O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …
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Daniélli Terezinha Menis
O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA
RICA
Centro Universitário Toledo
Araçatuba – SP
2018
Daniélli Terezinha Menis
O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA
RICA
Monografia apresentada para encerramento do curso de
graduação em Direito, sob a orientação do professor Dr.
Pedro Luís Piedade Novais, como requisito parcial do
Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado de
Direito do Centro Universitário Toledo
Centro Universitário Toledo
Araçatuba – SP
2018
FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora
PROF. ME. PEDRO LUIS PIEDADE
NOVAIS
Araçatuba, ______ de _____________ de
2018.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Deus, pelo fôlego de vida em mim.
Agradeço especialmente à minha mãe, que sempre foi meu refúgio, meu alicerce e
meu porto seguro. Obrigada por ter acreditado em mim, até mesmo quando eu não acreditei, e
por ter me apoiado nas minhas decisões. Agradeço ainda, pela luta constante na vida e por ter
feito o possível e o impossível para me dar a oportunidade de estudar numa universidade
longe de casa. Sou eternamente grata pela educação firme, calma e amorosa que me deste.
Aos meus irmãos, Pedro e Felipe, devo tudo a vocês e com vocês compartilho a nossa
conquista. Amo vocês.
O meu agradecimento ao meu padrasto Cesar, por nunca medir esforços para a
realização dos meus sonhos.
Ao meu namorado, Pedro Henrique, sempre amigo e conselheiro. Pela sua paciência,
motivação e compreensão nos momentos mais difíceis, pelo apoio em todas as fases da
graduação e por compreender a importância desta conquista. O meu agradecimento pela
pessoa que é, por ser tão leve e alegre, me fazendo distrair das preocupações que por vezes
alimento.
A minha gratidão eterna aos amigos Thales, Renata e Haila, meus companheiros nessa
jornada. Obrigada pelo apoio e amizade todo esse tempo, vocês fizeram parte da minha
trajetória. Foi lindo viver os últimos anos ao lado de vocês e as lembranças perpetuarão no
tempo.
Ao Defensor Público e amigo, Diogo Cesar Perino, por me apresentar o tema, pelo
apoio e incentivo constantes.
Por fim, o meu agradecimento a todos os professores do Centro Universitário
Unitoledo, que contribuíram de forma significativa para a minha formação acadêmica,
profissional e humana. Em especial, ao meu orientador, Pedro Luís Piedade Novais, pessoa
pela qual tenho grande admiração e apreço, por gentilmente ter aceito o convite de me
auxiliar.
“Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser”.
(Fernando Pessoa)
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo analisar o crime de desacato e a previsão constante na
Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto San José da Costa Rica, assinado pelo
Brasil e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma supralegal. O
que se pretende com a pesquisa aqui realizada é a compreensão acerca da previsão do crime
de desacato no direito interno e a observância à referida convenção, abordando outros meios
de punir a ofensa à honra, de forma que não se faça distinções quanto a cargos ou funções
exercidas. A fim de se concretizar os objetivos deste trabalho foram realizadas pesquisas em
livros, doutrinas e artigos científicos que abordam o tema, bem como da análise da legislação
e da jurisprudência atinente a questão.
Palavras-chave: tratados internacionais; direitos humanos; desacato; supralegalidade.
ABSTRACT
The present work had as its scope the crime of contempt and an International Convention of
Human Rights - Pacto São José da Costa Rica, signed by Brazil and with the Brazilian legal
system with supralegal status. The inquiry is made on the issue of the crime of contempt on
the spot and the comment on the convention, addressing the media once a week, so as to make
distinctions about a charge or functions performed. In order to achieve the objectives, the
work was analyzed in books, documents and articles that deal with the subject, as well as the
analysis of the legislation and jurisprudence in question.
Keywords: international treaties; human rights; contempt; supra legality.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09
I – HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL..........10
1.1 Procedimento previsto na Constituição Federal..................................................................10
1.2 Entendimento atual do Supremo Tribunal Federal.............................................................11
II - NOÇÕES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS...............................................................................................................18
2.1 Do controle de convencionalidade......................................................................................18
2.2 Do controle da supralegalidade...........................................................................................19
III – CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS....................................21
3.1 Contexto histórico...............................................................................................................21
3.2 O entendimento da Convenção Americana de Direitos Humanos acerca do Desacato......24
3.3 Da liberdade de pensamento e expressão............................................................................25
IV – O CRIME DE DESACATO NO BRASIL ...................................................................30
4.1 A tipificação do Desacato...................................................................................................31
4.1.1 Principais características do delito...................................................................................36
4.2Outras formas de punir a ofensa à honra do funcionário público........................................38
4.3 Comentários à decisão da Terceira Seção do STJ...............................................................42
CONCLUSÃO.........................................................................................................................50
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................51
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo o estudo do crime de desacato, previsto no artigo
331, do Código Penal Brasileiro, à luz do Pacto San José da Costa Rica, analisando-se
aspectos relacionados ao controle de convencionalidade, a observância dos tratados
internacionais na sistemática jurídica brasileira e no aspecto internacional.
Para que a presente pesquisa alcance os objetivos pretendidos, far-se-á uma breve
análise, no primeiro capítulo, acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos no Brasil,
abordando o procedimento previsto na Constituição Federal e o atual entendimento do
Supremo Tribunal Federal.
No segundo capítulo, tratar-se-á das noções do controle de convencionalidade dos
tratados internacionais, estabelecendo a questão relativa ao controle de convencionalidade e
de supralegalidade.
No terceiro capítulo, adentrar-se-á análise da Convenção Americana de Direitos
Humanos, abordando seu contexto histórico, exarando o entendimento a respeito do crime de
desacato e sobre a liberdade de pensamento e expressão.
No quarto e último capítulo, a título de encerramento, explanar-se-á acerca da
tipificação do desacato, as principais características do delito, bem como, outras formas de
punir a ofensa à honra do funcionário público, tecendo, por fim, comentários à decisão da
Terceira Seção do STJ.
10
I – HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS NO BRASIL
Para que o presente trabalho possa atingir o resultado que se pretende, é de suma
importância a abordagem dos tratados internacionais, em especial dos direitos humanos.
Assim, passa-se ao estudo do procedimento previsto na Constituição Federal no
tocante aos tratados e como a questão é abordada na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal.
1.1 Procedimento previsto na Constituição Federal
O Brasil é signatário de diversos tratados de direito internacional, dentre eles a
Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto San José da
Costa Rica, subscrita entre países integrantes da Organização dos Estados Americanos,
assinada em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica, entrando em
vigor em 18 de julho de 1978. No Brasil, entrou em vigor em 25 de setembro de 1992, tendo
sua competência contenciosa reconhecida por este ato.
Fácil perceber sua importância no ordenamento jurídico, não apenas brasileiro. A
Convenção tornou-se um instrumento de proteção dos direitos inerentes à dignidade humana.
Assim explicam Gomes e Mazzuoli (2009, p. 18):
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (popularmente conhecida como
Pacto de San José da Costa Rica) é o principal instrumento de proteção dos direitos
civis e políticos já concluído no Continente Americano, e o que confere suporte
axiológico e completude a todas as legislações internas dos seus Estados partes.
Sobre a participação e adesão ao tratado, Mazzuoli (207, p. 726), afirma que:
Somente os Estados–membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) é
que têm o direito de se tornar parte dela. Não obstante a sua importância na
consolidação do regime de liberdade individual e de justiça social no Continente
Americano, alguns países, como os Estados Unidos (que apenas a assinou) e o
Canadá, ainda não a ratificaram e, ao que parece, não estão dispostos a fazê-lo. O
Brasil ratificou o Convenção Americana somente no ano de 1992, tendo a mesma
11
sido promulgada internamente pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro desse mesmo
ano.
Acerca do procedimento previsto na Constituição Federal, a priori, os tratados de
direito internacional possuem apenas força de lei ordinária. No artigo 5º, §1º e §2º da magna-
carta, temos, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Denota-se que o §2º do artigo 5º possibilita a inserção de garantias advindas de
tratados internacionais no rol de direitos e garantias da Constituição Federal, que versem
sobre direitos humanos. Assim, o tratado deixa de possuir competência de lei ordinária para
status de norma constitucional.
Conforme bem salienta Mazzuoli “[...] os tratados internacionais de direitos humanos,
têm o que chamamos de efeito aditivo, pois adicionam direitos ao texto constitucional, através
da cláusula do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal”.
Importante ressaltar que a forma de revogação de um tratado internacional é por meio
da “denúncia” (retirada), instrumento pelo qual o país signatário anuncia de forma unilateral
sua manifestação de vontade. Ou seja, após a entrada em vigor de um tratado internacional no
ordenamento jurídico interno, sua desvinculação deve ser feita mediante norma de mesmo
valor, não podendo ser revogado por norma nacional ou inferior.
A denúncia se sujeita às regras do próprio tratado, nele fica estipulado sua
possibilidade.
No Brasil, o entendimento que prevalece é no sentido de que sua competência é ato
exclusivo e discricionário do Presidente da República, que independe de autorização do Poder
Legislativo.
1.2 Entendimento atual do Supremo Tribunal Federal
12
Tendo em vista que a Constituição Federal não definiu a importância do tratado
internacional no ordenamento jurídico interno, tal competência foi transferida para a
jurisprudência, de modo que se determine a sua relevância e cesse as divergências de
interpretação.
Pouco se legislou acerca da hierarquia da norma internacional em comparação com a
lei ordinária e até mesmo a lei complementar, nos deixando presos a conceitos arcaicos do
Direito Constitucional.
A discussão doutrinária baseou-se em questionar se haveriam dois ordenamentos
jurídicos distintos, o interno e o internacional, independentes ou se seriam apenas um
coexistindo.
Para alguns doutrinadores, as diferenças são evidentes. Estes acreditam que, para uma
norma integrar ao ordenamento jurídica interno, ela sujeita-se a um procedimento minucioso e
pende de uma sanção presidencial.
Por outro lado, o ordenamento jurídico internacional é formado pela vontade objetiva
do Estado integrante, tendo como pilar os costumes e os princípios gerais de direito
internacional. Distinguindo-se do ordenamento interno, por ser este formado por normas
cogentes, ou seja, de cumprimento obrigatório e coercitivo.
Outra parcela da doutrina entende que ambos são fontes de direito a serem seguidas
em território nacional. Surgiram assim duas teorias: a monista e a dualista.
A teoria monista defende que há apenas uma ordem jurídica tanto nas relações entre
sociedade e Estado, quanto entre Estados. Esta teoria se divide entre monista nacionalista – na
dúvida entre direito interno e internacional, prevalece o interno; e a monista internacionalista,
a qual disciplina que, havendo conflito, o direto internacional deve prevalecer sob o interno.
Além da teoria monista, surgiu a teoria dualista. Como o próprio nome diz, o
ordenamento jurídico interno é distinto do ordenamento jurídico internacional, e este último
não gera obrigações aos indivíduos, vinculando apenas os Estados. Ademais, para o direito
internacional ter eficácia internamente, ele deve integrar o ordenamento jurídico interno, por
meio da promulgação de um decreto. Assim, o direito internacional adquire validade e
eficácia jurídica.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o “sistema único diferenciado” de
integração dos atos internacionais. Significa dizer que, os tratados de direitos humanos
possuem incorporação imediata após a sua ratificação.
13
O Pacto San José da Costa Rica versa sobre direitos humanos e foi aprovado pelo
procedimento ordinário, ou seja, foi aprovado por maioria simples (artigo 47, CF), portanto,
possuiria, assim, status supralegal – situando-se entre as leis e a Constituição Federal.
