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    e  J OURNAL USA

    DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA / JUNHO DE 2008 

    VOLUME 13 / NÚMERO 6 

    http://www.america.gov/publications/ejournalusa.html 

    Programas de Informações Internacionais: 

    Coordenador Jeremy F. Curtin

    Editor executivo Jonathan Margolis

    Diretor de criação George Clack

    Redator-chefe Richard W. Huckaby

    Editor-gerente Bruce Odessey 

    Gerente de produção Susan L. Doner

     Assistente de gerente de produção Sylvia Scott

    Produtora Web Janine Perry 

    Editora de cópias Rosalie Targonski

    Editora de fotografia Maggie J. Sliker

    Ilustração da capa Diane Woolverton

    Programador visual Vincent Hughes

    Especialistas em referências Martin Manning 

      Anita N. Green

    Revisora do português Marília Araújo

     

    O Bureau de Programas de Informações Internacionais do

    Departamento de Estado dos EUA publica uma revistaeletrônica mensal com o logo eJournal USA. Essas revistasanalisam as principais questões enfrentadas pelos EstadosUnidos e pela comunidade internacional, bem como asociedade, os valores, o pensamento e as instituições dosEUA.

     A cada mês é publicada uma revista nova em inglês,seguida pelas versões em francês, português, espanhol erusso. Algumas edições também são publicadas em árabe,chinês e persa. Cada revista é catalogada por volume e pornúmero.

     As opiniões expressas nas revistas não refletemnecessariamente a posição nem as políticas do governo dosEUA. O Departamento de Estado dos EUA não assumeresponsabilidade pelo conteúdo nem pela continuidadedo acesso aos sites da internet para os quais há links nasrevistas; tal responsabilidade cabe única e exclusivamente àsentidades que publicam esses sites. Os artigos, fotografiase ilustrações das revistas podem ser reproduzidos etraduzidos fora dos Estados Unidos, a menos quecontenham restrições explícitas de direitos autorais, emcujo caso é necessário pedir permissão aos detentores dessesdireitos mencionados na publicação.

    O Bureau de Programas de Informações Internacionaismantém os números atuais e os anteriores em váriosformatos eletrônicos no endereço http://www.america.gov/ 

     publications/ejournalusa.html. Comentários são bem-vindosna embaixada dos EUA no seu país ou nos escritórioseditoriais:

    Editor, eJournal USAIIP/PUBJ

    U.S. Department of State301 4th Street, SW  Washington, DC 20547United States of America E-mail: [email protected] 

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    Sobre Esta Edição

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     AComissão de Crescimento e Desenvolvimento doBanco Mundial recentemente divulgou relatórioanalisando os fatores que promovem o crescimentoeconômico nos países em desenvolvimento. O grupo deespecialistas internacionais, incluindo dois ganhadores doPrêmio Nobel, constataram que um fator essencial são“governos confiáveis, inclusivos e pragmáticos”. Outrosfatores identificados pela comissão foram “a qualidadedo debate” sobre políticas públicas, o vigor no combateà corrupção e a igualdade de oportunidades — todascaracterísticas amplamente associadas com os sistemasdemocráticos.

    O quadro acima mostra um ponto semelhante.Coloque os 20 primeiros países do Índice de LiberdadeEconômica ao lado dos 20 países do Índice de Democracia.O que vê? Muita sobreposição. Trinta países aparecem nasduas listas. Parece haver, no mínimo, uma associação entreum livre mercado produtivo e uma forma democrática degoverno.

    Michael Mandelbaum, autor do livro Democracy’sGood Name [O Bom Nome da Democracia] , é mais enfático.“A principal fonte de democracia política”, escreve nestaedição da revista eJournal USA, “é uma economia de livremercado. Embora tenham existido e continuem a existirpaíses que praticam a economia de livre mercado, mas nãoa política democrática, não há nenhum país no século 21

    que seja uma democracia política sem ser uma economiade livre mercado.” No entanto, um artigo do ano passadodo professor de políticas públicas Robert Reich publicado

    na respeitada revista Foreign Policy  tem o título: “Como oCapitalismo Está Matando a Democracia”.Certamente, a ligação entre mercados e democracia

    não é uma linha reta. Desde o lançamento de Investigaçãosobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, de Adam Smith, em 1776, grandes pensadores econômicoscomo Max Weber, Joseph Schumpeter e Lester Thurowtêm debatido essa relação complexa. É possível ter livremercado sem democracia? Qual se desenvolve primeiro? Oincentivo poderoso e universal do crescimento econômicopode resultar em mais democracia em países que não sãodemocráticos?

    Os especialistas internacionais que escrevem nestaedição apresentam algumas respostas a essas perguntase apontam algumas variáveis importantes comooportunidades para a criação de riqueza, o papel daconfiança social e conceitos de “voz” e responsabilidade.Nosso objetivo, no entanto, não é resolver um debateintelectual de séculos, mas aprofundar o entendimento denossos leitores sobre as nuances do que é inegavelmenteuma questão de importância para todos no mundo de hoje.

      — Os editores 

    Países mais bem classificados em

    mercados abertos e democracia

    Países em negrito aparecem nas duas listas.

    1. Hong Kong2. Cingapura3. Irlanda4. Austrália5. Estados Unidos6. Nova Zelândia7. Canadá8. Chile

    9. Suíça10. Reino Unido

    11. Dinamarca12. Estônia13. Holanda14. Islândia15. Luxemburgo16. Finlândia17. Japão18. Ilhas Maurício

    19. Bahrein20. Bélgica

    Fonte: Fundação Heritage e The Wall Street Journal 

    20 principais países do Índicede Liberdade Econômica

    1. Suécia2. Islândia3. Holanda4. Noruega5. Dinamarca6. Finlândia7. Luxemburgo8. Austrália

    9. Canadá10. Suíça

    11. Irlanda/Nova Zelândia13. Alemanha14. Áustria15. Malta16. Espanha17. Estados Unidos18. República Tcheca19. Portugal

    20. Bélgica/Japão 

    Fonte: The Economist  ©  The Economist Newspaper Limited 2007.Todos os direitos reservados.

    20 principais países doÍndice de Democracia

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     As Raízes da Democracia ModernaMichael Mandelbaum, Professor of American

    Foreign Policy, Johns Hopkins UniversitySchool of Advanced International StudiesLiberdade e autogoverno são dois componentesda democracia. O livre mercado chega primeiro ecria as condições adequadas para o surgimento dademocracia.

    Democracias Elásticas e GlobalizaçãoChan Heng Chee, embaixadora de Cingapuranos Estados UnidosOs países possuem graus variados de liberdade edemocracia. Mercados abertos são necessários, masnão suficientes para a democracia. Experiênciasrecentes mostram que os mercados abertos precedema democracia.

    OPORTUNIDADES DE RIQUEZA

     As Raízes do Capitalismo ModernoBruce Scott, professor de Administração deEmpresas, Escola de Administração de HarvardO capitalismo e a democracia geralmente não surgem juntos na história. Se poderão continuar a dominaros sistemas mundiais de comércio e governo é umanova questão.

    Marketização sem Democratização na ChinaKellee S. Tsai, professora de Ciência Política,Universidade Johns HopkinsNão esperem que a democracia surja em breve naChina. Uma economia dinâmica e rendas mais altaspodem, em vez disso, apenas promover a prontacapacidade de adaptação do governo.

    Livre Mercado e Democracia: A Experiência CubanaOscar Espinosa Chepe, Economista Décadas de opressão por um governo centralizado jogaram por terra a economia de Cuba. Semliberdade, a população de Cuba não poderá jamaisparticipar de uma economia globalizada.

    O PAPEL DA CONFIANÇA SOCIAL

    Democracia, Livre Iniciativa eConfiança William A. Reinsch, Presidente do ConselhoNacional de Comércio Exterior O livre mercado tende a reforçar a democracia. Algumas vezes a democracia fortalece o livremercado, outras vezes não.

    Economia de Mercado semDemocracia no Golfo Jean-Francois Seznec, professor associado visitante da Universidade de Georgetown A maioria dos Estados do Golfo tem livre mercado,mas não tem eleições livres. Os governantescompartilham os benefícios da expansão econômica,mas não o poder político.

    Democracia e Capitalismo: ASeparação dos GêmeosIvan Krastev, presidente do Centro paraEstratégias LiberaisO medo era que a Europa Central abraçasse ademocracia e rejeitasse a economia de mercado. A situação agora é que a Europa Central aceitouo livre mercado, mas ficou insatisfeita com ademocracia.

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    MERCADOS E DEMOCRACIA

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    Efeitos do Conflito ÉtnicoDoh C. Shin, professor de Ciência Política,e Christopher D. Raymond, assistente de

    ensino de pós-graduação, Universidade deMissouriPesquisas demonstram que reformas políticas eeconômicas reduzem os conflitos étnicos, mesmoem países onde uma minoria étnica domine aeconomia.

     VOZ E RESPONSABILIDADE Sobre Democracia eDesenvolvimento: DesafiandoExtremosSobre Democracia e Desenvolvimento:

    Desafiando Extremos A longo prazo, liberdade de expressão e deimprensa juntamente com responsabilidadedemocrática fazem a diferença positiva nodesenvolvimento econômico.

    Mercados mais Livres Levarãoa um Governo mais Democráticona Rússia?

     Anders Åslund, membro sênior do InstitutoPeterson de Economia Internacional A Rússia voltou a adotar um modelo de governoautoritário, apesar do êxito econômico, do nívelde educação e da sociedade relativamente aberta. A causa disso é a corrupção.

