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O problema de Apolˆ onio: aspectos hist´ oricos e computacionais 1 Profa. Dra. Sandra Augusta Santos Departamento de Matem´ atica Aplicada - IMECC - Unicamp http://www.ime.unicamp.br/ sandra Andr´ e Luis Trevisan - R.A. 015477 Estudante de Gradua¸ ao - DMA - IMECC - Unicamp [email protected] Resumo Este trabalho combina elementos de hist´ oria da matem´ atica com o recurso com- putacional da Geometria Dinˆ amica (GD) para contextualizar e resolver o problema de Apolˆ onio (determinar o c´ ırculo tangente a trˆ es c´ ırculos dados, ou poss´ ıveis degenera¸ oes). Tem dois objetivos principais. O primeiro ´ e tra¸ car um percurso do problema de Apolˆ onio ao longo da hist´ oria, o que ilustra a potencialidade de um problema cl´ assico como moti- vador para novas investiga¸ oes, al´ em de possibilitar um olhar panorˆ amico sobre a pr´ opria Matem´ atica, e em particular sobre a Geometria. ´ E not´ avel o elenco de pesquisadores conhecidos que se dedicaram a resolver este problema. O segundo objetivo ´ e resolver efetivamente o problema de Apolˆ onio utilizando como ingrediente essencial as cˆ onicas, curvas que consagraram esse geˆ ometra grego. Embora n˜ ao sejam curvas construt´ ıveis com r´ egua e compasso, os pontos das cˆ onicas podem ser determinados combinando-se ecnicas de Desenho Geom´ etrico e propriedades destas curvas planas. Nesta perspectiva, as ferramentas da GD permitem a efetiva¸ ao da abordagem escolhida para a solu¸ ao do problema. Aspectos intr´ ınsecos do uso do recurso computacional na solu¸ ao do problema em quest˜ ao s˜ ao discutidos. Uma breve reflex˜ ao sobre a repercuss˜ ao da GD no ensino e aprendizagem da Geometria finaliza este trabalho. Palavras-chave Problema de Apolˆ onio; cˆ onicas; constru¸ oes geom´ etricas; Geometria Dinˆ amica. 1 Apoios FAPESP 02/13369-8 e CNPq 300206/96-8. 1

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O problema de Apolonio:aspectos historicos e computacionais1

Profa. Dra. Sandra Augusta SantosDepartamento de Matematica Aplicada - IMECC - Unicamp

http://www.ime.unicamp.br/∼sandra

Andre Luis Trevisan - R.A. 015477Estudante de Graduacao - DMA - IMECC - Unicamp

[email protected]

ResumoEste trabalho combina elementos de historia da matematica com o recurso com-

putacional da Geometria Dinamica (GD) para contextualizar e resolver o problema deApolonio (determinar o cırculo tangente a tres cırculos dados, ou possıveis degeneracoes).Tem dois objetivos principais. O primeiro e tracar um percurso do problema de Apolonioao longo da historia, o que ilustra a potencialidade de um problema classico como moti-vador para novas investigacoes, alem de possibilitar um olhar panoramico sobre a propriaMatematica, e em particular sobre a Geometria. E notavel o elenco de pesquisadoresconhecidos que se dedicaram a resolver este problema. O segundo objetivo e resolverefetivamente o problema de Apolonio utilizando como ingrediente essencial as conicas,curvas que consagraram esse geometra grego. Embora nao sejam curvas construtıveiscom regua e compasso, os pontos das conicas podem ser determinados combinando-setecnicas de Desenho Geometrico e propriedades destas curvas planas. Nesta perspectiva,as ferramentas da GD permitem a efetivacao da abordagem escolhida para a solucao doproblema. Aspectos intrınsecos do uso do recurso computacional na solucao do problemaem questao sao discutidos. Uma breve reflexao sobre a repercussao da GD no ensino eaprendizagem da Geometria finaliza este trabalho.

Palavras-chave Problema de Apolonio; conicas; construcoes geometricas; Geometria Dinamica.

1Apoios FAPESP 02/13369-8 e CNPq 300206/96-8.

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1 Introducao

Ora com propositos pacıficos, como utilizado por Newton na determinacao daorbita de corpos celestes, ora com fins belicos, na localizacao da arma inimigaa partir do som detectado em tres pontos diferentes, o problema de Apoloniofez-se presente em diversos momentos e instigou muitas mentes criativas. . .

(adaptado de [12, p.447])

No perıodo conhecido como ‘Idade Aurea’ da Matematica grega (cerca de 300a 200 a.C.), Apolonio propoe um problema que viria a ser conhecido pelo seu nome:Encontrar um cırculo tangente a tres outros cırculos, podendo estes ser degenerados emretas (cırculos de raio infinito) ou pontos (cırculos de raio zero).

Desde entao, diversos matematicos tem se empenhado na busca de solucoes para oatraente problema de Apolonio. As abordagens dadas ao problema estao ligadas principal-mente ao instrumental matematico disponıvel em cada epoca, levando-nos a acompanhara trajetoria da geometria ao longo do tempo, e apreciar algumas das descobertas daquelesque foram construindo e trilhando este caminho.

O presente artigo aponta diferentes abordagens empregadas ao longo da historia nabusca de solucoes para o problema de Apolonio, e explora com detalhes o uso das secoesconicas na determinacao destas solucoes. A sistematizacao das construcoes por meio daferramenta computacional da Geometria Dinamica (GD) tira proveito deste ambiente paravalidacao dos procedimentos propostos e construcao efetiva da solucao. Inclui uma breveanalise dos resultados obtidos e algumas reflexoes acerca das potencialidades e limitacoesda GD no ensino e aprendizagem de Geometria.

2 Panorama historico do problema de Apolonio

Apolonio, juntamente com Euclides (c. 300-260 a.C.) e Arquimedes (c. 287-212 a.C.),foram matematicos que “. . . se destacaram a grande distancia dos demais de sua epoca,assim como da maior parte de seus predecessores e sucessores” (cf. Boyer, [5, p.104 §1]).Sugere-se que Apolonio de Perga tenha vivido de 262 a 190 a.C., e pouco se sabe desua vida, ja que a maior parte de suas obras desapareceram. Na verdade, apenas doisde seus diversos trabalhos se preservaram substancialmente: Dividir segundo uma razaoe As conicas, sendo esta considerada sua obra prima. Este trabalho possui cerca dequatrocentas proposicoes em seus oito livros, e so os quatro primeiros ainda existem, emgrego. Ha tambem uma versao traduzida dos tres livros seguintes, feita pelo matematicoarabe Tabit ibn Qorra (826-901). Posteriormente, em 1710, Edmond Halley (1656-1742)traduziu os sete livros para o latim, o que abriu caminhos para futuras traducoes em outraslınguas. Esta obra extraordinaria traz um estudo exaustivo das curvas que a nomeiam, esupera completamente os trabalhos anteriores de Menaecmus (c.380-320 a.C.) e Euclidessobre o assunto. Mais do que isso, afirma-se que Apolonio tenha completado e ampliadoa obra Conicas de Euclides, composta de quatro livros, que, juntamente com outrostrabalhos perdidos, e conhecida apenas por referencias posteriores.

