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RESUMO: Este artigo provê argumenta- ção para a defesa de que Jesus assumiu em sua encarnação uma natureza huma- na moral e espiritualmente impecável, embora Ele tenha se tornado semelhante aos outros homens do ponto de vista físi- co. O autor também esclarece porque es- tas condições fizeram dele um compas- sivo sumo sacerdote, não tendo repre- sentado uma “vantagem injusta” sobre os pecadores, mas antes intensificando suas tentações. Entre outros tópicos, o artigo lida com o significado lingüísti- co e teológico das palavras gregas sarx, hamartia, isos, homoiōma, monogenēs e prōtotokos, e sua harmoniosa relação com as passagens que apontam Cristo como sendo “descendência de Abraão” e “descendência de Davi”. O trabalho também discute a missão primária de Cristo e os limites que ela impôs sobre sua natureza humana. ABSTRACT: This article argues that Jesus assumed in his incarnation a human na- ture , morally and spiritually not sinful, although he had become like the other man under the physical point of view. The author also clarifies why those con- ditions made him a compassionate high priest, having not presented an “unfair advantage” over the sinners, but only intensifying his temptations. Among other topics, the article deals with the linguistic and theological meaning of the Greek words: sarx, hamartia, isos, homoiōma, monogenēs e prōtotokos, and their harmonious relation with the passages which points out Christ as “descendent from Abraham” and “from David”. Besides that, it also discusses Christ’s primary mission and the limits it has imposed upon his human nature. INTRODUÇÃO A teologia adventista do sétimo dia considera dois pontos de vista alternati- vos no que concerne à natureza humana de Jesus Cristo. 1 Ele possuía uma natureza pecaminosa porque Ele tinha uma mãe pe- caminosa como o restante de nós, ou Ele tinha uma natureza impecável porque, ao contrário de nós, Ele tinha a Deus por seu Pai. 2 O primeiro ponto de vista enfatiza sua identidade com o ser humano; o se- gundo concentra-se em sua singularidade como homem. Alguns tentam combinar os dois afirmando que Jesus tinha uma natureza física pecaminosa, mas o seu nascimento humano foi como nosso novo nascimento – nascido do Espírito. Dizem que Jesus começou em Belém, onde co- meçamos quando nascemos de novo. Ou- tros sugerem que o paralelismo não resiste à investigação. Acreditam que Jesus era tanto pecaminoso quanto impecável em sua natureza humana; pecaminoso somen- te no sentido em que Ele tomou a natureza física enfraquecida pelo pecado, mas im- pecável em que Ele nunca se tornou peca- do no nascimento. Somos simplesmente deixados a deci- dir? Realmente importa que opinião es- colhemos? É isto meramente bizantinice QUE NATUREZA HUMANA J ESUS ASSUMIU? NÃO CAÍDA BENJAMIN RAND (PSEUDÔNIMO)

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Resumo: Este artigo provê argumenta-ção para a defesa de que Jesus assumiu em sua encarnação uma natureza huma-na moral e espiritualmente impecável, embora Ele tenha se tornado semelhante aos outros homens do ponto de vista físi-co. O autor também esclarece porque es-tas condições fizeram dele um compas-sivo sumo sacerdote, não tendo repre-sentado uma “vantagem injusta” sobre os pecadores, mas antes intensificando suas tentações. Entre outros tópicos, o artigo lida com o significado lingüísti-co e teológico das palavras gregas sarx, hamartia, isos, homoiōma, monogenēs e prōtotokos, e sua harmoniosa relação com as passagens que apontam Cristo como sendo “descendência de Abraão” e “descendência de Davi”. O trabalho também discute a missão primária de Cristo e os limites que ela impôs sobre sua natureza humana.

AbstRAct: This article argues that Jesus assumed in his incarnation a human na-ture , morally and spiritually not sinful, although he had become like the other man under the physical point of view. The author also clarifies why those con-ditions made him a compassionate high priest, having not presented an “unfair advantage” over the sinners, but only intensifying his temptations. Among other topics, the article deals with the linguistic and theological meaning of the Greek words: sarx, hamartia, isos, homoiōma, monogenēs e prōtotokos, and their harmonious relation with the

passages which points out Christ as “descendent from Abraham” and “from David”. Besides that, it also discusses Christ’s primary mission and the limits it has imposed upon his human nature.

IntRodução

A teologia adventista do sétimo dia considera dois pontos de vista alternati-vos no que concerne à natureza humana de Jesus Cristo.1 Ele possuía uma natureza pecaminosa porque Ele tinha uma mãe pe-caminosa como o restante de nós, ou Ele tinha uma natureza impecável porque, ao contrário de nós, Ele tinha a Deus por seu Pai.2 O primeiro ponto de vista enfatiza sua identidade com o ser humano; o se-gundo concentra-se em sua singularidade como homem. Alguns tentam combinar os dois afirmando que Jesus tinha uma natureza física pecaminosa, mas o seu nascimento humano foi como nosso novo nascimento – nascido do Espírito. Dizem que Jesus começou em Belém, onde co-meçamos quando nascemos de novo. Ou-tros sugerem que o paralelismo não resiste à investigação. Acreditam que Jesus era tanto pecaminoso quanto impecável em sua natureza humana; pecaminoso somen-te no sentido em que Ele tomou a natureza física enfraquecida pelo pecado, mas im-pecável em que Ele nunca se tornou peca-do no nascimento.

Somos simplesmente deixados a deci-dir? Realmente importa que opinião es-colhemos? É isto meramente bizantinice

Que nAtuRezA humAnA Jesus AssumIu? não cAídA benJAmIn RAnd (pseudônImo)

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acadêmica, sem nenhum significado prá-tico? Creio que devemos compreender a natureza humana de Cristo para realmente apreciar o que Ele suportou, como somen-te Ele pode ser nosso Salvador, como Ele pode ser nosso exemplo, nossa absoluta necessidade de sua substituição em todo o caminho para o reino, e nossa urgente ne-cessidade de uma perspectiva cristocêntri-ca, não antropocêntrica. Estas implicações práticas se tornarão óbvias ao explorarmos a evidência bíblica.

Primeiramente, uma ampla visão ge-ral. (1) Limitar-nos-emos às informações bíblicas, agindo a partir da premissa de que toda verdade doutrinal procede das Escrituras.3 (2) Lidaremos com o signifi-cado lingüístico e teológico das palavras gregas sarx, hamartia, isos, homoiōma, monogenēs e prōtotokos. (3) Permitindo que passagem interprete passagem, pe-netraremos no real significado da huma-nidade de Cristo como “a descendência de Abraão” (Hb 2:16) e a “descendência de Davi” (Rm 1:3). Perceberemos a har-monia entre estas passagens e os termos gregos que estudamos. (4) Daremos en-tão uma olhada para a missão de Cristo a fim de salvar o homem. Ao longo da investigação documentaremos a esmaga-dora evidência bíblica de que Jesus as-sumiu de fato uma natureza impecável no nascimento (espiritualmente), embora possuísse uma natureza física semelhante a outros de seus dias. (5) Isto nos imporá a interrogação: então Ele realmente nos compreende? Ou, em outras palavras, Ele é um remoto ser extraterrestre que possuía uma vantagem injusta sobre nós? Foi Ele deveras tentado em todas as coi-sas como nós somos? Pode Ele realmen-te ser um compassivo sumo sacerdote? A fim de que o debate cristológico seja proveitoso e edificante para a fé, ele deve primeiro definir claramente os termos de uma maneira que seja tanto informada pelas Escrituras como fiel a elas.4

