REVISÃO

Revision Volume 19 Número 4 Páginas 321-326 2015ISSN 1415-2177

Revista Brasileira de Ciências da Saúde

Relações Familiares e Dependência Química:Uma Revisão de Literatura

Family Relationships and Chemical Addiction: A Literature Review

ANTONIO CLEANO MESQUITA VASCONCELOS1

LAMARA NOGUEIRA ARAÚJO2

LAYANE GLEICE MARQUES PORTO2

NAYANA NAYLA VASCONCELOS ROCHA3

ELIANY NAZARÉ OLIVEIRA4

JÔNIA TÍRCIA PARENTE JARDIM ALBUQUERQUE5

Monitor do PET Saúde Redes de Atenção 2013/2015. Sobral – CE, Brasil.Acadêmicas do Curso de Enfermagem - Universidade Estadual Vale do Acaraú. Monitoras do PET Saúde Redes de Atenção 2013/2015, Sobral -CE, Brasil.Preceptora Mestre do PET Saúde Redes de Atenção 2013/2015, Sobral – CE, Brasil.Docente Doutora do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Coordenadora do PET Saúde Redes de Atenção 2013/2015, Sobral – CE, Brasil.Docente Mestre do Curso de Educação Física da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Tutora do PET Saúde Redes de Atenção 2013/2015,Sobral – CE, Brasil.

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RESUMOObjetivo: O artigo objetiva buscar na literatura as relaçõesfamiliares no contexto da dependência química e assimidentificá-las como fator de risco ou de proteção, possívelcausa ou consequência do uso de drogas. Material emétodos: Trata-se de uma revisão de literatura, onde foiutilizado portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), o qualdireciona a busca para as bases de dados, durante o mêsde dezembro de 2015. Foram utilizados e cruzados no portalos seguintes descritores: relações familiares e dependênciaquímica onde nove artigos foram selecionados para compora amostra, sendo três da Lilacs, três da BEDENF, e dois daIndex Psicologia. Resultados: Aspectos das relaçõesfamiliares foram identificados como determinantes para ainiciação a uso de drogas: distanciamento dos pais,isolamento, solidão, maus tratos principalmente no públicojovem. A dependência química foi identificada como fatorpreponderante para desestruturação das relações familiares,gerando diversos tipos de transtornos na família, provocandosobrecarga. Conclusão: As relações familiares tanto podemser causa como consequência do uso indevido de drogas ecabe ao profissional de saúde procurar medidas para sanaresse problema.

DESCRITORESRelações Familiares, Dependência Química, Drogas.

ABSTRACTObjective: To describe the family relationships in the contextof chemical addiction and identify them as risk or protectivefactors causing, or resulting from, drug abuse. Material andMethods: This was a literature review based on searchescarried out in the Virtual Health Library (VHL) during themonth of December 2015. The following descriptors andcombinations were used: family relationships, and chemicaladdiction. Eight articles were selected to compose the sample,being three from Lilacs, three from BDENF, and two fromPsychology Index. Results: Some aspects of familyrelationships were identified as determinants for initiation ofdrug use, such as distancing from parents, isolation,loneliness, and child/young abuse. The articles also showeddrug addiction as a major factor for disruption of familyrelationships, generating various types of disorders andoverwhelming the family. Conclusion: Family relationshipscan be both cause and consequence of chemical addiction.It is up to health professionals to look for measures to controlthis issue.

DESCRIPTORSFamily Relations. Addiction. Drugs.

http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs

DOI:10.4034/RBCS.2015.19.04.11

VASCONCELOS et al.

R bras ci Saúde 19(4):321-326, 2015322

A concepção de abuso e dependência químicatem evoluído e sofrido transformaçõesgradativas, decorrentes dos avanços

científicos1. Atualmente, o abuso de drogas éconsiderado um problema de saúde pública, poisocasiona danos de diferentes maneiras ao sujeito, àfamília e à sociedade. Esses danos podem serobservados por meio de situações, como a repetênciana escola, a perda do emprego, a violência, rupturasfamiliares, crimes, acidentes, entre outros2. Ainda, o serhumano relaciona-se de maneira diferente com cada tipode droga e, dependendo do contexto, essa pode serinofensiva ou apresentar riscos. Contudo, também, podeassumir padrões de uso disfuncionais, levando aprejuízos biológicos, psicológicos e sociais 3.