O problema de Apolonio envolve dez configuracoes possıveis, e e oriundo do tra-tado Sobre tangencias (do original De tactionibus), do qual temos informacoes gracas as

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descricoes dadas por Pappus2. Conforme a combinacao dos objetos iniciais pelos quaisdeve passar o cırculo procurado, ponto (P), reta (R) ou cırculo (C), as dez configuracoespossıveis sao: (1) PPP; (2) RRR; (3) PPR; (4) PPC; (5) PCC; (6) PCR; (7) PRR;(8) CCR; (9) RRC e (10) CCC.

Os dois primeiros casos, que sao os mais faceis, aparecem no Livro IV dos Elementosde Euclides, em conexao com o cırculo circunscrito e o inscrito a um triangulo. Os seiscasos seguintes foram tratados no Livro I da obra Sobre tangencias. As configuracoesrestantes (RRC e CCC) ocupavam todo o Livro II desta mesma obra.

E no perıodo do renascimento italiano (sec. XV) que o interesse em restaurar ereconstruir obras gregas perdidas atinge seu auge. Muitos matematicos viam-se desafi-ados com estas atividades e seus trabalhos baseavam-se em trechos, citacoes, alusoes ereferencias ao material disponıvel dos autores do perıodo classico.

Porem, e apenas em meados do seculo XVI que o tratado Sobre tangencias e recupe-rado. Francois Viete (1540-1603) restaurou e publicou esta obra com o tıtulo ApolloniusGallus, incluindo a solucao do problema de Apolonio. Viete considerou um numero decasos especiais nos quais um ou todos os cırculos sao reduzidos a pontos ou retas3. Ele an-tecipou resultados da teoria dos cırculos que seriam sistematizados duzentos anos depois,com a Geometria Descritiva de Gaspard Monge (1746-1818) e seus discıpulos.

Como um desafio, Viete propos o problema de Apolonio ao matematico belga co-nhecido como Adrianus Romanus (1561-1615), que o resolveu determinando o centro docırculo procurado como ponto comum a duas hiperboles. Viete considerou insatisfatoriaa solucao apresentada por Romanus, alegando o uso de curvas impossıveis de serem cons-truıdas apenas com regua e compasso.

Baseando-se na solucao apresentada por Romanus, e fazendo uso das propriedades dahiperbole, Isaac Newton (1642-1727) apresentou a solucao para o problema em sua famosaobra Principia. Na formulacao de Newton, a interseccao de uma reta com um cırculosubstituiu a interseccao das duas hiperboles do processo de Romanus, contemplando assima construcao com regua e compasso almejada por Viete.

E na perspectiva dos problemas como desencadeadores de descobertas e sistema-tizacoes que podemos situar o surgimento da Geometria Analıtica, em 1637 (cf. [21,p.87], a partir do trabalho de Descartes (1596-1650) com as conicas4 e com o problema dePappus5. As ferramentas da Geometria Analıtica ofereceram, sem duvidas, novos recur-sos na busca de solucoes para o problema de Apolonio. Sabe-se que Descartes investigoueste problema, nao obtendo, porem, resultados relevantes6. Tambem a princesa Elizabeth

2Em seu trabalho Colecao Matematica, Pappus (c. 300 d.C) apresenta uma compilacao da geometriada epoca, juntamente com comentarios, proposicoes originais e aprimoramentos de muitas das obrasperdidas de seus predecessores, principalmente dos grandes matematicos gregos do seculo III a.C.

3Ver [23] para mais detalhes sobre o trabalho de Viete.4Descartes descobriu um padrao alternativo para a descricao das conicas. Percebeu que ao introduzir

um sistema de coordenadas, estas curvas podem ser descritas por meio de equacoes de segundo grauenvolvendo duas variaveis.

5No livro VII da obra Colecao Matematica, Pappus discute o problema conhecido como ‘lugargeometrico das quatro retas’, derivado do problema de Apolonio: Dadas quatro retas, encontrar o lu-gar geometrico do ponto P tal que o produto das distancias de P a duas delas e proporcional ao produtodas distancias as outras duas, cuja solucao e uma secao conica. Pappus generalizou esse problema paran retas, onde n > 4 (cf. [21, p.343]).

6Segundo Court [12], o proprio Descartes considerou insatisfatoria a solucao que levou a cabo. Algumas

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(1596-1662), esposa do rei Frederico V da Boemia, utilizou o sistema cartesiano em seutrabalho com o problema de Apolonio, comunicando seus eventuais progressos ao proprioDescartes. Contudo, a dificuldade em se lidar com as expressoes algebricas decorrentesculminou com o fracasso na tentativa de se resolver tal problema por meio de um sistemade coordenadas. Tambem Leonard Euler (1707-1783) dedicou-se a busca de uma solucaoalgebrica para o problema de Apolonio.

Com a revitalizacao da geometria sintetica7, iniciada por Monge, pai da GeometriaDescritiva, um novo repertorio de elementos teoricos para o cırculo8 se consolidava, ofere-cendo novos olhares para o desafiador problema de Apolonio. Outro ramo da geometriaque ampliou as ferramentas disponıveis para se analisar esse problema foi a GeometriaProjetiva. Os estudos da Geometria Projetiva tiveram inıcio com Girard Desargues (1591-1661), que em 1639 publicou um trabalho sobre secoes conicas, mostrando, entre outrosresultados, que a projecao de uma conica e sempre uma conica. O celebre teorema deDesargues9 foi praticamente ignorado ate o seculo XIX, quando Poncelet (1788-1867) for-malizou a Geometria Projetiva e introduziu o princıpio da dualidade. A teoria dos polose das polares da Geometria Projetiva e a mais diretamente aplicavel aos cırculos, e con-sequentemente ao problema de Apolonio. O proprio Poncelet, ainda estudante, em 1811,encontrou uma solucao para o problema de Apolonio (cf. [12, p. 448]). Outro aluno fa-moso que tambem se aventurou a considerar este celebre problema foi Augustin L. Cauchy(1789-1857).

Da mesma forma que Newton trabalhou com a solucao de Romanus, Carl F. Gauss(1777-1855) simplificou e completou uma solucao produzida por Lazare Carnot (1753-1823) para o problema de Apolonio. Embora todas estas solucoes tivessem sido produzidasna era ‘moderna’, ainda nao atendiam ao almejado novo paradigma: encontrar um metodoaplicavel a todos os casos, e se possıvel, que permitisse determinar o numero de solucoesadmissıveis para o problema.

A teoria das inversoes10 foi desenvolvida na primeira metade do seculo XIX. Omatematico dinamarques Julius Pedersen (1839-1910) produziu uma solucao bastanteelegante para o problema de Apolonio baseada em inversoes (cf. [12, p.451]). Resultadosda geometria das inversoes permitem sistematizar a analise das possıveis configuracoes dostres objetos dados no problema de Apolonio, classificando-as e determinando o numeroefetivo de solucoes nos diferentes casos. Este detalhamento e feito no artigo de Bruen et.al [9], que simplifica o trabalho notavel de Muirhead [20], de 1898, no qual o autor fazuma enumeracao exaustiva, porem incompleta, das varias possibilidades.