A pAlAvRA se fez cARne

Diz a Bíblia: “A Palavra [Cristo] se fez carne” (João 1:14). O que significa a palavra grega para “carne”? Ela nos diz se a natureza humana de Cristo foi pe-caminosa ou impecável? A palavra sarx aparece 151 vezes no Novo Testamento.5

A obra A Greek-English Lexicon de Arn-dt e Gingrich dá-lhe oito significados: (1) o material que cobre um corpo [1Co 15:39]; (2) o próprio corpo como uma substância [cap. 6:16]; (3) “um homem de carne e sangue” [Jo 1:13]; (4) “a na-tureza humana ou mortal, descendência terrestre” [Rm 4:1]; (5) “corporalidade, limitações físicas, a vida aqui na Terra” [Cl 1:24]; (6) “o lado externo ou exterior da vida” [2Co 11:18]; (7) “o instrumento voluntário do pecado” [Rm 7:18]; e (8) a fonte da sexualidade [Jo 1:13]. Somente um destes (número 7) tem a ver com pe-cado. Portanto, sarx não significa neces-sariamente “pecaminoso”.6

Em grego, a palavra usual para “peca-do” é hamartia7 e não sarx. O dicionário teológico de Schweitzer observa que sarx pode designar uma esfera terrestre (veja 1Co 1:27), não necessariamente “pecami-nosa e hostil a Deus, mas simplesmente ... limitada e temporária”.8 Também diz que sarx pode significar um objeto de confiança (veja Rm 2:28). Aqui “o que é pecaminoso não é a sarx, mas a confiança nela”.9 Conclui Schweitzer: “Onde sarx é compreendida em um pleno sentido teo-lógico, como em Gálatas 5:24, denota o ser do homem que é determinado, não por sua substância física, mas por sua relação com Deus.”10

Deus se tornando carne meramente significa que Ele recebeu um corpo hu-mano? Disse Cristo de sua encarnação: “Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste” (Hb 10:5). Con-cordando, Paulo escreveu: “Ele apareceu em um corpo” (1Tm 3:16, NIV). Apalavra

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grega para “corpo” é sōma, contudo a pa-lavra “corpo” (NIV) em 1 Timóteo 3:16 não é sōma mas sarx. Meramente significa “encarnação”, não “pecaminoso”.

Como, então, compreendemos estas palavras: “Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecamino-sa e... condenou Deus, na carne, o peca-do” (Rm 8:3)? Primeiro, considere o que Paulo poderia ter dito. Ele poderia ter es-crito: (1) Deus enviou seu Filho em carne pecaminosa ou (2) na semelhança de car-ne. O primeiro significaria que sua carne era pecaminosa, e o segundo diria que Ele apenas parecia estar na carne mas era realmente algum ser extraterrestre (cf. 1Jo 4:1-3, um texto mal-compreendido por alguns).11

Paulo não disse nem uma coisa nem outra. Ele concentrou-se em Cristo vindo na semelhança de carne pecaminosa. A palavra-chave é “semelhança”. Duas pala-vras gregas são traduzidas por “semelhan-te” em português: isos, significando “mes-mo”, como em Atos 11:17, onde “Deus lhes concedeu o mesmo [isos] dom”; e homoiōma, usada em Romanos 8:3, sig-nificando “semelhante” (porque humano), mas não “mesmo” (porque não pecamino-so). As Escrituras são totalmente coerentes sobre este ponto. Desse modo, Filipenses 2:7 afirma que Jesus “tornando-se em se-melhança [homoiōma] de homens”.12 Diz Hebreus 2:17: “Convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante (homoioō) aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote.”

Sugerem estas palavras gregas e es-tas passagens que Jesus era apenas se-melhante a outros seres humanos em ter um corpo humano físico afetado pelo pecado, mas não o mesmo que outros seres humanos, porque somente Ele era impecável em sua relação espiritual com Deus? Assim pensava Ellen G. White.13 A evidência bíblica que temos examinado até aqui apóia tal conclusão.

poR Que ApenAs ‘semelhAnte’, não o mesmo?

Do material bíblico provêm dois prin-cípios que nos guiam em nossa investi-gação. O primeiro é: quem é Jesus Cristo determinou a extensão de sua identidade com nossa natureza humana. Em outras palavras, Ele era mais do que o bebê de Maria. Ele era Deus. Tornando-se ho-mem Ele não deixou de ser Deus.14 Isto significa que sua eterna e contínua relação com Deus não foi rompida quando Ele se tornou homem. A encarnação não foi ape-nas outro nascimento humano. Era Deus transpondo o abismo cavado pelo pecado e, dentro do seu próprio ser, construindo a ponte de Deus para o homem. Deus traba-lhou criativamente outra vez no planeta, como no Éden. Quer usando o pó da ter-ra ou o ventre de Maria, a vida veio dEle. Ambos constituíram milagres jamais co-nhecidos antes ou repetidos desde então. O absoluto caráter divino desses eventos não deve ser perdido em comparações superficiais com outros seres humanos. Todos os outros têm dois pais humanos. Mas não Adão e Cristo. O homem vem ao mundo em uma das três formas: criação, nascimento, ou encarnação.

O segundo princípio é: a missão de Cristo deve determinar a extensão de sua identidade com nossa humanidade. Para ser nosso salvador, Jesus deveria se tor-nar um conosco. Mas Ele poderia não ir além das exigências de sua missão, Ele mesmo poderia não se tornar um pecador (em natureza ou atos). Como no sistema sacrifical, a missão de Cristo poderia ser realizada somente por um cordeiro sem mancha, ruga ou coisa semelhante.

o pecAdo oRIgInAl

Nesta discussão devemos levar a sério a natureza devastadora do pecado. Todo bebê é egocêntrico antes de conhecer o

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que constitui o pecado. Como o bebê Je-sus era diferente se nasceu com uma natu-reza pecaminosa?

A Bíblia dá duas definições de pecado, uma em termos de comportamento, outra do ponto de vista de relacionamento. As-sim, “pecado é a transgressão da lei [ile-galidade]” (1Jo 3:4), e “tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Am-bos estavam presentes no pecado original no Éden. Adão e Eva desobedeceram à ordem de Deus de não comer o fruto da árvore proibida (Gn 3:2-6), e duvidaram da palavra de Deus. Ele tinha dito: “Não comam dela ou morrerão.” Eva pensou que ela parecia boa para alimento e de-sejável para obter sabedoria. Assim eles deram um passo decisivo e comeram. Por quê? O duvidar de Deus os levou a deso-bedecê-lo. Duvidar de alguém é a cessa-ção de confiança ou fé nele – um relacio-namento rompido. O tentador os levou a crer nele e em seus sentidos mais do que em Deus. A partir do relacionamen-to rompido, ele os levou a transgredir o mandamento de Deus. O pecado original foi primeiramente uma relação interrom-pida. Definir o pecado meramente como “violação da lei ou atos maus” é olhar apenas para sua manifestação exterior. Em sua raiz, pecado é uma relação rom-pida entre o pecador e Deus.15

Cristo veio ao mundo para restaurar o relacionamento, não para continuar na separação. Portanto, Ele veio semelhante a nós (como um ser humano, fisicamente falando), mas não o mesmo que nós (em relacionamento rompido com Deus, espi-ritualmente falando). Emanuel ou “Deus conosco” significa que Ele transpôs o abis-mo entre Deus e o homem. Ele aniquilou a alienação, vindo do lado de Deus para o nosso. Mas Ele estabeleceu a conexão mais uma vez somente porque ao longo da encarnação Ele permaneceu em rela-cionamento ininterrupto com Deus – Ele permaneceu espiritualmente impecável.

