O Institucional e o Constitucional

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    O Institucional e o Constitucional

    Responsabilidade e realismo na anlise do processo poltico brasileiro1

    Fbio Wanderley Reis

    Pois essa autoridade como um trunfo num jogo de cartas; salvoque, em matria de governo, quando de nada mais se dispe, osporretes so trunfos.

    Thomas Hobbes

    I

    Entre os requisitos do processo de institucionalizao poltica, o pro-fessor Samuel Huntington, que se celebrizou recentemente entre ns emconsequncia do debate sobre a institucionalizao do "modelo polticobrasileiro", inclui dois aspectos que merecem ser vistos comoespecialmente relevantes. Em primeiro lugar, aquele processo envolve anecessidade de que a esfera das decises polticas venha a apresentar

    determinado grau de autonomiacom respeito s "foras sociais" que sedefrontam na coletividade, de sorte que a beligerncia que tenderia aresultar do enfrentamento poltico direto de tais foras possa ser substitudapela mediao de canais institucionais que lhes deem expresso organizada.Em segundo lugar, faz-se necessrio que a aparelhagem organizacional queassegura a autonomia da esfera poltica revele igualmente certo grau deadaptabilidade, de forma a mostrar-se permevel aos interessescorrespondentes s diversas foras sociais e sobretudo aos novos focos de

    interesses que emerjam em qualquer momento dado.2

    1 Comunicao apresentada ao simpsio "Perspectivas Polticas do Brasil Contemporneo",XXVII Reunio Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia, Belo Horizonte,

    julho de 1975. Publicada em Cadernos DCP, n. 3, maro de 1976.

    2 Cf. Samuel P. Huntington, Political Order in Changing Societies (New Haven: Yale

    University Press, 1968), pp. 12 ss.

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    Um problema que a anlise do prprio Huntington no destaca o datenso existente entre esses dois requisitos, os quais situam demandas quese orientam em direes claramente contraditrias. Assim, um grauexcessivo de autonomia do aparato poltico-institucional com respeito s

    foras sociais subjacentes vir necessariamente comprometer o requisito deadaptabilidade; da mesma forma, o requisito de autonomia estar por suavez comprometido em condies de excessiva adaptabilidade, nas quais aarena institucional, ao invs de representar o instrumento de mediao ecanalizao organizacional dos conflitos de interesses, surja como asimples expresso imediata dos resultados mais ou menos permanentes oucircunstanciais de tais conflitos.

    O objetivo de se alcanar o necessrio equilbrio nas relaes entreos dois aspectos pode ser traduzido em termos de uma redefinio ouqualificao da ideia mesma de autonomia. Tal redefinio estaria baseadana distino de dois diferentes nveis no que se refere aos interesses que sedo em qualquer coletividade. No primeiro deles, que caberia designarcomo o nvel constitucional, temos demandas fundamentais por parte dosdiversos grupos que coexistem na sociedade, ou seja, aquelas demandasque dizem respeito s prprias garantias de adequadas oportunidades de

    realizao de seus interesses no dia a dia do jogo poltico. Tais demandastm a ver, portanto, com as feies a serem assumidas pela prpriaorganizao poltica da coletividade. O segundo nvel, o operacional,corresponde precisamente confrontao cotidiana de interesses tpicos ecircunstanciais, que, assumindo formas cambiantes e instveis, emergem,associam-se e se opem de acordo com as vicissitudes do processo polticoe econmico no mbito definido pela soluo dada ao problemaconstitucional.3

    Ora, na perspectiva situada pelo tema da institucionalizao politca,a autonomia que se trata de assegurar para as organizaes e osprocedimentos polticos refere-se aos interesses que ocorrem ao nveloperacionalda vida poltica. Se tal autonomia h de ser efetiva quanto agarantir o enfrentamento pacfico de interesses cotidianos, porm,

    3 A distino entre os nveis constitucional e operacional da vida poltica elaborada em James

    M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent: Logical Foundations ofConstitucional Democracy (Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1962).

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    indispensvel que a aparelhagem institucional que procura enquadrar ojogo politico noseja autnoma com respeito s demandas bsicas que sedo ao nvel constitucional. Pois autonomia com respeito a tais demandas isto , a ausncia de garantias destinadas a assegurar adequadas chances de

    realizao dos interesses correspondentes a todos os diferentes grupos ouforas sociais que compem a coletividade significafaltadeadaptabilidade, envolvendo inevitavelmente a subjugao de determinadasforas sociais por outras e o predomnio da coero e do arbtrio sob formasabertas ou veladas. Por outras palavras, institucionalizao poltica, bementendida, precisamente a soluo ou o encaminhamento da soluo do problema constitucional: os interesses que surgem ao nvelconstitucional so precisamente aqueles que supostamente se acomodam e

    cuja coexistncia se organiza atravs do processo de institucionalizaopoltica, e no cabe supor autonomia das organizaes polticas face a taisinteresses se se trata de institucionalizao poltica.

