O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

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Daniélli Terezinha Menis O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA RICA Centro Universitário Toledo Araçatuba – SP 2018

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Daniélli Terezinha Menis

O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA

RICA

Centro Universitário Toledo

Araçatuba – SP

2018

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Daniélli Terezinha Menis

O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA

RICA

Monografia apresentada para encerramento do curso de

graduação em Direito, sob a orientação do professor Dr.

Pedro Luís Piedade Novais, como requisito parcial do

Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado de

Direito do Centro Universitário Toledo

Centro Universitário Toledo

Araçatuba – SP

2018

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Banca Examinadora

PROF. ME. PEDRO LUIS PIEDADE

NOVAIS

Araçatuba, ______ de _____________ de

2018.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus, pelo fôlego de vida em mim.

Agradeço especialmente à minha mãe, que sempre foi meu refúgio, meu alicerce e

meu porto seguro. Obrigada por ter acreditado em mim, até mesmo quando eu não acreditei, e

por ter me apoiado nas minhas decisões. Agradeço ainda, pela luta constante na vida e por ter

feito o possível e o impossível para me dar a oportunidade de estudar numa universidade

longe de casa. Sou eternamente grata pela educação firme, calma e amorosa que me deste.

Aos meus irmãos, Pedro e Felipe, devo tudo a vocês e com vocês compartilho a nossa

conquista. Amo vocês.

O meu agradecimento ao meu padrasto Cesar, por nunca medir esforços para a

realização dos meus sonhos.

Ao meu namorado, Pedro Henrique, sempre amigo e conselheiro. Pela sua paciência,

motivação e compreensão nos momentos mais difíceis, pelo apoio em todas as fases da

graduação e por compreender a importância desta conquista. O meu agradecimento pela

pessoa que é, por ser tão leve e alegre, me fazendo distrair das preocupações que por vezes

alimento.

A minha gratidão eterna aos amigos Thales, Renata e Haila, meus companheiros nessa

jornada. Obrigada pelo apoio e amizade todo esse tempo, vocês fizeram parte da minha

trajetória. Foi lindo viver os últimos anos ao lado de vocês e as lembranças perpetuarão no

tempo.

Ao Defensor Público e amigo, Diogo Cesar Perino, por me apresentar o tema, pelo

apoio e incentivo constantes.

Por fim, o meu agradecimento a todos os professores do Centro Universitário

Unitoledo, que contribuíram de forma significativa para a minha formação acadêmica,

profissional e humana. Em especial, ao meu orientador, Pedro Luís Piedade Novais, pessoa

pela qual tenho grande admiração e apreço, por gentilmente ter aceito o convite de me

auxiliar.

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“Um desejo, não de ser ave,

Mas de poder

Ter não sei quê do voo suave

Dentro em meu ser”.

(Fernando Pessoa)

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RESUMO

O presente trabalho tem por escopo analisar o crime de desacato e a previsão constante na

Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto San José da Costa Rica, assinado pelo

Brasil e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com status de norma supralegal. O

que se pretende com a pesquisa aqui realizada é a compreensão acerca da previsão do crime

de desacato no direito interno e a observância à referida convenção, abordando outros meios

de punir a ofensa à honra, de forma que não se faça distinções quanto a cargos ou funções

exercidas. A fim de se concretizar os objetivos deste trabalho foram realizadas pesquisas em

livros, doutrinas e artigos científicos que abordam o tema, bem como da análise da legislação

e da jurisprudência atinente a questão.

Palavras-chave: tratados internacionais; direitos humanos; desacato; supralegalidade.

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ABSTRACT

The present work had as its scope the crime of contempt and an International Convention of

Human Rights - Pacto São José da Costa Rica, signed by Brazil and with the Brazilian legal

system with supralegal status. The inquiry is made on the issue of the crime of contempt on

the spot and the comment on the convention, addressing the media once a week, so as to make

distinctions about a charge or functions performed. In order to achieve the objectives, the

work was analyzed in books, documents and articles that deal with the subject, as well as the

analysis of the legislation and jurisprudence in question.

Keywords: international treaties; human rights; contempt; supra legality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09

I – HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL..........10

1.1 Procedimento previsto na Constituição Federal..................................................................10

1.2 Entendimento atual do Supremo Tribunal Federal.............................................................11

II - NOÇÕES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS TRATADOS

INTERNACIONAIS...............................................................................................................18

2.1 Do controle de convencionalidade......................................................................................18

2.2 Do controle da supralegalidade...........................................................................................19

III – CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS....................................21

3.1 Contexto histórico...............................................................................................................21

3.2 O entendimento da Convenção Americana de Direitos Humanos acerca do Desacato......24

3.3 Da liberdade de pensamento e expressão............................................................................25

IV – O CRIME DE DESACATO NO BRASIL ...................................................................30

4.1 A tipificação do Desacato...................................................................................................31

4.1.1 Principais características do delito...................................................................................36

4.2Outras formas de punir a ofensa à honra do funcionário público........................................38

4.3 Comentários à decisão da Terceira Seção do STJ...............................................................42

CONCLUSÃO.........................................................................................................................50

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................51

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo o estudo do crime de desacato, previsto no artigo

331, do Código Penal Brasileiro, à luz do Pacto San José da Costa Rica, analisando-se

aspectos relacionados ao controle de convencionalidade, a observância dos tratados

internacionais na sistemática jurídica brasileira e no aspecto internacional.

Para que a presente pesquisa alcance os objetivos pretendidos, far-se-á uma breve

análise, no primeiro capítulo, acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos no Brasil,

abordando o procedimento previsto na Constituição Federal e o atual entendimento do

Supremo Tribunal Federal.

No segundo capítulo, tratar-se-á das noções do controle de convencionalidade dos

tratados internacionais, estabelecendo a questão relativa ao controle de convencionalidade e

de supralegalidade.

No terceiro capítulo, adentrar-se-á análise da Convenção Americana de Direitos

Humanos, abordando seu contexto histórico, exarando o entendimento a respeito do crime de

desacato e sobre a liberdade de pensamento e expressão.

No quarto e último capítulo, a título de encerramento, explanar-se-á acerca da

tipificação do desacato, as principais características do delito, bem como, outras formas de

punir a ofensa à honra do funcionário público, tecendo, por fim, comentários à decisão da

Terceira Seção do STJ.

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I – HIERARQUIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS

HUMANOS NO BRASIL

Para que o presente trabalho possa atingir o resultado que se pretende, é de suma

importância a abordagem dos tratados internacionais, em especial dos direitos humanos.

Assim, passa-se ao estudo do procedimento previsto na Constituição Federal no

tocante aos tratados e como a questão é abordada na jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal.

1.1 Procedimento previsto na Constituição Federal

O Brasil é signatário de diversos tratados de direito internacional, dentre eles a

Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto San José da

Costa Rica, subscrita entre países integrantes da Organização dos Estados Americanos,

assinada em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica, entrando em

vigor em 18 de julho de 1978. No Brasil, entrou em vigor em 25 de setembro de 1992, tendo

sua competência contenciosa reconhecida por este ato.

Fácil perceber sua importância no ordenamento jurídico, não apenas brasileiro. A

Convenção tornou-se um instrumento de proteção dos direitos inerentes à dignidade humana.

Assim explicam Gomes e Mazzuoli (2009, p. 18):

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (popularmente conhecida como

Pacto de San José da Costa Rica) é o principal instrumento de proteção dos direitos

civis e políticos já concluído no Continente Americano, e o que confere suporte

axiológico e completude a todas as legislações internas dos seus Estados partes.

Sobre a participação e adesão ao tratado, Mazzuoli (207, p. 726), afirma que:

Somente os Estados–membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) é

que têm o direito de se tornar parte dela. Não obstante a sua importância na

consolidação do regime de liberdade individual e de justiça social no Continente

Americano, alguns países, como os Estados Unidos (que apenas a assinou) e o

Canadá, ainda não a ratificaram e, ao que parece, não estão dispostos a fazê-lo. O

Brasil ratificou o Convenção Americana somente no ano de 1992, tendo a mesma

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sido promulgada internamente pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro desse mesmo

ano.

Acerca do procedimento previsto na Constituição Federal, a priori, os tratados de

direito internacional possuem apenas força de lei ordinária. No artigo 5º, §1º e §2º da magna-

carta, temos, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Denota-se que o §2º do artigo 5º possibilita a inserção de garantias advindas de

tratados internacionais no rol de direitos e garantias da Constituição Federal, que versem

sobre direitos humanos. Assim, o tratado deixa de possuir competência de lei ordinária para

status de norma constitucional.

Conforme bem salienta Mazzuoli “[...] os tratados internacionais de direitos humanos,

têm o que chamamos de efeito aditivo, pois adicionam direitos ao texto constitucional, através

da cláusula do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal”.

Importante ressaltar que a forma de revogação de um tratado internacional é por meio

da “denúncia” (retirada), instrumento pelo qual o país signatário anuncia de forma unilateral

sua manifestação de vontade. Ou seja, após a entrada em vigor de um tratado internacional no

ordenamento jurídico interno, sua desvinculação deve ser feita mediante norma de mesmo

valor, não podendo ser revogado por norma nacional ou inferior.

A denúncia se sujeita às regras do próprio tratado, nele fica estipulado sua

possibilidade.

No Brasil, o entendimento que prevalece é no sentido de que sua competência é ato

exclusivo e discricionário do Presidente da República, que independe de autorização do Poder

Legislativo.

1.2 Entendimento atual do Supremo Tribunal Federal

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Tendo em vista que a Constituição Federal não definiu a importância do tratado

internacional no ordenamento jurídico interno, tal competência foi transferida para a

jurisprudência, de modo que se determine a sua relevância e cesse as divergências de

interpretação.

Pouco se legislou acerca da hierarquia da norma internacional em comparação com a

lei ordinária e até mesmo a lei complementar, nos deixando presos a conceitos arcaicos do

Direito Constitucional.

A discussão doutrinária baseou-se em questionar se haveriam dois ordenamentos

jurídicos distintos, o interno e o internacional, independentes ou se seriam apenas um

coexistindo.

Para alguns doutrinadores, as diferenças são evidentes. Estes acreditam que, para uma

norma integrar ao ordenamento jurídica interno, ela sujeita-se a um procedimento minucioso e

pende de uma sanção presidencial.

Por outro lado, o ordenamento jurídico internacional é formado pela vontade objetiva

do Estado integrante, tendo como pilar os costumes e os princípios gerais de direito

internacional. Distinguindo-se do ordenamento interno, por ser este formado por normas

cogentes, ou seja, de cumprimento obrigatório e coercitivo.

Outra parcela da doutrina entende que ambos são fontes de direito a serem seguidas

em território nacional. Surgiram assim duas teorias: a monista e a dualista.

A teoria monista defende que há apenas uma ordem jurídica tanto nas relações entre

sociedade e Estado, quanto entre Estados. Esta teoria se divide entre monista nacionalista – na

dúvida entre direito interno e internacional, prevalece o interno; e a monista internacionalista,

a qual disciplina que, havendo conflito, o direto internacional deve prevalecer sob o interno.

Além da teoria monista, surgiu a teoria dualista. Como o próprio nome diz, o

ordenamento jurídico interno é distinto do ordenamento jurídico internacional, e este último

não gera obrigações aos indivíduos, vinculando apenas os Estados. Ademais, para o direito

internacional ter eficácia internamente, ele deve integrar o ordenamento jurídico interno, por

meio da promulgação de um decreto. Assim, o direito internacional adquire validade e

eficácia jurídica.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o “sistema único diferenciado” de

integração dos atos internacionais. Significa dizer que, os tratados de direitos humanos

possuem incorporação imediata após a sua ratificação.

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O Pacto San José da Costa Rica versa sobre direitos humanos e foi aprovado pelo

procedimento ordinário, ou seja, foi aprovado por maioria simples (artigo 47, CF), portanto,

possuiria, assim, status supralegal – situando-se entre as leis e a Constituição Federal.

Sobre o assunto, o Ministro Sepúlveda Pertence, na relatoria do RHC nº 79.785/RJ

(STF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 29.03.2000, DJ de 23.05.2003), sustentou

que se deveria “aceitar a outorga de força supralegal às convenções de direitos humanos, de

modo a dar aplicação direta às suas normas – até, se necessário, contra a lei ordinária –

sempre que, sem ferir a Constituição, a complementem, especificando ou ampliando os

direitos e garantias dela constantes”.