Romanos 5:12-14 é considerada “uma das passagens mais difíceis das Escritu-ras”,16 e “os detalhes da exegese de Ro-manos 5:12-21 são controvertidos”,17 mas creio que a analogia entre Adão e Cristo é a mais clara encontrada na Bíblia. Lenski está certo em declarar: “Ela é tão vital porque vai a fundo tanto no pecado como no livramento do pecado. Tudo o mais que é dito nas Escrituras no que concerne a qualquer um dos dois ou a ambos, repou-sa sobre o que está aqui revelado como o fundamento absoluto.”18 Note o que diz a passagem:

Portanto, por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens, para a justificação que dá vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecado-res, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos” (Rm 5:12-19).

Note as analogias três vezes repeti-das entre o primeiro e o segundo Adão. A morte ou condenação, não passa a cada pessoa apenas por causa do seu próprio pecado. Também faz isto, mas em um sen-tido mais profundo, a morte passa a todos os homens por causa do pecado de Adão, ou do relacionamento rompido com Deus (que o pecado de Adão afeta toda a raça é mencionado cinco vezes nos versos 15-19). Simplesmente não é verdade que o pecado não está presente até o primeiro ato pecaminoso da pessoa. Os homens são nascidos pecadores. “A morte reinou” (v. 14) a partir do pecado de Adão. Os bebês morrem antes de pecarem conscientemen-te. Separados do Doador da vida, a morte, não a culpa, passou de Adão para a raça.19

Eis por que Cristo veio para restaurar a conexão, para trazer vida eterna. O para-

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lelismo em Romanos 5:12-14 é decisivo quanto ao seu significado. “Como o pe-cado termina em morte, assim a justiça, em vida.”20 Se o único pecado de Adão é a fonte de morte para todos os homens, “desde o momento em que foi cometido antes que qualquer homem houvesse nas-cido”21, então a impecabilidade de Cristo é a fonte de toda justiça. Ele foi semelhante a nós, conforme nascido dentro das limi-tações físicas humanas, mas não o mesmo que nós, porque não nasceu um pecador em relacionamento rompido com Deus.

O fato bíblico de que o pecado é trans-mitido de Adão para cada bebê nascido (não a culpa de Adão, mas a morte, o resultado do seu pecado) significa que o pecado não pode ser definido meramente como “ato”.22 Esta é uma definição dema-siado superficial. Embora o pecado inclua más escolhas e, portanto, atos e mesmo pensamentos (veja Mt 5:28), também in-clui natureza.23 Se não fôssemos nascidos pecadores, não precisaríamos de um salva-dor até o nosso primeiro ato ou pensamen-to pecaminoso. Tal idéia presta terrível desserviço às trágicas conseqüências do pecado e à missão de Cristo como o único salvador para cada ser humano (Jo 14:6, At 4:12). Também significa que se Jesus viesse com uma natureza pecaminosa mas resistisse, então talvez outra pessoa faria o mesmo, e tal pessoa não precisaria de Je-sus para salvá-la. Devemos compreender que ambos os aspectos do efeito do pe-cado – morte corporativa e culpa pessoal – necessitam de um salvador. Precisamos de Jesus como substituto para toda a nossa vida, e não apenas a partir da primeira vez em que conscientemente nos rebelamos.

pecAdoRes Ao nAsceR

Cada ser humano, exceto Cristo, é nas-cido pecador. Disse Davi: “Eu nasci na ini-qüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5). Contudo, Davi também pôde dizer acerca de Deus: “Tu me fizes-

te sair do ventre” (Sl 22:9, NIV). “Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe” (Sl 139:13). São estas afirmações contraditórias? Nasceu Davi um pecador ou não? Elas falam de dois lados de uma verdade, ambas igualmente bíblicas. Enquanto a primeira fala da con-dição de Davi como pecador ao nascer, as outras falam do amor salvífico de Deus para ele nessa condição.

Então, como interpretamos o texto: “O filho não sofrerá pela iniqüidade do pai, nem o pai sofrerá pela iniqüidade do fi-lho” (Ez 18:20, RSV)? A Bíblia também diz: “Visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração da-queles que me aborrecem” (Êx 20:5; cf. cap. 34:7; Nm 14:18; 1Rs 21:29). São estas passagens também contraditórias? Outrossim, elas constituem dois lados de uma verdade, ambas bíblicas. A primeira diz que o comportamento de alguém re-sulta em vida ou morte, ao passo que a se-gunda também declara os efeitos do peca-do de uma pessoa sobre sua posteridade. Eis por que a Bíblia afirma: “Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham” (Sl 58:3).

“Rebelde desde o nascimento” (Is 48:8, NIV) e “cheio do Espírito Santo, já do ventre materno” (Lc 1:15); outra vez olhe para os dois lados: a condição huma-na ao nascer e a misericórdia divina para alguém nessa condição. Contrastando, Je-sus não foi apenas cheio do Espírito San-to desde o nascimento mas, diferente de qualquer outra pessoa, nasceu do Espírito Santo. Ao contrário dos outros, Ele era também Deus. Significa isto que Ele tem uma imaculada concepção?

A teologia católica desde Agostinho acredita que todos nascem com o pecado original.24 Isto é, cada um vem ao mundo com a culpa do pecado de Adão, porque cada um estava seminalmente presente em Adão, participando, portanto, da sua culpa. Assim, semelhantemente, Jesus

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viria ao mundo com a culpa do peca-do original. Para contornar esta difícil situação, a teologia católica inventou a imaculada concepção. Esta doutrina postula que Maria nasceu sem a mancha do pecado. Mas se Deus pôde realizar tal ato salvífico por um ser humano, por que não por todos? Teria salvo a Cristo de todo o sofrimento de se tornar huma-no. Além disso, se Maria se tornou ima-culada sem Cristo, isto põe em dúvida a missão de Cristo.

A Bíblia nada sabe de uma imaculada concepção, mas proclama uma miraculo-sa concepção. Jesus era singular. Foi de-vido à sua singularidade como Deus que seu nascimento foi impecável. A esta al-tura, a teologia católica passa por alto o que Jesus era. Não é necessário encontrar em Maria o motivo para a singularidade de Cristo. Esta singularidade procede da própria individualidade dEle como Deus. Recorremos agora às informações bíblicas no que concerne à sua singularidade.

Jesus como homem sIngulAR

Jesus era diferente de outros seres hu-manos no centro de sua consciência. Isto determinava tudo o mais. Nenhum outro ser humano viveu antes do seu nascimen-to e tomou uma decisão de nascer para agradar ao Pai. A consciência de Cristo esteve sempre concentrada em Deus. Ele veio para fazer a vontade de Seu Pai (Hb 10:9), glorificá-lo ao longo da vida, e con-sumar a obra que Ele lhe deu para fazer (Jo 17:4). Nenhum outro bebê, criança, ou adulto viveu em tão completa abnegação para com Deus e o homem. Tanto seus atos impecáveis como sua natureza espiri-tual imaculada procedia de sua orientação ininterrupta concentrada em Deus. Sua união com Deus determinou a extensão de sua união com o homem.

