKMAN Jr., 2004, p.126). Tem-se que somente organizações que constroem fortes e positivos relacionamentos com os clientes, Rowe e Barnes (1998) têm potencial na geração de algum tipo de vantagem competitiva sustentável, viabilizando para a empresa um desempenho superior ao da concorrência. Manter uma base de clientes rentáveis e fiéis baseia o Marketing de Relacionamento e nada mais é do que um conjunto de práticas de marketing, “para que os clientes continuem como clientes” (BERRY, 2002, p.70). As ações de CRM são suportadas pela filosofia do Marketing de Relacionamento, e conforme Sheth e Parvatiyar (2002), tratam do entendimento dos clientes, em especial quanto aos seus comportamentos de compra e desejos. Rowe e Barnes (1998) afirmam que uma vantagem competitiva existe quando a organização explora estratégias que gerem valor para os clientes, não desenvolvidas pelas empresas concorrentes ou potenciais concorrentes e, que o cliente entenda como uma relação de troca justa. Quando a empresa trabalha para escutar e responder às demandas dos clientes e para interagir de maneira mais próxima, compartilhando informações, a tendência é que a empresa proporcione produtos e serviços mais significativos por programas igualmente significantes (IM, WORKMAN Jr., 2004). Esses preceitos relacionais constituem a base formativa do CRM.

Customer Relationship Management (CRM) é o ‘gerenciamento dos relacionamentos com os clientes’. É definido como uma abordagem gerencial orientada à identificação, atração e retenção dos clientes. Objetiva-se maior rentabilidade para a empresa mediante ações de identificação e aumento nas transações com os clientes de maior

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valor (WILSON, DANIEL, McDONALD, 2002), em que estes percebam que existe justiça interacional nas relações (AUH et al., 2007). CRM é focado na automação e melhorias dos processos de negócio associados ao gerenciamento dos relacionamentos com os clientes em vendas, serviços e suporte. Nesse sentido, Lin e Su (2003, p.716) definem CRM como “a chave da competição estratégica necessária para manter o foco nas necessidades dos clientes”. É uma ferramenta relacional.

Wilson, Daniel e McDonald (2002), o apresentam como um conjunto de processos e tecnologias que suportam o planejamento, execução e monitoramento dos consumidores. Para Dwyer, Schurr e Oh (1987) a extensão dos relacionamentos contribui na diferenciação de produtos e serviços. É relatado por Berry (2002) que bons serviços são necessários para que a retenção dos clientes ocorra. Como apresenta Winer (2001), a meta global dos programas de relacionamento consiste em entregar satisfação ao cliente, superando a concorrência. Ainda, Winer (2001, p.99), diz que “o serviço ao cliente precisa receber o status de alta prioridade no ambiente organizacional”. Croteau e Li (2003) relatam que grande número de organizações reconhece a importância de focar os negócios na estratégia de orientação ao cliente, o que requer a incorporação da base de conhecimento dos mesmos. O’Malley e Mitussis (2002) alertam que na ausência da cultura focada em Marketing de Relacionamento, não são entendidos os processos de CRM. A utilização do CRM não é uma solução de cunho exclusivamente tecnológico, mas sim, relacional. O “CRM é uma estratégia de negócio; não apenas um aparato de software” (RAGINS, GRECO, 2003, P.29).

Verhoef (2003, p.41) comprova que “o compromisso afetivo é um antecedente da retenção de clientes e do desenvolvimento da segmentação”, ilustrando o foco em clientes. Em termos estratégicos, CRM pode ser vislumbrado como a pretensão de obter uma vantagem competitiva, através da conquista do cliente (ROGERS, 2003). Para Rust et al. (2004, p.80), “uma base de dados de clientes pode ser utilizada pela empresa para o desenvolvimento de

modelos de sequência de compras que permitem a identificação de quais clientes serão os compradores de quais produtos e quando”. Trata-se do tema central desenvolvido neste artigo.

Como problema de pesquisa norteador da investigação é proposto o questionamento: Qual a relevância da gestão de dados dos clientes na relação de criação das soluções de software entre uma empresa desenvolvedora e outra consumidora do sistema de CRM? O objetivo do estudo consiste em melhor entender como é desenvolvida uma solução de relacionamento com clientes na relação Business-to-Business (B2B), através de implantação de um sistema de CRM, assim conduzida uma análise empírica qualitativa que capture a relação entre empresa de desenvolvimento de CRM e sua cliente e usuária da solução.

Tem-se a seguir, uma discussão conceitual acerca da utilização dos dados de clientes, seguida do método de pesquisa. Na etapa empírica, foram analisadas duas empresas, a ‘Alpha’, vendedora das soluções de CRM, e ‘Beta’, usuária do software desenvolvido pela primeira. Foram utilizadas evidências qualitativas na análise dessa situação de negócio entre empresas.

2 Caracterização dos dados de clientes

Como critério primário sobre os dados de clientes, a fidedignidade é um dos mais importantes requisitos, para que ações de relacionamento sejam viáveis. Lembram Nogueira, Mazzon e Terra (2004) que é muito importante a eliminação de problemas que possam distorcer o perfil e hábitos dos clientes, por exemplo, disfunções como redundância e duplicidades. Pedron (2001) lembra que os dados armazenados sobre a clientela de uma organização podem prover vantagens, como acessibilidade aos clientes, mensuração das transações efetuadas, e, mais importante, a possibilidade de delimitar segmentos e clientes individuais para prover a solução de negócios que melhor se adéque a suas necessidades, desejos e aspirações. A captação e o registro das respostas fornecidas pelos consumidores são

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críticas no processo de identificação e coleta de dados dos clientes, e também na prospecção de clientes potenciais que ainda não interagem com a organização.

Para que dados obtidos no contato com os clientes sejam de valor, Pedron (2001, p.26) afirma que “o real valor do processo das comunicações integradas de marketing reside no fato de ser naturalmente circular, em que dados dos clientes são coletados, analisados, armazenados e a cada interação com o cliente, novamente atualizados”. Devem-se relevar mais do que os pressupostos já referidos, Nogueira, Mazzon e Terra (2004), incorporando atenção a fatores igualmente críticos, como segurança, garantia de integridade, e privacidade. A adequada combinação desses elementos promove o CRM de qualidade. Aos requisitos já mencionados, Churchill e Peter (2003) adicionam a questão ética, que compõe o conjunto de princípios e valores morais que preconizam as condutas, do indivíduo ou grupo de indivíduos, e orienta as atividades aos preceitos morais de uma sociedade. Pedron (2001) ressalta a dificuldade de manter a privacidade dos dados em virtude da facilidade com que as tecnologias de informação proporcionam coletas, processamento, transmissão e armazenagem de dados, principalmente quando postas em pauta tecnologias de comunicação e a internet. Para o uso em marketing, por meio da utilização de sistemas de CRM, os dados de clientes devem ser armazenados e restritos aos bancos de dados, com o consentimento dos clientes, cientes da utilização restrita dos mesmos no provimento de vantagens ou de ofertas específicas da firma com a qual transacionam. Esse aspecto é potencializado, quando analisadas as práticas de vendas de bancos de dados que muitas organizações conduzem de maneira não consentida, expondo clientes e delegando informações não permitidas a terceiros.

Segundo Bolton e Steffens (2004), a habilidade da firma em entender a privacidade e as preferências dos clientes ao longo das transações realizadas, guia as campanhas e os processos de marketing. Sob tal ótica, diz McKim (2002), que os dados ajudam na descoberta do que é necessário

para uma comunicação efetiva com o cliente. CRM é uma iniciativa de marketing com vistas ao contato com os clientes, desenvolvida por meio de suporte tecnológico, o que permite mesmo para grandes corporações, com grandes carteiras de clientes, a projeção de campanhas e ofertas condizentes a cada categoria ou segmento almejado. Para Bretzke (2000), a estratégia de CRM possibilita que a empresa se torne orientada para clientes, através da utilização dos dados de clientes existentes nos sistemas de informação, possibilitando a obtenção de uma sustentável vantagem competitiva. Existe a importância de capturar dados dos clientes em todos os pontos de contato da empresa, como por exemplo, sistemas de call center, em orçamentos, vendas diretas ou pela web, etc. Os múltiplos pontos de relacionamento com o cliente favorecem a construção de históricos e perfis de clientes mais próximos da realidade de seus múltiplos contatos com a empresa. Esses dados, depois de agrupados em bancos de dados, devem ser analisados em sua totalidade, categorizados e direcionados aos vários pontos de contato com os clientes, onde a informação será utilizada para uma melhor interação entre a empresa e o cliente. Hansotia (2002, p.121) salienta que “CRM é essencialmente um esforço intensivo com dados de clientes”.

No centro do CRM, está a habilidade organizacional de nivelar dados para projetar e implantar estratégias focadas em clientes. Missi, Alshawi e Irani (2003, p.1607) corroboram com essa afirmativa, porque para eles “a essência do sistema de CRM implica entender, controlar e otimizar os negócios e o gerenciamento dos dados” de clientes. Campbell (2003) diz que para os dados de clientes serem utilizados adequadamente, devem ser transformados em informações de clientes e integrados aos processos de marketing. Os processos da empresa geram e integram informações específicas dos clientes, que propiciam condições ao uso de CRM. Shoemaker (2001) diz que é nas interações com clientes o ponto de coleta e utilização dos dados e informações, que devem sistematicamente compor o conhecimento de clientes. Os softwares de conhecimento de clientes

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oferecem ferramentas tecnológicas para segmentá-los e interagir com base em contatos prévios, nos quais são estipulados comportamentos esperados e predições de negócios futuros.

A diferenciação de clientes é fundamental às estratégias de CRM. Conforme Ferreira e Sganzerlla (2000), diferenciação e categorização dos clientes representam as oportunidades de maior faturamento para empresa. A preferência imediata das ações de CRM é direcionada aos clientes de maior valor, porque são eles que sustentam a atividade empresarial.

Boon, Corbitt e Parker (2002), trazem outra implicação relativa aos dados de clientes. Os autores argumentam da importância de classificar dados por categorias, por exemplo, valor de clientes, e ainda relevar outras características individuais, como preferências, hábitos, renda, escolaridade, classe ou segmento social, constituição familiar, etc. Na mesma linha, Papatla, Zahedi e Zekic-Susac (2002, p.456) dizem que “a modelagem do comportamento e das escolhas do cliente são características comuns em muitas aplicações de data mining (em geral), e em CRM (em particular)”. Trata-se da utilização imprescindível dos dados de clientes, para que um CRM atinja os propósitos de maximizar transações, diferenciar clientes e obter deles melhores retornos em troca de serviços justos e que ampliem a satisfação dos contratantes. Wilson, Daniel e McDonald (2002) relatam que a segmentação pode ser vista como a simplificação da carteira de clientes individuais, separando-os por grupos com base em similaridades e comportamentos. Segundo Srivastava et al. (2002, p.18), a “segmentação de clientes é a divisão da população total de clientes em grupos menores”, através de critérios que os agrupam em diferentes perfis. Parvatiyar e Sheth (2001) advertem que a empresa precisa ser seletiva em correlacionar e integrar as informações de marketing, através de uma segmentação e seleção apropriada de clientes, customizando ofertas adequadamente.

Tendo por base a construção teórica desenvolvida, foram definidos critérios relevantes para a investigação nas empresas. Desenvolveu-se o estudo na relação entre duas empresas, caracterizando o tipo de negócio como uma

relação Business-to-Business (B2B). As questões desenvolvidas foram orientadas pelos preceitos abaixo relevados sobre dados de clientes:

• Obrigatoriedade da fidelidade dos dados de clientes em ações de CRM;

• Operações de CRM efetivas são relacionais e informacionais;

• Privacidade e ética com os dados de clien-tes é compromisso indispensável;

• A qualidade nos dados de clientes deve proporcionar a tomada de decisão.

• Os dados, necessariamente, viabilizam de-cisões estratégicas no CRM;

• Diferenciação e categorização dos clientes são práticas essenciais.

Os preceitos que guiaram a etapa empírica deste estudo são os seis supracitados. Através desses postulados, foram analisadas as relações comerciais entre uma empresa de desenvolvimento e uma usuária de CRM. Outros conceitos importantes estão contemplados nessa caracterização da ferramenta/filosofia de CRM, como as distintas faces de aplicação. Basicamente, o CRM pode ser subdividido entre CRM Operacional e CRM Analítico.

Conforme delimitado em Bampi, Eberle e Barcellos (2008), o CRM Operacional é o primeiro estágio na concepção de um sistema de relacionamento com clientes. Nessa etapa, o foco está nos relacionamentos, mais precisamente na construção de relacionamentos com base em eficiência e eficácia operacional, etapa esta condizente com os processos de implantação de algumas ferramentas de contato, por exemplo, Call Center e Sales Force Automation. Com escopo mais aprimorado, o CRM Analítico consiste na busca de conhecimento ampliado do cliente, tendo em vista análises mais aprimoradas e criação de campanhas relacionais para atender aos consumidores de maneira mais próxima de seus interesses (BAMPI, EBERLE, BARCELLOS, 2008). Podem ser vistos como etapas complementares de uma solução CRM.

Dentre outras ferramentas de contato com clientes, duas sobressaem diante dos objetivos do

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estudo, centrado em dados de clientes. A primeira é o Call Center, definido como uma forma de contato dinâmico com os consumidores, através do uso do telefone como ferramenta para a efetividade das práticas de marketing relacional, em especial quando operacionalizadas com base em CRM (BRAMBILLA, SAMPAIO, PERIN, 2008). A segunda, Sales Force Automation (SFA), ou Automatização da Força de Vendas, que para Brambilla, Sampaio e Perin (2008) consiste em ferramentas tecnológicas empregadas para auxílio do vendedor em algumas etapas do processo de vender, tendo como foco o relacionamento acima da simples prática comercial impessoal. Conforme identificado em Brambilla (2009, p.8), uma iniciativa de SFA proporciona que a organização, por intermédio dos seus vendedores, possa “ter uma visão melhor do cliente, tomando conta desta relação”.

Para o melhor entendimento dos procedimentos de coleta e análise dos dados, a seguir é apresentado o capítulo acerca da metodologia adotada no estudo. Tendo em vista os propósitos exploratórios de pesquisa, optou-se pela condução centrada em casos, no B2B.

3 Metodologia de condução da pesquisa

Com base nos critérios de observação, a definição metodológica foi orientada ao emprego de técnicas qualitativas de investigação. O ponto de corte para análise foi na relação entre as empresas Alpha (vendedora) e Beta (cliente), numa situação de desenvolvimento do CRM entendida como a venda de um serviço co-produzido – ou criação compartilhada de valor com o cliente (PRAHALAD, RAMASWAMY, 2004; BENDAPUDI, LEONE, 2003). Yin (2001) apresenta como válida a pesquisa que objetiva a investigação de uma realidade específica e, conforme seus preceitos, um Estudo de Caso atende ao propósito deste trabalho. Classificada como uma pesquisa qualitativa (MALHOTRA, 2001), no formato Estudo de Caso (YIN, 2001). Também é entendida como exploratória, que segundo Vieira (2002, p.65), “visa a proporcionar ao pesquisador

uma maior familiaridade com o problema” de pesquisa.

Basicamente foram adotadas três técnicas na condução da coleta de dados deste estudo. Entrevistas semi-estruturadas, com base nos seis indicadores já referenciados (fidelidade dos dados; relacionamentos com base em informações; privacidade e ética com os dados de clientes; tomada de decisão; postura estratégica e; diferenciação e categorização de clientes). Para cada um desses elementos, foram elaboradas cinco questões, totalizando trinta questões de entrevista. As entrevistas foram aplicadas para dois grupos de interação entre as empresas, compostos por quatro colaboradores de cada empresa. O acesso ao ambiente organizacional foi obtido em função de pesquisas anteriores, realizadas nessas empresas que concordaram em ser novamente selecionadas para pesquisa acadêmica. Por solicitação das organizações, seus nomes serão omitidos. Estão tratadas como Alpha e Beta. Ambas são de grande porte, localizadas em diferentes partes do território nacional e podem ser classificadas como organizações adequadas ao uso de tecnologias de informação e comunicação. A desenvolvedora é uma empresa que comercializa produtos e serviços (multinacional), e Beta uma empresa tradicionalmente orientada para serviços (empresa brasileira de grande porte).