Sobre o assunto, o Ministro Sepúlveda Pertence, na relatoria do RHC nº 79.785/RJ
(STF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 29.03.2000, DJ de 23.05.2003), sustentou
que se deveria “aceitar a outorga de força supralegal às convenções de direitos humanos, de
modo a dar aplicação direta às suas normas – até, se necessário, contra a lei ordinária –
sempre que, sem ferir a Constituição, a complementem, especificando ou ampliando os
direitos e garantias dela constantes”.
Em virtude das controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias que surgiram e, para
colocar fim na discussão da hierarquia dos tratados internacionais, em 08 de dezembro de
2004, por meio da Emenda Constitucional de nº 45, comumente chamada de “reforma do
judiciário”, o legislador constituinte derivado acrescentou o § 3º ao artigo 5º da Constituição
Federal, assim redigido,in verbis:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
O texto do artigo 5º, § 3º, da CF, induz que apenas os tratados aprovados pela maioria
qualificada teriam valor constitucional. Não previu, porém, critérios de escolha dos tratados
que deveriam ser aprovados por esse modo. Em decorrência dessa omissão, abriu-se a
possibilidade de possuirmos diplomas relativos à mesma matéria aprovados com ou sem a
observância do quórum qualificado, passando estes últimos a terem hierarquia de norma
infraconstitucional.
Esclarece o Henrique SmidtSimon (2013, p. 112):
[...] poderia ocorrer, por exemplo, que o Brasil se tornasse signatário de dois tratados
diferentes, mas que envolvessem o mesmo conteúdo. Poderia acontecer que o
primeiro tratado tenha conteúdo constitucional, seja porque é anterior à EC 45, seja
porque foi aprovado pelo procedimento da emenda, e o outro, posterior à emenda e
sem a aprovação do quórum qualificado exigido pelo § 3º do artigo 5º da
Constituição, seja mera lei ordinária; apesar de regular o mesmo conteúdo. O
conceito de constituição material perde a serventia, pois apenas a formalização
poderia transformar determinado preceito normativo em constitucional.
O Ministro Gilmar Mendes, no Recurso Extraordinário 466.343, afirmou que:
A reforma acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos
em relação aos demais tratados de reciprocidade entre Estados pactuantes,
conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico. [...] a mudança
constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária
14
dos tratados já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE n.
80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1.6.1977;
DJ 29.12.1977) e encontra respaldo em largo repertório de casos julgados após o
advento da Constituição de 1988. [...] Tudo indica, portanto, que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada
criticamente. [...] Assim, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção
dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa uma
mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na
ordem jurídica nacional. É necessário assumir uma postura jurisdicional mais
adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas
primordialmente à proteção do ser humano. [...] Deixo acentuado, também, que a
evolução jurisprudencial sempre foi uma marca de qualquer jurisdição
constitucional. [...] Tenho certeza de que o espírito desta Corte, hoje, mais do que
nunca, está preparado para essa atualização jurisprudencial.
Por todo o exposto, seria mais condizente com a realidade que “todos os tratados de
direitos humanos pelo Brasil ratificados têm hierarquia constitucional, aplicação imediata e
prevalência sobre as normas constitucionais no caso de serem suas disposições mais benéficas
ao ser humano”. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira, 2013, p. 47).
A Emenda Constitucional 45 abriu brechas para a hierarquização dos tratados
internacionais de direitos humanos. Considerado um verdadeiro retrocesso quanto aos
avanços do direito internacional de direitos humanos. Além disso, tal Emenda dividiu os
tratados internacionais em duas esferas: antes e depois da Emenda Constitucional 45, melhor
delineados a seguir.
Ao se tratar dos diplomas assinados antes da Emenda Constitucional 45, surgiram três
correntes de pensamentos.
A primeira corrente, tendo em conta a redação do artigo 5º, §2º, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, os tratados de direitos humanos encontram-se em
posição privilegiada e protegidos se comparados com as leis ordinárias internas.
Nesse sentido, tivemos o julgamento do Habeas Corpus 87585 – TO, relatado pelo
Ministro Marco Aurélio em 03 de dezembro de 2008, que tornou inaplicável a legislação
conflitante ao Pacto San José da Costa Rica e colocou fim à prisão do depositário infiel:
PRISÃO - DEPOSITÁRIO INFIEL - RELEVÂNCIA DA ARTICULAÇÃO
CONTIDA NA INICIAL - LIMINAR DEFERIDA.1. O pano de fundo deste
habeas é ordem de prisão por sessenta dias, cuja observância ocorreu em 3 de
novembro de 2005, considerada a figura de depositário infiel. O Superior Tribunal
de Justiça não admitiu a seqüência de recurso ordinário interposto contra acórdão
formalizado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, presente impetração.
Remeteu ao que decidido em habeas ajuizado em favor do paciente, consignando a
sobreposição e a insubsistência dos novos argumentos expendidos. Na inicial,
busca-se demonstrar que o paciente vem insistindo em parcelar o débito, proposta
não aceita pela CONAB. Daí haver-se chegado à ordem de prisão que se argúi
contrária à Emenda Constitucional nº 45/2004, no que endossados tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos. O Brasil teria subscrito o Pacto
15
de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a
versarem sobre a impossibilidade de se proceder a prisão por falta de obrigação
contratual. Pleiteia-se a concessão de medida acauteladora que viabilize a soltura
do paciente, vindo-se, alfim, a tornar insubsistente a prisão. Além do apenso, a
revelar a Petição nº 41/04, processada no Superior Tribunal de Justiça, juntaram-se
as demais peças inerentes à controvérsia.2. Surge a relevância do que articulado.
Se, de um lado, é certo que a Carta da Republica dispõe sobre a prisão do
depositário infiel - artigo 5º, inciso LXVII -, de outro, afigura-se inaplicável o
preceito. As balizas da referida prisão estão na legislação comum e, então, embora
a norma inserta no artigo 652 do Código Civil seja posterior aos fatos
mencionados, o mesmo não ocorre com a disciplina instrumental prevista no
Código de Processo Civil.3. Defiro a medida acauteladora. Expeça-se o alvará de
soltura, a ser cumprido com as cautelas próprias, ou seja, caso o paciente não se
encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso do retratado no Processo nº
95.312-0, da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins.4.
Contando-se, no caso, com as peças indispensáveis à compreensão da matéria,
colha-se o parecer da Procuradoria Geral da República.5. Publique-se. Brasília, 20
de dezembro de 2005.Ministro MARÇO AURÉLIO Relator
(STF - HC: 87585 TO, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento:
20/12/2005, Data de Publicação: DJ 02/02/2006 PP-00051)
A segunda corrente que se originou, afirma que, pela falta de previsão normativa-
constitucional, os tratados de direitos humanos se submetem à regra geral de aprovação dos
tratados, possuindo status de lei ordinária.
A terceira e última corrente originada, fortemente defendida pelo Ministro Gilmar
Mendes, eleva os tratados assinados antes da EC 45 ao status de norma supralegal, ou seja,
situando-se entre as leis ordinárias e as normas constitucionais.
Nesse sentido, é majoritário o posicionamento dos tribunais:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO,
DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO
DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.
SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356
DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o
Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas,
ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto
litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e
1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo
Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do
princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou
grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para
o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado
malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o
veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo
Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para
suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º,
c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de
outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou
16
limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de
4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do
art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro
LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no
Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos
humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda
lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos
humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no
plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos,
em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à
liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido
contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A
adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo
Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto,
por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não
invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa,
até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso AlmonacidArellano y otros v.
Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São
José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas
internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei
veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na
verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica
do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula
mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as
leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões
consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível
de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos
princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a
transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação,
sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos
fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais
adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine,
composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e
a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -
personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo
em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre
funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.
14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida
capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de
expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a
CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo
abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação
criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de
outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso
na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso
especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a
condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP).
(STJ - REsp: 1640084 SP 2016/0032106-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS,
Data de Julgamento: 15/12/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
01/02/2017)
Quanto aos tratados posteriores à Emenda Constitucional 45, ficou definido que,
aqueles aprovados com quórum especial de 3/5 (três quintos), em dois turnos, em ambas as
casas do Congresso Nacional, serão elevados ao status material de emenda constitucional,
17
passando a incorporar normas de nível constitucional no ordenamento jurídico. Mudança que
não gerou muita discussão.
O grande problema foi acerca dos tratados assinados após a EC 45 que não atingirem o
requisito especial do artigo 5º, §3º, da CRFB/88, mas tão somente o quórum simples,
ordinário, de votação. Para o Ministro Gilmar Mendes (RE 466.343), tais tratados estariam
acondicionados na posição hierárquica de supralegalidade.
Valério Mazzuoli (2009, p. 764) defende que, independentemente da data de
assinatura do tratado (se anterior ou posterior à Emenda Constitucional 45), aprovado com
quórum simples ou especial, os tratados de direitos humanos sempre terão status de norma
constitucional, conforme segue:
Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos
ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do disposto
no § 2º do art. 5º da Constituição (…), pois na medida em que a Constituição não
exclui os direitos humanos provenientes de tratados, é porque ela própria os inclui
no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu 'bloco de
constitucionalidade' e atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional, como já
assentamos anteriormente. Portanto, já se exclui, desde logo, o entendimento de que
os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do § 3º do
art. 5º equivaleriam hierarquicamente à lei ordinária federal, uma vez que os
mesmos teriam sido aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49,
inc. I, da Constituição) e não pelo quórum que lhes impõe o referido parágrafo. (…)
O que se deve entender é que o quórum que o § 3º do art. 5º estabelece serve tão-
somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico
interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que
eles já têm em virtude do § 2º do art. 5º da Constituição.
Uma última doutrina minoritária protege que, nos casos em que o quórum para
votação não foi alcançado, deve considera-lo como rejeitado e, consequentemente,
impossibilitado de ratificação.
Essa última corrente é considerada descabida por ir em confronto com a sistemática
constitucional, a qual proporciona proteção aos tratados de direitos humanos e não barreiras
como defendido por essa minoritária parcela de doutrinadores.
18
II - NOÇÕES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS
TRATADOS INTERNACIONAIS
Passado o estudo dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e sua disciplina
constitucional e jurisprudencial, tratar-se-á no presente capítulo a respeito dos controles de
convencionalidade e supralegalidade.
2.1 Do controle de convencionalidade
Além de compatíveis com a Constituição Federal, a norma de direito interno deve ser
compatível com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos. Essa verificação
se dá por meio do controle de convencionalidade.
A respeito, a Constituição Federal em seu artigo 5º, §2º estabelece que, ipsis litteris:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Acerca desse mandamento constitucional aponta Flávio Piovesan (2015, p. 118), que
“a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionais protegidos, os direitos
enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja parte”. Com isso, a Constituição
afirma que ao incorporar um tratado internacional no ordenamento jurídico interno, sua
observância é imediata.
O controle de convencionalidade tem por objetivo fazer com que o Estado cumpra as
obrigações contraídas (de forma voluntária) internacionalmente e adeque a produção das suas
leis internas com as obrigações internacionais de proteção aos direitos humanos, quando
signatário de diplomas nesse sentido.
19
A respeito da voluntariedade do Estado em ser signatário do tratado, importante
delinear que, a manifestação de vontade dar-se-á de várias formas, seja pela assinatura, troca
dos instrumentos constitutivos (no caso de tratados bilaterais), ratificação, aceitação ou
adesão, podendo ser acordado outros meios de exteriorização do consentimento.
A obrigação de controlar a convencionalidade foi declarada pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos no julgamento do caso “Almonacid Arellano e Outros contra Governo
do Chile”, em 26 de setembro de 2006.