A palavra grega monogenēs, traduzi-da por “unigênito” na Versão Almeida,

realmente significa “único de uma espé-cie”. Monogenēs vem de monos, “um, único”, e genos, “espécie” ou “tipo”. Monogenēs não deve ser confundido com monogennaō, que deriva de monos, “um, único”, e gennaō, “gerado”. Monogennaō significa “único gerado”.

Monogenēs é usado nove vezes no gre-go do Novo Testamento, cinco vezes para Jesus (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; 1Jo 4:9). Seu emprego nas outras quatro referências lança luz sobre o que a palavra significa quando usada para Jesus. Primeira: o filho morto da viúva de Naim era tudo o que ela possuía (Lc 7:12). Segunda: Jairo pode ter tido filhos, mas foi sua única filha que morreu (cap. 8:42). Terceira: o endemoni-nhado era o único filho de seu pai nesta condição (cap. 9:38). Nestas três passa-gens monogenēs não significa “único ge-rado”, mas somente “um de sua espécie”. Este fato é ainda mais claro no quarto exemplo, em Hebreus 11:17. Ali Isaque é chamado monogenēs, quando, de fato, ele era o segundo nascido (sendo Ismael o primeiro filho de Abraão). Contudo, ele foi único de uma espécie, singular porque somente ele era o filho da promessa.

Quando usada para Jesus, monogenēs sempre tem esta conotação de singular, único de uma espécie. Ele era o Filho da promessa – singular em missão e nasci-mento, bem como em sua vida. Seu nas-cimento singular consistiu não somente em como Ele nasceu (sem pai humano), mas em que natureza Ele nasceu (sem pe-cado humano).

Ele era único de uma espécie em que foi o único homem que também era Deus. Ele foi o único homem gerado pelo Espí-rito, sem um pai humano. Ele foi o úni-co homem que existiu eternamente como Deus antes de tornar-se também homem, e assim foi singularmente independente de pais quanto à vida. E Ele foi o único ho-mem que era semelhante, mas não o mes-mo que outros seres humanos.

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Sua singularidade procedia de quem Ele era. Quem Ele era fez o seu nascimento diferente daqueles de todos os outros seres humanos. Possuindo a natureza humana física de seu tempo, enfraquecida pelo pe-cado, Ele veio com um eterno e impecável relacionamento com Deus. A contempla-ção de Cristo como monogenēs teria salvo muitos do panteísmo (Kellogg, Jones, Wa-ggoner) e o movimento da “carne santa” (Donnell, Associação de Indiana).25

A Bíblia requer que a singularidade de Jesus seja nosso ponto de partida em cristologia. Ele não é apenas outro ho-mem, mas Deus feito homem. “A Palavra se tornou carne” (Jo 1:14, NIV). Este mo-vimento em direção do homem é o con-texto do qual esclarecer o significado do Deus-homem. Alguns negligenciam isto, escolhendo de preferência iniciar com a geração final e sua demonstração após o fechamento da porta da graça. Racioci-nam que se aquela geração não mais pra-ticará atos pecaminosos enquanto ainda possui natureza pecaminosa, então Cristo também deve ter sido impecável em uma natureza pecaminosa. Como aquela gera-ção final fará melhor do que Cristo? Isto é cristologia escatológica, ou uma leitura de volta partindo do futuro para a natu-reza humana de Cristo. Toma a realidade fora de Cristo para nos informar acerca de Cristo. Mas Cristo, e não a escatologia, deve ser o ponto de partida. Precisamos de uma escatologia cristológica em vez de uma cristologia escatológica.

Os erros teológicos de Schweitzer e Barth deveriam aqui nos servir de adver-tência. Schweitzer e Barth (em seu primei-ro escrito) começaram com a escatologia e se voltaram para a cristologia, com resul-tados devastadores. O Jesus de Schweitzer terminou como um homem iludido,26 e o Cristo de Barth como um Deus “comple-tamente diferente”27 – duas ênfases exage-radas e opostas, nenhuma das duas fazen-do justiça a Jesus Cristo.

O pensamento cristológico precisa co-meçar com a singularidade de Cristo como Filho de Deus em vez de com sua seme-lhança com os seres humanos como Filho do homem. Além disso, epistemologica-mente, não podemos nos mudar do huma-no para o divino, mas podemos do divino para o humano. Ao determinar a nature-za humana do homem Jesus, monogenēs deve ser o ponto de partida e o centro da cristologia.

Prōtotokos ou “primogênito”, é usa-do sete vezes para Jesus (veja especial-mente Hb 1:6; Rm 8:29; Cl 1:15, 18; Ap 1:5). “Primogênito” se refere não tanto ao tempo mas à importância. Como na cultura hebraica o primogênito recebia os privilégios da família, assim Jesus, o “primogênito” entre os homens, recupe-rou todos os privilégios que o homem perdeu após a queda. Portanto, “unigêni-to” e “primogênito” não devem ser inter-pretados literalmente quando aplicados a Jesus. De preferência, eles denotam que Ele era único de uma espécie, singular. Sua missão era tornar-se o novo Adão, o novo primogênito, ou cabeça, da raça. Isto o qualificava para ser nosso repre-sentante, sumo sacerdote, e intercessor no grande conflito.

Jesus é o nosso exemplo em vida, mas não em nascimento. Se Ele fosse o nosso exemplo em nascimento, talvez algum ou-tro ser humano pudesse atingir uma vida perfeita e não precisar do Salvador. Este pensamento jaz no âmago da teologia de Friedrich Schleiermacher. Ele acreditava que Jesus era apenas quantitativamente e não qualitativamente diferente dos ou-tros seres humanos. Não nasceu Ele como todos os demais? Não era a consciência mais plena da presença divina e o seu sen-timento de absoluta dependência de Deus que o fazia diferente dos outros? Contudo, alguém virá no futuro que o transcende-rá.28 Tal pensamento nos adverte de que é perigoso não perceber a plena distinção

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bíblica entre o nascimento de Cristo e o de todos os outros seres humanos.

A teologia de Karl Barth também con-tém problemas no que concerne à nature-za de Cristo no nascimento.29 Embora ele acreditasse que Jesus era realmente Deus, não permitia que as conseqüências bíbli-cas disto controlasse sua compreensão da encarnação. Afirmava que o bebê Jesus nasceu com carne pecaminosa.30 A única maneira pela qual Barth podia se esqui-var das conseqüências disto era afirmar que Cristo assumiu essa carne pecami-nosa dentro de sua natureza divina, de tal maneira que as tentações e o pecado eram uma impossibilidade.31

As informações bíblicas levam na direção oposta do pensamento de Sch-leiermacher e de Barth. O homem Jesus é singular. Ele é o nosso substituto na vida. Ele cobre o nosso caráter imperfeito com o seu perfeito caráter humano. Seu ca-ráter é a nossa veste de justiça, a veste nupcial sem a qual não podemos entrar no reino. Ele é o nosso substituto na mor-te. Morreu para pagar o preço do pecado em nosso lugar para que possamos ter vida eterna. Mas Ele é também o nosso substituto no nascimento. Nasceu sem pecado a fim de satisfazer nossa primeira necessidade dele como salvador, quando somos nascidos pecadores.