    Bibliografia e Filmografia

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    Liberdade e autogoverno são dois componentes da democra-cia na visão de Michael Mandelbaum. Segundo ele, o livremercado chega primeiro e cria as condições adequadas parao surgimento da democracia. Mandelbaum ocupa a CátedraChristian A. Herter de Política Internacional Americana naEscola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade

     Johns Hopkins em Washington, D.C., e é autor do livroDemocracy’s Good Name: The Rise and Risks of the World’s Most Popular Form of Government [O BomNome da Democracia: A Ascensão e os Riscos da Forma de

    Governo Mais Popular do Mundo] (Public Affairs, 2007).

     Ademocracia tem mostrado uma incrível evolução aolongo das três últimas décadas. Em 1900 apenas dezpaíses podiam ser considerados democráticos. Emmeados do século o número havia aumentado para 30, e25 anos mais tarde ainda permanecia o mesmo. Em 2005,contudo, 119 dos 190 países existentes eram democracias.Como isso aconteceu? Para responder a essa perguntaé importante começar com um entendimento claro da

    própria democracia.Para aqueles que usam o termo — e isso inclui quase

    todo mundo — democracia é um sistema político único,integrado e prontamente identificável. Do ponto devista histórico, no entanto, como descrevo em meu livroDemocracy’s Good Name: The Rise and Risks of the World’s

     Most Popular Form of Government , a democracia resultouda fusão de duas tradições políticas que, até bem depoisdo início do século 19, não eram apenas distintas, mastambém vistas, por muitos, como totalmente incompatíveis

    uma com a outra. As duas tradições políticas são liberdade e soberania

    popular ou autogoverno. A liberdade pertence aosindivíduos em particular, enquanto a soberania popular épropriedade da comunidade como um todo. Liberdade tema ver com o que os governos fazem ou, mais precisamente,o que não podem fazer a seus cidadãos — eles são proibidosde cercear as liberdades individuais. Autoverno, aocontrário, tem a ver com a forma de escolha dos governos— eles são escolhidos pelo povo. O autogoverno, portanto,

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     As Raízes da Democracia Moderna Michael Mandelbaum

    A liberdade de expressão e outras liberdades na Coréia do Sul são resultado do livre mercado   A   h  n   Y  o  u  n  g -   J  o  o  n   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    responde à pergunta sobre quem governa, enquantoa liberdade prescreve as normas de procedimento dosgovernantes, as regras que impõem limites às suas ações.

    Os dois componentes da democracia têm históriasdiferentes. A liberdade é a mais antiga das duas. Ela tevetrês estágios de desenvolvimento. A liberdade econômica,na forma de propriedade privada, pertence à tradiçãoda Europa Ocidental proveniente da Roma Antiga. Aliberdade religiosa nessa tradição — liberdade de culto —é antes de tudo o resultado da divisão da Europa Cristãcausada pela Reforma Protestante dos séculos 16 e 17. A liberdade política surgiu depois das outras duas — a

    Grã-Bretanha do século 18 foi a primeira localidade a teralgo parecido com a moderna liberdade política — e issoimplica a ausência de controle governamental sobre asliberdades de expressão e reunião e a participação política.

     A soberania popular irrompeu no cenário mundialcom a Revolução Francesa de 1789, que avançou a idéiade que o poder soberano deveria ser do povo como umtodo e não de monarquias hereditárias. Uma vez que aidéia de o povo governar-se a si próprio diretamente,durante todo o tempo, é impraticável, foi criado um

    veículo para a soberania popular: governo representativo,no qual todos os cidadãos adultos têm o direito ao votoe escolhem seus representantes em eleições livres, justas eabertas.

     Até a segunda metade do século 19, era crença geralque a soberania popular destruiria a liberdade. Acreditava-

    se que se os indivíduos tivessem o poder supremo nassociedades em que viviam, eles usurpariam os bens dosricos e imporiam conformidade política e social a todos.Duas obras clássicas de análise política do século 19,o estudo em dois volumes A Democracia na América ,do aristocrata francês Alexis de Tocqueville, e o ensaio“Sobre a Liberdade”, do inglês John Stuart Mill, ressaltamprecisamente esse perigo. Contudo, até o século 20, estavaclaro que liberdade e soberania popular podiam coexistirpacificamente, como ocorre hoje em muitos países aoredor do mundo.

    R EDE DE PROTEÇÃO SOCIAL

    No final do século 19 e nas primeiras décadas doséculo 20, uma importante razão para a fusão bem-sucedida das duas foi o desenvolvimento de programasgovernamentais de proteção social — pensões para idosos,seguro-desemprego e benefícios de assistência médica —que passaram a ser conhecidos, coletivamente, como redede proteção social ou estado de bem-estar social. Comocada cidadão tem direito a esses benefícios, o estado debem-estar social, na realidade, universalizou a distribuição

    da propriedade, o que, por sua vez, tornou a instituiçãoda propriedade privada mais aceitável do que poderia tersido.

     A combinação de bem-estar social com liberdade esoberania popular tornou a democracia atraente. Assimtambém a história moderna seguiu nessa direção, quelevou as democracias a se tornarem os países mais ricos epoderosos do mundo — a Grã-Bretanha no século 19 e osEstados Unidos no século 20. Nada é mais bem-sucedidodo que o sucesso, e porque os países mais bem-sucedidosdo mundo na segunda metade do século 20 — EuropaOcidental e Japão, bem como os Estados Unidos e Grã-

    Bretanha — eram democracias, outros começaram aimitá-los.No entanto, uma coisa é aspirar à criação de um

    sistema de governo democrático, e outra bem diferenteé realmente colocá-lo em funcionamento. Nesseponto, é importante ressaltar a diferença entre os doiscomponentes da democracia. A soberania popular é umprincípio político relativamente fácil de implementar.Eleições livres podem ser realizadas de forma rápida eeconômica em quase toda parte.

    O Dia da Bastilha em Paris comemora o nascimento da soberania popular    M   i  c   h  e   l   L   i  p  c   h   i   t  z   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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     A liberdade, no entanto, é bem mais difícil de seralcançada. Ela requer instituições, inclusive, um sistema jurídico forte. Requer igualmente pessoas com habilidadese experiência para fazer essas instituições funcionarem. Aliberdade só pode florescer em uma sociedade na qual osvalores que apóiam essas instituições, tais como o respeitoao Estado de Direito, são comuns. Essas instituições,habilidades e valores não podem ser criados de imediatoe não podem ser prontamente importados do exterior.Na Grã-Bretanha, por exemplo, eles evoluíram ao longode muitos séculos. Isso levanta a questão de onde seoriginam. Como sociedades que carecem de instituições epráticas democráticas conseguem ter acesso a elas?

     A principal fonte de democracia política, comoexplico em Democracy’s Good Name , é uma economia delivre mercado. Embora tenham existido e continuem aexistir países que praticam a economia de livre mercado,

    mas não a política democrática, não há nenhum país noséculo 21 que seja uma democracia política sem ser umaeconomia de livre mercado. A maioria dos países nosquais a democracia surgiu no último trimestre do século20, em especial no Sul da Europa, na América Latina e noLeste e Sudeste Asiático, tinha contado no mínimo com ovalor da experiência de uma geração na operação de umaeconomia de mercado em funcionamento.

    MERCADOS FOMENTAM  A DEMOCRACIA

    Mercados livres fomentam a democracia de quatro

    formas diferentes. Primeiro, na essência de toda economiade livre mercado encontra-se a instituição da propriedadeprivada, e a propriedade privada em si mesma é umaforma de liberdade. Um país com livre mercado emfuncionamento, portanto, já tem um componenteimportante de democracia política.

    Segundo, mercados livres geram riqueza, e muitosestudos têm mostrado que quanto mais rico for umpaís, maior será a probabilidade de ele ser governadodemocraticamente. Pessoas ricas, ao contrário das pobres,têm tempo para a participação política que a democraciaexige. A riqueza cria o que historicamente tem sido o pilar

    da democracia: uma classe média.Terceiro, o livre mercado é o núcleo do que oscientistas sociais chamam de sociedade civil, a qualconsiste de organizações e grupos em uma sociedadeque são independentes do governo, tais como sindicatosde trabalhadores e associações religiosas e de classe. Asociedade civil fica entre o governo e o indivíduo. Elalimita o poder do governo e fornece o espaço social paraatividades fora da esfera governamental. As organizaçõesda sociedade civil contam com a economia de livre

    mercado para financiá-las. Não pode haver democraciasem sociedade civil e sociedade civil sem uma economia de

    livre mercado em funcionamento.Quarto, o livre mercado cultiva dois hábitos essenciaispara a política democrática. Um é a confiança. Em umademocracia os cidadãos precisam confiar que o governonão restringe seus direitos e as minorias precisam confiarque a maioria não causa danos a elas ou as persegue.Em uma economia de livre mercado, compradores evendedores precisam confiar que o outro cumpre ostermos de seus contratos; caso contrário, não haverácomércio.

    O outro hábito fomentado pelo mercado que écrucial para a democracia é a solução de compromisso. Narealidade, a democracia pode ser definida como o sistemapolítico no qual o acordo pacífico em vez da violência ouda coerção resolve as diferenças inevitáveis em qualquersociedade. As pessoas aprendem a chegar a um acordopor meio das atividades diárias de uma economia de livremercado: comprador e vendedor devem sempre chegara um meio-termo no preço de negociação, uma vez queo vendedor sempre quer ganhar mais do que recebe e ocomprador sempre quer pagar menos do que dá.