    A ntida definio das exigncias do processo de institucionalizaopoltica a que se pode assim chegar, com base na distino entre os nveisconstitucional e operacional da convivncia poltica, situa-se, contudo, numplano analtico que se caracteriza pela ausncia de referncia s

    circunstncias histricas concretas que fatalmente condicionam as formasde organizao poltica de uma coletividade em qualquer momento dado.Com efeito, a plena sensibilidade dos arranjos "constitucionais" aosdiversos interesses e a consequente garantia de equidade nas "regras do

    jogo" destinadas a regular a confrontao cotidiana ou "operacional" de taisinteresses s se veriam asseguradas nas condies visualizadas pela ficodo "contrato social" que informa certa tradio do pensamento poltico.Trata-se a de imaginar como se comportariam indivduos livres e racionais

    ao procurar decidir, a partir de um suposto estado natural, as formas queiro definir sua convivncia organizada numa sociedade civil a inaugurar-se. Se se supe, como caracterstico de certas discusses filosficas doproblema da justia social, que os indivduos em questo no tmconhecimento prvio da maneira pela qual cada um deles se ir situar comrespeito ao controle de possveis fatores de influncia, poder ou privilgio,cabe presumir que sua prpria racionalidade os levar a concordar sobrenormas que regulem de maneira perfeitamente neutra a convivncia

    cotidianaou, por outras palavras, sobre uma "constituio" que se mostre

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    perfeitamente "autnoma" e isenta face a qualquer configurao particularque venha eventualmente a resultar das vicissitudes da confrontao deinteresses no futuro.4 A situao assim visualizada se ilustra com o caso deum conjunto de pessoas que deliberem sobre as regras de um jogo de salo

    ou uma competio esportiva em que se disponham a participar, onde aexigncia central ser, a partir de uma situao inicial de igualdade dosparticipantes, a de imparcialidade das regras, que no podero ser alteradasem funo de quem esteja perdendo ou ganhando em determinadomomento.

    Qualquer que seja a utilidade heurstica e analtica do modelo docontrato social, o drama da vida poltica em sua dimenso histrica reside

    em que o que se pode eufemisticamente designar como o processo dedeliberao social sobre as formas de institucionalizao e organizao dacoexistncia envolve antes de tudo um problema de relaes de poder com a agravante de qua no se normalmente livre para decidir quanto aparticipar ou no do jogo. Em outros termos, a "soluo" do problemaconstitucional assume feies histricas nas quais o processo deinstitucionalizao e reinstitucionalizao de formas polticas dadasexpressar inevitavelmente as desigualdades que caracterizam as posies

    relativas dos diversos focos de interesses em qualquer momento que seeleja considerar como a "situao inicial" de nosso exemplo da competioesportiva. Alm disso, a particular estrutura objetiva de desigualdade ou derelaes de poder que caracteriza uma coletividade em determinadacircunstncia se reflete, no plano subjetivo, na vigncia mais ou menosdifundida ou hegemnica de concepes ideolgicas que lhe so afins e alegitimam, carregando de um carter "opaco" o elemento de poder oudominao prprio da estrutura em questo e tornando consequentemente

    problemtica a questo da medida em que cabe esperar que os diferentesfocos de interesses em presena venham a situar-se racionalmente perante o

    4 Recente e extensa discusso filosfica do problema da justia social ao longo dessas linhas sepode encontrar em John Rawls,A Theory of Justice (Cambridge: Harvard" University Press,1971). Uma aplicao da concepo de justia como "fairness", j formulada por Rawls emtrabalhos anteriores, a problemas que emergem no estudo emprico das relaes entre classessociais se encontra em W. G. Runciman,Relative Deprivation and Social Justice (Los Angeles:University of California Press, 1966). Tentativa de elaborao pormenorizada de uma teoria doaspecto constitucional da convivncia poltica a partir da perspectiva contratualista se tem em

    Buchanan e Tullock, The Calculus of Consent, op. cit.

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    projeto "constitucional" dominante que lhe corresponde. A considerao doaspecto de poder inerente a qualquer processo concreto deinstitucionalizao ou re-institucionalizao poltica leva, assim, a ver comreservas a relevncia da noo de institucionalizao acima formulada, na

    acepo "contratualista" em que tomamos o termo, para a discusso desituaes concretas em que o problema institucional adquira salincia.

    No obstante, a legitimao de uma forma de organizao polticano jamais automtica, nem sua legitimidade est jamais protegida deuma vez por todas contra qualquer questionamento. Por outro lado, emboraobscura a percepo que revelem determinados setores ou "foras sociais"da conexo entre seus interesses imediatos ou cotidianos e a forma

    assumida pela organizao poltica geral da coletividade, tais interesses saosuscetveis de se consolidar e projetar na ao poltica em direes nemsempre controlveis, ainda que mobilizados em condies de heteronomiae sob lideranaas estranhas aos setores em questo. Em particular, nosmomentos em que adquire relevo o tema institucional o problema"constitucional", em ltima anlise, que est sempre presente de maneirasubjacente. Somadas ao trusmo da anlise poltica segundo o qualnenhuma forma de organizao poltica pode esperar basear-se

    indefinidamente na pura e simples coero, so consideraes desse tipo,naturalmente, que permitem fazer sentido do fato, sob certa luz paradoxal,de que um sistema autoritrio como o que se encontra atualmente em vigorem nosso pas seja levado a se colocar como objetivo expresso a "abertura"ou "distenso" e a situar como tema de debate pblico o problema dainstitucionalizao poltica. De que maneira avaliar os prospectos doprojeto oficial de institucionalizao, e como colocar-se diante do debatecorrespondente?