A Bíblia não atribui nenhum valor sal-vífico ao nosso primeiro nascimento. De fato, ela afirma claramente: “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (João 3:3). Somente o homem Jesus não precisava do novo nascimento. Isto o tornava único por si mesmo.

cRIsto dA lInhAgem AbRAâmIcA, dAvídIcA32

Das informações bíblicas estudadas até aqui, o que podemos concluir quanto ao significado das seguintes expressões: “[Ele] tomou a descendência de Abraão”

(Hb 2:16, Almeida antiga) e “segundo a carne, veio da descendência de Davi” (Rm 1:3; cf. Jo 7:42; 2Tm 2:8)? Declaram es-tas passagens que Jesus assumiu uma na-tureza pecaminosa procedente de Abraão e Davi? À luz do vasto contexto bíblico, estes textos não estão considerando a na-tureza, mas a missão de Cristo. Não es-tão preocupados com o tipo de carne em que Ele nasceu (impecável ou pecamino-sa). Antes, eles mantêm que, como judeu (Hb 2:16) e como seu verdadeiro rei (Rm 1:3), Jesus veio como o cumprimento da aliança. Deus chamou Abraão para formar um povo por meio de quem Ele pudesse abençoar a todas as nações (Gn 22:18). Semelhantemente, Jesus veio por meio de Maria para salvar as nações (Mt 1:18, 21; cf. Jo 3:16). Missão e não natureza é o contexto.

Israel, no período do Antigo Testamen-to, e os cristãos judeus, nos dias do Novo Testamento, relembravam Abraão como o “pai” da igreja de Deus em sua primeira forma (veja Is 51:2; Rm 4:12; Tg 2:21 e seus contextos). De sorte que Mateus, escrevendo para os judeus, começa a ge-nealogia de Jesus com Abraão (Mt 1:1). E o autor de Hebreus, também escreven-do para os judeus, diz que Jesus “tomou sobre si a descendência de Abraão” (Hb 2:16). O fato de estar Jesus colocado na linhagem da aliança abraâmica não anu-la a sua realização do próprio propósito daquela linhagem da aliança tornando-se o segundo Adão. De fato, o mesmo livro que menciona a conexão de Cristo com Davi também o apresenta como o segundo Adão (veja Rm 5:12-21).

A substituição inclui que Ele deveria se tornar exatamente como um de nós no nascimento? Poderia Jesus realmente nos salvar se Ele não tivesse de fato se tornado um de nós em natureza pecaminosa? Ele realmente desceu ao fundo do poço onde estamos a fim de nos tirar? Estando dentro do poço Ele se revestiu da real carne hu-

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Que natureza humana Jesus assumiu? / 39

mana somente até onde sua união com o Pai não fosse afetada. Em outras palavras, Ele não poderia ser de natureza pecami-nosa, porque por definição tal natureza é o resultado da separação de Deus. A união com Deus e a natureza espiritual pecami-nosa se acham tão afastadas uma da outra como estão o Céu e o inferno. Afirmar que Ele se identificou conosco mas permane-ceu leal a Deus é compreender mal a ter-rível natureza do pecado. Pecado signifi-ca separação de Deus. Ou Jesus manteve uma relação ininterrupta com o Pai ou Ele desistiu e mergulhou em nossa alienação.

Jesus foi tanto nosso substituto como nosso exemplo, e nesta ordem. Há uma prioridade de substituto sobre exemplo como há de Deus sobre o homem e do Salvador sobre os salvos. Isto é importan-te notar. A cristologia nunca deve come-çar com exemplo e esperar fazer justiça à sua substituição. Deve seguir o caminho que leva da substituição ao exemplo. Pre-cisamos de sua substituição por todo o caminho. Necessitamos de sua eterna di-vindade, seu nascimento impecável, sua vida inocente, sua morte perfeita, sua res-surreição, sua intercessão sumo sacerdotal e sua segunda vinda. Também precisamos dele como um homem que exemplifica to-tal dependência de Deus.

O fato de que Ele nasceu impecável de maneira nenhuma sugere que a observân-cia da lei não é importante para o restan-te de nós que somos nascidos pecadores. Não é verdade que a crença na natureza impecável de Cristo significa que nin-guém mais pode ou nem mesmo deveria tentar guardar a lei. Jesus não é o nosso substituto para que possamos viver como nos apraz.

tentAdo como nós

Temos visto que as informações bíbli-cas apresentam um Jesus humano singular que não poderia ter tido uma natureza pe-

caminosa. Urge a pergunta: Então Ele re-almente nos compreende? Ou é Ele um ser remoto que tinha uma injusta vantagem sobre nós? Pode Ele realmente ser um compassivo sumo sacerdote? Em suma, foi Ele realmente tentado em todas as coi-sas como nós somos?

Nossa cristologia afeta nossa compre-ensão das tentações de Cristo. Durante centenas de anos, a cristologia clássica considerou que Jesus viveu na Terra como Deus. Ele tinha poderes que não estão na-turalmente disponíveis aos outros homens. Não é de admirar que a tentação fosse con-siderada como nenhuma provação difícil para Ele. Embora Anselmo (l033-1109) fosse o primeiro erudito significativo a fo-calizar a vida de Cristo sobre a Terra como homem (ele escreveu Cur Deus Homo), outros subseqüentemente continuaram es-quecendo a realidade de sua difícil prova-ção. Desse modo, a crença de Calvino de que Jesus permaneceu no trono celestial enquanto vivia na Terra (extra calvinis-ticum), a mistura das naturezas divina e humana por Lutero (communicatio idio-matum) e, segundo a opinião de Barth, o revestimento da assumida natureza huma-na dentro de uma impenetrável divindade (ganz anderer), tudo tornava as tentações de Cristo irreais sendo-lhe impossível pe-car. E. J. Waggoner, à semelhança de Bar-th, acreditava que Jesus assumiu a carne pecaminosa, mas não podia pecar porque era divino.33 Qual é a vantagem de uma natureza pecaminosa como a nossa se Ele tinha uma natureza divina diferente da nossa? Uma elimina a outra, removendo dele a realidade da tentação.

Contrastando, a Bíblia declara que Ele “foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4:15). “Em todas as coisas” não significa as mesmas tentações (plural), mas a mesma tentação (singular). Por exemplo, Jesus nunca foi tentado a assistir a um progra-ma de televisão, fumar maconha, ou ul-

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trapassar o limite de velocidade. Mas Ele foi tentado a desistir de sua dependência de Deus. Satanás empregava meios dife-rentes para o mesmo fim. Porque a ênfase de toda tentação é o rompimento da rela-ção com Deus.

As tentações de Cristo foram maio-res do que as nossas, porque somente alguém que nunca cedeu poderia sentir sua plena força.34 Assim se expressou B. F. Westcott: “A simpatia com o pecador em sua provação não depende da expe-riência do pecado mas da experiência da força da tentação ao pecado, que somente o impecável pode conhecer em sua plena intensidade. Aquele que cai se rende an-tes da última pressão.”35

Mas “em todas as coisas” inclui “da mesma forma”?36 Escreve Tiago: “Cada um é tentado pela sua própria cobiça, quan-do esta o atrai e seduz” (Tg 1:14). As más propensões (uma inclinação para o peca-do) são adquiridas de duas maneiras: por meio do pecado e por ter nascido um peca-dor. Cristo não tinha nem uma nem outra. Ele foi nascido “o ente santo” (Lc 1:35), e Satanás não encontrou nele absolutamen-te nenhum mal (veja Jo 14:30). “Ser ten-tado em todas as coisas como nós” deve ser compreendido à luz das informações bíblicas já consideradas. Indica que Ele, como um ser humano singular, foi tentado em todas as coisas como nós. Além disso, a tentação basicamente envolve o esforço de Satanás de fazer alguém romper o rela-cionamento com Deus.

