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Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar

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Revista Científica UNIRB | Volume 0

Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar

Revista Científica UNIRBAno IV | Volume 03 | Nº 04

MULTIDISCIPLINAR

ISSN 1809 - 9157 Revista Científica UNIRB | Volume 03 | Número 04 | Ano 201

| Multidisciplinar

Revista Científica UNIRB

MULTIDISCIPLINAR

| Ano 2012

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Revista Científica UNIRBUma publicação científica da Faculdade Regional da Bahia

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Revista Científica UNIRBUma publicação científica da Faculdade Regional da Bahia

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ISSN 1809 - 9157 Revista Científica UNIRB | Volume 03 | Número 04 | Ano 201

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Revista Científica UNIRB Uma publicação científica da Faculdade Regional da Bahia

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Revista Científica

da UNIRB

Multidisciplinar

Faculdade Regional da Bahia - UNIRB

Abril / 2012

Editora-chefe Profª. Mirella Freitas

Conselho Editorial Dra. Juliana Monteiro Ms. Lúcia Couto Ms. Bruno Vita

Ms. Mirella Freitas

Diagramação Jorge Conceição Roberto Pereira Filho

Normas ABNT

ElianiDombroutski Cavalcante

Impressão Gráfica SENASP

Dados Internacionais de Catalogação na

Publicação (CIP) Catalogação na Fonte

BIBLIOTECA DA FACULDADE REGIONAL DA BAHIA – UNIRB

Revista Científica da UNIRB / Faculdade Regional da

Bahia - UNIRB. V.3. n.4. (Abr. 2012) – Salvador. 2012.

v.3 n. 4. (jun. 2012) 117f.

ISSN 1809-9157 1. Multidisciplinar Faculdade Regional da Bahia - UNIRB

CDD340

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EDITORIAL

A Revista Científica UNIRB, em sua 4ª edição, compreende o somatório de esforços

coletivos de pesquisadores que atuam nas áreas de ciências sociais aplicadas e educação,

especialmente nos cursos de Administração, Direito e Serviço Social.

O foco da Revista Científica UNIRB é levar à sociedade contribuições relevantes ao avanço

e melhoria das relações interpessoais, ao mesmo tempo em que forma seus alunos com um

diferencial para o mercado de trabalho.

É um projeto concebido para construir um vinculo de caráter cientifico de estudos e

pesquisas com um importante papel social, reafirmando a missão da UNIRB de promover a

excelência da educação, contribuindo para a construção de um mundo igualitário, fraterno e

libertário, dentro dos princípios sagrados da moral, da ética e da estética.

Nesse sentido, a revista pretende discutir, promover e possibilitar o desenvolvimento da

ciência com enfoque na formação cientifica, trazendo conclusões e questionamento e fomentando

a reflexão acerca de temas contemporâneos.

Mais uma vez, a Comissão Editorial da Revista Cientifica UNIRB agradece aos alunos,

professores, coordenadores, diretores, e a todos que contribuíram para que essa edição se

transformasse em realidade.

Profª. Ms. Mirella Freitas Editora-chefe da Revista Científica

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Sumário O Art. 4º Inc. XV da Constituição do Estado da Bahia: Constitucional?

7

Paulo Roberto Lima Bezerra A ESCOLA: Local de Construção de Alunos-Cidadãos

15

Adriana Assis Santos QUESTÃO SOCIAL: Diferentes Perspectivas teóricas de Análise desse Fenômeno

26

Jocelina Alves de Souza Coelho Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto Amanda Silva de Matos

Importância da Biossegurança em Odontologia

36

Iza Teixeira Alves Peixoto Adriana dos Anjos Ferreira Mônica Maria Lemos Pereira Juliana Santos de Carvalho Monteiro

O Trabalho Precarizado no Estágio Supervisionado em Serviço Social

43

Liege Maria da Silva Servo

PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS NO AMBIENTE ESCOLAR: Algumas Possibilidades

54

Selmo Alves

Condições de Trabalho da Mulher nas Empresas de beneficiamento do Fumo no Município de Cruz das Almas

67

José Antonio de Oliveira Fonseca Liege Maria da Silva Servo

TRABALHO, QUALIDADE DE VIDA E APOSENTADORIA: Uma Análise Evolutiva dos Conceitos e das Relações que se Constroem em Torno Deles

81

Luciana Lima Cerqueira

O ENADE como Indicador de Qualidade é uma Farsa

109

Carlos Joel Pereira

O TELETRABALHO ESCRAVO 114 Manuel Martin Pino Estrada

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Capítulo I

Art. 4º da Constituição do Estado da Bahia: Constitucional?

[ Direito ]

O Art. 4º Inc. XV da Constituição do Estado da Bahia: Constitucional?

Paulo Roberto Lima Bezerra1 Professor da UNIRB, Economista, Especialista em

Administração de Cidades e Bacharelando de Direito.

Resumo: O presente estudo elabora uma

discussão sobre o possível vício de

inconstitucionalidade do Art. 4º Inc. XV da

Constituição do Estado da Bahia, que prevê a

detenção de criança ou adolescente. Para

tanto, realiza inicialmente uma análise sobre

o controle de constitucionalidade no Brasil.

Introduz uma análise hermenêutica da

detenção e posteriormente, discorre sobre

como está tipificado o tratamento ao ato

infracional na Convenção Internacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente e pelo

ordenamento jurídico brasileiro. Nas

considerações finais, os autores apontam a

necessidade de proceder-se uma emenda

redacional do artigo em questão, para

adequação da norma estadual, neste

particular, ao que estabelece as Convenções

Internacionais assumidas pelo Brasil, bem

como a legislação pátria sobre os direitos

fundamentais da criança e do adolescente.

Palavras chave: criança e adolescente,

inconstitucionalidade, detenção.

1Professor da UNIRB, Economista, Especialista em Administração de Cidades e Bacharelando de Direito.

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9

Introdução

O objetivo deste trabalho consiste em

realizar estudo interdisciplinar sobre o vício

de inconstitucionalidade do Art. 4º Inc. XV da

Constituição do Estado da Bahia, que

estabelece a possibilidade de detenção para

crianças e adolescentes, além de discutir

sobre a necessidade de uma Emenda

Constitucional para resolução deste possível

vício. A preocupação com esta temática

surgiu em setembro de 2010, durante o

terceiro semestre do Curso de Direito da

Faculdade Batista Brasileira, por exigência de

um trabalho em grupo interdisciplinar, em

atendimento ao que prescreve a Resolução

nº 9 do Ministério da Educação – MEC.

Porém, a experiência de alguns membros da

equipe na área da infância e adolescência foi

fator decisivo na escolha do tema pelo grupo

de trabalho.

Trata-se de uma problemática de extrema

importância, pois, necessariamente, toda

norma jurídica emanada de qualquer dos

entes da República Federativa do Brasil deve

estar em consonância com o que está

prescrito na Constituição Federal, bem como

as leis infraconstitucionais, fato que não

ocorre com a referida norma na Constituição

do Estado da Bahia.

O controle de constitucionalidade no Brasil

Para uma análise da constitucionalidade

de qualquer norma em nosso ordenamento

jurídico, faz-se necessário um estudo sobre o

controle de constitucionalidade estabelecido

na Constituição Federal, o que possibilitará

que se estabeleça a parte legítima para

propor e julgar a constitucionalidade do

inciso em questão.

A Constituição do Estado da Bahia

estabelece em seu Art. 4º inc. XV:

XV - a criança ou adolescente, quando

detido, terá o direito de:

a) comunicar-se com a família ou com a

pessoa que indicar;

b) permanecer calado e ter assistência da

família e de advogado;

c) identificar os responsáveis pela sua

condução;

Conforme descrito, esta norma define a

possibilidade de detenção da criança ou

adolescente. Será essa norma

constitucional?

Conforme MORAES (2010), o significado

do controle de constitucionalidade é a

verificação da adequação de atos normativos

ou leis com a constituição, sendo necessário

para tanto, a verificação dos seus requisitos

formais e materiais. No Brasil, apenas as

normas constitucionais positivadas servem

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como base para interpretação de

constitucionalidade de lei ou ato normativo

do Poder Público. O controle de

constitucionalidade representa, segundo o

referido doutrinador, além da garantia de

supremacia dos direitos fundamentais com

previsão constitucional, limitação e ao

mesmo tempo, legitimação do poder do

Estado.

A Constituição Federal (1988) estabelece:

Art. 103. Podem propor a ação direta de

inconstitucionalidade e a ação declaratória de

constitucionalidade:

I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou da

Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V – o Governador de Estado ou do Distrito

Federal;

VI – o Procurador-Geral da República;

VII – o Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil;

VIII – partido político com representação no

Congresso Nacional;

IX – confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional.

Repetindo esta norma, a Constituição do

Estado da Bahia estabelece quanto às

normas estaduais:

Art. 134- São partes legítimas para propor

ação direta de inconstitucionalidade de lei ou

ato normativo estadual ou municipal em face

desta Constituição:

I - o governador;

II - a Mesa da Assembléia Legislativa;

III - o procurador geral de Justiça;

IV - o Conselho Seccional da Ordem dos

Advogados do Brasil;

V - partido político com representação na

Assembléia Legislativa;

VI - federação sindical e entidades de classe

de âmbito estadual;

VII - prefeito ou Mesa de Câmara Municipal;

Ao analisar o controle de

constitucionalidade nos Estados, CUNHA

JÚNIOR (2010, p. 341) demonstra que o

Supremo Tribunal Federal, na condição de

guardião daConstituição Federal, tem, entre

outras atribuições, a responsabilidade

exclusiva de realizar o controle de

constitucionalidade das leis ou atos

normativos estaduais em face da

Constituição Federal.Porém quando a

contestação ocorrer em face da Constituição

do Estado, a competência é dos Tribunais de

Justiça.

Tratando do controle de

constitucionalidade no âmbito estadual no

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Brasil, CUNHA JÚNIOR (2010, p. 335)

considera que o controle difuso-incidental de

atos normativos ou leis de qualquer das

esferas de poder, pode ser exercido por

juízes e tribunais estaduais, à luz de caso

concreto, confrontando-se com a

Constituição Federal. Porém, quanto ao

controle concentrado-principal somente os

tribunais estaduais têm legitimidade para

analisar de forma abstrata em face de

qualquer norma da Constituição Estadual, em

se tratando de julgamento das ações diretas.

Este estudo, no capítulo destinado às

considerações finais, o autor se posicionará

sobre a constitucionalidade do inciso que

define a detenção para crianças e

adolescentes na Constituição do Estado da

Bahia, mas somente após análise

hermenêutica da detenção, dos tratados

internacionais dos direitos da criança e do

adolescente, bem como o atual ordenamento

jurídico brasileiro sobre a temática, em

particular, o tratamento dado aos seus atos

infracionais.

Hermenêutica da detenção

Conforme Silva (2002), detenção é um

vocábulo derivado do latim detentio, de

detinere(deter, reter), significa tanto para o

Direito Civil e Comercial, como para o Direito

Penal, ação de deter ou reter coisa ou

pessoa, implicando na privação do dono da

posse da coisa ou a pessoa de seu direito à

liberdade.

Silva (2002) demonstra que para o Direito

Civil e Comercial detenção da coisa significa

a posse material, tal como ocorre na locação

ou no arrendamento, onde o locador ou o

arrendatário são detentores da coisa, mas

não seus proprietários. São ocupantes, têm

uma posse precária. Assim, detenção tem

sentido da coisa na posse de outro alguém,

que não tem ânimo de possuir tal coisa, em

função de contrato ou por outra razão

qualquer está com o detentor.

Segundo Greco (2010, p. 472), o Código

Penal estabelece a reclusão e a detenção

como penas privativas de liberdade, sendo

que sobre ambas incidem várias implicações

previstas no Código Penal e no Código de

Processo Penal, como o regime inicial de

cumprimento (fechado, semi-aberto ou

aberto) ou a possível concessão de fiança

por autoridade policial.

O art. 33, caput, doCódigo Penal prevê

que apena de detenção deve ser cumprida

em regime semi-aberto, ou aberto, salvo

necessidade de transferência para o regime

fechado.

Detenção é, também, o nome dado

costumeiramente ao estabelecimento onde

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são recolhidas pessoas presas (casa de

detenção).

Os Tratados Internacionais sobre os

Direitos da Criança e do Adolescente

Conforme AMIN (2009, p.11), a

preocupação inicial com os direitos das

crianças e adolescentes foi promovida pela

Liga das Nações e explicitada em 1924, na

Declaração dos Direitos da Criança de

Genebra.

Em 1959, a Organização das Nações

Unidas, atendendo aos anseios da sociedade

no tocante aos direitos humanos

fundamentais, reconheceu, através da

Declaração Universal dos Direitos das

Crianças, que as crianças são sujeitos de

direitos, merecendo proteção e cuidados

especiais. Essa declaração adotou segundo

AMIM (2009, p. 11), os seguintes princípios,

dentre outros:

“desenvolvimento físico, mental, moral e

espiritual; educação gratuita e compulsória;

prioridade em proteção e socorro; proteção

contra negligência, crueldade e exploração;

proteção contra atos de discriminação”.

AMIM (2009, p.12) apresenta outros

documentos internacionais de grande

importância para o processo evolutivo do

direito infanto-juvenil. A Convenção

Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto

de San José da Costa Rica, ocorrida em

1969, promulgada no Brasil somente em

1992 através do Decreto 678, reconheceu os

direitos apresentados nos documentos

anteriores, estabeleceu a especialidade para

o tratamento judicial de crianças e

adolescentes e a responsabilidade conjunta

para sua proteção como obrigação da

família, da sociedade e do Estado.

As diretrizes para a justiça especializada

nos processos de adolescentes em conflito

com a lei foram aprovadas pela Resolução

40/33, segundo AMIM (2009, p.12) em

1985, através do documento As Regras

Mínimas das Nações Unidas para a

Administração da Justiça Juvenil ou Regras

Mínimas de Beijing.

Segundo PIOVESAN (2010, p. 215), a

Convenção sobre os Direitos da Criança

aprovada pela Organização das Nações

Unidas com vigência desde 1990, é o tratado

internacional em matéria de direitos humanos

com maior número de ratificações e que esta

Convenção define como sendo criança em

seu art. 1º, todo ser humano com menos de

18 anos de idade.

Conforme análise de AMIM (2009, p.12),

a Doutrina da Proteção Integral foi acolhida

pela primeira vez num documento

internacional sobre direitos das crianças e

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adolescentes, baseando-se nos seguintes

pilares: natureza peculiar da condição

exigindo proteção especial, o direito à

convivência familiar e a absoluta prioridade.

Para efetivação da Convenção dos

Direitos da Criança, ainda segundo AMIM

(2009, p. 12), em setembro de 1990 o Brasil,

juntamente com outros 79 países assinaram

a Declaração Mundial sobre Sobrevivência, a

Proteção e o Desenvolvimento da Criança e

formalizaram o Plano de Ação para a década

de 90, comprometendo-se em acelerar em

seus países a implementação da Convenção

subscrita, além de combater o analfabetismo,

a desnutrição e melhorar a saúde das

crianças e das suas mães.

O ato infracional da criança e do

adolescente no atual ordenamento jurídico

brasileiro e na Constituição do Estado da

Bahia

As fontes normativas do direito da criança

e do adolescente no ordenamento jurídico

brasileiro são várias. No topo dessa

hierarquia está a Constituição Federal,

acompanhada pela Lei Federal 8.069 de 13

de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do

Adolescente, que a regulamenta nesta

matéria. A pirâmide normativa é completada

pelas Constituições Estaduais, leis estaduais,

Leis Orgânicas Municipais e leis municipais.

Seguindo a doutrina da proteção integral

presente nos documentos tratados no

capítulo anterior, o Brasil, na condição de

signatário destes, adotou a partir do poder

originário constituinte de 1988, os princípios

daquela doutrina.

A Constituição Federal em seu Art. 228

define:

São penalmente inimputáveis os menores

de dezoito anos, sujeitos às normas da

legislação especial.

O Art. 27 do Código Penal repete a mesma

redação:

Os menores de dezoito anos são

penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às

normas estabelecidas na legislação especial.

A legislação especial remetida pela

Constituição Federal e pelo Código Penal é a

Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do

Adolescente, que no Art. 2º, define como

sendo criança aquela pessoa até 12 anos de

idade incompletos, e adolescente aquela

entre doze e dezoito anos. O Art. 103 declara

que o ato infracional fica tipificado quando as

crianças e adolescentes praticam atos que se

configuram crimes ou contravenção se

praticados pelos adultos. Mas, apenas os

adultos estão sujeitos à pena conforme o

Código Penal, pois o Art. 104 determina que

os menores de 18 anos sejam inimputáveis,

ou seja, não cumprem pena como aqueles e

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sim medidas de proteção determinadas pela

autoridade competente (Conselho Tutelar

para as crianças ou Juizado da Infância e

Juventude para os adolescentes), conforme

elencado no Art. 101, cujos incisos

transcrevemos:

I – encaminhamento aos pais ou

responsáveis, mediante termo de

responsabilidade;

II – orientação, apoio e acompanhamento

temporários;

III – matrícula e frequência obrigatórias em

estabelecimento oficial de ensino

fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou

oficial de auxílio à família, à criança e ao

adolescente;

V – requisição de tratamento médico,

psicológico ou psiquiátrico, em regime

hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou

comunitário de auxílio, orientação e

tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII – abrigo em entidade;

VIII – colocação em família substituta.

Na ocorrência de ato infracional, conforme

conceituado anteriormente, o Juizado da

Infância e Adolescência, poderá aplicar além

das medidas específicas de proteção

previstas no Art. 101, outras, elencadas nos

incisos I a VI do Art. 112, tais como:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V - inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento

educacional.

Note-se que na condição de legislação

específica, o Estatuto da Criança e do

Adolescente trata como uma das medidas a

serem adotadas para a prática dos atos

infracionais a internação e não de detenção.

Fica garantida como obrigatória a

escolarização e a profissionalização tanto no

regime de semiliberdade (§ 1º do Art. 120),

bem como na medida de internação para os

adolescentes em cumprimento de medida

privativa de liberdade (Art. 124, inc. XI e XII).

Os direitos e garantias fundamentais são

objeto, na Constituição do Estado da Bahia

no art. 4º. O inciso XV deste artigo preceitua:

XV - a criança ou adolescente, quando

detido, terá o direito de:

a) comunicar-se com a família ou com a

pessoa que indicar;

b) permanecer calado e ter assistência da

família e de advogado;

c) identificar os responsáveis pela sua

condução.

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Como demonstrado, a norma admite a

possibilidade de detenção da criança ou

adolescente.

Considerações Finais

Baseando-se no fato de o Brasil ser

signatário de vários documentos

internacionais sobre os direitos das crianças

e adolescentes, bem como visto

anteriormente, a norma constitucional e

especial sobre a matéria em tela, através das

quais foi consagrada a opção pela Doutrina

da Proteção Integral, o que afasta

principiologicamente a ideia de detenção.

Resta a óbvia conclusão de que o inciso XV

do art. 4º da Constituição do Estado da Bahia

é inconstitucional e necessita de uma urgente

emenda de natureza redacional. Assim, o

termo “detido” poderia ser substituído pelo

termo apreendido.

Não se trata apenas de mera diferença

semântica, nem de preciosismo acadêmico

ou doutrinário, mas do necessário

reconhecimento que no ordenamento jurídico

brasileiro não mais tem cabimento, face à

realidade constitucional e axiológica

contemporânea, qualquer expressão, quanto

mais de natureza normativa, que tente

submeter nossas crianças e adolescentes à

condição de imputação penal.

Surpreende-nos o fato de a Constituição

do Estado da Bahia, promulgada desde 5 de

outubro de 1989, estar até a presente data,

com flagrante vício de inconstitucionalidade.

Resta a expectativa de que com a remessa

de cópias deste estudo às partes legítimas

que podem propor ação direta de

inconstitucionalidade, seja estabelecida a

norma na justa medida.

Referências Bibliográficas

Constituição do Estado da Bahia. www.senado.gov.br. Acesso em 04/09/10 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 12ª Ed. Rio de Janeiro. Impetus: 2010. MACIEL, K.R.F.L.A. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. São Paulo: Lumen Juris Editora MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010. NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1994. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19ª Ed. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense: 2002. VadeMecum Universitário de Direito / Anne Joyce Anger, organização. – 5ª Ed. – São Paulo: Rideel, 2008. – (Coleção de leis Rideel)

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Capítulo II

A Escola: Local de Construção de

Alunos-Cidadãos [ Fisioterapia ]

A ESCOLA: LOCAL DE CONSTRUÇÃO DE

ALUNOS-CIDADÃOS?

Adriana Assis Santos2

RESUMO

O presente estudo propõe compreender a

educação para e em direitos humanos,

primando pelo estímulo ao exercício da

cidadania pela escola, sendo esta análise

obtida a partir da concepção de alunos do

ensino fundamental em Colégio Público de

Salvador, Bahia. Sabe-se que o ambiente

escolar, dentro das perspectivas pedagógicas

oferecidas, deva promover o respeito aos

direitos humanos, especialmente à liberdade

de expressão, pois este direito garantido

promoverá entre estes atores sociais, a

consolidação do seu exercício de cidadania,

e, por conseguinte, o combate à alienação da

grande massa. Prevalecendo-se do

conhecimento popular culturalmente

absorvido pelos cidadãos, valoriza-se neste

trabalho o direito à expressão dos alunos, os

quais expuseram tanto suas compreensões

acerca da temática proposta, quanto

alternativas para o enfrentamento à barbárie

existente, ou seja, à violação dos seus

2 Bacharela em Serviço Social - Ucsal. Especialista em Saúde Mental; Especialista em Metodologia do Ensino, pesquisa e extensão em educação; Especialista em Serviço Social; Especialista em Gestão de Pessoas e desenvolvimento Humano; Docente da Faculdade Regional da Bahia e Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania – Ucsal.

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direitos humanos, concomitantemente, da

sua cidadania ativa.

Palavras-chaves: Alunos. Educação.

Cidadania. Violação dos direitoshumanos.

ABSTRACT

The present study proposes understand

education for and in human rights, excelling

by fostering citizenship by the school, being

this analysis obtained from the design of

elementary school students in public school

of Salvador, Bahia. It is known that the school

environment, inside of pedagogical

perspectives offered, should promote respect

for human rights, especially freedom of

expression, because this right guaranteed

promote between these social actors, the

consolidation of its exercise of citizenship,

and therefore combating divestiture of large

mass. Prevailing aware popular culturally

absorbed by citizens, treated in this work the

right to expression of students, which

exhibited both their understandings about

thematic proposal, as alternatives to the

existing coping to barbarism, namely, the

violation of their human rights, at the same

time, their active citizenship.

Keywords: Students. Education.Citizenship.

Human rights violations.

INTRODUÇÃO

Falar em Direitos Humanos e construção

de cidadania na escola, se pensada na forma

modista e banalizada dos termos, parece

uma tarefa fácil e sem maiores entraves,

contudo, o respeito dos direitos humanos e

educação para a cidadania é, além de uma

tarefa complexa, um papel de todos na

sociedade (família, comunidade, alunos,

professores, igrejas, comércio, empresas,

políticos, sindicatos, mídia, imprensa,

outros).

Utilizando o pensamento e afirmativa do

educador Paulo Freire (1979, p.122), “não

existe Educação fora das sociedades

humanas, como também não se pode pensar

no ser humano isolado. Nem a Educação se

dá num espaço abstrato, nem o ser humano

está no vazio”. Culpabilizar alguns segmentos

da sociedade pela não eficiência da educação

para os direitos humanos - ou seja, “a

necessidade de se educar a pessoa humana

para o respeito dos direitos humanos e das

liberdades fundamentais” (ZENAIDE, 2008, p.

04) -, e, por conseguinte, do desrespeito à

cidadania – vistos em sua essência na

relação homem-homem e homem-natureza –

além de paliativo e injusto é alienador, pois

crer que apenas parcela da sociedade (os

educadores, professores e escolas) dará

conta da reconstrução societária frente ao

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caos existente, é realmente um “surto

social”. Logo, sabe-se que

através da história, a Educação

apresentou diferentes formas. Assim, a

Educação só pode ser compreendida

dentro de um contexto sócio-político e

econômico, desempenhando um papel

fundamental na rede de instrumentos de

controle social e direção política e

ideológica, assegurando uma determinada

ordem social e visando à perpetuação de

uma dada concepção de mundo.

(DORNELLES, 2008)

Identificar nos educadores, professores e

escolas a obrigação para se reconstruir a

“mentalidade da sociedade” no que se refere

ao tema proposto, é vista como sendo um

trabalho coletivo, não sendo apenas uma

atividade voltada à escola, e sim à

coletividade, conforme elucida GARCIA

(2001), ”O processo educativo é realizado de

várias formas: na família, na rua, nos grupos

sociais e, também, na instituição”.

Para tanto, realizamos um estudo que

objetiva apresentar discussões sobre a

construção da cidadania e o respeito aos

direitos humanos na escola sob a ótica dos

alunos da 5ª série do ensino fundamental de

um Colégio Estadual em Salvador, Bahia,

pois acreditou-se desde as primárias

indagações, na possibilidade de

conhecimento e respeito aos direitos

humanos no ambiente escolar, por

conseguinte, no exercício da cidadania (em

seu conceito pleno) por esses atores.

1. Educar para a Cidadania e para os

Direitos Humanos - Base histórico-

conceitual.

Apesar de no Brasil vivermos desde a

década de 80, em uma sociedade

considerada cidadã, fruto da consolidação da

carta magna brasileira (Constituição Federal

do Brasil – 1988), certifica-se que na prática

a realidade seja oposta, tendo em vista a

barbárie existente cotidianamente na vida dos

brasileiros, seres humanos por natureza, os

quais têm lhes sido negado princípios como

a vida, o respeito, a dignidade humana,

tendo, portanto a nítida violação de direitos

humanos.

A cidadania, erroneamente, vem sendo

tratada de forma deturpada não só pelos que

se consideram cidadãos, mas também por

alguns estudiosos e políticos na sociedade

brasileira, os quais consideram a cidadania

apenas o fato do indivíduo ter “direito de ter

direitos” (Dimenstein, 2008, p.12) contidos

em leis, ou seja, sob no âmbito da legalidade.

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Essa análise pode ser mais bem entendida a

partir da fala de DORNELLES (2008), o qual

nos relembra que

Falar em democratização e a sua relação

com a Escola nos obriga a tratarmos da

consciência social. E a consciência

humana é produto da práxis, da atividade

dos sujeitos sociais. A consciência social

é resultado da relação entre pessoas, e

destas com o mundo. (...) (p. 01)

O Autor fomenta o questionamento e

análise crítica acerca dos direitos humanos

vistos pela ótica filosófica, ou seja, “como

um modo de pensar, sentir, refletir, explicar,

agir consigo com os outros e com a

realidade social, com base em princípios

éticos - jurídicos dos Direitos Humanos.”

(ZENAIDE, 2008, p.9)

Essa análise emitida pelos autores, e

reafirmado por Dornelles (2008, p. 03)

salienta o fortalecimento de uma mentalidade

social fragilizada, produtora de “mecanismos

de alienação, manipulando informações,

encobrindo a essência da realidade, através

de mistificações do real (...)”, onde

transpareça uma harmonia social, com

desigualdades de classes sociais

apaziguadas aparentemente e a ilusão do

pertencimento, numa sociedade onde não

existe mais a “antagonia de classes”

(IAMAMOTO, 2006, p. 44).

Dessa forma, a Escola, espaço de

promoção da democracia e construção

coletiva de conhecimento - cujo objetivo

volta-se à contribuição na formação de

sujeitos emancipados, aqui entendidos não

só por sua consciência política na sociedade,

mas principalmente ao exercício da cidadania

a partir do respeito à vida e à dignidade

humana - passa a ser o “culpado” pelo caos

social instaurado, onde valores como ética e

moral foram perdidos, esquecidos e

banalizados.

A responsabilidade da Escola e do

Professor a educação socialcom objetivo no

estímulo ao exercício da cidadania e respeito

à dignidade e aos direitos humanos pelos

alunos, direciona-nos que observemos a

citação abaixo, esta que proporciona uma

reflexão e entendimento acerca da

responsabilidade de todos os cidadãos nesta

causa.

A Escola, como instituição, aparece,

como um momento especial do cotidiano,

com a progressiva divisão social do trabalho.

Com a complexidade das sociedades

divididas em classes, com o cotidiano

marcado pelas necessidades da produção, a

vida foi compartimentada em diferentes

momentos, constituindo sistemas

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autônomos, com regras próprias, com uma

lógica própria etc. (DORNELLES, 2008)

2. O Papel da Escola na Formação de

Alunos-Cidadãos

A ênfase tecida no tópico anterior acerca

da responsabilidade de todos para com a

educação para a cidadania e respeito aos

direitos humanos com vista à dignidade

humana não exclui a responsabilidade da

escola na formação de alunos-cidadãos, pelo

contrário, é necessário revisar também

aspectos que envolvam o papel e

responsabilidade da escola – devido a sua

responsabilidade fundamental nessa

formação -, partindo da análise acerca do

processo pedagógico para aproximação da

realidade. Com vistas nesse entendimento,

entendemos que o processo de

aprendizagem conforme Dornelles (2008),

“se estabelece uma relação Ser-Natureza,

onde as relações de vida do cotidiano se

revelam como um processo pedagógico, um

processo educativo”.

Contribuindo com a compreensão do

papel da Escola para a construção da

cidadania nas classes subalternas, sob a

concepção de que todos formam os alunos-

cidadão – escola, professores, famílias,

comunidade, ou seja, não só a escola e seus

educadores, é necessário o entendimento

dos entraves que também corroboram para a

não consolidação deste papel, seja pelos

educadores, seja pelos alunos, onde “as

classes populares deixam de ir para a Escola,

pois entram prematuramente no mercado de

trabalho, ou entram na Escola para

receberem um adestramento disciplinar (...).

(DORNELLES, 2008)

O espaço escolar é compreendido na

atualidade, apresenta suas fragilidades desde

a estruturação física, o plano pedagógico,

formação dos educadores, métodos de

ensino, até o comportamento social dos

alunos, comportamento este refletido no

ambiente escolar. Objetivando uma melhor

compreensão acerca dessa análise, o tópico

seguinte nos possibilitará adentrarmos nesse

campo, sob a ótica não só dos estudiosos,

mas principalmente dos sujeitos do estudo,

os alunos.

3. Direitos Humanos na Escola – Promoção

ou Negação?

A partir da Pedagogia do Oprimido, Paulo

Freire (1979), já afirmara que “a educação é

uma forma de intervenção no mundo.” Dessa

forma, o processo educativo transformador,

deve ter imbuído em seu plano pedagógico,

formação dos docentes, metodologia

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pedagógica, meios de promoção e estímulos

para que os alunos percebam-se enquanto

partícipes do processo de transformação

societário, concomitantemente, de suas vidas

enquanto seres humanos dignos de

conviverem em uma sociedade mais justa,

humanitária, fraterna e democrática-cidadã.

A bem da verdade perceber-se-á as

impressões emitidas pelos alunos do Colégio

Estadual de Salvador – Bahia - campo de

estudo deste artigo – acerca da construção

da cidadania e do respeito aos direitos

humanos no seu ambiente escolar. Cabe

ainda sinalizar que, o público alvo deste

estudo é formado por 08 (oito) alunos, todos

da 5ª série do 1º grau, conhecido por Ensino

Fundamental, sendo 50% do sexo feminino e

conseqüentemente 50% do sexo masculino.

As faixas etárias desses atores são: 50%

com idade entre 10 a 12 anos, 37,50% com

até 10 anos e apenas 12,50% com idade

superior a 12 anos. Para uma melhor

compreensão das falas dos alunos-

pesquisados, iremos identificá-los com

nomes de flores, primando pela manutenção

do sigilo dos seus dados de identificação

pessoal.

Tratando-se de um questionamento

preliminar e pertinente a esse estudo,

evidenciou-se que os 08 (oito) alunos do

Colégio Estadual visitado, desconheciam a

terminologia “direitos humanos”, visto que

destes, 04(quatro) sentiram-se à vontade

para responder aos questionamentos apenas

após uma breve explicação da pesquisadora

sobre o que são direitos humanos. É

relevante considerar que, após a explicação

conceitual dos direitos humanos, as

respostas apresentadas pelos alunos-

pesquisados, referenciavam a temática como

sendo o ato de

estudar, brincar, arrumar a casa (Rosa,

2010)

por exemplo: a casa onde você mora é

sua, é um direito humano (Violeta, 2010)

As afirmativas trazidas pelos alunos

reafirmam a incompreensão destes com a

temática direitos humanos, pelo menos no

sentido conceitual da palavra. Com essa

impressão inicial, pôde-se imaginar que estes

alunos não saberiam responder se “você

considera que os seus direitos humanos são

violados?”, e surpreendentemente temos

afirmativas que nos possibilita compreender

a percepção desses adolescentes, onde

06(seis) destes consideram que sim, seus

direitos humanos são violados. Perguntamos

então aos que responderam afirmativamente,

“em qual (is) situação (ões) os direitos

humanos são violados?”, momento em que

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responderam: saúde (25%), segurança (50%)

e liberdade (25%) respectivamente.