Em virtude das controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias que surgiram e, para

colocar fim na discussão da hierarquia dos tratados internacionais, em 08 de dezembro de

2004, por meio da Emenda Constitucional de nº 45, comumente chamada de “reforma do

judiciário”, o legislador constituinte derivado acrescentou o § 3º ao artigo 5º da Constituição

Federal, assim redigido,in verbis:

Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos

dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

O texto do artigo 5º, § 3º, da CF, induz que apenas os tratados aprovados pela maioria

qualificada teriam valor constitucional. Não previu, porém, critérios de escolha dos tratados

que deveriam ser aprovados por esse modo. Em decorrência dessa omissão, abriu-se a

possibilidade de possuirmos diplomas relativos à mesma matéria aprovados com ou sem a

observância do quórum qualificado, passando estes últimos a terem hierarquia de norma

infraconstitucional.

Esclarece o Henrique SmidtSimon (2013, p. 112):

[...] poderia ocorrer, por exemplo, que o Brasil se tornasse signatário de dois tratados

diferentes, mas que envolvessem o mesmo conteúdo. Poderia acontecer que o

primeiro tratado tenha conteúdo constitucional, seja porque é anterior à EC 45, seja

porque foi aprovado pelo procedimento da emenda, e o outro, posterior à emenda e

sem a aprovação do quórum qualificado exigido pelo § 3º do artigo 5º da

Constituição, seja mera lei ordinária; apesar de regular o mesmo conteúdo. O

conceito de constituição material perde a serventia, pois apenas a formalização

poderia transformar determinado preceito normativo em constitucional.

O Ministro Gilmar Mendes, no Recurso Extraordinário 466.343, afirmou que:

A reforma acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos

em relação aos demais tratados de reciprocidade entre Estados pactuantes,

conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico. [...] a mudança

constitucional ao menos acena para a insuficiência da tese da legalidade ordinária

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dos tratados já ratificados pelo Brasil, a qual tem sido preconizada pela

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal desde o remoto julgamento do RE n.

80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque (julgado em 1.6.1977;

DJ 29.12.1977) e encontra respaldo em largo repertório de casos julgados após o

advento da Constituição de 1988. [...] Tudo indica, portanto, que a jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, sem sombra de dúvidas, tem de ser revisitada

criticamente. [...] Assim, a premente necessidade de se dar efetividade à proteção

dos direitos humanos nos planos interno e internacional torna imperiosa uma

mudança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos na

ordem jurídica nacional. É necessário assumir uma postura jurisdicional mais

adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais, voltadas

primordialmente à proteção do ser humano. [...] Deixo acentuado, também, que a

evolução jurisprudencial sempre foi uma marca de qualquer jurisdição

constitucional. [...] Tenho certeza de que o espírito desta Corte, hoje, mais do que

nunca, está preparado para essa atualização jurisprudencial.

Por todo o exposto, seria mais condizente com a realidade que “todos os tratados de

direitos humanos pelo Brasil ratificados têm hierarquia constitucional, aplicação imediata e

prevalência sobre as normas constitucionais no caso de serem suas disposições mais benéficas

ao ser humano”. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira, 2013, p. 47).

A Emenda Constitucional 45 abriu brechas para a hierarquização dos tratados

internacionais de direitos humanos. Considerado um verdadeiro retrocesso quanto aos

avanços do direito internacional de direitos humanos. Além disso, tal Emenda dividiu os

tratados internacionais em duas esferas: antes e depois da Emenda Constitucional 45, melhor

delineados a seguir.

Ao se tratar dos diplomas assinados antes da Emenda Constitucional 45, surgiram três

correntes de pensamentos.

A primeira corrente, tendo em conta a redação do artigo 5º, §2º, da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, os tratados de direitos humanos encontram-se em

posição privilegiada e protegidos se comparados com as leis ordinárias internas.

Nesse sentido, tivemos o julgamento do Habeas Corpus 87585 – TO, relatado pelo

Ministro Marco Aurélio em 03 de dezembro de 2008, que tornou inaplicável a legislação

conflitante ao Pacto San José da Costa Rica e colocou fim à prisão do depositário infiel:

PRISÃO - DEPOSITÁRIO INFIEL - RELEVÂNCIA DA ARTICULAÇÃO

CONTIDA NA INICIAL - LIMINAR DEFERIDA.1. O pano de fundo deste

habeas é ordem de prisão por sessenta dias, cuja observância ocorreu em 3 de

novembro de 2005, considerada a figura de depositário infiel. O Superior Tribunal

de Justiça não admitiu a seqüência de recurso ordinário interposto contra acórdão

formalizado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, presente impetração.

Remeteu ao que decidido em habeas ajuizado em favor do paciente, consignando a

sobreposição e a insubsistência dos novos argumentos expendidos. Na inicial,

busca-se demonstrar que o paciente vem insistindo em parcelar o débito, proposta

não aceita pela CONAB. Daí haver-se chegado à ordem de prisão que se argúi

contrária à Emenda Constitucional nº 45/2004, no que endossados tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos. O Brasil teria subscrito o Pacto

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de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a

versarem sobre a impossibilidade de se proceder a prisão por falta de obrigação

contratual. Pleiteia-se a concessão de medida acauteladora que viabilize a soltura

do paciente, vindo-se, alfim, a tornar insubsistente a prisão. Além do apenso, a

revelar a Petição nº 41/04, processada no Superior Tribunal de Justiça, juntaram-se

as demais peças inerentes à controvérsia.2. Surge a relevância do que articulado.

Se, de um lado, é certo que a Carta da Republica dispõe sobre a prisão do

depositário infiel - artigo 5º, inciso LXVII -, de outro, afigura-se inaplicável o

preceito. As balizas da referida prisão estão na legislação comum e, então, embora

a norma inserta no artigo 652 do Código Civil seja posterior aos fatos

mencionados, o mesmo não ocorre com a disciplina instrumental prevista no

Código de Processo Civil.3. Defiro a medida acauteladora. Expeça-se o alvará de

soltura, a ser cumprido com as cautelas próprias, ou seja, caso o paciente não se

encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso do retratado no Processo nº

95.312-0, da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins.4.

Contando-se, no caso, com as peças indispensáveis à compreensão da matéria,

colha-se o parecer da Procuradoria Geral da República.5. Publique-se. Brasília, 20

de dezembro de 2005.Ministro MARÇO AURÉLIO Relator

(STF - HC: 87585 TO, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento:

20/12/2005, Data de Publicação: DJ 02/02/2006 PP-00051)

A segunda corrente que se originou, afirma que, pela falta de previsão normativa-

constitucional, os tratados de direitos humanos se submetem à regra geral de aprovação dos

tratados, possuindo status de lei ordinária.

A terceira e última corrente originada, fortemente defendida pelo Ministro Gilmar

Mendes, eleva os tratados assinados antes da EC 45 ao status de norma supralegal, ou seja,

situando-se entre as leis ordinárias e as normas constitucionais.

Nesse sentido, é majoritário o posicionamento dos tribunais:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO,

DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO

DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.

ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356

DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE

CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o

Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas,

ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto

litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e

1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo

Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do

princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou

grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para

o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado

malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o

veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo

Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para

suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º,

c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da

Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de

outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou

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limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de

4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do

art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro

LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no

Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos

humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda

lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos

humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no

plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos,

em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à

liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido

contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A

adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo

Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto,

por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não

invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa,

até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana

de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso AlmonacidArellano y otros v.

Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São

José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas

internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei

veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na

verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica

do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula

mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão

Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as

leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões

consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível

de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos

princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a

transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação,

sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos

fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais

adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine,

composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e

a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na

contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -

personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo

em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre

funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.

14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida

capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de

expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a

CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo

abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação

criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de

outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso

na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso

especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a

condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP).

(STJ - REsp: 1640084 SP 2016/0032106-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS,

Data de Julgamento: 15/12/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe

01/02/2017)

Quanto aos tratados posteriores à Emenda Constitucional 45, ficou definido que,

aqueles aprovados com quórum especial de 3/5 (três quintos), em dois turnos, em ambas as

casas do Congresso Nacional, serão elevados ao status material de emenda constitucional,

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passando a incorporar normas de nível constitucional no ordenamento jurídico. Mudança que

não gerou muita discussão.

O grande problema foi acerca dos tratados assinados após a EC 45 que não atingirem o

requisito especial do artigo 5º, §3º, da CRFB/88, mas tão somente o quórum simples,

ordinário, de votação. Para o Ministro Gilmar Mendes (RE 466.343), tais tratados estariam

acondicionados na posição hierárquica de supralegalidade.

Valério Mazzuoli (2009, p. 764) defende que, independentemente da data de

assinatura do tratado (se anterior ou posterior à Emenda Constitucional 45), aprovado com

quórum simples ou especial, os tratados de direitos humanos sempre terão status de norma

constitucional, conforme segue:

Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos

ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do disposto

no § 2º do art. 5º da Constituição (…), pois na medida em que a Constituição não

exclui os direitos humanos provenientes de tratados, é porque ela própria os inclui

no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu 'bloco de

constitucionalidade' e atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional, como já

assentamos anteriormente. Portanto, já se exclui, desde logo, o entendimento de que

os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do § 3º do

art. 5º equivaleriam hierarquicamente à lei ordinária federal, uma vez que os

mesmos teriam sido aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49,

inc. I, da Constituição) e não pelo quórum que lhes impõe o referido parágrafo. (…)

O que se deve entender é que o quórum que o § 3º do art. 5º estabelece serve tão-

somente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico

interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que

eles já têm em virtude do § 2º do art. 5º da Constituição.

Uma última doutrina minoritária protege que, nos casos em que o quórum para

votação não foi alcançado, deve considera-lo como rejeitado e, consequentemente,

impossibilitado de ratificação.

Essa última corrente é considerada descabida por ir em confronto com a sistemática

constitucional, a qual proporciona proteção aos tratados de direitos humanos e não barreiras

como defendido por essa minoritária parcela de doutrinadores.

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18

II - NOÇÕES DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DOS

TRATADOS INTERNACIONAIS

Passado o estudo dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e sua disciplina

constitucional e jurisprudencial, tratar-se-á no presente capítulo a respeito dos controles de

convencionalidade e supralegalidade.

2.1 Do controle de convencionalidade

Além de compatíveis com a Constituição Federal, a norma de direito interno deve ser

compatível com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos. Essa verificação

se dá por meio do controle de convencionalidade.

A respeito, a Constituição Federal em seu artigo 5º, §2º estabelece que, ipsis litteris:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Acerca desse mandamento constitucional aponta Flávio Piovesan (2015, p. 118), que

“a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionais protegidos, os direitos

enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja parte”. Com isso, a Constituição

afirma que ao incorporar um tratado internacional no ordenamento jurídico interno, sua

observância é imediata.

O controle de convencionalidade tem por objetivo fazer com que o Estado cumpra as

obrigações contraídas (de forma voluntária) internacionalmente e adeque a produção das suas

leis internas com as obrigações internacionais de proteção aos direitos humanos, quando

signatário de diplomas nesse sentido.

Page 19: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

19

A respeito da voluntariedade do Estado em ser signatário do tratado, importante

delinear que, a manifestação de vontade dar-se-á de várias formas, seja pela assinatura, troca

dos instrumentos constitutivos (no caso de tratados bilaterais), ratificação, aceitação ou

adesão, podendo ser acordado outros meios de exteriorização do consentimento.

A obrigação de controlar a convencionalidade foi declarada pela Corte Interamericana

de Direitos Humanos no julgamento do caso “Almonacid Arellano e Outros contra Governo

do Chile”, em 26 de setembro de 2006.

Os países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos estão vinculados

ao Pacto e à Jurisprudência da Corte Interamericana. Para esta Corte, a partir do momento em

que um Estado ratifica o tratado, este passa a integrar o ordenamento jurídico interno daquele

Estado-membro, tornando os juízes daquela localidade obrigados a não descumprir o tratado

quando este for contrário à uma norma interna.

Importante salientar que, ao julgar um assunto vinculado à uma convenção, além de

seguir suas disposições em tratado, deve-se seguir a jurisprudência da Corte Interamericana.

2.2 Do controle da supralegalidade

Com a Emenda Constitucional 45 e o novo entendimento do Supremo Tribunal

Federal acerca dos tratados internacionais de direitos humanos, surgiu-se esse novo instituto,

denominado de supralegalidade.