Com relacao a metodos diretos para o problema de Apolonio, a primeira solucaofoi publicada por Joseph Gergonne (1771-1859), que a obteve analiticamente. Seu ele-

das relacoes obtidas por Descartes sao discutidas por Coxeter em seu artigo [13].7Nomenclatura dada em contraposicao a geometria analıtica, e refere-se a geometria que nao se apoia

em recursos algebricos para a sua sistematizacao; o mesmo que geometria axiomatica.8Por exemplo, potencia de um ponto em relacao a um cırculo, eixo radical de dois cırculos, centros (e

eixos) de semelhanca para dois cırculos, feixe de cırculos, entre outros.9Se as linhas que passam pelos vertices correspondentes a dois triangulos tem um ponto em comum,

entao as interseccoes dos prolongamentos dos lados correspondentes dos triangulos estao alinhados.10Dados um cırculo de raio r e centro O e um ponto P nao pertencente ao cırculo, a inversao e o

processo de se determinar o ponto P ′ na semi-reta −−→OP para o qual OP · OP ′ = r2. Diz-se que P ′ e o

inverso de P e vice-versa.

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gante procedimento e descrito no livro de Berger [4, p.317-8], bem como nas construcoesgeometricas de Carvalho [11, p.191], e utiliza elementos mais elaborados da teoria doscırculos, como centro radical, centros de semelhanca e polares.

Poncelet, em 1822, tambem encontrou uma solucao direta, apoiando-se em argu-mentos puramente geometricos, sendo posteriormente revista por Maurice Fouche, em1892, sob o ponto de vista de cırculos isogonais11, e complementada com uma discussaodetalhada do possıvel numero de solucoes em termos das posicoes relativas dos objetosiniciais.

Vale mencionar o interesse dos matematicos japoneses do perıodo Edo (1603-1867)por problemas geometricos envolvendo tangencias. Gravuras em madeira, denominadasSangaku, eram oferecidas aos deuses em santuarios e templos, e apresentavam resultadosgeometricos por meio de figuras de cunho artıstico, acompanhadas de um texto explicativo.A figura 1 contem o Sangaku de Osaka, com alguns problemas relacionados ao de Apolonio.O artigo do professor Arconcher [2] e suas referencias oferecem mais detalhes sobre ageometria sagrada dos Sangaku.

Figura 1: Sangaku da cidade de Osaka, imagem extraıda de http://www.wasan.jp/

english/, acessado em 27/05/04.

Conforme afirma Court, “o progresso da geometria nao so propiciou novas e ad-miraveis solucoes para o problema de Apolonio, como tambem transformou e generalizouo proprio problema”(cf. [12, p.451]). O primeiro passo natural para generalizar o pro-blema de Apolonio e estender o contato entre os objetos a interceptos isogonais, reduzindoa tangencia (0◦ ou 180◦) a um caso particular. Outra possibilidade e supor que os trescırculos, ao inves de coplanares, pertencem a uma mesma esfera. Carnot, Gergonne eCharles Dupin, entre outros, analisaram esta extensao. Indo alem, a esfera poderia sersubstituıda por uma superfıcie quadrica, e os cırculos, por secoes planas nesta superfıcie.

Ainda no seculo XVII, Pierre Fermat (1601-1665) formulou o seguinte problema tri-dimensional: construir uma esfera tangente a quatro esferas dadas, que ficou conhecidocomo problema de Fermat. Aparentemente, foi Carnot, em 1803, o primeiro a dar atencaoa este problema. Solucoes analıticas e sinteticas para o problema de Fermat foram pro-

11Cırculos isogonais sao aqueles que se cortam segundo um mesmo angulo.

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postas, respectivamente, por Carnot em 1803 e Dupin em 1831, e por Hachette em 1808e Francais em 1809.

Para uma abordagem consistente para o problema de Fermat, nos mesmos mol-des feitos para o problema de Apolonio, foi necessario encontrar na esfera os elementosgeometricos que desempenhassem papeis analogos aos do cırculo. Assim, os centros desemelhanca, planos radicais e feixes de esferas permitiram que os problemas de Apolonioe de Fermat fossem trabalhados simultaneamente.

3 Motivacao para este trabalho

Segundo Boyer, “. . . assim como Os Elementos de Euclides substituıram textos elemen-tares anteriores (. . . ), o tratado sobre Conicas de Apolonio derrotou todos os rivais nocampo das secoes conicas” [5, p.107 §5]. Foi devido a grandiosidade desta obra que otıtulo de ‘o Grande Geometra’ foi atribuıdo a este matematico do seculo III a.C por seuscontemporaneos.

Apesar de nao se conhecer exatamente como Apolonio resolveu seu celebre problema,sabe-se que Viete tentou reconstruir a solucao de Apolonio com base em resultados dePappus (cf. [9, p.97]). Heath, em seu livro, procura resgatar o procedimento de Apolonio(cf. [19, p.182]), assumindo dois lemas de Pappus12 e um problema auxiliar13.

Embora Viete tenha criticado a solucao nao construtıvel e baseada em conicas quefoi apresentada por Romanus para o problema de Apolonio, neste trabalho retomamos aideia de Romanus, combinando as curvas que tornaram celebre ‘o Grande Geometra’ paraconstruir a solucao de seu famoso problema.

Fomos inspirados pelo material do anexo 2 do relatorio de iniciacao cientıfica dePecora Jr. & Santos [22], que serviu como ponto de partida para sistematizarmos asconstrucoes geometricas necessarias. Com a disponibilidade de programas de GeometriaDinamica (GD), em particular do software Cabri-Geometre14, aliamos a construcao portecnicas de Desenho Geometrico, isto e, com a metodologia de regua e compasso, aosrecursos desse software, que se mostrou um instrumento essencial para a viabilizacao daabordagem escolhida.

De qualquer forma, mesmo com todas as facilidades que proporciona, o recurso com-putacional necessita de instrucoes precisas para se atingir o objetivo desejado. Alem disso,para que o dinamismo dos objetos possa ser efetivado, e necessario que as construcoesestejam bem definidas e nao tenham ambiguidades, para se adequarem ao paradigma ‘1-construcao, n-testes’ (cf. [7, p.28]), de modo a acomodar as diversas possibilidades quea construcao estatica do papel, do tipo ‘1-construcao, 1-teste’, nao precisa contemplar.

12Lema 1. Se dois cırculos se tocam internamente ou externamente, qualquer reta que passe pelo pontode contato divide os cırculos em segmentos respectivamente semelhantes. Lema 2. Dados tres cırculos,seus seis centros de semelhanca (externos e internos) pertencem, tres a tres, a quatro retas.

13Inscrever, em um cırculo dado, um triangulo cujos lados, quando prolongados, passem por tres pontoscolineares dados.

14O Cabri-Geometre e um programa computacional educativo desenvolvido por Jean-Marie Labordee Franck Bellemain no Institut d’Informatique et Mathematiques Appliquees de Grenoble(IMAG), daUniversite Joseph Fourier em Grenoble, Franca. Sua primeira versao e de 1985. A palavra Cabri e aabreviatura de Cahier de Brouillon Interactif (caderno de rascunho interativo).