Os países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos estão vinculados
ao Pacto e à Jurisprudência da Corte Interamericana. Para esta Corte, a partir do momento em
que um Estado ratifica o tratado, este passa a integrar o ordenamento jurídico interno daquele
Estado-membro, tornando os juízes daquela localidade obrigados a não descumprir o tratado
quando este for contrário à uma norma interna.
Importante salientar que, ao julgar um assunto vinculado à uma convenção, além de
seguir suas disposições em tratado, deve-se seguir a jurisprudência da Corte Interamericana.
2.2 Do controle da supralegalidade
Com a Emenda Constitucional 45 e o novo entendimento do Supremo Tribunal
Federal acerca dos tratados internacionais de direitos humanos, surgiu-se esse novo instituto,
denominado de supralegalidade.
Em seu voto no RE nº 466.343, o Ministro Gilmar Mendes delineia a importância
histórica da EC 45, afirmando que “acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de
direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados
pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico” (BRASIL. 2008, p.
1.144)
Sobre o surgimento desse novo controle, Mazzuoli (2009, p. 130) expondo que:
Ora, se as normas constitucionais (normas do próprio texto constitucional) ou
aquelas que lhe são niveladas (normas previstas nos tratados de direitos humanos
ratificados pelo Estado) são fundamento para o que se chama de controle de
constitucionalidade/convencionalidade, é lógico admitir que as normas supralegais
também são fundamento de algum controle. Qual Controle? Evidentemente, o de
supralegalidade.
20
De mais a mais, norma supralegal não pode ser revogada por lei ordinária, resolvendo,
aparentemente, o problema dos tratados de direitos humanos, mantendo a ideia de supremacia
da Constituição Federal.
“Isso porque, uma vez que um tratado de direitos humanos seja ratificado, no âmbito
interno ele só poderia ser retirado do sistema por meio de emenda constitucional”. (SIMON,
2013, p. 109)
Esse controle é realizado somente pela via difusa, ou seja, é analisado na decisão de
casos concretos, tendo em vista que os tratados possuem força de norma supralegal.
Conforme o novo entendimento do STF, todos os tratados de direitos humanos
ratificados pelo Brasil possuem valor supralegal, o que pode ser considerado uma inovação na
consagrada pirâmide de Kelsen, que era composta pelas leis ordinárias na base e a
Constituição formal no topo.
Denota-se, por fim, o surgimento para o poder judiciário de uma nova forma de
solução de antinomias jurídicas entre as convenções internacionais de direitos humanos
ratificadas pelo Brasil e as normas infraconstitucionais brasileiras.
21
III – CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Após delineados conceitos importantes acerca dos tratados internacionais de direitos
humanos, importante trazer à baila os aspectos de maior relevância deste trabalho, que
abrange o conceito histórico da Convenção Americana de Direitos Humanos, seu
entendimento acerca do crime de desacato e os aspectos referentes à liberdade de pensamento
e expressão.
3.1 Contexto histórico
A busca pela defesa e promoção dos direitos humanos têm sido crescentes,
contribuindo de forma significativa para o ramo de direito internacional dos direitos humanos.
O seguimento dos direitos humanos foi fomentado após a Segunda Guerra Mundial,
onde o mundo assistiu às atrocidades vividas por milhões de pessoas, que geraram sentimento
de medo e também de que deveriam criar limites a serem respeitados independentemente das
pátrias entrarem em acordo ou não, surgiu, por fim, a pretensão de diminuir as desigualdades,
preconceitos e violação a direitos básicos e inerentes aos seres humanos.
O Brasil é um dos Estados-parte da ONU integrante da OEA, e em 25 de setembro de
1992 ratificou a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Esta convenção tem um
total de 81 artigos e possui como finalidade salvaguardar os direitos essenciais do homem,
como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação,
entre outros.
O documento proíbe ainda a escravidão e a servidão humana, trata das garantias
judicias, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, ênfase nesses
últimos. Bem como, da liberdade de associação e da proteção a família. Para tanto, instituiu
dois órgãos essenciais: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
A função da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) está outorgada no
artigo 41 da Convenção e baseia-se em:
22
A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos
humanos e, no exercício do seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições: a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; b. formular recomendações aos governos dos Estados membros, quando o considerar
conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos
humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como
disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos; c. preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de
suas funções;
d. solicitar aos governos dos Estados membros que lhe proporcionem informações
sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;
e. atender às consultas que, por meio da Secretaria-Geral da Organização dos Estados
Americanos, lhe formularem os Estados membros sobre questões relacionadas com os
direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que
eles lhe solicitarem; f. atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade,
de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e g. apresentar um relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados
Americanos.
Diante disso, é possível perceber que a comissão atua como órgão autônomo e
principal da OEA, tendo como função a observância e defesa dos direitos humanos, além de
ser órgão consultivo.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos destina-se a avaliar casos de violação
dos direitos humanos e é definida por André de Carvalho Ramos (2002, p. 227), como:
O segundo órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte
Internacional de Direitos Humanos, é uma instituição judicial autônoma, não sendo
órgão da OEA, mas sim da Convenção Americana de Direitos Humanos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão judicial internacional, que,
de acordo com o artigo 33 da Convenção Americana, competente para conhecer
casos contenciosos quando o Estado demandado tenha formulado declaração
unilateral de reconhecimento de sua jurisdição. Além disso, pode ser acionada por
qualquer país membro da OEA para interpretar norma relativa a tratados de direitos
humanos no seio interamericano.
Ocorrendo um abuso referente à matéria de direitos humanos em qualquer país
integrante do diploma, com a inércia do governo deste país, o ofendido ou um terceiro, recebe
a oportunidade de fazer sua denúncia por meio de petição escrita à comissão, que levará o
caso à corte para julgamento.
Havendo a comunicação à corte, esta determina que o Estado garanta direitos e
liberdades à vítima, podendo determinar que o Estado a indenize pelos danos sofridos, bem
como, estabeleça medidas que evitem novas situações de transgressão aos direitos protegidos.
O artigo 48 da convenção delineia o procedimento perante a Comissão Interamericana,
temos, ipsis litteris:
A Comissão, ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue violação de
qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá da seguinte maneira:
23
a. se reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação, solicitará
informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade apontada como
responsável pela violação alegada e transcreverá as partes pertinentes da petição ou
comunicação. As referidas informações devem ser enviadas dentro de um prazo
razoável, fixado pela Comissão ao considerar as circunstâncias de cada caso;
b.recebidas as informações, ou transcorrido o prazo fixado sem que sejam elas
recebidas, verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação.
No caso de não existirem ou não subsistirem, mandará arquivar o expediente;
c.poderá também declarar a inadmissibilidade ou a improcedência da petição ou
comunicação, com base em informação ou prova supervenientes;
d.se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de comprovar os fatos, a
Comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto
na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, a Comissão procederá
a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará, e os Estados interessados
lhes proporcionarão todas as facilidades necessárias;
e. poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e receberá,
se isso lhe for solicitado, as exposições verbais ou escritas que apresentarem os
interessados; e
f.pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução
amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos nesta
Convenção.
Com isso, podemos observar o caráter punitivo, protetivo e educacional da corte. Seu
caráter jurisdicional possui decisões definitivas e irrecorríveis, podendo determinar a adoção
de medidas provisórias em casos de extrema gravidade.
A respeito do caráter educacional, é importante destacar que:
As inspeções in loco da Comissão Interamericana têm importantes efeitos
preventivos, dentre eles o de alertar o governo de determinado Estado da
necessidade de derrogação ou modificações de leis e demais normas que afetam
negativamente a eficácia dos direitos humanos em seu país, bem como de
estabelecimento ou aperfeiçoamento de recursos internos (garantias processuais etc.)
voltados para a melhor salvaguarda desses mesmos direitos. (MAZZUOLI, Valério
de Oliveira, 2013, p. 322).
Ou seja, é dever do Estado garantir que suas leis internas não violem a defesa dos
direitos humanos, tendo este, primazia quantos aos demais direitos.
Em contrapartida, em seu caráter consultivo, o Plenário da Corte tem como atribuição
emitir pareceres, quando consultado pelos Estados signatários da OEA. O parecer emitido
pelo plenário é declaratório, não tem poder de desconstituir ato interno, exceto, quando a parte
é oposta às obrigações da convenção, neste caso, a corte exige uma reparação.
No Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu competência
obrigatória em todos os casos de interpretação ou aplicação da Convenção Americana de
Direitos Humanos ocorridos a partir da data da sua ratificação.
24
3.2 O entendimento da Convenção Americana de Direitos Humanos acerca do Desacato
O crime de desacato, apesar de formalmente tipificado e vigente no ordenamento
jurídico interno brasileiro, não foi recepcionado pela ordem constitucional. O delito prevê
sanção para quem desacata funcionário público no exercício da sua função ou em razão dela.
Ao lado do evento da não recepcionalidade constitucional da norma, é importante
reafirmar a existência do dever de observar a vigência do Pacto de San José da Costa Rica no
Brasil e o seu status de supralegalidade.
A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e os pareceres e
relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontam e recomendam a
supressão do crime de desacato pelos Estados signatários.
Em análise do artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, observa-se
que a criminalização do desacato ofende diretamente o pacto. Diante desse ultraje, em 2000,
no seu relatório anual, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apreciou a
incompatibilidade existente entre o crime de desacato e o Pacto San José da Costa Rica e em
importante trecho do relatório emitiu:
A CIDH declarou, igualmente, que as leis de desacato proporcionam um maior nível
de proteção aos funcionários públicos do que aos cidadãos privados, em direta
contravenção com o princípio fundamental de um sistema democrático, que sujeita o
governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus poderes
coercitivos. Em conseqüência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as
ações e atitudes dos funcionários públicos no que se refere à função pública.
Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas, pelo temor das pessoas às ações
judiciais ou sanções fiduciárias. Inclusive aquelas leis que contemplam o direito de
provar a veracidade das declarações efetuadas, restringem indevidamente a livre
expressão porque não contemplam o fato de que muitas críticas se baseiam em
opiniões, e, portanto, não podem ser provadas. As leis sobre desacato não podem ser
justificadas dizendo que seu propósito é defender a “ordem pública” (um propósito
permissível para a regulamentação da expressão em virtude do artigo 13), já que isso
contraria o princípio de que uma democracia, que funciona adequadamente, constitui
a maior garantia da ordem pública. Existem outros meios menos restritivos, além das
leis de desacato, mediante os quais o governo pode defender sua reputação frente a
ataques infundados, como a réplica através dos meios de comunicação ou
impetrando ações cíveis por difamação ou injúria. Relatório Anual da CIDH, 2000”,
Volume III, Relatório da Relatoria para a Liberdade de Expressão, Capítulo II
(OEA/Ser. L/V/II.111 Doc.20 rev. 16 abril 2001).
Por defender que vivemos em um Estado democrático de direito e que coibir as
manifestações de pensamentos e expressões ofende diretamente esse eixo principal do Estado,
25
dessa forma, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que as leis de
desacato são incompatíveis com a convenção e rogou aos Estados signatários a sua
descriminalização.
Contudo, o Brasil, não atendeu à determinação da CIDH.
Reputando a conduta do Brasil frente à Comissão Interamericana, estabeleceu-se no
Senado, uma Comissão de Reforma do Código Penal, a qual aponta a possibilidade de
descriminalização do desacato, que deu origem ao Projeto de Lei nº 236, 2012, ainda em
tramitação. Técio Lins e Silva, membro da Comissão de Juristas, afirma que:
A comissão aprovou a descriminalização do crime de desacato à autoridade, que tem
aquele ranço insuportável da ditadura, que tem aquele ranço insuportável do Estado
Novo, que inspirou o Código Penal vigente lá nos idos de 1930/1940, copiado do
Código Penal italiano, o Rocco, que era uma lei facista. No anteprojeto não existe
mais esse tipo penal que alguns servidores arrogantes, que alguns juízes, que
algumas autoridades estampam nas portas dos seus gabinetes, como uma ameaça ao
cidadão, uma ameaça ao exercício da cidadania. Ninguém põe cartazes dizendo que
é proibido matar ou que é proibido estuprar, não é? A descriminalização do desacato
à autoridade é [...]uma complementação importante da defesa da cidadania.