    No início do último terço do século 20, o livremercado passou a ser considerado praticamente em todolugar como a melhor forma de organização econômicapara gerar prosperidade. Toda sociedade quer ser próspera,

    razão pela qual quase todas elas implantaram, ou tentaramimplantar, a economia de livre mercado. Porque a primeiratende a promover a segunda, a disseminação do livremercado tem feito mais do que qualquer outra coisa parapossibilitar a incrível ascensão da democracia em todo omundo.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

    A China passou a proteger a propriedade privada, por si uma forma deliberdade

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    Os países possuem graus variados de liberdade e democracia,de acordo com Chan Heng Chee, embaixadora de Cingapuranos Estados Unidos. Mercados abertos são necessários, masnão suficientes para a democracia. Com exceção da Índia,experiências recentes sugerem que os mercados abertos precedema democracia, diz ela. Este ensaio foi adaptado a partir deapresentação feita em 18 de setembro de 2007, na Faculdadede William e Mary, em Williamsburg, na Virgínia.

     Ademocracia anglo-americana baseia-se nomodelo parlamentar do Reino Unido ouna separação de poderes do sistema políticoamericano. Seu funcionamento correto pressupõea existência de liberdade de expressão, liberdadede reunião, eleições livres e Estado de Direito.Qualquer país que se autodenomine umademocracia deve ser fiel a esses elementos.

    Mas, ao redor do mundo, a democracia éelástica. Pode haver mais ou menos democracia,e pode haver graus maiores ou menores de

    liberdade. Malásia e Cingapura são menosdemocráticas que Japão e Coréia do Sul, mas sãomais democráticas que Tailândia e Egito.

    Minha opinião é que os mercadossão necessários, mas não suficientes para ademocracia. Nunca se viu um país democráticosem algum grau de abertura de mercado, e nuncase viu um país totalmente fechado para o mundoexterior que não fosse também autoritário outotalitário. A Birmânia (Mianmar) quase não temmercados e nenhuma democracia. A Coréia doNorte não tem nem mercados e nem democracia.

    O que vem primeiro, mercados oudemocracia? Qual é ou deveria ser a ordem?

    OS QUATRO TIGRES

    Observando os desdobramentos políticosna Ásia, eu diria que os mercados são anterioresà democracia. Os quatro tigres — Coréia doSul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura — eramsistemas autoritários e tornaram-se mais abertoscom a adoção de uma economia de mercado

    voltada para exportação. Todos eles obtiveram grandesucesso econômico, chegando a um crescimento médio de8% a 9% ao ano após quase duas décadas.

     A entrada em um mundo de mercados requerdisciplina, Estado de Direito, transparência e acessoà informação. Essas mudanças fazem com que umaclasse média próspera sirva como base sólida para umademocracia estável. Os países que abraçam a economiamundial também abraçam a globalização, o que leva àdemocratização e ao equilíbrio.

    Democracias Elásticas e GlobalizaçãoChan Heng Chee

    Cingapura prosperou na indústria têxtil e em outras antes de rumar em direção àdemocracia

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    Compare os caminhos da Rússia e da China. A UniãoSoviética, com Mikhail Gorbachev, escolheu a glasnost  (abertura) antes da perestroika  (reestruturação econômica),acelerando o colapso soviético. Mas hoje a Rússia tornou-se mais centralizada, e os Estados Unidos estão pouco àvontade com esse afastamento da democracia.

     A China escolheu a perestroika  primeiro. Desde 1978,a China tem passado por um crescimento econômicoempolgante. A classe média está crescendo, a internet estáfazendo barulho e as liberdades sociais são permitidas.Pode-se viajar ao exterior, e o fluxo de idéias corre juntocom o investimento estrangeiro direto. Creio que osistema político chinês irá mudar para acompanhar osistema econômico em rápida evolução. A concorrênciaexige isto. A democracia chinesa pode não se assemelharà anglo-americana, mas eleições, liberdade de expressão ecapacidade de responder aos anseios do povo virão.

     A Índia é o país da Ásia onde a democracia veio antesda abertura dos mercados. Agora a Índia está abrindo seus

    mercados e participando da economia mundial na medidacerta. Eles terão seu boom. A Índia pode ser a rara exceçãoonde a democracia se estabeleceu com sucesso antes dosmercados.

    O PAPEL DOS EUA

    Desde o final da Segunda Guerra Mundial, os EstadosUnidos e seus aliados europeus têm se empenhado emestabelecer um sistema comercial global aberto e imparciale um sistema estável de câmbio. Os acordos internacionais

    resultaram em enormecrescimento do comércio edas atividades bancárias efinanceiras no mundo inteiro.Eles permitem que países recém-independentes e soberanosque aceitaram esse sistema

    desenvolvam-se e prosperemsem ter de pensar em recorrera conflitos para atingir metaseconômicas.

     Junto com os mercados ecomércio abertos, os EstadosUnidos lideraram a promoçãoda democracia. Para que ospaíses aceitassem e tivessemsucesso com a experiênciademocrática, os mercadosabertos eram vistos como

    essenciais. Os Estados Unidosmantiveram seus mercadosabertos enquanto exportavam

    mercados de capitais e tecnologia.Na Ásia, quando pensamos nos

    Estados Unidos, pensamos em democracia e em mercadoslivres.

    Desde a Guerra Fria, os Estados Unidos e a Europacomeçaram a promover a democracia e os direitos humanos junto com a desregulamentação econômica em regimesautoritários e totalitários. Foi o Consenso de Washington.Na Ásia, a promoção agressiva desse consenso está associadaà aceleração e ao agravamento da crise financeira asiática de1997.

    Creio que os Estados Unidos ainda têm interesse empromover a democracia. Mas, paradoxalmente, os EstadosUnidos estão se tornando protecionistas. Se os EstadosUnidos querem ver o florescimento da democracia, nãopodem fechar seus mercados. As novas democracias serãoasfixiadas se impedidas de funcionar e prosperar por meioda produtividade e das regras globalmente estabelecidas do jogo.

    Quando estudantes chineses se opuseram às

    autoridades em Tiananmen, eles erigiram a Estátua daLiberdade como ícone. Isso porque os Estados Unidosapóiam a independência e a liberdade. É isso que exportam.Se os Estados Unidos se tornarem protecionistas, mepergunto qual ícone ofereceriam como exemplo? Não podeser essa a imagem que os Estados Unidos querem ter.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

    O sistema econômico da China está em rápido desenvolvimento. O sistema político também mudará?   E   l   i  z  a   b  e   t   h   D

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    O capitalismo e a democracia geralmente não surgem juntosna história, segundo Bruce Scott. Se poderão continuar adominar os sistemas mundiais de comércio e governo é umanova questão, diz ele. Scott é professor de Administração deEmpresas da Cátedra Paul Whiton Cherington na Escolade Administração de Harvard e autor de um livro ainda no

     prelo intitulado Capitalism, Democracy and Development [Capitalismo, Democracia e Desenvolvimento], a ser

     publicado pela Springer Verlag ainda este ano.

    D esde pelo menos a publicação doextraordinário livro de Alexis de Tocqueville ADemocracia na América , em 1835, os EstadosUnidos passaram a ser conhecidos por seu tipo especialde casamento do capitalismo com a democracia —tomadas de decisão descentralizadas tanto no campoeconômico quanto político.

    Embora não hajaconsenso sobre a definiçãode capitalismo, desde 1990esse sistema econômicotornou-se quase universal,incluindo a China e aÍndia, mas deixando defora Cuba e a Coréia do

    Norte.Democracia é ainda

    mais difícil de definir, e onúmero de democraciasvaria de acordo coma definição usada. Ocientista político daUniversidade de YaleRobert Dahl calculaque mais da metade dos200 países-membrosdas Nações Unidas,abrangendo talvez doisterços da populaçãomundial, possa ser

    considerada democrática.Com isso, o capitalismo, apesar da definição

    imprecisa, passou a exercer domínio quase total daeconomia global, e a democracia tornou-se o modelonormativo, ainda que menos dominante na realidade:a China construiu um imenso sistema capitalista desucesso, mas ainda mantém um regime autoritário.

    Precisamos de uma definição mais precisa de

    capitalismo e democracia para podermos prever secontinuarão a dominar os sistemas de comércio egoverno. Em primeiro lugar, existem vários modelosde capitalismo; o modelo americano, por exemplo, édiferente do europeu, cuja regulamentação de mercado émais rigorosa e a distribuição de renda, mais igualitária.

    Em segundo lugar, as discussões sobre democraciatendem a enfocar os processos para a participação docidadão, deixando de considerar se essa participaçãorealmente garante resultados democráticos. O presidente

     As Raízes do Capitalismo ModernoBruce Scott

    Acabar com os controles fronteiriços, como aqui na fronteira entre a Alemanha e a Polônia, sinaliza liberdadede movimento, uma exigência do capitalismo

       Z

       b  z   i  s   t  a  w   R  o  w  a   l  e  w  s   k   i   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

    Oportunidades de Riqueza 

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     Abraham Lincoln, em discurso proferido em 1863 emGettysburg, considerou a Guerra Civil um teste parasaber se o “governo do povo, pelo povo, para o povo”perduraria. Como inferiu Lincoln, governo pelo povonão garante governo para o povo. Na época em que

    Lincoln fez essas declarações, os Estados Unidos jáhaviam usufruído um século de governo pelo povo e, noentanto, fechavam os olhos para a escravidão, como se osnegros não fossem gente. Praticamente da mesma forma,fecharam os olhos para os direitos políticos das mulheres.

     Além disso, o modelo constitucional americanodivide a soberania entre os três poderes do governo —legislativo, executivo e judiciário —, ao passo que amaioria dos regimes democráticos segue o precedentebritânico, concentrando a soberania na câmara baixa dolegislativo eleita pelo povo.