Além das entrevistas, foram utilizados dados secundários, em especial contratos, manuais e especificações internas das empresas, que apesar de terem contribuído na análise dos dados coletados e na elaboração dos resultados, não constam menções explícitas sobre seu conteúdo. Documentos com informações financeiras da parceria entre as empresas foram vetados de inclusão neste artigo, e por isso, desconsiderados também na elaboração dos resultados, direcionados para a análise de atributos técnicos, operacionais e relacionais. Terceira e última sistemática de intervenção, a observação do pesquisador foi relevada na comparação entre documentos e entrevistas, mas não foram encontradas distorções entre o discurso, documentos e o que fora observado nas firmas.

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Para análise dos dados, foi adotada a comparação por indicadores, relevando o discurso em ambas as empresas sobre questões relacionadas. Foram feitas perguntas com o objetivo de analisar a consistência das versões das diferentes empresas para mesmos fatos. Constatou-se que as pequenas inconsistências entre falas dos entrevistados não comprometem a credibilidade dos resultados da parceria B2B. O instrumento de coleta de dados foi desenvolvido com suporte teórico do uso dos dados de clientes nas operações de CRM.

Finalizando a etapa de elaboração dos resultados e conclusões, foram observados preceitos de Bardin (1977) e Yin (2001). Basicamente, foram agrupados os resultados de cada empresa e comparados com o auxílio da teoria. A base de análise consiste do entendimento das similaridades e diferenças entre empresas e entre as fontes de evidência. Apresenta-se a discussão dos resultados, e posteriormente, as considerações finais do estudo.

4 Resultados da análise entre desenvolvedora e usuária de crm

Para melhor compreensão do cenário da relação entre empresas, serão distribuídos os resultados no primeiro momento integrados na relação entre Alpha e Beta. As questões empregadas e a análise foram desenvolvidas de maneira a agrupar os depoimentos dos entrevistados, detalhando a relação interfirmas. No segundo momento, serão apresentadas as sínteses de Alpha, de impressão da empresa quanto à relação com Beta, e posteriormente será relevada a impressão de Beta. A análise foi concebida com base nos seis preceitos delineados.

Quanto à fidedignidade nos dados de clientes, as opiniões gerais dos entrevistados demonstraram em ambas as empresas, incerteza. Porém, todos os indícios e respostas ilustram que a margem de erro possível não impacta negativamente no escopo das aplicações de CRM. Como vantagens do sistema, agrupamento adequado dos dados e a capacidade de atualizações em tempo real. Um

dos entrevistados de Alpha relatou sobre o CRM desenvolvido que “este produto é desenvolvido para não haver duplicidade”.

Na empresa cliente Beta, um dos gestores entende que “a integridade do banco de dados é excepcional”. Duplicidade de dados é um problema descartado, mas problemas de preenchimento e inclusão de dados de clientes, por depender do elemento humano, pode ser o ponto gerador de pequenas discrepâncias. Essa análise é baseada na percepção das pessoas.

Quanto aos critérios de relacionamentos e informações, identificou-se que as transações correntes são lançadas em bancos de dados transacionais sem que sejam alteradas informações históricas consolidadas. Informações já agrupadas são armazenadas na ferramenta de Data Warehouse da Beta, o que é essencial ao CRM analítico. A atualização sistemática nos dados transacionais, por exemplo, está alinhada ao que apregoam as teorias de CRM. Os dados de cliente permitem a ilustração da realidade de momento do cliente, o que favorece nos relacionamentos entre a empresa e o cliente. Nesse sentido, a análise deixa claro que os dados e modo de coleta e conversão em informações, permitem a prática do CRM.

Pouco foi identificado sobre a conduta ética na relação entre empresas e entre a usuária de CRM e o cliente final. Porém, uma possibilidade importante foi referenciada. Todos os dados do cliente da empresa Beta, referentes ao relacionamento transacional, estão ao alcance do cliente, sejam históricas ou especificações de serviços.

A qualidade de dados foi confirmada, o que proporciona base à tomada de decisões. Como já referenciado, os dados históricos não são alterados em operações transacionais, atendendo aos critérios técnicos do CRM. A composição de diferentes informações com base nos dados disponíveis promove os caminhos relacionais a serem desempenhados. A prática de mineração nesses dados é outra evidência da efetividade nas práticas de relacionamento utilizadas por Beta, e implantadas através de soluções da empresa Alpha.

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A tomada de decisões estratégicas também foi identificada nessa relação entre empresas e na utilização do sistema de CRM por Beta. Entende-se o CRM, nessas empresas, como o “coração” das práticas relacionais com clientes. A configuração e análise dos dados já são, em essência, ações de características estratégicas. A geração das informações necessárias para atender aos clientes com excelência é uma atribuição de CRM. Dados de clientes são revertidos em informações. Estas indicam as evidências comportamentais, por sua vez, convertidas no que pode ser classificado por conhecimento de cliente.

Dos critérios mais relevantes na utilização de CRM são destacadas a diferenciação e a categorização de clientes. Os dados são utilizados para estes fins. As empresas entendem que a solução desenvolvida é ideal e que as práticas da empresa que aplica o CRM também estão de acordo com o que a teoria recomenda. Existe a diferenciação por categorias, ou segmentos, que é uma ação de marketing. Chegam a ser feitas subcategorias de clientes em Beta, o que, segundo os entrevistados de empresa, é um requisito ao tipo de serviço que desenvolvem.

4.1 Resultados de alpha

A desenvolvedora prima em suas soluções, para que as transações de negócio em realização sejam lançadas em base de dados diferente daquela em que se armazenam dados e informações históricas. No panorama técnico, são desenvolvidas soluções de banco de dados transacionais e Data Warehouse, uma espécie de armazém de dados consolidados. Referenciaram os entrevistados que, sua solução é uma ferramenta de aplicação relacional.

O dado transacional, diferente de dados como endereço e outras características que devem ser alteradas quando necessário em bancos de dados de uso comercial, depois de inseridos no sistema tornam-se rígidos. Esses dados são configurados de diferentes maneiras para obtenção de diferentes tipos de informações, conforme necessidades do momento. Essa capacidade analítica permite a

operação de práticas para a diferenciação dos clientes, o que serve para, por exemplo, definir categorias e modalidades de relacionamentos.

A solução é entendida como uma aplicação de CRM desenvolvida para evitar redundâncias e duplicações, como outros problemas associados à inserção de dados. Porém, relatam que, em muitas empresas, são utilizadas tecnologias de diferentes desenvolvedores e fornecedores de software e hardware, que não permite a garantia de que nas migrações e compartilhamentos de dados entre tecnologias não venham a ocorrer os problemas de qualidade e fidedignidade dos dados, seja por erros ou perdas.

Alpha é uma empresa de tecnologia que fornece produtos e serviços prontos, mas também sob demanda, atendendo aos requisitos de seus clientes. No caso dos negócios com Beta, o que a empresa fornece é feito a pedido, atendendo especificidades da empresa cliente. A aplicação de CRM em análise conta com instrumentos online e integrados, permitindo que a alimentação do sistema seja conduzida em tempo real. Uma das utilizações do sistema de CRM em investigação é a identificação dos clientes potenciais, e análises preditivas.

4.2 Resultados de beta

Na empresa cliente Beta, quando se fala em controle de fidelidade e precisão dos dados, um dos entrevistados menciona uma pequena margem de erro no que a desenvolvedora fornece para utilização com os clientes finais, que não afeta na qualidade das operações. Não foi identificada a razão para tal situação, porém, os entrevistados reconhecem que existe, embora dentro dos limites de tolerância.

Confirmou-se a necessidade de categorizar clientes no negócio da firma Beta, que reconhece ser uma prática possível com o uso das ferramentas fornecidas por Alpha, e é realizada seguindo o que recomenda a literatura de CRM. Os critérios viáveis para categorizar clientes são diversos, como por rentabilidade, volume, e periodicidade de compras. Entende-se que esse tipo de ranking de clientes é tradicional em CRM para estipular o perfil

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dos relacionamentos, transações e dos próprios clientes, seus gostos, desejos e possibilidades. A informação histórica construída na organização é adequadamente estruturada.

Beta converte dados em informações, diferencia e segmenta clientes e conduz práticas efetivas e analíticas de CRM. Resultados já discutidos, tanto na relação entre empresas quanto em suas individualidades, tecem-se as considerações finais e sugestões para pesquisas futuras.

5 Considerações finais

A solução de CRM proposta na relação entre as empresas consiste de uma ferramenta desenvolvida por demanda advinda da empresa cliente, fator qual pode justificar a baixa detecção de problemas de adaptação. O serviço prestado pela empresa cliente de CRM (mídia/propaganda), apesar de complexo é estável, temporalmente determinado e, em virtude de suas disponibilidades pré-definidas, de fácil gerenciamento para venda. O componente de SFA, proporcionado na relação interorganizacional, ainda que não central aos propósitos desta pesquisa, mostra-se outro facilitador aos processos de pré-vendas, vendas e pós-vendas.

Verificou-se, na relação entre empresas e na aplicação da solução CRM desenvolvida, que a compreensão da utilização adequada dos dados no relacionamento com os clientes é entendida e praticada pelos envolvidos e instrumentos investigados nesta pesquisa (conforme informações obtidas através das entrevistas). A atualização de dados transacionais em tempo real, e a aplicação online, além da utilização de um depósito de dados consolidados neste contexto de CRM, deixam claro

que o ambiente pesquisado é propício à condução das práticas de Marketing de Relacionamento. O alinhamento entre empresas permite que o CRM em pauta seja adequadamente construído. Tais pressupostos baseiam-se em observação.

Diante do escopo, dados consultados apresentaram aderência com os critérios teóricos selecionados para análise. Porém, foi detectada, ainda que tênue, uma margem de erro hoje sem impacto nas ações de CRM, mas que sinalizam a importância de identificar e tentar sanar essa situação, antes que fique fora de controle e possa comprometer a capacidade de ações com dados de clientes. Mais importante, e relevante, foi identificar que a situação analisada se trata mesmo de CRM, e não de um apelo empresarial ao modismo ou erro de interpretação do que é feito. CRM é constituído pela filosofia do Marketing de Relacionamento alinhada com Tecnologia de Informação adequada ao contato dinâmico com os clientes, relevando as interações e dados armazenados pela empresa ao longo do tempo. Esses dados em posse das organizações é que permitem, inclusive em grandes corporações, identificar clientes, segmentá-los e proporcionar soluções condizentes com expectativas e necessidades.

A qualidade dos dados impacta diretamente nos resultados dos programas de CRM. Pesquisas futuras devem relevar não apenas a percepção empresarial, mas a opinião e entendimento dos clientes. Entende-se que o cliente, por ser o centro da utilização de CRM é o informante mais adequado na avaliação da qualidade e efeito dos programas em desenvolvimento e em operação. CRM é uma prática de marketing orientada aos clientes, e são eles os personagens essenciais nos pareceres acerca da efetividade destas campanhas.

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Storytellings Organizacionais: narrativas contadas pelos anúncios e vídeos institucionais

Organizationals Storytellings: The Narratives Told In The Videos And Ads Institutional

Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros1

Resumo

Este artigo trata do modo como a cultura organizacional de uma empresa é disseminada nos vídeos institucionais e nos anúncios publicitários, por meio de storytellings ou narrativas organizacionais. Histórias são narradas em toda cultura e são consideradas um meio de prover o indivíduo de significados, de forma a compreender o mundo em que vive. As narrativas são símbolos que prevalecem nas organizações, que utilizam storytellings como um mecanismo para criar, manter e disseminar a cultura corporativa. Partindo de uma abordagem essencialmente interpretativa, o presente estudo tem como objetivo explorar quais narrativas estão presentes nos vídeos e anúncios publicitários de uma empresa. Para tanto, propõe-se à análise de anúncios publicitários e vídeos institucionais de uma empresa, a CVRD, disponibilizados no seu website, para identificar as narrativas da empresa utilizadas para construir significado. Os resultados evidenciam um conjunto de elementos presentes nas narrativas da empresa.

Palavras-chave: Storytellings; Cultura Organizacional; Simbolismo Organizacional.

Abstract

This study concerns with the way the organizational culture of a company is spread in institutional videos and advertisements, through storytellings or organizational narratives. Stories are told in every culture, and are considered a means of providing the individual with meanings to understand the world we live. The narratives are symbols that prevail in organizations, using storytellings as a mechanism to create, maintain and disseminate corporate culture. Assuming an essentially interpretative approach, this study aims to explore narratives presented in videos and advertisements of a company. Thus, it is proposed the analysis of institutional advertisements and videos of a company, CVRD, available on its website, to identify the narratives of the company used to construct meaning. The results show a number of elements present in the narratives of the company.

Key words: Storytellings; Organizational Culture; Organizational Simbolism.

1 Professora da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlandia - FAGEN/UFU, Brasil.Possui mestrado em Administração pelo Centro Universitário de Franca - UNIFACEF, Brasil. Discente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - EAESP/FGV, Brasil, nível doutorado. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 28/06/2010 - Aprovado em 18/12/2010

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Introdução

A partir dos anos 80, quando os estudos sobre cultura organizacional passaram a fazer parte, de forma significativa, da agenda dos pesquisadores e interessados em estudos organizacionais, o tema tem se revelado singular no que diz respeito a divergências metodológicas e conceituais. As abordagens de cunho funcionalista tiveram hegemonia nos trabalhos de cultura, desde o seu surgimento como campo de conhecimento até as duas últimas décadas do século XX, quando as abordagens interpretativas passaram a fazer parte da agenda de pesquisadores, que se inspiraram nos estudos organizacionais, e, principalmente, na influência da cultura organizacional no desempenho empresarial, delineando um novo paradigma da área de cultura.

Este trabalho trata do modo como a cultura organizacional de uma empresa é disseminada nos vídeos institucionais e nos anúncios publicitários, por meio de storytellings ou narrativas organizacionais. Storytelling organizacional é definida como um sistema coletivo de contar histórias, em que o seu desfecho é fundamental para criar significados (sensemaking) para os membros da organização (BOJE, 1991).

Partindo de uma abordagem essencialmente interpretativa, o presente estudo tem como objetivo explorar quais narrativas estão presentes nos vídeos e anúncios publicitários de uma empresa, a Cia Vale do Rio Doce (CVRD). Para tanto, propõe-se à análise de seus anúncios publicitários e vídeos institucionais para identificar como a cultura corporativa é disseminada por meio de storytellings ou narrativas que constroem significado.

A estrutura do artigo contempla, além dessa introdução, outras quatro seções. A segunda seção apresenta a revisão da literatura, cuja ênfase é dirigida para a storytelling organizacional, visando dar sustentação ao desenvolvimento do trabalho. Na terceira seção, são descritos os aspectos metodológicos e, na quarta seção, os resultados encontrados são apresentados e discutidos. Por fim, fazem-se as considerações finais do estudo.

1. Storytelling organizacional: organizações como textos

A idéia de que as organizações são construídas e reconstruídas discursivamente, visto que são faladas, escritas, personificadas, codificadas e registradas (Kornberger; Clegg & Carter, 2006), leva ao conceito de polifonia organizacional (Hazen, 1993), compreendido como sistemas verbais socialmente construídos, ou a variedade de diferentes discursos que constituem a realidade organizacional. De acordo com esses autores, as organizações são entidades que persistem, resistem e reproduzem a si mesmas por serem discursivamente constituídas. Desse modo, a polifonia está sempre presente nas organizações, mesmo pensando que vozes podem ser silenciadas por discursos dominantes.

Nessa mesma direção, caminham os estudos de Putnam; Philipps e Chapman (2004) sobre as relações entre comunicação e organização, que identificam sete linhas metafóricas (conduíte, lente, linkage, performance, símbolo, voz e discurso) presentes nos programas de pesquisa em comunicação organizacional. Segundo esses autores, foi na década de 80 que novos campos de pesquisa em comunicação estenderam seu foco para além do tratamento tradicional da comunicação como uma transmissão variável ou linear. A emergência de temas como a ambiguidade estratégica, as linguagens, os símbolos e a cultura organizacional, o discurso público corporativo, entre outros, deslocou o foco da eficiência da comunicação para as interpretações fundamentadas no contexto e na situação, desencadeando diferentes modos de investigar a complexidade do campo.

As imagens e metáforas (Putnam et al, 2004) são um modo de ver algo, como se isso fosse diverso do que é, legitimando ações e fornecendo insights que permitem criar, compreender e interpretar a realidade social. Dessa forma, segundo Putnam et al (2004, p.81), a metáfora delineia “a maneira como vemos o mundo e como lhe atribuímos sentido – orientando nossa percepção, conceituação e entendimento de uma coisa, à luz de outra”.