Ao se definir família, consideram-se as múltiplasfun-ções reguladoras dos papéis assumidos por seusmembros, contradições de seus comportamentos, afetos,tensões, conflitos presentes no ambiente e quesimultaneamente, contribuem para que esse sistema semantenha dinâmico e em constante transformação,cumprindo seu papel social de gerador e transmissor decrenças, valores e tradições culturais 4. A família é umsistema aberto, cujos membros se relacio-nam, criamlaços emocionais e compartilham suas histórias eexperiências. Nessa dinâmica relacional, seusintegrantes objetivam a uma estabilidade familiar econvivem com os desafios constantes das mudançaspróprias das transições presentes no ciclo vital dafamília 5.

A literatura aponta que, no processo deadoecimento do dependente químico, um dos fatores,mas não o único, que o motiva ao uso de dro-gas e àspossíveis recaídas tem relação com a inabilidade dafamília em lidar com o comportamento de seu familiardependente, necessitando também ela de acolhimentoe acompanhamento 6.

Assim as relações interpessoais inadequadaspodem ser preponderantes para o uso indevido dedrogas assim como o uso abusivo de drogas podedesgastar as relações interpessoais podendo gerarsobrecarga no familiar do dependente de drogas7.

Dessa maneira, este estudo objetivou buscar naliteratura as relações familiares no contexto dadependência química e assim identificar tais relaçõesfamiliares como fator de risco ou de proteção, possívelcausa ou consequência da do uso indevido de drogaspara assim compreender o processo de adoecimento dodependente químico nesse aspecto, a partir disso, oestudo poderá servir de instrumento para subsidiarfuturas intervenções.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo trata-se de uma revisão de literatura,na qual procurou-se a busca por publicações com basesde dados, através do seguinte ponto de partida: o quehá na literatura científica sobre relações familiares nocontexto da dependência química?

Na busca, foi utilizado o portal da BibliotecaVirtual em Saúde (BVS), o qual direciona a busca paraas bases de dados, durante o mês de dezembro de 2015.Foram utilizados e cruzados no portal os seguintesdescritores: relações familiares e dependência química,adjuntos ao operador booleano “and”. Tais descritoresforam devidamente encontrados nos Descritores emCiências da Saúde (DeCS). Assim, através da leiturados resumos e da aplicação dos critérios de exclusãoforam selecionados os artigos que constituíram a mostrado estudo.

Foram selecionados apenas artigos científicosque apresentam o texto completo, escrito em línguaportuguesa, cujo periódico estivesse indexado à basede dados, livres de recortes temporais e que incluíssemo objetivo da investigação, selecionados a partir de umaleitura criteriosa dos títulos e resumos. Na pesquisaforam encontrados 102 artigos, entretanto, utilizandoos critérios de exclusão acima citados, excluindo-setambém alguns artigos que se repetiam, nove artigosque contemplaram o objetivo da pesquisa foramselecionados para compor a amostra, sendo três daLilacs, três da BEDENF, e dois da Index Psicologia.

Para exposição dos dados foi feito um formulário8,onde foram expostas as variáveis: título da pesquisa,periódico, nome dos autores, ano de publicação,objetivos e resultados. Discutimos os resultadosutilizando as seguintes categorias: “Relações familiarescomo determinante do uso indevido de drogas” e“Desgaste nas relações familiares como consequênciado uso indevido de drogas”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O quadro abaixo contém informações sobre osnove artigos encontrados pertinentes ao assunto, sendoapresentado título do artigo, nome do periódico, nomedos autores, ano de publicação, objetivos do estudo eresultados.