Em seu voto no RE nº 466.343, o Ministro Gilmar Mendes delineia a importância

histórica da EC 45, afirmando que “acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de

direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados

pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico” (BRASIL. 2008, p.

1.144)

Sobre o surgimento desse novo controle, Mazzuoli (2009, p. 130) expondo que:

Ora, se as normas constitucionais (normas do próprio texto constitucional) ou

aquelas que lhe são niveladas (normas previstas nos tratados de direitos humanos

ratificados pelo Estado) são fundamento para o que se chama de controle de

constitucionalidade/convencionalidade, é lógico admitir que as normas supralegais

também são fundamento de algum controle. Qual Controle? Evidentemente, o de

supralegalidade.

Page 20: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

20

De mais a mais, norma supralegal não pode ser revogada por lei ordinária, resolvendo,

aparentemente, o problema dos tratados de direitos humanos, mantendo a ideia de supremacia

da Constituição Federal.

“Isso porque, uma vez que um tratado de direitos humanos seja ratificado, no âmbito

interno ele só poderia ser retirado do sistema por meio de emenda constitucional”. (SIMON,

2013, p. 109)

Esse controle é realizado somente pela via difusa, ou seja, é analisado na decisão de

casos concretos, tendo em vista que os tratados possuem força de norma supralegal.

Conforme o novo entendimento do STF, todos os tratados de direitos humanos

ratificados pelo Brasil possuem valor supralegal, o que pode ser considerado uma inovação na

consagrada pirâmide de Kelsen, que era composta pelas leis ordinárias na base e a

Constituição formal no topo.

Denota-se, por fim, o surgimento para o poder judiciário de uma nova forma de

solução de antinomias jurídicas entre as convenções internacionais de direitos humanos

ratificadas pelo Brasil e as normas infraconstitucionais brasileiras.

Page 21: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

21

III – CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Após delineados conceitos importantes acerca dos tratados internacionais de direitos

humanos, importante trazer à baila os aspectos de maior relevância deste trabalho, que

abrange o conceito histórico da Convenção Americana de Direitos Humanos, seu

entendimento acerca do crime de desacato e os aspectos referentes à liberdade de pensamento

e expressão.

3.1 Contexto histórico

A busca pela defesa e promoção dos direitos humanos têm sido crescentes,

contribuindo de forma significativa para o ramo de direito internacional dos direitos humanos.

O seguimento dos direitos humanos foi fomentado após a Segunda Guerra Mundial,

onde o mundo assistiu às atrocidades vividas por milhões de pessoas, que geraram sentimento

de medo e também de que deveriam criar limites a serem respeitados independentemente das

pátrias entrarem em acordo ou não, surgiu, por fim, a pretensão de diminuir as desigualdades,

preconceitos e violação a direitos básicos e inerentes aos seres humanos.

O Brasil é um dos Estados-parte da ONU integrante da OEA, e em 25 de setembro de

1992 ratificou a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Esta convenção tem um

total de 81 artigos e possui como finalidade salvaguardar os direitos essenciais do homem,

como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação,

entre outros.

O documento proíbe ainda a escravidão e a servidão humana, trata das garantias

judicias, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, ênfase nesses

últimos. Bem como, da liberdade de associação e da proteção a família. Para tanto, instituiu

dois órgãos essenciais: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Interamericana de Direitos Humanos.

A função da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) está outorgada no

artigo 41 da Convenção e baseia-se em:

Page 22: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

22

A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos

humanos e, no exercício do seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições: a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; b. formular recomendações aos governos dos Estados membros, quando o considerar

conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos

humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como

disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos; c. preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de

suas funções;

d. solicitar aos governos dos Estados membros que lhe proporcionem informações

sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;

e. atender às consultas que, por meio da Secretaria-Geral da Organização dos Estados

Americanos, lhe formularem os Estados membros sobre questões relacionadas com os

direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que

eles lhe solicitarem; f. atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade,

de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e g. apresentar um relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados

Americanos.

Diante disso, é possível perceber que a comissão atua como órgão autônomo e

principal da OEA, tendo como função a observância e defesa dos direitos humanos, além de

ser órgão consultivo.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos destina-se a avaliar casos de violação

dos direitos humanos e é definida por André de Carvalho Ramos (2002, p. 227), como:

O segundo órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte

Internacional de Direitos Humanos, é uma instituição judicial autônoma, não sendo

órgão da OEA, mas sim da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão judicial internacional, que,

de acordo com o artigo 33 da Convenção Americana, competente para conhecer

casos contenciosos quando o Estado demandado tenha formulado declaração

unilateral de reconhecimento de sua jurisdição. Além disso, pode ser acionada por

qualquer país membro da OEA para interpretar norma relativa a tratados de direitos

humanos no seio interamericano.

Ocorrendo um abuso referente à matéria de direitos humanos em qualquer país

integrante do diploma, com a inércia do governo deste país, o ofendido ou um terceiro, recebe

a oportunidade de fazer sua denúncia por meio de petição escrita à comissão, que levará o

caso à corte para julgamento.

Havendo a comunicação à corte, esta determina que o Estado garanta direitos e

liberdades à vítima, podendo determinar que o Estado a indenize pelos danos sofridos, bem

como, estabeleça medidas que evitem novas situações de transgressão aos direitos protegidos.

O artigo 48 da convenção delineia o procedimento perante a Comissão Interamericana,

temos, ipsis litteris:

A Comissão, ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue violação de

qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá da seguinte maneira:

Page 23: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

23

a. se reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação, solicitará

informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade apontada como

responsável pela violação alegada e transcreverá as partes pertinentes da petição ou

comunicação. As referidas informações devem ser enviadas dentro de um prazo

razoável, fixado pela Comissão ao considerar as circunstâncias de cada caso;

b.recebidas as informações, ou transcorrido o prazo fixado sem que sejam elas

recebidas, verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação.

No caso de não existirem ou não subsistirem, mandará arquivar o expediente;

c.poderá também declarar a inadmissibilidade ou a improcedência da petição ou

comunicação, com base em informação ou prova supervenientes;

d.se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de comprovar os fatos, a

Comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto

na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, a Comissão procederá

a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará, e os Estados interessados

lhes proporcionarão todas as facilidades necessárias;

e. poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e receberá,

se isso lhe for solicitado, as exposições verbais ou escritas que apresentarem os

interessados; e

f.pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução

amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos nesta

Convenção.

Com isso, podemos observar o caráter punitivo, protetivo e educacional da corte. Seu

caráter jurisdicional possui decisões definitivas e irrecorríveis, podendo determinar a adoção

de medidas provisórias em casos de extrema gravidade.

A respeito do caráter educacional, é importante destacar que:

As inspeções in loco da Comissão Interamericana têm importantes efeitos

preventivos, dentre eles o de alertar o governo de determinado Estado da

necessidade de derrogação ou modificações de leis e demais normas que afetam

negativamente a eficácia dos direitos humanos em seu país, bem como de

estabelecimento ou aperfeiçoamento de recursos internos (garantias processuais etc.)

voltados para a melhor salvaguarda desses mesmos direitos. (MAZZUOLI, Valério

de Oliveira, 2013, p. 322).

Ou seja, é dever do Estado garantir que suas leis internas não violem a defesa dos

direitos humanos, tendo este, primazia quantos aos demais direitos.

Em contrapartida, em seu caráter consultivo, o Plenário da Corte tem como atribuição

emitir pareceres, quando consultado pelos Estados signatários da OEA. O parecer emitido

pelo plenário é declaratório, não tem poder de desconstituir ato interno, exceto, quando a parte

é oposta às obrigações da convenção, neste caso, a corte exige uma reparação.

No Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu competência

obrigatória em todos os casos de interpretação ou aplicação da Convenção Americana de

Direitos Humanos ocorridos a partir da data da sua ratificação.

Page 24: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

24

3.2 O entendimento da Convenção Americana de Direitos Humanos acerca do Desacato

O crime de desacato, apesar de formalmente tipificado e vigente no ordenamento

jurídico interno brasileiro, não foi recepcionado pela ordem constitucional. O delito prevê

sanção para quem desacata funcionário público no exercício da sua função ou em razão dela.

Ao lado do evento da não recepcionalidade constitucional da norma, é importante

reafirmar a existência do dever de observar a vigência do Pacto de San José da Costa Rica no

Brasil e o seu status de supralegalidade.

A jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e os pareceres e

relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos apontam e recomendam a

supressão do crime de desacato pelos Estados signatários.

Em análise do artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, observa-se

que a criminalização do desacato ofende diretamente o pacto. Diante desse ultraje, em 2000,

no seu relatório anual, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apreciou a

incompatibilidade existente entre o crime de desacato e o Pacto San José da Costa Rica e em

importante trecho do relatório emitiu:

A CIDH declarou, igualmente, que as leis de desacato proporcionam um maior nível

de proteção aos funcionários públicos do que aos cidadãos privados, em direta

contravenção com o princípio fundamental de um sistema democrático, que sujeita o

governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus poderes

coercitivos. Em conseqüência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as

ações e atitudes dos funcionários públicos no que se refere à função pública.

Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas, pelo temor das pessoas às ações

judiciais ou sanções fiduciárias. Inclusive aquelas leis que contemplam o direito de

provar a veracidade das declarações efetuadas, restringem indevidamente a livre

expressão porque não contemplam o fato de que muitas críticas se baseiam em

opiniões, e, portanto, não podem ser provadas. As leis sobre desacato não podem ser

justificadas dizendo que seu propósito é defender a “ordem pública” (um propósito

permissível para a regulamentação da expressão em virtude do artigo 13), já que isso

contraria o princípio de que uma democracia, que funciona adequadamente, constitui

a maior garantia da ordem pública. Existem outros meios menos restritivos, além das

leis de desacato, mediante os quais o governo pode defender sua reputação frente a

ataques infundados, como a réplica através dos meios de comunicação ou

impetrando ações cíveis por difamação ou injúria. Relatório Anual da CIDH, 2000”,

Volume III, Relatório da Relatoria para a Liberdade de Expressão, Capítulo II

(OEA/Ser. L/V/II.111 Doc.20 rev. 16 abril 2001).

Por defender que vivemos em um Estado democrático de direito e que coibir as

manifestações de pensamentos e expressões ofende diretamente esse eixo principal do Estado,

Page 25: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

25

dessa forma, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que as leis de

desacato são incompatíveis com a convenção e rogou aos Estados signatários a sua

descriminalização.

Contudo, o Brasil, não atendeu à determinação da CIDH.

Reputando a conduta do Brasil frente à Comissão Interamericana, estabeleceu-se no

Senado, uma Comissão de Reforma do Código Penal, a qual aponta a possibilidade de

descriminalização do desacato, que deu origem ao Projeto de Lei nº 236, 2012, ainda em

tramitação. Técio Lins e Silva, membro da Comissão de Juristas, afirma que:

A comissão aprovou a descriminalização do crime de desacato à autoridade, que tem

aquele ranço insuportável da ditadura, que tem aquele ranço insuportável do Estado

Novo, que inspirou o Código Penal vigente lá nos idos de 1930/1940, copiado do

Código Penal italiano, o Rocco, que era uma lei facista. No anteprojeto não existe

mais esse tipo penal que alguns servidores arrogantes, que alguns juízes, que

algumas autoridades estampam nas portas dos seus gabinetes, como uma ameaça ao

cidadão, uma ameaça ao exercício da cidadania. Ninguém põe cartazes dizendo que

é proibido matar ou que é proibido estuprar, não é? A descriminalização do desacato

à autoridade é [...]uma complementação importante da defesa da cidadania.

(in Jornal do advogado. Ano XXXVII, mai/2012, número 372, p.15).

Diante da manifestação da CIDH conflitante com o artigo 331, do Código Penal,

levando-se em conta o status jurídico inferior da norma penal, vislumbra-se que

criminalização da conduta não se justifica mais.

3.3 Da liberdade de pensamento e expressão

A liberdade de pensamento e expressão é considerada um direito fundamental e está

garantida no artigo 5º, IV, da Constituição Federal, in versus:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença.

Corroborado pelo artigo 220, também da Magna Carta, reza que “a manifestação do

pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo

não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Por certo, os valores democráticos consagrados pela ordem constitucional atual

priorizam a liberdade de expressão.