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As metáforas da performance e do símbolo, além de explorarem diversos aspectos da comunicação, incluem a relação entre as mensagens, significado e contexto. Segundo Putnam et al (2004, p. 93), a metáfora da performance sugere que “as organizações também são narradoras de histórias. Suas imagens e identidades emergem, em parte, das narrativas que elas constroem com diferentes públicos”. Nesse sentido, os demais atores (membros) são co-construtores, visto que essa abordagem trata a comunicação como um feixe de relações que compõem o processo colaborativo no qual as interações sociais e simbólicas ocorrem. Logo, o caráter multifacetado e pluralista de representações, improvisações e narração de histórias, que resulta na idéia de que comunicação e organização são uma produção conjunta.

A metáfora do símbolo, segundo Putnam et al (2004, p.94), sustenta-se na idéia que a comunicação funciona como “a criação, a manutenção e a transformação dos sentidos”. Nesse contexto, as narrativas, como símbolos que são, configuram os significados da organização tornando-se quadro de referência para os diversos públicos interpretarem as ações da organização e, assim, viabilizam o ato de organizar. Essa metáfora emerge da cultura organizacional, para projetar a comunicação como interpretação de formas literárias, tais como, as narrativas que, nas palavras dos autores, não são simplesmente artefatos das culturas, mas sim, meios de persuadir o público visando ao controle social.

Abraçando a idéia de que os ambientes organizacionais são construções, Smircich e Stubbart (1986) desenvolveram uma visão para conhecer e analisar o ambiente, que denominam de ambiente enacted (constituído, aprovado), ressaltando a importância da natureza social das organizações para a formação da estratégia e dos processos organizacionais. Essa perspectiva, fortemente influenciada pela sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann (2001), concebe que a organização e o ambiente são criados juntos, através dos processos de interação social dos participantes chaves da organização (Smircich & Stubbart, 1986). O mundo enacted é essencialmente um campo

ambíguo de experiências, ao contrário do que os modelos analíticos pressupõem, visto que naquele existem apenas “registros de ação material e simbólica” (SMIRCICH; STUBBART, 1986, P.726). A idéia de enactement, conforme os autores, abandona as suposições de que organização/ambiente é algo concreto, material, a favor de um mundo simbólico socialmente criado.

Diante desse quadro de referência, recorremos ao conceito de storytelling organizacional, pesquisado por diversos autores (BOJE, 1991; BOJE, 1995; KAYE & JACOBSON, 1999; GEPHART, 1991; MILLS; BOYLSTEIN & LOREAN, 2001; BARRY & ELMES, 1997; NYMARC, 1999) para discutir como as empresas usam suas histórias para criar uma realidade comum entre os membros internos e externos.

Boje (1991, p.106) define storytelling organizacional como um sistema coletivo de contar histórias, cujo desfecho é fundamental para criar significados (sensemaking) para os membros da organização. Para Gephart (1991), storytellings são construídas a partir de histórias sucessivas como uma ferramenta ou programa para dar significado a um evento. Nesse sentido, storytelling organizacional é compreendida por muitos autores como uma manifestação cultural que, de um lado, pode coagir ou ser uma imposição, no caso de ser uma “grande narrativa” ou “grande história”, e, de outro lado, pode ser uma construção plural de uma multiplicidade de histórias que criam a realidade (BOJE, 1995; MILLS et al, 2001).

O uso de storytelling pelas organizações é visto por alguns autores como um instrumento para disseminação de significados compartilhados dentro das organizações (KAYE; JACOBSON, 1999), já outros, como Vendelo (1998), sugerem que storytelling é um mecanismo para legitimação da organização e garantia de sua reputação. Segundo esse autor, narrativas de desempenho futuro têm impacto na reputação de uma empresa junto aos consumidores na medida em que criam expectativas quanto a ela. Storytellings, para Mills et al (2001), são ferramentas motivacionais usadas em grandes e pequenas empresas, para dirigir o comportamento

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dos funcionários e, assim, consolidar a cultura corporativa. Nesse sentido, storytellings, como uma produção de conhecimento e poder, são utilizadas pelas organizações como uma técnica disciplinar de modo a obter o controle social sobre seus empregados e, assim, alcançar os objetivos pretendidos.

Assim, retomando o conceito de ambiente enacted (Smircich & Stubbart, 1986) e as metáforas de Putnam et al (2004), storytelling organizacional pode ser compreendida como uma forma pela qual as organizações narram suas histórias, visando construir significados. As interpretações dos diferentes sujeitos são múltiplas, assim, a administração não pode prever se esse processo corre, mas pode buscar obter uma maior influência sobre essas interpretações.

Berry e Elmes (1997) preocuparam-se em analisar a estratégia como uma forma de narrativa, visto que, a narrativa da estratégia é usada para construir significado e, consequentemente, explora modos nos quais os stakeholders criam um discurso de direção para compreender e influenciar as ações entre si. Storytelling é, então, conforme Mills, Boylstein e Lorean (2001), uma tecnologia de poder que fabrica uma realidade para indivíduos, na medida em que criam uma ilusão para consumidores, empregados e a comunidade em geral.

Para Kaplan (2003), as histórias ou narrativas desempenham papel fundamental na criação de significados e na aprendizagem organizacional, o que é compartilhado por Kaye e Jacobson (1999) e por Weick (1995, p.127): “a maioria das realidades organizacionais são baseadas em narrativas”. Além disso, segundo Kaplan (2003), as narrativas ajudam a compreender a complexidade dos sistemas, a não linearidade, a fragilidade das predições e, ainda, o caráter emergente da estratégia. Pentland (1999, p.712) considera que as histórias ou narrativas podem ser fonte valiosa de insights sobre organizações, visto que os participantes não apenas atribuem sentidos de seu mundo em termos da narrativa, “mas proativamente planejam e aprovam narrativas que são consistentes com suas expectativas e valores”.

As organizações de simbolismo intensivo (OSIs), como Wood Jr (2000) denomina, enquadram-

se nesse contexto, visto que implicam uma visão particular de gestão empresarial. Segundo esse autor, o conceito de OSIs é compreendido por quatro categorias (liderança, comunicação, inovação e força de trabalho) que devem ser considerados “como sistemas de significados, metáforas-raizes ou geradoras de narrativas” (Wood Jr, 2000, p.23), cuja função é o gerenciamento da impressão, uma estratégia que se fundamenta na premissa de que a construção da imagem afeta a percepção das pessoas.

O gerenciamento da impressão (GI), segundo Wood Jr (2000), refere-se à utilização, pelos atores, de estratégias de comunicação destinadas a influenciar a percepção e as interpretações da audiência (clientes, outras organizações, empregados, governos e outros atores). Goffman (2004), a quem a origem dos estudos de GI é atribuída, compreende o GI como a tentativa de estabelecer o significado ou o propósito de interações sociais, as quais dirigirão as ações das pessoas, ajudando a projetar as expectativas de papéis.

A construção e uso de histórias de sucesso, como Wood Jr (2000) ressalta, são uma das formas de GI, e funcionam como sistemas de controle, na medida em que transmitem o que é relevante, assim como a forma pela qual as condutas são aceitáveis e aprovadas. As OSIs utilizam-se do gerenciamento de impressões, para influenciar comportamentos de forma a alcançar uma interpretação comum dos eventos que ocorrem no contexto da empresa, reduzindo a ambiguidade na construção da sua imagem.

As organizações não podem ser registradas como apenas uma história, mas sim, como uma multiplicidade, uma pluralidade de histórias e interpretações coletivas, como propõem os autores que analisaram a Disney (BOJE, 1995), a Hewllet-Packard (NYMARC, 1999), a Saturn Corporation (MILLS et al, 2001) e a Enron (WHITTINGTON et al, 2003)1. Tais histórias são disseminadas de várias maneiras ( dentre elas, anúncios publicitários e vídeos institucionais) e, dessa forma, instituem-se narrativas que passam a circular entre os membros organizacionais.

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2. Procedimentos metodológicos

Este trabalho tem como foco as narrativas da empresa e, se sustentando em uma abordagem interpretativo-simbólica (HATCH, 1993), busca compreender como os anúncios publicitários e vídeos institucionais, através de storytellings, são usados para construir significado. A abordagem interpretativo-simbólica, segundo Hatch (1993, p.669), “compreende a noção de símbolo como algo que representa um associação consciente ou inconsciente com algo mais amplo, usualmente um conceito ou significado mais abstrato”.

Tsoukas e Hatch (2001) atribuem a introdução da narrativa nos estudos organizacionais a Czarniawska (1997), que define três abordagens: narrar organizações (relato sobre organizações usando uma estrutura narrativa como uma sequência de eventos), organizações como narrativa (pesquisa interpretativa) e coletar histórias (documentar artefatos culturais e storytellings que criam significado) que é a abordagem escolhida para este estudo.

A seleção do material analisado considerou os vídeos institucionais e publicitários produzidos pela Companhia Vale do Rio Doce e disponibilizados em seu website (http:/www.cvrd.br). Foram consultados 26 arquivos, totalizando quatro horas de gravação, aproximadamente, no formato Windows media player ou flash. A seleção dos arquivos para compor o corpus da pesquisa foi feita de forma aleatória, ou seja, os arquivos foram numerados de 1 a 26 e, posteriormente, por sorteio, chegou-se aos três anúncios de televisão e três vídeos institucionais que são objeto de análise neste estudo, considerados suficientes para as representações que se quer caracterizar, conforme orientação de Bauer e Aarts (2002).

Para a transcrição dos vídeos, cuja finalidade é gerar dados para análise (ROSE, 2002), consideraram-se como unidades de análise duas dimensões, a visual e a verbal, para compor uma narrativa ou storytelling. A partir de então, baseando-se em Barthes (1976) e Pentland (1999), foram estabelecidas as categorias de análise: a) sequência

dos eventos; b) protagonista(s); c) as vozes; d) os significados; e e) outros indicadores de contexto.

3. Storytelling organizacional da companhia Vale do Rio Doce

As informações a seguir referem-se à empresa ( cujos vídeos são analisados) e foram extraídas do seu website, com o propósito de oferecer um quadro de referência sobre a mesma.

A Companhia Vale do Rio Doce (nesse estudo referida como VALE), originariamente uma empresa brasileira, fundada em 1942, foi privatizada em 1997, quando o Consórcio Brasil, liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), adquiriu 41,73% das ações ordinárias do Governo Brasileiro. Inicialmente, a empresa atuava apenas na região Sudeste do Brasil, mas atualmente está presente em outras regiões do país e no exterior. O texto no seu website esclarece que “o desenvolvimento de um amplo programa de pesquisas minerais tem por objetivo buscar oportunidades de qualidade e que estejam em sintonia com a estratégia de crescimento da Vale, garantindo novas reservas minerais para o futuro”.

Quadro 1 - descrição técnica dos vídeos analisados

Código Título Tipo Data Duração

(1)Mina de Cobre

SossegoComercial para

TVJulho - 2004 60”

(2) Logística ValeComercial para

TVOutubro -

200460”

(3)Campanha

Institucional CVRDComercial para

TVAbril - 2005 1’01”

(4)Investimentos

2006Vídeo

institucionalFevereiro-2006 1’

(5) Expansão AlunorteVídeo

institucionalMarço -2006 30”

(6) Mais UmVídeo

institucionalAbril – 2006 60”

A análise de um conjunto de seis vídeos (quadro 1) produzidos pela empresa examinou quais narrativas estão presentes no material analisado. Da análise, emergiram seis storytellings, conforme descrição a seguir:

STORYTELLING 1: A VALE INAUGURA UMA NOVA ERA PARA O BRASIL

No vídeo (1), a narrativa inicia-se com a apresentação da empresa e a promessa de um futuro de desenvolvimento, acenando para uma nova era: “a

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vale do Rio doce está inaugurando uma nova era no Brasil”. A narrativa continua vislumbrando um futuro para o Brasil e para a empresa: “a era do cobre, uma era em que o Brasil vai passar a ser exportador de cobre”. Uma “era de mais desenvolvimento e empregos para o Pará” é a narrativa da estratégia da empresa: crescer, expandir e diversificar. Na dimensão visual, a narrativa inicia-se com imagens da empresa, suas minas, instalações, equipamentos, grandes e modernos, ambiente de trabalho seguro e agradável. Imagens de funcionários trabalhando nas instalações da empresa, acenando, felizes, unidos, cantando, confundindo-se com a comunidade. Os funcionários mostram, com orgulho, o crachá da empresa, acenam com sinal de positivo para as ações estratégicas da empresa. Ainda na dimensão visual, letreiros apontam a empresa como modelo de integração com a comunidade, modelo inédito de preservação ambiental, de eficiência e de nacionalismo. Na dimensão oral, a narrativa é centrada na geração de empregos para a região, onde “todo mundo, ganha tudo”, ou seja, apostar na Vale, é apostar no Brasil. Ao final da narrativa, as imagens das novas instalações da empresa na Mina do Sossego e a locução enfatizam a estratégia de internacionalização da empresa: “Mina do cobre do Sossego, para o Brasil passar a ser exportador de Cobre”.

STORYTELLING 2: A VALE TEM CORAGEM

O vídeo (2) inicia, na dimensão visual, com a imagem de um trem despontando de um túnel; em seguida, a ferrovia e o horizonte passam a impressão de distância, da dimensão pela qual a empresa transporta produtos Brasil afora. Na dimensão oral, a locução narra como a VALE está diversificando: “Agora você vai conhecer o caminho das pedras. E também do agronegócio, da siderurgia, da construção, do cimento, do combustível e de mais uma série de produtos transportados pela Vale Logística”. A narrativa continua com imagens das instalações da empresa, equipamentos grandes e modernos, funcionários nas minas e nos escritórios, acenando, sorridentes, ora com a bandeira nacional, ora com a mão no peito, ora abraçados uns aos outros. O jingle é uma adaptação da música Vale

Tudo, cuja letra reforça a importância da estratégia da empresa para o país: “Pro Brasil crescer, Vale o que quiser, [...] do Sul ao Norte, onde, onde vier, essa Vale, por alguns caminhos, leva o que tiver, vale leva pelo Brasil afora, tudo o que você quiser”.

Ao final do vídeo (2), o locutor encerra com as palavras: “é o peso da Companhia Vale do Rio Doce na logística do Brasil. Vale, Inteligência em logística”. A música reforça a imagem do letreiro com o refrão: “Vale vai, Vale leva, Vale traz”.

STORYTELLING 3: A VALE É SOCIALMEN-TE RESPONSÁVEL

O vídeo (3) inicia a narrativa, na dimensão visual, com imagens da vista aérea de mata verde em uma montanha, seguida de um maestro regendo uma orquestra e os funcionários da VALE preparando-se para o trabalho. Ainda na dimensão visual, o letreiro anuncia “homens e mulheres trabalhando”. Na dimensão oral, a locução começa a narrativa da estratégia de crescimento e expansão: “Vale do Rio Doce, construindo dias melhores para o Brasil”. A narrativa continua, na dimensão oral, com a música “Vivemos esperando dias melhores, dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás, vivemos esperando o dia em que seremos para sempre”; e na dimensão visual, um jogo de imagens dos músicos em uma orquestra combinando com o maquinário moderno da empresa, crianças jogando futebol, funcionários trabalhando, instalações modernas, idosos e crianças nos projetos sociais da empresa e a comunidade. As imagens da mata verde preservada, árvores grandes e altas, filmadas de baixo para cima, enfatizam a preocupação da VALE com o meio ambiente. Fazendo parte da narrativa, também na dimensão visual, os dizeres sobre os investimentos da empresa, tanto nas suas operações como na proteção ambiental, pesquisa e projetos sociais que “estão beneficiando três milhões de brasileiros”. Ao final, crianças construindo a bandeira nacional no solo, utilizando-se da grama densa, verde e bem cuidada. A locução encerra: “Vale, a empresa privada que mais investe no Brasil”.

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STORYTELLING 4: A VALE É MODERNA E EFICIENTE

A narrativa do vídeo (4), reforçando a estratégia de crescimento da empresa, inicia com a locução: “A Vale é a empresa privada que mais investe no Brasil”. Em seguida, as imagens de funcionários acenando rumo à empresa, mostrando as instalações, maquinários, as ferrovias e as minas da empresa. Os funcionários mostram o crachá, acenam com a bandeira nacional, num misto de orgulho e forte nacionalismo para com a empresa. As imagens das letras garrafais contam como a VALE investiu e tornou-se a “maior mineradora de ferro do mundo”, “a empresa brasileira que mais exporta”; e como ela se importa com o país e o meio ambiente: “maior investimento em reflorestamento da história”, “um dos maiores investimentos sociais do Brasil”, “maior refinaria de Alumina do mundo”, “maior investimento em ferrovias do país”. A narrativa presente na música é clara: a empresa é brasileira, confunde-se com o país: “meu grito de guerra é o grito de gol, gol, gol ...”. A locução reforça narrando os investimentos que ela pretende fazer no futuro e justifica com o forte nacionalismo: “Por que, para crescer como a Vale, é preciso acreditar no Brasil, como a Vale”. A narrativa encerra-se, na dimensão visual, com o slogan da empresa: “CVRD – a empresa privada que mais investe no Brasil”; e, na dimensão oral, a locução: “Vale! Vale a pena acreditar no Brasil” é reforçada pelo jingle: “eu sou um brasileiro e mando um beijo para você. Brasil.”