(in Jornal do advogado. Ano XXXVII, mai/2012, número 372, p.15).
Diante da manifestação da CIDH conflitante com o artigo 331, do Código Penal,
levando-se em conta o status jurídico inferior da norma penal, vislumbra-se que
criminalização da conduta não se justifica mais.
3.3 Da liberdade de pensamento e expressão
A liberdade de pensamento e expressão é considerada um direito fundamental e está
garantida no artigo 5º, IV, da Constituição Federal, in versus:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença.
Corroborado pelo artigo 220, também da Magna Carta, reza que “a manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo
não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Por certo, os valores democráticos consagrados pela ordem constitucional atual
priorizam a liberdade de expressão.
26
A fim de delinear-se de forma mais acentuada acerca da liberdade de pensamento e
expressão, importante trazer à baila o artigo 13da Convenção Americana de Direitos
Humanos, essência desse trabalho, ipsis litteris:
Artigo 13 – liberdade de pensamento e expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito
compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda
natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma
impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura
prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela
lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral
públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o
abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências
radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem
por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e
opiniões.
A comunicação com seus semelhantes faz parte do ser humano desde os primórdios da
sociedade. A liberdade é uma faculdade inerente aos indivíduos, essencial para que se concretize
o princípio da dignidade humana. A defesa desta liberdade garante a vigência da democracia, de
outro modo, estaremos diante da censura e opressão, típicas do governo ditatorial.
Nas palavras de José Afonso da Silva, o conceito de liberdade pode ser definido como:
O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de
atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. (...)
Vamos um pouco além, e propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na
possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da
felicidade pessoal. Nessa noção, encontramos todos os elementos objetivos e
subjetivos necessários à ideia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de ser
resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de
alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a
liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse
do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de coordenação dos meios é
contrário à liberdade.
(SILVA, José Afonso da. São Paulo: Malheiros, 2003. p.232)
Tem se que o pensamento é inerente ao ser humano e por questões óbvias, é
impossível puni-lo, cabendo a cada um controlar o que é exteriorizado. Celso Ribeiro Bastos
faz uma interessante análise do tema e constata que o instinto do ser humano é querer
convencer a todos que seu pensamento é o correto e fazê-los enxergar o mundo conforme a
sua própria visão.
27
A Comissão Interamericana de Direitos, em seu 108º período ordinário de sessões,
emitiu a “Declaração de princípios sobre Liberdade de Expressão”, disciplinando que:
11. Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis
que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente
conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o
direito à informação.
Segundo a Relatoria para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, as normas de direito interno que tipificam o crime de desacato são
incompatíveis com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
B. As leis de desacato são incompatíveis com o artículo 13 da Convenção
5. A afirmação que intitula esta seção é de longa data: tal como a Relatoria
expressou em informes anteriores, a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) efetuou uma análise da compatibilidade das leis de desacato
com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um relatório realizado
em 1995.
A CIDH concluiu que tais leis não são compatíveis com a Convenção porque se
prestavam ao abuso como um meio para silenciar ideias e opiniões impopulares,
reprimindo, desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das
instituições democráticas.
A CIDH declarou, igualmente, que as leis de desacato proporcionam um maior
nível de proteção aos funcionários públicos do que aos cidadãos privados, em
direta contravenção com o princípio fundamental de um sistema democrático, que
sujeita o governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus
poderes coercitivos.
Em consequência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e
atitudes dos funcionários públicos no que se refere à função pública.
Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas, pelo temor das pessoas às
ações judiciais ou sanções fiduciárias. Inclusive aquelas leis que contemplam o
direito de provar a veracidade das declarações efetuadas, restringem
indevidamente a livre expressão porque não contemplam o fato de que muitas
críticas se baseiam em opiniões, e, portanto, não podem ser provadas. As leis
sobre desacato não podem ser justificadas dizendo que seu propósito é defender a
“ordem pública” (um propósito permissível para a regulamentação da expressão
em virtude do artigo 13), já que isso contraria o princípio de que uma democracia,
que funciona adequadamente, constitui a maior garantia da ordem
pública. Existem outros meios menos restritivos, além das leis de desacato,
mediante os quais o governo pode defender sua reputação frente a ataques
infundados, como a réplica através dos meios de comunicação ou impetrando
ações cíveis por difamação ou injúria. Por todas estas razões, a CIDH concluiu
que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou os Estados
que as derrogassem.
Eventuais abusos no exercício da liberdade de expressão não justificam a intervenção
penal. Em verdade, eventuais excessos podem ser corrigidos por outras searas jurídicas,
consagrando-se os princípios penais da intervenção mínima, da fragmentariedade e da
subsidiariedade do direito penal, todos de natureza constitucional.
Importante conceituar, por fim, alguns princípios acima correlacionados.
Acerca do princípio da intervenção mínima, leciona Muñoz Conde (2001, p. 59-60):
"O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção
28
mínima. Com isto, quero dizer que o direito penal somente deve intervir nos casos de ataques
muito graves aos bens jurídicos mais importantes."
Nas palavras do mestre Rogério Greco, temos que:
O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não só pela
indicação dos bens de maior relevo que merecem especial atenção do Direito Penal,
mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Sé é
com base neste princípio que os bens são selecionados para permanecer sob a tutela
do Direito Penal, porque considerados como os de maior importância, também será
com fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que com a
sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram de maior
relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos
incriminadores. (GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 13 ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2011, p. 47)
Deste modo, pode-se entender que, de acordo com este princípio o direito penal deve
intervir o mínimo possível na vida em sociedade, somente sendo requerido quando os demais
ramos do direito não forem capazes de tutelar os bens jurídicos tidos como de maior
importância.
O princípio da fragmentariedade é uma variante do princípio da intervenção mínima.
Entende-se como atípicas as ofensas mínimas ao bem jurídico, devendo o ordenamento se
preocupar apenas com as ofensas graves e significativas à lei penal, ao passo que as demais
são consideradas como causas de exclusão da tipicidade material (insignificância).
Tem-se, que, a presunção de perigo impõe ao sujeito algo que não fez e, assim, pune-
se além do limite da culpabilidade. Ademais, tamanha antecipação da intervenção penal é
desproporcional, não se compatibilizando com os limites da fragmentariedade, arcabouço de
um direito penal democrático, sendo possível a regulação suficiente de tais condutas em
searas diversas, como a administrativa.
Segundo Régis Prado (1992, p. 52), isso “é o que se denomina caráter fragmentário do
Direito Penal. Faz-se uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela tipologia agressiva
que se revela dotada de indiscutível relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa”.
Assim, infere-se que algumas leis disciplinam o mesmo assunto e para sanar esse
conflito aparente de normas utiliza-se o princípio da subsidiariedade, o qual disciplina que,
existindo uma norma penal mais grave, utilizar-se-á esta.
Na lição de Cezar Roberto Bitencourt (2017, p.266):
O fundamento material da subsidiariedade reside no fato de distintas proposições
jurídico-penais protegerem o mesmo bem jurídico em diferentes estádios de ataque”,
declarando, dessa forma, tratar-se de um conflito aparente de normas solucionado
por tal princípio.
29
A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita.
A respeito da subsidiariedade expressa, Rogério Greco (2011, p. 28-29) “diz-se
expressa a subsidiariedade quando a própria lei faz a sua ressalva, deixando transparecer seu
caráter subsidiário.”
Em contrapartida, considera-se como tácita a norma que “(...) embora não se referindo
expressamente o seu caráter subsidiário, somente terá aplicação nas hipóteses de não
ocorrência de um delito mais grave, que, neste caso, afastará a aplicação da norma
subsidiária.”
Diante desse quadro, evidencia-se a relevância dos princípios para a consagração do
processo penal, figurados como garantias penais, que devem ser asseguradas pelo Estado, por
ser este o detentor do poder-dever de criar e aplicar o direito ao caso concreto, embora ainda
subsista descompasso na atribuição a ele presenteada.
30
IV – O CRIME DE DESACATO NO BRASIL
O desfecho dessa pesquisa dar-se-á com análise da tipificação do delito de desacato e
as suas principais características, visto que a tipificação penal se traduz como a problemática
cerne deste trabalho monográfico.
Por fim, tecer-se-á comentários acerca da decisão da Terceira Seção do Superior
Tribunal de Justiça e a sua repercussão no cenário internacional.
4.1 A tipificação do Desacato
O legislador de 1940 previu o crime de desacato, atualmente garantido no artigo 331,
do Código Penal Brasileiro e consiste em “desacatar funcionário público no exercício da
função ou em razão dela”. Embora formalmente vigente, a tipificação da conduta fere o
direito fundamental à liberdade de expressão (art. 5º, IV da Constituição Federal de 1988),
conforme já delineado anteriormente.
É evidente e irreprimível que, na qualidade de cidadão, este fará críticas ao
funcionamento, organização das instituições públicas e àqueles exercem atribuições públicas.
Dessa forma, denota-se que a tipificação de feitio implícito visa afugentar
manifestações antagônicas às condutas dos agentes públicos, conferindo proteção excessiva a
estes e inibindo manifestações contrárias ao Estado. É notório que estes estarão
permanentemente sujeitos a fiscalizações e julgamentos, sendo inadmissível impedir o direito
do cidadão em manifestar seu descontentamento com o serviço que lhe é prestado.
A respeito, a Declaração Americana sobre Liberdade de Expressão delineia em seus
princípios 10 e 11, in versus:
10. (...) A proteção à reputação deve estar garantida somente através de sanções
civis, nos casos em que a pessoa ofendida seja um funcionário público ou uma
pessoa pública ou particular que se tenha envolvido voluntariamente em assuntos de
interesse público. Ademais, nesses casos, deve-se provar que, na divulgação de
notícias, o comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava plenamente
consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com manifesta
negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas.
31
11. Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis
que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente
conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o
direito à informação.
(CIDH, Informe Anual 1994.)
Dessa forma, fácil constatar que a criminalização do desacato restringe de maneira
ilegítima a liberdade de expressão em nome da proteção da reputação de figuras públicas que
assumiram cargos de função pública.
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat, na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada pelo Ministério Público Federal,
expõe que:
[...]a persistência do art. 331 no ordenamento jurídico brasileiro é ofensivo à
Constituição sob múltiplas perspectivas: atenta contra o regime democrático, na
medida em que impede o controle da atuação de servidores públicos a propósito de
suas funções: inibe a liberdade de expressão nos seus aspectos e fundamentos
essenciais: atinge mais severamente aqueles que estão em luta pela implementação
de seu catálogo de direitos, em clara ofensa ao princípio da igualdade: e compromete
o Brasil no cenário internacional, pelo não cumprimento de obrigações às quais
aderiu livremente.
Vale lembrar que, ao tipificar a conduta do sujeito, lesiona-se o princípio basilar do
processo penal, tal qual, a proporcionalidade, que tem como principal objetivo equilibrar
direitos individuais com as ambições da sociedade.
Além disto, ofende-se também a intervenção mínima ou ultima ratio, onde o direito
penal deve intervir o mínimo possível na sociedade, sendo vinculado quando as demais
esferas do direito não forem competentes para assegurar os bens de maior relevância.
Em grosso modo, o próprio agente público imputa a si competência para discernir a
conduta como ofensiva ou não. Fazendo, deste modo, um “juízo preliminar”, apossando-se
como injusta uma protestação que na maior parte seria compreendida como uma avaliação
comum; intimidando assim quem a fez.