Page 26: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

26

A fim de delinear-se de forma mais acentuada acerca da liberdade de pensamento e

expressão, importante trazer à baila o artigo 13da Convenção Americana de Direitos

Humanos, essência desse trabalho, ipsis litteris:

Artigo 13 – liberdade de pensamento e expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito

compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda

natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma

impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura

prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela

lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral

públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o

abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências

radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem

por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e

opiniões.

A comunicação com seus semelhantes faz parte do ser humano desde os primórdios da

sociedade. A liberdade é uma faculdade inerente aos indivíduos, essencial para que se concretize

o princípio da dignidade humana. A defesa desta liberdade garante a vigência da democracia, de

outro modo, estaremos diante da censura e opressão, típicas do governo ditatorial.

Nas palavras de José Afonso da Silva, o conceito de liberdade pode ser definido como:

O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de

atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. (...)

Vamos um pouco além, e propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na

possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da

felicidade pessoal. Nessa noção, encontramos todos os elementos objetivos e

subjetivos necessários à ideia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de ser

resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de

alguma coisa, que é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a

liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse

do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de coordenação dos meios é

contrário à liberdade.

(SILVA, José Afonso da. São Paulo: Malheiros, 2003. p.232)

Tem se que o pensamento é inerente ao ser humano e por questões óbvias, é

impossível puni-lo, cabendo a cada um controlar o que é exteriorizado. Celso Ribeiro Bastos

faz uma interessante análise do tema e constata que o instinto do ser humano é querer

convencer a todos que seu pensamento é o correto e fazê-los enxergar o mundo conforme a

sua própria visão.

Page 27: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

27

A Comissão Interamericana de Direitos, em seu 108º período ordinário de sessões,

emitiu a “Declaração de princípios sobre Liberdade de Expressão”, disciplinando que:

11. Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis

que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente

conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o

direito à informação.

Segundo a Relatoria para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de

Direitos Humanos, as normas de direito interno que tipificam o crime de desacato são

incompatíveis com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

B. As leis de desacato são incompatíveis com o artículo 13 da Convenção

5. A afirmação que intitula esta seção é de longa data: tal como a Relatoria

expressou em informes anteriores, a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) efetuou uma análise da compatibilidade das leis de desacato

com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um relatório realizado

em 1995.

A CIDH concluiu que tais leis não são compatíveis com a Convenção porque se

prestavam ao abuso como um meio para silenciar ideias e opiniões impopulares,

reprimindo, desse modo, o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das

instituições democráticas.

A CIDH declarou, igualmente, que as leis de desacato proporcionam um maior

nível de proteção aos funcionários públicos do que aos cidadãos privados, em

direta contravenção com o princípio fundamental de um sistema democrático, que

sujeita o governo a controle popular para impedir e controlar o abuso de seus

poderes coercitivos.

Em consequência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e

atitudes dos funcionários públicos no que se refere à função pública.

Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas, pelo temor das pessoas às

ações judiciais ou sanções fiduciárias. Inclusive aquelas leis que contemplam o

direito de provar a veracidade das declarações efetuadas, restringem

indevidamente a livre expressão porque não contemplam o fato de que muitas

críticas se baseiam em opiniões, e, portanto, não podem ser provadas. As leis

sobre desacato não podem ser justificadas dizendo que seu propósito é defender a

“ordem pública” (um propósito permissível para a regulamentação da expressão

em virtude do artigo 13), já que isso contraria o princípio de que uma democracia,

que funciona adequadamente, constitui a maior garantia da ordem

pública. Existem outros meios menos restritivos, além das leis de desacato,

mediante os quais o governo pode defender sua reputação frente a ataques

infundados, como a réplica através dos meios de comunicação ou impetrando

ações cíveis por difamação ou injúria. Por todas estas razões, a CIDH concluiu

que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou os Estados

que as derrogassem.

Eventuais abusos no exercício da liberdade de expressão não justificam a intervenção

penal. Em verdade, eventuais excessos podem ser corrigidos por outras searas jurídicas,

consagrando-se os princípios penais da intervenção mínima, da fragmentariedade e da

subsidiariedade do direito penal, todos de natureza constitucional.

Importante conceituar, por fim, alguns princípios acima correlacionados.

Acerca do princípio da intervenção mínima, leciona Muñoz Conde (2001, p. 59-60):

"O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção

Page 28: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

28

mínima. Com isto, quero dizer que o direito penal somente deve intervir nos casos de ataques

muito graves aos bens jurídicos mais importantes."

Nas palavras do mestre Rogério Greco, temos que:

O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não só pela

indicação dos bens de maior relevo que merecem especial atenção do Direito Penal,

mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Sé é

com base neste princípio que os bens são selecionados para permanecer sob a tutela

do Direito Penal, porque considerados como os de maior importância, também será

com fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que com a

sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram de maior

relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos

incriminadores. (GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 13 ed. Rio de Janeiro:

Impetus, 2011, p. 47)

Deste modo, pode-se entender que, de acordo com este princípio o direito penal deve

intervir o mínimo possível na vida em sociedade, somente sendo requerido quando os demais

ramos do direito não forem capazes de tutelar os bens jurídicos tidos como de maior

importância.

O princípio da fragmentariedade é uma variante do princípio da intervenção mínima.

Entende-se como atípicas as ofensas mínimas ao bem jurídico, devendo o ordenamento se

preocupar apenas com as ofensas graves e significativas à lei penal, ao passo que as demais

são consideradas como causas de exclusão da tipicidade material (insignificância).

Tem-se, que, a presunção de perigo impõe ao sujeito algo que não fez e, assim, pune-

se além do limite da culpabilidade. Ademais, tamanha antecipação da intervenção penal é

desproporcional, não se compatibilizando com os limites da fragmentariedade, arcabouço de

um direito penal democrático, sendo possível a regulação suficiente de tais condutas em

searas diversas, como a administrativa.

Segundo Régis Prado (1992, p. 52), isso “é o que se denomina caráter fragmentário do

Direito Penal. Faz-se uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela tipologia agressiva

que se revela dotada de indiscutível relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa”.

Assim, infere-se que algumas leis disciplinam o mesmo assunto e para sanar esse

conflito aparente de normas utiliza-se o princípio da subsidiariedade, o qual disciplina que,

existindo uma norma penal mais grave, utilizar-se-á esta.

Na lição de Cezar Roberto Bitencourt (2017, p.266):

O fundamento material da subsidiariedade reside no fato de distintas proposições

jurídico-penais protegerem o mesmo bem jurídico em diferentes estádios de ataque”,

declarando, dessa forma, tratar-se de um conflito aparente de normas solucionado

por tal princípio.

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29

A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita.

A respeito da subsidiariedade expressa, Rogério Greco (2011, p. 28-29) “diz-se

expressa a subsidiariedade quando a própria lei faz a sua ressalva, deixando transparecer seu

caráter subsidiário.”

Em contrapartida, considera-se como tácita a norma que “(...) embora não se referindo

expressamente o seu caráter subsidiário, somente terá aplicação nas hipóteses de não

ocorrência de um delito mais grave, que, neste caso, afastará a aplicação da norma

subsidiária.”

Diante desse quadro, evidencia-se a relevância dos princípios para a consagração do

processo penal, figurados como garantias penais, que devem ser asseguradas pelo Estado, por

ser este o detentor do poder-dever de criar e aplicar o direito ao caso concreto, embora ainda

subsista descompasso na atribuição a ele presenteada.

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30

IV – O CRIME DE DESACATO NO BRASIL

O desfecho dessa pesquisa dar-se-á com análise da tipificação do delito de desacato e

as suas principais características, visto que a tipificação penal se traduz como a problemática

cerne deste trabalho monográfico.

Por fim, tecer-se-á comentários acerca da decisão da Terceira Seção do Superior

Tribunal de Justiça e a sua repercussão no cenário internacional.

4.1 A tipificação do Desacato

O legislador de 1940 previu o crime de desacato, atualmente garantido no artigo 331,

do Código Penal Brasileiro e consiste em “desacatar funcionário público no exercício da

função ou em razão dela”. Embora formalmente vigente, a tipificação da conduta fere o

direito fundamental à liberdade de expressão (art. 5º, IV da Constituição Federal de 1988),

conforme já delineado anteriormente.

É evidente e irreprimível que, na qualidade de cidadão, este fará críticas ao

funcionamento, organização das instituições públicas e àqueles exercem atribuições públicas.

Dessa forma, denota-se que a tipificação de feitio implícito visa afugentar

manifestações antagônicas às condutas dos agentes públicos, conferindo proteção excessiva a

estes e inibindo manifestações contrárias ao Estado. É notório que estes estarão

permanentemente sujeitos a fiscalizações e julgamentos, sendo inadmissível impedir o direito

do cidadão em manifestar seu descontentamento com o serviço que lhe é prestado.

A respeito, a Declaração Americana sobre Liberdade de Expressão delineia em seus

princípios 10 e 11, in versus:

10. (...) A proteção à reputação deve estar garantida somente através de sanções

civis, nos casos em que a pessoa ofendida seja um funcionário público ou uma

pessoa pública ou particular que se tenha envolvido voluntariamente em assuntos de

interesse público. Ademais, nesses casos, deve-se provar que, na divulgação de

notícias, o comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava plenamente

consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com manifesta

negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas.

Page 31: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

31

11. Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis

que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente

conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o

direito à informação.

(CIDH, Informe Anual 1994.)

Dessa forma, fácil constatar que a criminalização do desacato restringe de maneira

ilegítima a liberdade de expressão em nome da proteção da reputação de figuras públicas que

assumiram cargos de função pública.

Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat, na Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada pelo Ministério Público Federal,

expõe que:

[...]a persistência do art. 331 no ordenamento jurídico brasileiro é ofensivo à

Constituição sob múltiplas perspectivas: atenta contra o regime democrático, na

medida em que impede o controle da atuação de servidores públicos a propósito de

suas funções: inibe a liberdade de expressão nos seus aspectos e fundamentos

essenciais: atinge mais severamente aqueles que estão em luta pela implementação

de seu catálogo de direitos, em clara ofensa ao princípio da igualdade: e compromete

o Brasil no cenário internacional, pelo não cumprimento de obrigações às quais

aderiu livremente.

Vale lembrar que, ao tipificar a conduta do sujeito, lesiona-se o princípio basilar do

processo penal, tal qual, a proporcionalidade, que tem como principal objetivo equilibrar

direitos individuais com as ambições da sociedade.

Além disto, ofende-se também a intervenção mínima ou ultima ratio, onde o direito

penal deve intervir o mínimo possível na sociedade, sendo vinculado quando as demais

esferas do direito não forem competentes para assegurar os bens de maior relevância.

Em grosso modo, o próprio agente público imputa a si competência para discernir a

conduta como ofensiva ou não. Fazendo, deste modo, um “juízo preliminar”, apossando-se

como injusta uma protestação que na maior parte seria compreendida como uma avaliação

comum; intimidando assim quem a fez.

Momentoso retomarmos ao entendimento da Convenção Americana sobre os Direitos

Humanos, aderida pelo Brasil mediante Decreto n° 678/92 que, em seu artigo 13 assegura a

liberdade de pensamento e expressão, no qual a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH) discursou-se contrária à legislação de desacato vigente no território

brasileiro, uma vez que esta é diversa aos termos da Convenção. A comissão argumentou que

os indivíduos carregam consigo uma autocensura, visto que podem sofrer punições penais

caso externem opiniões relativas a máquina pública ou contrárias àqueles que a operam.

Portanto, sendo conflitante com um sistema democrático.

Page 32: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

32

Consoante a CIDH:

Além de constituir uma restrição direta à liberdade de expressão, a tipificação do

desacato também restringe essa liberdade de maneira indireta, porque traz com o

tipo penal a ameaça de prisão e multas para quem insulta ou ofende um funcionário

público(...) O medo de sanções criminais necessariamente desencoraja aquelas

pessoas que desejam expressar suas críticas em temas de interesse público, em

especial quando a legislação não dispõe de critérios claros para distinguir entre fatos

e opiniões expressadas.

(Comissão de Direitos Humanos. Relatório do Relator Especial para a Liberdade de

Expressão de 2008. Capítulo II, par. 116.)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos também já se posicionou a respeito:

O controle democrático exercido pela sociedade, por meio da opinião pública,

fomenta a transparência das atividades estatais e promove a responsabilidade dos

servidores públicos sobre sua gestão, razão pela qual deve haver uma maior

tolerância e abertura à crítica em face de manifestações emitidas por indivíduos no

exercício deste controle democrático.