    DEFINIÇÃO DE CAPITALISMO

     A seguir apresentamos uma tentativa de definiçãooperacional do capitalismo, para mostrar sua origem nahistória e sugerir algumas condições favoráveis — e talvezessenciais — para a democracia.

    Muitos economistas definem o capitalismo maisou menos como um sistema de direitos de propriedadecoextensivo com mercados para produção e consumo debens e serviços, governado pela “mão invisível”, para usar afamosa metáfora de Adam Smith, que estabelece preços deacordo com a demanda e a oferta.

    Prefiro a definição de capitalismo de alguns cientistaspolíticos como um sistema de governança cuja origemestá na permissão do Estado para que atores não estataisexerçam o poder econômico, sujeitos a um conjunto denormas e regulamentações. De acordo com essa definição,o capitalismo depende de uma delegação de poder doEstado para atores econômicos e do poder coercitivodo Estado para elaborar, monitorar e, no final, aplicar aregulamentação do mercado. O mecanismo de formação depreços coordena a oferta e a demanda em um determinadosistema de mercado, ao passo que a mão visível do governo

    põe o sistema em prática e o mantém atualizado.Embora o Estado precise prestar contas de sualegitimidade, não é necessário que essa prestação decontas seja feita a um governo eleito democraticamentepara que o capitalismo floresça. Veneza, talvez o primeiroexemplo de capitalismo sustentado (pelo menosdesde antes de 1200), não era uma democracia; eraessencialmente uma monarquia constitucional, com suassete ilhas tendo formado uma união voluntária governadapor um duque eleito.

    O capitalismo surgiu bem antes dos Estadosdemocráticos de grande escala, e os cientistas políticosconsideram a existência de decisões descentralizadasna economia baseadas no mercado um pré-requisitopara a descentralização do poder político por meio da

    democracia.Embora, ao que tudo indique, a democracia em

    âmbito municipal remonte aos tempos da Grécia eda Roma antigas, nenhum Estado democrático eraclaramente aparente antes das observações de Tocquevillesobre os Estados Unidos, e seu exemplo americanoé o único caso em que, segundo argumentam algunsespecialistas, os dois sistemas — governo democrático ecapitalismo — desenvolveram-se juntos a partir mais oumenos de 1630.

    O historiador Fernand Braudel, que atribui as origensdo capitalismo a 1400-1800, admitiu ser incapaz de

    definir o capitalismo, embora tenha reconhecido de formasignificativa que era um sistema de relações econômicasincompatível com o feudalismo, outro sistema de relaçõeseconômicas. O comércio de bens e serviços existiu emmuitos contextos feudais, como entre os astecas, os incas,no Japão dos Xoguns, na China imperial, na Índia e entreos otomanos.

    TRANSFERÊNCIA DE PODER 

    O capitalismo exige livre movimentação e empregoda mão-de-obra, bem como o direito de comprar e venderterras, o que não era compatível com o feudalismo.Reconhece o pagamento de juros como retorno legítimosobre o capital e concede direito a atores não estataisde mobilizar capital por meios legais como parcerias,sociedades por ações e a corporação moderna. Todas essasliberdades implicam não apenas o fim do feudalismo, mastambém a disposição do Estado soberano de transferiresse poder a atores não estatais.

    Esse conceito deixa claro que o capitalismo surgiu naEuropa muito antes do que em qualquer outro lugar, comexceção dos Estados Unidos, para onde os colonizadores

    europeus levaram muitas de suas idéias e instituições.Por que o capitalismo surgiu na Europa? Não existeuma única resposta, mas um elemento importante epeculiar da experiência européia foi a existência de guerrasde forma praticamente contínua nos séculos 16 e 17. Essacompetição político-militar exerceu grande pressão sobreas unidades políticas existentes na Europa, estimadas emcerca de 500 em 1500, em apenas 40 no fim das guerrasnapoleônicas em 1815 e em 25 em 1940.

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     Assim como ocorre com a concorrência econômicaatualmente, as chances de sobrevivência de uma entidadepolítica naquela época eram muito maiores se dispusessede um exército eficiente, e o tamanho das armas e dosexércitos aumentou de forma expressiva ao longo dosséculos. Para ter condições de sobrevivência, as entidadespolíticas precisavam de dinheiro ou, pelo menos, de poderemprestado. A descentralização do poder aos pretensosempreendedores e comerciantes era uma fonte potencialde renda para os governantes que aceitassem o poderdescentralizado. E as monarquias constitucionais, quepediam dinheiro emprestado com o consentimento dosparlamentos, obtinham empréstimos com custos muitomais baixos.

     As precondições históricas para o capitalismoparecem ter sido, de um lado, as ameaças competitivasà soberania e à autonomia e, de outro, um governo que

    prestasse contas. O Japão, a China, a Índia e o ImpérioOtomano passaram séculos sem dispor de nenhuma delas. As precondições para a democracia parecem

    incluir o controle das forças militares e da polícia porautoridades eleitas; um Estado que detenha o monopóliodo poder coercitivo, inclusive dos poderes coercitivos dostribunais e o poder para oferecer segurança às pessoas eà propriedade; a existência de mercados para produçãoe consumo; e a aceitação de valores do Iluminismo,

    notadamente a idéia deque a maior autoridadepolítica é investida deinstituições humanasderivadas da racionalidade

    humana.Inúmeras condições

    favorecem a continuidadeda democracia, entreelas, rendas maisaltas, impedimento dedesigualdades excessivasna distribuição de riquezae poder, uma classe médiaforte e bem mobilizada ea aceitação de um códigode ética para equilibrar

    o interesse próprio e asresponsabilidades dacidadania.

    Outras condiçõespodem ameaçar ademocracia. Uma delas são

    as grandes fontes de renda não ganha, como as chamadasrendas provenientes das concessões para exploraçãodo petróleo. A Nigéria e a Venezuela são exemplos. Arenda não ganha torna-se uma imensa fonte de riquezae influência para líderes do governo e, assim, umtrampolim para o poder ilimitado.

     A construção das condições básicas para sustentar ademocracia demora décadas, e o início prematuro podenão apressar o processo, como comprovado na Bósnia,em Kosovo, no Iraque, no Líbano e na Cisjordânia.Vários países europeus, como a Grã-Bretanha e aHolanda, eram bem governados muito antes de setornarem democracias.

    Constituições e eleições por si só não significamnecessariamente democracia, como evidenciado em paísescomo Nigéria, Venezuela e Zimbábue. As constituiçõese as eleições podem ser manipuladas pelos líderes eleitos,

    e concentrar-se no estabelecimento desses aspectosprocedimentais de governo pelo povo pode, de fato,atrasar sua criação, quanto mais a criação do governo parao povo, o que é ainda mais difícil.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posiçãonem as políticas do governo dos EUA.

    Manifestantes da oposição algemados levantam as mãos na Venezuela, onde a democracia está desaparecendo   H  o  w  a  r   d   Y  a  n  e  s   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    Não esperem que a democracia surja em breve na China,diz Kellee S. Tsai. Uma economia dinâmica e rendas maisaltas podem, em vez disso, apenas promover a pronta capaci-dade de adaptação do governo, diz ela. Kellee Tsai é profes-sora de Ciência Política da Universidade Johns Hopkins emBaltimore, Maryland.

    Em 1978 a China nem sequer mantinha estatísticasoficiais sobre empresas privadas porque elas

    eram ilegais e em número insignificante. Apenastrês décadas depois, o setor privado representa oprincipal motor de crescimento da economia chinesa.Em 2008 existem mais de 34 milhões de empresasprivadas, empregando mais de 200 milhões de pessoas erespondendo por 60% do produto interno bruto do país.

    O ritmo espetacular de desenvolvimento do setorprivado levou muitos observadores a especular que o paísestivesse desenvolvendo uma classe capitalista que exigiriademocracia. Essa expectativa baseia-se na lógica de que

    uma classe mercantilcada vez maispróspera derrubará ogoverno autoritáriocom o espírito de“impostos só comrepresentação”,restabelecendo,

    assim, o padrão dedesenvolvimentodemocrático daGrã-Bretanha e dosEstados Unidos.

    Contudo,essa sabedoriaconvencional sobre arelação causal entremercados livres eliberdade política nãose aplica à situaçãoatual na China. Osempreendedores

    privados não estão agindo em conjunto para pressionarpor democracia, e os que insistiram em criticar o PartidoComunista Chinês são censurados, reprimidos ouexilados. Em vez de liberalização política, a ampliação dasforças de mercado promoveu a capacidade de adaptaçãoautoritária e a durabilidade do regime na China.

    C APITALISTAS DIVIDIDOS

    Os empresários privados da China não constituemuma “classe capitalista” distinta com identidade einteresses comuns. Camelôs e donos de restaurantestêm preocupações diferentes das dos magnatas dosetor imobiliário e dos proprietários das 500 empresasda revista Fortune . Os recém-surgidos milionários ebilionários acumularam sua riqueza sob o regime políticoatual. Os vendedores ambulantes e os proprietários defábricas de fundo de quintal estão muito ocupados como trabalho para avaliar o quanto uma transição para a

    Marketização sem

    Democratização na China Kellee S. Tsai

    Os empreendedores chineses acumularam riquezas sob a direção do Partido Comunista   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

    Oportunidades de Riqueza 

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    democracia poderia aliviar suas queixas do dia-a-dia.Mas até os capitalistas das camadas médias — que

    poderiam parecer compartilhar interesse econômico naparticipação política para garantir o Estado de Direito e aproteção dos direitos de propriedade privada — não têm

    uma base comum. Suas diferentes identidades políticas esociais impedem uma ação coletiva de classe.