Essa tabela contribuirá com a análise das

respostas referente à Questão 05, onde

perguntamos, conforme a compreensão dos

alunos, qual dos direitos humanos é mais

violado. Esse questionamento reforça a

preocupação dos alunos sobre assuntos

como segurança-violência urbana, saúde e

liberdade (esta podendo ser compreendida

por: escolha religiosa, escolha de opção

sexual, liberdade de expressão, outros).

Observando a tabela abaixo, verificar-se-á

que os direitos humanos mais violados na

concepção dos alunos de 5ª série, desse

Colégio Estadual, são: segurança e liberdade.

É válido mencionar dois pontos

considerados relevantes pela pesquisadora,

sendo: primeiro, a certeza de ser mencionado

a violação ao direito à segurança, pois tanto

o Colégio, quanto os alunos estão

pertencentes a um Bairro de Salvador

considerado populoso, exposto à violência

urbana em seus mais diversos segmentos

(narcotráfico, violência doméstica, outros),

bem como, a violação de outros direitos

humanos como: moradia digna, acesso à

saúde com qualidade, ausência de lazer,

dentre outros. Em segundo lugar, ficou

evidente nas respostas abertas a este

questionamento (Tabela 01), que o direito à

liberdade de escolha a opção sexual é vista

com preconceito, na escola e na sociedade

oriunda desses estudantes, conforme relatos

em destaque abaixo:

por exemplo: meu irmão tem a voz fina e

ele é chamado de v. e ele não gosta, e

hoje ele é casado. (Rosa, 2010)

eu acho que não é respeitado desde a

casa dos meninos que abusam os

homossexuais. (Girassol, 2010)

Compreendido como um direito humano,

a liberdade de condição sexual deve ser vista

e respeitada, contudo o que se percebe são

TABELA 01 – Em qual (is) situação

(ões) eles são violados?

Alternativas Percentuais

Segurança

Liberdade

Saúde

Nenhum

37,50%

25,00%

12,50%

25,00%

100%

Fonte: Entrevistas realizadas com alunos

da 5ª Série de um Colégio Estadual da

Cidade do Salvador-Bahia, maio, 2010.

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ações discriminatórias e repressoras para

com essa camada da sociedade, a que muito

provavelmente vem sendo violada em DH

desde a sua origem, permanecendo até dias

atuais, simplesmente pelo desrespeito à um

direito humano, a liberdade. Ao contrário do

que se possa imaginar, as crianças e

adolescentes devem sim sentir-se partícipes

do processo de transformação da sociedade,

sobretudo no que se refere às

transformações de comportamentos,

culturas, valores, respeito mútuo.

No subtópico seguinte, perceberemos a

possibilidade de construção de ações para a

cidadania e respeito aos direitos humanos,

sob a ótica dos alunos-cidadãos do Colégio

Estadual – local da pesquisa.

4. O Aluno-Cidadão: Construindo ações

para a transformação societária

Identificaram-se no estudo, indícios da

violação de direitos humanos, mesmo no

âmbito escolar, e corroborando com essa

afirmativa, buscou-se perceber com os

alunos, alternativas de combate e/ou

enfrentamento às violações constantes dos

direitos humanos não apenas no ambiente

escolar, mas também na sua comunidade e

grupos societários.

Promovendo a inquietação e reflexão dos

alunos da 5ª série, pesquisados deste

estudo, os questionamos: “Você, na

condição de cidadão, o que faria para

transformar essa realidade/situação?”, ou

seja, mudar as ações de violação dos direitos

humanos na escola onde estudam, sejam por

seus colegas, professores e/ou qualquer ator

inserido nesse contexto. A título de

esclarecimento, salienta-se que a intenção

desse questionamento, é reafirmar a

importância de serem ouvidas as propostas

de todos os atores envolvidos, levando em

consideração seus saberes, conhecimentos,

percepções de realidade.

Percebe-se a importância de serem

revistos valores como ética, respeito mútuo,

reconstrução da moral entre os homens,

pois, mediante transformações de

comportamento da própria sociedade, vista

no âmbito cultural em especial, os valores,

percebe-se o crescente descaso à moral e

“bons costumes”, antes empregados nas

famílias e na sociedade. Essa análise é

comprovada na análise abaixo:

A construção de uma nova orientação

moral se impõe, pois estamos presenciando

a destruição da natureza e do próprio ser

humano. (...) A construção de uma nova

orientação moral, exige alterações profundas

na consciência coletiva e, principalmente,

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nas estruturas sociais, no que diz respeito às

suas relações de produção e de poder. É

impossível o advento de novos valores se

não existirem condições propícias para tal.

(PASSOS, 2000, p. 29)

Embora as exigências necessárias para

essa transformação societária, partindo da

transformação dos princípios morais na

sociedade, deve-se propor credibilidade a

este feito, compreendendo os possíveis

entraves, conhecendo a realidade social em

que se vive, para então propor ações

condizentes e eficazes ao problema social

em que se tornou a ausência de ética, moral

e valores entre os homens, culminando no

desrespeito e violação dos direitos humanos,

consequentemente, no não exercício da

cidadania por significativa parte dos cidadãos

(passivos, em sua maior parte).

Outros aspectos considerados relevantes

do ponto de vista dos alunos, no sentido de

contribuir para a transformação societária, é

a visão de grupo e coletividade existente na

fala dos mesmos, onde Violeta (2010) afirma

que “As coisas (direitos) deveriam ser de

graça, não ser pago. Ter postos de saúde em

muitos bairros”. Essa afirmativa trazida a

partir da compreensão e colaboração dos

alunos para a transformação societária a

partir do seu exercício de cidadania

transmitem-nos a certeza da importância da

escola na formação dos alunos-cidadãos,

logo,

(...) o sistema educacional reproduz e

divulga, através da Escola, um conjunto

de idéias, de representações simbólicas

da realidade, de valores culturais e de

formas de conduta que satisfarão às

necessidades de reprodução do modelo

de sociedade. (DORNELLES, 2008, p.05)

As falas dos alunos explicitam mesmo

que superficialmente, o cumprimento do

sistema educacional na construção e

formação de uma mentalidade parcialmente

crítica da realidade social em que vivem. Não

se trata aqui de crer numa transformação

imediata da sociedade em seus costumes,

valores, moral e ética. Pois sabe-se que

A construção de uma nova ética, uma

nova consciência social, solidária, que se

traduza em práticas sócio-políticas

transformadoras, reforçando e ampliando

princípios humanistas e posturas

democráticas que consolidem os espaços de

liberdade, de tolerância e levante barreiras às

investidas de uma lógica fria e calculista que

imagina que a vida humana e social tem por

base o mercado. (DORNELLES, 2008, p. 08)

Acredita-se na possibilidade de

construção de uma sociedade mais justa e

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igualitária, onde o respeito aos direitos

humanos e o exercício da cidadania seja uma

prática cotidiana de todos os brasileiros.

Contudo, reafirma-se aqui o papel de todos

os cidadãos – alunos, professores, famílias,

comunidades, grupos, seguimentos

religiosos, organizações, políticos, dentre

outros – envolvidos numa causa única, o

respeito ao ser humano.

5. Conclusões

O presente trabalho possibilitou à autora,

inicialmente, refletir acerca da atual

conjuntura em que envolve os direitos

humanos, respeitados ou não, na sociedade,

sobretudo no que concerne à cidadania,

preferencialmente ativa, onde os sujeitos-

cidadãos procurem reivindicar seus direitos,

cumpram com seus deveres e retomem os

valores ora esquecidos nas ações

desenvolvidas pela própria sociedade, na e

para a sociedade.

A partir da escolha dos sujeitos de

pesquisa – alunos da 5ª série de um Colégio

Estadual de Salvador, acreditava-se desde

então, na possibilidade de percepção destes

sobre a temática proposta, sobretudo, no

valor que iriam agregar para constituição de

ações a serem utilizadas para enfrentamento

da violação dos direitos humanos e no não

exercício da cidadania, por eles e seus

colegas de classe.

Imprescindível se fez valorizar o direito de

expressão desses atores, pura e

simplesmente pela expressividade de respeito

à dignidade humana através dos valores

obtidos por eles tanto na família, quanto na

escola na qual estão inseridos. O fato de

tratar de uma temática tão delicada como

esta e com um público alvo em formação,

felicitou-me, em especial, pela possibilidade

de experienciar participar de um momento de

troca e aquisição de conhecimentos acerca

de uma temática conhecida por muitos,

contudo, pouco explorada, reconhecida e

valorizada nos dias atuais.

Mesmo em meio aos desestímulos

possivelmente existente entre os docentes do

Colégio Público, campo desta

pesquisa,evidenciou-se nas falas dos alunos-

cidadãos pesquisados “sementes” de valores

morais e éticos “germinando” em cada ser

humano que aceitou participar deste estudo.

O senso de coletividade, também expressivo

nas falas dos alunos, foi considerado pela

pesquisadora como mais significante valor de

ter realizado esse estudo, sobretudo pelo fato

de que, mesmo em meio a uma sociedade

capitalista, desigual, e com tantas injustiças

sociais, prevalece o sonho, o desejo de um

“mundo melhor”(Girassol, 2010).

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Capítulo III

Questão Social: Diferentes

Perspectivas Teóricas de Análise desse Fenômeno

[ Serviço Social ]

QUESTÃO SOCIAL: DIFERENTES

PERSPECTIVAS TEÓRICAS DE ANÁLISE

DESSE FENÔMENO

Jocelina Alves de Souza Coelho3

Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto4

Amanda Silva de Matos5

Resumo

O presente texto busca analisar as diferentes

perspectivas teóricas que discorrem sobre o

fenômeno compreendido como “questão

social”. Esta muitas vezes confundida como

sinônimo de desigualdade, pobreza,

pauperismo ou escassez de recursos

financeiros. Originariamente a “questão

social” formou-se em torno das grandes

transformações econômicas, sociais e

políticas, ocorridas na Europa no século XIX

3 Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Alagoas (2006), tendo como linha de pesquisa: Questão Social, Direitos Sociais e Serviço Social, Especialista em Serviço Social e Política Social pela Universidade de Brasília - UNB (2002) e Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (1992). Assistente social do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; Professora e membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE - Portaria nº. 10/ 2008) do curso de graduação em Serviço Social da Faculdade Regional da Bahia - UNIRB. Experiência como Coordenadora e professora das Pós-graduações em Política e Direito Previdenciário e Gestão e Elaboração de Projetos Sociais; Experiência com Orientações de trabalhos de conclusão de curso na graduação e pós-graduação (lato sensu). 4 Maria Lúcia de Souza Carvalho Couto, graduada em Serviço Social, pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas, mestra em Administração Estratégica e pós-graduada em Psicologia Organizacional pela UNIFACS, em Metodologia do Serviço Social pela UCSAL e em Recursos Humanos pela UFBA, formação em psicodrama aplicado e em psicologia social. Atua como Coordenadora de Recursos humanos no Colégio Anchieta e no Curso de Serviço Social da UNIRB. 5 Especialista em Direito e Política Previdenciária pela UNIME, graduada em Direito pela UFAL – Universidade Federal de Alagoas, advogada e professora de graduação.

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oriundas do processo de industrialização. Diz

respeito objetivamente à generalização do

trabalho livre numa sociedade em que a

escravidão marcou profundamente a sua

história. Isto se deu devido à tomada de

consciência das classes trabalhadoras, de

um quadro de novos problemas

sociopolíticos e econômicos, agregados às

modernas condições de trabalho urbano e do

pauperismo como um fenômeno socialmente

produzido.

Palavras-chave: Questão Social.

Perspectivas Teóricas. Industrialização.

Classe Trabalhadora.

Introdução

Iniciaremos nossa análise traçando uma

breve contextualização da origem do termo

“questão social”, para posteriormente

aprofundarmos o entendimento da mesma a

luz das perspectivas teóricas: a)

conservadora, laica e confessional; a)

revolucionária histórico-critica

(marxista/comunista).

Isto nos dará embasamento para a

compreendermos no contexto sócio-histórico

contemporâneo fundamentado pela ideologia

neoliberal, cujo propósito é a defesa do

mercado e a minimização das políticas

sociais.

A Origem da Expressão “Questão Social”

A expressão “questão social” é muitas

vezes confundida como sinônimo de

desigualdade, pobreza, pauperismo ou

escassez de recursos financeiros. Dessa

forma, para entendemos o significado e a real

aplicação do termo “questão social”

devemos em primeiro lugar situar o momento

histórico em que ela surge. Segundo alguns

autores, na terceira década do século XIX o

termo começou a ser empregado e foi

divulgado até a metade deste mesmo século

por críticos e filantropos da sociedade, que

atuavam no campo político, como forma de

designação do pauperismo, que surgia em

decorrência do processo de industrialização,

iniciado na Inglaterra no final do século XVIII.

Nesse período, a história registrava pela

primeira vez que a pobreza crescia de forma

desproporcional ao crescimento da produção

de riquezas, Netto (2001, p. 43) aponta que

“a pobreza acentuada e generalizada no

primeiro terço do século XIX – o pauperismo

– aparecia como nova precisamente porque

ela se produzia pelas mesmas condições que

propiciavam os supostos, no plano imediato,

da sua redução e, no limite, da sua

supressão”.

A designação desse pauperismo pela

expressão “questão social” relaciona-se

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diretamente aos seus desdobramentos sócio-

políticos. (...) lamentavelmente para a ordem

burguesa que se consolidava, os

pauperizados não se conformaram com a

sua situação: da primeira década até a

metade do século XIX, seu protesto tomou as

mais diversas formas, da violência luddista à

constituição das trade unions, configurando

uma ameaça real às instituições sociais

existentes. Foi a partir da perspectiva efetiva

de uma eversão da ordem burguesa que o

pauperismo designou-se como “questão

social” (Netto, 2001, p.42).

Partindo deste pressuposto, podemos

entender que originariamente a questão

social formou-se em torno das grandes

transformações econômicas, sociais e

políticas, ocorridas na Europa no século XIX

oriundas do processo de industrialização. Diz

respeito objetivamente à generalização do

trabalho livre numa sociedade em que a

escravidão marcou profundamente seu

passado. Isto se deu, basicamente, na

tomada de consciência, por parte de

crescentes parcelas da sociedade, de um

quadro de novos problemas, agregados às

modernas condições de trabalho urbano e do

pauperismo como um fenômeno social

produzido.

Perspectivas Teóricas: Conservadora, Laica

e Confessional

A partir da segunda metade do século XIX,

a expressão questão social já faz parte do

vocabulário do pensamento conservador,

tanto no âmbito do pensamento laico quanto

no pensamento confessional, que na busca

da proteção e manutenção da ordem

burguesa, passa a considerá-la como um

processo natural.

Para os pensadores laicos, as

incorporações imediatas da questão social

(grave desigualdade, desemprego, doenças,

fome, penúria, desamparo defronte a

conjunturas econômicas contrárias) são

percebidas como “desdobramentos, na

sociedade moderna, de características

inelimináveis de toda e qualquer ordem

social, que podem, no máximo, ser objeto de

uma intervenção política limitada

(preferencialmente com suporte “científico”),

capaz de amenizá-las e reduzi-las através de

um ideário reformista. Já o pensamento

conservador confessional, reconhece a

gravidade da “questão social” e se apela para

medidas sóciopolíticas para diminuir os seus

gravames, insiste em que somente a sua

exacerbação contraria a vontade divina”

(Netto, 2001, pg.45).

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No pensamento laico as idéias

dominantes, que têm como expressão nomes

como Durkheim e Weber, sustentam que as

manifestações da questão social decorrem

do individualismo presente na sociedade

moderna. Principalmente para Durkheim, a

forma de enfrentamento dos problemas

sociais seria a coesão social em

contraposição à anomia, com um socialismo

onde haveria um Estado intervencionista e

promotor do bem comum.

A respeito do socialismo Durkheim

criticava as idéias revolucionárias advindas

de Marx colocando o seu pensamento

sociológico como um pensamento prático e

aludindo a descontinuidade do pensamento

comunista, tido por ele como “filosófico e

apaixonado”, como podemos observar nesta

passagem:

Os teóricos do comunismo, dizíamos: são

solitários que aparecem apenas de

tempos em tempos e cuja palavra parece

não despertar senão ecos frágeis nas

massas sociais que os rodeiam. Na

verdade, são mais filósofos – que tratam,

nos gabinetes, de um problema moral

geral – do que homens de ação- que

produzem especulações destinadas a

acalmar as dores atualmente sentidas a

sua volta (Durkheim e Weber, 1993, p.

76).

Segundo Durkheim as distorções de

valores e a penúria moral da sociedade

sobrepunham-se à exploração material que

atingia aos trabalhadores e aqueles

despojados dos instrumentos de produção.

Em uma frase: a reforma econômica seria

conseqüência da reforma moral. A

intervenção consciente na direção da reforma

moral que abre as portas para o socialismo,

sugerida por Durkheim, ancora-se nas

corporações e no Estado. As corporações

abarcariam as capacidades produtivas e os

talentos desenvolvidos pelos indivíduos na

divisão do trabalho e, por outro lado,

despertariam novas forças espirituais,

propiciando a criação de normas comuns,

compartilhadas. Ainda que houvesse

diferenças econômicas, os homens

dividiriam os mesmos valores de

solidariedade e altruísmo.

Enfim, para esta corrente, a questão social

poderia ser contornada através de um ideário

reformista, o que não era tão diferente do

pensamento confessional decorrente da

Igreja Católica que tinha um contexto

complicado desde meados do século XIX

com a perda de sua hegemonia política e

econômica e a falta de um instrumental

científico para analisar os problemas sociais

advindos do capitalismo.

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O pensamento conservador confessional

embora baseado em fundamentos diferentes

do pensamento laico, já que a proposta da

Igreja era de uma reforma moral, sem deixar

de ter como foco a dimensão espiritual,

busca através de uma aliança com o Estado

burguês propor a prática de políticas sociais

que incorporam ao seu ideário a

possibilidade de se fazer “reformas” dentro

do capitalismo, se opondo também ao

socialismo marxista como nos descreve

Almeida quando fala do conteúdo da

RerumNovarum:

Contra o socialismo marxista acentua o

objetivo da participação social, a

irrenunciabilidade da propriedade privada

dos meios de produção e a limitação do

poder do Estado. Baseado nisso, exige

salários suficientes para o sustento da

família, reclama a liberdade de associação

como um direito natural, estimula a

criação de associações operárias e

seguros sociais e exige uma política social

estatal. Concede espaço importante à

auto-ajuda do operariado do mesmo

modo como estimula a Igreja a dar sua

contribuição (Almeida, 1994, p. 58).

Como exemplo do pensamento

conservador confessional, recorremos ao

seguinte texto: “Depois de se ter empenhado

por mais de 20 anos com a questão social,

simpatizando, no início, com a posição

romântica, Ketteler, em 1869 sentenciou de

forma pragmática, e por já reconhecer a

fecundidade da teoria do direito natural de

Tomás de Aquino: ‘Como não se pode prever

que o moderno sistema industrial em curto

prazo seja substituído por outro melhor’, é

importante que "deixemos os operários

usufruir de seus benefícios e do que este

sistema tem de bom".

Com isto se introduz o caminho da

reforma social no contexto da ordem

econômica capitalista existente. Porém,

Georg Von Hörtling afirmava que nem do

direito natural se podia derivar uma ordem

social e econômica concreta, válida para

sempre, mas somente de uma concepção do

homem de alguns princípios sociais que

estão de acordo com ela e de certas

afirmações fundamentais relacionadas com

ela sobre a ordem do setor cultural. Disso

nasciam direitos irrenunciáveis dos

operários. (Almeida, 1994).

Tanto no pensamento conservador laico

como no confessional, havia um

reconhecimento da pobreza, nas sociedades

pré-industriais, “só que esta era considerada

como um fato natural e necessário para

tornar os pobres laboriosos e úteis à

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acumulação de riquezas das nações em

formação, agora ela deveria ser enfrentada e

resolvida para benefício, inclusive, do

progresso material em ascensão” (Pereira,

1999, p. 51).

Outro ponto em comum, é que ambos têm

em a idéia de reforma moral do homem e da

sociedade. “De fato, no âmbito do

pensamento conservador – a questão social,

numa operação simultânea à sua

naturalização, é convertida em objeto de ação

moralizadora, E, em ambos os casos, o

enfrentamento das suas manifestações deve

ser função de um programa de reformas que

preserve, antes de tudo e mais, a propriedade

privada dos meios de produção. Mais

precisamente: o cuidado com as

manifestações da “questão social” é

expressamente desvinculado de qualquer

medida tendente a problematizar a ordem

econômico-social estabelecida; trata-se de

combater as manifestações da “questão

social” sem tocar nos fundamentos da

sociedade burguesa. Tem-se aqui,

obviamente, um reformismo para conservar”

(Netto, 2001).

Para Iamamoto (2001, p. 17), a tendência

de naturalizar a questão social é

acompanhada da transformação de suas

manifestações em objeto de programas

assistências, “focalizados de combate à

pobreza ou em expressões da violência dos

pobres, cuja resposta é a segurança e a

repressão oficiais”. Na atualidade, as

propostas imediatas para enfrentar a questão

social no país atualizam a articulação

assistência focalizada/repressão, com o

reforço do braço coercitivo do Estado em

detrimento da construção do consenso

necessário ao regime democrático, o que é

motivo de inquietação.

Após esta breve análise e respaldadas nos

autores da perspectiva histórico-crítica não

queremos dizer que antes da sociedade

industrial, o pauperismo não existisse e que

formas institucionalizadas de regulações

governamentais estivessem ausentes. A

história da proteção social revela que, desde

o século XIV, existiam intervenções públicas

que passavam da assistência aos indigentes

até a repressão à vagabundagem, indo pela

regulação estatal da organização do trabalho

e da mobilidade espasmódica dos

trabalhadores. Porém, isso acontecia porque

nas sociedades pré-industriais já existiam

questões sociais que, assim como as

posteriores, constituíam ameaça à ordem

instituída, dada a pressão exercida por

aqueles que não encontravam nessa ordem o

seu lugar a partir da organização do trabalho.

A questão social da fase industrial se

diferencia, em relação à da fase precedente

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não só na complexidade dos desafios que

colocam a ordem instituída, mas no

surgimento de novos atores e conflitos e,

conseqüentemente, de um novo status

assumido pelo social no âmbito do sistema

econômico e da organização política. Em

outras palavras, reside no surgimento de um

novo tipo de regulação social que, não

conhecendo precedentes na história, rege-se

pelo estatuto do direito do cidadão e do dever

do Estado. A partir daí, o vínculo social e o

vínculo cívico se confundem e se afirmam

como uma marca que irá caracterizar o

conteúdo e a expressão das políticas sociais

a partir do final do século XIX.

Esse processo está embutido nas leis do

movimento do capitalismo que deram nova

apresentação à questão social explicitada no

século XIX. Onde esta questão se revela

como um processo tenso e contraditório, que

pôs, desde os seus primórdios, em confronto

duas forças contrárias: a idéia liberal, avessa

ao protecionismo econômico ou a regulação

social e a idéia de autodefesa dos

trabalhadores industriais contra o despotismo

do mercado livre, que exige o desmonte dos

esquemas paternalistas e repressivos de

proteção social prevalecentes e a criação de

novas modalidades de regulação social, entre

elas a legislação fabril.

As vanguardas trabalhadoras acederam no

seu processo de luta, à consciência política

de que a “questão social” está

necessariamente colada à sociedade

burguesa: somente a supressão desta

conduz à supressão daquela. Mas

consciência política não é o mesmo que

compreensão teórica – e o movimento dos

trabalhadores tardaria ainda alguns anos a

encontrar os instrumentos teóricos e

metodológicos para apreender a gênese, a

constituição e os processos de reprodução

da questão social (Netto, 2001, p. 44).

Analisaremos agora o significado da

"questão social" no pensamento

revolucionário histórico-critico

(Marxista/Comunista), que considera ser a

questão social indissociável do processo de

acumulação e dos efeitos que produz sobre o

conjunto das classes trabalhadoras, o que se

encontra na base da exigência de políticas

sociais públicas.

Perspectiva Teórica: Revolucionária

Histórico-Critica (Marxista/Comunista)

A perspectiva de análise do pensamento

revolucionário que tinha como maiores

expoentes Marx e Engels é contrária a

qualquer idéia de reforma, propondo uma

crítica ao sistema capitalista e estabelecendo

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como meio de enfrentamento da questão

social, uma única possibilidade: a superação

da ordem burguesa.

Para Iamamoto (2001), a expressão

questão social embora estranha ao universo

marxiano, já que tinha sido cunhada por volta

de 1830, traduz processos sociais que se

encontram no centro da análise de Marx

sobre a sociedade capitalista. Nesta tradição

intelectual, o regime capitalista de produção é

tanto um processo de produção das

condições materiais da vida humana, quanto

um processo que se desenvolve imbricada

nas relações sociais e histórico-econômicas

- de produções específicas. Em sua dinâmica

produz e reproduz seus expoentes: suas

condições materiais de existência, as

relações sociais contraditórias e formas

sociais através das quais se expressam.

Existe, dessa forma, uma inseparável relação

entre a produção dos bens materiais e a

forma econômico-social em que é realizada,

isto é, a totalidade das relações entre os

homens em uma sociedade historicamente

particular, regulada pelo desenvolvimento das

forças produtivas do trabalho social.

A análise da questão social na perspectiva

histórico-crítica se distância dos

desdobramentos dos problemas sociais que

a ordem burguesa herdou ou com os traços

invariáveis da sociedade humana. Assim, se

aproxima, principalmente, da sociedade

constituída pelo capitalismo. Neste sentido, a

expressão questão social passou a ser

utilizada pelos revolucionários com um novo

sentido, como observa Netto (2001, p.44):

“A partir daí, o pensamento revolucionário

passou a identificar, na própria expressão

“questão social”, uma tergiversação

conservadora, e a só empregá-la indicando

este traço mistificador”.

Atualmente, vivemos um processo de

despolitização da questão social, como

expressão de relações de classe e nessa

direção a mesma caminha para a sua

desqualificação como questão pública,

questão política, questão nacional, numa

sociedade privatizada que desloca a pobreza,

segundo Yazbek (2001, p. 37), para “o lugar

da não política, onde é figurada como um

dado ser administrado tecnicamente ou

gerido pelas práticas da filantropia”.

Considerações Gerais

Após esta breve reflexão de apreensão da

questão social e das suas perspectivas

teórico de análise podemos atentar que estes

diferentes modos de concepção estão

presentes até hoje na sociedade

contemporânea e não devem deixar de ser

considerados em qualquer estudo que

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busque o entendimento dos efeitos das atuais

políticas sociais públicas desenvolvidas

mundialmente e o seu rebatimento,

especificamente, na prática teórico-

metodológica do Serviço Social.

A minimização do Estado brasileiro,

defendida pela lógica neoliberal, frente à

crescente demanda oriunda do agravamento

da questão social, rebate contrariamente no

projeto ético-político dos assistentes sociais

comprometido com uma nova ordem

societária, materializado pelo Código de Ética

Profissional de 1993, pela Lei 8662/93 de

Regulamentação da Profissão e pelas

diretrizes curriculares da ABEPSS, já que tal

projeto é a afirmação de um Serviço Social

comprometido com a democracia, igualdade,

justiça social, universalização do acesso a

bens e serviços concernentes às políticas

sociais.

Isso nos leva inicialmente à busca do

entendimento da relação/papel entre as

políticas sociais e modo de produção

capitalista, iniciado a partir das primeiras

décadas do século XX, quando o fenômeno

da questão social agravou-se na sociedade

brasileira, como resultado do conflito

capital/trabalho e da intensificação do

processo de industrialização, passando a

exigir do Estado a sua intervenção através da

gestão e implementação das políticas

sociais. Isso representou para o Serviço

Social a oportunidade de se transformar num

dos mecanismos de controle e manutenção

da força de trabalho utilizado pelo Estado na

execução das políticas sociais, deixando de

ser uma atividade basicamente caritativa e

filantrópica, de caráter privado ou

confessional.

As políticas sociais e Serviço Social se

desenvolvem numa realidade social em

constante movimento. Isso implica conhecer

as múltiplas determinações e as relações

dessa totalidade viva, dinâmica, contraditória,

percebendo as transformações sociais

historicamente, sem cortes temporais fixos,

numa relação dialética, não simplesmente

como uma sucessão de fatos.

De acordo com Iamamoto& Carvalho

(1995), com a intervenção do Estado na

questão social6 criou-se um mercado de

trabalho para o assistente social,

transformando-o num profissional

assalariado, contratado pelo Estado e pelo

patronato, tendo como alvo de sua atuação a

parcela da classe trabalhadora que tem

acesso aos organismos que veiculam os

chamados serviços sociais.

6 Entendida como o conjunto de “expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado” (Iamamoto& Carvalho, 1995:77).

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Isso posto, ressaltamos a necessidade de

apreensão da dinâmica do capitalismo como

questão de fundo já que no mesmo as

políticas sociais, dada a sua complexidade e

contraditoriedade, podem se apresentar

como conquista dos trabalhadores ou como

mecanismos de manutenção e de

conformação da força de trabalho, seguindo

a concepção do Estado liberal7 e da ideologia

dominante. Desse modo, representam

movimentos que buscam atender aos

interesses imediatos dos trabalhadores,

através da absorção das tensões e dos

conflitos sociais, que podem pôr em risco à

lógica da exploração e da desigualdade

social, que são próprios do modo de

produção capitalista.

Referências

ALMEIDA, L. M. Consciência Social: A

história de um processo através da

Doutrina Social da Igreja. Editora Unisinos,

1994;

7 Conforme Silva (1999:60), as características do modelo de Estado liberal permitem denominá-lode residual. Nele prevalece a concepção de que a ação estatal justifica-se para suprir insuficiências do mercado, junto a certos segmentos sociais. A política social é seletiva. Há duas formas de estímulo ao mercado. Passivo pela contenção dos serviços sociais, forçando o retorno ao trabalho. Ativo, pelas medidas em favor do seguro privado. A assistência social é prestada aos comprovadamente pobres, com caráter tópico e residual.

DURKHEIM, Èmile e WEBER, Max.

Socialismo. Rio de Janeiro: Dumará, 1993;

IAMAMOTO, M. A questão social no

capitalismo. Revista Temporalis, nº 3,

ABEPSS, 2001, p. 09 – 32;

NETTO, J. P. Cinco Notas a propósito da

“questão social”. Revista Temporalis, n. 3,

ABEPSS, 2001, p.41 – 49;

PEREIRA, P.A P. Questão social, serviço

social e direitos de cidadania. Revista

Temporalis, nº 3, ABEPSS, 2001, p. 51 – 60;

YAZBEK, M. C. Pobreza e exclusão social:

expressão da questão social no Brasil.

Revista Temporalis, nº 3, ABEPSS, 2001, p.

33 – 39.

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Capítulo IV

Importância da Biossegurança em

Odontologia [ Odontologia ]

IMPORTÂNCIA DA BIOSSEGURANÇA EM

ODONTOLOGIA

IMPORTANCE OF DENTAL BIOSAFETY

Iza Teixeira Alves Peixoto1 Adriana dos Anjos Ferreira2

Mônica Maria Lemos Pereira3 Juliana Santos de Carvalho Monteiro4

RESUMO

O objetivo dessa revisão de literatura é

informar o cirurgião-dentista sobre a

importância da biossegurança, na prática

clínica, visto que há uma crescente

preocupação em segurança de trabalho,

buscando evitar acidentes e a prevenção de

doenças, aliada à qualidade de atendimento.

Assim, o presente estudo faz uma

abordagem que envolve os riscos que os

profissionais e pacientes estão expostos a

doenças infecto contagiosas, os

equipamentos de proteção individual e como

prevenir estes riscos. A importância da

biossegurança deve ser de todos os

profissionais de saúde, desde aspectos

preventivos, como prevenção de infecção

1 Doutora em Microbiologia e Imunologia, Professora da Disciplina de Microbiologia Bucal da Universidade Regional da Bahia - UNIRB

2 Graduada em Enfermagem, aluna do curso de Odontologia da Universidade Regional da Bahia - UNIRB 3 Especialista em Saúde Coletiva e Especialista em Saúde da Família, Professora Gestora da Clínica-Escola de Odontologia – UNIRB. 4 Doutora em Odontologia, Professora da Disciplina de Anatomia Especial da Universidade Regional da Bahia - UNIRB

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cruzada, até aspectos ambientais, como o

cuidado com os resíduos que são gerados,

bem como o descarte adequado.

ABSTRACT

This is study review literature in objective to

report dentist on the importance of biosafety

in dental practice, since there is a growing

concern for safety and search for quality by

professionals of dentistry and many areas of

health. This article presents an approach

surrounding risks from what professionals

and patients are exposed cites the infectious

diseases e and the personal protective

equipment, even measures to prevent these

risks. It is concluded that the importance of

biosecurity should be for all professionals

involved in the issues that permeate from

prevention of cross infection to care for the

waste that is generated as well as proper

disposal.

Palavras-chave: Odontologia,

Biossegurança, Controle de Infecções,

Equipamento de Proteção Individual.

Key words: Dentistry, Biosafety, infection

control, protective equipment.