STORYTELLING 5: A VALE CRESCE E FAZ O BRASIL CRESCER

O vídeo (5) inicia a narrativa, na dimensão oral, com a apresentação de “mais um grande empreendimento da Vale para o crescimento do Pará e do Brasil: a expansão da Alunorte” e a música “Brasil, [...] eu sou um brasileiro e mando um beijo pra você”. Na dimensão visual, funcionários entram acenando, sorrindo, fazendo sinal positivo, tendo ao fundo as instalações e equipamentos da empresa. A narrativa oral prossegue enfatizando os investimentos realizados pela empresa, com o objetivo de crescer ainda mais: “fazer da Alunorte

a maior refinaria da alumina do mundo”. A música comemora a estratégia de expansão com o refrão “meu grito de guerra é o grito de gol, gol, gol [...] faz um, mais um, faz um”, típico dos brasileiros. Na dimensão visual, os funcionários narram, utilizando-se de placas, como a empresa investiu para ser a maior refinaria do mundo, ao mesmo tempo em que investiu na conservação de florestas e no Brasil. A última placa é uma homenagem ao sucesso da estratégia da empresa, já que a Vale se confunde com o país: “Parabéns Brasil”. A narrativa encerra-se com o refrão “eu sou um brasileiro e mando um beijo para você. Brasil” na dimensão oral e com o slogan da empresa: “CVRD, a empresa privada que mais investe no Brasil”.

STORYTELLING 6: A VALE É ORGULHO NACIONAL

No vídeo (6), a narrativa inicia-se com a apresentação da empresa como “orgulho nacional”, assim como o futebol brasileiro, que conforme a empresa, é “o maior orgulho de todos nós”. Mostra, logo no início, o crepúsculo, a vista aérea da mata, os equipamentos da empresa. A locução narra como a “Vale, orgulho nacional, torcendo pelo maior orgulho de todos nós... o futebol brasileiro”. O refrão da música reforça: “Brasil, [...] eu sou um brasileiro e mando um beijo pra você”. Na sequência, as imagens contam como a empresa se confunde com o país: os funcionários, no local de trabalho, festejando, ao mesmo tempo em que imagens de pessoas dançando, em vestes verde-amarelo, fazem batucada, dançam capoeira e comemoram o futebol. Os funcionários assistem ao jogo pela televisão, na própria empresa, acenando com a bandeira nacional. A narrativa enfatiza que a empresa, assim como o futebol, deve ser motivo de orgulho nacional, pois faz parte da paisagem brasileira e, se a companhia é bem sucedida; logo, o Brasil também será.

A VALE é a protagonista da narrativa, porém, analisando-se a dimensão visual, as imagens mostram os funcionários e o povo brasileiro também como atores principais, assim, como na dimensão oral, o refrão da música: “eu sou um brasileiro e

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mando um beijo pra você”. Os brasileiros fazem parte da estratégia da empresa, visto que ela é “orgulho nacional”.

Sintetizando os seis vídeos em uma única narrativa, e utilizando-se dos parâmetros de Barthes (1976), observa-se que a sequência dos eventos inicia-se apresentando a empresa como aquela que é privada e mais investe no Brasil. Uma empresa grande, rica, com instalações e equipamentos modernos. Uma empresa que, embora privada, pertence ao povo brasileiro. Ao longo do tempo, a empresa investiu em pesquisa, na geração de empregos, no Brasil, em projetos sociais, na produção, no meio ambiente, como parte de sua bem sucedida estratégia de crescimento e expansão, que obteve como resultado o reconhecimento da empresa, em âmbito mundial, como a maior, a que mais investe, a que mais cresce. Para crescer, a empresa diversificou, internacionalizou, e atuou de forma socialmente responsável. Retomando os dizeres de Boje (1991), quanto à relevância do desfecho para criar significados, encontramos, ao final da narrativa, homenagens para a empresa, que foi bem sucedida, e para o Brasil, que recebe os seus investimentos, contribuindo, assim, para a construção de significados que unem o país e a empresa.

O protagonista das narrativas é a empresa, embora funcionários, o Brasil e os brasileiros também atuem como atores coadjuvantes. A narrativa é construída por diversas vozes: funcionários, a empresa, o povo brasileiro e um locutor anônimo, constituindo um único discurso, ao contrário da polifonia (KORNBERGER, CLEGG E CARTER, 2006), que emerge de forma estratégica para que a empresa reproduza a si mesma. Nesse sentido, os vídeos constituem-se em uma forma de narrar a história silenciando discursos para construir a realidade a partir do discurso dominante (BOJE, 1995).

A análise dos vídeos encontrou alguns aspectos comuns como, por exemplo, o slogan da empresa, “CVRD – A empresa privada que mais investe no Brasil” finaliza todas as narrativas. Um outro aspecto bastante simbólico é que os funcionários da empresa estão todos uniformizados, utilizando equipamentos de segurança, com crachás de identificação e apresentam-se como uma força

de trabalho diversa, ou seja, estão presentes nesse universo, homens, mulheres, negros, brancos, jovens e adultos. Todas as músicas dos vídeos são de compositores da música popular brasileira, que tiveram as letras adaptadas para os jingles da empresa. A seguir (quadro 2), a análise da narrativa revela os protagonistas, as vozes e os significados encontrados no material analisado.

A VALE é, por sua própria definição, “a empresa privada que mais investe no Brasil”. A imagem que a empresa estabelece dela mesma é que ela cresce, porque acredita no Brasil, investe no desenvolvimento do país e, ainda, o seu sucesso confunde-se com o sucesso do próprio país, remetendo a Vendelo (1998), quando esse sugere que storytellings são mecanismos usados pelas corporações para fortalecer sua reputação e ganhar legitimidade.

Os vídeos não apenas oferecem informações sobre a empresa, mas também produzem uma narrativa. De uma perspectiva interpretativo-simbólica, os vídeos criam uma intrincada rede de simbolismo visual e discursivo, uma estratégia de comunicação destinada a influenciar a percepção e as interpretações da audiência (WOOD JR, 2000), construindo uma imagem de uma empresa forte, moderna, nacionalista, socialmente responsável e eficiente, cujas estratégias foram bem sucedidas.

Os valores organizacionais, entendidos como os comportamentos escolhidos pelos membros da organização, na perspectiva da integração (MARTIN, 2002), traduzem as preferências da organização ou os princípios de conduta adotados por todos os membros, homogênea e harmoniosamente. Assim, esses valores são utilizados na gestão da cultura corporativa para assegurar melhores resultados.

As imagens e palavras nos vídeos analisados estabelecem uma ligação entre as histórias bem sucedidas da empresa e os diversos atores (funcionários, comunidade, a torcida do povo brasileiro) que contribuem para a construção de uma empresa que é privada, mas nacional, forte, eficiente e responsável. Nessa perspectiva, como Boje (1991) ressalta, tanto o narrador quanto os ouvintes da história são co-construtores, na medida

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em que o público interno e externo aceita essa história como parte da realidade, passando assim, a participar de sua construção e reconstrução.

De acordo com Putnam et al (2004), as metáforas da performance e do símbolo exploram a relação entre as mensagens, significado e contexto que, nesse caso, foi marcado pelas manifestações nacionais anti-privatização da empresa em questão, por ocasião da venda de parte da empresa. Logo, a construção do significado de empresa nacional, que acredita no Brasil tanto quanto qualquer brasileiro deve acreditar.

Tanto a dimensão visual quanto a oral narram como a empresa é bem sucedida: sua eficiência na administração de recursos e investimentos, o tratamento dispensado aos funcionários e à comunidade em seu entorno, a responsabilidade da empresa quanto ao ambiente e à sociedade, e o esforço despendido para o crescimento do Brasil, o que parece sugerir, que trata-se de um mecanismo para legitimar (VENDELO, 1998) a estratégia da organização e garantir sua reputação. Assim, parece clara a perspectiva do ambiente enacted (SMIRCICH; STUBBART, 1986), na qual a organização/ambiente é um mundo simbólico socialmente criado, cuja gestão pressupõe a criação de um contexto.

4. Considerações finais

Este estudo analisou como o uso de storytellings através de vídeos institucionais e anúncios publicitários são utilizados para construir significados. As organizações são constituídas por suas histórias que, por sua vez, estão relacionadas com a realidade das organizações. Histórias organizacionais são vistas como uma forma de transmitir a cultura organizacional para os novos

membros, manter e desenvolver a percepção da organização de forma a garantir a consistência na coordenação de diferentes elementos que estão envolvidos em uma organização.

Para alcançar o propósito do trabalho, utilizou-se de uma abordagem interpretativa, considerando as dimensões visual e oral do material utilizado para construir a narrativa da empresa. Da análise, emergiram seis storytellings. Foi examinada a sequência dos eventos, os protagonistas, as vozes, os significados e as histórias presentes, que evidenciaram vários elementos (estratégia, valores e crenças) que são disseminados para criar, manter e disseminar a cultura organizacional.

Foram evidenciados vários elementos que, juntos contribuem para criar um senso de patriotismo, orgulho e disposição em crescer, funcionando como o gerenciamento de impressão, constituindo, assim, uma organização de simbolismo intensivo (WOOD JR., 2000). As vozes são múltiplas: Vale, funcionários, comunidade e o povo brasileiro. Contudo, como Kornberger, Clegg e Carter (2006) sugerem, algumas vozes podem ser silenciadas por discursos dominantes. Cabe esclarecer que a perspectiva deste artigo é contrária à omissão de vozes, cujas consequências devem ser conhecidas pelos executivos. Admite-se sim, que as organizações são construídas e reconstruídas discursivamente pela emergência de uma multiplicidade de discursos, embora o gerenciamento da impressão seja aplicado como uma tentativa de redução da ambiguidade e aumentar o nível de estruturação.

O estudo contribui para os estudos da cultura organizacional na medida em que ressalta o modo como as organizações produzem e reproduzem suas narrativas com o objetivo de criar, manter e disseminar a cultura. Recorrendo, outra

Quadro 2 - análise da narrativa

Protagonista Vozes Significados Outros contextos

VALE, Brasil, povo brasileiro, funcionários

Vale, funcionários, povo brasileiro, locutor

Força, grandeza, riqueza, nacionalismo, orgulho, segurança,

diversidade, tecnologia, uma empresa do povo brasileiro, empresa socialmente responsável, valorização

da comunidade, valorização do meio ambiente, preocupação com o desenvolvimento do país, empresa

privada que investe no Brasil, capacidade de investimentos

- a visão de futuro da empresa- a missão da empresa

- os objetivos da empresa- os valores, e crenças

- as estratégias- heróis

-cerimônias- rituais

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vez, a Smircich e Stubbart (195), a abordagem interpretativa tem potenciais contribuições na solução de problemas estratégicos, como no caso de falhas de implementação de mudanças decorrentes da falta de atenção dada à natureza social da formação das organizações. Outras contribuições são apontadas, como as possíveis implicações da narrativa como elemento na construção da realidade organizacional.

Finalmente, sugerem-se alguns desafios para o avanço de estudos interpretativos que considerem as narrativas, como, por exemplo, incluir outro tipo de material para ilustrar a consistência do repertório dos vídeos. Além disso, conhecer as interpretações de outros sujeitos, sejam eles parte do público interno ou externo, com o propósito de identificar ambiguidades, dissensos ou conflitos que possam existir.

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Mudando para Seleção por Competência: um Caso Paranaense

Moving To Competency-Based Selection: A Parana Case

Keyla Cristina Pereira Prado1

Sérgio Bulgacov2

Resumo

O principal objetivo deste estudo é descrever e analisar as formas e conteúdos dos processos de seleção dos trabalhadores, em uma organização que investe no desenvolvimento das competências e conhecimentos dos trabalhadores, adotando o método de seleção baseado em Gestão por Competências. Um estudo de caso realizado em uma indústria paranaense mostrou que a Seleção por Competências constitui-se em ferramenta eficaz de gestão de pessoas, desenvolvida com base no mapeamento de habilidades, conhecimentos e atitudes necessárias para cada cargo. Trata-se de um recurso personalizado para a captação de perfis mais compatíveis com o especificado pelos setores da organização. O estudo realizado durante a implantação do sistema na empresa mostrou que o investimento no desenvolvimento das competências e conhecimentos dos trabalhadores traz repercussões sobre a produtividade final e a competitividade da empresa.

Palavras-chave: Seleção por Competência; Gestão por Competência; Gestão do Conhecimento.

Abstract

The main goal of this study is to describe and analyze the procedures and approaches for worker selection of a corporation bounded to invest in knowledge and competency-based people management. The process has started with the introduction of competency-based selection. The case study conducted in an industrial corporation in the State of Paraná, Brazil, resulted in showing how effective is the competency-based selection process for employees hiring. The process is grounded with mapping the abilities, knowledge and behavior specified for each organization area. The outcome of this study shows that the investments in employee’s competencies and knowledge development have a positive impact on work productivity and market competitiveness.

Key words: Competency-based Selection, Competence Management, Knowledge Management.

1 Possui graduação em Administração pela Faculdade de Educação Superior do Paraná - FESP-PR, Brasil e Especialização em Administração de Pessoas pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil. Contato: [email protected]

2 Professor de graduação da Universidade Federal do Paraná - UFPR e do Programa de Pós-Graduação em Administração da mesma universidade - PPGADM/UFPR, Brasil. Possui doutorado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo - FGV/SP, Brasil e pós-doutorado pela University of Birmingham, Inglaterra. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 21/10/2010 - Aprovado em 18/12/2010

1 Introdução

Nos últimos anos, as organizações têm passado por inúmeras e crescentes mudanças, em razão das transformações que vem ocorrendo no cenário político econômico, social e também no ambiente interno. As mudanças externas causadas

pela globalização, financeira, comercial, provoca alterações expressivas na maneira de atuar das organizações. Antes o planejamento das empresas era regional ou no máximo nacional, hoje ela tem que agir e planejar estratégica e globalmente.

Tais mudanças têm afetado diretamente o ambiente interno das organizações, que

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precisam rever alguns conceitos de seus modelos tradicionais de gestão. Modelos, onde o homem é visto de maneira secundária, como mera peça da engrenagem. Para se manter competitivo no atual mercado, há uma necessidade de substituição gradativa dessa visão reducionista e focar mais os indivíduos como seres humanos, com a percepção de que pessoas são peças essenciais para dar movimento à engrenagem das organizações. Desse modo, a Gestão por Competência ganhou grande impulso nesta era globalizada.

O mercado atual de trabalho tem como foco as competências. Antes se observava apenas as habilidades técnicas do profissional, hoje trabalhadores que possuem grandes habilidades técnicas podem ser vistos como dispensáveis se não possuírem competências comportamentais desejáveis.

A implantação do Sistema de Gestão por Competências promove mudanças estruturais na área de recursos humanos, com a finalidade de simplificar a execução do processo e aproximar seus clientes internos. A Gestão por Competências constitui-se em ferramenta eficaz de gestão estratégica de pessoas, desenvolvida com base no mapeamento de habilidades, conhecimentos e atitudes necessárias para cada cargo. Trata-se de um recurso personalizado para a captação de perfis mais compatíveis com o especificado pelas áreas organizacionais.

Com o objetivo de descrever e analisar as formas e conteúdos dos processos de seleção dos trabalhadores, em uma organização determinada, a investir no desenvolvimento das competências e conhecimentos de seus colaboradores, com base em Gestão por Competências e RH Estratégico, realizou-se um estudo de caso em uma indústria paranaense do setor de embalagens. O estudo mostrou que investir no desenvolvimento de competências e conhecimentos dos colaboradores da empresa repercute sobre sua produtividade e competitividade.

Este artigo apresenta uma fundamentação teórica sobre a Seleção por Competências, que serviu de base para o processo bem sucedido da

implantação estudada. Para situar a situação do estudo, apresenta-se breve caracterização da empresa estudada, a metodologia da pesquisa e as recomendações à implantação do Sistema de Seleção por Competências.