    Dada a introdução relativamente recente dasreformas de mercado, o setor privado chinês é compostode pessoas provenientes de origens extremamentediversas. Alguns empreendedores privados eramcamponeses que abandonaram a agricultura comunitáriapara montar um estabelecimento comercial no iníciodo período da reforma. Alguns são ex-funcionáriospúblicos que ingressaram no setor privado por terem sidodespedidos ou subempregados. Outros são intelectuaismarginalizados ou ex-burocratas decepcionados que

    desistiram da política para ganhar a vida de forma digna.E uma boa quantidade dos empreendedores privados sãomembros do Partido Comunista que se aproveitaramde suas ligações políticas para obter acesso preferencial acrédito bancário, terras e outros ativos do Estado.

    Esses tipos de diferenças impedem a formaçãode uma classe e a ação coletiva de classe. Na verdade,pouquíssimos empreendedores se consideram“capitalistas”, preferindo, ao contrário, ser identificadoscom suas ocupações anteriores.

    CHINA FRAGMENTADA

    Seria possível argumentar que a classe capitalistadividida na China é apenas um fenômeno de curtoprazo. Talvez a próxima geração de empreendedoresprivados desenvolva mais coerência como classe e chegueà conclusão que um regime democrático seja melhor paraseus interesses. Talvez eles se unam para dar início a umatransição democrática. Embora plausível, esse cenárioainda não é convincente.

     Antes de tudo, nas minhas pesquisas sobreempreendedores privados, a maioria indica preferir que

    seus filhos — ou, mais tipicamente, o único filho —tenham uma boa educação, tornem-se profissionais deserviços administrativos ou funcionários do governoem vez de donos de empresas. Na maioria dos casos, oscapitalistas de hoje não pretendem que suas atividadescomerciais sejam seguidas pelas próximas gerações.Mesmo que os pais empreendedores tenham êxito em suatrajetória, o lucro privado é simplesmente um meio detransição para conseguir uma forma de subsistência maisrespeitável. Mesmo que as empresas privadas atuais sejam

    passadas para as próximas gerações — o que seria umapequena minoria dada a alta rotatividade nos registros deempresas — é improvável que eles se aglutinem em umaforça política pró-democracia.

    Os capitalistas que atuam em setores semelhantes

    e com volumes comerciais semelhantes têm queixas eopiniões políticas diferentes em razão das diferenças locaisem termos de políticas voltadas para o setor privado. Assim como as identidades dos empresários chinesesvariam significativamente de acordo com a origem,suas experiências operacionais atuais também variam deacordo com a região.

     Algumas localidades são conhecidas por oferecercondições particularmente favoráveis às empresasprivadas. Um exemplo notável é Wenzhou na costa sul daprovíncia de Zhejiang. Muito antes de o governo centrallegalizar as empresas privadas, as autoridades locais de

     Wenzhou já permitiam que seus agricultores carentesadministrassem estabelecimentos comerciais de varejo epequenas fábricas.

    De forma inversa, outras localidades discriminaramsistematicamente o capital privado durante o períododa reforma. Governos locais em áreas que herdaramda era Mao (1949-1976) grandes setores estatais ecoletivos mostram-se mais relutantes em conceder aosempreendedores privados acesso a recursos importantes(por exemplo, empréstimos bancários) e necessários paragerir seus negócios. De forma semelhante, localidadesque receberam injeções substanciais de investimentosestrangeiros diretos continuam a tratar melhor osinvestidores estrangeiros do que seus pares nacionais.

     Assim, os capitalistas chineses enfrentam diferentestipos de desafios de acordo com a região do país emque operam e, conseqüentemente, sua capacidadede influência política varia. As associações de classeorganizadas de forma autônoma em Wenzhou trabalhamativamente em defesa de seus membros, ao passo queas associações comerciais em outras localidades sãodominadas pelo governo e de pouca ajuda para osempresários. Nesse sentido, a fragmentação demográfica

    interna dos capitalistas é espelhada na variação espacialdas atividades econômicas privadas. Se empreendedoresdescontentes de uma localidade tornam-se politicamentemais incisivos, então terão dificuldades para angariarapoio em âmbito nacional para suas demandas.

    DISSIDÊNCIA REPRIMIDA

    Empreendedores privados não constituem o únicosegmento da sociedade chinesa a enfrentar limitações

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    territoriais para a ação política organizada. Agricultores,trabalhadores e intelectuais que guardam insatisfaçõesenfrentam desafios semelhantes na mobilização de apoioalém da sua região.

    Nos últimos anos, cresceu significativamente onúmero de protestos e manifestações. Segundo estatísticasoficiais houve 58 mil protestos em 2003, 74 mil em2004 e 87 mil em 2005. Embora a maior mobilidadeda população e a disseminação de novas tecnologiasde comunicação tenham destruído algumas barreirasorganizacionais da era pré-reforma, esses protestos ficaramlimitados a localidades específicas.

    O único movimento que apresentou sério potencialde desafio ao regime foi o Partido Democrático da China(PDC), que teve vida curta. Em 1998 foram montadoscomitês locais do PDC em 24 províncias e cidades. Masas autoridades prontamente detiveram, prenderam ouexilaram os líderes do PDC, frustrando os esforços paraestabelecer o partido em âmbito central.

     A subseqüente punição dos seguidores do FalunGong em 1999-2000, a quarentena de cidadãos duranteo surto de Sars (síndrome respiratória aguda grave) em2003 e a repressão devastadora contra manifestantestibetanos em 2008 são mais provas de que Pequim

    mantém a capacidade de controlar a população emtempos de crise.

    C APACIDADE DE  ADAPTAÇÃO COMUNISTA

    Observadores que esperam uma transiçãodemocrática na China vêem que a disseminação dasforças de mercado foi associada com um grande númerode efeitos desestabilizadores, incluindo o patente aumentoda desigualdade de renda e maiores oportunidades paraa corrupção oficial. Embora a incidência de protestostenha aumentado, os capitalistas — a suposta classe da

    democracia — estão ausentes dessas manifestações dedescontentamento. Ademais, poucos desses protestostiveram como objetivo desafiar o monopólio do poderpolítico pelo Partido Comunista Chinês. Até mesmo atentativa de estabelecer o PDC se deu por meio de canaisadministrativos normais — ou seja, dentro das regras dosistema político atual.

    Em última instância, as reformas de mercadona China sob o regime autoritário geraram de formainesperada altas taxas de crescimento econômico,que beneficiaram um amplo grupo representativo dasociedade. Os beneficiários desse modelo capitalistaautoritário de desenvolvimento não estão dispostos aexigir reformas políticas que possam desestabilizar asociedade e prejudicar a continuidade do crescimento.

     Além disso, em seus 87 anos de existência, o PartidoComunista Chinês demonstrou extraordinária capacidadede se redefinir e se revigorar com mudanças drásticasna ideologia, na composição de seus membros e nosobjetivos políticos. Até agora, a virada de adaptaçãopara a marketização provou ser fonte de legitimidade dopartido em vez de sua derrocada. Por essas razões, a Chinacontemporânea continua a se esquivar da associação

    popular entre liberdade econômica e liberdade política.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posiçãonem as políticas do governo dos EUA.

    O Partido Comunista Chinês se adaptou e, até agora, tem prosperadocom as reformas econômicas

       G  r  e  g   B  a   k  e  r   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    O economista dissidente cubano Oscar Espinosa Chepe afirmaque décadas de opressão por um governo centralizado joga-ram por terra a economia de Cuba. Sem liberdade, diz ele,a população de Cuba não poderá jamais participar de umaeconomia globalizada.

    Depois de quase 50 anos de totalitarismo emCuba, a perda da liberdade — em especial aviolação da liberdade de movimentação no

    mercado — teve efeitos devastadores na sociedadecubana em todos os aspectos. O processo quecomeçou em 1959 e criou tantas ilusões com otempo transformou-se em um s istema opressivo quebloqueou o progresso do país.

    Com o pretexto de estabelecer um sistema de“desenvolvimento harmonioso e proporcional”, o

    livre mercado dopaís foi substituídopor um mecanismode planejamentocentralizado, aos moldesda União Soviética,

    baseado em umaobstinação severa quecriou várias distorções eum enorme desperdíciode recursos. Essa situaçãofoi mantida até o fim dadécada de 1980 graças asubsídios colossais, quefinalmente levaram asociedade cubana à piorcrise de sua história,situação ainda nãosuperada.

    Pode-se perguntar:qual foi o motivopara a substituiçãodo livre mercado do

    país, ferramenta essencial para a distribuição de recursos,por um planejamento centralizado burocrático? Por queo sistema é mantido apesar dos repetidos fracassos dacentralização? A resposta a essas perguntas é que o sistemaé baseado em interesses de um grupo de pessoas cujoúnico objetivo é manter poder absoluto sobre a sociedade

    cubana. Por esses objetivos totalitaristas, a lucratividadepolítica do sistema é óbvia, não obstante os níveis demiséria, atraso e degradação que produzem.

    PERDA DA LIBERDADE ECONÔMICA

     A mesma explicação mostra as razões para o confiscoem massa de propriedades em Cuba — muito mais do queem outros países que sofrem com sistemas centralizados—, assim como para as tentativas de banir todos os traços

    Livre Mercado e Democracia: A Experiência Cubana 

    Oscar Espinosa Chepe

    Em 1959, Fidel Castro deu início a um regime repressivo que levou Cuba à catástrofe   ©   A   P   I  m  a  g

      e  s

    Oportunidades de Riqueza 

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    de liberdade econômica. O objetivo dessa estratégia eraexercer controle rígido sobre a população, convertendo oscidadãos em entes sem direitos, inteiramente dependentesdo Estado todo-poderoso.