Introdução

“A biossegurança envolve um conjunto de

condutas e medidas técnicas, administrativas

e educacionais que devem ser empregadas

por profissionais da área de saúde ou afins,

para prevenir acidentes e contaminação

cruzada em ambientes biotecnológicos,

hospitalares e clínicas ambulatoriais”

(PINELLIet al., 2011). “A biossegurança é

uma área de conhecimento que impõe

desafios à equipe de saúde, por requerer um

campo de conhecimentos e um conjunto de

práticas e ações técnicas, com

preocupações sociais e ambientais,

destinados a conhecer e controlar os riscos

que o trabalho pode oferecer ao ambiente e à

vida” (ANDRADE & SANNA, 2007).

Dentre as diversas mudanças ocorridas

nos últimos anos pelo Controle das Infecções

Hospitalares, houve a introdução do uso de

equipamento de proteção individual (EPI), na

assistência aos pacientes, independente do

diagnóstico ou presumível estado de

infecção. Além disso, a simplificação das

medidas de isolamento, que passaram a

duas categorias: precauções por rota de

transmissão e precaução padrão, também

foram importantes medidas de

biossegurança, bem como o estímulo à

imunização dos profissionais contra hepatite,

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tétano e outras infecções, dependendo dos

riscos institucionais (MARTINS, 2001).

É importante considerar que, com advento

da SIDA, (Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida), em 1981 e o primeiro relato de

contágio acidental ocupacional em

profissionais de saúde em 1984, aumentou a

preocupação com a biossegurança. Em 1987

foram instaura as Precauções Universais

como recomendações do CDC (Centers for

DiseaseControlandPrevention), decorrente do

desconhecimento sobre as medidas de

biossegurança, que os profissionais deveriam

tomar para prevenção da transmissão do HIV

e do vírus da hepatite B. Frente a estes

fatores, estudos mais profundos sobre os

riscos ocupacionais iniciaram-se nesta

mesma década, juntamente com as portarias

ministeriais que normatizaram o assunto

(ANDRADE & SANNA, 2007).

As doenças infectocontagiosas se

destacam como as principais fontes de

transmissão de microorganismos para

pacientes e para profissionais. Outra

importante fonte de contaminação refere-se

ao contato direto com fluidos corpóreos

durante a realização de procedimentos

invasivos ou através da manipulação de

artigos, roupas, lixo e até mesmo as

superfícies contaminadas, sem que medidas

de biossegurança sejam utilizadas. Embora o

Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), e o

Vírus da Hepatite B tenham recebido maior

destaque nas últimas duas décadas, pelo

menos outros vinte microorganismos

patogênicos podem ser transmitidos por

feridas com perfuração associadas a picadas

de agulha e lesões por objetos perfuro

cortantes. O risco de contaminação após

exposição percutânea pelo HIV é de

aproximadamente 0,3 % proporcional ao

inoculo, à extensão e à profundidade da lesão

(SHEIDTI, 2006).

Assim o objetivo desse trabalho foi

realizar uma revisão de literatura, na

perspectiva de esclarecer o cirurgião-

dentista, sobre a importância da

biossegurança na práticaOdontológica.

A importância da Biossegurança na prática

dos profissionais de Odontologia

Na área da saúde, a adoção de normas de

biossegurança no trabalho é condição

fundamental para a segurança dos

trabalhadores, qualquer que seja a área de

atuação. Entre os riscos ocupacionais a que

os trabalhadores se tornam expostos,

podemos citar a contaminação pelo vírus do

HIV e vírus da hepatite B, que pode ser mais

alarmante quando nenhuma medida

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40

profilática é adotada (ANDRADE & SANNA,

2007).

De acordo com o Ministério da Saúde

(2000), as estatísticas de contaminação

pelas hepatites virais, HIV e pela tuberculose

entre trabalhadores da saúde após acidentes,

são escassas. Estudos têm demonstrado que

a contaminação de profissionais pelo HIV em

acidentes pode ser evitada, se forem

adotadas medidas de biossegurança.

Os riscos de aquisição ocupacional da

Hepatite B e C são estimados entre 6% a 30%

e 3% a 10%, respectivamente. Vale ressaltar

que, em relação à Hepatite B, a vacina é

segura e eficaz, e seu uso é obrigatório pelos

profissionais de saúde. Quanto à Hepatite C,

não existe vacina, e o uso de imunoglobulina

não confere proteção. Esse fato fortalece a

necessidade da aquisição das normas de

biossegurança pelos profissionais, incluindo

adequado uso dos EPI. Quando não for

possível eliminar ou controlar o risco na

fonte, utilizam-se os equipamentos de

proteção coletiva (EPC) (SHEIDTI, 2006).

Dentro da Odontologia, os acadêmicos

têm sido apontados como o grupo para o

qual a educação em biossegurança e

controle de infecção cruzada são

imprescindíveis para correto treinamento e

cumprimento dos protocolos rotineiramente

(PINELLI etall, 2011).

A prevenção da infecção cruzada é

aspecto crucial na prática odontológica. Os

profissionais que trabalham nessa área

devem adotar rotinas básicas de prevenção

durante o trabalho, pois promovem proteção

da equipe, pacientes e ambientes e de

assistência odontológicas, minimizando o

risco de transmissão de doenças

infectocontagiosas (PINELLI etall, 2011). O

fator de prevenção mais importante é a

atitude que cada indivíduo adota, graças a

um processo educativo (ANDRADE &

SANNA, 2007). Entretanto, a literatura sobre

biossegurança em odontologia tem

mostrado, por meio de análise quantitativa,

que o grau de obediência do próprio

profissional aos protocolos é variável, seja

para medidas de proteção individual, seja

para medidas de proteção coletiva (PINELLI

etall, 2011).

Medidas de Precauções Universais ou

medidas padrão

As medidas de precauções universais

representam um conjunto de medidas de

controle de infecção, para ser adotada

universalmente, como forma eficaz de

redução do risco ocupacional e transmissão

de microorganismos nos serviços de saúde

(MARTINS, 2001).

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As precauções universais incluem: a) Uso

de barreiras ou equipamentos de proteção

universais (EPI); b) Prevenção de exposição

a sangue e fluidos corpóreos; c) Prevenção

de acidentes com instrumentos perfuro

cortantes; d) Manejo adequado dos acidentes

de trabalho que envolva a exposição a

sangue e fluidos orgânicos; e ) Manejo

adequado de procedimentos de

descontaminação e do destino de dejetos e

resíduos nos serviços de saúde.

A finalidade dos EPI é reduzir a exposição

do profissional a sangue e fluídos corpóreos,

as luvas são indicadas sempre que houver

possibilidades de contato com sangue,

secreções e excreções, com mucosa ou pele

não íntegra. As máscaras, gorro e óculos de

proteção devem ser usados na realização de

procedimentos em que haja possibilidade de

respingo de sangue ou outros fluidos

corpóreos nas mucosas da boca, do nariz e

dos olhos do profissional. Já os aventais são

recomendados nos procedimentos com

possibilidades de contato com material

biológico, inclusive superfícies

contaminadas. O uso dos EPI de forma

combinada ou não, objetivando minimizar a

disseminação de microorganismos e proteger

áreas do corpo expostas a material

infectante, foi otimizado através de

precauções universais, também conhecidas

como básicas ou padrão. Seja qual for à

denominação utilizada, refere-se às

precauções com sangue e líquidos corporais

(SHEIDTI, 2006).

Em um trabalho realizado por cirurgiões

dentistas em 10 bairros do município de João

Pessoa- Paraíba, onde avaliou o

comportamento dos CD em relação à

utilização do EPI, no controle de infecção no

atendimento odontológico em clínicas

privadas, constatou que: Em relação ao EPI,

95,8% usavam luvas; 94,9 % usavam

máscaras; 27,1% gorro, 80,5% óculos; 72,9

% avental. Apenas 21,2 % utilizavam EPI

completo. Os profissionais que foram

acometidos por hepatite foram 15,4% e

pacientes com AIDS foram atendidos por

22,4 % dos profissionais (ROSA, 2001).

A portaria CVS-11 de 04/07/95 e a

Resolução SSI86 de 19/07/95 vieram

normatizar os procedimentos de bioproteção

necessários ao controle das doenças

transmissíveis em consultórios

odontológicos. Porém em um estudo feito

por Gonçalves e eta.l (1996), verificou que

tais medidas demandam tempo, acarretam

um curso adicional ao CD e a necessidade de

pessoal auxiliar, fatores estes que dificultam

a aplicação prática das disposições

impostas, frente a uma odontologia

predominantemente de grupo e serviços

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públicos despreparados de um protocolo

desse porte.

De acordo com Almeida (2003), após

realizar um estudo epidemiológico numa

regional de saúde do Estado de São Paulo,

envolvendo 21 municípios no período de

2000 a 2001, com o objetivo de verificar as

características dos trabalhadores e avaliar as

características dos acidentes ocupacionais e

identificar a adesão a quimioprofilaxia contra

o vírus da imunodeficiência humana e os

exames de seguimento protocolares dos

trabalhadores da saúde pós-exposição a

fluidos orgânicos humanos, com riscos aos

agentes infecciosos como o HIV, ao vírus da

hepatite B, e da hepatite C. A população

constituiu em 172 acidentados no ano de

2000, e 207 em 2001. Os resultados

mostraram que os acidentes aconteceram

majoritariamente entre as mulheres, com 79

% nos dois anos estudados; a faixa etária

predominante foi entre 20 e 49 anos em mais

de 90 % dos acidentados, a categoria mais

acometida foi a equipe de enfermagem com

68 % em (2000) e 74 % em (2001), o

material biológico envolvido foi o sangue em

87 % do total de acidentes. Mais de 70% dos

acidentados referiram esquema completo

para hepatite B, e quanto a adesão de

quimioprofilaxia contra HIV, dos 57 % e 43 %

(2000 e 2001), dos acidentados que

necessitaram de quimioprofilaxia, 12 %

recusaram a medicação no primeiro ano e

1,3% no segundo ano de estudo, sendo

considerados aderentes por terem tomado a

medicação por mais de 22 dias, 57,9 % no

primeiro ano e 59,7% no segundo ano.

O gerenciamento de risco hospitalar é um

processo inter e transdiciplinar que associa o

conhecimento da administração,

enfermagem, medicina, farmácia, direito,

odontologia, engenharia clínica e ambiental

entre outros. Um estudo realizado em São

Paulo por um grupo de especialistas que tem

dedicado parte das suas vidas ao estudo das

complexas relações entre a assistência,

segurança e controle de riscos bem como a

repercussão de prestação de cuidados gerou

como produto final um livro que propõe

ferramentas, métodos e apresenta práticas

para possibilitar ações de excelência e a

superação das expectativas, garantindo a

segurança do paciente, visitante, profissional,

do meio ambiente comunidade usuária e

imagem da organização de saúde

(FELDMAN,2009).

Considerações finais

Diante do exposto, evidencia-se que a

biossegurança é muito importante, tomando

proporções que vão além do profissional de

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odontologia, pois a cada dia se alargam as

discussões acerca de temas envolvendo

biossegurança e biotecnologia, e a

importância deve ser de todos os

profissionais envolvidos nas questões que

perpassam, desde a prevenção de infecção

cruzada, até o cuidado com os resíduos que

são gerados, bem como o descarte

adequado destes resíduos que são gerados

pelos profissionais na ocasião da sua

profissão.

Referências

ANDRADE, A.C. & SANNA. M. C. Ensino de

Biossegurança na Graduação em

Enfermagem: uma revisão da literatura. Ver.

Brasileira. Enfermagem. V.60 n. 5.Brasília

set/out.2007.

ALMEIDA, C.A.F. Acidente de trabalho:

adesão a quimioprofilaxia dos trabalhadores

da saúde por exposição a material biológico

humano ; Campinas; s.n; 2003. 141p.

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políticas de Saúde. Coordenação Nacional de

DST e Aids.Controle de infecções na prática

odontológica em tempos de AIDS: manual e

condutas. Brasília: Ministério da saúde, 2000.

118p.

FELDMAN, L.B. Gestão de risco e segurança

hospitalar: prevenção de danos ao paciente,

notificação, auditoria, de risco, aplicabilidade

de ferramentas, monitoramento; São Paulo;

Martinari; 2009.391p.

GONÇALVES,M.R. Biossegurança do

exercício da odontologia. RPG, ver. Pós-

graduação; 3 (3): 242 – 5, jul – set. 1996.

MARTINS. M. A. Manual de infecção

hospitalar. Epidemiologia , prevenção,

controle. 2 ed. Rio de Janeiro: medsi, 2001.

116p.

PINELLI.C. etall. Biossegurança e

odontologia: crenças e atitudes de

graduandos sobre o controle da infecção

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Apr/June 2011.

ROSA. M. R. D. et all. Comportamento dos

cirurgiões dentistas em relação a utilização

do equipamento de proteção individual (EPI)

no controle de infecções. Ver.bras.ciências

saúde; 5 (2) : 125 – 130. 2001

SHEIDTI, K.L.S. As Ações de Biossegurança

Implementadas pelas Comissões de Controle

de Infecções Hospitalares. Ver. Enferm.

UERJ. v. 14 n. 13 Rio de Janeiro set. 2006.

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Capítulo V

O Trabalho Precarizado no

Estágio Supervisionado em Serviço Social

[ Odontologia ]

O TRABALHO PRECARIZADO NO

ESTÁGIOSUPERVISIONADO EM SERVIÇO

SOCIAL

Liege Maria da Silva Servo1

RESUMO:

Estudo bibliográfico que teve como objetivo

contribuir para reflexão das condições de

trabalho dos supervisores de estágio em

Serviço Social. Sinaliza queas mudanças

provocadas pela reestruturação produtiva e

pelo neoliberalismo afetam o trabalho da

assistente social no exercício da função

privativa de supervisão de estágio em Serviço

Social. A supervisão de estágio exige reflexão

sobre fundamentos éticos, políticos, teóricos e

metodológicos que informam o fazer

profissional e a articulação do arcabouço

teórico do Serviço Social. Nesta perspectiva,

aponta que o acesso desenfreado a

Instituições de Ensino Superior, particulares

presenciais e a distância, e a precarização do

trabalho docente, inclusive na supervisão de

estágio,exigem da categoria profissional ações

em defesa do Projeto Ético Político.

Palavras-chave: Serviço social; Trabalho;

Estágio supervisionado; Reestruturação

produtiva.

1 Assistente Social. Professora. Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania. Email [email protected] Autora

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INTRODUÇÃO

No Brasil, as mudanças ocorridas nas

últimas décadas no mundo do trabalho2 e na

organizaçãodo Estado, da cultura e da

sociedade civil, modificaram o processo e as

relações de trabalho. O país vive um processo

de flexibilidade e precariedade dos vínculos

empregatícios, com a perspectiva de

desemprego estrutural apontada para a maioria

dos trabalhadores. O padrão fordista de

produção vem sendo amplamente substituído

pelas formas produtivas flexibilizadas e

desregulamentadas (ANTUNES, 2000).

A hegemonia do modo de produção fordista

caracterizava-se pela produção em massa para

consumo em massa e pela intervenção do

Estado sobre o mercado, desenvolvendo

políticas sociais e econômicas para garantir o

crescimento econômico e o pleno emprego.

Porém, a produção em massa dinamizou a

extração de mais valia e gerou uma crise na

acumulação de capital, resultando na

reestruturação produtiva.

Segundo Harvey (1996), a presença de

grandes excedentes de capital nos países

centrais, no final dos anos 60 e início dos 70,

sinalizava em direção a um novo período de

2O mundo do trabalho considerado espaço deprodução e da reprodução da vida material que traz como conseqüência a intensa exploração do trabalhador no processo de venda da sua força de trabalho.

crise, movimento de caráter cíclico, dentro do

modo de produção capitalista. Aponta como

razões para a reestruturação produtiva neste

período a capacidade ociosa na indústria, o

excesso de mercadorias e estoques, a queda

da produtividade e do lucro, a competição

internacional e os efeitos da crise do petróleo.

A reestruturação produtiva surge como uma

forma mais flexível de organização da

produção e dos contratos de trabalho.

Caracteriza-se pela terceirização da produção,

crescimento dos setores de serviços e de

comércio, utilização da microeletrônica, da

informática e da robótica, auto-organização do

trabalho, pluriespecialização e fiscalização da

qualidade da produção pelos trabalhadores.

Esse regime de produção não se

desenvolveu no mundo de forma homogênea.

Observa-se a convivência da forma de

produção em massa, com baixo conteúdo

tecnológico e utilização intensiva de mão-de-

obra de baixa qualificação, realizando trabalho

fragmentado e rotineiro com sistemas de

trabalho doméstico. Existem também

alternativas de combinação entre novas

tecnologias e novos desenhos organizacionais

nas empresas modernas em diferentes países

e a convivência, num mesmo país, de diversas

estratégias de produção e organização do

trabalho, podendo coexistir, lado a lado, numa

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mesma empresa, tradicionais linhas de

montagem junto a células de produção.

Os diversos modelos de organização da

produção e do trabalho desenvolveram-se em

momentos distintos, sob determinadas

condições econômicas e sociais e estão

sujeitos a adaptações, mesmo em seus países

de origem. Exemplos clássicos das diversas

formas de reorganização da produção e do

trabalho são o “modelo japonês” de produção,

a configuração de empresas em “distritos

industriais” e os sistemas de co-determinação

sueco e alemão que funcionamde forma

acoplada à produção em massa. (LOMBARDI,

2007, p.66).

As principais conseqüências da

reestruturação produtiva no mundo do trabalho

são a perda de direitos sociais pelos

trabalhadores e a degradação crescente do

meio ambiente. Observa-se a expansão do

neoliberalismo e conseqüente crise do Estado

Social. A reestruturação produtiva se

aprofunda e redefine com o neoliberalismo.

Neste sentido, Borges (2007, p.84) reporta

que: “Facilitada pela mudança na correlação de

forças entre o capital e o trabalho, a

precarização dos postos de trabalho resultou

no movimento de flexibilização dos vínculos

empregatícios e dos postos de trabalho”.

Estas transformações societárias, os novos

padrões de produção e as mudanças no

mundo do trabalho, nos mais diversos campos

da vida social, atingem o Serviço Social e

exigem modificaçõesno processo de formação

profissional do assistente social. Exigem

pesquisam cujos objetos de estudo sejam

asmudanças do espaço ocupacional do

Assistente Social, temática relevante para a

análise das transformações impostas pelas

novas tendências da sociedade

contemporânea e seu rebatimento na prática

do Serviço Social.

A discussão sobre o estágio supervisionado

em Serviço Social, no contexto de

precarização e de desregulamentação do

trabalho e de redução dos direitos sociais, se

apresenta em defesa da formação profissional

em consonância com o projeto-ético político

do Serviço Social. Desse modo, este artigo

relacionado ao objeto de pesquisa da

dissertação de mestrado da autora, ora

intitulado “Formação e trabalho no estágio

supervisionado de Serviço Social: o olhar dos

atores envolvidos” apresenta reflexões

advindas da experiência docente e de

supervisão de estágio de Serviço Social.

Visa contribuir para a reflexão sobre a

influência das mudanças societárias da

atualidade no processo de formação

profissional da assistente social,

particularmente no estágio supervisionado.

Aborda questões e faz proposições tendo por

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referênciao processo de trabalho do assistente

social supervisor de estágio e os princípios

fundamentais do Código de Ética Profissional,

a Lei de Regulamentação da profissão e o

projeto ético político do Serviço Social.

O presente estudo pretende responder ao

seguinte questionamento: como se dá

supervisão de estágio no processo de

reestruturação produtiva na área da saúde em

tempos neoliberais segundo a literatura

brasileira e a experiência vivida pela autora?

A relevância dessa investigação consiste na

construção do conhecimento sobre o mundo

do trabalho do assistente social na

contemporaneidade e seu posicionamento

frente ao Estágio Supervisionado, contribuindo

para a reflexão e o debate sobre o trabalho do

supervisor no processo de formação

profissional. Assim, o objetivo estabelecido

para este estudo épromover reflexões sobre a

influência da reestruturação produtiva e do

neoliberalismo na articulação da materialização

do projeto ético político do Serviço Social no

Estágio Supervisionado segundo a literatura

brasileira.

DESENVOLVIMENTO

O Serviço Social, como profissão inserida

na divisão social e técnica do trabalho na

sociedade capitalista,intervém na realidade

social concreta e exige do profissional

constante reflexão e análise teórico-

metodológica da conjuntura e da questão

social presente. A “questão social”3 e suas

expressões, resultantes da relação conflituosa

entre capital x trabalho, afirma a necessidade

do conhecimento minucioso do assistente

social sobre o mundo do trabalho.

A inserção do assistente social no mundo

do trabalho se dá como realidade vivida e se

expressa como atividade determinada que

direciona o fazer profissional. No cotidiano de

trabalho, durante a viabilização de políticas,

programas e projetos sociais nos espaços

ocupacionais, o profissional intervém nas

refrações da questão social, geradas pela

contradição entre o capital e trabalho,

utilizando-se dos conhecimentos adquiridos na

formação profissional, como meio necessário

a realização de seu processo de trabalho4.

Assim, com base na teoria social marxista,

hegemônica na formação profissional, o

assistente social reconhece o trabalho como

3Segundo Iamamoto e Carvalho (1999, p. 77): “A questão social não é senão as expressões do processo deformação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão”.

4 Constituído pelos instrumentos de trabalho, o objeto em que se debruça a assistente social em sua intervenção profissional e a sua atividade de trabalho propriamente dita.

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fundamento da vida social. Dessa forma, o

processo de trabalho do assistente social é “a

atividade adequada a um fim, isto é, o próprio

trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho,

o objeto de trabalho; e os meios de trabalho, o

instrumental de trabalho”. (MARX, 1971,

p.202).

O assistente social é um trabalhador

assalariado, que vende sua força de trabalho

para alcançar meios de sobrevivência, sendo o

seu trabalho5 atingidopelas mudanças do

mundo do trabalho e das relações

estabelecidas entre Estado e sociedade civil.

Nesta perspectiva, a supervisão de estágio em

Serviço Social faz parte do trabalho

profissional, das condições objetivas dos

assistentes sociais, supervisores de campo e

acadêmicos. Trabalho compreendido como

práxis humana,material e não material,

constituindo um princípio educativo e,

portanto, não se encerrando na produção de

mercadorias. (Lewgoy, 2009).

De acordo com as Diretrizes Curriculares -

DC6 o estágio supervisionado caracteriza-se

5 “Processo de queparticipa o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”. (MARX, 1971) 6 Oestágio supervisionado se configura como elemento síntese na relação teoria-prática, na articulação entre pesquisa e intervenção profissional, e se consubstancia como exercício teórico-prático.

como “uma atividade curricular obrigatória que

se realiza na inserção do estudante no espaço

sócio-institucional com o objetivo decapacitá-

lo para o exercício do trabalho profissional, o

que pressupõe supervisão sistemática7”.

Portanto, o estágio supervisionado é um

momento de reflexão da prática e

deconstrução de uma postura profissional a

partir da crítica e da identificação das questões

presentes na conjuntura social. Neste sentido,

[...] a conjuntura não condiciona

unidirecionalmente as perspectivas

profissionais; todavia impõe limites e

possibilidades. Sempre existe um campo

para a ação dos sujeitos, para a proposição

de alternativas criadoras, inventivas,

resultantes da apropriação das

possibilidades e contradições presentes na

própria dinâmica da vida social

(IAMAMOTO, 1999, p.21).

O estágio ultrapassa as relações entre a

teoria e a prática e a universidade ea sociedade

e, sob orientação da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional - LDB n. 9.394/96,

7 A supervisão sistemática é realizada pelo profissional assistente social atuante na instituição onde se realiza o estágio, designado de “supervisor de campo” e professor assistente social vinculado à Instituição de Ensino Superior, comumente designado “supervisor acadêmico”.

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vincula-se a relação educação e trabalho. Esta

vinculação compromete a formação

acadêmica, ao adequar-se à especialidade, a

competência e a técnica exigidas pelo mercado

de trabalho neoliberal.

Na atual conjuntura é de suma importância

a sintonia entre ocampo de estágio e a unidade

de ensino. Porém, a experiência me permite

identificar limites nas responsabilidades das

IES e dos campos de estágio no processo de

trabalho8 dos supervisores. Esses limites

dificultam a realização do estágio

supervisionado, sob orientação das Diretrizes

Curriculares - DC, da Política Nacional de

Estágio - PNE,9 da Lei de Regulamentação da

Profissão e do Código de Ética Profissional-

CEP.

Nos anos 90 do século passado, o avanço

do Estado neoliberal enfraqueceu as bases dos

sistemas de proteção social e redirecionou as

intervenções do Estado em relação à questão

social, subordinando o social ao econômico. O

“modelo” é um Estado que reconhece os

8 Segundo Lewgoy (2009, p124), a análise crítica do trabalho do assistente social no estágio supervisionado, permite percebercontradições presentes na supervisão como algo alheio ao trabalho profissional. Assim, pode ocorrer um processo de alienação, pois a lógica que impera nos espaços ocupacionais é a prestação de serviços. 9 Elaborada em 2010, pela Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em Serviço Social - ABEPSS, em decorrência das transformações societárias neoliberais contemporâneas, com a finalidade de fundamentar a importância do estágio supervisionado no processo de formação profissional.

direitos sociais constitucionais, mas direciona

suas ações sociais fiel ao neoliberalismo.

Há uma redução cada vez mais ampliada

das responsabilidades do Estado sobre a

seguridade social e os direitos sociais da

população. Nesta contradição, o Serviço Social

é requerido por novas manifestações e

expressões da questão social, pelos processos

de redefinição da proteção social e pela

emergência da política social. Nas relações de

trabalho enfrenta o neoliberalismo e a

globalização e suas graves conseqüências.

Com o enfraquecimento do Estado e o

desmonte das políticas sociais

públicas,transformações também têm ocorrido

no ensino de graduação em Serviço Social. O

acesso desenfreado a IES particulares

presenciais e a distânciae a precarização do

trabalho docente, inclusive na supervisão de

estágio, exigem da categoria profissional

ações em defesa do Projeto Ético Político.

Frente à ofensiva neoliberal, somente no

inicio do século XXI, é criada a Política

Nacional de Estágio - PNE, embora o estágio

supervisionado tenha sido discutido

anteriormente nos espaços de formação

profissional. Essa política surge danecessidade

de regulamentar o estágio e reforçar a direção

ético político da formação profissional, no

enfrentamento da mercantilização da

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graduação em Serviço Social através do

Ensino a Distancia – EAD.

A presença do receituário neoliberal na

política de educação é uma forte ameaça a

materialização do Projeto Ético-Político do

Serviço Social. Dessa forma a PNE se

concretiza como conquista e avanço na área

de estágio, tendo porobjetivo combater a

precarização das relações de estágio.

A discussão sobre estágio supervisionado,

em tempos neoliberais e de precarização das

relações de trabalho, exige profunda análise

das condições objetivas de sua realização.

Essas análises contemplam desde as visitas

aos campos de estágio, as condições e

relações de trabalho nas Instituições de Ensino

Superior – IES e nas instituições sociais, a

gestão dapolítica institucional de estágio, até a

forma de contratação e remuneração do

professor.

A experiência como docente e assistente

social, no processo de supervisão acadêmica

e de campo na supervisão de estágio

emServiço Social possibilitou-me identificar

algumas deficiências que interferem

diretamente no trabalho dos supervisores e na

qualidade da formação profissional. Essas

deficiências caracterizam a precarização do

trabalho dos supervisores de estágio, apesar

da existência da PNE.

Em decorrência do fortalecimento

doneoliberalismo, as IES funcionam como

empresas e buscam maximizar sua

lucratividade, não disponibilizado recursos

financeiros ou de transporte para a supervisão

acadêmica. Assim, o supervisor acadêmico,

em sua maioria, quando se desloca com o

objetivo de realizar visitas institucionais, para

conhecimento da realidade do campo de

estágio, o faz com recursospróprios.

Percebe-se um número excessivo de

estagiários nos campos de estágio em

desrespeito a Resolução CFESS Nº 533, de 29

de setembro de 2008 que define que o limite

máximo de estagiários a serem

supervisionados não deverá exceder 1 (um)

estagiário para cada 10 (dez) horas semanais

de trabalho do supervisor de campo.

As IES também não obedecem ao que

recomenda a PNE10 quanto ao número de

estudantes matriculados nas disciplinas de

supervisão de estágio de que não deve

ultrapassar 15 (dez) estudantes por turma.

Dessa forma observo sobrecarga do trabalho

docente ao ministrar a Disciplina Estágio

Supervisionado em salas de aulas com

10 Elaborada em 2010, pela Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em Serviço Social - ABEPSS, em decorrência das transformações societárias neoliberais contemporâneas, com a finalidade de fundamentar a importância do estágio supervisionado no processo de formação profissional.

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número excessivo de estudantes e em

supervisar os estagiários nos diversificados

campos de estágio.

Além disso, o esforço físico e intelectual,

tanto do supervisor de campo quanto do

supervisor acadêmico,para a realização da

supervisão, muitas vezes ocorre fora do

período de trabalho, caracterizando trabalho

excedente do período remunerado, gerando a

demanda dos supervisores de campo por

remuneração da IES.

Essa demanda, utilizada para justificar a

negação do exercício da supervisão de campo,

não corresponde ao que preconiza a Lei de

Regulamentação da Profissão,ao deliberar que

“o treinamento, avaliação e supervisão direta

de estagiários de Serviço Social constituem

atribuições privativas do assistente social”.

Entendo que supervisionar estagiários de

Serviço Social é um compromisso ético-

político da categoria. A atitude relatada

evidencia o individualismo presente nas

relações de trabalho na atualidade, reforçando

assim o receituário neoliberal em tempos de

precarização das relações de trabalho,

afetando diretamente a materialização do

projeto ético político da categoria11.

11 O projeto ético político do Serviço Social apresenta a auto-

imagem da profissão, os valores que a legitimam socialmente

e seus objetivos e funções. Formula os requisitos teóricos,

O crescimento acelerado dos cursos de

graduação em Serviço Social na modalidade

do ensino a distância - EAD, respaldados pela

LDB/96, reafirmam presença da

mercantilização e do neoliberalismo na

educação. Neste sentido, França (2008, p.5)

observa quea educação assume um novo valor

e uma necessidade de adaptação às

necessidades do mercado por meio de

estratégias que atendam os interesses de

manutenção das condições de acumulação.

Assim, as IES privadas presenciais e a

distância surgem para atender aos interesses

da acumulação capitalista, em decorrência da

doutrina neoliberal e sua proposta de

intensificação das privatizações como política

pública.

Comumente, os docentes têm assumido as

coordenações de cursos de graduação e,

simultaneamente, a coordenação de estágio,

apesar da proposta de criação dessa

coordenação pela PNE. Dessa forma as IES

assumem o caráter de empresa capitalista,

intensificando a flexibilização do trabalho

docente, tornando o trabalhador da educação

institucionais e práticos, prescrevendo normas para o

comportamento dos profissionais, estabelecendo sua relação

com os usuários, com as outras profissões e com as

organizações sociais (NETTO, 1999).

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ainda mais precarizado e polivalente, em

conformidade com a reestruturação produtiva.

Enfim, o estágio supervisionado em Serviço

Social apresenta limites e desafios que vão

além de uma supervisão acadêmica (docente)

ou de campo (assistente social) que atenda as

questões da formação. Desafios da própria

dinâmica do trabalho do assistente social

frente à lógica neoliberal. Segundo Lewgoy, “a

supervisão de estagio em Serviço Social faz

parte do trabalho12 profissional; logo faz parte

das condições objetivas dos assistentes

sociais e do professor”. (2009, p. 110). Dessa

forma, exige que a educação seja

compreendida em suas múltiplas

determinações, em conformidade com o

desenvolvimento das forças produtivas e das

relações de produção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estágio supervisionado em Serviço Social

é uma exigência curricular, parte integrante da

formação profissional e momento privilegiado

da relação teoria - prática. Face às mudanças

contemporâneas no contexto de precarização e

desregulamentação do trabalho e redução dos

direitos sociais, a discussão do estágio

supervisionado torna-se estratégica na defesa

do projeto de formação profissional, sendo

fundamental o reconhecimento da importância

da supervisão como parte integrante do

processo de trabalho do Serviço Social.

A ideologia do capitalismo permite sua

sobrevivência na convivência com suas

próprias contradições. Em desafio às leis do

mercado, a formação profissional deve dirigir-

se para a construção de alternativas e

estratégias profissionais que contribuam para a

defesa dos interesses da classe trabalhadora,

opondo-se à redução da formação ao

desenvolvimento da racionalidade técnico e

instrumental.

A análise do estágio supervisionado

emServiço Social inserido nas atuais relações

sociais capitalistas requer o reconhecimento

de que esse exercício prático de formação

profissional representa simultaneamente a

mercantilização da força de trabalho e

processo de formação profissional.

O estágio supervisionado deve ultrapassar o

atendimento exclusivo das novas demandas do

mercado de trabalho, ampliando os horizontes

da formação do profissional com o

desenvolvimento de competências técnico-

operativas, compromisso ético-político e

12 Trabalho, entendido como práxis, princípio educativo que não se esgota na produção de mercadorias.

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sustentação teórico metodológica do Serviço

Social.