Momentoso retomarmos ao entendimento da Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos, aderida pelo Brasil mediante Decreto n° 678/92 que, em seu artigo 13 assegura a
liberdade de pensamento e expressão, no qual a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) discursou-se contrária à legislação de desacato vigente no território
brasileiro, uma vez que esta é diversa aos termos da Convenção. A comissão argumentou que
os indivíduos carregam consigo uma autocensura, visto que podem sofrer punições penais
caso externem opiniões relativas a máquina pública ou contrárias àqueles que a operam.
Portanto, sendo conflitante com um sistema democrático.
32
Consoante a CIDH:
Além de constituir uma restrição direta à liberdade de expressão, a tipificação do
desacato também restringe essa liberdade de maneira indireta, porque traz com o
tipo penal a ameaça de prisão e multas para quem insulta ou ofende um funcionário
público(...) O medo de sanções criminais necessariamente desencoraja aquelas
pessoas que desejam expressar suas críticas em temas de interesse público, em
especial quando a legislação não dispõe de critérios claros para distinguir entre fatos
e opiniões expressadas.
(Comissão de Direitos Humanos. Relatório do Relator Especial para a Liberdade de
Expressão de 2008. Capítulo II, par. 116.)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos também já se posicionou a respeito:
O controle democrático exercido pela sociedade, por meio da opinião pública,
fomenta a transparência das atividades estatais e promove a responsabilidade dos
servidores públicos sobre sua gestão, razão pela qual deve haver uma maior
tolerância e abertura à crítica em face de manifestações emitidas por indivíduos no
exercício deste controle democrático.
(A Corte de Direitos Humanos., Palamara-Iribarne v. Chile. Mérito, Reparações e
Custas. Julgamento de 22 de Novembro de 2005. Series C No. 135. para. 83. Cf.
também: I/A Corte de Direitos Humanos., Herrera-Ulloa v. Costa Rica.
Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Julgamento de 2 de julho de 2004. Series
C No. 107. para. 82)
No cenário do judiciário brasileiro, temos na contemporaneidade, o julgamento do
REsp 1.640.084/SP (DJe 01/02/2017), onde o STJ posicionou-se de maneira favorável em
considerar o crime de desacato incompatível com a Convenção:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO,
DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO
DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.
SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356
DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o
Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas,
ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto
litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e
1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo
Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do
princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou
grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para
o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado
malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o
veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo
Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para
suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º,
c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de
outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou
limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de
4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do
art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro
33
LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no
Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos
humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda
lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos
humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no
plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos,
em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à
liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido
contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A
adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo
Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto,
por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não
invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa,
até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso Almonacid Arellano y otros v.
Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São
José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas
internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei
veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na
verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica
do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula
mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as
leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões
consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível
de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos
princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a
transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação,
sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos
fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais
adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine,
composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e
a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -
personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo
em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre
funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.
14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida
capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de
expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a
CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo
abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação
criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de
outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso
na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso
especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a
condenação do recorrente pelo crime de desacato. (art. 331 do CP). (STJ - REsp:
1640084 SP 2016/0032106-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de
Julgamento: 15/12/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
01/02/2017)
Entretanto, após a mencionada decisão do Superior Tribunal de Justiça, que opinou
pela descriminalização do delito, o colegiado afetou um Habeas Corpus nº 379.269/MS para
que a seção pacificasse a questão, assim definiram que o desacato continua a ser considerado
crime, acompanhando a decisão do Superior Tribunal Militar. A decisão da Terceira Seção
será abordada oportunamente.
34
Nesse sentido, o Superior Tribunal Militar se manifestou:
HABEAS CORPUS. DESACATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL
QUANTO AO TIPO PENAL DO ARTIGO 299 DO CPM. DECISÃO STJ.
DESCRIMINALIZAÇÃO DO TIPO PENAL PREVISTO NO ARTIGO 331 DO
CÓDIGO PENAL. NÃO EXTENSÃO AO CRIME DE DESACATO A MILITAR,
PREVISTO NO ARTIGO 299 DO CPM. BENS TUTELADOS DIVERSOS.
ORDEM DENEGADA. A decisão do Superior Tribunal de Justiça de
descriminalizar o crime de desacato previsto no artigo 331 do Código Penal, ante
sua desconformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, não
alcança o tipo penal previsto no artigo 299 do Código Penal Castrense. É que este
tutela o respeito à dignidade da função de natureza militar, visando não prejudicar o
exercício da função constitucional maior atribuída às Forças Armadas, que é a
defesa da soberania e garantia da lei e da ordem, enquanto aquele resguarda a
Administração Púbica nos seus interesses material e moral. Porquanto, são
propósitos diversos. Conclui-se que a citada decisão em nada afetou o ordenamento
jurídico substantivo castrense, em face do principio da especialidade das leis, o qual
consigna que a lei especial afasta a geral. Ordem denegada. Decisão unânime. (Processo HC 00000816320177000000 RJ, Data da Publicação: 18/05/2017 Vol:
Veículo: DJE, Julgamento: 9 de Maio de 2017, Relator Francisco Joseli Parente
Camelo.)
E, posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, reconheceu que
a descriminalização não se aplicaria aos casos envolvendo militares:
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Girleu
Oliveira de Asevedo, contra acórdão proferido pelo Superior Tribunal Militar - STM
nos autos do HC 8.163/RJ, de relatoria do Ministro Tenente Brigadeiro do Ar
Francisco Joseli Parente Camelo, assim ementado: HABEAS CORPUS.
DESACATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUANTO AO TIPO PENAL
DO ARTIGO 299 DO CPM. DECISÃO STJ. DESCRIMINALIZAÇÃO DO TIPO
PENAL PREVISTO NO ARTIGO 331 DO CÓDIGO PENAL. NÃO EXTENSÃO
AO CRIME DE DESACATO A MILITAR, PREVISTO NO ARTIGO 299 DO
CPM. BENS TUTELADOS DIVERSOS. ORDEM DENEGADA. A decisão do
Superior Tribunal de Justiça de descriminalizar o crime de desacato previsto no
artigo 331 do Código Penal, ante sua desconformidade com a Convenção Americana
de Direitos Humanos, não alcança o tipo penal previsto no artigo 299 do Código
Penal Castrense. É que este tutela o respeito à dignidade da função de natureza
militar, visando não prejudicar o exercício da função constitucional maior atribuída
às Forças Armadas, que é a defesa da soberania e garantia da lei e da ordem,
enquanto aquele resguarda a Administração Púbica nos seus interesses material e
moral. Porquanto, são propósitos diversos. Conclui-se que a citada decisão em nada
afetou o ordenamento jurídico substantivo castrense, em face do principio da
especialidade das leis, o qual consigna que a lei especial afasta a geral. Ordem
denegada. Decisão unânime. Consta na inicial que o paciente foi denunciado pela
suposta prática dos seguintes crimes, previstos no Código Penal Militar: (i) violência
contra militar de serviço com lesão corporal (art. 158, § 2º); (ii) lesão leve (art. 209);
(iii) desacato a militar (art. 299). Irresignada com o recebimento da denúncia, a
defesa impetrou habeas corpus no STM. Entretanto, a ordem foi denegada pelo
Plenário da Corte Castrense, em sessão do dia 9/5/2017. A Defesa informa que nesse
ínterim, a Juíza Auditora da 2ª Auditoria 1ª CJM, designou audiência de julgamento
para o dia 5/6/2017, às 13h30min. Aduz que, em caso semelhante, o Superior
Tribunal de Justiça, em 15/12/2016, descriminalizou a conduta tipificada como
crime de desacato a autoridade, por entender que a tipificação é incompatível com o
art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (pág. 2 do documento
eletrônico 1). Sustenta, assim, que a denúncia deve ser rejeitada na parte que diz
respeito ao crime de desacato, em razão do entendimento do STJ sobre o o crime de
desacato, consignado no julgamento do REsp 1.640.084/SP. Requer, liminarmente,
o cancelamento da Audiência de Julgamento, designada para o dia 5/6/2017, às
35
13h30, pelo Juízo da 2ª Auditoria da 1ª CJM (Ação Penal Militar nº 0000151-
71.2013.7.01.0201) e, no mérito, que seja rejeitada a denúncia recebida pelo Juízo a
quo, em relação a conduta tipificada como crime de desacato, prevista no art. 299,
do CPM (pág. 7 do documento eletrônico 1). É o relatório. Decido. A concessão de
medida liminar necessita da presença de seus requisitos autorizadores, quais sejam, o
fumus boni iuris e o periculum in mora. Em relação ao fumus boni iuris, impende
registrar que a ação penal ainda encontra-se em sua fase inicial, cujo trancamento
pela via do habeas corpus ocorre somente diante de flagrante ilegalidade ou
teratologia. Ademais, à primeira vista, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de
Justiça STJ no julgamento do REsp 1.640.084/SP não tem o condão de produzir
efeitos na ação penal a qual responde o paciente. Isso porque, mesmo que analisado
pela sistemática de recursos repetitivos, o caso analisado por aquela Corte tratou do
crime de desacato praticado por cidadão contra funcionário público civil e não entre
militares, como se observa no presente writ. Vislumbro, ainda, que a realização da
audiência de julgamento não causa prejuízo iminente e irreparável ao paciente.
Destarte, verifico a ausência dos requisitos autorizadores à concessão de medida
cautelar. Isso posto, indefiro a liminar. Requisitem-se informações à autoridade
coatora. Ouça-se o Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 1º de
junho 2017. Ministro Ricardo Lewandowski Relator. (Processo MC HC 143968 RJ - RIO DE JANEIRO 0004952-40.2017.1.00.0000.
SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. Julgamento: 1 de Junho de 2017, Relator: Min.
RICARDO LEWANDOWSKI)
Tendo em vista as recentes decisões do judiciário brasileiro, considera-se que não se
pode apenas desprezar as decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e das
organizações internacionais, que reiteradamente se posicionam pela descriminalização do
delito, sem levar em apreço que o Brasil é signatário do Pacto San José da Costa Rica.
4.1.1 Principais características do delito
Cuida-se de uma infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção,
de seis meses a dois anos, ou multa. O bem jurídico protegido é a administração pública,
especialmente no que toca ao seu prestígio e competência organizacional. À vista disso, ao se
referir à máquina pública de maneira hostil, por amplitude, atinge-se o funcionário público e a
função por ele exercida. Observa-se assim que, o legislador pretendia defender a honra do
Estado e consequentemente, dos seus funcionários.
Nesse seguimento, Alexandre Sankievicz, (2016), indica que:
[...] o desacato é punido de forma mais rigorosa que a injúria, a calúnia e a
difamação justamente porque, no desacato, o servidor é portador de interesse público
e desempenha função de particular importância dentro do ordenamento jurídico. O
desacato, além de implicar desrespeito à vítima em questão, acarretaria assim
desrespeito ao próprio Estado, merecendo sanção mais gravosa independentemente
de o servidor ter-se sentido ofendido.
36
Não existem parâmetros para a caracterização do delito em questão, restando para o
operador do direito, de forma discricionária e arbitrária, decidir com base no caso concreto.
Trata-se de crime de forma livre, admitindo a execução de variadas formas, como
gestos, palavras, ameaças, vias de fatos, bem como qualquer outro meio de manifestação.
Nesse sentido, a jurisprudência decide:
APELAÇÃO. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESACATO.