É inconcebível que Jesus imergisse na separação de seu Pai no próprio ato de vir fazer a sua vontade. Os dois são mutua-mente exclusivos. Sua singularidade no nascimento não é causa para o protesto: “Jogo sujo! Tu não Te tornaste realmente um de nós. Para Ti era mais fácil do que para nós! Quem não poderia resistir às tentações se tivesse uma natureza impe-cável como a Tua!” Como poderia ser de outra forma? Qualquer suposta vantagem

que Jesus tinha não foi para si mesmo. Sua missão salvadora determinou a extensão de sua identidade conosco.

Todavia dizer isto nos leva a um para-doxo. O fato de permanecer Ele diferente de nós não lhe deu uma vantagem; foi real-mente desvantajoso para Ele. Porque se a força da tentação é levar alguém a confiar em si mesmo em vez de em Deus, quem teria a maior tentação: Jesus, que tinha sua própria divindade em que confiar, ou nós, que não temos nada comparável?

A desvantagem de Cristo na tentação procedia de sua singularidade. E nesta singularidade repousa nossa salvação. Somente Jesus sentiu a plena força do ódio satânico, porque o conflito de Sata-nás é contra Cristo e não contra qualquer ser humano. Todo o inferno soltou-se contra esse homem dependente, Jesus; e além disso, Jesus não poderia obter per-dão se fosse derrotado. Imagine a pressão quando a cada momento, cada ato tinha tais conseqüências sobre si mesmo e o mundo inteiro!

Se Jesus deveria ser carne pecaminosa para compreender nossas lutas por expe-riência, então como poderia Ele demons-trar empatia pela escória da raça? Como poderia salvar a geração mergulhada mais de dois mil anos em degeneração genética? Se assumir a nossa natureza pecaminosa fosse pré-requisito para Ele ser tentado como nós, então Ele deveria ter vindo na mesma época que o último homem nascido. Contudo, mesmo se Je-sus fosse uma pessoa da última geração, Seus contemporâneos ainda seriam mais degradados por causa do seu próprio pe-cado. Se a natureza pecaminosa é um ele-mento necessário para ser tentado como nós, então Cristo não foi tentado como nossa geração e aqueles que são degra-dados pelo pecado pessoal. Mas se sua singularidade tornou sua tentação maior, então Ele não precisava de nossa nature-za caída para ser tentado como nós.

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Não até a sua morte aquele “que não conheceu pecado” se tornou “pecado por nós” (2Co 5:21). Nunca antes daquele momento o pecado trouxe uma separação de seu Pai, que o levou a clamar: “Deus meu, Deus meu, porque me desamparas-te?” (Mt 27:46). O homem Jesus tornou-se pecado por nós em missão na morte e não em natureza no nascimento.

doxologIA

A teologia é uma investigação humana para compreender a auto-revelação divi-na. A Cristologia é o centro e o âmago da teologia, porque Jesus Cristo é a maior re-velação de Deus ao homem. Ele é também a melhor revelação do homem autêntico ao homem. Jesus Cristo era singular não somente como Deus conosco mas como homem conosco. Ele era divinamente im-pecável unido com a carne humana enfra-quecida pelo pecado, mas foi igualmente impecável em ambas as naturezas. Ele era Deus conosco, mas viveu como homem conosco em um completo esvaziamento de si mesmo (veja Fl 2:7). Embora per-manecesse Deus, Ele pôs de lado o uso de seus atributos divinos, vivendo como ho-mem autêntico totalmente dependente de seu Pai celestial.

Maravilhai-vos, habitantes do vasto cosmos! Assombrai-vos, anjos do Céu! Oh! adorai-o, vós pecadores sobre a Ter-ra! Pois que outro ser humano, nascido de mulher, pode ser a Ele comparado em natureza e feitos? Quem mais renunciou a tanto por tão poucos? Quem mais se tor-nou limitado a um corpo humano sendo que antes existia por toda parte? Quem mais escolheu permanecer tão limitado para sempre? Quem mais mergulhou no câncer terminal e inoperante do pecado para trazer cura completa e Ele mesmo não ficar contaminado? Quem mais po-deria se tornar um médico humano ao mesmo tempo em que se distancia do fla-gelo humano?

Como poderia Jesus ser meu exemplo em tudo isto? Como poderia eu copiá-lo? Como poderia eu ser eterno, ser Deus, ser impecável no nascimento, impecá-vel como bebê, e impecável ao longo da vida? Como poderia eu vencer tudo o que Ele venceu? E quando Ele finalmente venceu Satanás por sua morte no Calvá-rio – o que tem conseqüências cósmicas e salvíficas – como poderia eu imitar? Sim, eu anseio ser semelhante a Ele, mas admito que Ele é para sempre singular. Confesso com Pedro: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5:8). Todavia, Ele em misericórdia diz: “Vinde a mim” (Mt 11:28). Ele me atrai por sua singularidade. Desesperadamente preciso daquilo que o faz diferente de mim.

O cristianismo não é apenas ser seme-lhante a Ele. O cristianismo é vida nele. Somos justos somente em Cristo, nunca em nós mesmos. As boas novas são mais do que “copie-me.” São sempre, em pri-meiro lugar, “apegue-se a mim”, “perma-necei em mim” (Jo 15:4), “Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1:27), e “vós sois aceitos no Amado” (veja Ef 1:6).

A verdadeira cristologia termina não em debate, mas em grata adoração e ju-bilosa obediência. Contemplando-o nós não somente o louvamos mas nos torna-mos semelhantes a Ele (veja 2Co 3:18). A visão do seu amor por nós, seu amor singular como um homem singular, gal-vaniza-nos; anelamos mais ser repletos dele do que ser semelhantes a Ele. Este enfoque é decisivo. É sobre Ele e suas obras, e distante de nós mesmos e nossas obras. Não apenas seguimos, comunga-mos. Não consiste apenas em regras, mas relacionamento. Não somente uma práti-ca, mas uma Pessoa. Porque cristianismo é Cristo inteiramente. Dessa comunhão provém um maravilhoso portento – tor-namo-nos como aquele a quem mais ad-miramos! É um subproduto natural do anseio de tê-lo habitando dentro de nós.

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A cristologia chega ao ponto culminante na exclamação “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2:20). So-

mente nesta dependente união pode Jesus ser nosso homem modelo – jamais em sua natureza ao nascer.

RefeRêncIAs

1 Artigo publicado originalmente em Ministry, junho de 1985, 8-21. Traduzido do original em in-glês por Francisco Alves de Pontes.