No contexto de precarização do trabalho

dos supervisores de estágio em Serviço Social

e de proliferação das instituições de ensino do

Serviço Social privadas, presenciais e virtuais,

torna-se difícil separar os interesses e

demandas do contratante da força de trabalho

dos supervisores, significando o estágio

exploração da força de trabalho para os

contratantes e espaço de formação

profissional para os supervisores.

Estas são reflexões para suscitar o debate

sobre o reconhecimento do assistente social

como trabalhador assalariado e sujeito,

independente de sua inserção profissional, aos

rebatimentos do modo de produção capitalista

na expansão do neoliberalismo e do regime de

reestruturação produtiva.

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de Serviço Social. Formação Profissional:

trajetórias e desafios. Cadernos Abess. São

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1993.

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razão social do trabalho: terceirização e

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Estágio em Serviço Social: desafios para a

formação profissional e o exercício

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Capitalismo, trabalho e educação

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Brasileira, 2002a. Livro 1, v. 1-2.

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Capítulo VI

Práticas de leitura e Produção de Textos no Ambiente Escolar:

Algumas Possibilidades

PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO DE

TEXTOS NO AMBIENTE ESCOLAR: ALGUMAS

POSSIBILIDADES1

Por Selmo Alves2 [email protected]

Resumo

As práticas de leitura e produção de textos

orais e escritos na escola têm sido, cada dia

mais, desafiadoras para os professores. A

grande ocorrência de textos fora da escola,

carregados de múltiplas e atrativas formas de

apresentação e de múltiplos sentidos e

significados, acaba por esvaziar ou ameaçar,

de certo modo, o trabalho proposto pelos

professores. Por tais razões, faz-se necessária

uma melhor escuta sobre a temática da

produção textual no contexto escolar, revendo-

se concepções sobre texto e, sobretudo,

buscando-se adotar uma nova dinâmica, que

precisa e deve ser trazida para os espaços

escolares, a partir de pistas e possibilidades

sugeridas pelo mundo cada vez mais

movimentado e imagético3.

1 Recorte da tese intitulada A Presença da Oralidade na Escrita: Um estudo de caso com estudantes da 4.ª série do ensino fundamental de uma escola pública da Cidade do Salvador (BAHIA), defendida no ano de 2008;

2 Professor universitário das disciplinas Leitura e Produção Textuais e Língua Portuguesa; 3 O que se exprime por meio de figuras ou imagens (MARCUSE, 1982, p.140).

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Palavras-chave: Fala. Escrita. Texto.

Sociointeracionismo.

Abstract

The practice of reading and production of

spoken and written texts have been in school,

each day more challenging for teachers. The

high occurrence of out of school texts, loaded

with multiple shapes and attractive

presentation and multiple meanings, eventually

emptying or threatening in some ways, the

work proposed by the teachers. For these

reasons, it is necessary a better listening on

the topic of textual production in the school, is

reviewing conceptions of text and, above all,

trying to adopt a new dynamic, and that needs

to be brought to the school premises, from

clues and possibilities suggested by the

increasingly busy world and imagery.

Keywords:

Speech.Writing.Text.Sociointeractionists.

1. A LEITURA E A ESCRITA NO CONTEXTO

ESCOLAR

Linguagem é capacidade que têm os serem

humanos de usar qualquer sistema de sinais

significativos, expressando seus pensamentos,

sentimentos e experiências. O domínio da

linguagem oral e escrita é imprescindível para

o homem se comunicar no mundo em que

vive.

Tomando-se por base a ótica de Bakhtin

(2000, p. 156), “a linguagem é, ao mesmo

tempo, o lugar e o meio de interações sociais

constitutivas de qualquer conhecimento

humano”. Por isso, a escola precisa ensinar o

estudante a ler, escrever e a expressar-se

oralmente em todas as situações em que ele

se encontre, sendo tal domínio essencial para

o exercício da cidadania.

A leitura é um dos meios mais importantes

para a aquisição do conhecimento. Muitas

vezes, a leitura só possui um espaço na vida

das pessoas, quando se descobre a

necessidade de desenvolvê-la. Para quem quer

trabalhar dentro da área da educação, a leitura

torna-se um instrumento indispensável. Com

tantos acontecimentos novos, é necessário

que o educador esteja sempre atualizado com

todas as informações que são notícias. A

leitura não deve ficar só no estritamente

necessário. Deve-se criar o gosto de ler

sempre. Mas, geralmente, só quando o

estudante frequenta um curso superior, é que é

levado a ler um pouco mais para ter um melhor

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desempenho nos estudos. No entanto, a

maioria dos acadêmicos, ao se formar, deixa

de lado as leituras mais complexas.

Do mesmo modo que a leitura, a escrita

também se torna uma obrigação na vida das

pessoas. E, mais do que a leitura, é

traumatizante. Há uma diferença muito grande

entre falar e escrever.

Geralmente, não há problemas quando se

fala, a não ser em situações formais. Os

problemas começam a surgir quando se tem

de produzir textos escritos. A concepção

histórica que se tem de escrever bem é de

escrever “certo”, é obedecer a regras e

normas da escrita e jamais cometer “erros

ortográficos”. Isso tudo poda as ideias e a

criatividade. Por tal motivo, em todos os

momentos se escutam pessoas dizerem que

não sabem escrever, que não conseguem pôr

suas ideias no papel. Não basta dominar as

regras gramaticais, escrever ortograficamente

de forma eficiente é ter argumentos e

pensamento críticos. E escrever nessa

perspectiva implica, necessariamente, saber

associar conteúdo e forma, bem como

expressar ideias, sentimentos e

conhecimentos nos textos que se escreve.

Apesar disso, a escola ainda estimula

pouco o desenvolvimento da linguagem,

apenas impondo aos estudantes, desde

crianças, um exagero de normas gramaticais,

normalmente associadas a exercícios

mecânicos e fragmentados, sem falar da

desvalorização das hipóteses linguísticas que a

criança elabora até a idade escolar.

Estudos sobre a aquisição da leitura e da

escrita, sobre o desenvolvimento da linguagem

e os diferentes dialetos são feitos atualmente

pela Psicolinguística, fazendo uma

diferenciação do que é erro ortográfico ou

gramatical de erro linguístico ou dialetal. Em

síntese, podemos dizer que Psicolinguística é

o estudo da psicologia da linguagem.

Em relação à linguagem, há divergências

entre Vygotsky e Piaget. Jefferson Luiz

Camargo faz uma análise da teoria de Piaget

na tradução de uma versão abreviada do

prefácio escrito por Vygotsky (apud

CAMARGO, 1993, p. 37):

Piaget, na pesquisa que realizou quanto à

linguagem, classificou-a em dois grupos: o

egocêntrico e o socializado. Na faia

egocêntrica, a criança fala para si como se

estivesse pensando alto. Não se preocupa em

saber se alguém ouviu, geralmente fala do que

está vendo ou acontecendo num determinado

momento. Na fala socializada, a criança tenta

realizar urna espécie de comunicação com os

outros: faz perguntas, pedidos, ameaças,

transmitem informações. Aos sete ou oito

anos, manifesta-se na criança o desejo de

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trabalhar com outros, e a fala egocêntrica

desaparece. E mais do que isso, para Piaget

até mesmo a fala social é representada como

subseqüente e não anterior à fala egocêntrica,

partindo, assim, do “pensamento autista não-

verbal” à “fala socializada”.

Para Vygotsky, a fala egocêntrica é um

meio de “expressão” e de liberação da tensão,

tornando-se um instrumento do pensamento.

Para ele, a faia egocêntrica não desaparece,

transformando-se fala interior, estabelecendo-

se, assim, o esquema do desenvolvimento —

“primeiro fala social”, depois “egocêntrica” e,

então, “interior”, dependendo não só da idade

da criança, mas também das condições que a

cercam.

A linguagem existe porque se uniu um

pensamento a uma forma de expressão: um

significado a um significante. Essa unidade de

dupla face é o signo linguístico. Ele está na

fala, na escrita e na leitura como princípio da

própria linguagem, mas se atualiza em cada

um desses casos de maneira diferente”

(CAGLIARI, 1997 , p. 34).

Hoje, já se sabe que qualquer criança

normal aos sete anos consegue dominar a

língua com precisão, apresentando

dificuldades na aquisição da linguagem

somente as crianças com problemas

biológicos seriíssimos, causados por

patologias neurofisiológicas graves e, mesmo

assim, muitas vezes conseguem aprender a

linguagem ou reaprendê-la.

O professor precisa estar sempre atento

para diagnosticar o porquê de os estudantes

muitas vezes apresentarem dificuldades na

aprendizagem e o porquê de eles escreverem

de forma tão diversa da língua-padrão.

Ao se observar, por exemplo, que um

estudante escreve “capitu” em vez de

“eucalipto”, muito provavelmente aí entram

questões de ordem dialetal, ou seja, a escrita

estaria seguindo as regras de determinada

comunidade linguística. Confirmando o que diz

Luiz Carlos Cagliari (1997, p.13) em seu livro

Alfabetização e Lingüística,

Todo falante nativo usa sua língua

conforme as regras próprias de seu dialeto,

espelho da comunidade lingüística a que está

ligado. Naturalmente, há uma diferença entre o

modo de falar de um dialeto e de outro, ma

isso não significa que um dialeto tem suas

regras eoutro não, isto é, cada comunidade

lingüística tem seu próprio dialeto e cada

dialeto tem suas regras específicas.

Nesse caso, a escola deverá, primeiro,

reestruturar a fala da criança, levar o educando

a perceber a diferença entre o uso padrão culto

e o popular, para depois observar o

cumprimento da ortografia padrão. O

desempenho linguístico depende da

convivência e do aprimoramento da linguagem.

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Mas a escola não vem conseguindo fazer

isso. Ela discrimina o contexto sociocultural da

criança e, consequentemente, seu dialeto. É

visível que a escola não está preparada para

trabalhar com a noção de erro linguístico,

sobretudo em criança. Os estudantes com

aspectos dialetais são avaliados da mesma

forma que aqueles que dominam a estrutura

linguística padrão.

Muito provavelmente, uma criança que

desde cedo tem sua casa cheia de livros, onde

seus pais leem constantemente e que vive

neste contexto, aprimora muito mais seu

desempenho linguístico, ao contrário da

criança que não tem familiaridade com livros,

cadernos, lápis, jornais, revistas e

computadores. Todavia, a escola não leva em

conta esses fatores.

Podem-se perceber as variações da língua

sem desrespeitá-las, através de exercícios de

produção de textos fazendo com que os

estudantes percebam que há diferentes

dialetos que não devem ser considerados

errados, mas que em determinadas ocasiões

devem usar a norma culta, daí a necessidade

em aprendê-la. Da mesma maneira, a

linguagem escrita não deve ser imposta, como

faz a escola, mas sim com a conscientização

de que quanto melhor for a linguagem, seja ela

oral, seja escrita, melhor será seu desempenho

na sociedade. Com uma linguagem

aprimorada, podemos expressar nossos

sentimentos de maneira clara, fiel e precisa, e

estaremos em melhores condições de

assimilar conceitos, de refletir, de escolher e

de julgar. É uma garantia do desenvolvimento

escolar e do sucesso na vida.

É imprescindível que o professor saiba que

existem muitas variações dialetais e,

principalmente, deve ter conhecimentos a

respeito de linguagem e estar ciente de como

se dá o processo de aquisição linguística

necessário, de modo a saber que as crianças

são “falantes” unicamente de uma língua,

aperfeiçoando, assim, o processo de leitura e

escrita. Sabemos que a aprendizagem da

leitura e da escrita faz desenvolver formas

particulares de inteligência e da expressão,

passando o educando a assumir uma

consciência crítica e ativa e exercendo a

função de sujeito de sua linguagem, seja

falando, escrevendo, lendo, seja interpretando.

Nesse sentido, o professor deve fazer uma

análise e reflexão sobre a língua para poder

interferir positivamente na capacidade de

compreensão e expressão dos estudantes em

situações de comunicação, tanto escrita como

oral; compreender que a oralidade, a leitura e a

escrita são práticas que se complementam e

que permitem ao estudante construir

conhecimentos. É com domínio da linguagem

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que o homem se comunica, acumula

informações e produz seu conhecimento.

Portanto, é função da escola “... garantir a

todos os seus alunos acesso aos saberes

linguísticos necessários para exercício da

cidadania...” (Parâmetros Curriculares

Nacionais: Língua Portuguesa, 2001, p. 23),

para que cada indivíduo se torne capaz de ler,

interpretar, redigir textos ou assumir as

palavras em diferentes situações de sua vida,

com prazer e motivação.

Vive-se em uma sociedade considerada da

informação e da comunicação, onde cada dia

esses dois pontos se encontram e se afunilam

intensamente, promovendo espaços de

exclusão (ASSMANN, 1998). É importante

salientar que esses espaços se dilatam dentro

das novas tecnologias e principalmente se

elevam por causa da linguagem. Podemos

assumir que a linguagem, na sua mais ampla

expressão, seja na escrita, seja na fala,

funciona como referência de exclusão,

consubstanciando-se nas formas de troca das

sociedades ocidentais, preponderantemente,

quando nos referimos à escrita. Somos uma

sociedade que se constrói tipicamente dentro

da escrita.

2. UMA PROPOSIÇÃO DE MODELOS PARA A

PRODUÇÃO DE TEXTOS ORAIS E ESCRITOS

EM SALA DE AULA

Gêneros textuais e ensino é um assunto que

vem motivando a efervescência pela qual

passou o ensino de línguas na última década

do século XX. Além de inúmeras pesquisas,

houve um conjunto de instruções e ações que

contemplaram a educação. Além disso, a

busca pela renovação tem suscitado a

elaboração de novos recursos didáticos com a

influência dessas mais recentes orientações.

Assim, entende-se que um estudo das

contribuições do

interacionismosociodiscursivo (ISD) poderia

colaborar para as reflexões acerca da

transposição didática de estudos de gêneros

textuais para seu uso em sala de aula de

língua.

Decorrente desse grande objetivo mais

geral, outros objetivos mais específicos guiam

as pesquisas na área, a saber:

a) defender a descrição das

características do funcionamento da

linguagem em gêneros e suas

variantes para eleger conteúdos e

capacidades de linguagem que podem

ser desenvolvidas em aulas de línguas;

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b) discutir a proposta do ISD no que

tange à concepção de ensino de

expressão escrita.

Para atingir esses objetivos, pode-se

organizar o texto em duas partes nas quais

sejam discutidas: a) a contribuição do

interacionismosociodiscursivo para a noção de

gêneros textuais e ensino; b) a questão da

transposição didática para o ensino de

expressão escrita.

2.1 PROPOSIÇÂO DE PRÁTICAS DE

ORALIDADE EM SALA DE AULA

A partir das duas últimas décadas, a

Linguística teórica e aplicada, em diferentes

vertentes e abordagens, tem apresentado

propostas para a descrição e explicação da

língua e para a descrição do processo de

ensino/aprendizagem. Das posturas

construtivistas piagetianas, viu-se emergir uma

postura sócio-históricavygotskiana, em que o

foco passou a ser o lugar do outro e a

linguagem concebida como interação no

processo de construção do sujeito. Questões

referentes à socioconstrução da escrita pelo

letramento, às atividades de linguagem, textos

e discursos enfocadas pela perspectiva sócio-

histórica levaram a uma revisão dos enfoques

sobre a linguagem e a cognição nas chamadas

teorias de “processamento textual”.

Mas entender a linguagem como um

instrumento semiótico pelo qual o homem

existe e age, implica interpretar os fatos de

linguagem como “traços de condutas

humanas socialmente contextualizadas

(BRONCKART, 1997/1999, P. 101). E é nas

abordagens que integram as dimensões

psicossociais que o

interacionsismosociodiscursivo se insere ao

admitir que é pela “reapropriação , no

organismo humano, dessas propriedades

instrumentais e discursivas de um meio sócio-

histórico” (BRONCKART, 1997/1999, p. 27)

que se dá a emergência de capacidades

conscientes que levam a uma ação de

linguagem que se apresenta, externamente,

como resultante da atividade social operada

pelas avaliações coletivas e, internamente,

como o produto da apropriação – pelo agente

produtor – dos critérios dessa avaliação.

No interacionismosociodiscursivo (ISD), tal

como é proposto por Bronckart, parte-se,

primeiramente, do exame das relações que as

ações de linguagem mantêm com os

parâmetros do contexto social em que se

inscreve, a seguir das capacidades que as

ações colocam em funcionamento e,

sobretudo, das condições de construção

dessas capacidades. Em relação às ações de

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linguagem e aos textos que as concretizam, o

ISD propõe que primeiro se faça a análise das

ações semiotizadas (ações de linguagem) na

sua relação com o mundo social e com a

intertextualidade. A seguir, a análise da

arquitetura interna dos textos e do papel que aí

desempenham os elementos da língua. Enfim,

que se analise a gênese e o funcionamento

das operações (psicológicas e

comportamentais) implicadas na produção dos

textos e na apropriação dos gêneros textuais.

Ampliando a noção de contexto da

perspectiva cognitiva e indo além da cognição

individual em direção da interação social, os

autores do Grupo de Genebra (BRONCKART;

DOLZ; SCHNEUWLY et al) centralizam a

questão das condições externas de produção

de textos e desenvolvem a sua concepção

sobre as ações de linguagem e o seu contexto.

Com a noção de “gênero de texto” fica

descartada a noção de “tipo de texto”, uma vez

que os gêneros é que correspondem às

unidades psicológicas, que são as ações de

linguagem.

Bronckart (1997/1999) apresenta os

princípios gerais de sua concepção

sociointeracionista que ele reitera

(BRONCKART, 2004) estar filiada ao quadro de

referência de Vygotsky. Referindo-se à fusão

dos “esquemas representativos” (na interação

com o contexto físico e social) e aos

“esquemas comunicativos” (na interação com

o meio social), interiorizados progressivamente

pela criança, a linguagem controla todas as

faculdades mentais, transformando-se no

“pensamento”. Para ele, aquilo que os

linguistas e psicólogos têm para observar

(corpus) são as unidades linguísticas que

funcionam em interação com o contexto

extralinguístico. Do contexto (teoricamente

infinito) se extraem os parâmetros que

exercem influência sobre os textos e nele se

distinguem três conjuntos de parâmetros

contextuais: os que se referem à interação, ao

ato material de enunciação e ao contexto

referencial. O esquema a seguir tenta

reproduzir o modelo delineado por Bronckart

para o ISD, que propõe:

A LINGUAGEM MATERIALIZADA EM

TEXTOS ORAIS OU ESCRITOS

1. NÍVEL SOCIOLÓGICO

OPERAÇÕES DE

CONTEXTUALIZAÇÃOINCIDINDO SOBRE OS

PARÂMETROSCONTEXTUAIS, FÍSICOS E

SOCIAIS

Criação de 3 conjuntos de parâmetros

contextuais da atividade de linguagem:

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Os que se referem à interação social:

• lugar social do agente;

• finalidade da atividade;

• relações entre parceiros da interação.

Os que se referem ao ato material de

enunciação:

� o locutor, os interlocutores;

� o momento;

� o lugar.

Os que se referem ao conteúdo referencial:

- constituição de uma base de orientação

2. NÍVEL PSICOLÓGICO

OPERAÇÕES DE TEXTUALIZAÇÃO

Operações de ancoragem textual:

� discurso em situação;

� discurso teórico;

� narração.

Operações de planificação /adequação a um

modelo de linguagem (gênero) em função dos

parâmetros contextuais:

� tipos de discurso;

� tipos de seqüencialização.

Operações de constituição de estratégias

discursivas:

� coesão;

� conexão.

� modalização.

- produto final: texto

Bronckart (1997, p. 99) define as ações de

linguagem em um primeiro nível, sociológico,

como “uma porção da atividade de linguagem

do grupo, recortada pelo mecanismo geral das

avaliações sociais e imputada a um organismo

humano singular”, que, ao constituírem as

operações de contextualização “organizam o

trabalho representativo” que incide sobre os

parâmetros contextuais das operações para a

construção textual. Para ele, os parâmetros

contextuais (físicos ou sociais) constituem o

sistema de valores disponíveis na língua

natural utilizada para a produção de um texto.

Essa operação de contextualização é

responsável pela produção dos valores

referenciais dos signos, pelos valores

situacionais (representações dos parâmetros

físicos do contexto) e pelos valores

interacionais (representações dos parâmetros

sociais).

Como se pode observar no esquema acima,

o primeiro nível (Operações de ancoragem

textual) para se definir uma ação de linguagem

enfoca a situação social de produção do

enunciado/texto que determina a base de

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orientação para a atividade de linguagem -

essa operação psicológica incidindo sobre o

contexto será traduzida nas escolhas de

unidades semânticas e sintáticas de uma

língua que constituirão “marcas” da

construção pelo enunciador dessa base de

orientação.

No segundo nível de descrição (Operações

de planificação /adequação a um modelo de

linguagem (gênero) em função dos parâmetros

contextuais), Bronckart focaliza as ações de

linguagem em seu aspecto psicológico, como

“o conhecimento disponível em um organismo

ativo sobre as diferentes facetas de sua própria

responsabilidade na intervenção verbal” (1997,

p. 99). Aqui a noção de ação de linguagem

integra os parâmetros do contexto de

produção e do conteúdo temático, na forma

como o agente os mobiliza na sua ação verbal.

As operações psicológicas incidindo sobre os

parâmetros do contexto determinarão as

formas de gestão do texto e a sua linearização,

para as quais Bronckart (2004) distingue 3

subconjuntos de operações de cálculo sobre

os valores contextuais:

1. operações de ancoragem textual

(conjunta, disjunta; implicada ou

autônoma) que fundam os três tipos de

textualização (discurso em situação,

discurso teórico, narração);

2. operações de planejamento da macro-

estrutura semântica do texto (a

sequencialização dos conteúdos e a

estruturação discursiva que seja

adequada a um modelo de

linguagem(gênero textual) em função

da interação social em curso);

3. operações de constituição de

estratégias linguísticas e discursivas

para a marcação das fases do plano

do texto, para a coesão e para a

modalização dos enunciados.

É um processo dialético que envolve as

representações do agente produtor sobre seu

contexto de ação e seu conhecimento sobre o

gênero e sobre a língua, concretizada em um

texto que apresentará as características do

gênero ao qual pertence e as características

singulares – fruto das decisões do agente

produtor, de acordo com as representações

internalizadas sobre a situação de ação de

linguagem em que ele se encontra.

2.2 PROPOSIÇÃO DE PRÁTICAS DE

PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS

Parece consenso que o ensino da produção

de texto representa um grave problema para os

professores de Língua Portuguesa das escolas

da educação básica. Estes, depois de

inúmeras tentativas, sem resultados

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satisfatórios, muitas vezes ficam sem

perspectivas sobre como ensinar redação. Tal

constatação, geralmente, está relacionada à

observação do produto final do estudante, isto

é, da concretização de um texto dentro de um

determinado gênero textual, sem a

preocupação com o processo de elaboração

como um passo muito importante para a boa

execução de um texto.

Diante disso, fica sempre a pergunta do que

fazer para se ter um rendimento escolar melhor

nas aulas de redação. É oportuno esclarecer

que há vários gêneros textuais e várias

atividades a serem contempladas com a

competência comunicativa, porém se quer dar

a certeza de que com estratégias didático-

pedagógicas conscientes fica mais fácil se

chegar aonde se deseja: ensinar a produzir

textos coerentes, bem organizados,

harmoniosos, claros e precisos.

Por essas razões, o professor precisa estar

ciente de que seu papel consiste em

desenvolver vários propósitos: estimular a

participação do estudante através da leitura de

outros textos; tornar o estudante crítico e

eficiente, capaz de aprimorar o seu

desempenho redacional; possibilitar ao

estudante a consciência de que o fato de

escrever exige escolhas lógicas; apresentar e

sistematizar alguns critérios responsáveis pela

tessitura de um texto, como a coerência, a

coesão e a informatividade4 textuais,

salientando a progressão das ideias, a não-

contradição e a relação entre elas.

A proposta sugere que o professor amplie

sua concepção de aula de redação, isto é, as

fontes de material para o trabalho em sala de

aula devem ser, também, os próprios

estudantes, incluindo seus conhecimentos

linguísticos e competência comunicativa. Para

evitar que surjam caminhos que não são os

que se deseja e também para não chegar a

resultados frustrantes, é conveniente

delinearem-se alguns aspectos do processo de

produção de texto, mostrando uma forma bem

acessível de produção e avaliação com

resultados considerados imediatos.

A metodologia escolhida pode estar

fundamentada em Serafini (1992), que deixa

bem claro que há três razões para utilizar os

estudantes na correção de textos: a primeira é

que em geral eles são mais críticos e juízes

que produtores de texto; a segunda é que a

correção feita pelos colegas é um excelente

estímulo à escrita; a terceira é que a correção

entre colegas permite entre eles um diálogo

4 A informatividade está diretamente relacionada à informação veiculada: previsível/ imprevisível, esperada/não-esperada de um texto. Quanto mais previsível for a informação, menor será ograu de informatividade (SERAFINI, 1992).

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que é muito limitado na relação estudante-

professor. Dessa forma, a correção interativa

permite que o autor do texto explique ao colega

e para si mesmo aquilo que pretende

expressar.

É possível organizar esse tipo de avaliação

da seguinte forma:

1.º Leitura de um texto com análise da coesão,

coerência, intencionalidade, informatividade e

aceitabilidade textuais;

2.º Seleção coletiva das ideias principais;

3.º Elaboração individual de um novo texto,

enfocando o mesmo tema, com enfoques

iguais ou diferentes, observando os critérios de

correção oferecidos;

4.º Troca das redações entre os colegas para

que façam uma correção atenta e criteriosa;

5.º Entrega para o(a) professor(a) que vai

fotocopiar a redação preliminarmente corrigida;

6.º Avaliação escrita, feita pelo professor, das

correções feitas pelos alunos;

7.º Avaliação oral e no quadro, feita pelo

professor e estudantes, de alguns trechos

melhores ou piores, observando os critérios já

conhecidos;

8.º Reescrita da redação pelo primeiro autor do

texto;

9.º Avaliação final feita pelo professor.

À primeira vista, esta metodologia parece

dar muito trabalho ao professor, mas não é

assim. Lançando-se mão da estratégia da

correção interativa, aguça-se a curiosidade do

estudante pela interação comunicativa como

algo que possibilite troca de conhecimentos e

experiências. Em pouco tempo, torna-se um

mecanismo prazeroso, pois os resultados

positivos logo aparecem.

Essa investigação deixa bem claro que se

pretende privilegiar a abordagem da escrita

como processo, e, sendo assim, é preciso

entender o texto como fruto de um trabalho

que implica reflexão sobre a linguagem e

conhecimento sobre a constituição e

funcionamento da língua.

A proposta feita aqui procura mostrar aos

professores que o que se deve fazer é

principalmente um ensino produtivo para a

aquisição de novas habilidades linguísticas e

para o desenvolvimento do prazer e da

competência de escrever. Acredita-se, então,

que se possa avançar no estudo do processo /

produto da produção textual como fenômenos

observáveis, com mais consciência crítica por

parte do estudante sobre aquilo que ele

escreve, reconhecendo a escrita como um

gênero textual não superior ao oral, mas

apenas distinto deste.

REFERÊNCIAS

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Capítulo VII

Práticas de leitura e Produção de Textos no Ambiente Escolar:

Algumas Possibilidades

CONDIÇÕES DE TRABALHO DA MULHER NAS EMPRESAS DE BENEFICIAMENTO DO FUMO

NO MUNÍCIPIO DE CRUZ DAS ALMAS José Antonio de Oliveira Fonseca1

Liege Maria da Silva Servo2

Resumo

Esta pesquisa objetivou investigar as

condições de trabalho da mulher nas

empresas de beneficiamento do fumo no

município de Cruz das Almas. Aponta o

significado do cultivo do fumo para a

economia cruzalmense e familiar dessas

trabalhadoras. Apresenta e discute parte dos

resultados da investigação bibliográfica,

observações sistemáticas, entrevistas e visitas

a campo da Dissertação de Mestrado “A

Territorialidade da Cultura do Fumoem Cruz

das Almas – BA: tradições e mudanças”, que

constatam as precárias condições de trabalho

a que são submetidas essas mulheres que

buscam o trabalho nas empresas de

beneficiamento do fumo como possibilidade de

ascensão social. Faz uma análise de gênero,

identificando as características da mão de obra

feminina que justificam a absorção desse

segmento pelas empresas de beneficiamento

do fumo. Conclui quea força de trabalho da

mulher foi fundamental para o

1 Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social. Graduação em Geografia. Especialização em Meio Ambiente. Email geografiajosé@yahoo.com.br Autor

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desenvolvimento das atividades nos armazéns

de fumo de Cruz das Almas.

Palavras-chaves: Condições de trabalho;

Empresas de beneficiamento; Fumo; Gênero.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho feminino sempre foi marcado por

submissão da mulher perante o homem. A

mulher teve por muito tempo sua

responsabilidade voltada para a educação dos

filhos, o cuidado da casa e de outras

atividades distantes do mercado de trabalho

formal. Nos últimos anos, o trabalho da mulher

passou a ter importância significativa na

economia mundial, em vários segmentos no

comercio, na indústria e na agricultura.

A fumicultura é uma atividade que emprega

grande quantidade de mulheres nas atividades

de beneficiamento do fumo, não exigindo

experiências anteriores, admitindomão de obra

feminina independente de estado civil, do grau

de instrução ou do contexto social. Essas

mulheres estão expostas a riscos produzidos

pelas condições e organização do trabalho,

que produzem impactos a sua saúde física e

psíquica. A partir dessa realidade surgiu a

inquietação da pesquisa que é entender as

2 Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania. Assistente Social Especialização em Saúde do Trabalhador. [email protected]

condições de trabalho das mulheres

empregadas nos armazéns de beneficiamento

do fumo no município de Cruz das Almas.

A produção de fumo é uma atividade

desenvolvida no município de Cruz das Almas

desde o século XVII, tendo como base o seu

cultivo nas pequenas propriedades e nas

fazendas das empresas produtoras instaladas

no município e arredores. Grande parte do

fumo produzido nesses municípios destina-se

ao comércio exterior, principalmente aos

países da Europa. O fumo antes de ser

exportado passa por processos de plantação,

cultivo, secagem, cura e beneficiamento. Essa

é uma atividade que absorve grande

quantidade de mão de obra feminina, devido à

sua habilidade, agilidade e dedicação em

exercer de forma extremamente especializada

e manual os processos envolvidos no

beneficiamento do fumo.

As mulheres fumageiras constituem o elo

mais importante para manter viva a produção e

beneficiamento do fumo em Cruz das Almas,

constituindo a base da força de trabalho da

fumicultura. Apesar disso, há pouco

reconhecimento, tanto social quanto

econômico, fato identificado na baixa

remuneração. Mesmo enfrentando

dificuldades, de desigualdade salarial e de

gênero, sob condições de trabalho precárias,

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71

essa atividade permite a participação da

mulher no mercado formal de trabalho.

O prestígio desfrutado pelas empresas de

beneficiamento do fumo exerce significativa

influência na postura profissional dessas

mulheres. Atraídas por uma atividade

remunerada que emprega por muito tempo e

com baixa escolaridade, desenvolvem uma

postura acrítica quanto às condições de

trabalho a que são submetidas. Tal idoneidade

acrítica identificada na forma como essas

mulheres ganham a vida, reportando Marx,faz

da trabalhadora insatisfeita nas relações de

trabalho uma ameaça a “nação una e indivisa”

referida por Chauí

Quando a desigualdade é muito marcada, a

relação social assume a forma nua da

opressão física e/ou psíquica. A divisão social

das classes é naturalizada por um conjunto de

práticas que ocultam a determinação histórica

ou material da exploração da discriminação e

da dominação, e que, imaginariamente,

estruturam a sociedade sob o signo da nação

una e indivisa, sobreposta como um manto

protetor que recobre as divisões reais que a

constituem. (CHAUÍ, 2000, p.89)

A pesquisa está fundamentada por

levantamentos bibliográficos, destacando-se

dados da dissertação de mestrado intitulada “A

territorialidade da cultura do fumo em Cruz das

Almas: tradições e mudanças” (FONSECA,

2010), e ainda dados do Anuário Brasileiro do

Fumo (2007) e das revistas eletrônicas da

SEAGRI/Secretaria de Agricultura, Irrigação e

Reforma Agrária, IBGE/ Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística.

Foram realizadas entrevistas com

encarregados e mulheres fumageiras que

trabalharam na área de beneficiamento do

fumo e coletados depoimentos de ex-

trabalhadoras dos armazéns de beneficiamento

do fumo da década de 1980 a 2009. Grande

parte dessas mulheres com mais de 30 anos

de experiência no ramo de beneficiamento do

fumo participou do laboratório de pesquisa,

fornecendo informações originais para este

trabalho, sendo assim usou-se nomes fictícios

dessas pessoas, para preservar a identidade e

a ética. Os dados foram selecionados,

catalogados e discutidos com a perspectiva de

se conhecer as condições de trabalho dessas

mulheres envolvidas no beneficiamento do

fumo no município de Cruz das Almas.