2 Revisão bibliográfica

O mundo em transformação constrói o futuro em ciclos, ora estáveis, ora instáveis. São grandes revoluções que colocam em dúvida, questionam e modificam o que até então era tido como a maneira correta de fazer, de viver, de administrar, de se relacionar, reordenando o funcionamento das coisas, numa transição que vai de um período de estabilidade, adaptação e conformismo, para momentos de instabilidades na preparação de um novo ciclo.

As forças dinamizadoras da Era digital criaram um ambiente de rápidas mudanças, onde predomina a velocidade e a volatilidade ao invés da estabilidade. No entanto, é de grande valia lembrar que na transição é preciso adaptar o melhor do que foi construído, o melhor da história de uma cultura, do que começar do zero. A história é repleta de bons valores e hábitos que irão determinar os caminhos do futuro. Antes havia uma maneira certa de fazer alguma coisa, hoje existem centenas, milhares. É preciso aproveitar o que foi construído e as novas oportunidades para repensar os métodos, processos e relações.

Essa nova economia, apesar de representar o progresso, apresenta uma falta de sincronia no que tange ao mercado de trabalho. Na medida em que novas oportunidades surgem, ocorre uma dificuldade de adequação, tanto dos indivíduos, moldados pela antiga realidade, quanto das organizações movida pela nova economia. Silva (2003) observa que diariamente encontram-se pessoas insatisfeitas com as condições a que estão submetidas no ambiente de trabalho e, contrastando com o constante investimento organizacional em busca de produtividade, qualidade, competitividade e lucratividade. O retorno desses investimentos pode ser positivo quanto aos aspectos econômicos e técnicos. No entanto, quanto aos aspectos humanos, nem sempre são tão significativos, além

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do surgimento de problemas colaterais, tais como estresse, desemprego, deteriorização do clima organizacional, etc.

O mundo do trabalho passa por profundas transformações, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos, que por sua vez acabam por provocar reestruturações nos campos político e social. Essas mudanças são impulsionadas, em grande parte, pela globalização da economia e aumento da interdependência entre mercados, mas, também, pela rapidez com que novas tecnologias de informação são introduzidas e renovadas, alterando rapidamente o padrão das trocas de informação e o acesso a novos territórios.

As mudanças estruturais mais significativas em andamento no cenário econômico foram apontadas por Hamel e Prahalad (2000) como sendo a globalização (exige maior capacidade de inovação), a desregulamentação e privatização (altera as relações microeconômicas), a volatilidade (afeta a produção e o desenvolvimento de produtos), a convergência de tecnologias, a ruptura de fronteiras entre os setores, a mudança de padrões, o surgimento de novos canais entre produtor e consumidor-final e a consciência ecológica, que tenderá a moldar as demais variáveis. Nesse contexto, as organizações necessitam instituir uma política de gestão que as tornem mais competitivas do ponto de vista econômico e, ao mesmo tempo, mais atraentes no que diz respeito à gestão de seus Recursos Humanos, como a implantação de projetos de Gestão por Competências.

O foco da Gestão por Competência é a observação e a análise do desempenho das pessoas reais numa situação real, para identificar as competências existentes na empresa, as competências desejáveis e as lacunas que por ventura existam entre elas. As organizações buscam identificar as competências (conhecimentos, habilidades e atitudes) necessárias para melhoria das performances individuais que se convertam em melhor desempenho empresarial. As organizações com foco na excelência buscam competências e não mão de obra.

As competências essenciais, na teoria de Prahalad e Hamel (1998), são conceituadas como o aprendizado coletivo na organização, dependente da comunicação, envolvimento e comprometimento de trabalhar intersetorialmente em equipes multidisciplinares. Não se restringe às qualificações específicas do cargo ou posição, tendo em vista que a complexidade das tarefas não pode ser contida numa descrição tradicional de cargos.

Silva (2003) ressalta que fatores e contingências econômicos, políticos e sociais de mercado influenciam a relação entre a organização e seus recursos humanos, em concordância com a teoria de Hamel e Prahalad (2000).

Um ambiente empresarial caracterizado por profundas mudanças e pela necessidade de respostas de mercado cada vez rápidas engendra mudanças no perfil de gestores e de colaboradores. Novas competências são exigidas da área de recursos humanos, para que desempenhe papel estratégico na gestão das organizações. Dessa forma, a concepção de recursos humanos foi sendo substituída pela de gestão de pessoas (DUTRA, 2007). Com a concepção de gestão de pessoas foram introduzidos novos métodos e novos questionamentos sobre cultura, comprometimento organizacional, subjetividade e sentido do trabalho (DEJOURS, 2001). O novo estilo passou a focar o desenvolvimento de culturas organizacionais de competência e resultados, refletindo-se em mudanças nas políticas e práticas de gestão. Tal evolução ocorreu concomitantemente à construção de discursos sobre valorização dos indivíduos e suas capacidades de iniciativa, decisão e intervenção.

De acordo com Gramigna (2004), a Gestão por Competências promove grande impacto nos resultados organizacionais. Os treinamentos são montados, de acordo com as estratégias da organização. Para isso, são cruciais a criação e fortalecimento de valores que facilitem a aprendizagem, tais como respeito à diversidade, tolerância a erros e abertura a ideias alheias, conforme recomenda Leonard-Barton (1998).

A palavra competência normalmente está associada à aptidão individual para executar uma

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tarefa. Há várias interpretações e conceitos de competência e podem-se identificar duas linhas principais: a escola francesa, com ênfase no vínculo entre trabalho e educação, e a escola anglo-saxã, com ênfase no mercado de trabalho e desempenhos demandados no exercício profissional.

O tema da gestão por competência ganhou relevância após artigo de McClelland, publicado em 1973 (FLEURY e FLEURY, 2004), em que afirmava que os testes tradicionais de seleção não eram capazes de predizer o sucesso do candidato nem no trabalho nem na vida pessoal. A partir de então, McClelland empreendeu a busca de métodos de avaliação, para identificar as competências associadas à previsibilidade de êxito no trabalho e na vida. Concluiu que competências são características pessoais compostas de aptidões, habilidades e conhecimentos, capazes de promover desempenho superior em tarefas específicas. Tal conclusão é sintetizada por Rabaglio (2004), afirmando que conhecimentos, habilidades e atitudes são os diferenciais de cada pessoa para gerar impacto diferencial em seus desempenho e resultados.

Zarifian (2001) justificou a emergência da gestão das competências diante da necessidade de se obter cooperação dos trabalhadores na resolução de problemas e compartilhamento de conhecimentos sobre o processo produtivo. Isso coincide com a introdução do conceito de cliente interno nas práticas administrativas. Portanto, a competência pressupõe a capacidade de transferência de conhecimento, aprendizagem e adaptação. No entanto, no contexto da gestão do conhecimento, a autonomia do trabalhador não poder ser entendida apenas como a adoção de um procedimento mais adequado, mas sim, como a liberdade de tomar uma iniciativa.

Para Gilbert e Parlier, apud Le Boterf (2003), as competências compõem um conjunto de conhecimentos, capacidade de ação e comportamentos regidos pela racionalidade instrumental. Sendo assim, a competência pressupõe a capacidade de transferência de conhecimento, de aprendizagem e de adaptação. Ser competente é poder adaptar a conduta a situações novas e

imprevistas; é poder improvisar onde os outros não fazem mais do que imitar.

Para Le Boterf (2003) competência é um saber agir responsável, reconhecido pelos outros, baseado no conjunto de aprendizagens sociais e comunicacionais resultantes do processo de socialização-educação e pelo sistema de avaliações. Isto implica saber mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades no contexto organizacional. Le Boterf (2003) compara a competência a um saber mobilizador, porque a posse de conhecimentos, capacidades e habilidades não faz ninguém tornar-se automaticamente em um competente. É preciso saber mobilizar os atributos da competência de forma oportuna no momento oportuno, em uma situação de trabalho.

O significado de competência é utilizado por Fleury e Fleury (2004) como sendo a conjugação de uso, mobilização, integração, desenvolvimento e transferência de conhecimentos, recursos, habilidades e experiências que agreguem valor à organização e valor social ao indivíduo.

Dutra (2007) observa que embora as pessoas desenvolvam conhecimentos, habilidades e atitudes, não há garantias de que a organização se beneficie disso diretamente se não houver compartilhamento, e introduz a noção de “entrega”, que se refere ao agir com responsabilidade para receber reconhecimento como recompensa.

Da convergência dos conceitos, pode-se dizer que competências indicam um conjunto de características pessoais (conhecimento, habilidades e atitudes) que estimulam atuações profissionais de resultados previsivelmente excelentes, para uma determinada demanda, numa determinada cultura organizacional.

2.1 Evolução do processo de seleção de pessoas

O processo de seleção de pessoas visa agregar indivíduos à organização. Seu objetivo é identificar indivíduos que apresentem grande probabilidade de obter bom desempenho no trabalho. De forma geral, a seleção tradicional é um processo de comparação e escolha. Na comparação, considera-se a descrição e

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análise do cargo em conjunto com os procedimentos de seleção. Na escolha, a decisão final de aceitar ou rejeitar os candidatos é responsabilidade do setor requisitante. Os procedimentos técnicos tradicionais valorizam as variáveis internas em detrimento das condições ambientais necessárias para a ocorrência dos comportamentos esperados. Reunidas as informações sobre o cargo a ser preenchido, o passo seguinte é a escolha de técnicas de seleção (entrevista, provas de conhecimento e capacidade, testes psicométricos, testes de personalidade, técnicas de simulação, etc.) para conhecer e escolher os melhores candidatos.

A Seleção por Competências, do ponto de vista estratégico, fornece aos gestores e profissionais de RH ferramentas que permitam mapear o perfil de competências. Trata-se de um processo para identificar candidatos com as maiores probabilidades de ajustar as características pessoais às características organizacionais. Rabaglio (2004) afirma que a seleção por competências apresenta maior objetividade e maior grau de validade, porque troca as avaliações subjetivas e intuitivas pela métrica comportamental.

Segundo Rabaglio (2001), o método pode ser empregado na seleção de todos os cargos de uma organização, mesmo que não tenha implantado a Gestão por Competência. Suas principais vantagens são: maior objetividade, previsibilidade e sistematização; melhor adequação do profissional à atividades da empresa; maior produtividade e percepção de respeito aos seres humanos.

O processo de Seleção por Competência ocorre em três etapas: construção do Perfil de Competências; Entrevista Comportamental e Jogos com foco em competências.

O perfil de competência profissional é construído através de responsabilidade compartilhada entre profissionais da área de seleção e da área requisitante. São definidos os indicadores de competências, critérios baseados nos requisitos técnicos e comportamentais exigidos para o exercício do cargo, a sua descrição, principais desafios, projetos a ser desenvolvidos, situações críticas a ser administradas, características dos principais clientes

internos que influenciam no cargo, cultura da equipe, cultura da liderança, missão, visão e valores da área requisitante, cultura da empresa e outras informações específicas do cargo. A partir desses indicadores extraem-se as competências desejáveis para a eficácia do colaborador. As competências profissionais fazem parte das estratégias de diferenciação competitiva no mercado de trabalho.

Com base no Perfil de Competências, elaboram-se a Entrevista Comportamental e os Jogos com foco em Competências, que são as duas ferramentas propostas pela metodologia. A partir da descrição das atividades, são identificadas as competências necessárias e as informações a serem se assimiladas, para se gerar os conhecimentos associados a cada competência. A definição do perfil de competências para o cargo a ser preenchido é baseada nos comportamentos do atual ocupante do cargo, pois se trata de exemplo sobre o que deve ser procurado nos pretendentes para o cargo em questão.

As etapas para o mapeamento das competências, de acordo com Rabaglio (2004), são três. A primeira, é o levantamento dos indicadores de competências, em que se compilam todas as informações sobre o cargo, os conhecimentos, habilidades e atitudes. Cada informação de uma descrição de cargo indica várias Competências. A segunda etapa consiste no agrupamento das competências comportamentais. A terceira etapa é a definição das competências técnicas e comportamentais. Para Rabaglio (2004), conhecimentos e habilidades são competências técnicas do cargo, enquanto as atitudes são as Competências Comportamentais. Feito tal levantamento, é possível mapeá-las para utilizar na entrevista.

A entrevista comportamental de seleção com foco em competências é uma técnica valoriza o tempo nas organizações. Entrevistar é dialogar, trocar informações, entender o ponto de vista do outro, compreender e ser compreendido, influenciar e ser influenciado, num tom amistoso e não persecutório ou policialesco, com vistas a desenvolver um conhecimento mais aprofundado a

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respeito de informações de interesse de cada parte (BUENO 1999).

A entrevista comportamental foi criada na década de 70 por psicólogos organizacionais e popularizada pelo Dr. Paul Green da empresa Behavioral Technology, em Memphis, Tennessee, EUA. Segundo Rabaglio (2004), é o tipo de entrevista e método mais popular usado nos Estados Unidos, tanto em pequenas quanto em grandes empresas. A estrutura da entrevista é elaborada, de modo a tornar possível investigar o comportamento passado da pessoa numa situação similar da competência a ser investigada.

A partir de conjunto estruturado e padronizado de questionamento possibilita que o entrevistador colha as informações necessárias de cada um dos entrevistados. A entrevista comportamental é uma entrevista personalizada baseada no Perfil de Competências específico. Cada Perfil de Competências gera uma entrevista personalizada, com foco nas competências imprescindíveis para o cargo. Nessa entrevista não se recomendam as perguntas hipotéticas, fechadas, de múltipla escolha, indutiva. A entrevista é um encontro face a face entre um ou mais entrevistadores, que estão recolhendo informações ou tomando decisões para contratação, e um entrevistado (SPECTOR 2002).

Gramigna (2004) cita, em acréscimo, a entrevista de incidentes críticos, utilizada com grande êxito até hoje, como uma técnica que permite a verificação da adequação de uma pessoa ao perfil de competências de determinada cargo ou função.

As características da entrevista comportamental consistem em:

a) Perguntas abertas específicas, com verbos de ação no passado, que possibilitam investigar os comportamentos passados em situações específicas da função; são perguntas comportamentais que ajudam a investigar a presença ou ausência de competências específicas;

b) Investigação da experiência passada do candidato;

c) Conhecer o comportamento do candidato em situações específicas do cargo;

d) Todas as perguntas são planejadas para identificar a presença ou ausência de competências do Perfil de Competências no comportamento passado do candidato, em suas rotinas e atribuições.

Trata-se de uma técnica de investigação que compara os comportamentos que as pessoas utilizam no seu dia-a-dia. Como observa Le Boterf (2003), a competência manifesta-se na ação, não pode ser inventada na hora. Por isso, na entrevista comportamental as questões são abordadas com verbos no passado, em que o entrevistado relata fatos ocorridos, dificultando a mentira.

Segundo Rabaglio (2001), as perguntas são planejadas para obter respostas que tenham: Contexto, Ação e Resultado, denominando a entrevista como técnica CAR.

Exemplo: “Fomos alertados que estávamos com problemas de comunicação. Então fiz um levantamento e observação, concluí que o problema realmente era falta de treinamento. Contratamos uma empresa para treinar nossos funcionários.”

Contexto: problemas de comunicaçãoAção: levantamento, observação e conclusão.Resultado: contratação de treinamento. Essa técnica permite ao entrevistador

desenvolver habilidades para colher respostas completas que contenham esses três itens essenciais para o diagnóstico das competências pretendidas. Utilizam-se perguntas abertas e específicas, com verbo de ação voltado ao passado.

Rabaglio (2001) sugere algumas regras de codificação de competências, tais como:

• Eu (não “nós”, “a gente”);

• Fatos específicos (não generalizações);

• Comportamento passado;

• Clareza, sobre quem estava envolvido no evento (papéis, etc.);

• Pensamentos e sentimentos no momento do evento (não os relativos a reflexão).

Declarações que oferecem poucas informações não devem ser aceitas em uma entrevista CAR, pois não permitem a classificação das competências comportamentais. Se o candidato insistir em dar

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respostas vazias, o entrevistador precisa intervir com perguntas que ajudem a complementar a busca do comportamento desejado, como por exemplo:

Os questionamentos são elaborados de modo a provar por evidências comportamentais (exemplos de situações vividas) o que o candidato disse, fez, sentiu e pensou e quais foram os resultados da sua ação em determinada situação. Isso é o que possibilita ao entrevistador obter dados sobre as habilidades críticas relacionadas ao atributo ou competência investigada.