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Vemos, portanto, que o ambiente informatizado lanca novos desafios aos seus usuarios.E preciso planejar construcoes robustas, identificando as hipoteses de carater local, sub-jacentes as construcoes estaticas e que precisam ser estendidas. Tambem e desejavelsistematizar procedimentos repetitivos na forma de macroconstrucoes. No artigo [7], oprofessor Brandao discute e exemplifica estes agrupamentos. Finalmente, e essencial quese compreenda e que se saiba justificar os resultados obtidos.

Acreditamos que, assim como as ‘descobertas’ das Geometrias Descritiva e Projetiva,em que novos elementos teoricos acerca dos cırculos propiciaram uma revitalizacao nabusca de solucoes para o problema de Apolonio, a ferramenta computacional oferece umaampliacao dos recursos disponıveis para esta mesma busca. Faz-se necessario, porem, queo elemento humano criativo e indagador detecte as propriedades essenciais, combine-ascom a potencialidade tecnologica e torne-se capaz de produzir suas proprias solucoes. Esob esta perspectiva que procuramos encaminhar este trabalho.

4 Apolonio e as conicas

O grego Menaecmus (c.380-320 a.C.) foi o primeiro a estudar as conicas, identificando-as como secoes de diferentes tipos de cones circulares (cf. [21, p.77]). Tambem se temnotıcia das investigacoes de Conon de Samos (c. 245 a.C.) acerca destas curvas. Apoloniode Perga, por volta de 225 a.C. produziu um extenso estudo em seu livro As conicas,mostrando que as curvas que dao nome a obra podiam ser obtidas como diferentes secoesde qualquer superfıcie conica circular. Foi ele, talvez seguindo sugestao de Arquimedes,quem nomeou as secoes conicas com os termos elipse, hiperbole e parabola. Admitindo quea superfıcie conica tem duas folhas, Apolonio mostrou que a hiperbole tem dois ramos.Embora a primeira vista as tres conicas possam parecer essencialmente distintas, quer emsua forma, quer pelas propriedades que satisfazem, e o fato de terem sido obtidas comocortes em cones duplos que as reune em uma mesma famılia. E interessante notar queapesar das curvas serem planas, o padrao unificador e tridimensional (cf. [10, p.123]).

De acordo com Boyer, Apolonio analisou as propriedades fundamentais das conicas“mais completamente e com mais generalidade que nos escritos de outros autores”(cf.[5, p.109 §9]). De fato, ja no primeiro livro, Apolonio desenvolve a chamada teoria dosdiametros conjugados15, usando um par destes equivalentemente aos eixos coordenadosoblıquos.

Ainda segundo Boyer, “os metodos de Apolonio, em As conicas, em muitos pontos,sao tao semelhantes aos modernos que as vezes se considera seu tratado como uma especiede geometria analıtica, antecipando o trabalho de Descartes em 1800 anos16”(cf. [5,p.114 §16]).

Vale destacar, porem, que o sistema de coordenadas utilizado por Apolonio e seusantecessores era sempre considerado a posteriori sobre uma curva dada a fim de se estudarsuas propriedades. Nao parece haver exemplo, na geometria antiga, de um estabelecimento

15Apolonio mostrou que os pontos medios de um conjunto de cordas paralelas a um diametro de umaelipse ou hiperbole formarao um segundo diametro, sendo os dois chamados ‘diametros conjugados’.

16O tratamento de secoes conicas por meio de coordenadas iniciou-se no seculo XVII, quando Jan deWitt (1629-1672), e, independemente, John Wallis (1616-1703), as definem em termos de foco e diretriz.

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a priori do sistema de coordenadas para fins de representacao grafica de uma equacao.Os trabalhos de Euclides e Arquimedes, assim como as Secoes conicas de Apolonio

mantiveram sua utilidade como apoio a pesquisa ate o seculo XVII, quando JohannesKepler (1571-1630) se dedicou a um estudo profundo dos movimentos dos planetas e suasorbitas (cf. [10, p.122]).

5 Propriedades geometricas das conicas

Nosso interesse neste trabalho e descrever as conicas por meio de suas propriedadesgeometricas, do mesmo modo que foram introduzidas pelos gregos ha mais de dois milanos.

Com o proposito de caracterizar estas curvas planas como lugares geometricos17

(LG) de pontos do plano, convem utilizar definicoes que dependem de pontos especiaisdesse plano, pre-fixados e chamados focos. Estas definicoes sao apresentadas a seguir.

• A elipse e o lugar geometrico dos pontos do plano cuja soma das distancias a doispontos fixos e constante.

• A hiperbole e o lugar geometrico dos pontos do plano para os quais o valor absolutoda diferenca das distancias a dois pontos fixos e constante.

• A parabola e o lugar geometrico dos pontos que equidistam de um ponto fixo e deuma reta fixa, denominada diretriz.

De um ponto de vista unificado, uma conica e o lugar geometrico dos pontos do planotais que a razao entre as distancias a um ponto fixo (foco) e a uma reta fixa (diretriz)e uma quantidade constante, denominada excentricidade (cf. [11, p.225]). Parabolaspossuem excentricidade igual a 1, enquanto elipses e hiperboles tem tal constante menorou maior que 1, respectivamente.

Para a construcao das elipses e hiperboles esta unificacao nao e tao interessantequanto as definicoes que apresentamos acima. De qualquer forma, com esta descricaounificada e com o conceito fısico do movimento de uma partıcula puntiforme, poderıamosainda fazer um paralelo entre as conicas como lugares geometricos de pontos (estaticos)do plano e essas curvas como trajetorias de pontos (moveis) do plano, que se deslocamde modo a manter constante as relacoes entre as distancias especıficas em cada caso. AGD, por sua vez, favorece o estudo da sensibilidade de uma dada configuracao a um de-terminado parametro. Por exemplo, ao variarmos a localizacao de um dos focos, podemosconstruir e visualizar a famılia de curvas obtida. Esta exploracao visual e concreta ofereceindıcios e serve de sustentacao para a busca de uma prova formal, baseada no paradigmada Geometria Euclidiana plana.

Na nossa opiniao, a GD nao pede uma axiomatica propria, adaptada ao movimento,mas utiliza-se do movimento para ampliar o repertorio de possibilidades em estudo, tantopor auxiliar a validacao de procedimentos e conjecturas quanto por propiciar a investigacao

17Uma figura e um lugar geometrico se, e somente se, todos os pontos dessa figura tem uma propriedadecaracterıstica comum.

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de propriedades. Nesse sentido, o dinamismo pode preencher a lacuna entre o concretoda construcao geometrica e o abstrato da demonstracao do resultado.

6 As conicas e a solucao do problema de Apolonio

A solucao do problema de Apolonio utilizando as curvas planas que o consagraram,tracadas por meio da GD, e a contribuicao deste trabalho. Fomos alem da solucao deRomanus, pois este matematico considerou apenas o caso CCC, e possivelmente apenasquando os tres cırculos eram disjuntos, e nenhum deles interior a qualquer outro18.