Espera-se com este artigo revelar parte da

realidade das condições de trabalho das

mulheres que há muito tempo dedicam sua

mão de obra às empresas de beneficiamento

do fumo do município de Cruz das Almas.

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2 A FUMICULTURA E AS CONDIÇÕES DE

TRABALHO DA MULHER FUMAGEIRA

Na década de 1970, muitas companhias

fumageiras multinacionais espalharam-se por

algumas regiões produtoras de fumo no Brasil,

sendo o Recôncavo da Bahia privilegiado com

a quantidade de empresas que vieram explorar

a fumicultura no território baiano.

O município de Cruz das Almas foi um dos

contemplados, onde a maioria das empresas

instalou-se para explorar o mercado do fumo

em folha. Segundo Almeida (1983, p.156),

essa mesma década ficou marcada pela

formação do sistema agroindustrial do fumo

em Cruz das Almas, composto nessa década

por aproximadamente 27 empresas, entre

armazéns de beneficiamento e pontos de

compra de fumo e algumas manufaturas de

charutos e cigarrilhas. Entre as empresas

estavam a Croner S.A. (Amsterdam), Norkai

S.A. (Holanda), HendrickKelmer (Holanda)

Mongerhot& Leoni (Alemanha), Iphaco

(Alemanha), (SINDITABACO, 2010).

A fumicultura de Cruz das Almas é

composta atualmente de 04 fazendas

produtoras de fumo, 04 armazéns de

beneficiamento, 10 fábricas de charutos e

ainda grande quantidade de pequenos

produtores. Os armazéns de beneficiamento

são empresas estabelecidas em grandes

imóveis com o objetivo de tornar o fumo

adequado ao consumo. Segundo o dicionário

da Língua Portuguesa“armazém, substantivo

masculino, grande depósito de mercadoria,

munições ou grande deposito atacadista de

secos e molhados” (Ximenes, 2001, p.80).

Grande parte desses armazéns ocupa

quarteirões, com casarões antigos no centro

da cidade. Segundo o entendimento dos

homens e mulheres envolvidos na produção do

fumo, o armazém era o local destinado a

guardar ou estocar o fumo para que sofresse

um processo adequado para o consumo.

Essa localização, segundo os grandes

proprietários, encontra justificativa no início da

ocupação da cidade, quando existiam grandes

áreas desabitadas,sendo o centro da cidade

mais fácil para a realização das transações

comerciais. Hoje essa localização é inviável

economicamente para a instalação de

empresas de beneficiamento do fumo devido

os altos custos do terreno,ao odor do fumo

que pode provocar sensações desagradáveis e

aos altos valores dos encargos com IPTU,

energia e demais custos.

Esses armazéns são pouco equipados, pois

nesses locais ocorrem as operações de

beneficiamento do fumo de forma manual.

Desta forma, só tem as prensas de

enfardamento, as pequenas máquinas de picar

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o fumo e os equipamentos para transportar os

fardos, que segundo Costa Pinto:

As operações de trabalho começam com o

desfardamento da matéria prima que, a seguir,

sofre uma limpeza que visa a extrair o talo e as

nervuras maiores; em seguida o fumo é picado

á máquina e, conforme a qualidade, sendo

para os charutos, ou até mesmo para outro

segmento da industrialização (1998, p.132)

Atualmente, os armazéns que controlam o

beneficiamento do fumo em Cruz das Almas

sãoDanco Comércio e Indústria de Fumos

Ltda, Ermor Tabarama Tabacos do Brasil e

Fumextabacalera Ltda. Estas empresas estão

localizadas no centro da cidade e empregam

grande quantidade de mulheres. Com a

pesquisa verificou-se que todas essas

organizações sociais têm investimentos do

capital estrangeiro. A maioria dossócios é da

Europa e EUA, e possui outros

empreendimentos fora do Brasil. Sobre essa

questão, convém referir Menezes e Magalhães:

A penetração do capitalismo na agricultura

e a submissão do produtor às suas regras, na

produção fumageira, torna-o permanentemente

vinculado, de um ado, ao armazém ou capital

comercial, e por outro lado, ao capital

industrial e financeiro, integrando-se e

subordinando-se às necessidades da indústria,

no que diz respeito à quantidade e qualidade de

fumo em galpão, primeiramente, e a posteriori,

de fumo em estufa. (1998, p.16)

A área dos galpões, onde é beneficiado o

fumo, é de aproximadamente 4000 m² e,

contíguas a esta existem dependências

destinadas à secagem do fumo, aquecimento e

acondicionamento dos fardos de fumo. Os

galpões dispõem de janelas tipo basculante e

de ventilador de teto; porém, as trabalhadoras

se queixam de desconforto térmico e levam

toalhas pequenas para enxugar o suor do

rosto. Localizados dentro dos armazéns, mas

fora do galpão,ficam os sanitários, com

paredes azulejadas, chuveiros, lavatórios,

vasos e mictórios, os quais podem ser usados

com toda a liberdade.

No que se refere à alimentação, observou-

se que algumas trabalhadoras trazem almoço e

outras preferem fazer as refeições em casa, já

que residem próximo ao trabalho. Em algumas

empresas, existem pausa de 10 minutos, que

acontece as 9:30 horas, em que é oferecido,

como reforço alimentar, café, leite e pão com

manteiga, para a jornada diária de 9 horas

diárias - das 7:00 horas às 11:30 horas e das

13:00 horas às 17:20 horas - resultado de um

acordo coletivo, visando à liberação das

trabalhadores aos sábados.

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3 A QUESTÃO DE GÊNERO E AS MULHERES

FUMAGEIRAS DE CRUZ DAS ALMAS

Observa-se que a mulher tem

umaparticipação em ritmo crescente na força

de trabalho de todo o mundo e cada vez mais

se faz presente em todos os setores da

atividade econômica e em quase todas as

profissões. A mulher tem colaborado e

contribuído com sua capacidade de trabalho e

inteligência, para o progresso da humanidade e

para a melhoria das condições de vida.

Exercem as suas atividades, seja nos

armazéns de beneficiamento do fumo, ou em

outros segmentos. Em grande parte das

famílias, as mulheres trabalhadoras dos

armazéns de beneficiamento do fumo têm

ajudado a prover o sustento do lar, sem

descuidar, contudo de suas tarefas domésticas

e da organização da família, sobretudo

cuidados como os filhos.

Nas entrevistas ficou claro que as

atividades exercidas pelas mulheres

fumageiras não terminavam nos armazéns de

beneficiamento do fumo, ao fim da jornada

diária de trabalho grande parte dessas

mulheres iam para as suas residenciais

desenvolver atividades do lar, como lavar e

passar roupas, fazer comida e arrumar casa.

Informaram ainda que nos fins de semana para

completar a renda da família, algumas

mulheres exerciam atividades em sua própria

residência como manicure, pedicure ou

cabeleireira. Nesse sentido para as mulheres

trabalhadoras da indústria fumageira, o espaço

doméstico não era exclusivo de convívio

familiar e passava a ser também um local de

trabalho.

Acredita-se que as transformações na

organização da família, principalmente nos

últimos tempos de crise econômica, têm

reflexos importantes no processo de geração

do orçamento familiar, à medida que sua renda

do trabalho torna-se uma parcela a mais na

sustentação da família, uma responsabilidade

que é distribuída entre os seus membros, o

marido e a mulher.

Segundo Barbiere (1993, p.18), o conceito

de gênero pode ser entendido como categoria

que no social “corresponde ao sexo anatômico

e fisiológico das ciências biológicas”. O gênero

é o sexo socialmente construído. Portanto,

pode-se inferir que os sistemas de gênero são

conjuntos de práticas, símbolos,

representação, normas e valores sociais que

as sociedades definem a partir da diferença

sexual anatômico-fisiológica e que doam

sentido a satisfação dos impulsos sexuais, a

reprodução da espécie humana e, em geral, ao

relacionamento entre as pessoas.

Sccot (1992) concorda com essa

abordagem de gênero, pois para ele o cerne

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75

principal da definição de gênero nesta

sociedade recai sobre a relação fundamental

entre duas preposições: gênero é um elemento

criado das relações sociais, fundadas sobre as

diferenças percebidas entre os sexos, e o

gênero é uma forma importante representar

relações de poder.

Assim, ainda para Barbiere (1993), a

categoria de gênero é o reconhecimento numa

perspectiva de desigualdade social até então

não trabalhada, integrada na dimensão

econômica, ou nas teorias das classes ou nas

teorias da estratificação social. Enquanto isso

para o Dieese (1997), as questões

relacionadas às mulheres e aos homens, têm

seu espaço de discussão em comum, pois:

Os movimentos de mulheres vêm

orientando seus debates na perspectiva de

colocar as questões relativas às mulheres no

contexto mais amplo da discussão das

relações e dos papéis de homens e mulheres

na sociedade. Esta é a chamada questão de

gênero, pois se refere aos gêneros masculino

e feminino, não estando restrita a apenas um.

Esta abordagem situa o tema em um horizonte

maior ao tratar, por exemplo, a questão da

desigualdade entre homens e mulheres como

um problema nas relações de dominação

socialmente estabelecidas entre os dois

gêneros. Além disso, recoloca os termos das

soluções: elas são conjuntas e envolvem

mudanças de posição e comportamento de

homens e mulheres em uma repartição social

mais justa das responsabilidades e

oportunidades. (DIEESE, 1997, p.1)

Historicamente, independente do ramo de

atividade sempre houveram grandes

desigualdades nas condições de trabalho entre

homens e mulheres, desde a valorização

profissional a distribuição de empregos. Essas

idéias são fortalecidas com base nos dados do

IBGE na Pesquisa Mensal de Emprego (PME)

2009, realizada nas regiões metropolitanas

de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de

Janeiro, São Paulo e Porto Alegre e

constatou-se que:

Em 2009, aproximadamente 35,5% das

mulheres estavam inseridas no mercado de

trabalho como empregadas com carteira de

trabalho assinada, percentual inferior ao

observado na distribuição masculina (43,9%).

As mulheres empregadas sem carteira e

trabalhando por conta própria correspondiam a

30,9%. Entre os homens, este percentual era

de 40%. Já o percentual de mulheres

empregadoras era de 3,6%, pouco mais da

metade do percentual verificado na população

masculina (7,0%). (IBGE, 2009). Conforme

Tabela 1.

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Tabela 1- Número de mulheres empregadas

nos armazéns de beneficiamento do fumo de

Cruz das Almas- 1980 a 2008

Fonte dos dados: Sindicato dos empregados

da Indústria do Fumo de Cruz das Almas, 2010

Elaboração: José Antonio Fonseca, 2010

Os dados do IBGE mostram que ainda

existem diferenças e desigualdades entre os

sexos no que diz respeito ao trabalho e

essasdesigualdades persistiam em várias

vertentes da economia. Segundo os dados do

sindicato dos trabalhadores da indústria do

fumo de Cruz das Almas, existe um número

significativo de mulheres trabalhadoras no

segmento de beneficiamento do fumo, (tabela

01).

A tabela 01 mostra a existência da mulher

nos armazéns de beneficiamento do fumo de

Cruz das Almas, no período de 1980, e

aumento dessa mão de obra a partir de 1990,

diminuindo a partir de 2001. Mesmo assim a

presença da mulher continua sendo uma

Ano Número de mulheres Ano Número de mulheres

1980 1.700 1995 2.055

1981 1.888 1996 2.055

1982 1.680 1997 2.990

1983 1.390 1998 2.670

1984 1.490 1999 2.260

1985 1.400 2000 1.733

1986 1.490 2001 1.673

1987 1.389 2002 1.522

1988 1.399 2003 1.501

1989 1.370 2004 1.600

1990 1.5 22 2005 1.100

1991 1.620 2006 1.167

1992 2.090 2007 1.106

1993 2.190 2008 1.100

1994 2.079 2009 1.100

2010 900

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atividade geradora de emprego, apesar da

diminuição dos postos de trabalho.

Para Silva (2000, p.79), “a docilidade

natural da mulher presente na visão dos

empresários, na década de 50, influenciou na

preferência de mulheres nas atividades

fumageiras”. Segundo a mesma autora, essa

exclusividade não ocorreu por determinação

natural, ao contrário, explica-se pelos aspectos

resultantes de uma conjuntura social e

econômica especifica da região. Ou seja, a

mão de obra de obra feminina era mais barata

e em grande quantidade na região fumageira.

Sendo assim, nessa região a condição

econômica contribui para o processo de

alienação, sendo grande o número de

mulheres de baixas condições econômicas.

Segundo (Pinto, 1998; César, 2000 e Silva,

2007), as necessidades diárias e a luta para

sustentar a família impulsionaram essas

mulheres a trabalharem fora de casa.

Na pesquisa constatou-se que as mulheres

fumageirascruzalmenses fazem parte da classe

economicamente menos favorecida.

Geralmente originadas da zona rural, a faixa

etária varia entre 25 a 49 anos, com baixa

escolaridade e a grande maioria é afro

descendente. Essas mulheres recebem por

mês um salário mínimo e todas afirmaram que

os maioresproblema advindos do trabalho na

fumicultura são: a sobrecarga da atividade, as

condições de trabalho, especialmente o odor

forte do fumo e o desconforto no exercício

das atividades diárias. Segundo elas a

assistência médica traz grandes

preocupações, pois o sistema de saúde do

município é deficiente e dificilmente

conseguem atendimento pelos médicos no

único hospital da cidade de Cruz das Almas.

Para o IBGE(2009) a população feminina

desocupada (1.057 milhão de mulheres, em

2009), está muito concentrada no grupo etário

entre 25 e 49 anos de idade. Significa que a

indústria do fumo ainda é uma fonte de renda

importante para parte da sociedade

cruzalmense, principalmente para as mulheres

acima de 40 anos de idade.

4ATIVIDADES EXERCIDAS PELAS MULHERES

E OS IMPACTOS NA SUA SAÚDE

Identificar os impactos à saúde dessas

mulheres trabalhadoras das empresas de fumo

requer a compreensão de que os fatores de

risco e danos á saúdeestão relacionados às

tecnologias utilizadas, a organização do

trabalho, dos fatores ambientais, toxicológicos,

tempo de exposição entre outros (SESI, 2008).

As condições de trabalho, em alguns

armazéns de fumo, não apresentam aspectos

de segurança para a saúde e integridade das

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mulheres, principalmente para as mulheres

com idade acima de 40 anos. Os ambientes

têm pouca luminosidade, ventilação, sem

conforto térmico e as mulheres não usam o

equipamento de proteção individual, causando

transtorno para a saúde.

As mulheres fumageiras declararam que as

suas atividades são basicamente manuais:

seleção, separação e classificação das folhas

para serem arrumadas em seqüência lógica de

acordo com a estratégia das empresas, sendo

o enfardamento a etapa final. Isto demonstra a

exigência dedemanda física elevada e

movimentos repetitivos. A associação dessas

características pode acarretar lesões músculo-

esquelética dentre as fumageiras, uma das

principais causas de afastamento dessas

trabalhadoras do trabalho. (HEEMAN, 2009)

Segundo depoimento das mulheres, no

ambiente de trabalho sempre existiu o cheiro

forte característico do fumo, algumas

declararam ter acostumado rapidamente.

Explicam que usavam máscaras, somente

quando estavam gripadas, nas alergias, dores

de cabeças, caso contrário não eram adeptas

aequipamentos de proteção. Nesse sentido,

observa-se o desconhecimento das

trabalhadoras sobre a importância o uso de

equipamentos de proteção individual, a

omissão das empresas quanto ao

cumprimento da legislação, particularmente a

Norma Regulamentadora de Segurança e

Saúdeno Trabalho na Agricultura - NR 31 do

Ministério do Trabalho e Emprego e a

necessidade de fiscalização dos órgãos

competentes nesse local de trabalho.

No que tange ao ambiente físico

informaram que a iluminação dos locais de

trabalho, era considerada boa, lâmpadas

claras, localizadas em várias posições para

facilitar a visibilidade de cada folha de fumo.

Algumas mulheres reclamavam da claridade,

provavelmente por apresentarem problemas na

vista, ou talvez pelo reflexo da iluminação.

Seus depoimentos informam que no ambiente

de execução das atividades de beneficiamento

do fumo, geralmente há pouco barulho e muito

trabalho, o máximo aceitável pelos chefes e

trapicheiros,3apenas o rumor das folhas de

fumo ao rosar as mãos das mulheres.

Esses relatos merecem a atenção dos

pesquisadores, principalmente quando referem

à postura durante o exercício das atividades

diárias. O imobiliário, especificamente mesa,

banco e cadeira, desconfortáveis,

3 Trapicheiros, na zona de fumo do Recôncavo, é aquele que comprao fumo dos lavradores, destala, faz o primeiro rudimentar beneficiamento, armazena o produto depois de transformado em manocas, estocando-o para revendê-lo as fabricas e firmas exportadoras. O trapicheiro tem uma posição- chave no sistema econômico do fumo, pois, como atacadista, para ele converge a produção de muitos fazendeiros e lavradores independentes, aos quais, não raro, ele financia a produção, adiantamentos que são pagos com a entrega n o trapiche do fumo colhido na safra Costa Pinto (1998, p.125)

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comprometem a estrutura corporal e a

qualidade de vida das trabalhadoras que

passavam todo o dia sendo observadas e

fiscalizadas durante o cumprimento das

tarefas.

As formas de controle e fiscalização das

atividades exercidas pelas mulheres

fumageiras eram bastante rigorosas. Elas

declararam que tudo era controlado pelos

chefes e fiscais de setor, desde a entrada no

estabelecimento, a saída, as conversas nos

horários de lanches. Quando não havia um

chefe por perto para fiscalizar o trabalho

dessas mulheres, geralmente tinha uma colega

de trabalho que transmitia as informações aos

superiores. Uma das entrevistadas com mais

de 30 anos de trabalho em armazéns de

beneficiamento do fumo afirmou:

Logo quando comecei a trabalhar até a

quantidade de vezes que íamos ao banheiro

era controlada, reclamavam se agente fosse

fora do horário de intervalo. Assim quando

agente tava com algum problema era preciso

prender a urina e outras necessidades. Hoje,

conforme as minhas colegas contam, eles

estão mais flexíveis quanto a ida ao banheiro e

permitem que vá quantas vezes for preciso.

(ANTONIETA DIAS, 77 anos de idade,

aposentada, moradora do Bairro Assembléia

em Cruz das Almas - BA)

O relato das mulheres envolvidas

diretamente com o trabalho de beneficiamento

do fumo, mostra como realmente era a relação

patrão-empregado na década de 1980 até final

de 1990. Esses depoimentos indicam que a

organização do trabalho era rigidamente

hierarquizada, sobpressão e controle,

caracterizando a precarização das relações de

trabalho. Maria Silva, no se depoimento afirma:

Naquela época não existia cartão de ponto,

o chefe do setor anotava o nome de cada

mulher olhando para o rosto, para confirmar a

presença de cada uma no local de trabalho.

Quando a sirene tocava ao meio dia dando o

sinal, os olhares de suspiro, e alivio que

tínhamos, era momento de liberdade, mesmo

de poucos minutos, pequena e mesquinha

liberdade, para almoçar, descansar e retornar

sem ter direito a tomar um banho ou uma

simples conversa com os familiares (MARIA

SILVA, 66 anos de idade, moradora do Bairro

Itapicuru em Cruz das Almas - BA)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interpretação dos depoimentos foi

suficiente para responder o objetivo principal

desta pesquisa: entender as condições de

trabalho das mulheres empregadas nos

armazéns de beneficiamento do fumo no

município de Cruz das Almas no período de

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1980 a 2009. Infere-se que as trabalhadoras

dos armazéns de beneficiamento de fumo do

município de Cruz das Almas e arredores – as

mulheres fumageiras - se constituemem mão

de obra que está crescendo significativamente,

tornando-se de fundamental importância para

o crescimento da economia do país.

O conceito historicamente padronizado da

mulher ser sexo frágil, não pode ser levado em

consideração, visto que a pesquisa identificou

que as mulheres trabalhadoras da fumicultura

representam uma força do trabalho importante

para sustentação da família, como símbolo de

paciência, seriedade, honestidade, guerreira e

trabalhadora, com habilidades necessárias

para desenvolver atividades manuais ou

mecânicas com exigências no mesmo nível

dos homens.

Os relatos das mulheres e dos chefes das

empresas de beneficiamento de fumo deixam

evidente que não existem fronteiras entre o

trabalho masculino e feminino, as atividades

fumageiras podem ser desenvolvidas por

ambos os sexos, sem perder a qualidade.

Ficou patente que as mulheres sempre foram

atraídas para trabalhar no beneficiamento do

fumo por ser uma atividade formal remunerada

e que poderia empregar essa mão de obra por

muito tempo.

As atividades que antes eram consideradas

pesadas e insalubres, que historicamente eram

feitas por homens também podem ser

executadas pelo sexo feminino, com o mesmo

nível de responsabilidade.

Conclui-se ainda que a força de trabalho da

mulher foi fundamental para o

desenvolvimento das atividades nos armazéns

de fumo de Cruz das Almas. Uma atividade

que culturalmente é mal remunerada, mas

contribui para a sustentação de várias famílias,

tornando-se uma fonte de renda e de

arrecadação para o município, além de ser um

fator de ascensão social da mulher.

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Capítulo VIII

Trabalho, Qualidade de Vida e

Aposentadoria: Uma Análise Evolutiva dos

Conceitos e das Relações que se

Constroem, em Torno deles.

TRABALHO, QUALIDADE DE VIDA E

APOSENTADORIA: Uma Análise Evolutiva

dos Conceitos e das Relações que se

Constroem em Torno Deles.

Luciana Lima Cerqueira1

RESUMO

Este artigo constitui-se integralmente da

primeira parte da minha monografia2

apresentada à Faculdade Regional da Bahia e

traz a análise dos conceitos de trabalho,

qualidade de vida e aposentadoria, bem

como algumas conotações e significados

socialmente construídos ao longo da história

humana que refletem sempre o contexto do

sistema produtivo, desde os tempos em que

se usava ferramentas primitivas para produzir

elementos básicos de sobrevivência à

contemporaneidade, cenário da revolução

tecnológica e da consequente reengenharia

dos espaços de produção. A necessidade do

estudo desencadeou-se em campo de

estágio, a partir da decisão de desenvolver

1 Graduanda em Serviço Social na Faculdade Regional da Bahia ─ UNIRB. É funcionária pública lotada na Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado da Bahia ─ SEAP. ([email protected]) 2 Monografia intitulada Aposentadoria na Câmara Municipal de Salvador: Uma Pesquisa Sobre a Qualidade de Vida dos Aposentados, cujo primeiro capítulo foi transformado neste artigo, inserindo-se pouquíssimas alterações, inclusive no título a fim de adequar o conteúdo ao gênero textual, sem alterar, no entanto, a sua essência.

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uma pesquisa monográfica para avaliar a

qualidade de vida de aposentados da Câmara

Municipal de Salvador. Objetiva analisar as

relações entre o trabalho e o indivíduo, ao

longo da sua história profissional e suas

influências na qualidade de vida no pós-

carreira. O conteúdo aqui apresentado é

produto de pesquisa documental e

bibliográfica, incluindo fontes eletrônicas e

resulta na seguinte conclusão: o trabalho é

de fato elemento central na formação da

identidade social dos indivíduos e é a relação

entre ambos que determina a qualidade de

vida que se tem durante a carreira e após a

aposentadoria; o fenômeno da centralidade

do trabalho é questionável, visto que

prejudica outros aspectos igualmente

importantes para a existência humana; a

supervalorização da atividade remunerada

com vínculo formal é um fenômeno que não

se harmoniza com o atual contexto

socioeconômico global, no qual a influência

do capitalismo neoliberal e o domínio

tecnológico sobre atividades, antes exercidas

só por humanos, vêm progressivamente

precarizando as relações de trabalho;

adaptações serão necessárias à

sobrevivência futura, posto que tende o

agravamento do desemprego estrutural e a

crescente flexibilização dos contratos de

trabalho, com a consequente redução da

estabilidade, mesmo para os trabalhadores

do setor público.

Palavras-chave: Trabalho; qualidade de

vida; aposentadoria.

ABSTRACT

This article consists entirely of the first part of

my thesis submitted to the Regional School

of Bahia and contains the analysis of the

concepts of work, quality of life and

retirement as well as some socially

constructed meanings and connotations

throughout human history that always reflect

the context of the production system, since

the times of primitive tools used to produce

the basic elements of survival to the

contemporary, the scene of the technological

revolution and the subsequent re-engineering

of production spaces. The need to study

initiated in the training field, from the decision

to develop an monographic study to assess

the quality of life for retirees of the City of

Salvador. It aims to analyze the relationship

between work and the individual, throughout

his professional history and its influences on

quality of life in post-career. The content

presented here is a product of desk research

and literature, including electronic sources

and results in the following conclusion: the

work is indeed a central element in shaping

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the social identity of individuals and the

relationship between them is what determines

the quality of life that has during his career

and after retirement, the phenomenon of

centrality of work is questionable, since it

undermines other important aspects of

human existence, the overvaluation of formal

paid work with is a phenomenon that does

not accord with the current global economic

context in which the influence of neoliberal

capitalism and the technological domain of

activities, previously carried out only by

humans, are gradually undermining labor

relations; adaptations will be necessary for

future survival, since it tends to increase in

structural unemployment and the growing

flexibility of employment contracts , with the

consequent reduction in stability, even for

public sector workers.

Keywords: Work; quality of life, retirement.

INTRODUÇÃO

Mais ou menos em 935 a.C.3 um sábio e

abastado homem já filosofava a respeito da

relação entre homem, trabalho e qualidade de

vida. Trata-se de Salomão, que segundo a

Bíblia foi filho de Davi e rei de Jerusalém por

quarenta anos, que diferente de seu pai que

se notabilizou pela arte da guerra, tornou-se

conhecido em todo o mundo antigo por sua

sabedoria, capacidade estratégica e riqueza.

O próprio Salomão, no livro de Eclesiastes

capítulo1, versículo 13 declara: “Dediquei-me

a estudar e a inquirir com sabedoria tudo

quanto se faz debaixo do céu” (SALOMÃO

935 a.C, 1:13). Revisando o capítulo dois do

mesmo livro, entre os versículos quatro e dez

depreende-se que, além do forte capital

intelectual Salomão trabalhou muito, realizou

grandes obras e acumulou muitos bens

materiais. No entanto, em sua obra,

questiona o produto de tudo o que fez e

conclui que tudo não passa de “inquietação

da alma e vaidade” (SALOMÃO, 935 a.C,

2:11).

Não obstante, ao mesmo tempo em que

declara que seu coração se alegrou em todo

o seu trabalho Salomão alude à sensação de

3 Embora não haja provas materiais, nos anais do cristianismo se atribui ao rei Salomão a autoria do livro Eclesiastes que teria sido escrito “cerca de 935 a.C”. (Bíblia de Estudo Em Cores: Introdução a Eclesiastes. P. 742).

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saturação e ao fato de que jamais, na

experiência humana, se estará satisfeito com

o que se faz e com o que se tem.

Ainda no primeiro capítulo, no versículo

vinte e três (1: 23) o rei observa: “pois todos

os seus dias são dores e seu trabalho é

sofrimento; [...] Aqui, parece não referir-se a

si mesmo, pois além de usar o verbo na

segunda pessoa, provavelmente não realizava

tarefas árduas que lhe causasse sofrimento

físico, uma vez que era proprietário de

“servos e servas” (2:7). Ao que parece,

tratava do homem enquanto espécie humana;

analisava, portanto, a situação da massa

trabalhadora, da maioria, representada

certamente, pelos servos ou escravos que

executavam o serviço pesado, em obediência

a seus senhores e à necessidade de

sobrevivência.

Sobre o trabalho o autor apresenta a

seguinte conclusão: “Deus deu aos filhos dos

homens trabalho árduo para nele se

exercitarem” (SALOMÃO, 935 a.C 1:8). A

partir desta afirmação e diante do que se

revisou nos capítulos um e dois do livro de

Eclesiastes depreende-se, sob uma

perspectiva filosófico-religiosa, que o

trabalho tem como finalidade o exercício das

aptidões físicas e intelectuais do ser humano

e não a acumulação desenfreada e injusta de

bens materiais mediante a força de trabalho

de terceiros, pois tal, além de causar dor e

sofrimento para estes, não assegura a

felicidade dos demais.

Entretanto, o desejo de acumulação de

bens materiais antecede, e muito, o

surgimento do capitalismo. Trata-se, por

certo, de uma característica intrínseca à raça

humana que nem sempre foi possível

concretizar dadas as condições precárias do

processo produtivo em épocas mais

remotas. Não obstante, porém, o homem,

historicamente, sempre construiu

mecanismos de apropriação da capacidade

produtiva de terceiros para assegurar a

construção, manutenção e desenvolvimento

do seu patrimônio.

Esse processo de acumulação, contudo,

só se consolidou na sociedade industrial com

o surgimento e desenvolvimento das

máquinas, evento que vem transformando

imensamente as relações entre os indivíduos

e o trabalho, o que não garante, no entanto,

que haja sempre melhorias significativas na

vida pessoal dos trabalhadores.

Entretanto, no capitalismo moderno, o

processo de acumulação e as

transformações nos processos de trabalho

têm ganhado dimensão tal que os estudos

sobre o trabalho e sua relação com a

qualidade de vida dos indivíduos vem se

ampliando sobremaneira.

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É, pois, respaldado em parte desses

estudos que se construiu este artigo cujo

conteúdo apresenta uma análise da evolução

dos conceitos de trabalho, qualidade de vida

e aposentadoria, bem como as relações que

se constroem em torno deles.

A alusão ao sábio da era pré-cristã tem o

mero objetivo de mostrar que muito antes de

Karl Marx, em tempos remotos, ainda que

sob uma perspectiva bem diferente, o

trabalho e suas consequências para a vida

humana já era objeto de reflexões. Já se

questionava a existência ou não de uma

relação entre o trabalho e os sentimentos de

alegria e de satisfação pessoal.

A estrutura deste artigo e seu aporte

teórico assim se constituem: a princípio são

apresentadas as concepções de José Carlos

Zanelli4, Narbal Silva5, Dulce Helena Penna

Soares6, Jeremy Rifkin e Domenico DE Masi.

Os três primeiros trazem as diferentes

definições, significados e associações do

termo trabalho, desde sua origem. E os dois

últimos, apresentam suas concepções

acerca das relações que se gestam em torno

4 Doutor em educação pela Universidade de Campinas, SP. Professor dos programas de pós-graduação em psicologia e em administração da UFSC. 5 Entre outras formações, é Psicólogo, Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho. 6 Psicóloga. Atua em pesquisas sobre Aposentadoria, Escolha Profissional, Projeto de Futuro e Identidade e Planejamento de Carreira.

do conceito de trabalho no contexto

contemporâneo.

A seguir será apresentado o conceito de

qualidade de vida segundo a Organização

Mundial de Saúde com o aporte teórico da

assistente social Sandra Márcia Lins de

Albuquerque. Posteriormente se apresentará

o conceito de aposentadoria segundo as

acepções dos já citados autores Zanelli, Silva

e Soares e por fim serão apresentadas as

conclusões deste estudo.

2 TRABALHO: ORIGEM E SIGNIFICADOS DO

TERMO

A compreensão do trabalho nos moldes

em que se apresenta na sociedade capitalista

exige um apanhado histórico dos seus

significados e transformações desde o tempo

em que, vivendo no clã, o homem, mediante

instrumentos primitivos se confrontava com a

natureza para obter alimento e sobreviver até

o momento em que, com o aperfeiçoamento

dos meios de produção e o surgimento da

propriedade privada, apropria-se da

capacidade produtiva do outro para acumular

bens materiais.

Na medida em que foi aperfeiçoando os

instrumentos de produção, o homem foi

percebendo que podia produzir mais do que

precisava para seu consumo imediato. Surge,

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então, o escambo: forma de comércio

predominante na fase nômade do homem

que se caracterizava pela troca de um

produto excedente por outro que lhe faltasse.

Até aí, tudo o que se produzia atendia uma

demanda coletiva.

Neste período da história humana o

trabalho era praticado em seu viés

ontológico, ou seja, genericamente

proporcionava ao homem a condição de

agente da história humana, pois, através do

trabalho árduo enfrentava as intempéries

naturais para criar suas próprias condições

de vida. Transformava o ambiente e imprimia

nele a sua marca, diferenciando-se dos

outros animais; via no produto do seu

trabalho os reflexos da sua ação. Assim, o

trabalho era central no desenvolvimento

humano e na construção identitária dos

indivíduos.

Essa forma de “comunismo primitivo teve

fim por volta de 5.500 a 2.000 a C, com o

surgimento da agricultura, com a

domesticação dos animais e o uso dos

metais” (NETTO e BRAZ, 2009. p. 56). A

partir de então os clãs mais produtivos e

mais bem armados começam a se apropriar

dos menos favorecidos, tornando-os seus

escravos.

O escravismo confere ao trabalho um

novo significado social: já não é o

instrumento de desenvolvimento humano,

mas de divisão de classes, de exploração e

sofrimento. Já não contribui na formação

identitária de todos os indivíduos, mas

apenas de uma parcela deles. Para outros,

torna-se um elemento desagregador. O

escravo produz para terceiros e nem ele

mesmo se pertence.