O objetivo será levantar os comportamentos relevantes do histórico do candidato e classificá-los, a fim de compreender e avaliar sua qualificação e capacitação para o cargo proposto. Obtendo essas informações de maneira completa, será possível analisar as competências, comparando-as com aquelas que foram definidas no Perfil de Competências.

A entrevista deve ser vista no contexto como um dos métodos de investigação, como uma forma complementar do processo de seleção. Assim, a entrevista para seleção por competências é um processo desenhado para obter e esclarecer evidências do candidato relativas às competências necessárias para a função.

A preparação para a entrevista comportamental envolve quatro aspectos que não podem ser negligenciados pelos entrevistados:

1. Análise do currículo ou solicitação de emprego – conferência do currículo antes da entrevista, pretensão salarial, levantamento de inconsistências e lacunas informacionais.

2. Preparar adequadamente o local da entrevista para que seja reservado, agradável, sem barulho, pouco suscetível a interrupções inesperadas e com poucos estímulos visuais.

3. Respeitar a pontualidade, pois representa respeito pelo ser humano, postura ética profissional e transmite imagem positiva do trabalho da seleção e da empresa.

4. Ter em mãos todo o material necessário (currículo, formulário de entrevista

preparado com as perguntas de acordo com o perfil de competências e relógio).

Por considerar que a estrutura da entrevista por competências é fundamental para evitar a subjetividade e os preconceitos, Rabaglio (2004) sugere duração planejada e controlada de 45 a 60 minutos.

Ao término de uma entrevista, Almeida (2004) recomenda que o entrevistador proceda a avaliação de cada competência do candidato. Ao se avaliar logo após o término da entrevista, evita-se cometer erros comuns, tais como efeito halo (formar impressão boa ou ruim do candidato e aplicá-la a todas as competências avaliadas), síndrome de anjo da guarda (erro da leniência), síndrome do lobo mau (erro da rigidez excessiva), etc.

Não há regras prontas para pontuar as competências, cada entrevistador pode definir sua fórmula para formar o gradiente dos níveis de competências encontradas no candidato.

2.2 Jogos de empresa baseados em compe-tências

Em 1938, Johan Huizinga (2000) publicou um livro intitulado “Homo ludens: o jogo como elemento da cultura”, no qual afirma que o jogo é algo muito além de um fenômeno fisiológico ou reflexo psicológico, mas exerce uma função significante, conferindo um sentido à ação. Para Huizinga (2000), o jogo é mais primitivo do que a cultura, constituindo-se em uma base ancestral profundamente enraizada em toda a realidade humana da qual nasce a cultura. Portanto, a existência do jogo independe de qualquer cultura, raça ou ideologia e é pleno de imprevisibilidade. A imprevisibilidade, por sua vez, como observa Albornoz (2009), é introduzida e acentuada pelas táticas e estratégias, conduzindo o jogo a um processo de rápida organização e reorganização mental, física e tática, sob influência das variáveis ambientais.

Moreno (1997) afirma que umas das características fundamentais dos Jogos é o conceito de espontaneidade, pois o indivíduo está diante de uma situação nova e inusitada, o que não permite

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e não há tempo para simulações ou repetições de respostas fundamentadas em modelos anteriores pré-estabelecidos pelas normas e regras sociais.

Os jogos concebidos para auxiliar no processo de seleção por competência, de acordo com Rabaglio (2001), são ferramentas utilizadas com o objetivo de criar e recriar o conhecimento. São dinamizadas para que, por meio delas, sejam detectados traços de personalidade, crenças, valores, habilidades e conhecimentos dos candidatos. Ou seja, são utilizados os jogos adequados para observar o desempenho do candidato quanto à manifestação das competências do Perfil de Competências.

Nos processos seletivos, é cada vez mais comum o uso de dinâmicas e também de jogos para grupos. Dentre os objetivos dessas técnicas estão a integração, a sociabilidade, o levantamento de competências e a criatividade. É possível, também, avaliar como as pessoas administram o tempo, como lidam com as frustrações, qual o poder de persuasão e de argumentação, entre outros.

Bueno (1999) define jogo como uma brincadeira que estimula a competição. É baseado em regras claras, compreensíveis e específicas, gerando entretenimento, estimulando a competitividade dos participantes. Nos Jogos com foco em Competências, as pessoas reproduzem comportamentos do dia-a-dia, até mesmo sem perceber, e revelam facetas de seu caráter que normalmente não são exibidos por recear sanções. Por isso é uma poderosa e preciosa ferramenta de observação de comportamentos no processo de Seleção de Pessoal. Pois, como observam Bueno (1999) e Gramigna (2007), a espontaneidade da vivência estimulada pelo ambiente permissivo, onde as respostas não há refúgio nos processos rotineiros, surgem os comportamentos assertivos ou não assertivos e o candidato passa a mostrar as características da personalidade, valores objetivos de vida, estilos, formas de relacionamento e grau de maturidade. No ambiente de jogos, as pessoas exercitam habilidades necessárias para o desenvolvimento de autodisciplina, sociabilidade, espírito de equipe e bom senso.

Para quebrar o gelo e reduzir o nível de ansiedade dos candidatos antes da dinâmica principal com os jogos de seleção, Almeida (2004) recomenda que se aplique um exercício harmonizador. Baseando-se no Perfil de Competências, seleciona-se uma bateria de jogos, de aproximadamente quatro horas. Almeida (2004) observa também que a aplicação de jogos no processo de seleção por competências, mantém a motivação do grupo, por meio de uma atividade divertida, facilitando a observação das competências comportamental, verbal e não verbal, estimulando e promovendo a integração e descontração nos grupos.

Gramigna (2007) classifica os jogos de empresas em três tipos:

a) Jogos de comportamentos, direcionados aos temas de cooperação, flexibilidade, cortesia, confiança, afetividade etc.;

b) Jogos de processo, direcionados aos temas de planejamento, liderança, coordenação de equipes, administração do tempo, etc.;

c) Jogos de mercado, direcionados aos temas de concorrência, pesquisa de mercado, relação empresa / fornecedores, etc.

Os jogos podem ser utilizados também para auxiliar no aprendizado, em treinamentos empresariais. De acordo com Yozo (1996), as habilidades e os conhecimentos podem ser adquiridos “jogando”, pois enquanto jogam, os participantes desenvolvem a senso percepção e comunicação. Ou ainda, pode-se afirmar que conhecimentos e habilidades são desenvolvidos com a prática exercida constantemente, ou seja, por meio de atitudes.

Após a aplicação dos jogos ou dinâmicas, com o intuito de trabalhar os resultados, uma metodologia amplamente utilizada é o Ciclo da Aprendizagem Vivencial. Segundo Gramigna (2004), o método possibilita melhor compreensão e interpretação dos comportamentos dos participantes, confirmando ou mudando totalmente as percepções obtidas. Esse procedimento consiste em quatro etapas:

1. Análise, com os candidatos, dos sentimentos e emoções que a tarefa possibilitou;

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2. Discutir em relação ao desempenho do grupo na realização da tarefa, questões como liderança, comunicação, etc.

3. Pedir para que os candidatos relacionem o vivenciaram com seu dia-a-dia;

4. Mostrar como os participantes poderão aplicar os aprendizados vivenciados, em seu dia-a-dia.

A aplicação dessa análise pode ser feita apenas na principal dinâmica, não sendo necessária em todas. No encerramento das dinâmicas, todas as dúvidas devem ser sanadas.

3 Caracterização da empresa estudada

A empresa estudada foi criada na década de 80, no sudoeste do Paraná, em uma área de 300 m2 , com produção de 15 ton/mês de embalagens para cereais. Atualmente a empresa é uma das líderes em seu mercado no Paraná, ocupa espaço de 69.000 m2, com área construída de 10.500 m2, instalada com equipamentos de alta tecnologia para produzir embalagens plásticas flexíveis monoextrusadas, coextrusadas e laminadas.

As pressões impostas pelo mercado conquistado e as exigências do novo perfil de clientes (maior, mais organizado e com altos padrões de qualidade), tornaram imprescindíveis as mudanças comportamentais. O primeiro passo dessa mudança foi dado pela realização do diagnóstico através da percepção do clima organizacional, que verificou demanda interna por implantação de cultura participativa e realinhamento no estilo gerencial. O segundo passo na mudança foi contratar uma consultoria externa, com o propósito de acelerar e facilitar a legitimação das mudanças.

A empresa delineou as ações de redefinir a política de gestão de pessoas, desenvolver o perfil de liderança e formar equipes multissetoriais. Decorrente disso, a empresa designou um gestor do conhecimento, cujas atribuições incluem gerir a adequação das competências dos profissionais às necessidades estratégicas organizacionais e identificar a necessidade de desenvolvimento de

especialistas, isto é, funcionários da empresa que atuam como instrutores internos.

Para implantar a Gestão por Competência, as atenções iniciais concentraram-se no desenvolvimento das competências dos líderes, inspetores de qualidade e tecnólogos. Isso porque são em número menor e era preciso testar o modelo projetado, qual seja, avaliar as competências, identificar as deficiências e dar início à preparação de um percurso formativo para cada profissional.

4 Metodologia da pesquisa

Para este estudo, a metodologia empregada como instrumento de coleta e tratamento dos dados privilegiou a abordagem qualitativa, entendida por Trivinõs (1992) como aquela capaz de analisar os aspectos implícitos no desenvolvimento das práticas de uma organização e a interação entre seus integrantes.

A cultura da pesquisa deste estudo foi realizada a partir de uma perspectiva epistemológica nomotética funcional, através do método crítico dialético, apoiando-se na concepção dinâmica da realidade e nas relações dialéticas entre sujeito e objeto e entre conhecimento e ação.

A seleção do procedimento metodológico recaiu sobre o estudo de caso, entendido por Trivinõs (1992), como a categoria de pesquisa, cujo objeto de estudo é uma unidade analisada em profundidade, para que as circunstâncias específicas e as múltiplas dimensões que se apresentam na situação possam permitir a compreensão do todo. O nível de análise foi departamental, tendo como objeto de estudo o Departamento de Recursos Humanos da empresa estudada.

Os dados foram coletados principalmente através de entrevistas individuais semiestruturadas. Elas foram realizadas com a colaboração de vários funcionários, selecionados por meio da técnica de amostragem intencional:

5 Análise e recomendação

A empresa estudada mudou o foco da organização para o RH estratégico e adotou a Gestão

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por Competência. Para isso, implantou o processo de Seleção por Competências, utilizando entrevista comportamental juntamente com dinâmica de grupo., o RH da empresa verificou também a necessidade de selecionar seus colaboradores através do método de “Seleção por Competências”. Quando o estudo foi realizado, o processo encontrava-se na primeira fase da implantação, em que a aplicabilidade do método de Seleção por Competências ocorria apenas para os cargos de chefia.

Foram definidas e mapeadas as competências essenciais e básicas necessárias a cada setor, organizando-se o processo de desdobramento de competências, conforme proposição de Gramigna (2004). Nesse mapeamento foram definidas também as competências técnicas, possibilitando a formatação das performances de cada setor. O mapeamento das competências define o desempenho dos setores e respectivos talentos necessários aos negócios da empresa, o que possibilita a formação do banco de talentos próprio. Mapeados os perfis, elaborou-se a Entrevista Comportamental e o Jogo com foco em Competência, que são as ferramentas utilizadas, segundo Rabaglio (2004), para perfazer uma seleção baseada em competências.

Ao implantar esse processo, a empresa movimentou-se conforme tendência apontada na literatura, de substituir a tradicional área de recursos humanos pela moderna e estratégica gestão de pessoas, que se posiciona mais proximamente dos níveis operacionais, a fim de entender melhor suas demandas e dar respostas mais ágeis e apropriadas às demandas organizacionais. Ao mesmo tempo, ela garantiu o suporte necessário para um processo de avaliação e aperfeiçoamento das competências.

Observou-se que, para maximizar a gestão de competências, a empresa fez adequações na estrutura funcional da área de Desenvolvimento de Pessoal. Foi preciso, pois, provocar mudanças nas práticas de gestão de pessoas e, principalmente, no papel das lideranças, criando o ambiente propício para a Gestão por Competências.

Tendo em vista a necessidade de atentar para a totalidade humana, para evitar uma perspectiva

reducionista instrumental-tecnicista da gestão de pessoas na gestão das competências, analisaram-se as práticas da empresa estudada, a fim de identificar como elas estão articuladas com a gestão do conhecimento e das competências. O reducionismo precisa ser evitado, para não expor a gestão de pessoas ao risco de dar prioridade exclusiva ao atendimento dos interesses e necessidades empresariais e tornar a gestão de pessoas em procedimento instrumentalizante e tecnicista.

6 Considerações finais

Com o rápido desenvolvimento das tecnologias de informação e a necessidade de empresas competirem em mercados internacionais, as áreas de recursos humanos foram convidadas a agirem estrategicamente e encontrarem formas de preparar as empresas para a nova economia, pois, um ambiente de trabalho em contínua mudança exige aprendizagem constante, geração de novos conhecimentos, além de uma cultura empresarial de competência e resultado. Tudo isso pressupõe mudanças nas políticas e nas práticas da gestão de pessoas, principalmente na seleção e formação dos trabalhadores.

A competência pressupõe a capacidade de transferência, de aprendizagem e de adaptação. Mas nem sempre a introdução de modelos de competência trazem resultados positivos para toda a organização. Às vezes, as empresas focam excessivamente a redução de custo ou, então, deixam de promover mudanças nos seus sistemas de valores e crenças, permitindo que os interesses e necessidades empresariais estejam acima dos interesses coletivos, tornando a gestão dos conhecimentos e das competências apenas mais um instrumento de controle gerencial.

No caso estudado, averiguaram-se quais foram as mudanças introduzidas nos conteúdos dos processos de seleção e da formação dos trabalhadores com a implantação da gestão por competências, porque a geração de novos conhecimentos e o gerenciamento das competências requer mudanças nas políticas e nas práticas da gestão de pessoas. Constatou-se que a estrutura de seleção de pessoas

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foi reformulada para focar no aproveitamento das competências e qualidades de cada indivíduo mais adequadas à sua função. Desta forma, a área de RH pode posicionar-se mais proximamente dos níveis operacionais e, assim, atender melhor suas demandas, além de dar respostas mais ágeis e apropriadas.

Como no contexto da gestão do conhecimento, os funcionários precisam valorizar iniciativas inovadoras, então se atribui maior peso aos critérios de pró-atividade e de potencial de aprendizado no processo seletivo. Grande peso também é atribuído às experiências e iniciativas na solução de problemas. Os gerentes precisam saber gerenciar as atividades geradoras de conhecimento e combinar as diversas individualidades das pessoas a um conjunto de atividades, permitindo experimentar

novas metodologias e procedimentos, pois, é por meio dessa combinação que ocorre a inovação.

Os resultados obtidos na primeira fase de implantação da Gestão por Competências na empresa estudada, mostraram que as necessidades emergentes de seleção de pessoas em um mundo competitivo vêm sendo mais bem supridas do que com o método tradicional. As práticas de seleção de pessoas articuladas à gestão do conhecimento e das competências tendem a facilitar a mediação das relações sociais na organização. Porém, é necessário atentar para a obtenção da legitimação e comprometimento necessários. Os resultados positivos dependem do equacionamento entre competências técnicas e comportamentais, em que o perfil comportamental, pode representar o diferencial competitivo individual a serviço dos objetivos organizacionais.

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Ensaio: O Princípio da Bicicleta: revisitando a mudança organizacional

The Bicycle Principle: revisiting an organizational change

Antonio Teodoro Ribeiro Guimarães1

Resumo

O equilíbrio da bicicleta apenas é alcançado quando ela está em movimento. E as pessoas têm que aprender a se equilibrar nela, também em movimento. Não existe outro tipo de aprendizado que não seja o cair e levantar. Não existem teorias que possam ser estudadas previamente, não existem ensaios, nem adianta nada o uso de demonstrações. É só caindo e levantando que se aprende. A tese apresentada neste artigo, através do uso de metáforas, fala da dificuldade de implantação de mudanças nas organizações, decorrente do simples fato de que a empresa e as pessoas que nela trabalham, muitas vezes precisam aceitar a inovação pedalando a bicicleta, com medo do tombo provável e sem teorias de sustentação.

Palavras-chave: Mudança Organizacional; Metáforas Organizacionais; Andar de Bicicleta.

Abstract

The balance of the bicycle is only achieved when it is in motion. And people have to learn to balance it, also in motion. There is not another type of learning than to fall and stand up. There are no theories that may be studied beforehand, there are no tests or meaningless using demos. The thesis presented in this article, through the use of metaphors, regards the difficulty of deploying changes in organizations, arising from the simple fact that the company and the people who work there, often need to accept innovation by “pedaling a bicycle”, fearing the probable fall and without sustaining theories.