6.1 As conicas como lugares geometricos

Considerando os objetos de interesse (pontos, retas e cırculos), o LG dos pontos queequidistam a dois desses objetos e uma conica. Por exemplo, dados um ponto O e umareta r, o LG procurado e uma parabola, com foco em O e diretriz coincidente com a retar. Agora, mantendo a reta r mas trocando o ponto por um cırculo C, de centro O e raio ρ,que denotaremos daqui em diante por C(O, ρ), o LG dos pontos equidistantes a esses doisobjetos tambem e uma parabola, com foco O e diretriz d paralela a r, a uma distanciaρ desta reta, conforme ilustrado na figura 2. Note que19 PC = PO, onde P e um pontoqualquer sobre a curva. Como AO = BC = ρ segue que PA = PB.

Acrescentamos na figura 2 um sistema de eixos x-y, no qual a perpendicular a retar dada passando por O e o eixo x. Este eixo intercepta o cırculo C dado nos pontos A1

e A2, e a reta r em B1, sendo A1 escolhido de maneira que BA1 < BA2. Tomando Mponto medio de BA1, o eixo y e a paralela a reta r passando por M . Neste sistema, aparabola pode ser expressa por

y2 = 2 (dist(O, r)− ρ) x.

Se os dois objetos forem cırculos, digamos C1(O1, ρ1) e C2(O2, ρ2), o LG dos pontosequidistantes e uma conica que dependera da relacao entre os raios ρ1 e ρ2, e das posicoesrelativas entre C1 e C2.

Caso as regioes circulares delimitadas por C1 e C2 nao tenham pontos comuns, oLG e uma ramo de hiperbole com focos O1 e O2, conforme ilustra a figura 3. Supondo,sem perda de generalidade, que ρ2 ≥ ρ1, este ramo e obtido como LG dos pontos P quecumprem a relacao

PO2 − PO1 = ρ2 − ρ1,

que implica em PA = PB.Tomando a reta que passa por O1 e O2 como eixo x, e a perpendicular a ela pelo

ponto medio M de O1O2 como eixo y, a equacao reduzida da hiperbole que tem um deseus ramos como LG de interesse e

x2

a2− y2

b2= 1, onde a =

ρ2 − ρ1

2e b =

√(O1O2)2

4− a2.

18Segundo as referencias (cf.[12, p.446]), ha mencao a utilizacao de hiperboles, e nao de elipses.19Denotaremos por AB o segmento de extremidades A e B e por AB sua medida.

9

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P

A

B

x

yr

C

d

OA1 A2MB1

C

Figura 2: Parabola comoLG dos pontos equidistantes aocırculo C e a reta r.

P

AB

x

y

O1O2

C1

C2

A1MB1

Figura 3: Ramo de hiperbole como LG dos pontosequidistantes a dois cırculos C1 e C2, que delimitamregioes disjuntas.

Quando as regioes circulares delimitadas por C1 e C2 nao sao disjuntas, o LG desejadoe descrito pelos pontos P que cumprem a relacao

PO1 + PO2 = ρ1 + ρ2. (1)

Definindo o eixo x como a reta que passa por O1 e O2, e o eixo y como a perpendicular

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a esta reta pelo ponto medio de O1O2, a equacao cartesiana dessa curva e

x2

a2+

y2

b2= 1, onde a =

ρ1 + ρ2

2e b =

√a2 − (O1O2)2

4.

Se a regiao delimitada por C1 contem C2 em seu interior (ou vice-versa), a elipsedescrita acima e o LG de interesse. A figura 4 ilustra que PO1 +PO2 = PA+ρ1 +BO2−ρ2 = PA− PB + ρ1 + ρ2, seguindo da relacao 1 que PA = PB.

Caso os cırculos C1 e C2 se interceptem em dois pontos distintos, a elipse e o ramode hiperbole coexistem, conforme ilustrado na figura 5.

P

A

B

x

C2

C1

y

O1O2

Figura 4: Elipse como LG dos pontos equidistan-tes a dois cırculos que delimitam regioes com pontoscomuns.

6.2 Indo alem da solucao de Romanus

Nesta secao ampliamos a ideia de Romanus para os demais casos do problema de Apolonio.Os casos analisados, bem como os LG correspondentes, estao resumidos na Tabela 1.

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P1

A1

B1

P2

A2

B2

C2

C1

x

y

O1O2

Figura 5: Elipse e ramo de hiperbole como LG dospontos equidistantes a dois cırculos que se intercep-tam em dois pontos.

Objetos Ponto Reta Cırculo

PontoCaso I

LG: reta— —

RetaCaso III

LG: parabolaCaso II

LG: reta(s)—

Cırculo

Caso IVLG: ramo dehıperbole,semi-retaou elipse

Caso VLG: parabola(s)

Caso VILG: ramo de

hiperbolee/ou elipse

Tabela 1. Resumo dos casos considerados e dos LG’s correspondentes.

Uma vez conhecidos os LG’s dos pontos equidistantes a dois dos objetos dados,e entre um desses e o terceiro, a interseccao destes dois LG’s sera o centro do cırculosolucao do problema de Apolonio. A partir do centro determinam-se os possıveis pontosde tangencia ou contato: o proprio ponto, quando este e um dos tres objetos, o pe daperpendicular a reta dada passando pelo centro obtido, ou ainda, os pontos em que assemi-retas com origem no centro que foi determinado e que passam pelo centro do cırculodado interceptam tal cırculo. Finalmente, com os pontos de contato estabelecidos, pode-se tracar a solucao desejada, construindo o cırculo que passa por tres pontos dados.Sistematizamos este procedimento em 6.5, na forma de um algoritmo.

A construcao dos objetos correspondentes ao LG dos pontos equidistantes a pontos,retas e cırculos combinados entre si e feita utilizando procedimentos que serao descritosem 6.3. Tais procedimentos trazem implıcitos, alem da propria definicao de conicas comoLG’s, apresentadas em 6.1, propriedades inerentes a essas curvas.

12

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Em todos os procedimentos trabalha-se sempre com um parametro η. Dada umaconfiguracao, diferentes escolhas para esse parametro, e a repeticao das etapas do procedi-mento decorrentes dessa escolha resultam na obtencao de diferentes pontos pertencentesao LG procurado. Para simplicar a referencia a tais pontos, vamos denomina-los de pontosinteressantes (PI’s).

No caso de uma construcao que faz uso apenas de regua e compasso, a visualizacaoda curva obtida dependera do numero de PI’s determinados, e portanto, do numero deescolhas feitas para o parametro η. A inconveniencia de se repetir o mesmo procedimentoinumeras vezes e superada com o trabalho em ambientes de GD. Alem disso, a GD propiciao acesso a conica propriamente dita, conforme veremos ao longo dessa secao. Dessa forma,a GD nos oferece recursos que derrubam a crıtica que Viete fez a Romanus ao solucionaro problema de Apolonio via conicas.

O Cabri dispoe da ferramenta Lugar Geometrico para a obtencao de LG’s quais-quer, que ‘constroi automaticamente o lugar geometrico descrito pelo movimento de umobjeto ao longo de uma trajetoria’ (cf. Ajuda).

Em particular, em nossas construcoes, e essa ferramenta que nos permite parametri-zar os PI’s em termos de η, cuja variacao e controlada em termos de valores de referenciada configuracao dada, como a medida de um segmento ou o raio de um cırculo.