O escravismo, segundo Netto e BRAZ (2009,

p. 64) “se estrutura no ocidente por volta do

ano 3.000 a.C e dura até o fim do Império

Romano”, quando tem início o feudalismo,

com a chamada Idade Média, a partir do

século V.

O feudalismo foi um regime que se apoiou

na propriedade da terra pelos senhores

feudais que exploravam os camponeses, a

quem concediam uma ínfima propriedade

agrária, visando estimular o seu empenho em

produzir mais. Na verdade não era a terra

(pequena propriedade) que pertencia aos

camponeses, mas os camponeses

pertenciam a terra, de modo que, quando a

propriedade feudal era vendida, o negócio

incluía os servos.

No feudalismo os meios de produção

ficavam sob responsabilidade dos

camponeses. Novas técnicas de produção

agrícola foram desenvolvidas e os

instrumentos de trabalho foram

aperfeiçoados. No entanto, o trabalho no

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regime feudal significou, por dez séculos, a

reprodução das condições de existência dos

feudos e a subsistência dos camponeses.

Diferente dos escravos, os servos podiam

usar os meios de produção para cultivar suas

terras, desde que pagassem tributos aos

seus senhores. O significado social do

trabalho era permeado por um antagonismo,

que, se por um lado prendia o camponês à

sua condição servil, por outro, lhe legitimava

enquanto classe antagônica, o que lhe

permitia rebelar-se contra a outra classe. Este

fato, associado à pequena propriedade e

outros fatores típicos da época foram

favoráveis à luta dos servos contra seus

senhores, o que, entre outros fenômenos de

maior importância, culminou no fim do

regime feudal no século XV.

Um personagem importante no cenário da

queda do feudalismo foi o mercador que

comercializava, a princípio, os produtos da

propriedade feudal e os elaborados pelos

artesãos e, posteriormente, especiarias

vindas de mercados internacionais

resultantes da abertura de novas rotas

marítimas. A extinção de alguns feudos e a

concentração dos demais resultou na

migração de camponeses para as cidades

que cresceram e aumentaram a demanda por

produtos. Tais camponeses, então, passaram

a trabalhar para os mercadores (burgueses

comerciantes).

Nas cidades ou burgos, artesãos e ex-

camponeses recebiam matéria- prima, meios

de produção e eram assalariados para

produzir. Os burgueses, além de financiarem

a produção, comercializava-a Assim surge o

mercantilismo: um período de transição do

modo de produção feudal para o modo de

produção capitalista. Aí surgem as

manufaturas, ou seja, os artesãos e ex-

servos deixam de fabricar sob encomenda e

passam a produzir em quantidade, em

estabelecimentos apropriados e de forma

sistematizada.

Anterior à manufatura, tanto o artesão

quanto o camponês trabalhavam junto à

família e ficavam responsáveis pelos meios

de produção. Posteriormente, perdem essa

autonomia, passam a produzir em galpões

com ajudantes e auxiliares. É a separação do

trabalhador dos meios de produção. “É a

divisão social do trabalho”. (NETTO e BRAZ,

2009, p. 80). Aí se inicia também a divisão

sexual do trabalho: as mulheres ficam

responsáveis pelas tarefas domésticas e

educação dos filhos, enquanto os homens se

deslocam para o ambiente de produção e se

tornam responsáveis pelo sustento da

família.

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Dizem ainda os autores anteriormente

citados que a “produção mercantil” [...],

entre os séculos XVI e XVIII resulta em

mercadoria que é vendida para gerar dinheiro

para comprar mercadoria, ou seja, a moeda é

circulante. O dinheiro não era fim, mas meio.

Não existia a ideia da mais valia; o lucro era

gerado mediante o acréscimo do valor da

mercadoria no seu destino final (o consumo).

A isso também se chama capitalismo

comercial.

O século XIX, no entanto, traz a lógica

capitalista da mais valia. É no capitalismo

industrial que o tempo de produção passa a

ser controlado pelo patrão a fim de que se

produza mais em menos tempo, recebendo o

mesmo pagamento. É esse excedente de

produção que garante a acumulação

capitalista. A partir daí, se compreende o

trabalho sob o conceito marxista, conforme

se verá a seguir.

O trabalho na sociedade capitalista se

apresenta como uma faca de dois gumes. Se

por um lado é instrumento de exploração e

alienação, por outro é o mantenedor da vida,

ferramenta de transformação da natureza e

da sociedade; elo de articulação dos direitos

sociais e fator preponderante na construção

da identidade social e da afirmação da

autoestima dos indivíduos. Abaixo, o que

trazem os autores Zanelli, Silva e Soares

sobre a origem da palavra trabalho:

A palavra trabalho, em sua origem, como

é bastante conhecida, está relacionada a

alguma forma de tortura, sofrimento ou

esforço doloroso [...], um pesado fardo

que nos impede de viver [...], associado à

compreensão da atividade laborativa

como fonte de alienação econômica,

política e de aflição para aqueles que a

realizam (ZANELLI, SILVA e SOARES,

2010, p. 21. Grifo nosso).

A definição acima está associada ao

conceito marxista, segundo o qual a

capacidade produtiva do trabalhador ao

transformar-se em mercadoria apropriada

pelo capitalista torna-se fonte de alienação

para aquele que se torna dependente das

condições impostas pelo capitalismo para

produzir seu meio de subsistência, sem se

ater que ao mesmo tempo reproduz as

condições de sobrevivência do sistema

produtivo que o aprisiona e o explora e ainda,

determina o seu modo de vida e suas

relações sociais.

Conforme exposto acima, há sentido em

dizer que o trabalho causa sofrimento, pois,

ao deixar de ser propriedade do trabalhador,

deve ser realizado na forma e para fins

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determinados com os quais, muitas vezes, o

indivíduo não se identifica, e em ambientes

com os quais não se harmoniza.

Porém, não é só isso; o conceito de

trabalho não traz em seu bojo apenas

aspectos negativos. Apesar de se trabalhar

visando o salário que se receberá como

compensação pela atividade realizada, o

indivíduo, pela sua própria gênese, procura

dar sentido à sua existência através do

trabalho, ou seja, da atividade transformadora

mediante a qual submete a natureza e a

transforma; constrói o seu ambiente e se

permite ser influenciado por ele, ao mesmo

tempo em que deixa nele a sua marca, o seu

legado.

As análises acima permitem afirmar que o

trabalho, apesar de trazer em sua gênese um

significado ontológico, vem historicamente,

ganhando outras significações no contexto

socioeconômico. Esta afirmação é

corroborada por Zanelli, Silva e Soares no

trecho abaixo:

[...] O trabalho pode ser compreendido

como todo esforço do ser humano, físico

ou psíquico, ao intervir em seu ambiente

com a finalidade de transformar, incluindo

atividades como lazer e outras de natureza

não remunerada [...]. Para o trabalhador,

tornou-se um meio de ganhar um salário e

a base da construção de sua identidade

(ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 21).

Diante do exposto, entende-se que o

trabalho tanto pode ser um instrumento de

aprisionamento como um símbolo de

liberdade, dependendo da relação que se

estabelece entre ele e o indivíduo que o

executa, partindo-se do princípio de que a

capacidade produtiva é intrínseca ao

trabalhador e que o capitalista ao apropriar-se

do seu potencial não o faz em sua totalidade,

mas a partir de um recorte, visando atender

uma demanda específica.

Assim, sobra ao indivíduo a sua

criatividade e a sua histórica capacidade de

desenvolver várias habilidades, o que lhe

possibilita, ainda que empregado, sob a

lógica da acumulação capitalista,

desenvolver, no tempo dedicado ao

descanso, atividades que visem lhe

proporcionar prazer, com as quais se

identifique e através das quais possa

transformar a sua realidade com vistas ao

futuro que idealiza.

Trata-se acima de atividades que, tenham

ou não natureza remunerada, caracterizam-se

conforme Zanelli, Silva e Soares, como

trabalho. Assim, ressalte-se que o trabalho

apresenta tanto um viés alienante quanto um

viés libertador.

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92

Desde que não seja excepcionalmente

vinculado à instituição formal remuneradora

que absorve todo o tempo do indivíduo, não

lhe permitindo desenvolver nenhuma outra

atividade, o trabalho pode ter uma conotação

positiva; pode ser uma atividade através da

qual o indivíduo se compraz, se realiza,

sendo ou não remunerado para desenvolvê-

la.

É comum, quando um trabalho não gera

renda suficiente, buscar outro para

complementá-la. Neste caso, deve-se buscar

nessa segunda atividade, além de resultados

financeiros, o resgate da essência identitária

e da auto estima, liberdade para associar ao

potencial produtivo a capacidade criativa.

Deste modo o indivíduo não se sentirá tão

indiferente ao produto final do seu trabalho,

mas, ao ver-se representado nele se sentirá

recompensado e terá prazer.

De Masi7, atento às contradições do

progresso tecnológico, alerta a sociedade

para o aumento do desemprego e sugere

uma redução drástica na carga horária de

trabalho para que novos empregos possam

ser criados. Porém, ao ser questionado se as

pessoas tendo mais tempo livre não

procurariam outra atividade responde: “ter

dois empregos já é melhor do que ter um só.

7 Domenico DE Masi, italiano. Sociólogo do trabalho, pesquisador e escritor do livro o Ócio Criativo, entre outros.

É mais diversificado e permite as

distribuições dos riscos em várias frentes”

(DE MASI, 2000, p. 177).

O autor supramencionado censura a

idolatria ao trabalho e conclama a sociedade

para uma mudança de paradigmas sob os

quais, “os trabalhadores teriam mais tempo

disponível para a vida pessoal, revitalizariam

seus relacionamentos com a família, com a

cultura, com o bairro e alimentariam a própria

criatividade” (DE MASI, 2000, p. 159).

Porém, reconhece que não se trata de um

processo fácil, pois, “[...] Não se abandona

num segundo os hábitos adquiridos [...]” (DE

MASI, 2000, p. 21).

No entanto, por seu caráter mediador das

relações sociais, referência no processo da

construção identitária e, principalmente, por

assegurar o sustento do trabalhador e da sua

família, o trabalho tende a protagonizar o

cenário na vida dos indivíduos, impondo aos

outros elementos papel secundário. Este

fenômeno, porém, quando não mistificado é

justificadamente naturalizado pela sempre

crescente necessidade de consumo

estimulada pela excessiva oferta do mercado.

O protagonismo referido acima se dá

quando as pessoas se envolvem tão

profundamente com o ambiente de trabalho

formal que o elege como única via de

produção e de socialização; limitam suas

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93

atividades àquela atividade remunerada e seu

ciclo de amizades aos colegas de trabalho

sem pensar que num futuro não tão distante

seu vínculo com a empresa será interrompido

e o tempo e a distância geográfica se

encarregarão de enfraquecer os laços ali

construídos.

Esta postura restritiva mencionada acima

certamente prejudica a capacidade criativa do

trabalhador, sua relação com a família e

priva-o de gozar dos prazeres da diversidade

sociocultural. Tais consequências, porém,

podem ser percebidas tardiamente, quando

chega o momento da aposentadoria, depois

de décadas daquela relação umbilical com o

ambiente socio-ocupacional.

Sob essa perspectiva social do trabalho

Zanelli, Silva e Soares apresentam a seguinte

concepção:

O trabalho é o principal ordenador da vida

humana associada. Regras, horários,

atividades e interações sociais são dispostas

conforme as exigências que as tarefas

impõem. Tais características, se por um lado,

contemplam a peculiaridade humana de

busca por ordem, consistência e

previsibilidade, por outro, ao estabelecerem

sincronicidade e um ritmo frenético de vida,

dispõem às pessoas tempo físico e psíquico

restrito para que possam pensar e aprimorar

suas vidas pessoais (Senge, 1999, apud

ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 23,

grifo nosso).

Conforme se pode observar acima, a

absorção pelo trabalho, da quase totalidade

do tempo das pessoas é um fator

desfavorável para o estabelecimento de

caminhos e direções, objetivos e metas para

o futuro. Deste modo, o desligamento da

instituição pode causar grande impacto frente

ao desafio de uma nova realidade, tendendo

transformar-se em um processo de

sucessivas frustrações.

A súbita reaproximação com o ambiente

sociofamiliar e com os problemas que lhe

cercam, a aproximação da velhice e a

possível descoberta da fragilidade da saúde

que não foi bem cuidada por falta de tempo,

totalmente ocupado com o trabalho

remunerado; tudo isso associado à

desvalorização salarial nos anos que se

seguem a aposentadoria pode culminar na

redução da qualidade de vida com

complicações do estado de saúde e até no

surgimento de uma depressão. A esse

respeito merece destaque a seguinte

afirmação:

Em razão da importância da presença

física e psicossocial do trabalho na vida das

pessoas, ao perderem o emprego, muitas

ficam desorientadas, deprimidas,

desestruturam-se emocionalmente, sentem-

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se inúteis e com a percepção, aliada a

sentimentos, de que não têm contribuições

úteis que possam dar. Como conseqüência,

buscam em outras situações formas

compensatórias ou refúgios, como é o caso

do uso abusivo do álcool e de outras drogas,

percebidas como modos de atenuar os

efeitos das “dores existenciais” às quais se

encontram submetidas (ZANELLI, SILVA e

SOARES, 2010, p. 23).

Os fatores acima mencionados podem

constituir-se em questão de grande monta

para os trabalhadores de ambos os gêneros,

no momento da aposentadoria. Ora! Se para

o homem, que a vida inteira foi educado para

serviços externos é difícil, de repente se vê

obrigado a lidar com problemas relacionados

ao ambiente doméstico, para a mulher

emancipada, que não se identifica muito com

os afazeres do lar, também o é.

Deste modo, e diante da atual distribuição

dos papeis sociais, é compreensível que

ambos estranhem essa nova realidade e isso

sugere a possível necessidade de um

desmame do ambiente de trabalho e uma

readaptação ao ambiente doméstico e seu

entorno, associado ao estabelecimento de

novas metas para efetivar o projeto pós-

carreira, tanto para os trabalhadores do sexo

feminino quanto para os do sexo masculino.

No entanto, o risco dos problemas acima

mencionados pode ser evitado se

associarmos à vida laboral atividades

esportivas e socioculturais, se

desenvolvermos concomitantemente às

habilidades laborais a nossa capacidade

criativa e se aprendermos a utilizar o tempo

ocioso investindo também em nossa

intelectualidade, lembrando que trabalho não

é só aquilo que se faz com os braços; não é

só o que se traduz em dinheiro ou outros

bens tangíveis, mas tudo aquilo que pode

produzir informação, conhecimento e

transformação de uma realidade.

O trabalho deve também, produzir

felicidade e não se restringe as atividades

laborais remuneradas executadas em

ambientes formais. O ato de pensar, por

exemplo, uma atividade que pode transformar

o mundo, exige, não raras vezes, momentos

de ócio. Na Grécia antiga ócio era privilégio

dos ricos, dos homens que praticavam

esportes, artes e política, uma minoria que

decidia sobre o futuro de todos, enquanto a

mera execução de tarefas braçais era

delegada aos escravos (DE MASI, 2000).

Hoje, porém, o ritmo frenético de vida ao

qual fomos aculturados, reflexo da

industrialização, do capitalismo globalizado e

da imposição maciça da necessidade de

produção e consumo, nos transtorna de tal

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maneira que somos capazes de adoecer

quando não vemos nada palpável, tangível e

lucrativo a que possamos relacionar com

nossas habilidades e com o que possamos

nos identificar enquanto executores.

De Masi faz uma alusão a esse

comportamento ao criticar a elite capitalista

da sociedade pós-industrial que, apesar das

transformações nas condições de produção

desencadeadas pela revolução tecnológica se

porta em relação ao trabalhador, na maioria

das vezes, como se estivesse “na era

taylorista” quando bastava ao capitalista que

o trabalhador se limitasse a “enroscar

parafusos, coisa que nada exigia do campo

das ideias” (DE MASI, 2000, p. 174).

Ao justificar sua teoria da necessidade de

mudança de paradigmas nas organizações de

trabalho o autor afirma:

Sempre com base nas estatísticas,

constato que, tanto no tempo em que se

trabalha, quanto no tempo vago, nós, seres

humanos, fazemos hoje sempre menos

coisas com as mãos e sempre mais coisas

com o cérebro, ao contrário do que acontecia

até agora, por milhões de anos (DE MASI,

2000, p. 16).

O autor faz alusão a atividades que antes

eram executadas por mãos humanas e

atualmente são pensadas por mentes

humanas e executadas por máquinas, robôs,

controles remotos e computadores. Este

fenômeno é produto da revolução tecnológica

que se instalou em todas as instâncias da

vida humana, tanto dos que estão inseridos

no mercado de trabalho, como fora das

organizações de produção.

Porém, é na instância produtiva que se faz

notar com alarde: inovando os meios e

condições de produção, permitindo as

organizações de trabalho produzir mais em

menos tempo, com menor contingente

humano, e ao capitalista acumular mais. No

entanto, a resistência dos empregadores às

mudanças nos paradigmas que regem as

relações de trabalho impede inovações na

qualidade de vida dos trabalhadores, dentro e

fora das organizações.

Está claro, portanto, que inovações nas

condições de produção não garantem

melhores condições de trabalho e de vida

para todo trabalhador. O setor produtivo

parece não ter descoberto uma das

relevantes possibilidades da revolução

tecnológica, tão defendida por De Masi como

o fenômeno do futuro: o tempo livre,

resultante de uma produção eficiente

derivada da articulação entre tecnologia,

inovação e criatividade, uma combinação

capaz de aliviar o cansaço humano (DE

MASI, 2000).

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Sobre a relação entre os avanços

tecnológicos e a possibilidade de tempo livre,

Rifkin8 concorda com De Masi ao afirmar

que: “As revoluções das tecnologias da

informação e da comunicação virtualmente

garantem mais produção com menos

trabalho humano. De uma forma ou de outra,

mais tempo livre é a consequência inevitável

da reengenharia” (RIFKIN, 1995, p. 244).

Infelizmente, no contexto da sociedade

capitalista brasileira, a consequência da

reengenharia ainda não é o tempo livre. Em

nossa realidade, as inovações tecnológicas

nas organizações de trabalho têm provocado

as seguintes situações:

� Aumento do desemprego, pois uma

máquina ou robô dispensa o trabalho

de muitas pessoas. E como em nossa

cultura a ideia da redução da carga

horária com o escopo de gerar

emprego para os sobrantes ainda não

foi aderida, quem perdeu o emprego

continua desempregado.

� Sobrecarga de trabalho, pois, sob o

discurso toyotista9 da versatilidade os

8 Economista norte americano, escritor, palestrante, conselheiro político e ativista. Em seus livros e palestras versa sobre as novas tendências na ciência e na tecnologia e suas influências na economia, sociedade e ambientes globais.

9Toyotismo: modo de produção capitalista que surge no Japão, no desfavorável contexto do pós-segunda guerra.

trabalhadores são preparados para

desenvolver, em seu tempo livre

resultante do milagre tecnológico,

outras funções além daquela que

consta no seu contrato de trabalho.

Assim, quando conclui as atividades

em seu setor é deslocado para outro, a

fim de “dar um apoio ao seu colega”.

� O aumento das doenças ocupacionais,

principalmente nas fábricas

automobilísticas, em suas linhas de

montagem, nas quais as inovações

tecnológicas têm como escopo o

aumento da produção e exigem dos

operários a sincronização dos seus

movimentos com o ritmo das

máquinas ou robôs.

Nesse ritmo, no contexto brasileiro

contemporâneo, a perspectiva demasiana já

se aplica no que tange a redução do tempo

de produção de bens e serviços, no entanto,

quanto à tese do autor de que a sociedade

caminha em direção ao aumento do tempo

livre, do não trabalho, do ócio criativo, é uma

possibilidade ainda remota neste país.

Contudo, cabe a tese em questão ser

analisada com respeito por tratar-se,

conforme o autor, do resultado de dados

Elaborado em uma fábrica automobilística da Toyota, tem entre suas características, a multifuncionalidade do operário.

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estatísticos adquiridos em estudos e

pesquisas sociológicas. Embora alguns

críticos a considerem utópica, aqui é

entendida como uma visão futurista, baseada

nos fenômenos mais marcantes da

sociedade pós-industrial: o espantoso

desenvolvimento tecnológico, a globalização

e as crescentes contradições advindas do

próprio modo de produção. Ademais, a

análise cuidadosa da proposta demasiana

pode evitar o risco de se andar na contramão

da história.

Já a afirmação de Rifkin sobre “o declínio

inevitável dos níveis dos empregos”

resultante da reengenharia dos espaços

produtivos proporcionada pelo

aperfeiçoamento da tecnologia se identifica

parcialmente com a realidade brasileira, pois,

dados do censo 2010 mostram o percentual

de “1,6 milhão de pessoas desocupadas”

(IBGE, 2010). Convém, no entanto,

esclarecer que a reengenharia dos espaços

produtivos, no caso brasileiro, não responde

sozinha por esse contingente de

desocupados. Trata-se, contudo, de um dos

fatores relevantes que geram o desemprego

neste país.

Sobre o espaço que a tecnologia vem

roubando aos trabalhadores Rifkin comenta:

Enquanto as primeiras tecnologias

substituíram a força física do trabalho

humano, trocando a força muscular por

máquinas, as novas tecnologias baseadas

no computador prometem substituir a

própria mente humana, colocando

máquinas inteligentes no lugar dos seres

humanos em toda a escala da atividade

econômica. (RIFKIN, 1995, p. 05).

Em nível global, no entanto, conforme

aludem Rifkin e DE Masi, o trabalho tende a

se tornar cada vez menos presente na vida

das pessoas, forçando-as a desenvolverem

habilidades que lhes assegurem o exercício e

o desenvolvimento das suas potencialidades,

de modo que, mediante a criatividade que

lhes é inerente possam instituir novos e

diversos meios de sobrevivência.

Embora manifeste o desejo de uma

transformação macro e afirme “com base em

estudos e dados estatísticos”, que a

sociedade pós-industrial caminha, ainda que

a passos lentos, nessa direção, DE Masi

adverte:

Nego, porém, que a criatividade e a

inovação possam brotar em organizações

que ainda são administradas com tempo,

métodos e sistemas de comando

concebidos há cem anos, não para inovar

ou criar, mas para executar. (DE MASI,

2000, p. 328).

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Deste modo é impossível prever quanto

tempo resta para que a mudança proposta

pelo sociólogo se efetive. No entanto, o

mesmo não espera o fim do sistema

capitalista para que tais mudanças

aconteçam. Otimista, o teórico parece seguro

que as próprias contradições do sistema

obrigará as organizações empregadoras a

uma mudança nos paradigmas que regem as

relações de trabalho.

A revisão de literatura sobre a análise da

conjuntura socioeconômica global

contemporânea evidencia que as

reformulações nas relações de produção

feitas sob a égide do neoliberalismo, além de

agravar os prejuízos da massa trabalhadora

não baniram a possibilidade de um colapso

do sistema capitalista, resultante das suas

próprias incompatibilidades.

Assim, conjectura-se que o otimismo que

permeia a proposta de DEMasi reside no fato

de a crescente complexidade dos problemas

que ameaçam o sistema econômico em

questão exigir uma nova reformulação que

não tenha como único escopo o aumento

dos lucros, mas, também o aumento do

poder de consumo. Deste modo, a redução

da semana de trabalho seria uma

possibilidade a ser considerada para a

distribuição de emprego e consequente

geração de renda.

Neste sentido, as previsões de DEMasi são

compartilhadas com Rifkin que afirma:

A resistência das corporações à semana

de trabalho menor será abrandada nos

próximos anos, à medida que as

empresas se conscientizarem de diminuir

a distância entre a superprodução de bens

e serviços e o declínio do poder aquisitivo

do consumidor [...]. (RIFKIN, 1995, p.

252).

Sobre a gradual retração do conceito de

trabalho na vida humana pós- moderna já

aludida por DE Masi, Rifkin afirma:

Desde o seu início, a civilização tem se

estruturado, em grande parte, em função

do conceito de trabalho [...]. O trabalho

tem sido parte tem sido parte integral da

existência diária. Agora, pela primeira vez,

o trabalho humano está sendo

sistematicamente eliminado do processo

de produção [...] (RIFKIN, 1995, p. 03).

Assim como o sociólogo italiano, Zanelli,

Silva e Soares concordam que o trabalho nos

moldes em que se dá absorve o tempo das

pessoas e restringe a sua capacidade de

desenvolver outras habilidades que lhes

confiram melhor qualidade de vida. Sob a

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perspectiva sociológica ou sob a ótica da

psicologia, ambos entendem que “demandas

profissionais e pessoais” não devem ser

vistas como “incompatíveis” (ZANELLI,

SILVA e SOARES, 2010, p. 36).

Porém, enquanto De Masi (2000, p. 16)

concebe a possibilidade de “ócio criativo -

quando trabalho, estudo e jogo coincidem –“

na vigência mesmo do trabalho remunerado,

Zanelli, Silva e Soares (2010, p. 36)

concebem “o momento da aposentadoria

como propício a elaboração do `ócio

criativo`” interpretado por estes últimos

como:

A intersecção entre três elementos

fundamentais: o trabalho (esforço

laborativo revestido de sentido para quem

o realiza); estudo (posicionar-se de modo

`aberto` para aprender continuamente ao

longo da vida); e jogo (entremear nos dois

anteriores espaços lúdicos de lazer,

brincadeira e convivência saudável)

(ZANELLI, SILVA e SOARES. 2010, p. 36).

A despeito dos empecilhos do sistema

econômico vigente e o histórico ranço

cultural que envolve a sociedade,

contraditoriamente, a versatilidade é uma

qualidade cada vez mais exigida para

assegurar a inserção e manutenção no

mercado de trabalho, bem como a

manutenção de indicadores de qualidade de

vida como saúde, educação, acesso a

cultura, ao laser e outros. Para efeitos neste

último caso, a versatilidade deve ser aplicada

na vida pessoal.

A afirmação acima implica em o

trabalhador, independentemente dos

paradigmas que regem sua relação de

trabalho buscar empreender mudanças na

sua vida pessoal, administrando seu tempo

livre com criatividade, investindo em

atividades que confiram sentido a sua

existência e desenvolvam o seu capital

intelectual, sua autoestima e sua saúde.

Conclui-se, dessa abordagem sobre

trabalho, que trata-se de um conceito cujo

bojo reúne vários significados e

interpretações sociais. Assim, se

ontologicamente é elemento central no

processo de desenvolvimento humano e

identitário, socialmente pode ter diferentes

conotações, a depender da época, da cultura

e do contexto político e econômico vigentes.

Quando realizado de forma politizada e

consciente ─ não como atividade central cujo

único escopo seja a geração de renda para

atender necessidades básicas ou de

consumo ─, o trabalho pode ter

repercussões tão positivas na vida dos

indivíduos que se refletem,

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100

consequentemente, em todas as suas

dimensões, aumentando assim o nível

daquilo que se entende por qualidade de vida,

conceito que será abordado a seguir.

3 QUALIDADE DE VIDA

O conceito de qualidade de vida aqui

apresentado foi construído pela Organização

Mundial de Saúde (OMS) após estudos que

envolveram “cientistas sociais, filósofos e

políticos” (OMS, 2011) e pode ser utilizado

mundialmente, pois tem validade

internacional. No entanto, para a

compreensão do processo de construção

desse conceito cabe apresentar os

instrumentos utilizados pela OMS para avaliar

a qualidade de vida dos indivíduos,

representados pela sigla WHOQOL.

Boa parte das informações de que se trata

foram obtidas mediante meio eletrônico.

Trata-se do site da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul que mediante a Faculdade

de Medicina, desenvolveu a versão em

português dos instrumentos de avaliação de

qualidade de vida da OMS; “um projeto

coordenado por Dr. Marcelo Pio de Almeida

Fleck do Departamento de Psiquiatria e

Medicina Legal da UFRS” (UFRS, 2011).

Foram utilizadas ainda, outras fontes

eletrônicas conforme se verá a seguir.

Além da pesquisa eletrônica conta-se aqui

com o aporte teórico da assistente social

Sandra Márcia Lins de Albuquerque10 cujas

concepções sobre o conceito de qualidade

de vida apresentadas em sua dissertação de

mestrado intitulada Assistência Domiciliar:

Diferencial na Qualidade de Vida do Idoso

Portador de Doença Crônica serão aqui

mencionadas.

3.1Esclarecendo a Sigla WHOQOL

O projeto de construção de um

instrumento capaz de avaliar a qualidade de

vida dos indivíduos, independente de sua

cultura, se deu através da formação de

grupos de estudo, pela Organização Mundial

de Saúde, que envolveu a participação de

pessoas, sadias e portadoras de doença, de

quinze países diferentes. O projeto tinha

como objetivo formular um questionário

cujas respostas possibilitassem a avaliação

sistematizada da qualidade de vida de

indivíduos, em qualquer país do mundo,

tornando-se, portanto, um instrumento de

validade internacional. (OMS, 2011)

10 Graduada pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica de Belo Horizonte/MG. É especialista em Administração Hospitalar; mestre e doutora em Ciências, programa de Fisiopatologia experimental da Faculdade de Medicina da universidade de São Paulo. (ALBUQUERQUE, 2003).

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No projeto, que se dividiu em diferentes

estágios compreendidos entre os anos de

1992 a 1997, considerou-se para a

construção do instrumento de avaliação

supracitado “que qualidade de vida é um

construto subjetivo (percepção do indivíduo

em questão), multidimensional e composto

por dimensões positivas (p.ex.mobilidade) e

negativas (p. ex. dor)” (OMS, 2011). Assim,

elaborou-se o World Health

OrganizationQualityof Life – WHOQOL, cuja

tradução em português não foi encontrada na

revisão teórica para esta pesquisa.

Trata-se de um questionário cuja estrutura

foi baseada em “seis domínios: Físico,

Psicológico, Nível de Independência,

Relações sociais, Meio-ambiente e

Espiritualidade/Crenças Pessoais” (op. Cit.).

A princípio, construiu-se um documento

composto por cem questões, denominado

WHOQOL 100. Posteriormente elaborou-se

uma versão abreviada do questionário,

composta por vinte e seis questões,

denominada WHOQOL BREF, composta por

quatro domínios: Físico, Psicológico,

Relações Sociais e Meio ambiente.

Assim, os instrumentos WHOQOL,

propriedades da Organização Mundial de

Saúde, atualmente disponíveis em vinte

idiomas diferentes, podem ser utilizados para

pesquisas que visem a avaliação da

qualidade de vida de pessoas de qualquer

cultura, desde que “suas orientações,

questões e `layout` não sejam modificados

de nenhuma forma” (OMS,. 2011.).

3.2 Conceituando Qualidade de Vida

É comum ao serem questionadas sobre o

que entendem por qualidade de vida, as

pessoas associarem-na ao padrão de vida.

Outras, porém, associam-na a aspectos

diversos como saúde, família, trabalho,

atividades esportivas, amor, dinheiro, prazer

e morar bem. De fato, todos esses aspectos

são indicadores de qualidade de vida, pois,

se inserem nas dimensões física, psíquica e

material dos indivíduos, incluindo

objetividades e subjetividades que compõem

a existência humana.

No entanto, o que torna complexo avaliar

a qualidade de vida é a variedade de

concepções acerca desses indicadores. Ou

seja, a percepção relativa de cada pessoa

sobre, por exemplo, morar bem, prazer,

trabalho e outros, visto que tal percepção

pode variar em época, cultura e grupos

sociais.

Deste modo, enquanto um indivíduo

entende por qualidade de vida, entre outras

coisas, o acesso a serviços e bens de

consumo que agregam o valor da alta

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tecnologia, uma pessoa ou um grupo de

pessoas pode entendê-la de forma diferente.

Assim, não se pode negar que tem

qualidade de vida uma comunidade que

abdica das benesses do desenvolvimento

industrial e tecnológico sem indagar aos seus

indivíduos como se sentem naquela condição

de vida. Desde que outros indicadores

estejam presentes, é possível que respondam

que aquele contexto lhes proporciona

qualidade de vida. E é esta percepção

individual que deve ser considerada na

avaliação em questão e não os “padrões”

socialmente determinados.

Um exemplo do que se afirma acima é o

estilo de vida da comunidade Amish11, na

Pensilvânia, Estados Unidos. Trata-se de uma

pequena população protestante,

conservadora, que vê nas inovações do

mundo moderno uma ameaça de

desagregação da família e de corrupção da

tradição religiosa.

Para os Amish viver bem é manter-se

longe da poluição ambiental e sonora, ter boa

saúde, educar o bastante para reproduzir a

cultura local; manter a coesão familiar e

11 A primeira fonte de informações sobre a comunidade Amish foi o filme Graça e Perdão que, baseado em fatos reais relata a tragédia sofrida pelos Amish, em 2006, em uma escola que foi invadida por um atirador suicida (não Amish) que assassinou cinco meninas e deixou outras feridas. Posteriormente pesquisou-se sobre os Amish nos seguintes sites: http://pessoas.hsw.uol.com.br/amish e http://pt.wikipedia.org/amish.

comunitária com base no amor e no perdão e

aplicar, literalmente, os Mandamentos

bíblicos.