     As conseqüências econômicas, sociais, políticas,demográficas e ambientais foram catastróficas para Cuba,sem mencionar os danos aos valores espirituais das pessoas,gravemente corroídos por uma crise cujo fim não se podeprever. A isso deve ser acrescentada uma enorme e perigosadependência da Venezuela.

    No nível econômico, um processo de descapitalizaçãohumana e material afetou a sociedade como um todo.Cuba, no passado um país agrícola rico e auto-sustentável,segundo dados oficiais, hoje importa 84% de suasnecessidades básicas alimentares, em grande parte dosEstados Unidos. O outrora maior fornecedor de açúcardo mundo agora importa o produto. Esses desvios

    ocorrem enquanto mais de 50% das terras agricultáveis

    permanecem abandonadas e tomadas pelo matagal. Aomesmo tempo, devido aos baixos salários — cerca deUS$ 20 por mês, em média — a população se volta parao crime para sobreviver. Como resultado, de acordo comdados das Nações Unidas, Cuba tornou-se o país com

    a maior população carcerária do mundo em relação aonúmero de habitantes.

    SINAIS DE MUDANÇA

    Cuba é um triste exemplo das conseqüências dafalta de liberdade. E Cuba pode retroceder ainda maisà medida que o resto do mundo abraça a globalizaçãoe a integração de mercados. Embora essas forças criemenormes possibilidades de desenvolvimento, elas tambémdemandam aumento significativo na concorrência, naqual eficiência, produtividade e criatividade desempenham

    papel cada vez mais importante. É impossível promoveresses elementos em sociedades regidas pelo medo, ondea liberdade de associação e a liberdade de expressão sãoproibidas, impedindo assim o debate e a livre troca deidéias necessários à identificação das melhores opções parao progresso.

     A situação é tão óbvia que mesmo dentro do governocubano começa-se a ouvir vozes, embora hesitantes eincoerentes, a favor da introdução de transformaçõesestruturais e mudanças conceituais no sistema,especialmente na economia. Alguns sinais podem serencontrados nos discursos do general Raúl Castro, que setornou presidente do Conselho de Estado e presidente doConselho de Ministros em 24 de fevereiro de 2008.

    Talvez esses indícios de mudança dêem início a umprocesso gradual rumo a reformas, resultando em liberdadeao povo cubano. Se as esperanças recém-despertadasforem novamente frustradas, a instabilidade social será aconseqüência provável.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

       ©   A   P   I  m  a  g  e  s

    O general Raúl Castro, ao suceder seu irmão, indicou mudanças, pelomenos na economia cubana

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    Segundo William A. Reinsch, o livre mercado tende a refor-çar a democracia. Para ele, algumas vezes a democracia for-talece o livre mercado, outras vezes não. Reinsch é presidentedo Conselho Nacional de Comércio Exterior e membro daComissão de Análise Econômica e de Segurança EUA-China.

    Olhando em volta do mundo de hoje, observamosque muitas das nações mais prósperas tambémexibem com orgulho as democracias maisdinâmicas. Países como Chile, Irlanda e Estados Unidos

    são democracias vibrantes com mercados livres e amplos.Outros como Birmânia (Mianmar) e Coréia do Norte sãomarcados por ditaduras e rígidas economias de comando.

    Embora haja exceções para qualquer regra, asliberdades econômicas e políticas tendem a caminharde mãos dadas. Em muitos casos o envolvimento de umpaís com o mundo funciona como importante arauto dasliberdades econômicas e políticas.

    Em especial, o engajamento na economia global éum fundamento importante da democracia. Comércio

    e concorrência promovem crescimento, que é essencialpara construir riqueza e criar uma classe média maior.Por sua vez, essa classe média expandida exige mais dogoverno, que não pode mais contar com o apoio dopequeno círculo íntimo da elite. Ao mesmo tempo, ocomércio expõe a ineficiência de empresas inchadas geridaspelo Estado, limitando ainda mais a capacidade dosfuncionários do governo de repartir empregos e favores.

    O desespero econômico, por outro lado, fomenta ascondições nas quais demagogos podem se tornar ditadores,

    como o período entre as duas guerras mundiais tão bemressaltou. O presidente Harry Truman e o secretário deEstado George Marshall compreenderam isso quando,na esteira da Segunda Guerra Mundial, apresentaram oplano de reconstrução da Europa. “A revitalização de umaeconomia em funcionamento”, disse Marshall, “permitiráa preservação das condições políticas e sociais nas quaisinstituições livres podem sobreviver”.

     Além de criar uma economia próspera, o maiorenvolvimento das empresas globais pode também apoiar

    Democracia, Livre Iniciativa e Confiança  William A. Reinsch

    À medida que a democracia se desgasta na Rússia, o mesmo ocorre com a concorrência do livre mercado em alguns setores

       A   l  e  x  a  n   d  e  r   Z  e  m   l   i  a  n   i  c   h  e  n   k  o   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

    O Papel da Confiança Social

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    os ideais democráticos. Por exemplo, companhias globaissão em muitos casos proibidas por lei de oferecer propinasou incorrer em práticas corruptas.

     Além disso, muitas empresas estão instituindovoluntariamente códigos de conduta internos ou assinandoconvenções de conduta empresarial, como os PrincípiosGlobais Sullivan ou o Pacto Global. Quanto mais essestipos de empresas obtêm permissão para participar docomércio e da concorrência, menor será o número deburocratas ou chefes de partido capazes de se sustentaremou alimentarem a máquina do governo por meio depráticas questionáveis ou corruptas.

    R ESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA

     Atualmente há outro importante benefíciopolítico para a participação de empresas globais emeconomias locais. Muitas empresas criaram programasde responsabilidade social corporativa para apoiar ascomunidades em que trabalham. Em muitos casos essesesforços não estão diretamente relacionados com o negócioprincipal da empresa, mas concentram-se na melhoria deinstituições locais.

    Isso é especialmente verdadeiro na África, ondeempresas multinacionais criaram programas detratamento de HIV/Aids, implementaram programas dereassentamento pós-conflito e estabeleceram instituiçõesde microcrédito. A General Electric, por exemplo,associou-se ao economista desenvolvimentista JeffreySachs para construir uma série de hospitais em dez paísesafricanos, usando tecnologias GE e voluntários da empresapara melhorar os serviços rurais de saúde. Esses projetosajudam a fortalecer a sociedade civil e estimulam aindamais o estabelecimento de instituições livres.

    De forma mais geral, aconcorrência econômica globalfomenta maior envolvimentocom o mundo, o que levainevitavelmente ao intercâmbiode informações, idéias e valoresdemocráticos. Os presidentes

    americanos, de FranklinRoosevelt a John F. Kennedy eRonald Reagan, reconheceramos benefícios intangíveisdos mercados abertos para apromoção da democracia noexterior.

    Mais recentemente, ospresidentes Bill Clinton e George W. Bush concordaram que aentrada da China na OrganizaçãoMundial do Comércio seria bompara a democracia. “Quando as

    pessoas têm a capacidade não apenas de sonhar, mas derealizar seus sonhos”, disse Clinton, “elas querem ter maisvoz ativa”. Bush acrescentou que “a liberdade econômicacria hábitos de liberdade” e, com relação à China: “Nossoprincipal produto de exportação não é comida ou cinemanem mesmo aviões. Liberdade é nosso principal produtode exportação.”

    Há não muito tempo, os Estados Unidos e a EuropaOcidental exportavam para a antiga União Soviética osideais americanos por intermédio da música de rock, doslivros e da televisão. Em 1987, Billy Joel tocou para opúblico de Moscou e Leningrado (atual São Petersburgo),

    dizendo ao povo soviético: “O que acontece hoje emdia no país de vocês lembra muito os anos 60 na minhaterra.” Atualmente, mercados mais livres significam maioracesso a internet, telefones celulares e mensagens de texto,acelerando informações, fofocas e notícias de maneiraque é difícil para qualquer governo exercer controle total.Conectar-se ao sistema global econômico e de informaçãoé bom para a democracia.

    Mas a democracia é boa para a livre iniciativa?Talvez essa seja uma pergunta mais complicada,

    embora uma coisa esteja clara. Ditadores raramenteadotam o livre mercado. Birmânia, Cuba, Líbia, Coréia

    do Norte e Zimbábue são as economias menos livres domundo, de acordo com o Índice de Liberdade Econômica

     2008 , produzido pelo The Wall Street Journal e pelaFundação Heritage. O tipo de autoridade concentrada quepermite a sobrevivência desses sistemas políticos estimulauma economia centralizada e de comando que recompensaquem é leal ao regime e penaliza quem não é.

    O governo democrático com certeza ajudou aestimular o livre mercado nos Estados Unidos e em outraspartes do mundo. Por mais de 60 anos, os Estados Unidos

    Cidadãos esperam para votar na Dinamarca, país que combina livre mercado vigoroso e confiança social   J  o   h  n   M  c   C  o  n  n   i  c  o   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    ajudaram a modelar e apoiar uma ordem liberal mundialbaseada no livre comércio e em mercados globais estáveis.No mesmo período, a Europa baixou suas barreiraseconômicas e aumentou a eficiência do seu mercado detrabalho na esteira da disseminação da democracia nocontinente.