(A Corte de Direitos Humanos., Palamara-Iribarne v. Chile. Mérito, Reparações e

Custas. Julgamento de 22 de Novembro de 2005. Series C No. 135. para. 83. Cf.

também: I/A Corte de Direitos Humanos., Herrera-Ulloa v. Costa Rica.

Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Julgamento de 2 de julho de 2004. Series

C No. 107. para. 82)

No cenário do judiciário brasileiro, temos na contemporaneidade, o julgamento do

REsp 1.640.084/SP (DJe 01/02/2017), onde o STJ posicionou-se de maneira favorável em

considerar o crime de desacato incompatível com a Convenção:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO,

DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO

DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.

ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356

DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE

CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o

Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas,

ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto

litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e

1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo

Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do

princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou

grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para

o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado

malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o

veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo

Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para

suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º,

c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da

Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de

outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou

limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de

4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do

art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro

Page 33: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

33

LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no

Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos

humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda

lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos

humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no

plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos,

em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à

liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido

contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A

adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo

Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto,

por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não

invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa,

até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana

de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso Almonacid Arellano y otros v.

Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São

José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas

internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei

veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na

verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica

do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula

mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão

Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as

leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões

consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível

de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos

princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a

transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação,

sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos

fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais

adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine,

composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e

a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na

contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -

personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo

em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre

funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.

14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida

capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de

expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a

CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo

abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação

criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de

outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso

na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso

especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a

condenação do recorrente pelo crime de desacato. (art. 331 do CP). (STJ - REsp:

1640084 SP 2016/0032106-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de

Julgamento: 15/12/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe

01/02/2017)

Entretanto, após a mencionada decisão do Superior Tribunal de Justiça, que opinou

pela descriminalização do delito, o colegiado afetou um Habeas Corpus nº 379.269/MS para

que a seção pacificasse a questão, assim definiram que o desacato continua a ser considerado

crime, acompanhando a decisão do Superior Tribunal Militar. A decisão da Terceira Seção

será abordada oportunamente.

Page 34: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

34

Nesse sentido, o Superior Tribunal Militar se manifestou:

HABEAS CORPUS. DESACATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

QUANTO AO TIPO PENAL DO ARTIGO 299 DO CPM. DECISÃO STJ.

DESCRIMINALIZAÇÃO DO TIPO PENAL PREVISTO NO ARTIGO 331 DO

CÓDIGO PENAL. NÃO EXTENSÃO AO CRIME DE DESACATO A MILITAR,

PREVISTO NO ARTIGO 299 DO CPM. BENS TUTELADOS DIVERSOS.

ORDEM DENEGADA. A decisão do Superior Tribunal de Justiça de

descriminalizar o crime de desacato previsto no artigo 331 do Código Penal, ante

sua desconformidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos, não

alcança o tipo penal previsto no artigo 299 do Código Penal Castrense. É que este

tutela o respeito à dignidade da função de natureza militar, visando não prejudicar o

exercício da função constitucional maior atribuída às Forças Armadas, que é a

defesa da soberania e garantia da lei e da ordem, enquanto aquele resguarda a

Administração Púbica nos seus interesses material e moral. Porquanto, são

propósitos diversos. Conclui-se que a citada decisão em nada afetou o ordenamento

jurídico substantivo castrense, em face do principio da especialidade das leis, o qual

consigna que a lei especial afasta a geral. Ordem denegada. Decisão unânime. (Processo HC 00000816320177000000 RJ, Data da Publicação: 18/05/2017 Vol:

Veículo: DJE, Julgamento: 9 de Maio de 2017, Relator Francisco Joseli Parente

Camelo.)

E, posteriormente, o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime, reconheceu que

a descriminalização não se aplicaria aos casos envolvendo militares:

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Girleu

Oliveira de Asevedo, contra acórdão proferido pelo Superior Tribunal Militar - STM

nos autos do HC 8.163/RJ, de relatoria do Ministro Tenente Brigadeiro do Ar

Francisco Joseli Parente Camelo, assim ementado: HABEAS CORPUS.

DESACATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUANTO AO TIPO PENAL

DO ARTIGO 299 DO CPM. DECISÃO STJ. DESCRIMINALIZAÇÃO DO TIPO

PENAL PREVISTO NO ARTIGO 331 DO CÓDIGO PENAL. NÃO EXTENSÃO

AO CRIME DE DESACATO A MILITAR, PREVISTO NO ARTIGO 299 DO

CPM. BENS TUTELADOS DIVERSOS. ORDEM DENEGADA. A decisão do

Superior Tribunal de Justiça de descriminalizar o crime de desacato previsto no

artigo 331 do Código Penal, ante sua desconformidade com a Convenção Americana

de Direitos Humanos, não alcança o tipo penal previsto no artigo 299 do Código

Penal Castrense. É que este tutela o respeito à dignidade da função de natureza

militar, visando não prejudicar o exercício da função constitucional maior atribuída

às Forças Armadas, que é a defesa da soberania e garantia da lei e da ordem,

enquanto aquele resguarda a Administração Púbica nos seus interesses material e

moral. Porquanto, são propósitos diversos. Conclui-se que a citada decisão em nada

afetou o ordenamento jurídico substantivo castrense, em face do principio da

especialidade das leis, o qual consigna que a lei especial afasta a geral. Ordem

denegada. Decisão unânime. Consta na inicial que o paciente foi denunciado pela

suposta prática dos seguintes crimes, previstos no Código Penal Militar: (i) violência

contra militar de serviço com lesão corporal (art. 158, § 2º); (ii) lesão leve (art. 209);

(iii) desacato a militar (art. 299). Irresignada com o recebimento da denúncia, a

defesa impetrou habeas corpus no STM. Entretanto, a ordem foi denegada pelo

Plenário da Corte Castrense, em sessão do dia 9/5/2017. A Defesa informa que nesse

ínterim, a Juíza Auditora da 2ª Auditoria 1ª CJM, designou audiência de julgamento

para o dia 5/6/2017, às 13h30min. Aduz que, em caso semelhante, o Superior

Tribunal de Justiça, em 15/12/2016, descriminalizou a conduta tipificada como

crime de desacato a autoridade, por entender que a tipificação é incompatível com o

art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (pág. 2 do documento

eletrônico 1). Sustenta, assim, que a denúncia deve ser rejeitada na parte que diz

respeito ao crime de desacato, em razão do entendimento do STJ sobre o o crime de

desacato, consignado no julgamento do REsp 1.640.084/SP. Requer, liminarmente,

o cancelamento da Audiência de Julgamento, designada para o dia 5/6/2017, às

Page 35: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

35

13h30, pelo Juízo da 2ª Auditoria da 1ª CJM (Ação Penal Militar nº 0000151-

71.2013.7.01.0201) e, no mérito, que seja rejeitada a denúncia recebida pelo Juízo a

quo, em relação a conduta tipificada como crime de desacato, prevista no art. 299,

do CPM (pág. 7 do documento eletrônico 1). É o relatório. Decido. A concessão de

medida liminar necessita da presença de seus requisitos autorizadores, quais sejam, o

fumus boni iuris e o periculum in mora. Em relação ao fumus boni iuris, impende

registrar que a ação penal ainda encontra-se em sua fase inicial, cujo trancamento

pela via do habeas corpus ocorre somente diante de flagrante ilegalidade ou

teratologia. Ademais, à primeira vista, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de

Justiça STJ no julgamento do REsp 1.640.084/SP não tem o condão de produzir

efeitos na ação penal a qual responde o paciente. Isso porque, mesmo que analisado

pela sistemática de recursos repetitivos, o caso analisado por aquela Corte tratou do

crime de desacato praticado por cidadão contra funcionário público civil e não entre

militares, como se observa no presente writ. Vislumbro, ainda, que a realização da

audiência de julgamento não causa prejuízo iminente e irreparável ao paciente.

Destarte, verifico a ausência dos requisitos autorizadores à concessão de medida

cautelar. Isso posto, indefiro a liminar. Requisitem-se informações à autoridade

coatora. Ouça-se o Procurador-Geral da República. Publique-se. Brasília, 1º de

junho 2017. Ministro Ricardo Lewandowski Relator. (Processo MC HC 143968 RJ - RIO DE JANEIRO 0004952-40.2017.1.00.0000.

SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. Julgamento: 1 de Junho de 2017, Relator: Min.

RICARDO LEWANDOWSKI)

Tendo em vista as recentes decisões do judiciário brasileiro, considera-se que não se

pode apenas desprezar as decisões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e das

organizações internacionais, que reiteradamente se posicionam pela descriminalização do

delito, sem levar em apreço que o Brasil é signatário do Pacto San José da Costa Rica.

4.1.1 Principais características do delito

Cuida-se de uma infração penal de menor potencial ofensivo, com pena de detenção,

de seis meses a dois anos, ou multa. O bem jurídico protegido é a administração pública,

especialmente no que toca ao seu prestígio e competência organizacional. À vista disso, ao se

referir à máquina pública de maneira hostil, por amplitude, atinge-se o funcionário público e a

função por ele exercida. Observa-se assim que, o legislador pretendia defender a honra do

Estado e consequentemente, dos seus funcionários.

Nesse seguimento, Alexandre Sankievicz, (2016), indica que:

[...] o desacato é punido de forma mais rigorosa que a injúria, a calúnia e a

difamação justamente porque, no desacato, o servidor é portador de interesse público

e desempenha função de particular importância dentro do ordenamento jurídico. O

desacato, além de implicar desrespeito à vítima em questão, acarretaria assim

desrespeito ao próprio Estado, merecendo sanção mais gravosa independentemente

de o servidor ter-se sentido ofendido.

Page 36: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

36

Não existem parâmetros para a caracterização do delito em questão, restando para o

operador do direito, de forma discricionária e arbitrária, decidir com base no caso concreto.

Trata-se de crime de forma livre, admitindo a execução de variadas formas, como

gestos, palavras, ameaças, vias de fatos, bem como qualquer outro meio de manifestação.

Nesse sentido, a jurisprudência decide:

APELAÇÃO. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESACATO.

ART. 331, DO CP. CONDENAÇÃO MANTIDA. I - Demonstrado nos autos que o

réu desacatou policial militar em razão de sua função, proferindo-lhe palavras de

baixo calão. O crime de desacato pressupõe a depreciação da função pública e do

próprio funcionário, elementos configurados nos autos. II - Nos termos do art. 44, §

2º, do CP, tendo em vista que a pena privativa de liberdade foi fixada em 06 (seis)

meses de detenção, deverá ser substituída por uma pena restritiva de direito, qual

seja, de prestação de serviços a comunidade, excluindo a pena pecuniária fixada na

origem. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Crime Nº 70076417930,

Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal,

Julgado em 19/04/2018).

(TJ-RS - ACR: 70076417930 RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Data de Julgamento:

19/04/2018, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia

26/04/2018)

O artigo 331 revela que a conduta pode ser praticada de duas formas: “no exercício da

função ou em razão dela”. Por exercício da função, entende-se o funcionário na prática de

atos de ofício, independentemente de estar na repartição pública ou não. Por outro lado, a

expressão “em razão dela” compreende o funcionário público que se encontra fora da

repartição pública, sem a prática de qualquer ato de ofício, mas que, recebe ofensas em razão

da sua condição de agente estatal, como leciona Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 879):

Desacatar (desprezar, faltar com o respeito ou humilhar) funcionário público no

exercício da função ou em razão dela (exige-se que a palavra ofensiva ou o ato

injurioso seja dirigido ao funcionário que esteja exercendo suas atividades ou, ainda,

que ausente delas, tenha o autor levado em consideração a função pública). Pode

implicar em qualquer tipo de palavra grosseira ou ato ofensivo contra a pessoa que

exerce função pública, incluindo ameaça e agressões físicas.

Também se faz imperioso destacar que, o artigo 331 engloba uma gama de condutas

que podem ser definidas como desacato, sem, ao menos estabelecer parâmetros para essa

tipificação.

Nas palavras do Ministro do STJ, Gilson Dipp (2012), “da maneira como está hoje,

nunca se sabe bem se é crime de desacato ou manifestação de insatisfação”.