É, pois, impossível afirmar ou negar que

os Amish têm qualidade de vida, a não ser

com base em pesquisa realizada na

comunidade, mediante instrumentos que

avaliem, nos indivíduos, tanto os aspectos

subjetivos quanto os objetivos,

considerando-se suas percepções acerca

dos indicadores de qualidade de vida, pois, é

a partir delas que os humanos atribuem

significado aos objetos, fatos e fenômenos

que permeiam a sua existência.

É bem verdade que a revolução industrial

e os avanços tecnológicos têm aumentado a

expectativa de vida da população mundial, no

entanto, isso não garante que as expectativas

dos indivíduos, no que tange a qualidade de

vida, têm sido atendidas. Com relação a isso

a Organização Mundial de Saúde faz a

seguinte menção: “[...] Muitas vezes na

busca de acrescentar “anos à vida” era

deixado de lado a necessidade de

acrescentar “vida aos anos” (OMS, 2011.

grifo do autor).

Com relação às consequências do

progresso tecnológico e sua relação com o

conceito de qualidade de vida a Organização

Mundial de Saúde apresenta o seguinte

relato:

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O crescente desenvolvimento tecnológico

da Medicina e ciências afins trouxe como

consequência negativa a sua progressiva

desumanização. Assim, a preocupação

com o conceito de "qualidade de vida"

refere-se a um movimento dentro das

ciências humanas e biológicas no sentido

de valorizar parâmetros mais amplos que

o controle de sintomas, a diminuição da

mortalidade ou o aumento da expectativa

de vida. (OMS, 2011. Grifo do autor.).

Sobre a origem da expressão qualidade de

vida diz Albuquerque: “Surge da recente

consciência das consequências indesejadas

provocadas pelo desenvolvimento econômico

e pela industrialização incontrolada”

(Albuquerque, 2003, p. 41).

Já sobre a época do surgimento da

expressão a OMS traz em seus registros:

A expressão qualidade de vida foi

empregada pela primeira vez pelo presidente

dos Estados Unidos, Lyndon Johnson em

1964 ao declarar que "os objetivos não

podem ser medidos através do balanço dos

bancos. Eles só podem ser medidos através

da qualidade de vida que proporcionam às

pessoas." (OMS, 2011).

Trata-se, portanto, de uma preocupação

recente, relacionada às sequelas de um

sistema econômico que reifica o ser humano

com vistas à acumulação capital, mediante a

produção de bens de consumo que uma vez

adquiridos tornam a vida mais fácil sem,

necessariamente torná-la melhor. Ou seja, a

lógica do sistema econômico vigente não se

alinha aos interesses pessoais dos

indivíduos, ao contrário, manipula-os para

que alinhem seus interesses e suas

demandas às suas ofertas.

Diante de todo esse caos do mundo

moderno, Albuquerque alerta que para avaliar

a qualidade de vida de um indivíduo é

necessário, antes, ouvir dele o seu próprio

“conceito de vida” e inquirir sobre a sua

própria avaliação da sua qualidade de vida.

(ALBUQUERQUE, 2003, p. 46).

Atenta a todas as questões

supramencionadas, a Organização Mundial

de Saúde, através do Grupo de Qualidade de

Vida da Divisão de Saúde Mental, mediante o

WHOQOL GROUP, 1994, assim conceituou

qualidade de vida:

"A percepção do indivíduo de sua posição na

vida no contexto da cultura e sistema de

valores nos quais ele vive e em relação aos

seus objetivos, expectativas, padrões e

preocupações" (OMS, grifo nosso.).

Nota-se, portanto, que não é um conceito

funcionalista, mas um conceito cuja

construção considerou o indivíduo sob uma

perspectiva integral, incluindo as várias

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dimensões e peculiaridades humanas. Assim,

para avaliar a qualidade de vida de um

indivíduo é necessário considerar,

independentemente das suas condições

materiais e de sua capacidade laboral, seus

aspectos subjetivos, o conjunto de crenças e

valores que norteiam seu modo de vida e,

essencialmente, como o indivíduo se sente

em seu contexto.

Para Nordenfelt (1994, apud

ALBUQUERQUE, 2003, p. 47) é “essencial”

considerar os “aspectos da vida” do

indivíduo. No entanto, diante da

impossibilidade de estudar todos eles, o

autor cita como principais os seguintes:

a) O aspecto de experiência da vida,

compreendendo a soma total das sensações,

percepções, atos cognitivos, emoções e

humores; b) as atividades realizadas, qual

seja, a soma total das ações de uma pessoa;

c) as realizações na vida, significando a

soma total dos resultados das ações de uma

pessoa; d) os eventos da vida de uma

pessoa, aqueles de que o indivíduo está

ciente ou que são atribuídos a ele; e) as

circunstâncias da vida, tanto aquelas de que

o indivíduo está consciente, quanto as que

são atribuídas a ele, ou ambas. (Nordenfelt

1994. Apud ALBUQUERQUE, 2003, p. 47-

48).

Avaliar a qualidade de vida de uma pessoa

é, pois, uma tarefa das mais complexas, visto

que envolve elementos tangíveis e

intangíveis, dimensões diversas de uma

mesma vida, de um mesmo indivíduo, e isso

a faz imensurável, possibilitando apenas

avaliá-la a partir da percepção do sujeito,

como sugere o próprio conceito construído

pela OMS.

A seguir, será apresentado o conceito de

aposentadoria cujos significados têm origem

em contextos diversos.

4 APOSENTADORIA

A aposentadoria é um momento ímpar na

vida de uma pessoa. É quando se rompem

importantes vínculos construídos ao longo de

mais de três décadas de existência: o

emprego, os colegas, o ambiente

socioinstitucional e sua cultura, seus hábitos

e rotinas ficam para trás. Um momento de

decisões, de escolher novas maneiras de

ocupar o tempo e de manter em atividade as

capacidades física e intelectual. Uma

oportunidade de desenvolver ou não, novas

habilidades.

Não foi encontrado na revisão de literatura

para este estudo um conceito ou definição de

aposentadoria, mas concepções teóricas

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acerca da relação dos indivíduos com o

processo de aposentadoria.

Aqui conceitua-se aposentadoria como

um direito social de natureza contributiva

associado ao conceito de seguridade social,

cuja garantia se faz mediante a política da

Previdência Social, sendo a sua efetivação

atrelada a critérios e exigências legais que

não serão aqui elencados, visto que é o seu

significado social que vai protagonizar este

tópico.

Sobre o termo aposentar, Zanelli, Silva e

Soares se mostram “estarrecidos” com os

sinônimos encontrados em dicionários, para

o verbo. Registra-se abaixo, a indignação dos

autores:

[...] No presente contexto, o que mais

estarrece é “pôr de parte, de lado”. O que

é posto de parte, de lado? Aquilo que já

não presta ou que perdeu a utilidade.

Aposentar-se também pode ser

interpretado como “recolher-se aos

aposentos”. Novamente a imagem é de

reclusão ou retirada. Em um sentido de

auxílio ou socorro, aparece “abrigar,

agasalhar, acolher” (Ferreira, 2004, apud

ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 30-

31).

Depreende-se da leitura acima que a

definição do termo supramencionado

contribui para o misticismo que envolve as

relações entre alguns trabalhadores e a

aposentadoria, nos últimos anos da carreira

profissional.

Já a definição jurídica do termo

aposentado é assim apresentada: “Pessoa

que, em virtude de ter cumprido tempo de

serviço que a lei exige, por incapacidade ou

por invalidez, permanente ou não, deixa de

trabalhar e passa a receber proventos12 da

Previdência Social”. (HOEPPNER – org.

2008, p. 52).

Sobre a experiência da aposentadoria no

contexto do capitalismo, Zanelli, Silva e

Soares mencionam:

No modo de produção da sociedade na

qual existimos, que, em geral,

supervaloriza a produção e aliena o

trabalhador do processo produtivo, a

aposentadoria é experienciada como a

perda do sentido da vida, configurada

como uma espécie de morte social

(ZANELLI, SILVA e SOARES, 2010, p. 29). 12 Os proventos de que se trata acima são relativos aos motivos que culminaram na aposentadoria do trabalhador e às regras que regem o regime previdenciário ao qual está associado. Informações sobre tais regimes e seus respectivos benefícios podem ser encontradas no site do Ministério da Previdência Social. Neste trabalho, em capítulo específico, serão abordados os Regimes Próprios de Previdência Social.

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Os autores acima aludem à concepção

marxista, segundo a qual o trabalho, realizado

mediante instrumentos que não pertencem ao

trabalhador, mas ao capitalista, sai da

perspectiva ontológica emancipatória e passa

a significar instrumento de exploração de

uma classe sobre a outra e de mistificação

do próprio conceito em questão.

Assim, sob a ideologia capitalista da

produção e do consumo, o homem sacraliza

o trabalho, única via de atender às

necessidades criadas pelo mercado produtor

e adotadas pela massa popular como suas. O

poder ideológico do sistema produtivo é tão

forte que transforma o supérfluo em

necessidades básicas. Sob essa mística os

indivíduos introjetam a idéia de que quanto

mais trabalham, mais felizes são.

Deste modo, legitima-se na vida de alguns

indivíduos a centralidade do trabalho, em

torno do qual se gestam e desenvolvem-se

suas relações sociais, seus hábitos e rotinas.

Contraditoriamente, esse trabalho alienante,

mediante o qual o indivíduo é explorado,

estabelece uma estabilidade emocional, de

modo que pensar o futuro sem ele pode ser

bastante desconfortável, motivo pelo qual,

alguns trabalhadores em fim de carreira

preferem não pensar, consequentemente,

aposentam-se sem saber o que vão fazer de

suas vidas daí em diante.

Para tais trabalhadores, as abstrações

sobre o futuro são sempre permeadas por

sentimentos de insegurança, posto que a

lógica de suas vidas será supostamente

interrompida ao romper-se os vínculos e

paradigmas que por mais de trinta anos a

nortearam.

Não raro se houve falar: “tudo o que tenho

e que sou devo ao meu trabalho”. Isso

expressa o lócus privilegiado do trabalho no

processo de construção da identidade social

do indivíduo, em detrimento de aspectos

igualmente importantes que durante toda a

vida laboral foram negligenciados, entre eles,

os que sustentarão a sua identidade social na

vida pós-carreira.

Deste modo, o direito a aposentadoria

transforma-se para alguns, em uma ação

obrigatória que tende a ser adiada até a

desvinculação compulsória da instituição,

que vem acompanhada por sentimentos de

inutilidade por sentir-se descartado da

organização de trabalho para a qual

colaborou durante boa parte da sua vida.

Esse processo de transição forçada para uma

nova etapa da vida envolve, segundo Zanelli,

Silva e Soares as seguintes reflexões:

Se sou o que faço, se não faço mais,

quem eu sou? [...] Significa para o

descartado a perda da posição, dos

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amigos, do núcleo de referência, a

transformação dos valores, das normas e

das rotinas e a submissão a condições

que agridem a auto-estima e a imagem de

si mesmo [...], colocando em xeque a

identidade pessoal. (ZANELLI, SILVA e

SOARES, 2010, p. 31).

Assim, diante da complexidade desse

processo, cabe às organizações de trabalho

abrir aos trabalhadores espaços de reflexão

sobre o futuro, a fim de contribuir com os

mesmos para o desenvolvimento de

habilidades que agreguem valores à sua vida

pessoal, os quais deverão servir-lhe de

aporte durante a vida laboral e depois dela.

Tais espaços de reflexão podem ser

criados a partir da instituição de programas

de orientação para aposentadoria,

denominação que convém ser substituída por

programas de orientação para o pós-carreira

a fim de evidenciar que a aposentadoria é só

o fim de uma etapa do desenvolvimento

humano e social e não o fim deste.

CONCLUSÃO

Os dados levantados para a

fundamentação deste artigo permite concluir

que o trabalho é de fato elemento central na

formação da identidade social dos indivíduos

e é a relação entre ambos que determina a

qualidade de vida que se tem durante a

carreira e após a aposentadoria.

A centralidade do trabalho na vida das

pessoas, fenômeno predominante na

sociedade ocidental, prejudica outros

aspectos igualmente importantes para a

existência humana, entre eles, o cuidado com

a saúde e o desenvolvimento de atividades

alternativas que contribuiriam sobremaneira

para o processo de construção da identidade

social do indivíduo, evitando assim, a crise

identitária no pós-carreira.

A supervalorização da atividade

remunerada com vínculo formal é um

fenômeno que não se harmoniza com o atual

contexto socioeconômico global, no qual a

influência do capitalismo neoliberal e o

domínio tecnológico sobre atividades, antes

exercidas só por humanos, vêm

progressivamente precarizando as relações

de trabalho; adaptações serão necessárias à

sobrevivência futura, visto que tende o

agravamento do desemprego estrutural e a

crescente flexibilização dos contratos de

trabalho, com a consequente redução da

estabilidade, mesmo para os trabalhadores

do setor público.

A revisão de literatura indica que o

surgimento de novos fenômenos sociais

advindos da evolução tecnológica e das

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108

transformações no setor econômico gerou

inquietações e debates que culminou na

origem da expressão qualidade de vida, bem

como na construção do seu conceito.

Assim, considerando-se que as

transformações nos setores tecnológico e

econômico não cessam, pois constituem-se

em um processo progressivo que repercutirá,

gradualmente, na vida dos indivíduos

gerando fenômenos cada vez mais

complexos, supõe-se possível a evolução

deste conceito nas gerações futuras, pois,

como já se viu anteriormente, os conceitos

não são verdades estáticas; ganham

diferentes conotações no decorrer dos

tempos e na diversidade de culturas que

coexistem na composição dos grupos

sociais.

A partir do estudo dos conceitos de

trabalho e de aposentadoria, verificados os

significados diversos atribuídos a esses

conceitos, depreende-se que a transição da

fase de labor remunerado para a fase de

usufruto das conquistas, fase tão propícia ao

processo de desconstrução/construção de

valores é muitas vezes concebida como uma

espécie de morte social.

No entanto, o mesmo estudo permite

concluir que, longe dessa perspectiva

mistificada a aposentadoria é,

simbolicamente, o primeiro dia de uma nova

fase do desenvolvimento humano cujo

sucesso requer planejamento prévio, como o

requereu a fase anterior, aquela, de trinta

anos atrás para a qual o indivíduo se muniu

de seus melhores instrumentos: o ingresso

no primeiro emprego.

Todo indivíduo deve desenvolver

atividades paralelas ao emprego, para

manutenção da saúde, complemento de

renda ou para seu próprio prazer. Deve

planejar seu futuro, procurando desenvolver

habilidades que lhe assegurem um aporte

financeiro e social no pós-carreira, pois disto

depende a sua qualidade de vida naquela

etapa de sua vida.

O trabalho é bom, porém, ao se tornar o

mais relevante dos elementos pode

converter-se em uma neurose, ao passo que

sua ausência também seria prejudicial ao

desenvolvimento biopsicossocial. O mesmo

se aplica ao tempo livre. Este deve ser

planejado para não se converter em tempo

perdido.

No que tange ao conceito de qualidade de

vida, pode ser entendido como a maneira que

o indivíduo se percebe em meio a seus

valores e princípios, sua cultura, suas

alegrias e seus dissabores, não sendo a

ausência desse ou daquele aspecto que vai

determiná-la, mas a maneira como cada um

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109

se posta frente a ele e o grau de relevância

que atribui-lhe à sua vida.

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111

Capítulo IX

O ENADE como Indicador de

Qualidade é uma Farsa

O ENADE como Indicador de Qualidade é uma Farsa

Carlos Joel Pereira1

No dia 17 de novembro de 2011, o

MEC divulgou o famigerado resultado do

ENADE, e com ele, dois índices que o

denominamde Índice Geral de Cursos- IGC

e Conceito Preliminar de cursos, CPC,

estes últimos criados a margem da Lei,

por ato administrativo denominado de

Portaria.

A imprensa em geral, desconhecedora

do processo de avaliação e da

sistematização legal da avaliação do

Ensino Superior Brasileiro, em manchetes

manifestamente equivocadas, atribuiu o

resultado deste exame como reprovação

das instituições de ensino, com lesão

direta na imagem das instituições e de

todo um esforço que movimenta e agrega

aproximadamente 80% dos estudantes

matriculados no ensino superior, bem

como, de egressos, que oriundos destas

instituições, vêem-se marginalizados por

uma atribuição de conceitos

completamente fora da realidade das

instituições e da própria avaliação in loco,

realizadas pelo MEC/INEP em todas as

instituições listadas. 1Advogado, gestor de instituicao de ensino e Diretor de Comunicaçao da ABAMES - Associaçao Baiana de Mantenedores do Ensino Superior.

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112

O que é o ENADE? Como a sigla já

ilustra, é o EXAME NACIONAL DO

DESEMPENHO DOS ESTUDANTES, e se

compõe do preenchimento por estes de

um questionário sobre estrutura e projeto

pedagógico, além de uma prova focada na

área das diretrizes do curso para o qual

foram aqueles estudantes selecionados.

Para a composição destes índices, o

questionário e a prova, montam em

aproximadamente 80% da composição

geradora destas notas e, os demais 20%,

tomam como atributos a base de dados

cadastrados no censo do ensino superior

no exercício anterior ao do gerador do

índice.

Portanto, o exame de estudantes, sem

atribuição de qualquer conseqüência na

vida do mesmo, não pode em nenhuma

hipótese gerar conceito da instituição de

ensino. O estudante para cumprir a

obrigação, basta comparecer no local da

prova e assinar a lista de presença,

respondendo ou não a mesma, já estará

com a obrigação atendida e nenhuma

conseqüência lhes será atribuída,

contudo, quer a burocracia do MEC utilizar

este equivoco como conceito de

instituições e de cursos e de forma pouco

transparente ainda publicam como se esta

conduta teratológica, fosse realmente uma

avaliação.

O Enade, instituído na Lei que

disciplina a regulação do ensino superior,

em nenhum momento autorizou o seu uso

para a geração de índices ou indicadores

de cursos ou instituições e, como não

integra a avaliação acadêmica do

estudante, já que esta nota não se insere

no histórico do estudante, ou mesmo o

seu resultado o impede de exercer a

profissão, caso não responda a prova ou

a responda sem responsabilidade

necessária, é obvio que não pode ser esta

prova séria, muito menos poderá com

base na mesma, construído ser qualquer

indicador de qualidade. Para ilustrar,

transcreve-se o que diz a lei: Art. 5o A

avaliação do desempenho dos estudantes

dos cursos de graduação será realizada

mediante aplicação do Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes – ENADE e

no parágrafo primeiro dispõe:

O ENADE aferirá o desempenho dos

estudantes em relação aos conteúdos

programáticos previstos nas diretrizes

curriculares do respectivo curso de

graduação, suas habilidades para

ajustamento às exigências decorrentes

da evolução do conhecimento e suas

competências para compreender temas

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exteriores ao âmbito específico de sua

profissão, ligados à realidade brasileira

e mundial e a outras áreas do

conhecimento, portanto, não é

instrumento de avaliação de IEs ou de

cursos, muito menos, autorizado esta a

ser utilizados como atributo para a

geração de indicadores.

IGC e CPC, são indicadores

absolutamente marginais, estão a margem

da lei e extrapola os limites da

regulamentação. Desse modo, criam

óbices e restrições de direitos de pessoas

jurídicas legalmente constituídas e

atuantes na forma prevista no

ordenamento positivo nacional, com

imposição de penalidades absolutamente

ilegal. O ensino superior brasileiro está

regulado a sua avaliação pela Lei n.⁰

10.861/2004, e quando disciplina a forma

de avaliar as instituições de ensino

superior, fixou as regras no Art. 3oque

assim dispõe:

A avaliação das instituições de

educação superior terá por objetivo

identificar o seu perfil e o significado

de sua atuação, por meio de suas

atividades, cursos, programas, projetos

e setores, considerando as diferentes

dimensões institucionais, dentre elas

obrigatoriamente as seguintes:

I – a missão e o plano de

desenvolvimento institucional;

II – a política para o ensino, a

pesquisa, a pós-graduação, a extensão

e as respectivas formas de

operacionalização, incluídos os

procedimentos para estímulo à

produção acadêmica, as bolsas de

pesquisa, de monitoria e demais

modalidades;

III – a responsabilidade social da

instituição, considerada especialmente

no que se refere à sua contribuição em

relação à inclusão social, ao

desenvolvimento econômico e social, à

defesa do meio ambiente, da memória

cultural, da produção artística e do

patrimônio cultural;

IV – a comunicação com a sociedade;

V – as políticas de pessoal, as

carreiras do corpo docente e do corpo

técnico-administrativo, seu

aperfeiçoamento, desenvolvimento

profissional e suas condições de

trabalho;

VI – organização e gestão da

instituição, especialmente o

funcionamento e representatividade

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dos colegiados, sua independência e

autonomia na relação com a

mantenedora, e a participação dos

segmentos da comunidade

universitária nos processos decisórios;

VII – infra-estrutura física,

especialmente a de ensino e de

pesquisa, biblioteca, recursos de

informação e comunicação;

VIII – planejamento e avaliação,

especialmente os processos,

resultados e eficácia da auto-avaliação

institucional;

IX – políticas de atendimento aos

estudantes;

X – sustentabilidade financeira, tendo

em vista o significado social da

continuidade dos compromissos na

oferta da educação superior.

Portanto, fixou de forma objetiva como o

Conceito Institucional de uma IES é

construído. Quando disciplinou o Conceito

de curso, também de forma objetiva fixou

as regras que as instituições precisam

percorrer para ser considerada de boa

qualidade, estando assim parametrizada.

Neste sentido, o Art. 4º, dispõe que:

A avaliação dos cursos de graduação

tem por objetivo identificar as

condições de ensino oferecidas aos

estudantes, em especial as relativas ao

perfil do corpo docente, às

instalações físicas e à organização

didático-pedagógica.

Os paragrafos 1º e2º apontam de

forma objetiva e com exclusividade, quais

os requisitos desta avaliação, assim se

posicionando: “A avaliação dos cursos de

graduação utilizará procedimentos e

instrumentos diversificados, dentre os

quais obrigatoriamente as visitas por

comissões de especialistas das

respectivas áreas do conhecimento”.

Em sequencia, possibilitou a atribuição

do conceito de curso, assim, dispondo: “A

avaliação dos cursos de graduação

resultará na atribuição de conceitos,

ordenados em uma escala com 5 (cinco)

níveis, a cada uma das dimensões e ao

conjunto das dimensões avaliadas.”

Portanto, as instituições ou os cursos

para fins de atribuição de conceitos,

somente poderão se avaliados por

especialistas em visita in loco. É o que a

lei determina.

Logo, é de se perceber que a lista

publicada como indicadora de qualidade

de instituições de ensino superior no

Brasil é uma fraude, é enganosa,

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completamente disforme de todas as

avaliacoes in loco executadas pelo proprio

MEC/INEP, quando das avaliações com

fins de recredenciamento ou quando das

autorizações, reconhecimento ou

renovação de reconhecimento de cursos.

Como o MEC nãotem tido estrutura e

capacidade material de visitar in loco o

conjunto das instituições brasileiras, a

margem da lei, criou indicadores

subjetivos, inquisitórios e completamente

tabulados na estrutura obscura da

burocracia ideológica, para marginalizar

um segmento que democratizou a

educação no Brasil e permitiu que milhões

de pessoas, antes a margem da formação

acadêmica, passassem hoje a desfrutar

de formação superior e assim, se inserir

socialmente no mundo profissional.

Extra oficialmente, ouve-se dizer que

estes instrumentos construidos na

burocracia do MECtinha por objetivo

responder a incapacidade fisica do órgão

estatal em processar o volumoso número

de avaliações que o sistema passou a

exigir, criando assim, mecanismo

basicamente por amostragem, uma

situação que alem de ilegal, posssibilita

que edificado sejam ações que mascarem

a realidade fática das instituições,

somente possivel de ser verificada com a

avaliação in loco, procedimento estalecido

na lei e por conseguinte, o único que

obriga as IEs a respeitar e seguir.

Nós que atuamos na formação

acadêmica, nos sentimos ultrajados

quando o estado brasileiro, por inércia,

excesso de burocracia, falta de estrutura

ou vícios ideológicos, busca chamar a

atenção da sociedadecom falsos

indicadores.

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Capítulo X

O Teletrabalho Escravo

O TELETRABALHO ESCRAVO

Manuel Martin Pino Estrada1

Sumário:1.- Introdução. 2.- Definição de

teletrabalho e teletrabalhador. 3.- Natureza

jurídica do teletrabalhoe a lei 12551 de

2011. –4.- Os mundos virtuais e o

teletrabalho no Supremo Tribunal Federal e

no Tribunal Regional do Trabalho de

Minas Gerais. 5.- Horários flexíveis. – 6.-

O teletrabalho escravo.- 6.1. O teletrabalho

escravo: definição e características – 7.-

A lesão ao direito ao lazer. Dever de

indenizar. - 8. Conclusão. – 9.-

Bibliografia.

RESUMO

O presente artigo visa mostrar para o leitor

sobre como a flexibilidade dos horários no

regime de teletrabalho pode ser uma

armadilha para o teletrabalhador se este

não for bem orientado ou se este tiver

muito trabalho para fazer usando o pouco

tempo livre que possui além das oito

horas diárias, acontecendo normalmente

nas empresas de informática através das

metas, felizmente a Justiça do Trabalho

está fazendo valer o que a nossa Carta

Magna determina.

1Formado em Direito na Universidade de São Paulo (USP) / Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) / Professor de Direito do Trabalho e Direito Informático em Salvador - Bahia

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Palavras-chave: Teletrabalho –

Teletrabalhador – Escravidão Digital

ABSTRACT

This article aims to show the reader how

the flexibility of time in teleworking can be

a trap for the teleworker if it is not well

targeted or if it has much work to do using

what little free time they have besides

eight hours daily, usually going through

the computer companies of the goals,

hopefully the Labor Court is enforcing

what our Constitution requires.

Keywords: Telework – Teleworker –

Digital Slavery

1- Introdução

O presente artigo trata sobre a

escravização do teletrabalhador nas

empresas que usam a telemática como

ferramenta de trabalho, o que é algo

crescente no mercado laboral, isso porque

as pessoas jurídicas estão percebendo

mais vantagens nesta forma de trabalho

do que manter seus trabalhadores nas

quatro paredes da sede das empresas e

além disso, correndo o risco de não ter

uma boa produtividade, afinal estes terão

que enfrentar o trânsito caótico das

grandes cidades, perigo de acidentes e

eventos climáticos, provocando stress e

cansaço antes mesmo do início do horário

de expediente, porém, muitos

empregadores estão abusando de seus

subordinados, fazendo que estes

trabalhem além das 44 horas semanais

permitidas pela nossa atual Carta Magna.

Outrossim, o presente trabalho faz uma

abordagem jurídica dos mundos virtuais e

do próprio teletrabalho nos Tribunais do

Brasil com a sua respectiva

jurisprudência, ou seja, tanto Ministros

como Desembargadores estão tendo

interesse pelos temas tratados a seguir.

2- Definição de teletrabalho e

teletrabalhador

Segundo a Organização Internacional

do Trabalho (OIT) o teletrabalho é

qualquer trabalho realizado num lugar

onde, longe dos escritórios ou oficinas

centrais, o trabalhador não mantém um

contato pessoal com seus colegas, mas

pode comunicar-se com eles por meio

das novas tecnologias.

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Conforme a Carta Européia para o

Teletrabalho, “é um novo modo de

organização e gestão do trabalho, que tem

o potencial de contribuir significativamente

à melhora da qualidade de vida, a práticas

de trabalho sustentáveis e à igualdade de

participação por parte dos cidadãos de

todos os níveis, sendo tal atividade um

componente chave da Sociedade da

Informação, que pode afetar e beneficiar a

um amplo conjunto de atividades

econômicas, grandes organizações,

pequenas e médias empresas,

microempresas e autônomos, como

também à operação e prestação de

serviços públicos e a efetividade do

processo político” 2.

O autor do presente artigo define o

teletrabalho como a transmissão da

informação conjuntamente com o

deslocamento do trabalhador, através de

antigas e novas tecnologias da

informação, em virtude de uma relação de

trabalho, permitindo a execução à

distância, prescindindo da presença física

do trabalhador em lugar específico de

trabalho.

2 GBEZO, Bernard E. Otro modo de trabajar: la revolución del teletrabajo. Trabajo, revista da OIT, n. 14, dez de 1995.

Do mesmo jeito, o feitor do presente

trabalho define “teletrabalhador” como

aquela pessoa que desenvolve atividades

laborais através de antigas e novas

tecnologias de informação e

comunicação, distante da sede da

empresa ou da pessoa física à qual presta

serviços.

3- Natureza jurídica do teletrabalho e a

lei 12551 de 2011

Como parte do mundo do direito,

quando surgem novas formas de trabalho,

é tarefa do estudioso do direito do

trabalho determinar a natureza jurídica

desta, incluindo-as em alguma das

categorias legais existentes, e em caso de

ser impossível, fazer uma reclamação ao

legislativo para que determine seus

parâmetros.

Uma análise pode nos levar ao art 6.º

da CLT, que antes de dezembro de 2011

éra assim:.

Art. 6.º Não se distingue entre o

trabalho realizado no estabelecimento

do empregador e o executado no

domicílio do empregado, desde que

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esteja caracterizada a relação de

emprego.”

Como é percebido, as definições

citadas supra nos mostram praticamente a

definição do empregado a domicílio, mas

como já vimos anteriormente com

acepções e classificações bem claras,

esta não abrange totalmente o

teletrabalho, porque o trabalho a domicílio

não é propriamente teletrabalho, nem vice-

versa.

Somente a análise das condições

concretas de execução da prestação de

serviços iria determinar a natureza jurídica

do teletrabalho, porque dependendo disso,

poderia conter aspectos cíveis, comerciais

ou trabalhistas, e claro está que devemos

determinar também se estão presentes os

requisitos que configuram a relação de

emprego como trabalho prestado por

pessoa física, de forma não eventual;

onerosidade; subordinação e

personalidade.

Com a lei 12551 de 16 de dezembro de

2011, o art. 6º ganhou outra forma mais

“moderna”, como a que segue:

“Art. 6o Não se distingue entre o

trabalho realizado no estabelecimento

do empregador, o executado no

domicílio do empregado e o realizado a

distância, desde que estejam

caracterizados os pressupostos da

relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos

e informatizados de comando, controle

e supervisão se equiparam, para fins

de subordinação jurídica, aos meios

pessoais e diretos de comando,

controle e supervisão do trabalho

alheio.”

Como é visto, a lei permite uma

extensão do artigo em questão para que o

trabalho à distância seja tanto em

domicílio como em qualquer lugar

escolhido pelo teletrabalhador, porém,

trata-se do teletrabalho subordinado, não

do autônomo e como tal este tipo de

trabalhador mantém os direitos

trabalhistas como qualquer outro,

inclusive o direito às horas extras que o

parágrafo único do artigo 6º do Projeto de

Lei 4505/08 do Deputado Federal Paulo

Veloso Lucas quer tirar alegando que “não

se contempla o direito às horas extras ao

teletrabalho em virtude da dificuldade de

fiscalização”, o que não tem cabimento,

além disso, é inconstitucional este

posicionamento, indo contra o art. 7º,

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inciso XIII da Constituição Federal que

trata do direito às horas extraordinárias

para todo trabalhador, incluindo o

teletrabalhador obviamente.

Salienta-se que não é necessária uma

lei sobre teletrabalho, pois o Direito do

Trabalho do Brasil consegue resolver

questões sobre o tema, há jurisprudência

consistente surgindo nos Tribunais

Regionais do Trabalho e sentenças

envolvendo o trabalho à distância via

internet. Do ponto de vista do autor, muito

parlamentar quer “criar” algo que já existe.

4- Os mundos virtuais e o teletrabalho

no Supremo Tribunal Federal e no

Tribunal Regional do Trabalho de Minas

Gerais

O mundo virtual segundo Henry

Lefebvre em 1991 no artigo “The

productionof Space”, tem como

característica aparecer na tela de um

computador ou laptop, parecido com o

mundo físico, reproduzido através de

coordenadas, configurando o planeta

Terra em três dimensões, mas aqui

também existem pessoas, que são

representadas pelos seus avatares,

consequentemente neste lugar formar-se-

ão interações sociais entre estes

habitantes, ou seja, relações dinâmicas

diferentes criadas pela tecnologia e que

pela dialética estas multiplicar-se-ão,

provocando contratos com direitos e

obrigações. Existem aqui manifestações

diversas como a greve virtual de avatares

enfrente da sede virtual da Ibm italiana no

Second Life, acontecida em 27 de

setembro de 2007, tendo como resultado

um acordo coletivo (norma jurídica), o que

tornou o sindicato mais unido ainda,

segundo Bruce Robinson no artigo

“Labour´sSecond Life: from a virtual

striketounionisland” e outras como

panfletagem virtual eleitoral, lançamento

de filmes, shows ao “ar livre” etc.