    LIVRE MERCADO E ESTABILIDADE

    Mas eleições livres e justas por si só não promovemnecessariamente o livre mercado. Um problema é que umnúmero crescente de regimes autocráticos faz-se passar pordemocracias, nos quais um partido tem controle virtualsobre o governo e a economia e nos quais não existeuma oposição forte. A Rússia sob Vladimir Putin, ex-presidente e agora primeiro-ministro, é um bom exemplode país onde a democracia está sendo corroída. À medidaque Putin aumentou o controle sobre o país, Moscouimpôs maior controle sobre a economia, expandindo suainfluência sobre as empresas estatais, como a Gazprom, eusando a sua posição econômica para enviar mensagenspolíticas para os vizinhos e o mundo.

    Outros governos democráticos carecem de instituiçõese apoio para incentivar o livre mercado. Novos governos

    em lugares como Iraque e Cisjordânia e Gaza, onde ascondições básicas de segurança e estabilidade são questõessempre presentes, não possuem as estruturas de governançae segurança em vigor para promover o livre mercado deforma significativa.

    Mesmo em democracias mais sólidas, reações contrao livre mercado não são incomuns. Na América Latina,muitos políticos foram eleitos nos últimos anos com baseem plataformas populistas e, em alguns casos, socialistas.

    Nos Estados Unidos, pesquisas mostramqueda de apoio ao livre comércio, enquantoa crise hipotecária levou as pessoas a seperguntarem sobre as conseqüências dolivre mercado sem a necessária fiscalização eregulação.

     A democracia parece melhor capacitada

    para fortalecer o livre mercado quandoconta com instituições locais fortes econfiança social. A Dinamarca exibe comorgulho uma das economias mais abertasdo mundo e é uma democracia-modelo,além de adotar um pacto social semigual conhecido como “flexisegurança”,sistema que levou mais de um século paraser aprimorado e que despende quantiasconsideráveis em programas sociais,treinamento e benefícios.

    O resultado desse acordo é que osdinamarqueses acreditam firmemente nalivre iniciativa e no comércio global —

    até os sindicatos adotam a terceirização. O autor RobertKuttner, que analisou o acordo dinamarquês entre livremercado e estabilidade social, sugere que esses tipos deopções “têm de se desenvolver em seu próprio territóriopolítico”.

     A chave para estimular o crescimento da democraciae da liberdade econômica é fomentar as instituições locaisque lhes servem de base.

    Os Estados Unidos, seus aliados e as instituiçõesinternacionais devem continuar a estimular o Estado deDireito, sistemas judiciários independentes e transparentes,

    investimentos de capital produtivo e a adesão aos direitoshumanos e às obrigações legais internacionais paraaumentar a probabilidade de os governos, não importasua estrutura, funcionarem de forma justa, humana etransparente.

     Ao mesmo tempo, governos, organizações não-governamentais e empresas podem todos ter um papelna sustentação das instituições locais e dos grupos dasociedade civil que fortalecem a democracia e apóiam asliberdades individuais.

    Devemos nos envolver com o mundo o maisvigorosamente possível e com todos os instrumentos à

    nossa disposição, em especial por intermédio do comércio eda diplomacia. Se assim fizermos, teremos a oportunidadede ajudar pessoas do mundo inteiro a se tornarem maislivres, prósperas e seguras.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nem

    as políticas do governo dos EUA.

    Ao abrir-se para o mercado mundial, os chineses têm a oportunidade de se abrir para omundo das idéias

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     A maioria dos Estados do Golfo tem livre mercado, mas nãotem eleições livres, segundo Jean-François Seznec. Os gover-nantes compartilham os benefícios da expansão econômica,

    mas não o poder político, afirma. Seznec é professor associa-do visitante do Centro de Estudos Árabes Contemporâneosna Universidade de Georgetown, em Washington.

     A s economias de mercado parecem prosperar emdeterminados estados não democráticos, mas nãoparecem direcionar esses países para a democracia.Consideremos os seis países que formam o Conselho deCooperação do Golfo (CCG): Bahrein, Kuwait, Omã,Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

    Na escala de 1 a 7 de liberdade no mundo daorganização Casa de Liberdade, com 1 representandoo mais livre, os países do Golfo têm uma classificação

    sofrível. A Arábia Saudita recebe 6,5 em razão de seusdireitos civis e políticos limitados. O Kuwait recebe aclassificação mais alta, com apenas 4,0. Esse país temdefendido livremente eleições para o parlamento eliberdade de expressão, mas a primazia da família real nãoé contestada.

    Segundo alguns parâmetros, no entanto, os Estadosdo Golfo estão entre os mercados mais livres do mundo.

    Todos os países do Golfo são economias de mercado. A Arábia Saudita ocupa a relativamente alta 23ª posição

    Economia de Mercado semDemocracia no Golfo Jean-Francois Seznec

    Os países do Conselho de Cooperação do Golfo têm uma classificação relativamente alta em mercados livres e relativamente baixa emdireitos políticos

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    Papel da Confiança Social

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    na lista do Banco Mundial de países fáceis para se fazernegócios. Todos os países do CCG são membros daOrganização Mundial do Comércio (OMC). Omã eBahrein têm acordos de livre comércio com os EstadosUnidos. As tarifas são baixas.

    Nenhum desses países tem impostos sobre a renda. A corrupção nas transações rotineiras é mínima. Osbancos e as instituições financeiras dos países do CCG sãofinanciadores sofisticados. As restrições sobre a venda demercadorias são limitadas, exceto para produtos proibidos

    pela religião, como carne de porco e álcool.Os Estados do Golfo também estão modernizandosuas leis e estruturas econômicas para atrair investimentosprivados, tanto locais como estrangeiros. Atualmente,uma empresa estrangeira pode deter 100% de seusempreendimentos na maioria dos países do CCG.Pode repatriar seus lucros livremente, vender ativos damaneira que lhe convier e pagar impostos empresariaisrelativamente baixos.

     As economias dos países do Golfo estão em expansão.Mudando para se tornarem menos dependentes depetróleo ou gás, buscam maximizar suas vantagensde energia de baixo custo, abundância de capital elocalização estratégica. Elas já produzem cerca de 12%

    de todos os produtos químicos e fertilizantes do mundo.Estão aumentando cada vez mais a produção de produtosquímicos mais avançados, como plásticos à base deetileno. Com acesso à eletricidade barata, os países doGolfo já são grandes produtores de alumínio e, com ofuturo acesso à bauxita da Arábia Saudita, podem alcançar20% da produção mundial antes de 2020.

    LIMITES DO LIVRE MERCADO

     A adesão ao livre mercado tem limites, naturalmente.Não é fácil cumprir contratos em razão das tradições

     jurídicas diferentes e de poucos juízes com conhecimentode prática jurídica internacional.

    Para obter desenvolvimento econômico, os paísesdo Golfo estão investindo centenas de bilhões de dólaresem projetos de infra-estrutura, construindo cidadesindustriais, ferrovias, portos e aeroportos.

     A maioria das grandes empresas químicas emetalúrgicas que operam no CCG atualmente sãoestatais, embora administradas nos moldes das grandesempresas ocidentais, com interferência mínima dogoverno. A SABIC, por exemplo, é a empresa químicamais lucrativa e de mais rápido crescimento no mundo,com acesso a matérias-primas de mais baixo custo. Elaestá também se tornando uma potência em pesquisa edesenvolvimento e, como sua contrapartida petrolífera, aSaudi Aramco, capacita e usa sauditas para criar indústriasno reino baseadas no conhecimento.

    O sucesso das empresas estatais tem desvantagens.Os administradores insistem que não devem compartilharsuas matérias-primas de baixo custo com os concorrenteslocais. Assim, embora as grandes empresas estatais geremtrabalho para a economia de mercado privado, elastambém restringem o crescimento dos concorrentes do

    setor privado.Naturalmente, alguns interesses no CCG resistemao livre mercado, entre eles fabricantes e comerciantestradicionais. Os salafistas, grupo religioso conservador,também fazem pressão contra o livre mercado, temendoque uma economia aberta seja um convite à difusão depráticas e educação ao estilo ocidental.

    O Centro Financeiro Internacional de Dubai reflete a abertura dospaíses do Golfo aos investimentos

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    COMPARTILHANDO RIQUEZA, NÃO PODER 

    Para atingir suas metas econômicas ambiciosas, osgovernos do Golfo têm buscado compartilhar riquezacom seus povos, mas não poder político.

     Autoridades sauditas usaram o mercado acionáriopara compartilhar riqueza. Muitas das 115 empresascotadas em bolsa são controladas pelo Estado e em geralsão muito lucrativas; essas empresas venderão talvez30% do seu capital em ações no mercado acionário. Ossauditas que investem nessas empresas estatais obtêm bonsdividendos e valorização do capital em investimentosseguros. Além do mais, a Autoridade dos Mercadosde Capitais garante que todas as empresas cotadas embolsa são legítimas e que os pequenos investidores têmchance de adquirir ações. Atualmente, 50% de todosos sauditas possuem ações e, portanto, têm interesse nodesenvolvimento de seu reino.

    Os governos do Golfo, contudo, temem quecompartilhar o poder político com seu povo possa causaruma drástica interrupção no desenvolvimento. As poucaseleições livres realizadas no Golfo deram maioria absolutaaos salafistas. Para equilibrar os ganhos dos salafistas, osreis e emires do CCG nomearam conselhos consultivosformados por tecnocratas que estampam um selo deaprovação participativa para as políticas econômicas e asleis que não provocam controvérsias.