    II

    As condies em que se desenvolve no Brasil o debate sobre aabertura ou institucionalizao poltica apresentam como caractersticamarcante o fato de que se trata de um debate "consentido", isto , de que otema s possa emergir ou subsistir como objeto de debate na medida emque os prprios titulares do poder autoritrio o promovam. O peso

    desproporcional de que assim gozam decises que emanam do prprio

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    ncleo de poder autoritrio no que se refere incluso do problemainstitucional entre os itens da agenda poltica do pas parece indicarclaramente a debilidade dos setores da sociedade que mais teriam a ganharcom a abertura, o que tem a ver precisamente com as condies que

    respondem pela existncia do regime autoritrio. No obstante, o fato deque tal tema seja promovido pelo poder autoritrio, e adquira salinciacrescente, justifica, em seu aparente ineditismo, presumir que a base emque se assenta a prolongada permanncia do regime apresenta seus prpriospontos dbeis. Para os setores de opinio interessados na efetiva superaodos traos que definem o carter autoritrio do atual regime, o quadroparadoxal que assim se estabelece situa dilemas diversos, que podem,porm, em seu aspecto fundamental, formular-se em termos da necessidade

    de optar ou situar-se entre (1) o realismo imposto pela verificao,aparentemente evidente, de que a possibilidade de xito de qualquer projetode abertura est condicionada a sua aceitabilidade aos olhos do prpriopoder autoritrio e (2) a preocupao de assegurar que o que venha aresultar do processo de "distenso" corresponda autntica democratizaoda vida poltica brasileira.

    No debate do problema que se tem desenrolado nos ltimos anos, a

    preocupao de "realismo" parece haver predominado claramente. Semdvida, seria evidentemente equivocado supor que todos os protagonistasdesse debate se incluam entre os setores interessados na efetiva superaodo autoritarismo de que acima falvamos. Frequentemente se trata de gentebasicamente interessada na permanncia do atual regime, para quem oproblema da institucionalizao envolve apenas, em ltima anlise, aquesto de reduzir a margem em que tal permanncia depende dacapacidade de coero direta; por outras palavras, de viabilizar o prprio

    regime em seus componentes fundamentais. Contudo, o af de realismotem contaminado amplamente com consequncias que nos parecemnegativas para o prprio diagnstico do panorama poltico brasileiro emque tem naturalmente que pretender fundar-se uma posio "realstica" mesmo aquelas correntes que parecem empenhadas na transformao maissubstancial das condies polticas no pas. Particularmente relevantes noquadro de um simpsio como o presente, que se ocupa de problemas deanlise poltica num contexto que deveria induzir-nos a consider-la do

    ponto de vista de seu carter de cincia e da objetividade de suas

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    proposies, observar que o af de realismo parece vir interferindo com aadequada apreenso de dimenses ou aspectos importantes do quadrosociopoltico brasileiro por parte mesmo de especialistas que pretendemvaler-se de uma perspectiva cientfica, dos quais caberia esperar a

    contribuio mais importante na obteno do diagnstico referido.

    Desnecessrio falar da procura algo frentica de frmulas com quecertos setores da "imaginao poltica criadora" tm respondido ao apelopresidencial. Ou dos dilemas de um partido de oposio forado a mover-senum contexto de presses e restries imediatas que lhe impem levar acautela ao ponto de arriscar desfigurar-se como o portador de umamensagem que o transformou, nas ltimas eleies, no smbolo escolhido

    para um protesto de mbito nacional. Mais significativa, do ponto de vistaem que aqui nos colocamos, a propenso a aceder demasiadoprontamente a uma acomodao "realstica" ao suposto vigor do regimevigente a ser encontrada em anlises das quais deveramos esperar tanto asensibilidade para os aspectos contraditrios do panorama nacional quantoa detida ponderao das possveis consequncias, a longo prazo, dasrecomendaes que delas derivam. Sem pretender imputar motivaesescusas de qualquer ordem a quem quer que seja, mas visando antes ilustrar

    a maneira de situar-se intelectualmenteperante o problema polticobrasileiro que aqui temos em mente, tal propenso nos parece revelar-se,por exemplo, no privilgio concedido em certas anlises aos "interesses nonegociveis" dos titulares do poder autoritrio na discusso das alternativasque se abrem para o pas nas prximas dcadas;5 ou no fato de que tenhasido possvel recentemente atribuir oposio, por sua suposta recusa dereconhecer ao governo o direito de governar, a responsabilidade principalpela permanncia do presente quadro de rigidez poltica;6 ou na tendncia,

    reiteradamente manifestada no congresso de cientistas polticos realizadoem agosto de 1974 no Rio de Janeiro, de ver numa espcie de renncia porparte do prprio poder legislative brasileiro a razo principal da falta devitalidade que o vinha marcando desde 1968, bem como de buscar para oCongresso nacionaldiante dos supostos riscos de que essa falta de

    5 Cf. Hlio Jaguaribe,Brasil: Crise e Alternativas (Rio: Zahar, 1974).

    6 Essa sugesto est contida em algumas das anlises realizadas por Wanderley Guilherme dosSantos na srie de artigos que fez publicar noJornal do Brasil h alguns meses.