Por exemplo, dada uma medida β, para construir um segmento com medida η > β,podemos tomar η como a hipotenusa de um triangulo retangulo que tem como um doscatetos o valor β fixo e determinar o LG dos PI’s em relacao ao vertice livre, quandoeste se move na reta que contem o outro cateto. Por outro lado, se quisermos η < β,construımos um segmento de medida β, tomamos um ponto sobre ele e determinamos oLG dos PI’s em relacao a este ponto, quando se move nesse segmento.

Destacamos que, embora visualmente o LG seja uma curva, para o Cabri, e apenasum conjunto de pontos. Apesar de poder tomar pontos sobre o LG, nao e possıvel obtera intersecao de dois LG’s. No entanto, por sabermos de antemao que os LG’s sao conicas,essa dificuldade e contornada por meio da opcao Conica, que ‘constroi uma conica definidapor cinco pontos’ (cf. Ajuda), objeto este que admite intersecao com outros.

6.3 Procedimentos para as construcoes

Encaminhamos a seguir os procedimentos para a construcao dos PI’s, utilizando tecnicasde desenho geometrico, nos diferentes casos. Nesta subsecao, utilizaremos a seguintenotacao:

a. Objetos dados20: ponto (P ), reta (r) e cırculo (C);

b. Pontos auxiliares: A, B, D, E, F e G;

c. Pontos medios que sao PI’s: M ;

d. Retas auxiliares: s e t;

e. Semi-retas auxiliares: u e v;

f. Cırculos auxiliares: D, E e F .

20Utilizaremos subındices caso existam dois objetos do mesmo tipo.

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I. LG dos pontos equidistantes a dois pontos nao coincidentes P1 e P2

A mediatriz do segmento P1P2 e o LG dos pontos equidistantes.

II. LG dos pontos equidistantes a duas retas nao coincidentes r1 e r2

1. r1 e r2 paralelas.Traca-se uma perpendicular a r1 e a r2, que cruza estas retas em dois pontosA e B. A seguir, traca-se a mediatriz do segmento AB. Esta reta e o LGprocurado.

2. r1 e r2 concorrentes.As bissetrizes dos angulos formados pelas duas retas compoem o LG dos pontosequidistantes.

III. LG dos pontos equidistantes a uma reta r e um ponto P

1. P pertence a r.Neste caso, o LG e a perpendicular a r passando por P .

2. P nao pertence a r. (figura 6)

(a) Traca-se s, a perpendicular a r passando por P . A reta s cruza r em umponto A;

(b) O ponto medio M do segmento PA e um PI;

(c) Para um parametro η > PM , traca-se o cırculo D(P, η);

(d) Encontra-se o ponto B pertencente a−→AP tal que AB = η;

(e) Por B traca-se uma perpendicular t a s;

(f) Os pontos em que t cruza D sao PI’s.

IV. LG dos pontos equidistantes a um cırculo C(O, ρ) e um ponto P

1. P nao pertence a regiao delimitada por C. (figura 7)

(a) Traca-se a semi-reta−→OP , que cruza C em um ponto A;

(b) O ponto medio M de PA e um PI;

(c) Traca-se uma outra semi-reta u partindo de O, em uma direcao arbitraria,que cruza C em um ponto B;

(d) Para um parametro η > PM , traca-se um cırculo D(P, η);

(e) Traca-se o cırculo E(B, η); o ponto exterior a C, que cruza a semi-reta u,sera denominado D;

(f) Traca-se o cırculo F(O,OD);

(g) Os pontos nos quais D e F se cruzam sao PI’s.

2. P pertence ao cırculo C.A semi-reta

−→OP e o LG procurado.

3. P pertence ao interior da regiao delimitada por C. (figura 8)

(a) Traca-se a semi-reta−→OP , que cruza C em um ponto A;

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(b) O ponto medio M de PA e um PI;

(c) Para um parametro η < ρ + PM , traca-se um cırculo D(A, η);

(d) O cırculo D cruza−→OP em dois pontos; o ponto interno ao cırculo C sera

denominado B;

(e) Traca-se um cırculo E(O,OB);

(f) Traca-se um cırculo F(P, BA);

(g) Os pontos nos quais E e F se cruzam sao PI’s.

No caso particular em que P coincide com O, a curva obtida e o cırculo decentro O e raio ρ

2.

V. LG dos pontos equidistantes a uma reta r e um cırculo C(O, ρ)

1. r e C nao se interceptam. (figura 9)

(a) Traca-se s, a perpendicular a r passando por O, que cruza r em um pontoA;

(b) A reta s cruza o cırculo C em dois pontos, sendo B o mais proximo de r;

(c) O ponto medio M do segmento AB e um PI;

(d) Para um parametro η > BM + ρ, traca-se o cırculo D(O, η);

(e) O cırculo D cruza s em dois pontos, sendo D o mais proximo de r;

(f) Encontra-se o ponto E pertencente a semi-reta−→AO tal que BD = AE;

(g) Por E traca-se uma perpendicular t a s;

(h) Os pontos em que t cruza D sao PI’s.

2. r e C se interceptam. (figura 10)

Neste caso, o(s) ponto(s) comum(ns) e(sao) PI(’s). Alem disso, no passo (1f),

devemos considerar tanto a semi-reta−→AO quanto a semi-reta

−→AB, determi-

nando assim dois pontos E1 e E2. Obteremos entao duas parabolas com con-cavidades contrarias.

Para o caso particular em que O e A coincidem, obteremos em (1b) dois pontosB1 e B2; em (1e) dois pontos D1 e D2 e, consequentemente, duas retas t1 e t2em (1g). Teremos entao duas parabolas simetricas.

VI. LG dos pontos equidistantes a dois cırculos C1(O1, ρ1) e C2(O2, ρ2)

1. As regioes delimitadas por C1 e C2 sao disjuntas. (figura ??)

(a) Tracam-se duas semi-retas u e v, a partir dos pontos O1 e O2, respectiva-mente, em direcoes arbitrarias;

(b) Sejam A e B os pontos em que u e v cortam C1 e C2, respectivamente;

(c) Traca-se o segmento O1O2, e sejam os pontos D e E as intersecoes destesegmento com os cırculos C1 e C2, respectivamente;

(d) O ponto medio M do segmento DE e um PI;

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(e) Para um parametro η > ρ1 + DM traca-se o cırculo D(O1, η), que cruza uno ponto F .

(f) Encontra-se o ponto G pertencente a v tal que BG = AF ;

(g) Traca-se o cırculo E(O2, O2G);

(h) Os pontos nos quais D e E se cruzam sao PI’s.

2. C1 e C2 se interceptam.

******COMPLETAR

3. A regiao delimitada por C1 esta contida em C2.

******COMPLETAR

Figura 6: Parabola como LG dos pontosequidistantes a um ponto P e uma reta r.

Figura 7: Parabola como LG dos pontosequidistantes a um cırculo C e um ponto P

nao pertencente a regiao delimitada por C.

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Figura 8: Elipse como LG dos pontos equi-distantes a um cırculo C e um ponto P per-tencente ao interior da regiao delimitada porC.