Durante a leitura dos artigos foram encontradasduas categorias as quais são descritas abaixo comoresultado da revisão sendo elas “Relações familiarescomo determinante do uso indevido de drogas” e“Desgaste nas relações familiares como consequênciado uso indevido de drogas”.

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Relações familiares como determinante do usoindevido de drogas

Apesar da pesquisa não enfocar nenhuma faixaetária específica, essa seção já trata com maior ênfasedas relações familiares do público jovem, isso se dá poressa etapa constituir em uma fase crucial quanto ao usoou não uso de drogas. De modo geral os artigos trazema ideia de que as relações familiares são determinantespara o uso indevido de drogas, sendo tanto fator derisco quanto de proteção para o uso indevido de drogas.

Mesmo constituindo uma família aparentementecompleta, ou seja, sem ausência de algum familiarparental não exclui os riscos de relações desgastadas,propícias ao uso de drogas por falta de maiorproximidade intrafamiliar, falta de confiança entre si,dentre outros fatores 11,14.

A falta de interação entre familiares, de diálogostambém aparece aqui como fator de risco para o uso dedrogas. O que distancia o adolescente dos adultos, aípode desencadear a base das relações sociais seremtransferidas para os ciclos de amizades. Essa situaçãojá acarretará outra que é a influência dos ciclos deamizades como fator de risco ao uso de drogas, pois naadolescência costuma ser uma fase onde há apredominância do anseio pelas descobertas, busca pornovas sensações e emoções, como também a afirmaçãosocial, a busca pela independência. Tais relaçõesnaturalmente afastam o jovem da família, e se essa nãotiver próxima, será um problema muito maior e difícil desolucionar 9,13.

Relações familiares conflituosas aparecem aquicomo determinantes para o uso de drogas, existindovários elementos do cotidiano das relações familiares ehábitos dos mesmos que podem ser preponderantes ainiciação ao uso de drogas. Podemos citar o climaconflituoso dentro de casa, o que inclui briga entre ospais, separação do casal, relação conflituosa com osirmãos. Tudo isso gera uma realidade incipiente a umamaturação saudável, composta por projeçõesadequadas de amadurecimento, o que pode certamenteser uma possível causa do uso de drogas 9.

Nesse caso, há também o fato dos adultos, quedeveriam ser as figuras responsáveis por servirem debase, as referências e lideranças no ambiente familiar,no entanto, quando esse ambiente se encontradesestruturado, repleto de desarmonias, conflitos econdutas inadequadas por parte dos responsáveis, setorna um fator de risco 9, 13. Fatores como curiosidade,uso de drogas por conta da solidão, circunstânciasfamiliares, negligência, rejeição constituem fortíssimosdeterminantes para o uso de drogas 16.

Os conflitos familiares envolvendo diretamente

quanto indiretamente aparecem também como umpossível determinante para o uso de drogas. A presençade violência nas famílias de adolescentes, a presençade discussões, incidência de maus-tratos verbais efísicos, bem como abuso sexual, o que indica que aviolência intrafamiliar pode ser fator de risco para o usode substâncias pelos adolescentes deste estudo,sobretudo quando combinada com o uso de drogaslícitas e ilícitas para enfrentarem problemas familiares13,14.

Desgaste nas relações familiares comoconsequência do uso indevido de drogas

Após a análise de cada artigo observou-se quealguns artigos resultaram basicamente na sobrecargado familiar frente à problemática do filho dependentequímico. A aflição propagada pelo familiar advém dodesempenho inconstante do dependente químico,originando esgotamento em sua convivência com omesmo e origina sentimentos de incerteza e de fraqueza.Também foi visto que o problema com a dependênciaquímica pode causar sentimentos de vergonha. Logo,pode-se afirmar que a dependência química geradesordem nas relações familiares, fazendo com que afamília experimente crises e desordens, estreitando laçosfamiliares.