ART. 331, DO CP. CONDENAÇÃO MANTIDA. I - Demonstrado nos autos que o
réu desacatou policial militar em razão de sua função, proferindo-lhe palavras de
baixo calão. O crime de desacato pressupõe a depreciação da função pública e do
próprio funcionário, elementos configurados nos autos. II - Nos termos do art. 44, §
2º, do CP, tendo em vista que a pena privativa de liberdade foi fixada em 06 (seis)
meses de detenção, deverá ser substituída por uma pena restritiva de direito, qual
seja, de prestação de serviços a comunidade, excluindo a pena pecuniária fixada na
origem. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Crime Nº 70076417930,
Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal,
Julgado em 19/04/2018).
(TJ-RS - ACR: 70076417930 RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Data de Julgamento:
19/04/2018, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia
26/04/2018)
O artigo 331 revela que a conduta pode ser praticada de duas formas: “no exercício da
função ou em razão dela”. Por exercício da função, entende-se o funcionário na prática de
atos de ofício, independentemente de estar na repartição pública ou não. Por outro lado, a
expressão “em razão dela” compreende o funcionário público que se encontra fora da
repartição pública, sem a prática de qualquer ato de ofício, mas que, recebe ofensas em razão
da sua condição de agente estatal, como leciona Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 879):
Desacatar (desprezar, faltar com o respeito ou humilhar) funcionário público no
exercício da função ou em razão dela (exige-se que a palavra ofensiva ou o ato
injurioso seja dirigido ao funcionário que esteja exercendo suas atividades ou, ainda,
que ausente delas, tenha o autor levado em consideração a função pública). Pode
implicar em qualquer tipo de palavra grosseira ou ato ofensivo contra a pessoa que
exerce função pública, incluindo ameaça e agressões físicas.
Também se faz imperioso destacar que, o artigo 331 engloba uma gama de condutas
que podem ser definidas como desacato, sem, ao menos estabelecer parâmetros para essa
tipificação.
Nas palavras do Ministro do STJ, Gilson Dipp (2012), “da maneira como está hoje,
nunca se sabe bem se é crime de desacato ou manifestação de insatisfação”.
Nesse ínterim, constata-se que independente do funcionário se sentir, de fato,
ofendido, configurar-se-á o delito, bastando para tanto, que o ofensor profira palavras,
agressões a fim de menosprezar a função pública.
37
4.2 Outras formas de punir a ofensa à honra do funcionário público
A honra de maneira singela, consiste em um conjunto de propriedades intelectuais,
físicas e morais de um sujeito. Entretanto, para o direito, este conceito é simplório para
exemplificar a dimensão que esta virtude carrega consigo. A honradez é desmedida. Cada um
concede relevância própria àquilo que é de mérito, glória, respeitabilidade, ficando assim
imerso em seu subconsciente. Sendo, desta forma, matéria puramente íntima.
Para Muños Candido, a relevância da honra pode ser mensurada como:
A honra é um dos bens mais sutis e mais difíceis de apreender desde o ponto de vista
jurídico-penal. Isso se deve, sobretudo, a sua relativização, a existência de um
ataque a honra depende das mais diversas situações de sensibilidade, do grau de
formação, da situação tanto do sujeito passivo como do ativo, e também das relações
recíprocas entre ambos, assim como das circunstancias do ilícito.
(MUÑOZ CANDIDO, Francisco, Derecho Penal – Parte Especial, p. 274).
Contudo, ofender quaisquer destes predicados, configura um fato típico e antijurídico.
Por conseguinte, o ofendido roga ao Estado que é incumbido de tutelar a especificidade de
cada pessoa.
Torna-se ainda possível, a fragmentação da honra como objetiva e subjetiva. Faz-se
objetiva por versar sobre a concepção os demais fazem sobre alguém. À vista disso, quem fere
ao atacar a honra objetiva cria, de maneira direta, uma condição que poderá suscitar alteração
no juízo que os demais têm sobre ela, devido a imputação de fato enganoso ou nocivo ao seu
prestigio. Constitui a honra subjetiva, o apreço e concepção que carrega de si. Apresenta-se
todos atributos morais, os quais são de estima valia, não tendo potencial para serem
lesionados por outrem.
Sobre o assunto, Rogério Greco preleciona:
Embora possamos identificá-los (os conceitos de honra subjetiva e objetiva),
levando em consideração a relação de precipuidade, ou seja, onde a honra subjetiva,
precipuamente, afeta o conceito que o agente faz de si mesmo, e a honra objetiva,
também precipuamente, atinge a reputação do agente em seu meio social, não
podemos considerá-las de forma estanque, completamente compartimentadas...
Dessa forma, somente podemos considerar a distinção entre honra objetiva e honra
subjetiva para identificar a classificação da figura típica, bem como para poder
apontar, com mais segurança, o momento e consumação da infração penal
pretendida pelo agente.
(GRECO, Rogério, Direito Penal – Parte Especial, p. 397).
38
Após delineados os conceitos acerca da honra, importante abordarmos as demais
formas de punir quem à ofende, de forma a demonstrar que o bem jurídico tutelado pelo crime
de desacato já possui salvaguarda no ordenamento jurídico brasileiro, crimes dispostos no
capítulo V, do Código Penal Brasileiro.
São eles: calúnia, difamação e injúria.
A calúnia está prevista no artigo 138 do Código Penal com a seguinte redação:
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou
divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:
I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi
condenado por sentença irrecorrível;
II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por
sentença irrecorrível.
Incorre ao crime de calúnia aquele que imputa falsamente fato criminoso a outrem, ou
seja, atribui a determinado sujeito a culpabilidade pela prática de ato conhecido como
delituoso. Logo, entende-se que, para caracterizar o crime, exija-se a atribuição de caso
específico e que este seja um tipo penal, sendo esta imputação falsa pela inexistência da
ocorrência ou por não se fazer autora a pessoa ofendida.
A calúnia tem como objeto a falsa imputação a alguém de fato definido como crime.
“A tipicidade própria à calúnia pressupõe a imputação de fato determinado, revelador de
prática criminosa, não a caracterizando palavras genéricas, muito embora alcançando a honra
do destinatário. Precedentes do STF. Atipicidade do fato.” (AP 428, rel. min. Marco Aurélio,
P, DJE de 28-8-2009.).
Na mesma senda:
O tipo de calúnia exige a imputação de fato específico, que seja criminoso, e a
intenção de ofender a honra da vítima, não sendo suficiente o animus defendendi. O
tipo de difamação exige a imputação de fato específico. A atribuição da qualidade de
irresponsável e covarde é suficiente para a adequação típica face ao delito de
injúria. Presente o animus injuriandi.
(Inq 2.582, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, DJE de 22-2-2008.)
Como bem pontuado por Hungria (1980, p.66):
A falsa imputação deve referir-se a crime. O texto do art. 138 é restritivo. Nem há
dizer-se que a palavra crime é compreensiva de contravenção, pois o Código, toda
39
vez que quer aludir também a esta, fá-lo expressamente. A falsa imputação de fato
meramente contravencional poderá constituir difamação, mas não calunia.
Desta forma, é visível que se trata de crime formal onde atinge a honra objetiva do
indivíduo, conforme anteriormente exemplificado. O agente deverá estar dotado de dolo
direto (sabendo assim que a imputação do fato é falsa) ou composto do dolo indireto (não há
certeza sobre as informações, porém, mesmo assim divulga).
A calúnia se consumará quando o episódio disseminado chegar ao conhecimento de
uma terceira pessoa.
Estará sujeito o agente à pena de detenção de seis meses a dois anos, e multa.
Por outro lado, a difamação encontra-se prevista no artigo 139 e disciplina que:
139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único: A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é
funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Trata-se da propagação de fatos desonrosos que insultam contra sua reputação, seja
estes verdadeiros ou não, haverá a incidência do crime. A difamação, por indo ao
encontro da boa reputação, agride também a honra objetiva, visto que, haverá uma
evidente alteração nos conceitos que os demais terão sobre o difamado. Por atingir a
honra objetiva do indivíduo, terá como consumação do crime o momento em que um
terceiro toma ciência das desonras proferidas pelo agente.
A pena para aquele que incorre no crime de difamação será de detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, e multa.
Nesta disposição, temos a tutela da honra objetiva, punindo a conduta que imputa fato
ofensivo a honra de outrem.
Por fim, o legislador, ao criminalizar a injúria, abordou três importantes aspectos: a
injúria simples (caput do artigo 140), a injúria real (§2º do artigo 140) e a injúria
preconceituosa (§3º do artigo 140), a seguir, in versus:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou
pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à
violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião ou origem: (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
(Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
40
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
Diferentemente das demais, a injúria atinge a honra subjetiva, ou seja, fere as
qualidades morais do sujeito. Em outras palavras, atinge a autoestima da pessoa e todas as
concepções que tem de si. Não se faz necessário fato determinado, mas sim desprezo com o
ofendido, atribuindo-a valores pejorativos à sua pessoa ou sua moralidade.
Neste caso, as qualidades feridas poderão ser condições físicas ou morais. Esta
tipificação tem como objetivo proteger a dignidade (concepção a respeito da sua moral) e do
decoro (sentimento puramente pessoal relacionado às suas qualidades).
Dessa forma, qualquer imputação ou opinião pessoal que ofenda a terceiro pode se
enquadrar no crime de injúria se a vítima se entender ofendida.
De outro modo, o desacato pode ser desclassificado para a conduta de injúria nos casos
em que o ofensor “desacata” o funcionário público desconhecendo sua função, mostrando,
mais uma vez, que a criminalização do desacato tem o fito apenas de privilegiar uma carreira
profissional em detrimento de outras.
A respeito, o nobre mestre Celso Delmanto (2016, p. 134), ensina:
Se o sujeito, por exemplo, desacata funcionáriopúblico por desconhecer essa sua
qualidade, poderá haver desclassificação para o crime de injúria, pois a condição de
funcionário do sujeito passivo é indispensável para o tipo do desacato (CP, art. 331),
enquanto a injúria (CP, art. 140) pode ser praticada contra qualquer pessoa. b. Erro
quanto à causa excludente da ilicitu- de. O CP declara ser impunível o aborto
necessário e o sentimental (CP, art. 128, I e II). Caso o agente erre, por culpa, quanto
às suas circunstâncias de fato, terá agido culposa- mente, mas nãopoderá ser punido,
porquanto não há a figura de aborto culposo.
Do mesmo modo ocorre se a exaltação do ofensor não demandar de ânimo calmo e
genuíno. Sobre o assunto, Fernando Capez (2016, p. 511), preleciona:
Questiona-se se a exaltação de ânimos exclui o crime de desacato. Dessa forma, caso
o agente, dominado por sentimento de cólera, ira, pratique ato ou profira palavra
ofensiva contra o funcionáriopúblico, responderá pelo crime de desacato Duas são
as posições que procuram solucionar tal controvérsia. Vejamos: (1) para a corrente
predominante nos tribunais o desacato pressupõe um estado normal de ímpeto,
sendo que a exaltação exclui o elemento subjetivo, isto é, a intenção de menoscabar,
desprestigiar a função exercida pelo funcionáriopúblico. Na hipótese, restará ao
agen- te responder pelo delito de injúria, lesão corporal etc.; (2) já para uma se-
gunda corrente, minoritária nos tribunais, o desacato não exige ânimo calmo, de
forma que o estado de exaltação ou cóleranão exclui o elemento subjetivo do tipo,
do contrário raramente haveria a tipificação desse delito, uma vez que, em regra, o
desacato é realizado em estado de ira. Além do quea emoção nem ao menos isenta o
agente de responsabilidade pelo cometimento do desacato, uma vez que o art. 28, I,
do CP prescreve que a emoção e a paixãonão excluem a imputabilidade penal. Dessa
forma, a emoção nem sequer é causa de exclusão da responsabilidade penal, quanto
mais causa excludente do crime. Finalmente, dentro dessa segunda corrente há uma
terceira, que entende que o crime de desacato dispensa o elemento subjetivo do tipo,
41
de forma que basta a vontade de praticar o fato ou proferir as palavras ofensivas para
que o crime se configure, não se exigindo o fim de desprestigiar a funçãopública.