2 Veja E. C. Webster, Crosscurrents in Adven-tist Christology (Berna, Suíça, Peter Lang Pub., Inc. 1984) para uma avaliação comparativa da cristologia de H. E. Douglass, E. Heppenstall, E. J. Waggoner e E. G. White. Aqueles que focalizam a natureza pecaminosa de Cristo incluem (alfabeti-camente): T. H. Davis, Was Jesus Really Like Us? (Washington, DC: Review and Herald Publishing Assn., 1979); H. E. Douglass e Leo Van Dolson, Jesus: The Benchmark of Humanity (Nashville: Southern Pub. Assn., 1977). Aqueles que abordam a natureza impecável de Cristo incluem (alfabetica-mente): N. R. Gulley, Christ Our Substitute (Wash-ington, DC: Review and Herald Pub. Assn., 1982); E. Heppenstall, The Man Who is God (Washington, DC: Review and Herald Pub. Assn., 1977); H. K. LaRondelle, Christ Our Salvation (Mountain View, Calif.: Pacific Press Pub. Assn., 1980). A cristolo-gia clássica tem três importantes ênfases exage-radas: Jesus como (1) excessivamente divino, a principal opinião durante centenas de anos vista no atanasiano-calvinista Extra Calvinisticum, em que a divindade de Cristo permaneceu no trono celes-tial enquanto sua humanidade vivia na Terra; (2) demasiado humano, arianos; ou (3) uma mistura divino-humana, tal como o communicatio idioma-tum de Lutero. Os dois principais pontos de vista no adventismo consideram a cristologia um do ou-tro como tornando Cristo ou demasiado humano ou demasiado divino. Isto tem óbvia influência sobre como Ele é considerado como nosso exemplo em vencer as tentações.

3 Para um estudo nos escritos de Ellen G. Whi-te, veja Norman R. Gulley, “Behold the Man”, Ad-ventist Review, 30 de junho de 1983. Há uma séria necessidade de um estudo teológico e hermenêutico dos escritos de Ellen G. White em geral, e de sua cristologia em particular. Mais pesquisa também precisa ser feita para ver se o endosso de Ellen G. White da teologia de Jones e Waggoner era parti-cularmente de apoio de sua nova ênfase, longe do homem para Cristo, e não necessariamente um en-dosso de cada detalhe de sua cristologia, tal como a natureza humana de Jesus (veja Age Rendalen,

“The Nature and Extent of Ellen White’s Endorse-ment of Waggoner and Jones” [trabalho de pesqui-sa, Biblioteca da Universidade Andrews, 1978]). O fato de que a cristologia de Jones e Waggoner se tornou cada vez mais panteísta também deve ser conservado em mente. O panteísmo é uma exagera-da identificação de Deus com a criação, que poderia ser considerada a conclusão lógica de tentar tornar o homem Jesus, quanto à natureza, totalmente se-melhante a outros homens. O emprego de Ellen G. White do termo “natureza pecaminosa”, e seus si-nônimos, precisa ser definido no contexto do uso em seu tempo, bem como dentro do contexto his-tórico de cada ocorrência em manuscrito, carta ou artigo. As compilações extraídas de uma multiplici-dade de fontes geralmente deixam de dar o devido lugar ao ambiente histórico. É óbvio que muitas dissertações doutorais poderiam ser aqui úteis. Um fato é seguro: O estudo da cristologia deve começar com as informações bíblicas, e, então, alguém pode prosseguir lendo os escritos de Ellen G. White. Ela jamais pretendeu que o procedimento inverso fosse seguido, nem é verdade para a pressuposição ad-ventista do sétimo dia de que a Bíblia é a base de todas as doutrinas adventistas.

4 A definição de termos é decisiva neste deba-te. Das informações bíblicas a serem consideradas, notaremos: (1) Cristo era singular como homem (similar, não idêntico). Portanto, eu defino sua natureza humana como, no máximo, fisicamente afetada pelo pecado mas absolutamente impecável no sentido espiritual. Ele tinha a altura de um ho-mem do seu tempo, tornava-se cansado e faminto e sentia dor. Mas espiritualmente Ele mantinha uma comunhão ininterrupta com Deus como tinha Adão antes da queda. (2) Seu nascimento pelo Espírito foi singular. Não pode ser comparado com nosso novo nascimento pelo Espírito, porque pecamos antes do nosso novo nascimento, ao passo que Ele era santo antes do seu nascimento. Nosso novo nascimento procede do contexto do corruptível. Seu nascimen-to vinha dentro do contexto do santo. (3) A doutrina do pecado (hamartiologia) está por trás do debate sobre a natureza de Cristo (cristologia). O pecado quando compreendido como um relacionamento rompido torna impossível uma natureza pecamino-sa para Jesus ao nascer. Porque não poderia haver maior demonstração da união com Deus do que ir ao ponto em que Cristo foi para fazer a vontade do Pai (Hb 10:7-9). Ambas as escolas de cristologia dentro

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da Igreja Adventista do Sétimo Dia precisam usar termos como carne, pecado, mesmo, semelhante, singular, imaculada concepção, pecado original, semente de Abraão, e semente de Davi como são usados pelos escritores bíblicos ou são explicados neste artigo. Se isto fosse feito, então a verdadei-ra comunicação entre eles seria estabelecida (eles falariam acerca das mesmas coisas), e muitas das diferenças entre eles seriam dissipadas.

5 Greek Concordance of the New Testament de Englishman (Londres: S. Bagster e Filhos, 1903), 680, 681.

6 Reinhold Niebuhr acreditava incorretamente que sarx, nos escritos de Paulo, é o “princípio do pecado” (The Nature and Destiny of Man [New York: Charles Scribner’s Sons, 1949], 152).

7 Hamartia e seus cognatos são encontrados 174 vezes no Novo Testamento, mais de 50 vezes nos escritos paulinos. Adikia é uma palavra mais especializada, legal, que significa “não justo” (o oposto de “justiça”, dikaiosunē). Paraptōma vem de parapiptō, “cair ao lado de, desmoronar, proster-nar-se, não ser bem-sucedido, fracassar”. Veja ed., Colin Brown, The New International Dictionary of New Testament Theology (Grand Rapids: Zonder-van, 1978), 7:573. Para informação geral sobre ha-martia e seus empregos, veja Theological Diction-ary of the New Testament de Kittel (Grand Rapids: Eerdmans, 1964), 1:308-311; W. E. Vine, Exposi-tory Dictionary of New Testament Words (Londres: Oliphants, 1946), 4:32-43.

8 G. W. Bromiley, trad. (Grand Rapids: Eerd-mans, 1971), 126. Para todo o artigo veja páginas 124-144.

9 Ibid., 130.10 Ibid., 134. 11 1 João 4:1-3 não fala acerca de que espécie de

natureza humana (pecaminosa ou impecável) Jesus assumiu, mas a natureza humana em si. Os gnós-ticos, e posteriormente os docetistas, acreditavam que Ele não se tornou de fato um ser humano, mas meramente apareceu como humano. Esta passa-gem rotula tal negação de sua genuína humanidade como anticristo.

12 Aqui similarmente não significa um outro ser além de humano (extraterrestre). Pelo contrário, como humano Ele foi apenas semelhante a todos os outros seres humanos.

13 “Tomando sobre si a natureza humana em sua condição caída, Cristo não participou no mínimo em seu pecado. Estava sujeito às fraquezas e de-bilidades pelas quais o homem é assediado... Era tocado pelo sentimento de nossas fraquezas, e em

todas as coisas foi tentado como nós somos. E, con-tudo, Ele ‘não conheceu o pecado.’... Não devemos ter nenhuma dúvida em relação à perfeita impeca-bilidade da natureza humana de Cristo” (Ellen G. White, em Signs of the Times, 9 de junho de 1898 [citado em The SDA Bible Commentary, 5:1131]). “Ele devia tomar sua posição à frente da humanida-de assumindo a natureza mas não a pecaminosidade do homem” (Ellen G. White, em Signs of the Times, 19 de maio de 190l [citado em The SDA Bible Com-mentary, 7:912]).