A entrada das drogas causa na vida dosfamiliares envolvidos com o dependente, como a rupturado convívio pacífico entre os membros da família e asdores de fragilidade, abandono e insatisfação quantoao tratamento da doença. Além disso, ocorreagravamento de conflitos já existentes, acentuandoainda mais as dificuldades dos familiares em lidar com adependência química remetendo-os à codependência,seria exatamente esse aspecto o que interfere na vidados familiares do dependente, o qual se traduz numimenso sofrimento psíquico 15.

Sabe-se que diante das dificuldades de convivercom uma pessoa com sofrimento psíquico, (dependentede álcool e outras drogas), as famílias enfrentam asdificuldades de continuarem tocando as atividadesnormais; a vida cotidiana na casa e cuidar para que ousuário, uma vez em casa, participe do Centro deAtenção Psicossocial (CAPS), tome os medicamentos enão frequente espaços que os incitem a usar outra vezas drogas, portanto, as famílias necessitam sim, sergradativamente trabalhadas em suas relações, a fim deencontrar um estado de equilíbrio adequado 7.

Afirma a família não estar preparada parasuportar tal grau de desorganização provocado pelascondições de incerteza mesmo que só um membro dafamília seja dependente químico, todos precisam de

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tratamento, pois a família adoece junto. E falando denecessidade de tratamentos, 2 artigos trazem aresponsabilização de cuidados a famílias atingidas pelaconsequência do dependente químico. Evidenciando aimportância do atendimento psicológico às famílias dedependentes químicos nos serviços públicos de atençãoà saúde, cuidar, não apenas do paciente dependentequímico que está adoecido, mas do sistema familiar doqual faz parte 12. Os artigos trazem como conclusões anecessidade de ressaltar a proteção e suporte dasfamílias como alvo das políticas públicas 10,16. Destaca-se a relevância da família ser acolhida e tratada, visandorestaurar os vínculos familiares, estabelecer os limitesfragilizados e reorganizar os papéis familiares.

Com relação a sobrecarga familiar do dependentede psicoativos, dos nove artigos encontrados quatrodeles não identificaram/evidenciaram diretamente odesgaste familiar pós uso de drogas pelos filhos masapontam indicadores de risco, uso de substância e amanutenção destas além do aspecto problemático entrea família nuclear e do relacionamento de usuários comcada parente como influência. Os artigos também falamde comportamento e como reduzir o consumo de drogaspor adolescentes. As relações estabelecidas pelosadolescentes com a família, amigos, escola, comunidadesão fatores determinantes para o desenvolvimento e amanutenção da dependência química. Os adolescentesque usaram drogas ilícitas relataram ter mais problemasfamiliares. Porém não foi apontado os problemas nemdesgastes especificamente 17.

CONCLUSÕES

Através dessa revisão, observamos que asrelações familiares são de fato fatores determinantes douso indevido de drogas através de aspectos como faltade diálogo na família, desprezo familiar, falta de afeto,substituição da família por ciclos de amizades inseguros,conflitos, violência moral e física. Em contrapartida,relações familiares positivas podem ser fatores deproteção ao uso indevido de drogas. Com relação aooutro aspecto analisado, a dependência química por suavez abala e desestrutura as relações familiares, gerandodesconforto, conflitos na família, enfraquecendo asrelações e promovendo sobrecarga familiar em maior oumenor escala.

Desse modo, podemos compreender as relaçõesfamiliares como um fator diretamente interligado àdependência química, pois tanto podem ser causadorasdo uso indevido de substâncias psicoativas, comopodem ser consequência da dependência químicaatravés do desgaste das mesmas em função de um usoproblemático. Assim, em se tratando do cuidado, asrelações familiares devem ser compreendidas em cadacaso para que haja uma abordagem integral, focada noindivíduo e nas relações do mesmo com seu contexto,caso contrário, se as relações familiares foremdesconsideradas, a abordagem se tornará limitada,desconsiderando uma parte importantíssima desseprocesso.

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CorrespondênciaAntonio Cleano Mesquita VasconcelosEndereço: Rua Diogo Alves de Loiola, 272 – Alto AlegreCEP: 62115-000Forquilha – Ceará – BrasilE-mail: cleano.vasconcelos@hotmail.com