Ainda que o crime seja praticado em estado de exaltação emocional, o desacato se
perfaz.
Diante do exposto, infere-se que a solução para tamanha desigualdade e parcialidade
se encontra presente no próprio ordenamento jurídico brasileiro, que dispõe de três
instrumentos de defesa da honra, seja ela objetiva ou subjetiva.
Temos nestes crimes significativa ferramenta de defesa da moral dos funcionários
públicos até então tutelados pelo crime de desacato.
Ora, não se faz necessário a tipificação de um crime que contraria diretamente os
diplomas internacionais das quais o Brasil é Estado-membro apenas para criar benefícios ou
preferências para uma parcela da sociedade apenas por ocupar um cargo ou função distinta
dos demais, afinal, todos deveriam ser iguais perante à lei.
Esta distinção tão mencionada fica clara no texto de Fernando Capez (2016, p. 510) a
respeito do sujeito passivo do crime de desacato, que diz:
Se o ofendido, no momento da ofensa, não mais possui a qualidade de
funcionáriopúblico, não há o crime em tela, pois a ofensa contra o particular não
ofende os interesses da AdministraçãoPública. Haverá, na hipótese, outro crime
(lesão corporal, vias de fato, calúnia, difamação, injúria etc.).
Denota-se assim que, o particular pode ter sua honra defendida por crimes como a
difamação, calúnia e injúria, mas o funcionário público deve ter dignidade defendida por
crime diverso por ser este, privilegiadamente, defendido pelo ordenamento jurídico interno
brasileiro.
4.4 Comentários à decisão da Terceira Seção do STJ
Não obstante a Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 13 dispor
da liberdade de opinião e expressão, entendido pelo sistema interamericano como fundamento
principiológico de um Estado democrático e, não obstante as reiterações de que o crime de
desacato ofende diretamente o posicionamento desta Convenção, ainda assim, o Poder
Judiciário Brasileiro num julgamento recente decidiu de maneira contrária, reafirmando a
criminalização do desacato, como podemos ver a seguir:
42
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO,
DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO
DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.
SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356
DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o
Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas,
ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto
litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e
1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo
Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do
princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou
grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para
o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado
malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o
veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo
Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para
suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º,
c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de
outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou
limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de
4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do
art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro
LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no
Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos
humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda
lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos
humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no
plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos,
em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à
liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido
contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A
adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo
Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto,
por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não
invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa,
até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana
de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso AlmonacidArellano y otros v.
Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São
José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas
internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei
veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na
verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica
do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula
mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as
leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões
consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível
de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos
princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a
transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação,
sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos
fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais
adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine,
composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e
43
a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -
personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo
em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre
funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.
14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida
capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de
expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a
CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo
abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação
criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de
outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso
na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso
especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a
condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP).
(STJ - REsp: 1640084 SP 2016/0032106-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS,
Data de Julgamento: 15/12/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
01/02/2017)
A priori, faz-se oportuno registrar os ensinamentos do mestre Norberto Bobbio (1995,
p. 93):
A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu
poder normativo: essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de
estabelecer uma regulamentação de uma norma hierarquicamente superior.
No mesmo sentido, Nívio de Freitas Filho (Agravo em Recurso Especial nº.
850.170/SP):
[...] se alguma norma de direito interno colide com as previsões da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos para restringir a eficácia e o gozo dos direitos e
liberdade nela estabelecidos, as regras de interpretação aplicáveis demandam a
prevalência da norma do tratado e não a da legislação interna.
Estamos diante de uma antinomia jurídica, que para Norberto Bobbio (1994, p. 20),
portanto, é “aquela situação na qual são colocadas em existência duas normas, das quais uma
obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o
mesmo comportamento”. Entretanto, no presente caso deve-se prevalecer a Convenção
Americana de Direitos Humanos, tendo em vista seu status de supralegalidade.
Não sendo uma previsão contida apenas no âmbito internacional, a Constituição
Federal também protege a liberdade de pensamento e expressão.
A respeito, Luiz Flávio Gomes e Valerio de Oliveira Mazzuoli, apud Bidart Campos
destacam que ([2005], p. 5):
[...] é normal imputar-se a inconstitucionalidade a uma norma inferior que seja
contrária outra superior. Porém, em matéria de tratados internacionais o panorama
muda: o limite heterônomo ou externo que o Estado se impõe e aceita quando
permite o ingresso de um tratado em seu ordenamento jurídico coloca uma barreira
que o direito interno não pode quebrar mais à frente: e isto sem se importar qual seja
44
o plano hierárquico que o tratado tenha em seu direito interno. Por isso, mesmo nos
casos em que os tratados tenham status de norma infraconstitucional, as normas
posteriores que por emendas à Constituição se introduzem no direito interno em
oposição a um tratado, serão inconstitucionais.
Portanto, é de se observar a importância desses diplomas e a responsabilidade do
Estado em cumpri-los internamente.
O inconformismo que gera é alusivo à falta de preocupação e compromisso dos
juristas em garantir um direito fundamental e inerente de um Estado democrático e acima de
tudo, no tocante ao cumprimento das normas internacionais ratificadas e integrantes do
ordenamento jurídico interno.
Nas preciosas palavras de Nívio de Freitas Silva Filho (Agravo em Recurso Especial
nº. 850.170/SP):
[...] as leis de desacato: a) tem se prestado a silenciar ideias e opiniões impopulares,
reprimindo o direito ao debate crítico, instituto indispensável ao efetivo
funcionamento das instituições democráticas: b) conferem um maior nível de
proteção aos funcionários públicos do que com relação aos cidadãos, contrariando o
sistema democrático que submete o Governo ao controle popular e não o contrário, e
permitindo que os funcionários pratiquem abuso de seus poderes coercitivos: c)
inibem as críticas, pelo temor do cidadão de que venha a responder à ações judiciais
ou a sanções, restringindo assim a liberdade de pensamento e de expressão: d)
existem outras formas, menos restritivas, de o Governo defender a sua reputação
diante de ataques infundados, como o exercício da réplica por intermédio dos meios
de comunicação ou o ajuizamento de ações cíveis por difamação ou injúria
(Agravo em Recurso Especial nº: 850.170/SP).
Apesar disso, condenação pelo desacato é ato costumeiro do Poder Judiciário
Brasileiro, como podemos ver em inúmeras jurisprudências diariamente.
A título de exemplo, três julgados recentes (2018):
APELAÇÃO DA DEFESA. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL
QUALIFICADO E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. (1) PRELIMINAR ACERCA
DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA INCRIMINADORA E DE
INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÕES NÃO ACOLHIDAS. (2)
MATERIALIDADES E AUTORIAS SUFICIENTEMENTE PROVADAS.
CONDENAÇÃO. (3) DEPOIMENTO DE AGENTES PÚBLICOS. VALIDADE.
(4) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL ACERCA
DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. HIPÓTESES NÃO
ADMITIDAS ANTE A GRAVIDADE DA CONDUTA. (5) RECEPTAÇÃO
QUALIFICADA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO REAFIRMAM O
DOLO DO RÉU. CONDENAÇÃO COMO MEDIDA DE RIGOR. (6) PENAS E
REGIMES PRISIONAIS ADEQUADAMENTE IMPOSTOS. (7) PROVIMENTO
PARCIAL DO RECURSO DEFENSIVO. 1. Preliminares inconsistentes que devem
ser rejeitadas. 1.1. Não comporta acolhimento a alegação de inépcia da denúncia,
porque se encontra incólume, cumprindo os requisitos legais, previstos no art. 41, do
Código de Processo Penal, tanto que foi recebido pelo Magistrado, em juízo de
admissibilidade. Deveras, a exordial acusatória descreveu as condutas criminosas e
todas as suas circunstâncias, dando ao réu amplo conhecimento dos motivos e das
45
razões, de fato e de direito, que a levaram a ser denunciado pela prática dos crimes
de violação de direito autoral qualificado e receptação qualificada. Tanto é verdade
que, lida a denúncia em Juízo, o recorrente admitiu a autoria de todas as práticas
criminosas por ele perpetradas. Precedentes do STJ (RHC 33.806/CE, Recurso
Ordinário em Habeas Corpus 2012/0192038-7 – Rel. Min. Laurita Vaz – 5ª T. – j.
25.03.2014). 1.2. Preliminar acerca da inconstitucionalidade do art. 184, do Código
Penal. Não há falar-se no reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 184 e
parágrafos, do Código Penal, em razão de ofensa à taxatividade normativa, tendo em
vista que o disposto, previsto na referida norma incriminadora, está em concordância
com o princípio da legalidade e descreve a conduta típica e a pena correspondente à
ação delituosa. No duro, o art. 184 e parágrafos, do Código Penal, traz uma
descrição clara e compreensível da conduta, sendo tipo penal aberto, não se
confundindo com tipos vagos, à medida que a Lei, ao utilizar expressões
abrangentes, com amplo alcance a diversas condutas, tem seus conceitos, condutas
ilícitas e condutas permissivas precisadas pela Lei n. 9.610/98 (Lei de Direitos
Autorais), obedecendo aos ditames mínimos de taxatividade e de legalidade
normativa, substratos exigidos pela "Magna Carta". 2. No caso dos autos, a
conjugação dos elementos probatórios leva ao suficiente grau de certeza quanto às
materialidades e às autorias dos fatos descritos na denúncia. 3. Os depoimentos
judiciais de policiais, militares ou civis e de guardas civis, têm o mesmo valor dos
depoimentos oriundos de quaisquer outras testemunhas estranhas aos quadros
policiais. Entendimento contrário seria e é chapado absurdo, porque traduziria
descabido e inconsequente preconceito, ao arrepio, ademais, das normas
Constitucionais e legais. No duro, inexiste impedimento ou suspeição nos
depoimentos prestados por policiais, militares ou civis, ou por guardas civis, mesmo
porque seria um contrassenso o Estado, que outrora os credenciara para o exercício
da repressão criminal, outorgando-lhes certa parcela do poder estatal,
posteriormente, chamando-os à prestação de contas, perante o Poder Judiciário, não
mais lhes emprestasse a mesma credibilidade no passado emprestada. Logo, são
manifestas a ilegalidade e mesmo a inconstitucionalidade de entendimentos que
subtraíssem, "a priori", valor dos sobreditos depoimentos judiciais pelo simples fato
de terem sido prestados por pessoas revestidas da qualidade de policiais "lato sensu".
Precedentes do STF (HC 87.662/PE – Rel. Min. Carlos Ayres Brito – j. 05.09.06;
HC 73.518-5 – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 18.10.96; HC 70.237 – Rel. Min.
Carlos Velloso – RTJ 157/94) e do STJ (AgRg no AREsp 262.655/SP – Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze – j. 06.06.13; HC 177.980/BA – Rel. Min. Jorge Mussi – j.
28.06.11; HC 149.540/SP – Rel. Min. Laurita Vaz – j. 12.04.11 e HC 156.586/SP –
Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – j. 27.04.10). Outrossim, especificamente
quanto aos guardas civis, incide a inteligência da Lei n. 13.022/14, que amplia a
restrita interpretação que se havia do art. 144, § 8º, da Constituição Federal, dando-
lhes, dentre outras competências específicas, as funções de colaboração na apuração
penal e na defesa da paz social. Logo, as Guardas Municipais (guardas civis) estão
investidas na incumbência da garantia da paz social, atuando na prevenção da prática
de crimes, podendo, inclusive, atuar de forma a impedir a sua ocorrência, ou no caso
de flagrante, conferir meios para subsidiar a apuração do fato criminoso. Precedentes
do STJ (HC 290.371/SP – Rel. Min. Moura Ribeiro – j. 27.05.14; RHC 45.173/SP –
Rel. Min. Jorge Mussi – j. 26.05.14 e HC 109.105/SP – Rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima – j. 23.02.10). 4. A confissão, de fato, não é prova dotada de caráter absoluto
(aliás, no sistema processual penal em vigor nenhuma prova tem esse caráter).