Segundo Nick Bostrom no artigo “Are

you living in a computersimulation?” no

departamento de Filosofia da Universidade

de Oxford na Inglaterra afirma que nós,

seres humanos na verdade somos

avatares, pois estes (os avatares) são

criados e podem ter independência

através de criação de um perfil, tendo uma

personalidade própria, podendo ser

programados para trabalhar no mundo

virtual, como é o caso do avatar T-Pink,

criado pelo programador André Vieira, que

recruta trabalhadores no Second Life.

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O nosso Supremo Tribunal Federal (STF),

começou a tentar uma definição ao

mundo virtual, isso aconteceu na Arguição

de Descumprimento de Preceito

Fundamental 130/DF – DISTRITO

FEDERAL, o relator foi o Ministro Carlos

Britto, e o julgamento foi em 30 de abril de

2009, mencionando “Silenciando a

Constituição quanto ao regime da internet

(rede mundial de computadores), não há

como se lhe recusar a qualificação de

território virtual livremente veiculador de

idéias e opiniões, debates, notícias e tudo

o mais que signifique plenitude de

comunicação”.

O Tribunal Regional do Trabalho do

Estado de Minas Gerais no acórdão no

qual o relator foi o desembargador Luiz

Otávio Linhares Renault, e cujo julgamento

do recurso ordinário foi publicado em 26

de abril de 2006, menciona “A internet

tornou o mundo virtual e sensorialmente

menor e, por conseguinte, concretamente

mais próximo, em termos de informação,

de comunicação e de um comércio, há

muito, denominado de comércio

eletrônico, em determinadas áreas, como

é o caso das empresas virtuais e o email

com uma das inúmeras facetas deste

admirável e inesgotável mundo novo das

comunicações e das relações entre os

homens, constituindo a forma mais

moderna, segura, rápida, econômica,

eficiente e usual de intercâmbio entre as

pessoas”.

Estas duas decisões acima

demonstram o interesse que aos poucos

estão tendo os magistrados brasileiros

sobre temas importantes como os

mundos virtuais, tentando defini-los

juridicamente, o que vai ser muito bom,

considerando o volume de relações que

acontecem na rede mundial de

computadores, se bem que seria também

de laptop, netbook, celulares,

smartphones, ipads e afins.

No âmbito do teletrabalho, como o

autor definiu anteriormente no resente

artigo o define como uma forma de

trabalho na qual são usadas ferramentas

antigas e novas de comunicação e

telecomunicação, incluindo a internet,

podendo ser uma alternativa para tentar

resolver os congestionamentos nas

grandes cidades, minimizando os danos

ambientais, evitando mais acidentes,

consequentemente menos mortes, mas

claro, isso não é bom para empresas, que

criam pontes, viadutos metrôs e nem para

as fábricas de carros, inclusive, em São

Paulo e no Rio de Janeiro muitas

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empresas sugeriram aos seus

trabalhadores ficarem em casa

trabalhando via internet devido às fortes

chuvas.

A ideia de teletrabalho surgiu com Jack

Nilles, propondo que em vez de o

trabalhador ir para o trabalho, deveria ser

o contrário, ou seja, o trabalho deve ir até

o trabalhador, e atualmente com a internet

estamos indo muito longe, tanto que

VintonCerf, está fazendo um projeto na

NASA chamado Interplanet, ou seja, em

vez de termos uma internet terráquea,

num futuro muito breve teremos uma

internet interplanetária, onde uma nave

espacial, uma estação espacial ou alguém

que esteja na lua ou noutro planeta

estariam todos conectados através de

uma grande rede de telecomunicação.

No Brasil temos o Tribunal de Contas

do Estado do Rio Grande do Sul, onde o

teletrabalho já está sendo usado desde

1988 começando com o telefone e o fax,

considerando o aumento do serviço e o

pouco espaço disponível para ter mais

funcionários decidiram criar o auditor

externo e que atualmente usa a internet e a

cada 15 dias vai para a sede física do

Tribunal com o intuito de pegar mais

processos.

O Tribunal Regional do Trabalho de Minas

Gerais tem a seguinte decisão publicada

em 17 de dezembro de 2010 e o relator

foi o desembargador Milton Vasques

Thibau de Almeida.

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. A

prestação de serviços naresidência do

empregado não constitui

empecilhoaoreconhecimento da relação

de emprego, quando presentes

ospressupostos exigidos pelo artigo 3º da

CLT, visto que ahipótese apenas evidencia

trabalho em domicílio. Aliás,considerando

que a empresa forneceu equipamentos

para odesenvolvimento da atividade, como

linha telefônica, computador,impressora e

móveis, considero caracterizada hipótese

deteletrabalho, visto que o ajuste envolvia

execução deatividade especializada com o

auxílio da informática e

datelecomunicação.

Neste, caso, o artigo 3º da CLT define

o que é o empregado, como um

trabalhador sujeito à subordinação,

consequentemente haverá relação de

emprego, independentemente se é à

distância ou não, usando internet ou rádio.

É importante salientar que o juiz do

trabalho não quer saber se há teletrabalho

ou não, o que ele ressalta é se existe

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relação de emprego para dar os direitos

trabalhistas respectivos. No acórdão

supracitado o teletrabalhador ganhou em

primeira instância e na segunda o

reclamado não apresentou recurso e em

22 de março do ano em curso, havendo

trânsito em julgado, não cabendo mais

recurso algum.

Como síntese é possível dizer que a

tecnologia avança muito rápido e a

jurisprudência aos poucos está tratando

sobre o tema, pois ainda existem juízes

escrevendo à mão, porém, existem outros

que falam e a máquina digita para eles3.

5- Horários flexíveis

São horas de trabalho móveis, que

permitem aos funcionários certa margem

de escolha sobre quando chegar e sair do

trabalho. Os funcionários precisam

trabalhar um número específico de horas

por semana, mas são livres para variar

seus horários de trabalho dentro de certos

limites.

Os benefícios potenciais do horário

flexível são muitos. Entre eles, inclui-se o

aumento da motivação e do moral dos

3 PINO ESTRADA, Manuel Martín. Os mundos virtuais e o teletrabalhonosTribunais Brasileiros: os casos do STF e do TRT de Minas Gerais. In Revista de Direito Trabalhista, ano 16, nº 05: Brasília:Consulex, 2010.

funcionários, redução de absenteísmo em

decorrência de se permitir melhor

equilíbrio entre responsabilidades com o

trabalho e com a família, e a possibilidade

de a organização recrutar funcionários

mais bem qualificados e mais

diversificados.

A principal desvantagem do horário

flexível é que ele não é aplicável a todo

cargo. Funciona bem no caso de tarefas

administrativas em que é pequena a

interação de um funcionário com pessoas

de fora de seu departamento. Não é uma

opção viável quando as pessoas

fundamentais devem estar disponíveis em

determinado horário padrão, quando o

fluxo de trabalho requer horário rígido ou

quando se necessitam de especialistas

para dar cobertura a todas as funções de

uma unidade.

A American Express Travel Services é

uma organização cuja experiência com

telecomutação tem sido muito positiva.

Em 1993, cem agentes de viagens da

AmEx em 15 localidades trabalhavam em

casa. A companhia conectou as casas

dessas pessoas ao telefone e à linha de

dados da American Express por módico

1300 dólares por agente, incluindo o

equipamento. Uma vez instalada a

tecnologia, as chamadas para o serviço

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de reserva da AmEx são diretamente

encaminhadas para os trabalhadores em

suas casas, onde eles podem consultar

tarifas e reservas em seus PCs.

Nem todos os funcionários aceitam a

idéia de trabalhar em casa. Depois do

enorme terremoto de Los Angeles de

1994, muitas empresas da cidade

começaram a oferecer telecomutação

para seus empregados. Ela foi aclamada

durante umas duas semanas, mas sua

popularidade logo decaiu. Muitos

reclamaram que estavam perdendo

reuniões importantes e interações

informais que geravam novas políticas e

idéias. A imensa maioria estava disposta a

suportar de duas a três horas de

transporte, enquanto pontes e rodovias

estavam sendo reconstruídas, a fim de

manter seus contatos sociais no trabalho4.

O teletrabalho em seus diversos tipos

oferece o trabalho flexível, ou seja, o

teletrabalhador poder escolher o horário a

desejar, sempre e quando cumpra com as

suas obrigações, para isso é necessário

ter um perfil, já explicado anteriormente

porque caso contrário não vai servir de

muita utilidade à empresa, apesar de

poder render mais produtividade conforme

4 ROBBINS, Stephen Paul. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2000.

mostram as pesquisas sobre esta forma

de trabalho e horário, pois afinal, as novas

tecnologias estão permitindo que a

organização do trabalho dê uma

reviravolta, fazendo com que o empresário

e até o próprio trabalhador descubram

novas maneira de como oferecer e

executar os seus serviços utilizando o

tempo, espaço e tecnologias ao nosso

favor.

6- O teletrabalho escravo

O uso de smartphone, iPad,

computador portátil e intranet provoca

debate sobre efeitos na vida dos

trabalhadores. Para economista da PUC-

RJ, jornada fora do ambiente do escritório

aumenta o bem-estar de profissionais. É o

caso da Beatriz quandoamamenta o bebê,

e responde aos e-mails do trabalho. O

marido se aborrece: "Você é explorada".

Ela dá de ombros. "Se o trabalho é flexível,

posso ficar mais tempo com as crianças."

Fora do escritório, a publicitária Beatriz

Magalhães, 32, gerente de uma agência

em São Paulo, não fica nem meia hora

sem acessar a internet no telefone celular.

"Minha caixa de entrada parece um

gremlin. Brota e-mail na tela. E é tudo

trabalho. Minha vida pessoal não é tão

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agitada", diverte-se. Smartphone, iPad,

computador portátil e intranets que

permitem acessar ambientes corporativos

remotamente tornaram-se instrumentos

fundamentais para os que têm cargo de

liderança, profissionais liberais ou para

quem está em ramos em que é preciso

estar disponível e ser ágil.

Mas esses "gadgets" -palavra da moda

para se referir a esses aparelhos- têm o

efeito de prolongar a jornada dos

trabalhadores. Sociólogos e juristas a

firmam que essa nova dimensão do

trabalho ainda não foi percebida com

clareza nem pelas empresas nem pelos

profissionais. "Esse trabalho não é

reconhecido, não é remunerado e não há

consciência crítica sobre ele", diz Marcio

Pochmann, presidente do Ipea (Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada) e

especialista em políticas de trabalho. Para

Pochmann, o modo como se organiza a

jornada de trabalho de profissionais

ligados ao conhecimento -que realizam o

chamado "trabalho imaterial"- coloca em

xeque a legislação. "Existem doenças que

ainda não são percebidas como doenças

do trabalho, como a depressão, que são

decorrentes desse ritmo frenético." O

economista José Márcio Camargo,

professor da PUC (Pontifícia Universidade

Católica) do Rio de Janeiro, discorda.

Segundo ele, a possibilidade de completar

uma parte da jornada fora do escritório

aumenta o bem-estar do trabalhador,

embora de fato possa elevar também o

número de horas dedicadas ao emprego.

"Há efeitos positivos e negativos das

novas tecnologias, mas não tenho dúvida

de que os efeitos positivos são maiores",

diz ele. Para o pesquisador, seria um

"desastre" se a legislação trabalhista

limitasse as possibilidades das novas

tecnologias. "Nesse caso, o trabalhador e

a empresa perderiam toda a liberdade e a

flexibilidade."

O juiz do trabalho Wilson Pirotta, titular

da 3ª Vara de Guarulhos (SP), relata já ter

julgado casos em que funcionários pedem

pagamento de hora extra pelo tempo

trabalhado via internet. Segundo ele, a

reclamação é comum entre empregados

de bancos. Pirotta diz que a legislação não

faz distinção sobre o lugar em que o

trabalho é feito e que as leis atuais podem

ser interpretadas a favor dos trabalhadores

nesses casos5.

5FORNETTI, Verena. A escravização digital

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me220

8201005.htm. Acesso em 28 de agosto de 2011.

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Aparelhos são "escravização digitalizada",

afirma sociólogo. O sociólogo da Unicamp

Ricardo Antunes, especializado em

relações de trabalho, afirma que a

liberdade da jornada à distância é apenas

aparente. "Se você ganha um

equipamento quando entra na empresa,

não é a libertação, mas a sua

escravização, ainda que digitalizada." O

processo combina salto tecnológico com

intensificação do trabalho. E com um

envolvimento maior do trabalhador. Eles

se embaralharam completamente. A partir

da era digital, o tempo de trabalho e o

tempo de não trabalho não estão mais

claramente demarcados. Significa que,

estando na empresa ou fora dela, esse

mundo digitalizado nos envolve durante as

24 horas do dia com o trabalho. O

trabalhador perde o sentido da vida fora

do trabalho. Aumentam os adoecimentos

e o estresse. A aparência da liberdade do

trabalho em casa é contraditada por um

trabalho que se esparrama por todas as

horas do dia e da noite. Não é viável que

se faça a contagem do trabalho imaterial

(que produz conhecimento) por horas,

como na fábrica, porque hoje o controle

não é mais por tempo estrito de trabalho,

e, sim, por produção. Se não realizou as

metas (que eram previstas), você deixa de

ser interessante para a empresa6.

Segundo Marcos Fernandes Gonçalves

a jornada de trabalho excessiva viola o

direito constitucional ao lazer segundo a

Declaração Universal dos Direitos

Humanos.

Declaração Universal dos Direitos

Humanos- Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à

livre escolha de emprego, a condições

justas e favoráveis de trabalho e à

proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção,

tem direito a igual remuneração por igual

trabalho.

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a

uma remuneração justa e satisfatória, que

lhe assegure, assim como à sua família,

uma existência compatível com a

dignidade humana, e a que se

acrescentarão, se necessário, outros

meios de proteção social.

6 ANTUNES Ricardo. Liberdade laboral aparente. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2208201008.htm. Acesso em 25 de agosto de 2011.

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4. Toda pessoa tem direito a organizar

sindicatos e neles ingressar para proteção

de seus interesses.

Direito ao Lazer (artigo 6º da

Constituição Federal brasileira). Em seu

ato constitutivo, a Organização

Internacional do Trabalho (OIT)

determinou que o trabalho não deve de ser

tido como mercadoria, pois a todos os

seres humanos deve ser assegurado o

direito de conquistar progresso material e

desenvolvimento social na liberdade e

dignidade, na segurança econômica e

com iguais possibilidades. Neste mesmo

ato, “férias” e o “lazer” são reconhecidos

como direitos naturais semelhantes aos

demais direitos econômicos e sociais7.

A propósito, dispõe o artigo 6º da

Constituição Federal que:

Art. 6º São direitos sociais a educação,

a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,

a segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na

forma desta Constituição. Assim, a 7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro : Ed. Campus, 1992.

Carta Magna brasileira coloca o lazer

lado a lado com a educação, saúde,

trabalho, segurança, previdência social,

proteção à infância e maternidade e

assistência aos desamparados.

Tratam-se, pois, de direitos humanos

fundamentais. E, de acordo com José

Maria Guix no livro de Amauri Mascaro

Nascimento, o lazer atende às

seguintes necessidades do ser

humano:

"a) necessidade de libertação, opondo-

se à angústia e ao peso que

acompanham as atividades não

escolhidas livremente;

b) necessidade de compensação, pois

a vida atual é cheia de tensões, ruídos,

agitação, impondo-se a necessidade

do silêncio, da calma, do isolamento

como meios destinados a

contraposição das nefastas

conseqüências da vida diária do

trabalho;

c) necessidade de afirmação, pois a

maioria dos homens vive em estado

endêmico de inferioridade, numa

verdadeira humilhação acarretada pelo

trabalho de oficinas, impondo-se um

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momento de afirmação de si mesmos,

de auto-organização da atividade,

possível quando dispõe de tempo livre

para utilizar segundo os seus desejos;

d) necessidade de recreação como

meio de restauração biopsíquica;

e) necessidade de dedicação social,

pois o homem não é somente

trabalhador, mas tem uma dimensão

social maior, é membro de uma

família, habitante de um município,

membro de outras comunidades de

natureza religiosa, esportiva, cultural,

para as quais necessita de tempo livre;

f) necessidade de desenvolvimento

pessoal integral e equilibrado, como

um das facetas decorrentes da sua

própria condição de ser humano"8.

Deveras, o lazer é direito natural,

semelhante aos direitos sociais, mas

poucos cidadãos têm acesso ao

descanso, recuperação de forças

físicas e psíquicas, afora momentos de

descontração. Para trabalhadores

menos qualificados, férias e lazer

8 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do Trabalho – 15ª ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 1998.

significam, por vezes, períodos extras

de atividades que possibilitam melhorar

o orçamento familiar. Dificilmente

gozam plenamente do lazer, pois

qualquer saída de casa implicaria em

gastos comprometedores de despesas

essenciais9.

6.1. O teletrabalho escravo: definição e

características

Para o autor do presente artigo, o

“teletrabalho escravo” é aquele que em

vez de ser realizado no mundo físico é

realizado na internet através de

ferramentas tecnológicas que permitem o

uso da telecomunicação e telemática,

privando ao teletrabalhador da sua

liberdade por causa do controle virtual

(mais ainda no teletrabalho em domicílio)

e que se encontra privado de romper o

vínculoem razão de coação moral ou

psicológica advinda de dívidas artificiais

contraídas com o empregador.

Salienta-se que o teletrabalhador

poderá ter escolha de lugar, na casa, no 9 GONÇALVES, Marcos Fernandes. Jornada de trabalho excessiva. Violação do Direito Constitucional ao Lazer. http://www.juslaboral.net/2009/03/jornada-de-trabalho-excessiva-violacao_31.html

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129

parque, na fazenda etc, porém, este ficará

preso ao computador ou laptop, ou seja,

não interessa o ambiente no qual o

teletrabalhador estiver, este terá que se

concentrar no trabalho, isolando-se de

seu entorno e cumprir as metas exigidas

pela empresa e justamente estas metas

que acabam por privá-lo de sua liberdade

de ir e vir, ou seja, o teletrabalhador se

este estiver em sua casa, vai dar atenção

ao seu filho, esposa ou ao trabalho?

O autor também elenca as seguintes

características:

1-O teletrabalhador fica isolado do

ambiente de trabalho e acaba

interiorizando os problemas do trabalho e

inserindo-os na sua casa.

2 - Se não tiver uma estrutura boa (as

empresas não procuram saber e nem

ajudar financeiramente com esta

estrutura) o teletrabalhador acaba

trabalhando em condições desfavoráveis,

ferindo ate a CLT.

3- Ansiedade, pois muitas vezes o

teletrabalhador fica sem serviço e não

pode sair e sempre esperando o que pode

aparecer.

4- Em muitos casos, o teletrabalhador tem

um aumento de peso devido a ficar em

casa sem ter exercício físico.

5- Dificuldade de concentração, caso a

casa tenha muitas pessoas morando e

mesmo sozinho, surgem problemas de

ansiedade, pois não tem ninguém

pra relaxar em outro tipo de conversa.

6- Afastamento do campo profissional

pelo isolamento do ambiente da sede

física da empresa.

7- Dificuldade pra demonstrar um acidente

de trabalho.

8- É necessária muita disciplina para

trabalhar em casa e geralmente as

empresas apenas

colocamteletrabalhadores sem pensar em

algum tipo de treinamento.

9- O teletrabalhador trabalha bem mais,

pois muitas vezes este já sabendo que

tem um problema a resolver no dia

seguinte,acaba ficando por conta própria

tentando resolver o problema.

10- Quem paga a luz do ar condicionado e

a energia elétrica com os aparelhos

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eletrônicos é o teletrabalhador, inclusive

este gasta dinheiro em transformar uma

dependência do lar em um filial da

empresa.

11 - A empresa acaba passando ao

teletrabalhador as despesas que esta

deveria ter, por isso que o teletrabalho é

muito vantajoso para a empresa, pois há

uma boa diminuição de despesas.

12- O teletrabalhador produz mais porque

tem mais carga de trabalho comparado

com aqueles que trabalham na sede física

da empresa e o pior é que não tem

nenhum aumento de salário por isso.

13- Pelo controle virtual à distância, a

fiscalização do empregador prende o

teletrabalhador no teclado, tanto que se

este não estiver trabalhando no ritmo

desejado, a máquina dá um aviso ou

trava, ficando registrado.

7- A lesão ao direito ao lazer. Dever de

indenizar

O artigo 927 do Código Civil impõe

àquele que causar dano a outrem o dever

de repará-lo. No caso em estudo, o

empregador, ao exigir excessiva carga de

trabalho do empregado, causa-lhe dano,

de ordem psíquica, social, e familiar.

Realmente, ao impedir o obreiro de gozar

direito ao lazer, laborando grande número

de horas extras, sem folgas e férias

regulares, o empregador furta-lhe não só o

convívio com sua família, mas, sua

dignidade, saúde e segurança. Mas, não é

só: exigência de jornada laboral excessiva

caracteriza método de gestão arbitrária,

que comporta reparação; por dano moral,

em razão do abalo psíquico; por dano

material, pelo efetivo impedimento do

gozo do pleno lazer, constitucionalmente

garantido. No entanto, essa teoria não é

aceita pacificamente, seja porque o artigo

6º, da Constituição Federal, careça de

regulamentação, seja porque, em tese, o

labor suplementar já estaria remunerado

pelos respectivos adicionais. Contudo, há

possibilidade de se aplicar à hipótese a

teoria da responsabilidade civil.

Problema de alta indagação é saber se

o fato de o empregador ter remunerado as

horas extras da jornada excessiva

impediria qualquer tipo de indenização já

que o empregado recebeu compensação”

pelo trabalho suplementar. Essa questão

não é fácil de ser respondida. Como

acontece no Direito, haverá mais de uma

corrente. Primeira corrente: o adicional de

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131

horas extras compensa a jornada

excessiva. Poder-se-á argumentar que o

adicional de horas extras já compensa o

desgaste sofrido pelo empregado; aliás, é

exatamente esse o fundamento de se

remunerar hora extraordinária com valor

superior ao da hora normal, ou seja,

compensar malefícios oriundos do

trabalho anômalo, que, pela própria

natureza, causa lesões físicas e psíquicas

no obreiro.

Por sinal, o mesmo ocorreria com

adicionais de insalubridade e

periculosidade; para esses institutos,

conforme consagrado na doutrina e

jurisprudência, o pagamento de valor

adicional tem, sim, o condão de

compensar as mazelas de se laborar em

condições insalubres e perigosas.

Pode-se defender, ainda, que o artigo

6º da Constituição Federal possui

conteúdo meramente programático, não

tendo relação direta com o contrato de

trabalho. Desse modo, a hipótese limitar-

se-ia ao âmbito da responsabilidade civil,

de modo que só responderia o

empregador, por lesão oriunda do trabalho

excessivo, se agisse com culpa, ou,

conforme o caso, pela teoria do risco. De

qualquer forma, o que seria jornada

excessiva? É sempre bom lembrar que a

Consolidação das Leis do Trabalho

estabelece limites à jornada suplementar.

Efetivamente, a legislação trabalhista

restringe o labor diário conforme os

seguintes dispositivos legais:

� labor diário: artigos 59 e 61, da

CLT;

� intervalointerjornadas: artigo 66,

da CLT;

� intervalointersemanal: artigo 67,

da CLT

Para a jornada de 8h o limite é, regra

geral, de 12h por dia: 8h contratuais, 2h

para o regime de compensação ou hora

extra (artigo 59), mais 2h em caso de

necessidade imperiosa (artigo 61),

podendo-se acrescentar até mais 2h, se

considerada a hipótese de força maior e

cumprimento de serviços inadiáveis (mas

o próprio artigo 61, § 2º, prevê limite de

12h diárias). Mauricio Godinho Delgado

(2009:807) entende que, mesmo sendo a

jornada inferior a 8 horas, o teto global é

de 10 horas diárias. Nesse raciocínio, o

empregado que cumpre jornada de seis

horas, por exemplo, poderia levar 4 horas

diárias para o Banco de Horas.

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132

Mas, o problema, aqui, não é tão-

somente o limite diário, mas, sim, a

continuidade do labor excessivo na

semana, mês, ano. É verdade que o artigo

137 da Consolidação das Leis do Trabalho

também prevê sanção para o ilegal

“trabalho nas férias” (o mesmo ocorre

para labor nas folgas e feriados,

consoante Lei 605/49), de maneira que,

em tese, prevaleceria o mesmo argumento

supra, isto é, a “compensação” pelo labor

suplementar ocorre pelo pagamento dos

acréscimos previstos na legislação

trabalhista. De toda sorte, verifique-se a

lição de ArionSayãoRomita: “As férias não

constituem um prêmio concedido pelo

empregador ao empregado, ante a

suposta boa conduta do trabalhador

durante o ano precedente, sem que

tivesse dado mais de trinta e duas faltas

ao serviço. Constituem, isto sim, um

direito, que lhe é garantido por lei, de não

trabalhar durante o período de gozo, sem

prejuízo do salário”10.

Segunda corrente: o adicional de horas

extras remunera o trabalho, mas, não

compensa malefícios do impedimento ao

lazer. Para outra corrente, pode-se

argumentar que o adicional de horas

extras não remunera lesões pelo

10 ROMITA, ArionSayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. – São Paulo :LTr, 2005.

impedimento de pleno gozo do lazer; paga

o adicional somente o trabalho realizado,

ou seja, a obrigação contratual, e não

eventuais lesões daí oriundas. Tanto isso

é verdade que, na hipótese do adicional de

insalubridade, por exemplo, o adicional

compensa o trabalho em condições

insalubres, mas, não doenças que daí

possam advir, tal que, se acometido o

empregado de moléstia do trabalho, em

razão de suas atividades para o

empregador, poderá este ser

responsabilizado civilmente, conforme

artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal,

pelo que indenizará o dano causado, por

culpa (se considerada a Teoria da

Responsabilidade Subjetiva), pelo risco

(se considerada a Teoria da

Responsabilidade Objetiva).

Mas, aí começam os problemas: é

objetiva a responsabilidade pelo

impedimento do gozo de pleno lazer? O

fato de o empregado laborar em jornada

excessiva tem, por si só, o condão de

gerar responsabilidade civil do

empregador? A efetiva lesão, que

porventura tenha sido causada pelo

excessivo labor, não teria de ser provada,

considerando elementos ensejadores da

responsabilidade civil (fato, dano, nexo

causal e culpa)? São questões que,

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realmente, poderão ensejar ampla dilação

probatória em eventuais ações judiciais.

De todo modo, uma das repostas a esse

problema, talvez, seja se considerar

responsabilidade objetiva do empregador,

não só porque o lazer é direito

fundamental, mas, especialmente, se

levado em conta o artigo 2º, da

Consolidação das Leis do Trabalho

(responsabilidade objetiva do empregador

pelos riscos do negócio, ou culpa

presumida, conforme Teoria da

Responsabilidade Contratual), já que o

empregado não cumpre horas extras

excessivas de modo unilateral e à seu

talante, sendo o patrão, a tanto,

responsável pelo abuso de direito (artigo

187 do Código Civil).

A Consolidação das Leis do Trabalho

permite a realização de horas extras, mas,

não de forma abusiva. A Teoria do Abuso

de Direito, que impõe respectivo dever de

indenizar (artigos 187 e 927 do Código

Civil), também, pode ser uma saída para a

espécie. Cumpre destacar que a

responsabilidade objetiva não é aceita de

maneira pacífica pela doutrina e

jurisprudência, de modo que a tese da

indenização por desrespeito ao lazer

poderá encontrar resistência. Não

obstante, se considerada como válida a

possibilidade de se responsabilizar

civilmente o empregador, por tolher direito

ao lazer do empregado, a par de terem

sido pagas, ou não, horas extras, cabe

reparação de dano, já que, nessas

condições, submete o empregado à

jornada extenuante de trabalho, causando-

lhe abalo ao patrimônio moral e material,

retirando-lhe o próprio descanso, convívio

com a família e meio social. Não bastasse

isso, a excessiva carga de trabalho pode

causar lesões físico-psíquicas,

notadamente estresse e síndrome do

pânico, doenças profissionais equiparadas

a acidente do trabalho.

Enfim, sob o ponto de vista prático, é

muito mais seguro fundamentar a hipótese

na Teoria da Responsabilidade Civil,

subjetiva ou objetiva, tratando diretamente

do dano: a jornada excessiva causou

lesão ao empregado? Cumpre verificar se

estão presentes fato, dano, nexo causal e

culpa (ou risco). O fundamento está no

artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal e

nos artigos 187 e 927 do Código Civil. A

violação do lazer surge, quiçá, como

questão de fundo, como causa remota.

Mas, ressalte-se, é de suma importância

para eventual cotejamento com a tese de

remuneração das horas extras, isto é, de

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Revista Científica da UNIRB – Ano IV – Abril/2012 | Multidisciplinar

134

que o adicional já teria compensando o

labor excessivo.

Para a visão mais conservadora, o fato

de o empregado receber, pela jornada

excessiva, adicional superior à hora

normal remunera o desgaste sofrido nesse

tipo de labor, tal como ocorre, por

exemplo, com o adicional de

insalubridade, que tem o condão de

compensar mazelas do trabalho em

condições insalubres. O maior problema

dessa teoria é que a remuneração

adicional não indeniza doenças do

trabalho daí oriundas, pelo que, na

espécie, pode o empregador ser

responsabilizado civilmente (artigo 7º,

XXVIII, da CF), ainda que tenha pago

adicional de insalubridade. O mesmo se

dá, portanto, com a carga horária

excessiva: adicional de horas extras

limita-se a compensar o trabalho, mas,

não a lesão. De qualquer maneira, a causa

próxima aqui seria a responsabilidade civil

e não o direito ao lazer.

Para a corrente mais liberal, pode se

considerar, nesse caso, responsabilidade

objetiva, porque, além de o lazer ser

direito fundamental, o empregador, por

força do artigo 2º, da CLT, é responsável

pelo abuso de direito (artigo 187 do

Código Civil), já que o empregado não

cumpre horas extras à seu talante. A CLT

permite realização de horas

suplementares, mas, não de forma

abusiva. De qualquer forma, a

responsabilidade objetiva não é aceita de

maneira pacífica pela doutrina e

jurisprudência, de modo que a tese da

indenização por violação do lazer poderá

encontrar dificuldades de ordem prática

no âmbito judicial; melhor seria calcá-la

na teoria da culpa.

Com efeito, se considerada como

válida a teoria liberal, configura-se lesão

do direito ao lazer do empregado —

atentado à sua dignidade moral, familiar e

social — afora, conforme o caso, doença

profissional, que pode ensejar indenização

por dano moral e material (artigo 5º V e X,

CF; 186 e 927 do Código Civil). Mesmo

assim, o fundamento do direito de

indenizar residiria não necessariamente na

violação do direito ao lazer, mas, sim, na

própria responsabilidade civil daquele que

causou o dano: o empregador11.

11 GONÇALVES, Marcos Fernandes. Jornada de trabalho excessiva. Violação do Direito Constitucional ao Lazer. http://www.juslaboral.net/2009/03/jornada-de-trabalho-excessiva-violacao_31.html. Acesso em 15 de setembro de 2011.

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8- Conclusão

Os teletrabalhadores estão sendo

explorados telematicamente, infelizmente

estes por questões de se manter no

emprego acabam se submetendo a isso,

atrapalhando o pouco horário de lazer que

possuem, se descuidando da família, dos

filhos e da própria saúde. A Justiça do

Trabalho está decidindo a favor dos

teletrabalhadores nas questões de horas

extras e sobre o ambiente de trabalho,

decidindo para o pagamento das verbas

rescisórias e até em indenizações

decorrentes de doenças do trabalho que

surgem quando são exigidos além do

permitido pela Carta Magna vigente.

O teletrabalho é uma boa alternativa

para tentar resolver questões como greve

de policiais, enchentes,

congestionamentos, poluição ambiental,

aumento de população dos grandes

centros urbanos, porém, deve ser

realizado sem abuso, dentro das oito

horas diárias e quarenta e quatro horas

semanais.

9- Bibliografia

1- ANTUNES Ricardo. Liberdade laboral

aparente.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercad

o/me2208201008.htm

2- BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.

Rio de Janeiro : Ed. Campus, 1992.

3- FORNETTI, Verena. A escravização

digital http://www1.folha.uol.com.br

/fsp/mercado/me2208201005.htm

4- GBEZO, Bernard E. Otro modo de

trabajar: la revolución del teletrabajo.

Trabajo, revista da OIT, n. 14, dez de

1995.

5- GONÇALVES, Marcos Fernandes.

Jornada de trabalho excessiva. Violação

do Direito Constitucional ao Lazer.

http://www.juslaboral.net/2009/03/jornada

-de-trabalho-excessiva-violacao_31.html

6 - PINO ESTRADA, Manuel Martín. Os

mundos virtuais e o

teletrabalhonosTribunais Brasileiros: os

casos do STF e do TRT de Minas Gerais.

In Revista de Direito Trabalhista, ano 16,

nº 05, Brasilia: Consulex, 2010.

7- ROBBINS, Stephen Paul.

Administração: mudanças e perspectivas.

São Paulo: Saraiva, 2000.

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8- ROMITA, ArionSayão. Direitos

fundamentais nas relações de trabalho. –

São Paulo :LTr, 2005.

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