14 Ele preservou sua divindade ao longo da en-carnação. Isto era tranqüilo dentro das auto-escolhi-das limitações da humilhação (Fp 2:6-8).

15 “A opinião veterotestamentária de pecado é o lado inverso negativo da idéia da aliança, donde é freqüentemente expresso em termos legais” (The New International Dictionary of New Testament Theology, 3:578). “Hamartia é sempre usada no Novo Testamento para o pecado do homem, que é essencialmente dirigido contra Deus” (Ibid., 579). “No quarto evangelho hamartia designa ... um ato pecaminoso específico, uma condição, ou mesmo um poder que empurra o homem, e o mundo como um todo, para longe de Deus” (S. Lyonnet e L. Sa-barin, Sin, Redemption, and Sacrifice: A Biblical and Patristic Study, vol. 48 de Analecta Bíblica [Roma: Biblical Institute Press], 39).

16 R. Govett, Govett on Romans (Flórida: Con-ley e Schoettle Pub. Co. 1981), 134.

17 E. F. Harrison, ed., Baker’s Dictionary of Theology (Grand Rapids: Baker Book House, 969), 488.

18 R.C.H. Lenski, Interpretation of Romans (Columbus, Ohio: Wartburg Press, 1945), 366.

19 John Murray, The Epistle to the Romans, em The New International Commentary on the New Tes-tament (Grand Rapids: Eerdmans, 1971), 1:183. Leia também pp. 178-209 sobre “The Analogy”.

20 Govett, op. cit., 142.21 Lenski, op. cit., 364. 22 Várias palavras gregas terminam em ma

em Romanos 5. A desinência ma significa “resul-tado”. Duas dessas palavras são queda e graça, e comparam os resultados do pecado de Adão com a salvação de Cristo. Ambos os resultados foram transmitidos à raça humana a partir do primeiro e do segundo Adão, igualmente sem levar em conta as obras do homem, que é o tema central da epístola de Paulo.

23 Há onze palavras no hebraico que conotam diferentes nuanças de pecado (veja referência 24).

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24 Para um estudo detalhado sobre o pecado, veja B. C. Berkouwer, Sin (Grand Rapids: Ee-rdmans, 1971), e Piet Schoonenberg, S.J., Man and Sin: A Theological View (South Bend, Ind.: University of Notre Dame Press, 1965). E sobre o “pecado original” católico veja R. C. Broderick, The Catholic Encyclopedia (Nashville: Thomas Nelson Pub. Co., 1976), 440; Baker’s Dictionary of Theology, 486-489; George Vandervelde, Orig-inal Sin: “Two Major Trends in Contemporary Roman Catholic Reinterpretation” (Lanham, Md.: University Press of America, 1982); e John Mur-ray, The Imputation of Adam’s Sin (Grand Rapids: Eerdmans, 1959).

25 Tanto o panteísmo como o movimento da carne santa deixaram de dar a Jesus o devido lugar como monogenēs. O panteísmo identifica excessi-vamente a Deus com o homem, removendo a pos-sibilidade de singularidade. O movimento da carne santa de tal forma se concentrou em tornar-se seme-lhante ao impecável Jesus que, igualmente, não foi dado o devido lugar à sua singularidade.

26 Albert Schweitzer, The Quest of the Histori-cal Jesus (Londres: Adam e Charles Black, 1954), 254, 358, 368-ss.

27 Karl Barth, Church Dogmatics, 4 vols. (Edimburgo: T. & T. Clark, 1936-1969), vol. 1, pt. 2, p. 50; vol. 2, pt. 1, p. 63; The Humanity of God (Londres: Collins, 1961), 44-ss.

28 Friedrich Schleiermacher, The Christian Faith (Edimburgo: T. e T. Clark, 1928).

29 “O que Deus é em sua revelação, Ele é an-tecedentemente, e eternamente em seu próprio ser intertrinitariano” é a pressuposição básica da “reve-lação” por trás da teologia de Barth. Neste contexto seu logos ensarkos, seguindo a cristologia enipos-tática [substancial], considera que a humanidade de Jesus tem existência somente na eterna divindade de Cristo. Isto às vezes chega perto de apresentar uma eterna humanidade de Jesus. (Veja Church Dogma-tics, vol. 3, pt. 2, 484-ss., 493.) Ele também sugere que Jesus não é um homem (homo) mas a espécie humana (humanum) (ibid., vol. 4, pt. 2, 48ss.).

30 Ibid., vol. 1, pt. 1, 191; vol. 3, pt. 2, 51; vol. 4,

pt. 1, 69, 88, 90, 93-95, 98, 100, 203. 31 Ibid., vol. 1, pt. 2, 158-ss., 191; vol. 3, pt. 2, 51. 32 Os evangelhos revelam o contexto da alian-

ça em que Jesus e seus contemporâneos viveram. Abraão foi o pai dos filhos fiéis de Israel, que aguar-davam a vinda do Messias como o “filho de Davi”, ou da linhagem davídica. O cântico de Maria re-conhece isto (Lc 1:55) como o de Zacarias. Ele mencionou que a salvação tinha vindo para a casa de Davi (v. 69), porque Deus havia se lembrado de sua aliança com Abraão (v. 73). O cego clamou a Jesus como “filho de Davi” (Mt 9:27; 12:22, 23; 20:30-ss.; Mc 10:46, 47). Os escribas o chamaram de “Filho de Davi” (Mc 12:35). Durante sua entrada triunfal em Jerusalém, a multidão clamou hosanas ao “filho de Davi” (Mt 21:9). Jesus chamou a mu-lher encurvada de “filha de Abraão” (Lc 13:16). Na parábola do rico e Lázaro, o mendigo foi levado de-pois da morte para o seio de Abraão (Lc 16:22), e a vida eterna é retratada por Cristo como participação na festa do reino com Abraão (Mt 8:11). Enquanto os judeus reivindicavam Abraão como seu pai (Jo 8:33-39), Jesus foi além dessa linhagem da alian-ça, declarando: “Antes que Abraão existisse, Eu sou” (v. 58). Duas coisas devem ser mantidas em equilíbrio: Jesus foi além dessa linhagem da alian-ça, declarando: “Antes que Abraão existisse, Eu sou” (v. 58). Duas coisas devem ser mantidas em equilíbrio: de Jesus é dito ser procedente de Abraão apenas porque Ele era o Messias prometido, cum-prindo todas as promessas da aliança. Dele também é dito ser antes de Abraão porque antecedentemente e eternamente Ele é Deus.

33 E. J. Waggoner, em Signs of the Times, 21 de jan. de 1889; cf. Christ and His Righteousness (Oakland, Calif.: Pacific, 1890), 28-ss.

34 F. F. Bruce, Commentary on the Epistle to the Hebrews (Londres: Marshall, Morgan and Scott, 1974), 87-ss.

35 Citado em Commentary on the Epistle to the Hebrews, 88.

36 Dietrich Bonhoeffer evidentemente pensava assim. Veja Temptation (New York: Macmillan, 1955), 16.