Key words: Organizational Change; Organizational Metaphors; Cycling.

1 Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.Possui doutorado em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo - FEA/USP.Pesquisador de assuntos de estratégia, principalmente em redes de negócios e cadeias de suprimentos. Contato: [email protected]

Revista Capital Científico - Guarapuava - PR - v.7 n.1 - jan./dez. 2009 - ISSN 1679-1991Recebido em 08/02/2010 - Aprovado em 04/08/2010

Introdução

A bicicleta é um veículo que, simplesmente, não para em pé sozinho. Seu equilíbrio somente é alcançado quando está em movimento. Assim, o aprendizado não é feito em livros e manuais. Não existem ensaios, e a teoria resume-se à frase “olhe para frente e não para o chão”. As crianças aprendem a andar de bicicleta, andando.

Algumas coisas são assim mesmo, para que aconteçam é preciso que o processo esteja em pleno funcionamento. Produzir mudanças em uma

organização é uma delas. A empresa não vai parar, absorver a mudança e reiniciar a operação. Ela precisa ser implementada com os negócios fluindo, os fluxos fazendo seus caminhos, e as pessoas trabalhando. E trabalhando com facilidade dentro de processos conhecidos, confiáveis, gostosamente familiares, que são exatamente aqueles que se quer mudar.

A tese apresentada neste ensaio teórico diz respeito à dificuldade de implantação de mudanças nas organizações, sejam essas mudanças incrementais, qualitativas, planejadas,

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ou de qualquer outro tipo, decorrente do simples fato de que a empresa e as pessoas que nela trabalham têm dificuldade inicial em aceitar facilmente qualquer tipo de inovação.

Mudança organizacional está em seu declínio, como matéria dentro da ciência da administração, em termos de consideração acadêmica. Na realidade, diminuiu o numero de livros e artigos tratando do assunto, talvez em razão das formas anteriores de abordagem terem sido insatisfatórias. Muitas dessas abordagens foram testadas, muito trabalho foi desenvolvido tendo como escopo esse tema, muitos pesquisadores estudaram a mudança nas empresas, dentro de uma matéria normalmente chamada de Desenvolvimento Organizacional.

O ápice desses estudos aconteceu na década de 1980. E o assunto “mudança organizacional” foi caindo no esquecimento, apesar de ser um tipo de conhecimento em administração da mais alta relevância: se a empresa não muda, ela não melhora, consequentemente não evolui. É preciso criar, pensar coisas novas, e, principalmente, não deixar de tentar. Perseverar, insistir sempre, ultrapassar os obstáculos, superar as resistências, em busca dessa situação nova, que a mudança pode trazer, e que parece ser tão melhor que a atual.

A relação cognitiva que surgiu ao se pensar nos problemas decorrentes da quase sempre resistente aceitação de mudanças pelas organizações e o aprender a andar de bicicleta foi imediata.

O uso de metáforas

Segundo Beck (1995), muito mais que simples figuras de linguagem, as metáforas são manifestações de operações cognitivas fundamentais. O raciocínio metafórico é uma habilidade-chave humana. As metáforas são como pontes, conduzindo ligações mentais entre entidades e expressando significados impossíveis de traduzir em linguagem literária, no dizer de Gibbs, Jr. e Hall (1995).

Por conter o conceito de visão de mundo, a metáfora produz imagens bastante importantes para o estudo do objeto ao qual se refere. No caso das organizações, sua utilização mais adequada acontece quando as diferenças entre objeto e

metáfora não são totais, embora possam ser muito significativas.

O objetivo do uso da metáfora, neste texto, não foi o de estudar as similaridades possivelmente existentes entre ela e o objeto, que de fato não existem, mas sim o de permitir sua interpretação como mais uma referência de visão, de maneira a ajudar na compreensão dos problemas das mudanças nas organizações.

Nas palavras de Wood, Jr. e Caldas (1995), a intenção do proponente, ao sugerir ou utilizar uma metáfora, é a peça-chave para entender o seu sentido. O entendimento, portanto, envolve a descoberta de um sistema de pontos comuns associando, por relações assimétricas, a metáfora ao objeto. O entendimento passa, igualmente, pelo reconhecimento, por parte do receptor, da intenção do autor ao fazer tal declaração.

Algumas dessas visões, envolvendo o andar de bicicleta (figura suficientemente forte para permitir sua associação com várias metáforas), são bastante significativas a respeito da intenção de seus autores.

Metodologia

Cabe ao método garantir os roteiros básicos do trabalho, a fim de diminuir os elementos de incerteza que resultam da falta de informação, assim, a metodologia aplicada a este artigo é de caráter exploratório, baseada em coleta de dados primários e secundários. A partir de levantamento bibliográfico e documental, descrevem-se evidências e práticas gerenciais relacionadas à mudança organizacional, suas dificuldades de implantação e as vantagens decorrentes para a empresa quando o processo é bem sucedido.

A coleta de dados primária foi obtida mediante a técnica da realidade observável de constatação (Stal, Campanário, Sbragia e Andreassi, 2006), por intermédio de oitivas de relatos técnicos em encontros realizados como atividades pedagógicas do Programa de Pós Graduação em Administração, em nível de doutorado, da Universidade de São Paulo e palestras proferidas em seminários e encontros realizados como atividades pedagógicas da disciplina Mudanças Organizacionais – Novos Enfoques,

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com o Prof. Dr. Sergio Baptista Zaccarelli (2008); e também pela oitiva da palestra A Construção do Conhecimento, do evento Expomanagement, com Peter Senge (2002).

A coleta de dados secundários foi realizada com pesquisa na literatura científica e na busca de informações veiculadas em alguns periódicos especializados em administração de empresas, sites e publicações diversas sobre o estado da arte do tema mudança organizacional.

A pedalada financeira da Encol

O Brasil, durante as décadas em que conviveu com uma inflação muito alta, sempre foi pródigo produtor de conceitos econômicos novos, ou antigos, mas em novas vestimentas, que deram sustentação para as técnicas utilizadas pelos agentes da economia, em sua luta pela organização e sobrevivência das empresas, pela diminuição dos efeitos com que esse imposto invisível onerava a população, e, mais que tudo, pela tentativa de produção de horizontes futuros mais confiáveis, com os quais fosse possível se obter planejamentos micro e macroeconômicos minimamente exequíveis.

Os brasileiros com idade ao redor dos quarenta e cinco, para mais, certamente hão de se lembrar do conceito desenvolvido pelos economistas, tão falado à época, que se chamou efeito bicicleta, e que justificou a quebra da construtora Encol.

Essa empresa, por razões que não cabem no escopo deste artigo discutir, tornou-se a maior empreiteira brasileira de construção civil voltada para o mercado não governamental. Seus prédios de apartamentos residenciais, naqueles anos, eram objetos de desejo da classe média alta, e benchmark para a concorrência.

Todos os seus lançamentos eram rapidamente vendidos “na planta”, isto é, as pessoas compravam os apartamentos ainda no projeto, sem que um único tijolo já tivesse sido assentado. Com a multiplicação dos lançamentos de prédios, por todo o país, o caixa da empresa era altamente superavitário, o que permitiu a compra, até certo ponto irresponsável, de muitos terrenos para futuros lançamentos, além de má gestão na própria administração dos negócios

da empresa, fatos que consumiram pesadamente os recursos disponíveis.

Quando as vendas desaqueceram, o mercado refluiu. A Encol não conseguiu mais pedalar sua “bicicleta financeira”, pois os recursos advindos da venda do prédio novo, que não estavam mais financiando o próprio prédio, mas sim a construção de prédio anteriormente vendido, já não entravam no caixa, por não existirem.

A partir de um determinado momento, quando a empresa entendeu a extensão do problema criado pela má gerência do caixa, sua política comercial tornou-se mais e mais agressiva, pois a venda do novo prédio era vital, não mais para a manutenção de sua liderança no mercado, mas pela simples necessidade de sobrevivência de curto prazo.

Quando a empresa não conseguiu mais “pedalar” sua crise, à semelhança de uma bicicleta não pedalada, foi parando até perder o equilíbrio, e caiu, ou melhor, quebrou.

A pedalada da construção do conhecimento de Peter Senge

Em sua palestra no Expomanagement 2002, Senge baseou sua fala no fato de que, para ele, o aprendizado não se constrói com a repetição das idéias desenvolvidas por outras pessoas. Isso seria como se tentássemos ensinar numa criança a andar de bicicleta, ensinando para ela os princípios do movimento giroscópico, que é a base teórica sobra a qual se assentam os fundamentos do andar de bicicleta.

Muitas pessoas, que andam bem de bicicleta, não têm a menor noção de como aprenderam a fazê-lo, pois andar de bicicleta vai na “contra-mão” do andar a pé.

O andar a pé é uma sucessão de desequilíbrios, que é administrado automaticamente pelas pessoas, num conhecimento incorporado desde muito cedo. Quando é dado um passo com a perna esquerda, o corpo se desequilibra para aquele lado, e, para recuperar o equilíbrio, novo passo é dado com a outra perna, o que leva o corpo a se desequilibrar para o lado direito, e assim, sucessivamente, vai sendo corrigido o

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desequilíbrio para um dos lados jogando o corpo para o lado oposto. Isso é o ato de andar, num movimento para frente e para o lado oposto ao do desequilíbrio anterior.

Andar de bicicleta é exatamente o oposto disso. Se a bicicleta se desequilibra para a esquerda, por exemplo, o movimento que é preciso fazer é virar a bicicleta para o próprio lado esquerdo, para recuperar o equilíbrio, exatamente no sentido oposto ao da correção do desequilíbrio do andar natural.

Quando as pessoas, andando a pé, desequilibram-se, é necessário parar para recuperar o equilíbrio. Na bicicleta, é, novamente, ao contrário. Se, ao andar de bicicleta, a pessoa começa a perder o equilíbrio, é preciso acelerar as pedaladas para obter mais velocidade e buscar novamente o equilíbrio.

Parece até uma ação anti-natural virar a bicicleta para o lado em que se está caindo, ou para recuperar o equilíbrio, aumentar a velocidade. Mas não é, trata-se apenas da aplicação dos princípios do movimento giroscópico, o que é muito natural e fácil, tanto que a maioria das pessoas sabe andar bem de bicicleta.

Só fica difícil do ponto de vista do andar a pé, que foi um aprendizado anterior, cujo conhecimento já foi incorporado pela pessoa. Teoricamente, para aprender a andar de bicicleta, a pessoa precisa, de alguma forma, “desaprender” o andar a pé, que obedece a outros princípios de física.

E esse aprender e desaprender, no caso da bicicleta, é impossível de ser ensinado sem a prática. Não existe forma de ensinar teoricamente a andar de bicicleta. É só pedalando realmente, caindo, tomando a pedalar, que se aprende a andar.

Quando esse novo aprendizado fica incorporado, as pessoas, ao subirem numa bicicleta, automaticamente passam a aplicar as regras diferenciadas desse outro conhecimento.

O que Senge (2002) pretendeu mostrar com a utilização dessa metáfora, é que, se, muitas vezes, as pessoas acham algum novo conhecimento muito difícil de ser aprendido, isso se deve a algum outro conhecimento incorporado, que colide na mente dessas pessoas com alguns aspectos do novo aprendizado.

Indo mais além, Senge (2002) deixou claro, em sua opinião, que todas as pessoas sabem que o aprendizado não ocorre pela absorção e implantação das idéias de outras pessoas: “aprendemos a andar, andando, e caindo; aprendemos a andar de bicicleta, pedalando, e caindo; aprendemos tudo na vida, fazendo, e errando, sempre. Não existem substitutos”.

A pedalada deste ensaio teórico

Uma terceira metáfora ainda pode ser construída sobre a imagem do andar de bicicleta, partindo do fato de ser impossível, teoricamente, ensinar alguém a andar de bicicleta, como ensina Peter Senge, até por razões de aplicação de teorias de física conflitantes. A partir da aceitação desse ponto, é razoável aceitar também que só se aprende andar de bicicleta com ela em movimento.

Esse conhecimento novo só é incorporado pela pessoa durante a experiência, e não antes, nem depois.

A metáfora do andar de bicicleta é extremamente oportuna e adequada para fortalecer a imagem do que acontece em muitas das atividades humanas. Uma partida de futebol não é interrompida para que o técnico provoque uma mudança tática, substituindo um atleta. O novo jogador entra no time com o jogo em andamento, seus colegas não param e vão discutir a nova orientação estratégica, nem os adversários. O time precisa absorver a mudança com as coisas acontecendo.

Quando surge uma nova tecnologia, destinada a substituir outra existente já há algum tempo, não é possível abandonar a antiga e introduzir a nova com data marcada. A telefonia celular começou utilizando uma tecnologia analógica e, quando a digital já estava madura comercialmente, não era razoável, nem possível, exigir que todos os usuários substituíssem seus aparelhos. As empresas foram obrigadas a manter os dois sistemas em paralelo, e, aos poucos, irem incentivando a troca. O novo foi incorporado sem interrupção no fornecimento do serviço antigo, até a sua extinção pelo próprio mercado.

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O mesmo vale em processos de substituição tecnológica mais radical, como o que aconteceu quando da entrada no mercado dos CDs com som digital, em substituição aos discos de vinil, os antigos LPs. Enquanto a população era convencida a trocar seus aparelhos de reprodução de som analógicos, as gravadoras lançavam os sucessos musicais nas duas mídias.

Também nas organizações, não ocorrem mudanças que obriguem a parada dos negócios até sua implantação. Nem mudanças tecnológicas, nem administrativas, nem nenhuma outra. As mudanças sempre ocorrem com os negócios fluindo. Os funcionários precisam absorver o novo, abandonar o confortável antigo, e seguir em frente com suas tarefas, sem interrupção.

Eles não são como as máquinas, que podem ser desligadas na sexta-feira, após o expediente, retiradas do local e substituídas por outras durante o fim de semana. Eles operavam as máquinas que foram obsoletadas, e, porque a empresa não pode parar, na segunda-feira vão operar as novas máquinas, mesmo com todos os conflitos que isso possa gerar com o conhecimento anteriormente incorporado, independentemente de todo o treinamento que tenham recebido.

E esse pedalar a mudança é um processo difícil, com os conhecimentos antigos e novos em conflito. Exatamente como disse Senge (2002), sobre a dificuldade de aprender a andar de bicicleta, em razão do contraste existente entre o conhecimento já incorporado, da física do movimento andar, e o conhecimento sendo absorvido, da física do movimento giroscópico.

Mas, como no aprender a andar de bicicleta, nas mudanças organizacionais, a maioria dos funcionários incorpora o novo conhecimento, também, como na bicicleta, tomando tombos e levantando e perseverando.

Durante a implantação de mudanças numa empresa, assim como durante o processo de aprendizado de andar numa bicicleta, as pessoas transitam por algumas etapas muito similares: o medo do novo, a dor decorrente dos machucados produzidos pelos tombos, o uso da capacidade

natural do ser humano para conviver com conflitos e tentar supera-los, e a satisfação do “ter conseguido”.

O medo presente nas mudanças

As pessoas convivem com mudanças todo o tempo. Na própria vida, caminham da infância para a adolescência, depois para a juventude, para a idade adulta e finalmente para a velhice. Nem sempre passam por essas mudanças de modo pacífico. Muitas pessoas tentam inutilmente agarrar-se a uma dessas fases, manterem-se nela, esquecidas que estão que a mudança é natural, e por isso mesmo, necessária.

As empresas também evoluem, com grandes mudanças em todos os níveis. A ecologia das empresas é diferente hoje do que era há trinta anos, e muito mais diferente ainda do que há cem anos. O mundo mudou. A tecnologia mudou o mundo. Os computadores e a telecomunicação criaram um mercado global.

Os movimentos de internacionalização das economias têm produzido o surgimento de novos modelos e dinâmicas organizacionais. As necessidades de eficiência, de ganhos de escala, somadas a complexos modelos de logística, têm provocado a criação de mega-conglomerados a partir de fusões, aquisições e alianças entre empresas. De bancos a empresas automobilísticas, de seguradoras a indústrias, são raros os setores que ainda não viveram esta realidade.

Em um contexto de maior competitividade, as organizações buscam concentrar esforços em torno de suas competências, terceirizando as atividades periféricas, abrindo espaço para as pequenas e médias empresas, arranjadas em redes ou em clusters.