Figura 9: Parabola como LG dos pontosequidistantes a uma reta r e um cırculo C quenao se interceptam

6.4 Comentarios sobre as construcoes

Nas construcoes usando o Cabri, obtivemos os LG’s de interesse descritos em termosdo parametro η utilizando o recurso Lugar Geometrico, conforme descrito em 6.2. Domesmo modo que ocorre com construcoes com regua e compasso, percebemos que a qua-lidade do resultado obtido depende do numero de pontos utilizados. O Cabri oferece aopcao de ajustar o numero de pontos no lugar gemetrico21. As ilustracoes deste trabalhoforam produzidas com a escolha de 5000 pontos.

Em consequencia dos procedimentos produzirem pares de PI’s, observamos que os

21Opc~oes -> Preferencias-> Opc~oes para lugares geometricos-> Numero de objetos nolugar geometrico

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Figura 10: Parabolas com convavidadescontrarias, representando o LG dos pontosequidistantes a uma reta r e um cırculo C quese interceptam.

Figura 11: Hiperbole cujo ramo e o LG dospontos equidistantes a dois cırculos C1 e C2 quedelimitam regioes disjuntas.

LG’s sao construıdos em duas metades, conforme cada ponto desse par varia em relacaoao parametro η. Os vertices das conicas sao construıdos isoladamente, e as construcoesestao apoiadas nesses pontos medios.

No caso dos objetos se interceptarem (reta e cırculo ou dois cırculos), percebemosque o LG ‘aparece’ por partes, ficando cada uma delas de um dos lados dos semi-planosdelimitados pela reta que passa pelos pontos de intersecao entre os objetos. Isso e ilustradona figura 12, para o caso V (reta e cırculo). No caso VI (dois cırculos), notamos que otrecho da elipse e o trecho do arco de hiperbole no mesmo semi-plano sao tracados juntos.

Conforme observamos anteriormente, a solucao do problema de Apolonio via conicasrequer a intersecao dessas curvas. No Cabri isso so e possıvel colocando-se cinco pontossobre o LG construıdo e entao tracando-se a conica que passa por eles. Escolhemossempre o ponto medio, o par de PI’s obtido pelas intersecoes dos cırculos auxiliares eoutros dois pontos quaisquer sobre o LG. No caso VI, quando os dois cırculos delimitam

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Figura 12: Uma das partes do LG, que ‘apa-rece’ de um dos lados dos semi-planos deli-mitados pela reta que passa pelos pontos deintersecao entre os objetos (no caso, reta ecırculo).

regioes disjuntas, observamos que a a construcao da conica por cinco pontos introduz ooutro ramo da hiperbole, que nao e o LG.

Embora os objetos dados estejam fixos, na construcao via GD pode ser convenientemove-los para enxergar melhor sobreposicoes, intersecoes, ou mesmo acomodar a cons-trucao a janela de visualizacao. Por outro lado, a possibilidade do movimento propiciadopela GD nos instiga a mover os objetos e observar o que acontece com os procedimentosem termos das posicoes relativas entre eles. Desse modo, passamos a planejar ‘dinamica-mente’ as nossas construcoes, no sentido de produzir configuracoes robustas, validas paraa maior variacao possıvel entre as posicoes relativas. No caso V (cırculo e reta), obser-vamos que com o movimento dos objetos, o procedimento no caso em que reta e cırculose interceptam engloba o caso em que nao ha intersecao, mas o contrario nao e verdade.Alem disso, ao tentarmos simplesmente mover o cırculo para que tangencie a reta (ouvice-versa), notamos que a parabola nao se converte na semi-reta esperada, consequenciade nao se obter ‘manualmente’ um unico ponto de tangencia, conforme ilustra a figura 13.

Da mesma forma, no caso IV (cırculo e ponto), quando movemos um ponto externoou interno para que fique sobre o cırculo, nao temos uma construcao precisa, e a parabolanao ‘fecha’ na semi-reta desejada. Vale dizer que as construcoes para ponto externoou interno ao cırculo sao distintas. Percebemos que existe um paralelo entre este e ocaso VI (dois cırculos) em termos das posicoes relativas entre os objetos. Adotam-seprocedimentos diferentes para obtencao da curva desejada caso os cırculos delimitem ounao regioes disjuntas, ou ainda se sobreponham. A sistematizacao do caso em que oscırculos se interceptam nao foi feita em [22]. Foi a GD que nos permitiu perceber acoexistencia da elipse com o ramo de hiperbole. Alem disso, a amarracao do parametroη com os dados do problema, ausente em [22], foi descoberta algebricamente e validadacom o auxılio da GD.

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Figura 13: A menor abertura conseguidapara a parabola ao tentarmos encontrar ‘ma-nualmente’ o ponto de tangencia entre ocırculo π e a reta r.

6.5 Resolucao do problema de Apolonio

O algoritmo a seguir sistematiza o procedimento para resolver o problema de Apolonio apartir dos elementos trabalhados e da analise desenvolvida. As figuras 14 a 17 as solucoesobtidas para diferentes objetos iniciais.

Algoritmo para tracar uma solucao do problema de Apolonio

Dados: objetos O1, O2 e O3.

1. Construir L1 = LG dos pontos equidistantes a O1 e O2 e L2 = LG dospontos equidistantes a O1 e O3 (ou O2 e O3).

2. Determinar P ∈ L1 ∩ L2, centro do cırculo solucao C∗.

3. Obter Tj ponto de tangencia entre C∗ e o objeto Oj, j = 1, 2, 3:

(a) Se Oj e um ponto, Tj = Oj.

(b) Se Oj e uma reta, tracar a reta r perpendicular a Oj passando porP e entao {Tj} = r ∩ Oj.

(c) Se Oj e um cırculo, com centro Oj, tracar a semi-reta−−→POj e

{Tj} =−−→POj∩Oj.

4. Tracar o cırculo C∗ passando por T1, T2 e T3.

No passo 2, e possıvel que os LG’s interceptem-se em mais de um ponto, dependendodos objetos iniciais e das posicoes relativas entre eles, o que produz solucoes distintas para

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Figura 14: Duas solucoes parao problema de Apolonio no casoem que objetos iniciais sao oponto P , a reta r e o cırculo cen-trado em O.

Figura 15: O ponto P e as retasr e m ilustram o caso PRR.

Figura 16: Solucao para o casoPPC, dados os pontos P e Q e ocırculo centrado em C1.

Figura 17: O caso CCC doproblema de Apolonio, resolvidocom o mesmo enfoque de Roma-nus.

o problema, conforme ilustrado nas figuras 14, 15 e 17.Bruen et al. [9] analisam em seu artigo as diversas configuracoes entre os tres

objetos dados, explicitando tambem o numero de solucoes do problema para cada umadelas. Dessa forma, poderıamos pensar em ‘dezenas’ de problemas de Apolonio, quecorresponderiam as diferentes combinacoes entre as posicoes relativas dos objetos iniciais,sendo este numero muito maior que os dez casos anteriormente apresentados.