Nesse ínterim, constata-se que independente do funcionário se sentir, de fato,

ofendido, configurar-se-á o delito, bastando para tanto, que o ofensor profira palavras,

agressões a fim de menosprezar a função pública.

Page 37: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

37

4.2 Outras formas de punir a ofensa à honra do funcionário público

A honra de maneira singela, consiste em um conjunto de propriedades intelectuais,

físicas e morais de um sujeito. Entretanto, para o direito, este conceito é simplório para

exemplificar a dimensão que esta virtude carrega consigo. A honradez é desmedida. Cada um

concede relevância própria àquilo que é de mérito, glória, respeitabilidade, ficando assim

imerso em seu subconsciente. Sendo, desta forma, matéria puramente íntima.

Para Muños Candido, a relevância da honra pode ser mensurada como:

A honra é um dos bens mais sutis e mais difíceis de apreender desde o ponto de vista

jurídico-penal. Isso se deve, sobretudo, a sua relativização, a existência de um

ataque a honra depende das mais diversas situações de sensibilidade, do grau de

formação, da situação tanto do sujeito passivo como do ativo, e também das relações

recíprocas entre ambos, assim como das circunstancias do ilícito.

(MUÑOZ CANDIDO, Francisco, Derecho Penal – Parte Especial, p. 274).

Contudo, ofender quaisquer destes predicados, configura um fato típico e antijurídico.

Por conseguinte, o ofendido roga ao Estado que é incumbido de tutelar a especificidade de

cada pessoa.

Torna-se ainda possível, a fragmentação da honra como objetiva e subjetiva. Faz-se

objetiva por versar sobre a concepção os demais fazem sobre alguém. À vista disso, quem fere

ao atacar a honra objetiva cria, de maneira direta, uma condição que poderá suscitar alteração

no juízo que os demais têm sobre ela, devido a imputação de fato enganoso ou nocivo ao seu

prestigio. Constitui a honra subjetiva, o apreço e concepção que carrega de si. Apresenta-se

todos atributos morais, os quais são de estima valia, não tendo potencial para serem

lesionados por outrem.

Sobre o assunto, Rogério Greco preleciona:

Embora possamos identificá-los (os conceitos de honra subjetiva e objetiva),

levando em consideração a relação de precipuidade, ou seja, onde a honra subjetiva,

precipuamente, afeta o conceito que o agente faz de si mesmo, e a honra objetiva,

também precipuamente, atinge a reputação do agente em seu meio social, não

podemos considerá-las de forma estanque, completamente compartimentadas...

Dessa forma, somente podemos considerar a distinção entre honra objetiva e honra

subjetiva para identificar a classificação da figura típica, bem como para poder

apontar, com mais segurança, o momento e consumação da infração penal

pretendida pelo agente.

(GRECO, Rogério, Direito Penal – Parte Especial, p. 397).

Page 38: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

38

Após delineados os conceitos acerca da honra, importante abordarmos as demais

formas de punir quem à ofende, de forma a demonstrar que o bem jurídico tutelado pelo crime

de desacato já possui salvaguarda no ordenamento jurídico brasileiro, crimes dispostos no

capítulo V, do Código Penal Brasileiro.

São eles: calúnia, difamação e injúria.

A calúnia está prevista no artigo 138 do Código Penal com a seguinte redação:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou

divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi

condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por

sentença irrecorrível.

Incorre ao crime de calúnia aquele que imputa falsamente fato criminoso a outrem, ou

seja, atribui a determinado sujeito a culpabilidade pela prática de ato conhecido como

delituoso. Logo, entende-se que, para caracterizar o crime, exija-se a atribuição de caso

específico e que este seja um tipo penal, sendo esta imputação falsa pela inexistência da

ocorrência ou por não se fazer autora a pessoa ofendida.

A calúnia tem como objeto a falsa imputação a alguém de fato definido como crime.

“A tipicidade própria à calúnia pressupõe a imputação de fato determinado, revelador de

prática criminosa, não a caracterizando palavras genéricas, muito embora alcançando a honra

do destinatário. Precedentes do STF. Atipicidade do fato.” (AP 428, rel. min. Marco Aurélio,

P, DJE de 28-8-2009.).

Na mesma senda:

O tipo de calúnia exige a imputação de fato específico, que seja criminoso, e a

in­tenção de ofender a honra da vítima, não sendo suficiente o animus defendendi. O

tipo de difamação exige a imputação de fato específico. A atribuição da qualidade de

irrespon­sável e covarde é suficiente para a adequação típica face ao delito de

injúria. Presente o animus injuriandi.

(Inq 2.582, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, DJE de 22-2-2008.)

Como bem pontuado por Hungria (1980, p.66):

A falsa imputação deve referir-se a crime. O texto do art. 138 é restritivo. Nem há

dizer-se que a palavra crime é compreensiva de contravenção, pois o Código, toda

Page 39: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

39

vez que quer aludir também a esta, fá-lo expressamente. A falsa imputação de fato

meramente contravencional poderá constituir difamação, mas não calunia.

Desta forma, é visível que se trata de crime formal onde atinge a honra objetiva do

indivíduo, conforme anteriormente exemplificado. O agente deverá estar dotado de dolo

direto (sabendo assim que a imputação do fato é falsa) ou composto do dolo indireto (não há

certeza sobre as informações, porém, mesmo assim divulga).

A calúnia se consumará quando o episódio disseminado chegar ao conhecimento de

uma terceira pessoa.

Estará sujeito o agente à pena de detenção de seis meses a dois anos, e multa.

Por outro lado, a difamação encontra-se prevista no artigo 139 e disciplina que:

139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único: A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é

funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Trata-se da propagação de fatos desonrosos que insultam contra sua reputação, seja

estes verdadeiros ou não, haverá a incidência do crime. A difamação, por indo ao

encontro da boa reputação, agride também a honra objetiva, visto que, haverá uma

evidente alteração nos conceitos que os demais terão sobre o difamado. Por atingir a

honra objetiva do indivíduo, terá como consumação do crime o momento em que um

terceiro toma ciência das desonras proferidas pelo agente.

A pena para aquele que incorre no crime de difamação será de detenção, de 3 (três)

meses a 1 (um) ano, e multa.

Nesta disposição, temos a tutela da honra objetiva, punindo a conduta que imputa fato

ofensivo a honra de outrem.

Por fim, o legislador, ao criminalizar a injúria, abordou três importantes aspectos: a

injúria simples (caput do artigo 140), a injúria real (§2º do artigo 140) e a injúria

preconceituosa (§3º do artigo 140), a seguir, in versus:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou

pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à

violência.

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,

religião ou origem: (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,

religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

(Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Page 40: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

40

Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)

Diferentemente das demais, a injúria atinge a honra subjetiva, ou seja, fere as

qualidades morais do sujeito. Em outras palavras, atinge a autoestima da pessoa e todas as

concepções que tem de si. Não se faz necessário fato determinado, mas sim desprezo com o

ofendido, atribuindo-a valores pejorativos à sua pessoa ou sua moralidade.

Neste caso, as qualidades feridas poderão ser condições físicas ou morais. Esta

tipificação tem como objetivo proteger a dignidade (concepção a respeito da sua moral) e do

decoro (sentimento puramente pessoal relacionado às suas qualidades).

Dessa forma, qualquer imputação ou opinião pessoal que ofenda a terceiro pode se

enquadrar no crime de injúria se a vítima se entender ofendida.

De outro modo, o desacato pode ser desclassificado para a conduta de injúria nos casos

em que o ofensor “desacata” o funcionário público desconhecendo sua função, mostrando,

mais uma vez, que a criminalização do desacato tem o fito apenas de privilegiar uma carreira

profissional em detrimento de outras.

A respeito, o nobre mestre Celso Delmanto (2016, p. 134), ensina:

Se o sujeito, por exemplo, desacata funcionáriopúblico por desconhecer essa sua

qualidade, poderá haver desclassificação para o crime de injúria, pois a condição de

funcionário do sujeito passivo é indispensável para o tipo do desacato (CP, art. 331),

enquanto a injúria (CP, art. 140) pode ser praticada contra qualquer pessoa. b. Erro

quanto à causa excludente da ilicitu- de. O CP declara ser impunível o aborto

necessário e o sentimental (CP, art. 128, I e II). Caso o agente erre, por culpa, quanto

às suas circunstâncias de fato, terá agido culposa- mente, mas nãopoderá ser punido,

porquanto não há a figura de aborto culposo.

Do mesmo modo ocorre se a exaltação do ofensor não demandar de ânimo calmo e

genuíno. Sobre o assunto, Fernando Capez (2016, p. 511), preleciona:

Questiona-se se a exaltação de ânimos exclui o crime de desacato. Dessa forma, caso

o agente, dominado por sentimento de cólera, ira, pratique ato ou profira palavra

ofensiva contra o funcionáriopúblico, responderá pelo crime de desacato Duas são

as posições que procuram solucionar tal controvérsia. Vejamos: (1) para a corrente

predominante nos tribunais o desacato pressupõe um estado normal de ímpeto,

sendo que a exaltação exclui o elemento subjetivo, isto é, a intenção de menoscabar,

desprestigiar a função exercida pelo funcionáriopúblico. Na hipótese, restará ao

agen- te responder pelo delito de injúria, lesão corporal etc.; (2) já para uma se-

gunda corrente, minoritária nos tribunais, o desacato não exige ânimo calmo, de

forma que o estado de exaltação ou cóleranão exclui o elemento subjetivo do tipo,

do contrário raramente haveria a tipificação desse delito, uma vez que, em regra, o

desacato é realizado em estado de ira. Além do quea emoção nem ao menos isenta o

agente de responsabilidade pelo cometimento do desacato, uma vez que o art. 28, I,

do CP prescreve que a emoção e a paixãonão excluem a imputabilidade penal. Dessa

forma, a emoção nem sequer é causa de exclusão da responsabilidade penal, quanto

mais causa excludente do crime. Finalmente, dentro dessa segunda corrente há uma

terceira, que entende que o crime de desacato dispensa o elemento subjetivo do tipo,

Page 41: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

41

de forma que basta a vontade de praticar o fato ou proferir as palavras ofensivas para

que o crime se configure, não se exigindo o fim de desprestigiar a funçãopública.

Ainda que o crime seja praticado em estado de exaltação emocional, o desacato se

perfaz.

Diante do exposto, infere-se que a solução para tamanha desigualdade e parcialidade

se encontra presente no próprio ordenamento jurídico brasileiro, que dispõe de três

instrumentos de defesa da honra, seja ela objetiva ou subjetiva.

Temos nestes crimes significativa ferramenta de defesa da moral dos funcionários

públicos até então tutelados pelo crime de desacato.

Ora, não se faz necessário a tipificação de um crime que contraria diretamente os

diplomas internacionais das quais o Brasil é Estado-membro apenas para criar benefícios ou

preferências para uma parcela da sociedade apenas por ocupar um cargo ou função distinta

dos demais, afinal, todos deveriam ser iguais perante à lei.

Esta distinção tão mencionada fica clara no texto de Fernando Capez (2016, p. 510) a

respeito do sujeito passivo do crime de desacato, que diz:

Se o ofendido, no momento da ofensa, não mais possui a qualidade de

funcionáriopúblico, não há o crime em tela, pois a ofensa contra o particular não

ofende os interesses da AdministraçãoPública. Haverá, na hipótese, outro crime

(lesão corporal, vias de fato, calúnia, difamação, injúria etc.).

Denota-se assim que, o particular pode ter sua honra defendida por crimes como a

difamação, calúnia e injúria, mas o funcionário público deve ter dignidade defendida por

crime diverso por ser este, privilegiadamente, defendido pelo ordenamento jurídico interno

brasileiro.

4.4 Comentários à decisão da Terceira Seção do STJ

Não obstante a Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 13 dispor

da liberdade de opinião e expressão, entendido pelo sistema interamericano como fundamento

principiológico de um Estado democrático e, não obstante as reiterações de que o crime de

desacato ofende diretamente o posicionamento desta Convenção, ainda assim, o Poder

Judiciário Brasileiro num julgamento recente decidiu de maneira contrária, reafirmando a

criminalização do desacato, como podemos ver a seguir:

Page 42: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

42

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO,

DESACATO E RESISTÊNCIA. APELAÇÃO CRIMINAL. EFEITO

DEVOLUTIVO AMPLO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.

ROUBO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.

DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DE

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

SÚMULA 284/STF. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. SÚMULAS 282 E 356

DO STF. DESACATO. INCOMPATIBILIDADE DO TIPO PENAL COM A

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONTROLE DE

CONVENCIONALIDADE. 1. Uma vez interposto o recurso de apelação, o

Tribunal, respeitando o contraditório, poderá enfrentar todas as questões suscitadas,

ainda que não decididas na primeira instância, desde que relacionadas ao objeto

litigioso recursal, bem como apreciar fundamentos não acolhidos pelo juiz (arts. 10 e

1.013, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil, c/c art. 3º do Código de Processo

Penal). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do

princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou

grave ameaça, como o roubo. 3. O pleito de desclassificação do crime de roubo para

o de constrangimento ilegal carece da indicação do dispositivo legal considerado

malferido e das razões que poderiam fundamentar o pedido, devendo-se aplicar o

veto da Súmula 284/STF. Além disso, o tema não foi objeto de apreciação pelo

Tribunal de origem, nem a parte interessada opôs embargos de declaração para

suprir tal omissão, o que atrai o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O art. 2º,

c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da

Costa Rica) prevê a adoção, pelos Estados Partes, de "medidas legislativas ou de

outra natureza" visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou

limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais. 5. Na sessão de

4/2/2009, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, pelo rito do

art. 543-C do CPC/1973, o Recurso Especial 914.253/SP, de relatoria do Ministro

LUIZ FUX, adotou o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no

Recurso Extraordinário 466.343/SP, no sentido de que os tratados de direitos

humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda

lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos

humanos é destituída de validade." 6. Decidiu-se, no precedente repetitivo, que, "no

plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos,

em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à

liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido

contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade." 7. A

adequação das normas legais aos tratados e convenções internacionais adotados pelo

Direito Pátrio configura controle de constitucionalidade, o qual, no caso concreto,

por não se cuidar de convenção votada sob regime de emenda constitucional, não

invade a seara do controle de constitucionalidade e pode ser feito de forma difusa,

até mesmo em sede de recurso especial. 8. Nesse particular, a Corte Interamericana

de Direitos Humanos, quando do julgamento do caso AlmonacidArellano y otros v.

Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada Estado Parte do Pacto de São

José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas jurídicas

internas que aplica aos casos concretos. 9. Por conseguinte, a ausência de lei

veiculadora de abolitio criminis não inibe a atuação do Poder Judiciário na

verificação da inconformidade do art. 331 do Código Penal, que prevê a figura típica

do desacato, com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, que estipula

mecanismos de proteção à liberdade de pensamento e de expressão. 10. A Comissão

Interamericana de Direitos Humanos - CIDH já se manifestou no sentido de que as

leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões

consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível

de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos

princípios democrático e igualitário. 11. A adesão ao Pacto de São José significa a

transposição, para a ordem jurídica interna, de critérios recíprocos de interpretação,

sob pena de negação da universalidade dos valores insertos nos direitos

fundamentais internacionalmente reconhecidos. Assim, o método hermenêutico mais

adequado à concretização da liberdade de expressão reside no postulado pro homine,

composto de dois princípios de proteção de direitos: a dignidade da pessoa humana e

Page 43: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

43

a prevalência dos direitos humanos. 12. A criminalização do desacato está na

contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -

personificado em seus agentes - sobre o indivíduo. 13. A existência de tal normativo

em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre

funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito.

14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida

capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de

expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a

CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo

abolissem suas respectivas leis de desacato. 15. O afastamento da tipificação

criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de

outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso

na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. 16. Recurso

especial conhecido em parte, e nessa extensão, parcialmente provido para afastar a

condenação do recorrente pelo crime de desacato (art. 331 do CP).

(STJ - REsp: 1640084 SP 2016/0032106-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS,

Data de Julgamento: 15/12/2016, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe

01/02/2017)

A priori, faz-se oportuno registrar os ensinamentos do mestre Norberto Bobbio (1995,

p. 93):

A inferioridade de uma norma em relação a outra consiste na menor força de seu

poder normativo: essa menor força se manifesta justamente na incapacidade de

estabelecer uma regulamentação de uma norma hierarquicamente superior.

No mesmo sentido, Nívio de Freitas Filho (Agravo em Recurso Especial nº.

850.170/SP):

[...] se alguma norma de direito interno colide com as previsões da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos para restringir a eficácia e o gozo dos direitos e

liberdade nela estabelecidos, as regras de interpretação aplicáveis demandam a

prevalência da norma do tratado e não a da legislação interna.

Estamos diante de uma antinomia jurídica, que para Norberto Bobbio (1994, p. 20),

portanto, é “aquela situação na qual são colocadas em existência duas normas, das quais uma

obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o

mesmo comportamento”. Entretanto, no presente caso deve-se prevalecer a Convenção

Americana de Direitos Humanos, tendo em vista seu status de supralegalidade.

Não sendo uma previsão contida apenas no âmbito internacional, a Constituição

Federal também protege a liberdade de pensamento e expressão.

A respeito, Luiz Flávio Gomes e Valerio de Oliveira Mazzuoli, apud Bidart Campos

destacam que ([2005], p. 5):

[...] é normal imputar-se a inconstitucionalidade a uma norma inferior que seja

contrária outra superior. Porém, em matéria de tratados internacionais o panorama

muda: o limite heterônomo ou externo que o Estado se impõe e aceita quando

permite o ingresso de um tratado em seu ordenamento jurídico coloca uma barreira

que o direito interno não pode quebrar mais à frente: e isto sem se importar qual seja

Page 44: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

44

o plano hierárquico que o tratado tenha em seu direito interno. Por isso, mesmo nos

casos em que os tratados tenham status de norma infraconstitucional, as normas

posteriores que por emendas à Constituição se introduzem no direito interno em

oposição a um tratado, serão inconstitucionais.

Portanto, é de se observar a importância desses diplomas e a responsabilidade do

Estado em cumpri-los internamente.

O inconformismo que gera é alusivo à falta de preocupação e compromisso dos

juristas em garantir um direito fundamental e inerente de um Estado democrático e acima de

tudo, no tocante ao cumprimento das normas internacionais ratificadas e integrantes do

ordenamento jurídico interno.

Nas preciosas palavras de Nívio de Freitas Silva Filho (Agravo em Recurso Especial

nº. 850.170/SP):

[...] as leis de desacato: a) tem se prestado a silenciar ideias e opiniões impopulares,

reprimindo o direito ao debate crítico, instituto indispensável ao efetivo

funcionamento das instituições democráticas: b) conferem um maior nível de

proteção aos funcionários públicos do que com relação aos cidadãos, contrariando o

sistema democrático que submete o Governo ao controle popular e não o contrário, e

permitindo que os funcionários pratiquem abuso de seus poderes coercitivos: c)

inibem as críticas, pelo temor do cidadão de que venha a responder à ações judiciais

ou a sanções, restringindo assim a liberdade de pensamento e de expressão: d)

existem outras formas, menos restritivas, de o Governo defender a sua reputação

diante de ataques infundados, como o exercício da réplica por intermédio dos meios

de comunicação ou o ajuizamento de ações cíveis por difamação ou injúria

(Agravo em Recurso Especial nº: 850.170/SP).

Apesar disso, condenação pelo desacato é ato costumeiro do Poder Judiciário

Brasileiro, como podemos ver em inúmeras jurisprudências diariamente.

A título de exemplo, três julgados recentes (2018):

APELAÇÃO DA DEFESA. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL

QUALIFICADO E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. (1) PRELIMINAR ACERCA

DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA INCRIMINADORA E DE

INÉPCIA DA DENÚNCIA. ALEGAÇÕES NÃO ACOLHIDAS. (2)

MATERIALIDADES E AUTORIAS SUFICIENTEMENTE PROVADAS.

CONDENAÇÃO. (3) DEPOIMENTO DE AGENTES PÚBLICOS. VALIDADE.

(4) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL ACERCA

DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. HIPÓTESES NÃO

ADMITIDAS ANTE A GRAVIDADE DA CONDUTA. (5) RECEPTAÇÃO

QUALIFICADA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO REAFIRMAM O

DOLO DO RÉU. CONDENAÇÃO COMO MEDIDA DE RIGOR. (6) PENAS E

REGIMES PRISIONAIS ADEQUADAMENTE IMPOSTOS. (7) PROVIMENTO

PARCIAL DO RECURSO DEFENSIVO. 1. Preliminares inconsistentes que devem

ser rejeitadas. 1.1. Não comporta acolhimento a alegação de inépcia da denúncia,

porque se encontra incólume, cumprindo os requisitos legais, previstos no art. 41, do

Código de Processo Penal, tanto que foi recebido pelo Magistrado, em juízo de

admissibilidade. Deveras, a exordial acusatória descreveu as condutas criminosas e

todas as suas circunstâncias, dando ao réu amplo conhecimento dos motivos e das

Page 45: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

45

razões, de fato e de direito, que a levaram a ser denunciado pela prática dos crimes

de violação de direito autoral qualificado e receptação qualificada. Tanto é verdade

que, lida a denúncia em Juízo, o recorrente admitiu a autoria de todas as práticas

criminosas por ele perpetradas. Precedentes do STJ (RHC 33.806/CE, Recurso

Ordinário em Habeas Corpus 2012/0192038-7 – Rel. Min. Laurita Vaz – 5ª T. – j.

25.03.2014). 1.2. Preliminar acerca da inconstitucionalidade do art. 184, do Código

Penal. Não há falar-se no reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 184 e

parágrafos, do Código Penal, em razão de ofensa à taxatividade normativa, tendo em

vista que o disposto, previsto na referida norma incriminadora, está em concordância

com o princípio da legalidade e descreve a conduta típica e a pena correspondente à

ação delituosa. No duro, o art. 184 e parágrafos, do Código Penal, traz uma

descrição clara e compreensível da conduta, sendo tipo penal aberto, não se

confundindo com tipos vagos, à medida que a Lei, ao utilizar expressões

abrangentes, com amplo alcance a diversas condutas, tem seus conceitos, condutas

ilícitas e condutas permissivas precisadas pela Lei n. 9.610/98 (Lei de Direitos

Autorais), obedecendo aos ditames mínimos de taxatividade e de legalidade

normativa, substratos exigidos pela "Magna Carta". 2. No caso dos autos, a

conjugação dos elementos probatórios leva ao suficiente grau de certeza quanto às

materialidades e às autorias dos fatos descritos na denúncia. 3. Os depoimentos

judiciais de policiais, militares ou civis e de guardas civis, têm o mesmo valor dos

depoimentos oriundos de quaisquer outras testemunhas estranhas aos quadros

policiais. Entendimento contrário seria e é chapado absurdo, porque traduziria

descabido e inconsequente preconceito, ao arrepio, ademais, das normas

Constitucionais e legais. No duro, inexiste impedimento ou suspeição nos

depoimentos prestados por policiais, militares ou civis, ou por guardas civis, mesmo

porque seria um contrassenso o Estado, que outrora os credenciara para o exercício

da repressão criminal, outorgando-lhes certa parcela do poder estatal,

posteriormente, chamando-os à prestação de contas, perante o Poder Judiciário, não

mais lhes emprestasse a mesma credibilidade no passado emprestada. Logo, são

manifestas a ilegalidade e mesmo a inconstitucionalidade de entendimentos que

subtraíssem, "a priori", valor dos sobreditos depoimentos judiciais pelo simples fato

de terem sido prestados por pessoas revestidas da qualidade de policiais "lato sensu".

Precedentes do STF (HC 87.662/PE – Rel. Min. Carlos Ayres Brito – j. 05.09.06;

HC 73.518-5 – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 18.10.96; HC 70.237 – Rel. Min.

Carlos Velloso – RTJ 157/94) e do STJ (AgRg no AREsp 262.655/SP – Rel. Min.

Marco Aurélio Bellizze – j. 06.06.13; HC 177.980/BA – Rel. Min. Jorge Mussi – j.