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    vitalidade viesse a culminar em seu fechamento puro e simples funesque lhe resguardassem a sobrevivncia formal ao preo de descaracteriz-lo, com sua transformacao em um rgo de estudos ou think tank, comoinstituio destinada a representar os interesses da coletividade. Esta ltima

    ilustrao, referindo-se a algo ocorrido apenas alguns meses antes da amplavitria oposicionista nas eleies de novembro de 1974 e da consequenterevitalizao do Congresso como frum de debates de importantesproblemas nacionais, parece-nos especialmente reveladora ao ponto dacaricaturados riscos envolvidos na capitulao realstica que buscamosressaltar. Sem falar, naturalmente, da surpresa que os resultados daseleies de 1974, em si mesmos, representaram para todos aqueles que, pordever de ofcio, deveramos estar atentos ao panorama poltico do pas.

    No se trata, evidentemente, de contrapor ao esforo de anliserealista e objetiva dos problemas do cenrio poltico brasileiro dos diasatuais a proposta de um voluntarismo a toda prova ou de umaventureirismo irresponsvel. Cabe notar que esse esforo, se exclumossua expresso caricatural em certos casos e a procura interessada defrmulas de "regularizao" do prprio autoritarismo, com frequnciarequer e evidencia a coragem de pensar autonomamente e de sustentar

    posies impopulares junto a certos pblicos que se incluem entre osconsumidores das anlises produzidas. Tampouco se trata, digamo-loclaramente, de confundir os objetivos ou prioridades e trazer gua aomoinho dos que denunciam e buscam solapar, em nome de metas radicais,a procura dos meios de viabilizar uma abertura poltica efetiva. Por outraspalavras, o objetivo a ser buscado na conjuntura poltica brasileira o dademocratizao do processo poltico e o da efetiva instaurao do estado dedireito. Em vez do convite irresponsabilidade, trata-se aqui de trazer ao

    debate duas ponderaes principais que visam antes a permitir redefinir osignificado de urna postura "realista" em lugar da acomodao "durarealidade", a preocupao de no deixar que nos escapem aqueles aspectosda realidade que podem servir de alavancas ao propsito de mud-la esugerir que os critrios de responsabilidade a serem adotados no podemdeixar de ter em conta os riscos de que determinadas formas de"institucionalizao" do processo poltico brasileiro redundem nacristalizao do autoritarismo como tal e em remeter para um futuro

    indeterminado a real soluo do problema constitucional brasileiro.

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    Como sugerido de passagem, a grande evidncia, se orientamos

    nossa observao para o plano da "sociedade civil", do componenteirrealista do que se tem apresentado como "realismo" na atual conjunturabrasileira nos fornecida pelas ltimas eleies.7 Com efeito, vriosindcios sugeriam que o pas viera atravessando nos ltimos anos o que sepoderia designar como um processo de "tradicionalizao do poder", emque um grau crescente de aquiescncia, ainda que passiva, a um poderarbitrrio deriva da mera capacidade que este revele de durar, sem ser alvode contestao eficaz, e de sua prpria aparncia de solidez ou de algo

    necessrio e inevitvel. Alm disso, um grande esforo de doutrinaosociopoltica destinada a criar nas diversas camadas da populaodisposies favorveis ao regime se viera desenvolvendo em diferentesplanos. Ao lado da forma institutional que tal esforo assumiu na inclusodo ensino obrigatrio de "educao moral e cvica" em todos os nveis dosistema educacional, intensa campanha propagandstica se conduziu porvrios anos atravs dos meios de comunicao de massas, apoiada nas altastaxas de crescimento econmico e dando nfase a temas de grande

    potencial de mobilizao psicolgica das camadas populares, tais como aidentificao simb1ica com uma ptria idealizada e com o unnimeesforo nacional de tornar realidade o brilhante futuro do pas no apenascomo terra de prosperidade, mas tambm como potncia mundial. Se a issose acrescenta a manipulabilidade das massas populares que certas anlisesda tradio corporativista no pas ou mesmo do populismo brasileirotendem a salientar, a legitimidade do regime pareceria um problemaresolvido, e a ampla vitria do partido governamental nas eleies de 1970

    (apesar da incidncia de votos em branco ou nulos, atribuveis a certossetores especiais) pareceria fadada a repetir-se em 1974 e em momentosposteriores.

    A surpresa da estrepitosa vitria emedebista nas eleies de 1974veio revelar o equvoco dessa imagem por todos os aspectos plausvel e

    7 Alguns dos pargrafos que se seguem so retomados de Fbio W. Reis, "As Eleies emMinas Gerais", publicado em Bolivar Lamounier e Fernando Henrique Cardoso (organizadores),Os Partidos e as Eleies no Brasil (Rio: Paz e Terra, 1975).

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    mostrar que o problema da legitimao do sistema envolve exigncias maiscomplexas, subsistindo dramaticamente.