Todavia, é importante elemento a ser considerado pelo julgador na formação do seu
convencimento. Quando a confissão estiver em conformidade com os demais
elementos dos autos, como ocorre neste feito, serve, sim, de supedâneo à prolação
do edito condenatório. No caso, nada existe a indicar que a confissão judicial do réu
não tenha sido firme e sincera, mormente porque amparada nos depoimentos
judiciais da testemunha arrolada pela acusação. 5. A aplicação do princípio da
insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de
forma concomitante, os seguintes requisitos: (I) mínima ofensividade da conduta do
agente; (II) nenhuma periculosidade social da ação; (III) reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento; e (IV) relativa inexpressividade da lesão
jurídica. No caso concreto, não estão presentes, cumulativamente, os requisitos
46
mínimos mencionados, que deveriam fazer-se presentes, para que se pudesse aceitar,
em caráter excepcional, a incidência do princípio da insignificância. Isso porque,
embora não se possa precisar o valor de cada um dos bens objetos de violação de
direito autoral qualificado e que estavam sendo vendidos pelo réu, é evidente que tal
conduta, vale dizer, a disseminação do comércio de mercadorias falsificadas ou
"pirateadas", não torna "inexpressiva" a lesão ao bem jurídico. Considerar como
irrelevante a conduta em apreço representaria um verdadeiro incentivo ao apelante
que, diante da impunidade, sentir-se-ia à vontade para continuar praticando crimes
desta natureza, razão pela qual não há falar-se em atipicidade material da conduta.
Precedentes do STF. 5.1. Bagatela imprópria. Impossibilidade de eventual aplicação
do instituto supralegal que visa a excluir a punibilidade do agente. Ao contrário da
"bagatela própria" (que possui raiz no princípio da intervenção mínima), a "bagatela
imprópria" encontra amparo no "princípio da desnecessidade da pena", de sorte que
o fato nasce relevante para o Direito Penal, porém, no momento da sentença, o
Magistrado entende que a aplicação da pena torna-se desnecessária, desarrazoada,
enfim, entende por bem não aplicar a pena. Em outras palavras: a situação da tal
"bagatela imprópria" é absolutamente diversa daquela sustentada pelo princípio da
insignificância, onde, para aqueles que o entendem cabível, o bem jurídico tutelado
nem sequer chegou a ser atingido e a tipicidade material não se aperfeiçoaria, ao
passo que, neste caso, o fato seria, sim, juridicamente relevante, mas por motivos
outros o Magistrado poderia deixar de aplicar a pena. Violação, frontal, do princípio
da legalidade. 6. Impossível o reconhecimento do princípio da adequação social para
justificar a conduta criminosa, que, no duro, está inserida dentro de um contexto
social de manutenção de organizações criminosas envolvidas com a prática de
crimes gravíssimos e com reflexos sociais imprevisíveis: contrabando, lavagem de
dinheiro, receptação dolosa, sonegação fiscal, etc. Tudo isso sem se perder de vista
que a conduta causa enormes prejuízos ao Fisco, pela burla do pagamento de
impostos, à indústria fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente
estabelecidos. Precedentes do STF (HC 120994/SP - Rel. Min. Luiz Fux - 1ª T - j.
29.04.2014 - DJU 16.05.2014 e HC 98898/SP - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - 1ª
T - j. 20.04.2010 - DJU 21.05.2010). 7. A pena e o regime impostos não comportam
reparos. 7.1. Reconhecida a circunstância atenuante da confissão espontânea,
prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, porquanto o "decisum" utilizou a
confissão, ofertada pelo réu em Juízo, como substrato do seu convencimento, mas
deixou de considerá-la para efeito de atenuação da pena provisória, contudo sem
reflexo na pena. Isso porque, a incidência da circunstância atenuante não pode
conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal (Súmula n. 231, do STJ).
Outrossim, ante a impossibilidade de redução, inviável o reconhecimento da
circunstância atenuante prevista no art. 65, III, a, do Código Penal, de modo nenhum
presente. 7.2. O regime inicial de cumprimento das penas continua sendo o
semiaberto, em correlação com o art. 33, § 2º, b, do Código Penal. 8. As
condenações criminais a penas privativas de liberdade, confirmadas em v. Acórdãos
desse Tribunal de Justiça, autorizam a expedição de mandado de prisão. Os Tratados
Internacionais sobre Direitos Humanos, de que o Brasil é signatário, exigem garantia
de acesso ao duplo grau de jurisdição (e não ao "infindável" grau de jurisdição). Os
Recursos Especiais e Extraordinários, direcionados aos Tribunais Superiores, não
têm, em regra, efeito suspensivo. Assim, consoante o recente julgamento, no STF,
do HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, cumpre determinar a imediata
expedição de mandado prisional em desfavor do réu. Precedente do STJ. 9. Recurso
defensivo que comporta parcial provimento, com ordem para expedição de mandado
de prisão.
(TJ-SP 00018461720138260319 SP 0001846-17.2013.8.26.0319, Relator: Airton
Vieira, Data de Julgamento: 20/03/2018, 3ª Câmara de Direito Criminal, Data de
Publicação: 23/03/2018)
RECURSO ESPECIAL. DESACATO. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA TÍPICA.
PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. VETORES INTERPRETATIVOS.
CARÁTER RELATIVO. EFEITO VINCULANTE. INEXISTÊNCIA.
CORRUPÇÃO ATIVA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E
PROVAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A Corte de origem
47
absolveu a acusada da imputação relativa ao delito previsto no art. 331 do Código
Penal sob o fundamento de que a figura típica do desacato não se coaduna com o
disposto no art. 13 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, diante da
predominância do referido Tratado sobre a norma interna em razão de sua natureza
supra legal e ampliativa do exercício de direitos fundamentais. 2. O Superior
Tribunal de Justiça, por sua vez, orienta-se no sentido de que, embora a Corte
Interamericana de Direitos Humanos tenha emitido recomendações aos Estados
signatários do Pacto de São José da Costa Rica, para fins de proteção dos direitos
fundamentais, tais regras são desprovidas de qualquer valor jurídico, não possuindo
efeito vinculante, mas função meramente instrutória. Entende-se desse modo que,
não obstante se reconheça a liberdade de expressão e acesso à informação como
garantia fundamental, no ordenamento jurídico vigente inexiste qualquer direito de
caráter absoluto, de modo que, possuindo a mesma proteção jurídica, devem ser
compatibilizados com outros de igual valor para a sociedade. 3. Destarte, não foi
descriminalizado o crime de desacato tipificado no artigo 331 do Código Penal,
estando a regra incólume, mesmo diante dos vetores interpretativos emitidos pelo
Pacto de São José da Costa Rica. 4. No que se refere ao crime de corrupção ativa, a
Corte de origem afastou a condenação por entender que inexistem elementos
concretos a demonstrar que a recorrida ofereceu ou prometeu vantagem indevida ao
agente público. Destacou ainda que a pergunta dirigida ao policial não corresponde à
ação exigida para a configuração da figura típica imputada, uma vez que a tratativa
não se desenvolveu. Assim, ao apreciar os elementos probatórios contidos nos autos,
entendeu ausentes os elementos caracterizadores da conduta descrita no art. 333 do
Código Penal. 5. A modificação de tais conclusões depende de novo e aprofundado
exame de fatos e provas, providência inviável em sede de recurso especial, a teor do
enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 6. Recurso Especial a que
se dá parcial provimento, a fim de afastar os fundamentos adotados para absolver a
acusada quanto ao crime de desacato e determinar que o Tribunal de origem prossiga
na análise da apelação defensiva.
(STJ - REsp: 1717019 RJ 2017/0334154-5, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data
de Julgamento: 02/08/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe
24/08/2018)
E, por fim:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. RESISTÊNCIA.
DESACATO. ART. 13 DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS. CRIME DE DESACATO. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356, AMBAS DO STF.
INCIDÊNCIA MANTIDA. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. ARTS. 41, CAPUT, E 395, INCISO I, AMBOS DO CPP.
REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. DESCRIÇÃO DOS FATOS E DE SUAS
CIRCUNSTÂNCIAS. EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. SÚMULA N. 568/STJ.
INCIDÊNCIA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - A
questão relativa a violação ao art. 13, da Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos (atipicidade do delito de desacato) não foi objeto de discussão, específica,
perante o eg. Colegiado a quo, seja quando do julgamento do acórdão recorrido, seja
quando da rejeição dos embargos de declaração ali opostos pela defesa para sanar
qualquer omissão no julgado, esbarrando o pleito recursal no óbice das Súmulas n.
282 e 356, ambas do STF, diante da ausência de prequestionamento do tema.
Decisão mantida. II - Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento
consolidado no sentido de que, "Não padece de inépcia a denúncia que descreve os
fatos tidos por criminosos, possibilitando identificar os elementos probatórios
mínimos para a caracterização do delito e o pleno exercício das garantias
constitucionais do contraditório e ampla defesa, em conformidade com o art. 41,
CPP." (AgInt no AREsp980.381/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, DJe 22/02/2017). Precedentes. Agravo regimental desprovido.
48
(STJ - AgRg no AREsp: 1236448 PA 2018/0015957-8, Relator: Ministro FELIX
FISCHER, Data de Julgamento: 24/05/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 04/06/2018)
Com essas considerações outrora firmadas nesse trabalho, verifica-se, de forma clara,
a afronta dos legisladores ordinários frente ao Pacto San José da Costa Rica, certo é que a
cultura de observância a preceitos contidos em tratados internacionais não se faz presente no
ordenamento jurídico brasileiro.
Importante frisar, por fim, que, é possível garantir a punibilidade de condutas
excessivas, por meio de crimes já previstos no ordenamento jurídico interno, sem, contudo,
ignorar o Estado Democrático de Direito e privilegiar um grupo seleto de pessoas.
49
CONCLUSÃO
A título de conclusão, verifica-se que o Brasil é signatário da Convenção Americana
de Direitos Humanos, que protege a liberdade de pensamento e expressão.
Mostra-se que, apesar de conferido status de supralegalidade aos diplomas assinados
internacionalmente e que, apesar de sua observância ser de caráter imediato, nosso
ordenamento interno criminalizou o crime de desacato, inculpido no artigo 331, do Código
Penal.
Lança-se inviável a disposição do desacato no ordenamento jurídico pátrio, vez que o
conflito com as normas de direito interno do qual o Brasil é signatário retira sua
aplicabilidade.
Importante salientar que, a descriminalização do desacato não visa a impunibilidade,
tendo em vista que há outras formas de punir a ofensa à honra, de forma que não faça
distinções quanto à cargos e funções desempenhadas.
Portanto, considerando que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de
que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos têm status de supralegalidade
(RE 466.343 e HC 87.585), impõe-se reconhecer que o artigo 331 do Código Penal é
inaplicável no Brasil, tendo sido derrogado pela ratificação da Convenção Americana de
Direitos Humanos no Brasil.
Por derradeiro, embora haja repercussão no sentido de abolir o crime de desacato do
Código Penal Brasileiro, para garantir a eficácia dos princípios internacionais, a
jurisprudência brasileira mais recente se manifestou em sentido contrário, e ao que parece,
estamos distantes de atender o posicionamento do Pacto San José da Costa Rica.
50
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