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7 Nossas tensoes com a GD

A exploracao dos LG’s dinamicamente auxiliou a validacao dos roteiros propostos e aampliacao do repertorio de possıveis configuracoes, que dificilmente seriam perceptıveiscom o trabalho estatico com lapis e papel.

Com a utilizacao de um software de GD, esperavamos que as construcoes associa-das pudessem ser bastante reduzidas, pois acreditavamos que o dinamismo proporcionadopelo ambiente computacional permitisse englobar diversas configuracoes em uma unicaconstrucao. Entretanto, a combinacao dos objetos iniciais e suas posicoes relativas, emconjunto com as construcoes auxiliares e suas hipoteses intrınsecas, ampliaram as possi-bilidades a serem analisadas.

A existencia de certos pontos sobre os quais se apoiam nossas construcoes fica de-pendente da posicao relativa entre os objetos. Isso justifica a instabilidade de algumasconstrucoes, que ‘sumiam’ e ‘reapareciam’ conforme movimentavamos os objetos. Issogerou indignacao, e ate mesmo desespero em momentos diversos do nosso trabalho. Alimitacao era da maquina ou nossa?

Vimos que nossa pretensao inicial de se obter uma estrategia valida para diferentesconfiguracoes, para quaisquer objetos iniciais e para todas as combinacoes entre eles, erautopica. Vale mencionar que nossa primeira tentativa de resolucao para o problema deApolonio envolveu inversoes e GD, e ja nesta etapa, a busca da estrategia geral ia ‘por aguaabaixo’ a cada dia que se passava. Apostamos entao nas conicas como uma alternativapara concretizar o nosso sonho. Pensavamos que as potencialidades da GD estavam aonosso favor na producao das curvas que imortalizaram Apolonio.

Entretanto, nossa crenca em um software de GD que desse conta de resolver nossoproblema foi abalada com as instabilidades nas construcoes produzidas, culminando emseu desaparecimento, totalmente em desacordo com o que esperavamos obter.

Dessa forma, se por um lado a GD facilita e sistematiza as diversas construcoes, poroutro lado surgem novos desafios decorrentes do trabalho em ambientes informatizados.Embora nas investigacoes decorrentes da busca de solucao do problema de Apolonio tenha-mos ampliado nossas perspectivas, tanto no repertorio da Geometria quanto no domıniodo recurso computacional, deixamos em aberto a apresentacao da estrategia geral inici-almente almejada. Talvez seja essa uma caracterıstica do proprio problema de Apolonio:instigar descoberta, pesquisa e criacao, e mobilizar novas indagacoes.

8 Algumas consideracoes sobre a GD

Para finalizar este trabalho, gostarıamos de refletir sobre o uso de tecnologias existen-tes, em particular dos programas de geometria dinamica, como forma de auxiliar ou atemesmo superar dificuldades inerentes a compreensao do raciocınio geometrico. E notavelo interesse crescente de pesquisadores e educadores na exploracao das potencialidades dosprograma de GD. Iniciativas recentes, genuinamente nacionais, como o i-Geom22 e o Ta-

22Programa gratuito de Geometria Interativa na Internet, desenvolvido pelo professor Leonidas OliveiraBrandao (IME-USP), disponıvel em http://www.matematica.br/igeom.

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bulæ23 ampliam o repertorio de material de trabalho. No artigo [8], os autores apontamas caracterısticas principais da GD como recurso didatico no ensino da Geometria.

De acordo com Gravina & Santarosa [17], essas ferramentas “... trazem em seusprojetos recursos em consonancia com a concepcao de aprendizagem dentro de uma abor-dagem construtivista, a qual tem como princıpio que o conhecimento e construıdo a partirde percepcoes e acoes do sujeito, constantemente mediadas por estruturas mentais ja cons-truıdas ou que vao se construindo ao longo do processo”.

Desta maneira, podemos dizer que a aprendizagem depende de acoes que se opo-nham ao papel passivo do aprendiz frente a apresentacao formal do conhecimento, baseadaessencialmente na transmissao ordenada de ‘fatos’, geralmente na forma de definicoes epropriedades. Ao contrario, e proposta uma aprendizagem baseada em acoes que carac-terizam o ‘fazer matematica’: experimentar, interpretar, visualizar, induzir, conjecturar,abstrair, generalizar e enfim demonstrar. Assim, segundo Fainguelernt [15] “... e funda-mental que se oferecam ambientes verdadeiramente interessantes nos quais (...) se possaexplorar, usar e brincar com a Matematica”.

Conforme afirma Gravina [16], “... se pensarmos em Geometria como processo de in-teriorizacao e apreensao intelectual de experiencias espaciais, o aprendizado passa por umdomınio das bases de construcao deste ramos do conhecimento, onde a abstracao desem-penha papel fundamental”. Assim, ao analisarmos os processos de formacao do conceitode objeto geometrico e da transicao entre o experimental e o abstrato, evidenciamos oquanto os softwares com recurso de ‘desenho em movimento’ podem ser ferramentas ideaisna superacao das dificuldades. Surge, dessa forma, um novo auxılio na aprendizagem deGeometria, onde, a partir da exploracao experimental viavel apenas em ambientes infor-matizados, e possıvel que se facam conjecturas e, com o feedback constante oferecido pelamaquina, sejam corrigidas ou refinadas, chegando-se a fase abstrata de argumentacao edemonstracao matematica.

Dentro desta perspectiva, classificamos os softwares de GD como ferramentas deconstrucao, com as quais desenhos de objetos e configuracoes geometricas sao feitos apartir das propriedades que os definem. Por meio de deslocamentos aplicados aos elemen-tos que compoem o desenho, este se transforma, mantendo as relacoes geometricas que ocaracterizam. Assim, para um dado objeto, temos associada uma colecao de ‘desenhos emmovimento’, e os invariantes que aı aparecem correspondem as propriedades geometricasintrınsecas da situacao em analise.

De acordo com Baldin e Villagra [3], varias sao as possibilidades que o uso dainformatica, em particular programas de GD, pode trazer ao cenario de ensino e apren-dizagem. Dentre elas destacamos a linguagem visual, que estimula um novo meio decomunicacao de conceitos abstratos, tornando a tarefa de compreensao da linguagem ma-tematica mais agradavel, e a interatividade, que permite a investigacao de propriedades,conjecturas de novas propriedades, confirmacao de resultados, etc.

Em suma, compartilhando das opinioes de Guimaraes, Belfort & Bellemain[18], de-fendemos uma Geometria que envolva um amplo espectro de atividades, iniciando-se pelaexploracao concreta e experimentacao, passando pelo ato de conjecturar e chegando ateas provas formais. Sua importancia vai muito alem da simples aquisicao de conteudos pre-

23Programa desenvolvido pelo grupo dos professores Luiz Carlos Guimaraes e Elizabeth Belfort (IM-UFRJ).

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determinados. Envolve o desenvolvimento da compreensao, nao apenas em Matematica,mas na ciencia em geral. Sob este ponto de vista, sofwares de Geometria Dinamica temuma contribuicao especıfica a dar, oferecendo novas representacoes de objetos geometricosque, de alguma forma, ‘concretizam’ a figura formal. O trabalho com estes programasoferece formas alternativas de aprender Geometria e, como consequencia, novas formasde ensina-la.

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