28.06.11; HC 149.540/SP – Rel. Min. Laurita Vaz – j. 12.04.11 e HC 156.586/SP –

Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – j. 27.04.10). Outrossim, especificamente

quanto aos guardas civis, incide a inteligência da Lei n. 13.022/14, que amplia a

restrita interpretação que se havia do art. 144, § 8º, da Constituição Federal, dando-

lhes, dentre outras competências específicas, as funções de colaboração na apuração

penal e na defesa da paz social. Logo, as Guardas Municipais (guardas civis) estão

investidas na incumbência da garantia da paz social, atuando na prevenção da prática

de crimes, podendo, inclusive, atuar de forma a impedir a sua ocorrência, ou no caso

de flagrante, conferir meios para subsidiar a apuração do fato criminoso. Precedentes

do STJ (HC 290.371/SP – Rel. Min. Moura Ribeiro – j. 27.05.14; RHC 45.173/SP –

Rel. Min. Jorge Mussi – j. 26.05.14 e HC 109.105/SP – Rel. Min. Arnaldo Esteves

Lima – j. 23.02.10). 4. A confissão, de fato, não é prova dotada de caráter absoluto

(aliás, no sistema processual penal em vigor nenhuma prova tem esse caráter).

Todavia, é importante elemento a ser considerado pelo julgador na formação do seu

convencimento. Quando a confissão estiver em conformidade com os demais

elementos dos autos, como ocorre neste feito, serve, sim, de supedâneo à prolação

do edito condenatório. No caso, nada existe a indicar que a confissão judicial do réu

não tenha sido firme e sincera, mormente porque amparada nos depoimentos

judiciais da testemunha arrolada pela acusação. 5. A aplicação do princípio da

insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos, de

forma concomitante, os seguintes requisitos: (I) mínima ofensividade da conduta do

agente; (II) nenhuma periculosidade social da ação; (III) reduzido grau de

reprovabilidade do comportamento; e (IV) relativa inexpressividade da lesão

jurídica. No caso concreto, não estão presentes, cumulativamente, os requisitos

Page 46: O CRIME DE DESACATO À LUZ DO PACTO SAN JOSÉ DA COSTA …

46

mínimos mencionados, que deveriam fazer-se presentes, para que se pudesse aceitar,

em caráter excepcional, a incidência do princípio da insignificância. Isso porque,

embora não se possa precisar o valor de cada um dos bens objetos de violação de

direito autoral qualificado e que estavam sendo vendidos pelo réu, é evidente que tal

conduta, vale dizer, a disseminação do comércio de mercadorias falsificadas ou

"pirateadas", não torna "inexpressiva" a lesão ao bem jurídico. Considerar como

irrelevante a conduta em apreço representaria um verdadeiro incentivo ao apelante

que, diante da impunidade, sentir-se-ia à vontade para continuar praticando crimes

desta natureza, razão pela qual não há falar-se em atipicidade material da conduta.

Precedentes do STF. 5.1. Bagatela imprópria. Impossibilidade de eventual aplicação

do instituto supralegal que visa a excluir a punibilidade do agente. Ao contrário da

"bagatela própria" (que possui raiz no princípio da intervenção mínima), a "bagatela

imprópria" encontra amparo no "princípio da desnecessidade da pena", de sorte que

o fato nasce relevante para o Direito Penal, porém, no momento da sentença, o

Magistrado entende que a aplicação da pena torna-se desnecessária, desarrazoada,

enfim, entende por bem não aplicar a pena. Em outras palavras: a situação da tal

"bagatela imprópria" é absolutamente diversa daquela sustentada pelo princípio da

insignificância, onde, para aqueles que o entendem cabível, o bem jurídico tutelado

nem sequer chegou a ser atingido e a tipicidade material não se aperfeiçoaria, ao

passo que, neste caso, o fato seria, sim, juridicamente relevante, mas por motivos

outros o Magistrado poderia deixar de aplicar a pena. Violação, frontal, do princípio

da legalidade. 6. Impossível o reconhecimento do princípio da adequação social para

justificar a conduta criminosa, que, no duro, está inserida dentro de um contexto

social de manutenção de organizações criminosas envolvidas com a prática de

crimes gravíssimos e com reflexos sociais imprevisíveis: contrabando, lavagem de

dinheiro, receptação dolosa, sonegação fiscal, etc. Tudo isso sem se perder de vista

que a conduta causa enormes prejuízos ao Fisco, pela burla do pagamento de

impostos, à indústria fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente

estabelecidos. Precedentes do STF (HC 120994/SP - Rel. Min. Luiz Fux - 1ª T - j.

29.04.2014 - DJU 16.05.2014 e HC 98898/SP - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - 1ª

T - j. 20.04.2010 - DJU 21.05.2010). 7. A pena e o regime impostos não comportam

reparos. 7.1. Reconhecida a circunstância atenuante da confissão espontânea,

prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, porquanto o "decisum" utilizou a

confissão, ofertada pelo réu em Juízo, como substrato do seu convencimento, mas

deixou de considerá-la para efeito de atenuação da pena provisória, contudo sem

reflexo na pena. Isso porque, a incidência da circunstância atenuante não pode

conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal (Súmula n. 231, do STJ).

Outrossim, ante a impossibilidade de redução, inviável o reconhecimento da

circunstância atenuante prevista no art. 65, III, a, do Código Penal, de modo nenhum

presente. 7.2. O regime inicial de cumprimento das penas continua sendo o

semiaberto, em correlação com o art. 33, § 2º, b, do Código Penal. 8. As

condenações criminais a penas privativas de liberdade, confirmadas em v. Acórdãos

desse Tribunal de Justiça, autorizam a expedição de mandado de prisão. Os Tratados

Internacionais sobre Direitos Humanos, de que o Brasil é signatário, exigem garantia

de acesso ao duplo grau de jurisdição (e não ao "infindável" grau de jurisdição). Os

Recursos Especiais e Extraordinários, direcionados aos Tribunais Superiores, não

têm, em regra, efeito suspensivo. Assim, consoante o recente julgamento, no STF,

do HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, cumpre determinar a imediata

expedição de mandado prisional em desfavor do réu. Precedente do STJ. 9. Recurso

defensivo que comporta parcial provimento, com ordem para expedição de mandado

de prisão.

(TJ-SP 00018461720138260319 SP 0001846-17.2013.8.26.0319, Relator: Airton

Vieira, Data de Julgamento: 20/03/2018, 3ª Câmara de Direito Criminal, Data de

Publicação: 23/03/2018)

RECURSO ESPECIAL. DESACATO. CONFIGURAÇÃO. CONDUTA TÍPICA.

PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. VETORES INTERPRETATIVOS.

CARÁTER RELATIVO. EFEITO VINCULANTE. INEXISTÊNCIA.

CORRUPÇÃO ATIVA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E

PROVAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A Corte de origem

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47

absolveu a acusada da imputação relativa ao delito previsto no art. 331 do Código

Penal sob o fundamento de que a figura típica do desacato não se coaduna com o

disposto no art. 13 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, diante da

predominância do referido Tratado sobre a norma interna em razão de sua natureza

supra legal e ampliativa do exercício de direitos fundamentais. 2. O Superior

Tribunal de Justiça, por sua vez, orienta-se no sentido de que, embora a Corte

Interamericana de Direitos Humanos tenha emitido recomendações aos Estados

signatários do Pacto de São José da Costa Rica, para fins de proteção dos direitos

fundamentais, tais regras são desprovidas de qualquer valor jurídico, não possuindo

efeito vinculante, mas função meramente instrutória. Entende-se desse modo que,

não obstante se reconheça a liberdade de expressão e acesso à informação como

garantia fundamental, no ordenamento jurídico vigente inexiste qualquer direito de

caráter absoluto, de modo que, possuindo a mesma proteção jurídica, devem ser

compatibilizados com outros de igual valor para a sociedade. 3. Destarte, não foi

descriminalizado o crime de desacato tipificado no artigo 331 do Código Penal,

estando a regra incólume, mesmo diante dos vetores interpretativos emitidos pelo

Pacto de São José da Costa Rica. 4. No que se refere ao crime de corrupção ativa, a

Corte de origem afastou a condenação por entender que inexistem elementos

concretos a demonstrar que a recorrida ofereceu ou prometeu vantagem indevida ao

agente público. Destacou ainda que a pergunta dirigida ao policial não corresponde à

ação exigida para a configuração da figura típica imputada, uma vez que a tratativa

não se desenvolveu. Assim, ao apreciar os elementos probatórios contidos nos autos,

entendeu ausentes os elementos caracterizadores da conduta descrita no art. 333 do

Código Penal. 5. A modificação de tais conclusões depende de novo e aprofundado

exame de fatos e provas, providência inviável em sede de recurso especial, a teor do

enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 6. Recurso Especial a que

se dá parcial provimento, a fim de afastar os fundamentos adotados para absolver a

acusada quanto ao crime de desacato e determinar que o Tribunal de origem prossiga

na análise da apelação defensiva.

(STJ - REsp: 1717019 RJ 2017/0334154-5, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data

de Julgamento: 02/08/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe

24/08/2018)

E, por fim:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM

RECURSO ESPECIAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. RESISTÊNCIA.

DESACATO. ART. 13 DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS

HUMANOS. CRIME DE DESACATO. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356, AMBAS DO STF.

INCIDÊNCIA MANTIDA. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. INÉPCIA DA

DENÚNCIA. ARTS. 41, CAPUT, E 395, INCISO I, AMBOS DO CPP.

REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. DESCRIÇÃO DOS FATOS E DE SUAS

CIRCUNSTÂNCIAS. EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. SÚMULA N. 568/STJ.

INCIDÊNCIA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - A

questão relativa a violação ao art. 13, da Convenção Americana Sobre Direitos

Humanos (atipicidade do delito de desacato) não foi objeto de discussão, específica,

perante o eg. Colegiado a quo, seja quando do julgamento do acórdão recorrido, seja

quando da rejeição dos embargos de declaração ali opostos pela defesa para sanar

qualquer omissão no julgado, esbarrando o pleito recursal no óbice das Súmulas n.

282 e 356, ambas do STF, diante da ausência de prequestionamento do tema.

Decisão mantida. II - Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento

consolidado no sentido de que, "Não padece de inépcia a denúncia que descreve os

fatos tidos por criminosos, possibilitando identificar os elementos probatórios

mínimos para a caracterização do delito e o pleno exercício das garantias

constitucionais do contraditório e ampla defesa, em conformidade com o art. 41,

CPP." (AgInt no AREsp980.381/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da

Fonseca, DJe 22/02/2017). Precedentes. Agravo regimental desprovido.

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(STJ - AgRg no AREsp: 1236448 PA 2018/0015957-8, Relator: Ministro FELIX

FISCHER, Data de Julgamento: 24/05/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de

Publicação: DJe 04/06/2018)

Com essas considerações outrora firmadas nesse trabalho, verifica-se, de forma clara,

a afronta dos legisladores ordinários frente ao Pacto San José da Costa Rica, certo é que a

cultura de observância a preceitos contidos em tratados internacionais não se faz presente no

ordenamento jurídico brasileiro.

Importante frisar, por fim, que, é possível garantir a punibilidade de condutas

excessivas, por meio de crimes já previstos no ordenamento jurídico interno, sem, contudo,

ignorar o Estado Democrático de Direito e privilegiar um grupo seleto de pessoas.

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CONCLUSÃO

A título de conclusão, verifica-se que o Brasil é signatário da Convenção Americana

de Direitos Humanos, que protege a liberdade de pensamento e expressão.

Mostra-se que, apesar de conferido status de supralegalidade aos diplomas assinados

internacionalmente e que, apesar de sua observância ser de caráter imediato, nosso

ordenamento interno criminalizou o crime de desacato, inculpido no artigo 331, do Código

Penal.

Lança-se inviável a disposição do desacato no ordenamento jurídico pátrio, vez que o

conflito com as normas de direito interno do qual o Brasil é signatário retira sua

aplicabilidade.

Importante salientar que, a descriminalização do desacato não visa a impunibilidade,

tendo em vista que há outras formas de punir a ofensa à honra, de forma que não faça

distinções quanto à cargos e funções desempenhadas.

Portanto, considerando que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de

que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos têm status de supralegalidade

(RE 466.343 e HC 87.585), impõe-se reconhecer que o artigo 331 do Código Penal é

inaplicável no Brasil, tendo sido derrogado pela ratificação da Convenção Americana de

Direitos Humanos no Brasil.

Por derradeiro, embora haja repercussão no sentido de abolir o crime de desacato do

Código Penal Brasileiro, para garantir a eficácia dos princípios internacionais, a

jurisprudência brasileira mais recente se manifestou em sentido contrário, e ao que parece,

estamos distantes de atender o posicionamento do Pacto San José da Costa Rica.

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