    Sem dvida, no se pode pretender ver nos resultados das ltimas

    eleies a evidncia de uma ntida percepo, por parte do eleitorado, dosproblemas que configuram o panorama sociopoltico brasileiro daatualidade. Por um lado, dificilmente se poderia compatibilizar com essainterpretao a simples flutuao das preferncias dos eleitores entre 1970e 1974, ainda que se atente para aspectos como as condies de liberdaderelativamente maior em que se realizou o ltimo pleito ou os efeitos dacrise econmica mundial: alm de que tais fatos claramente no podem darconta da magnitude dos deslocamentos do eleitorado entre uma e outra

    eleio, recorrer a eles exigiria que se atribusse deciso de voto o sentidode resposta tpica a condies conjunturais, o que no se acomodariafacilmente imagem de um eleitorado consciente nas circunstncias quecercam o contraste entre as eleies de 1970 e 1974. Por outro lado, osresultados de algumas pesquisas realizadas a propsito do ltimo pleitoindicam bastante claramente os elementos de desinformao e alheamentocom respeito a aspectos importantes da conjuntura socioeconomica epoltica do pas que se associam s preferncias expressas pelo eleitorado.

    Para nos atermos a dados relativos a Belo Horizonte, que nos tocou analisardiretamente,8 pode-se destacar, como ilustrao: (a) a reduzida salincia dequestes propriamente polticas entre os eleitores de diferentes camadassociais ou preferncias partidarias, a expressar-se, por exemplo, na pequena(s vezes quase nula) frequncia de menes a aspectos polticos emresposta a perguntas relacionadas com as razes da preferncia por um ououtro partido, com as diferenas percebidas entre os partidos existentes oucom a opinio dos eleitores entrevistados sobre as "dificuldades"

    atualmente enfrentadas pelo pas; (b) o total desconhecimento pela enormemaioria do eleitorado (em propores que oscilam ao redor de 80 e 90 porcento nas diferentes categorias de preferncia partidria) de coisas como oAto Institucional n. 5 ou o Decreto-Lei 477, apesar de tratar-se de temasagitados pelos candidatos durante a campanha eleitoral, alm de sua

    8 Esses dados resultam de pesquisa realizada pelo Departamento de Cincia Poltica daUniversidade Federal de Minas Gerais em novembro e dezembro de 1974. Um relatriopreliminar a respeito pode ser encontrado em Fbio W. Reis, "As Eleies em Minas Gerais",op. cit.

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    relevncia bvia no cenrio poltico do pas; e (c) o fato de que mesmoquestes de natureza socioeconmica, como custo de vida, ainda quefigurem em propores bastante mais elevadas na perceo que os eleitoresrevelam ter, por exemplo, das dificuldades que o pas atravessa, apenas

    mostrem alguma relao com o voto ou a preferncia pelo partido deoposio entre os eleitores de nveis sociais comparativamente elevados,apesar de que o apoio ao MDB provenha sobretudo dos nveis sociais maisbaixos.

    No obstante, outras observaes permitidas pelos dados contrariamas inferncias que os aspectos indicados pareceriam autorizar. Assim, ficaigualmente evidente neles a grande frequncia com que o voto pelo MDB

    se mostra relacionado com a percepo desse partido como o partido dos"pobres", do "povo" ou dos"trabalhadores", por contraste com a imagem daArena como o partido dos "ricos", do "governo" ou da "elite". Alm disso,quando confrontadas com perguntas enunciadas em termos que lhespermitiam escolher claramente entre opes formuladas de maneira adescrever caractersticas polticas ou socioeconmicas do cenrio brasileirodo momento e opes que se opunham s primeiras (governo eficaz versusgoverno eleito, desenvolvimento versus distribuio, papel negativo ou

    positivo dos debates entre partidos polticos etc.), parcelas amplamentemajoritrias dos eleitores, especialmente entre os emedebistas, optam pelaalternativa que envolve postura crtica com respeito s condies existentesno pas, manifestando preferncia por uma forma consequentementedemocrtica de organizao poltica e rechao ao quadro de rigidez polticae desenvolvimento elitista que vem caracterizando a vida brasileira. Se aisso se agrega o fato de que o voto emedebista provm em medidadesproporcional de setores jovens recentemente incorporados ao eleitorado

    e, como acima indicamos, dos estratos mais baixos da populao (votampelo candidato emedebista ao Senado, por exemplo, 76 por cento doseleitores da amostra belorizontina de at 30 anos de idade e nada menos de10 em cada 11 eleitores pertencentes a famlias de renda igual ou inferior a900 cruzeiros mensais), v-se que a desinformao com respeito a certosaspectos da conjuntura politicoeconmica do pas, que tendero aapresentar-se como relativamente complexos e de difcil compreensoparticularmente aos olhos de tais setores, est longe de poder ser vista

    como resultando em comportamento errtico diante das urnas. Por turva

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    que possa haver sido a apreenso das conexes entre as proposies atravsdas quais o partido oposicionista expressou seu repdio s condiesexistentes, por um lado, e as oportunidades que estas oferecem a realizaodos interesses de amplos setores ou camadas da populao, por outro, o

    fato incontestvel que a identificao macia com o MDB se deveu ascondies que lhe criaram a imagem de antigoverno e antielitismo e lhepermitiram emergir como o smbolo de um novo estado de coisas. Assim,no parece forado pretender ver precisamente na conjugao da magnitudeda vitria do MDB com a reduzida disponibilidade ou propensoevidenciada por amplas parcelas do eleitorado para envolver-se emquestes diversas do dia a dia polticoeconmico do regime o sentido deum voto "constitucional". As questes que estiveram em jogo nas eleies

    de novembro ltimo e que em seu significado essencial se colocaram comnitidez para o eleitorado, imprimindo ao pleito o carter especial de que eleclaramente se revestiu, foram: de que lado se est no que se refere aosinteresses populares? que posio se adota diante do estado de coisasvigente no pas, a da conservao ou a da mudana?