Até como decorrência dessa mudança, a sociedade em geral, e os empregados, passaram a ter maior poder dentro das corporações. Preocupações com o nível de emprego, a utilização de recursos naturais, a produção de dejetos, o aumento do tráfego, da poluição, entre outros, somam-se à maior expressão e organização dos agentes da sociedade, aumentando o poder de pressão desses atores nas estratégias das empresas.

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Diversos outros participantes, como o governo, fornecedores e concorrentes, e outros, merecem ser ainda considerados no desenho da teia de influência sobre a empresa.

E não apenas empresas, mas também as organizações governamentais e as sem fins lucrativos, necessitam saber cada vez mais quais e como os diversos atores devem ser levados em conta na formulação de suas estratégias.

Não é possível precisar se as empresas chegaram à juventude, à idade adulta, ou acabaram de entrar na adolescência, mas, certamente, entraram em uma nova idade. E isso implica mudanças. E em mudanças obrigatórias.

Um dique se rompeu, e a água vem subindo. Como as empresas poderão reagir? Viver sem medo o ponto de virada desse novo período da história, não só das empresas, mas da humanidade, ou resistir e agonizar. Como diz Srour (1994), o dilema é “mudar a forma de gestão que as ordena ou enfrentar em absoluta desigualdade de condições a exposição à concorrência”.

O “viver sem medo” esses novos tempos implicam reescrever sua própria história; desmontar conceitos fundidos numa sólida base cultural; cortar, enfim, na própria carne. Esses pensamentos dão medo e doem, doem muito, antes mesmo de tomarem-se realidade.

Entre empresários e consultores, são muitas as lembranças de desilusões dos inúmeros e caros fracassos resultantes das tentativas de concretizar mudanças. Entre os empregados e profissionais, o medo das reengenharias e dos downsizings, da panacéia administrativa que estiver na moda, e das mágicas orientações do guru de plantão contratado pela empresa.

O chão se aproxima rápido

As pessoas têm muito medo do tombo, da dor e dos machucados que ele poderá provocar.

De acordo com a teoria do campo de força, de Lewin (1965), qualquer comportamento é resultante do equilíbrio entre forças de impulsão e forças de reação. Aquelas atuam numa direção e estas atuam em outra.

Um aumento das forças de impulsão poderia melhorar o desempenho, mas também poderia aumentar as forças de restrição. As forças de impulsão ativam suas próprias forças de restrição. Portanto, diminuir as forças de restrição é, normalmente, uma maneira mais eficaz de se estimular a mudança do que aumentar as forças de impulsão.

O conceito de equilíbrio também parece mostrar que as organizações têm forças que evitam que o desempenho fique em nível muito baixo, bem como forças que evitam que ele melhore muito.

As chamadas por Lewin (1965) de forças de restrição estão, quase sempre, ligadas ao fato de que as pessoas que detinham o conhecimento antigo, têm muitas razões, em seu próprio modo de pensar, para não acreditar no novo, para achar que o novo vai se transformar em algum tipo de desastre, pessoal ou para a organização.

O modelo posteriormente elaborado por esse autor, e outros, também pode ser aplicado a pessoas, grupos ou a organizações inteiras. Envolve o “descongelamento” do padrão de comportamento atual, a “mudança” ou o estabelecimento de novos padrões de comportamento e, depois, a “nova cristalização” ou reforço do novo comportamento.

O descongelamento implica tornar-se e necessidade de mudança tão óbvia que o indivíduo, grupo ou a organização possa vê-la e aceitá-la prontamente.

Na mudança, um agente de mudança treinado pode desempenhar um papel particularmente útil no estabelecimento de novos padrões de comportamento. Ao lado dos membros da organização, o agente de mudança ajuda a criar situações nas quais novos valores, atitudes e comportamentos serão apropriados, além de dar exemplos de cada um deles.

Estes valores, atitudes e comportamentos são absorvidos pelos membros da organização, via processos de identificação e internalização.

Na identificação, os membros da organização identificam-se com os valores e atitudes do agente de mudança, modelando seu comportamento de acordo com esse agente. Na internalização, os membros da organização aprendem novos valores,

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atitudes e comportamentos quando se vêem em situações que exigem deles um desempenho eficaz.

A nova cristalização quer dizer o firme estabelecimento do novo padrão de comportamento por meio de mecanismos de apoio. O indivíduo, grupo ou organização que tenha mudado tem os benefícios do novo comportamento ou da nova estrutura.

Lewin (1965) propôs, através de uma fórmula simples, um método para que os administradores tenham mais facilidade para saber se um esforço de mudança tem ou não probabilidade de dar certo:

C = (ABD) > X

onde C representa a mudança; A, o nível de insatisfação com a situação atual; B, a posição futura a ser alcançada, perfeitamente definida; D, os primeiros passos práticos na direção do estado desejado; e X, o custo da mudança.

Ou seja, só é recomendável partir em direção à mudança, quando seu custo é suportável, quando as possibilidades de superar as forças de restrição sejam razoáveis. O custo da mudança será considerado alto, a menos que a insatisfação com a situação atual (A) seja suficientemente forte, que a posição futura seja clara e desejada pela maioria dos envolvidos (B), e que os primeiros passos práticos possam ser tomados rumo à situação futura desejada (D) sem muita dificuldade.

Stoner (1985) ensina que existem três fontes gerais de resistência à mudança. Em primeiro lugar, quando existe um grau elevado de incerteza quanto às causas e efeitos da mudança. Os membros da organização podem resistir psicologicamente à mudança por quererem evitar a incerteza.

A segunda fonte de resistência está na falta de disposição para abrir mão de benefícios existentes. Mesmo que a mudança possa beneficiar a organização como um todo, não beneficiará, necessariamente, os milhares de operários demitidos para que a folha de pagamento seja adequada ao volume de operações, como aconteceu no recentíssimo caso da GM norte-americana.

Para algumas pessoas, ou muitas, o custo da mudança em termos de perda de poder, prestígio, ordenado, qualidade do trabalho, outros benefícios, ou ainda o próprio emprego, será sempre muito alto.

A terceira e não menos importante fonte de resistência que as pessoas têm em relação à mudança, pode ser a consciência da fraqueza das mudanças propostas. Às vezes, os membros da organização resistem à mudança, porque têm conhecimento de problemas potenciais que foram aparentemente desconsiderados pelos que iniciaram a mudança. Essa forma de resistência é, obviamente, bastante útil, se a organização souber como trabalhar com essas pessoas.

A voz do adulto: olhe para frente ... olhe para frente

No aprender a andar de bicicleta,

apenas dois conhecimentos podem ser ensinados previamente: não olhe para o chão e olhe para frente. Daí em diante, trata-se apenas de pedalar, cair, levantar, pedalar, cair, levantar, pedalar... até não cair mais.

Nas organizações, os administradores estão em busca dessas verdades sobre o processo de mudança.

Kotler e Schlesinger (1979) propõem seis maneiras de se vencer a resistência das pessoas. A primeira, e mais óbvia, compreende a educação e a comunicação. Trata-se de informar as pessoas acerca da lógica da mudança planejada e da necessidade dessa mudança logo no início do processo.

A segunda é buscar a participação e o envolvimento daqueles que, provavelmente, resistirão à mudança. Se essas pessoas fizerem parte do projeto e da sua efetiva implantação, esta pode ser bem mais fácil de ser levada a cabo.

A terceira maneira identificada pelos autores é facilitar o processo de mudança e dar apoio aos que dela participam.

Outra maneira é a negociar com as pessoas que, com certeza, ou potencialmente, resistirão à mudança. Exemplos claros seriam os acordos sindicais para redução de jornada de trabalho.

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A quinta maneira envolve manipulação e cooptação. Às vezes, os administradores evitam, disfarçadamente, que as pessoas ou grupos resistam à mudança. Podem manipular ou cooptar os empregados, liberando informações seletivamente, ou estruturando, conscientemente, a sequência dos acontecimentos. Além da ética dúbia dessas técnicas, elas também podem ter um efeito oposto ao desejado.

Finalmente, na visão de Kotler e Schlesinger (1979), pode ser usada a coação. Os administradores podem forçar uma pessoa a aceitar uma mudança com ameaças explícitas ou implícitas, envolvendo perda de emprego, perda de promoção, etc. Também podem demitir ou transferir empregados que dificultem a mudança. Neste caso, como no anterior, o efeito pode ser negativo.

Essa teoria, por ser bastante abrangente, parece ser tão simples como o olhe para frente,

não olhe para o chão, que os adultos dizem para as crianças na primeira vez que elas sentam no selim da sua bicicleta. Na verdade, não existem teorias.

Considerações Finais - Pedalando, enfim!

Todas as três utilizações da metáfora do andar de bicicleta, encaminham para um sentido

de movimento necessário, que obriga que as coisas aconteçam simultaneamente a ele mesmo, e que podem justificá-lo e até modificá-lo.

Na primeira utilização, uma metáfora criada pelos economistas, quando se discutiu a pedalada da Encol, mostrou-se que a mudança no ambiente aconteceu com tanto impacto, de maneira tão importante, que o tombo foi muito grande, e não foi possível retomar o movimento.

Na segunda utilização da metáfora, criada por Peter Senge, ocorreu uma tentativa de explicar a aprendizagem do novo, pelas pessoas, dos processos de mudança, pela capacidade inata que elas têm, mesmo em pleno movimento, de substituir um conhecimento antigo por outro, muitas vezes até conflitantes com o anterior..

A terceira utilização reuniu o conceito do movimento e do aprendizado do novo em um mesmo processo e mesmo espaço de tempo, quando propôs que em muitas situações, principalmente no mundo competitivo, e especialmente na gestão das empresas, não é possível separar a continuidade da ação que está se desenrolando da mudança que precisa ser implementada.

A própria vida das pessoas é um permanente aprender a andar de bicicleta, provavelmente sob qualquer ótica que se queira utilizar. Pelo menos, essa afirmativa parece ser verdadeira quando se pensa nas pedaladas comentadas neste artigo.

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ZACCARELLI, S. B. Anotações de aula e de encontros pedagógicos da matéria Mudança Organizacional – Novos Enfoques, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de São Paulo, 2008.

PARA SUBMISSÕES:

Diretrizes para AutoresPara a submissão, será aceito estudo científico sob forma de artigo ou ensaio, inédito e original,

que não esteja em processo de avaliação por outro periódico simultaneamente.Admite-se que o artigo que tenha sido apresentado em evento científico (seminário, congresso, etc.),

mas o(s) autor(es) deve(m) destacar isso no ato da submissão que só pode ser feita por meio eletrônico no portal pela Internet em http://revistas.unicentro.br/index.php/capitalcientifico . Caso seja identificada a publicação ou submissão simultânea em outro periódico, o artigo será desconsiderado.

Serão aceitos artigos em formato DOC (Microsoft Word®), na versão 2003 ou posterior não contendo notas, marcações ou identificações explícitas ou ocultas no arquivo eletrônico que revelem autoria.

Os estudos (artigos ou ensaios) devem observar estritamente as normas que a Revista Capital Científico – RCCi estabelece em conformidade com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Itens de Verificação para Submissão (conforme o portal da RCCi)Como parte do processo de submissão, os autores são obrigados a verificar a conformidade da

submissão em relação a todos os itens listados a seguir, que constam no portal da revista. As submissões que não estiverem de acordo com as normas serão devolvidas aos autores.

1. O trabalho possui até 4 autores, pois mais do que essa quantidade o periódico não aceitará a submissão.

2. Os arquivos para submissão estão em formato Microsoft Word®, na versão 2003 (desde que não ultrapassem 2MB).

3. A identificação de autoria do trabalho foi removida do arquivo e da opção Propriedades no Microsoft Word®, garantindo desta forma o critério de sigilo da revista quando for submetido

para avaliação por pares

4. O texto segue os padrões de estilo e requisitos bibliográficos descritos em “Diretrizes para Autores”, no portal do periódico, na seção “Sobre a Revista”.

5. Além do título em língua portuguesa, deve haver também o título em língua inglesa e está revisado.

6. O Resumo e Abstract em sua redação e estilo, em conformidade com a NBR - 6028/2003 da ABNT, e não excedem as 250 palavras recomendadas.

No mínimo 3 (três) e no máximo 5 (cinco) Palavras-chave, bem como Key Words. Obs: o resumo, palavras-chave, abstract e key words devem ficar na(s) primeira(s) página(s), separados

do restante do artigo por uma quebra de página.

7. O corpo do texto redigido em português, digitados na fonte Times New Roman, tamanho 12, formatado para o tamanho A4 (210 x 297 mm), espaçamento simples, e configurações de margem sendo de 3 cm superior e esquerda da página e 2 cm inferior e direita da mesma ,

parágrafo de recuo 1,25cm.

8. Nas tabelas e nos gráficos, as margens devem ser limitadas ao máximo de 17 cm de largura, considerando fonte de tamanho 10. Devem ser numerados (números arábicos) de acordo

com a ordem em que aparecem no texto. Importados do Excel para o Word.

Importante: Todas as ilustrações devem ser fornecidas no portal em formato solicitado, no corpo do texto e também separadas em arquivo complementar de extensão “DOC” (adiante, veja o

item de verificação sobre imagens, fotos e ilustrações).

9. As citações seguem a norma NBR 10520/2002 da ABNT.

10. As notas de rodapé e explicativa, não são aceitas e dessa maneira o texto não deve contê-las.

11. As Referências seguem a norma NBR 6023/2002 da ABNT, que demonstra como deverão ser listadas as referências (bibliográficas, eletrônicas e periódicos).

12. O texto original (excetuando-se os resumo, palavras-chave, abstract e key words) não ultrapassa 15 páginas.

13. A numeração de páginas se inicia a partir da introdução em diante.

14. As imagens, fotos e ilustrações, quando houverem, devem ser enviadas em arquivo de extensão “DOC” complementar no portal da revista. Serão aceitas imagens no Corel-draw® em

formato JPEG (extensão JPG), e com no mínimo 300 dpi de resolução. Devem conter fonte e data; caso não seja de domínio público, será necessária autorização dos detentores dos direitos autorais

para reprodução das ilustrações.

Observação: Desconsidere esse item quando não houverem imagens, fotos e ilustrações.

Declaração de Direito Autoral

O(s) Autor(es) que publica(m) nesta revista concorda(m) com os termos da declaração a seguir. Estes termos ficam aceitos no momento em que finalizam os itens do processo da submissão do

trabalho no portal da revista na Internet, em que o(s) autor(es) dão por verdadeiro, e assim dispensa(m) a essa declaração na forma impressa e assinada:

1. Declara(m) que é (são) proprietário(s) exclusivo(s) e titular(es) dos direitos autorais do conteúdo submetido a ser editado e que nessa qualidade cede, gratuitamente os direitos decorrentes

da primeira edição e publicação à editora da Universidade Estadual do Centro-Oeste – Editora UNICENTRO, através da Revista Capital Científico com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Creative Commons Attribution License, permitindo o compartilhamento do conteúdo com

reconhecimento da autoria do trabalho e publicação inicial nesta revista.

Dessa maneira, autoriza(m) a Editora UNICENTRO, através da Revista Capital Científico a publicação desse conteúdo nos meios impresso e eletrônico, também para comunicação ao

público, incluindo a exibição pública, reprodução por qualquer processo, incluindo a digitalização, distribuição, divulgação e colocação à disposição do público, por quaisquer meios e suportes no na

edição impressa;

2. Que se responsabiliza(m) pela originalidade da obra, e declara(m) que seu conteúdo não foi publicado no todo ou em parte por outra editora, como também não está sendo considerado para

publicação em outra editora ou revista, seja em qualquer formato ou mídia.

O(s) autor(es) se responsabiliza(m) pela veracidade das informações e dos dados contidos no conteúdo submetido.

3. Declara(m) que na confecção do texto (conteúdo) foram observadas com exatidão as regras referentes à citação e referências às fontes de pesquisas utilizadas, conforme teor da Lei

9.610/1988 (Lei de Direitos Autorais), bem como observadas as disposições contidas nos Comitês e Códigos de Ética referente ao objeto pesquisado;

4. Declara(m) que adquiriu(ram) os direitos autorais reservados a terceiros quando na obra existir remissões, traduções, coletâneas, inserções de fotos e imagens, cuja autoria originária não pertença ao(s) autor(es), bem como autorização(ões) junto a proprietários ou titulares de marcas

registradas, nomes de organizações ou empresas que forem citadas;

5. Declara(m) e Obriga(m)-se a indenizar a UNICENTRO e ou a sua Editora, caso sofram quaisquer prejuízos materiais ou morais em conseqüência de medidas judiciais ou extrajudiciais promovidas

por terceiro em razão da publicação da obra cedida.

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Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.