    Resta, naturalmente, o problema de explicar precisamente essecarter especial do pleito, ou seja, de dar conta das condies que levaram

    o eleitorado a ver nele a ocasio de um protesto ao nvel "constitucional",em contraste, por exemplo, com o voto conformista que encontramos em1970. Pois, como assinalamos acima, as propores assumidas pelareviravolta nas preferncias do eleitorado entre os dois momentos noparece explicvel pelas consequncias imediatas sobre os nveis de vida dapopulao das dificuldades que o processo de desenvolvimento econmicodo pas passou a enfrentar, ou pelo efeito, em si mesmo, das condiesrelativamente mais liberais em que se travou o pleito. Nossa viso do

    problema congruente com as reservas anteriormente expostas quanto possvel interpretao dos ltimos resultados eleitorais em termos de umeleitorado alerta e consciente, sem deixar, contudo, de ressaltar o carterproblemtico, que aqueles resultados tornaram evidente, da questo dalegitimao do regime mesmo perante uma populao em grande partedesinformada e alheia a certos aspectos mais complexos do jogo polticocotidiano.

    Diramos que a principal circunstncia nova que interfere na defini

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    o do clima das eleies de 1974 um efeito de psicologia coletiva queresulta da ruptura da anterior aparncia de invulnerabilidade e solidez dosistema, ruptura esta cujas manifestaes se encontram em diversos eventosque assinalam a transio do governo Medici ao governo Geisel e o

    desenrolar deste ltimo. As crticas a vrios aspectos da poltica do governoanterior pelos novos titulares de posies governamentais, envolvendomesmo denncias de corrupo; de maneira especial, o revisionismoeconmico, abalando o efeito politicamente legitimador do triunfalismoprecedente e dando relevo ao problema da distribuio dos benefcios dodesenvolvimento econmico do pas; a prpria promoo oficial do temada abertura poltica; coisas como essas, que tm decerto como pano defundo a crise econmica, teriam desencadeado um processo simetrico

    mas agora de sinal contrrio quele que anteriormente designamos pelaexpresso "tradicionalizao do poder", rompendo o clima de passividade eimpotncia engendrado pela persistncia, que j tendia para a"imemorialidade", de um sistema de aparncia monoltica e infenso aexames de conscincia. Desaparecem, assim, as condies associadas aparente eficcia do esforo de manipulao simblica em que seempenhava o regime. Naturalmente, alm de seu papel no sentido de ajudara compor o novo quadro simblico que assim se estabelece, a relativa

    abertura poltica que se d com Geisel merece destaque especial pelo papelinstrumental que ela claramente tambm cumpre: ela que ir permitir aoMDB tirar proveito do novo quadro, salientar os demais aspectos dareviso que o prprio governo iniciara, reivindicar a figura do PresidenteGeisel em conexo com os temas de sua prpria campanha e assim realaras contradies do campo adversrio, dar enfase s questes simpticas aossetores populares e aos jovens e emergir, em suma, como o smbolo de umadisposio de mudana que as fissuras do monlito tornavam

    aparentemente vivel.

    Se voltamos questo de como avaliar a "conscincia poltica" doeleitorado luz dessa interpretao, ela traz implcita a ideia de que, emmedida importante, o eleitorado brasileiro suscetvel de influncias quepodem alterar grandemente sua disposio em funo de fatores"circunstancias, o grau de estruturao ideolgica que o caracteriza precrio, apesar de certas tendncias bsicas que se exprimiram

    tradicionalmente na capacidade de apreender ainda que difusamente

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    seus interesses em correspondncia com determinados partidos oumovimentos (o antigo PTB, por exemplo) e que se revelaram agora noapoio ao MDB na medida em que este se fez perceber como o partidopopular, dos "pobres" ou do "povo".9 Contudo, a ser correta a interpretao

    apresentada, deriva dela tambm a consequncia de que as condies dexito da pretenso de assegurar para o sistema a lealdade das massas, at oponto em que essa pretenso queira apoiar-se sobretudo na manipulaosimblica, incluiro exigncias de monolitismo e eficcia do aparato desustentao do sistema autoritrio dificilmente suscetveis de serematendidas em forma continuada. Ao contrrio, a anlise parece indicar queo problema da coeso o foco de um dilema institucional permanentedesse aparato nas condies prprias do governo autoritrio, o que nos

    permite levar a outro plano a discusso dos elementos a serem recuperadosse se pretende fazer justia complexidade da atual conjuntura.

    Retomemos o carter "consentido" e mesmo oficialmente induzidodo debate sobre a abertura poltica a que acima nos referimos. Que fatoresestariam subjacentes, no plano da prpria dinmica do sistema autoritrio,aos aspectos paradoxais envolvidos na situao assim produzida? Como sed que os prprios crculos mais ntimos de um sistema autoritrio como o

    que temos em vigor no Brasil sejam levados a promover o tema da aberturapoltica? Uma vez que este proposto como objetivo explcito do"sistema", que fatores explicam a forma assumida pelos desenvolvimentossubsequentes, caracterizados pela mescla de decises ou polticasespecficas que ora se ajustam quele objetivo e ora o contradizem?

    Com as devidas reservas para dar conta do papel de fatores denatureza circunstancial ou mesmo pessoal quanto ao relevo adquirido pelo

    problema da abertura poltica no governo Geisel que no se opem observao de que o tema tem sido proposto de maneira recorrente emdiversos momentos do processo inaugurado em 1964 , uma forma de

    9 Algumas das colaboraes includas em Lamounier e Cardoso, op. cit., examinam comdestaque o que as eleies de 1974 representam de continuidade e ruptura com respeito apadres de comportamento eleitoral anterior. Vejam-se especialmente Bolivar Lamounier,"Comportamento Eleitoral em So Paulo: Passado e Presente"; Fernando Henrique Cardoso,"Partidos e Deputados em So Paulo: O Voto e a Representao Poltica"; e Hlgio Trindade,"Padres Eleitorais no Rio Grande do Sul".

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    abordar tais questes consiste em examinar os dilemas defrontados pelacorporao militar na medida em que seu papel no processo polticobrasileiro passa do exerccio de uma espcie de "poder moderador" plenaresponsabilidade governmental. Entre outras, uma possvel maneira de

    aprender conceitualmente esses dilemas propiciada pela formulao feitapor Alessandro Pizzorno da dialtica entre "sistemas de solidariedade" e"sistemas de interesses".10 O xito mesmo dos militares em excluir a"sociedade civil" do acesso s decises polticas cruciais e em restringir ombito da participao em tais decises em larga medida prpriacorporaco militar tende a redundar na transformao desta, do corpocoeso que era enquanto representava um ator relevante entre outros no jogopoltico anteriormente aberto (um "sistema de solidariedade"), em um

    "sistema de interesses" onde fortes incentivos a competio interna e riscosde dissenso e fracionamento se afirmam. Como consequncia, qualquerprojeto de "institucionalizao" ou regularizao do processo poltico emum contexto caracterizado pelo predomnio incontrastado dos militares setorna problemtico, o que se ilustra pelo potencial de crise a ser encontradoem todos os momentos de sucesso presidencial mesmo vrios anos aps osacontecimentos de 1964.11

    Assim, a sada para o problema pareceria estar na expanso da esferadentro da qual se desenvolve o processo poltico ou do nmero ediversidade dos atores polticos significativos, o que favoreceria a coesointerna ao propiciar o elemento de contraste e ao reduzir os prmiosoferecidos participao bem sucedida na competio que se traveinteriormente as foras armadas. Isso envolve, porm, o risco bvio de quefaces potenciais ou efetivas a serem encontradas dentro da corporaomilitar como sistema de interesses venham a buscar apoio junto a setores

    da sociedade civil e a fortalecer-se em detrimento de outras, o que tende aser visto como srio perigo a ser evitado. sugestivo observar a este

    10 Cf. Alessandro Pizzorno, "Introduzione allo Studio della Partecipazione Politica", Quadernidi Sociologia, 15,3-4 (julho-dezembro de 1966), pp. 253-288.

    11 As dificuldades de soluo consensual do problema sucessrio no mbito da corporaomilitar se agudizam, naturalmente, pela natureza especial dessa corporao, que tornaproblemtica a necessidade de conciliar o princpio bsico da hierarquia com as exigncias

    "plebiscitrias" da busca de soluo consensual.

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    respeito, como recentemente assinalado por Carlos Castello Branco em suacoluna doJornal do Brasil, que o Presidente Geisel, apesar de seucompromisso expresso com a distenso poltica, nao tenha empreendidoqualquer articulao efetiva com setores ou foras civis que pudessem

    apoiar a realizao do objetivo.

    O ponto crucial do dilema, portanto, reside em que qualquer tentativade se assegurar o elemento positivo envolvido no projeto de aberturapoltica tender a suscitar poderosas reaes, ocasionadas pelo temor dosriscos nele contidos. Agravando a complexidade do problema h o fato deque, enquanto a caracterstica bsica do sistema autoritrio tem a ver comcerta opo constitucional com respeito maneira pela qual se h de dar a

    incorporao dos setores populares (ou as restries a serem colocadas a talincorporao), estes no podero deixar de ter um peso importante emqualquer estratgia que leve expanso do mbito do processo poltico.Pois, nas condies que caracterizam na atualidade a estrutura social dopas, a lgica mesma do processo de expanso, se se lhe permite seguir seucurso "natural", no poder furtar-se a ser sensvel aos setores popularesmajoritrios, tendendo fatalmente a resultar em profunda redefinio docenrio poltico do momento.

    IV

    Nossa anlise identifica, assim, dois pontos que comprometem asperspectivas de estabilizao institucional do sistema vigente,correspondendo o primeiro ao problema de sua legitimao junto a amplossetores da sociedade e o segundo ao problema da manuteno da coeso deseu aparato de sustentao nas condies que definem o regime autoritrio.

    Ela salienta, por outro lado, a conexo entre os dois aspectos: assim como acoeso e a aparncia de eficcia monoltica do "sistema" parece representarum requisito importante para assegurar quando nada uma forma passiva deaquiescncia ao regime em condies marcadas por massas manipulveis, oxito ou fracasso dos esforos de legitimao interfere, por sua vez, com apossibilidade de que os componentes do ncleo central de poder sedisponham a correr os riscos a sua prpria coeso e predomnio que odesencadeamento do processo de expanso do mbito em que se

    desenvolve o jogo poltico acarreta.

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    As concluses dessa anlise no que se refere definio dasexpectativas que caberia designar como realistas quanto evoluo dosistema no esto isentas de ambiguidade. Se se tomam as percepes e os

    mecanismos que no momento parecem operar interiormente ao ncleo depoder autoritrio, como transparece de nossa rpida discusso dos dilemasda coeso interna do "sistema", os prospectos para o curto e o mdio prazono so otimistas. Tais mecanismos sugerem ou a continuidade do quadroatual atravs do jogo das tendncias acima descritas, com a alternnciaentre a busca cuidadosa da abertura poltica, como sada para asdificuldades do "sistema" enquanto sistema de interesses, e a posteriorrecomposio "dura" da coeso; ou a tentativa de modificao formal das

    regras do jogo atravs da implantao de alguma frmula queaparentemente permita superar a contradio daquelas tendncias, tal comoalgum modelo de partido nico rigidamente controlado de cima, que podeapresentar-se aos olhos do "sistema" como forma de escapar s constriesdo dilema ao prometer propiciar a possibilidade de equilibrar, em algumamedida, o atendimento da necessidade tanto de expanso quanto derestrio.

    Impoe-se ressaltar, porm, o patente irrealismo, dados os fatores emjogo no outro plano anteriormente examinado, da pretenso de se chegaratravs de frmulas desse tipo na medida em que se assentam na premissade restries autoritrias expresso poltica das aspiraes dos setoresmajoritrios da populao efetiva institucionalizao poltica. Estaenvolve, antes de mais nada, o requisito social da legitimao e naosubsistiria como problema renitente se se reduzisse questo dedispositivos formais. Legitimao, por seu turno, falta de eficcia

    monoltica capaz de induzir o sentimento de impotncia e o conformismopassivo, ou se obtm pelo atendimento das aspiraes dos atores polticossignificativos ou pela bem sucedida manipulao simblica. Numaperspectiva mais ampla, assim, o realismo um tanto mope em que sebaseia o exerccio de elaborao de frmulas "institucionais" que redundemem consagrar, advertida ou inadvertidamente, a vigncia do prprioautoritarismo revela suas limitaes e riscos, que convidam avaliaomais responsvel de suas possveis consequncias seja aqueles que tm

    efetivamente como objetivo ltimo a eventual implantao, em futuro no

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    demasiado remoto, de formas de organizao poltica plena econsequentemente democrticas no pas, seja os que, conformes com asignificao bsica do arranjo atualmente prevalecente, apostam naviabilidade da "institucionalizao" autoritria. Se o problema de segurana

    que no momento se contrape ao projeto de abertura se reduz manutenoda lei e da ordem contra minorias inexpressivas, de se presumir que ofuncionamento normal da aparelhagem policial e judicial em termoscompatveis com a existncia de uma sociedade democrtica seja suficientepara dar-lhe atendimento. Portanto, privilegiar os requisitos de seguranado regime no equacionamento do problema da institucionalizao da vidapoltica brasileira no tem como evitar a seguinte disjuntiva: ou o processode institucionalizao significar a excluso do jogo poltico de foras

    sociais ponderveis, j que capazes de ameaar a continuidade das feiesbsicas do atual arranjo se aquele processo no for submetido a restriesestritas; ou, se se parte da suposio de que inexiste tal ameaa e de que ainstitucionalizao no ter necessariamente carter excludente, tornam-seevidentemente injustificados os estreitos limites em que atualmente semove a procura dos rumos de encaminhamento da questo institucional.

    O problema posto para o regime pelos resultados das eleies de

    1974, ao ilustrar tanto os "riscos" da expanso do mbito do processopoltico quanto os limites do projeto de legitimao autoritria emanipuladora, permite estabelecer com preciso os contornos de um debateinstitucional que se oriente por um realismo menos mope, e indica anecessidade de reformulao do prprio projeto constitucionalque temestado subjacente ao patrocnio oficial da forma corrente desse debate. Seas exigncias de segurana impedem ao processo poltico brasileiroabsorverplenamenteas consequncias de uma expresso eleitoral do vulto

    e nitidez da que caracterizou o ltimo pleito, o projeto de"institucionalizao com segurana" significa que os "interesses nonegociveis" dos atuais titulares do poder no so compatveis com aafirmao de outros focos importantes de interesse, e redunda em dizer parcela majoritria do eleitorado brasileiro que todos podem jogar, desdeque alguns (os mesmos) ganhem sempre. O xito do objetivo de garantir asegurana do regime depender, neste caso, da possibilidade de exercerindefinidamente elevadas taxas de coero.