     A falta deindependência jurídica demonstraoutra divisãonos Estados do

    Golfo entre ocompartilhamentode riqueza e poderpolítico. Os juízesnomeados pelogoverno legislamem casos de direitoislâmico de família ecriminal, mas não têmcompetência para odireito comercial. Ossauditas estabeleceram

    um sistema jurídicoparalelo denominadoConselho de Queixaspara tratar de assuntoscomerciais.

    Entretanto, ospoderosos permanecem fora do alcance dos tribunais.O Conselho de Queixas saudita não considera disputasenvolvendo príncipes e autoridades do governo;raramente esses casos são julgados por mérito.

    O crescimento do livre mercado, tanto promovidocomo dificultado pela autocracia, tem feito pouco parapôr em prática a reforma política nos Estados do Golfo. As economias de livre mercado são sustentadas pelocontrole político inquestionável de seus líderes. Mesmoem Dubai, o centro empresarial da região, a palavra dogovernante é que rege o país.

    Os governos do Golfo não são do povo, pelo povo epara o povo. São governos de poucos para o benefício demuitos. É uma enorme disparidade comparado ao que asdemocracias ocidentais alcançaram, mas é cultural.

     A democracia não pode ser imposta de fora paradentro. As mudanças econômicas em curso no Golfo

    talvez estejam indicando que, no devido tempo, osgovernantes permitirão não apenas liberdade de mercado,mas também liberdades políticas, como partidospolíticos, liberdade de expressão e independência de um judiciário capacitado. Por último, a promoção da reformae da participação econômica ainda pode promover ademocracia.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posiçãonem as políticas do governo dos EUA.

    A construção ao estilo ocidental, mas não a democracia ao estilo ocidental, está em alta em Dubai   K  a  m  r  a  n   J  e   b  r  e   i   l   i   /   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    De acordo com Ivan Krastev, o medo era que aEuropa Central abraçasse a democracia e rejeitassea economia de mercado. Ele diz que a situaçãoagora é que a Europa Central aceitou o livre mer-cado, mas ficou insatisfeita com a democracia.Krastev é presidente do Centro para EstratégiasLiberais em Sófia, Bulgária.

    Os historiadores hoje são tentadosa escrever a história das transiçõespós-comunistas na Europa Central eOriental como sendo a história de uma atraçãoirresistível entre a democracia e o capitalismo.Mas há 20 anos, muitos temiam que essapudesse ser uma história de horror.

    Embora os teóricos políticos tendessem aconcordar que democracia e capitalismo sãoparceiros naturais e que livre mercado e políticascompetitivas fortalecem um ao outro no longoprazo, havia o medo de que as reformas políticae econômica necessárias à transformação dassociedades do Leste Europeu atrapalhassem umaa outra.

    Como dar às pessoas o poder de fazer o quequiserem e então esperar que escolham políticascujas conseqüências iniciais sejam aumento depreços, desemprego e desigualdade social — esseera o dilema das transições pós-comunistas.

    Na opinião do sociólogo alemão ClausOffe, “uma economia de mercado é posta em

    movimento apenas sob condições pré-democráticas”. E Jadwiga Staniskis, importante cientista política polonesae ativista do Solidariedade, estava convencida de que“enquanto as bases econômicas para uma sociedade civilgenuína não existirem, a mobilização política em massa dapopulação é possível apenas em termos nacionalistas oufundamentalistas”.

    Resumindo, a Europa Central era vista como fadadaa escolher entre o socialismo de mercado e o capitalismoautoritário. Felizmente, algumas vezes, o que não

    funciona na teoria, funciona na prática.

     A Europa Central e Oriental tiveram sucesso em umatransição simultânea para a economia de mercado e para ademocracia. Foi uma mistura mágica de idéias, emoções,circunstâncias e liderança que possibilitou o sucesso.

     APOIO PARA  AS MUDANÇAS ECONÔMICAS

    O legado comunista foi o aliado natural dosreformistas na transformação das sociedades da EuropaCentral. As pessoas foram pacientes e apoiaram reformas

    Democracia e Capitalismo: A Separação dos Gêmeos

    Ivan Krastev 

    Eleitores da Romênia e de outros países na Europa ex-comunista aceitaram o livremercado, mas se tornaram impacientes com a política

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    porque estavam impacientes para se verem livres docomunismo. O começo dos anos 1990 foi um momentosurreal em que os sindicatos trabalhistas defendiam cortesde empregos e ex-partidos comunistas ansiavam porprivatizar a economia.

    Havia raiva contra o capitalismo, mas não havia umpartido e nem mesmo uma linguagem política capazes

    de mobilizar os que saíssem perdendo na transição. Ocomunismo havia corroído a capacidade da sociedade derealizar ações coletivas junto às classes. Qualquer crítica aomercado era igualada a uma nostalgia pelo comunismo.Tanto as contra-elites anticomunistas, por suas ideologias,quanto as elites ex-comunistas, por seus interesses,apoiaram as mudanças econômicas.

    O desejo popular por um “retorno à Europa”,fortalecido pela atração da União Européia e da Otan(Organização do Tratado do Atlântico Norte), permitiuàs sociedades reconciliar os instintos redistributivos dademocracia com a necessidade de uma visão de longoprazo e de paciência como pré-condições para o sucessoeconômico. Funcionou de modo diferente nos diferentespaíses, mas a integração euro-atlântica garantiu acontinuação da reforma econômica e serviu de proteçãocontra reações políticas.

    O sucesso das transições pós-comunistas levou a novageração de teóricos políticos a repensar as chances dosurgimento simultâneo da democracia e do capitalismo.O que havia sido visto como sorte histórica passou a serconsiderado lei natural. A democracia e o capitalismo nãoeram mais vistos como um casal feliz, mas como gêmeos

    idênticos.CETICISMO EM RELAÇÃO  À DEMOCRACIA

     A tendência era ignorar as tensões entre a democraciae o capitalismo. Mas é suficiente observar a experiênciade países como Rússia, China ou Venezuela para setornar cético quanto à tendência natural do capitalismode conduzir à democracia e à tendência natural dademocracia de apoiar o capitalismo.

     A experiência da Europa Central também deveser repensada. Um ano após as democracias da EuropaCentral terem se tornado membros da União Européia,

    a região foi abalada pelo surgimento do populismo edo nacionalismo. A insatisfação com a democracia estácrescendo e, de acordo com a pesquisa Voz do Povo 2006,a Europa Central, ao contrário de todas as expectativas, éa região do mundo onde os cidadãos são mais céticos emrelação aos méritos da democracia.

    Em toda a região, a população desconfia de políticose partidos políticos. A classe política é vista como corruptae defensora apenas dos próprios interesses. A transição foium sucesso absoluto para a Europa Central, mas levou à

    rápida estratificação social, prejudicando gravemente amuitos, enquanto beneficiava uns poucos privilegiados.

    Muitas vidas foram destruídas e muitas esperançastraídas à época da transição. O fato de os maiores

    vencedores da transição terem sido os membros maisinstruídos e melhor relacionados do antigo regimenão ajudou a torná-lo aceitável. As democracias pós-comunistas são hoje vistas como um triunfo, não doigualitarismo, mas das elites comunistas antiigualitárias edas contra-elites anticomunistas.

     As restrições externas impostas aos países em processode adesão à União Européia foram essenciais para osucesso das reformas, mas contribuíram para a percepçãode que eram democracias sem escolhas reais.

    Há vinte anos, os teóricos temiam que as novasdemocracias emergentes não tomassem gosto pelocapitalismo. O que se vê agora é que a maioria das pessoasna Europa Central confia mais no mercado do que nasurnas.

     What we see now is that most people in CentralEurope have more trust in the market than in the ballotbox. 

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posiçãonem as políticas do governo dos EUA.

    Sindicalistas como esses na Polônia vêem a si próprios comoperdedores na transição pós-comunista

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    Pesquisas demonstram que reformas políticas e econômicasreduzem os conflitos étnicos, mesmo em países onde umaminoria étnica domine a economia, segundo Doh C. Shin eChristopher D. Raymond. Shin é professor de Ciência Políticae Raymond é assistente de ensino de pós-graduação, ambos naUniversidade de Missouri em Colúmbia, Missouri.

    No começo de 2007, o Quênia foiconsiderado uma das democracias maisbem-sucedidas da África; no fim do mesmo

    ano, o país estava imerso no caos. A violência étnicaeclodiu no país após o presidente e candidato àreeleição, Muwai Kibaki, ser declarado vencedor nadisputadíssima eleição presidencial realizada em 27de dezembro de 2007.

    O grupo étnico Luo, que apóia a candidata derrotadaRaila Odinga, há tempos se ressente da riqueza e do

    poder dos Kikuyu, grupo étnico de Kibaki. Muitos Luosacusaram Kibaki e os Kikuyu de envolvimento em fraudeeleitoral, e nos meses seguintes à eleição seus violentosprotestos levaram à morte cerca de 1.500 pessoas e aodeslocamento de outras 250 mil.

    Essa explosão de violência étnica logo após umaeleição livre e competitiva em uma das democracias mais

    bem-sucedidas da África reacendeu o debate sobre se certostipos de países em desenvolvimento deveriam procurar oestabelecimento simultâneo de democracia e capitalismo.

    Há décadas a sabedoria convencional diz quedemocracia e livre mercado trabalham em conjuntopara promover a prosperidade econômica e melhorar aqualidade de vida dos cidadãos. Pelo menos um artigode pesquisa argumentou que combinar livre mercadocom democracia em países onde uma minoria étnica éeconomicamente dominante pode produzir uma situação

    Efeitos do Conflito ÉtnicoDoh C. Shin e Christopher D. Raymond

    Explosão de violência no Quênia, país democrático dividido por tensões étnicas   B  e  r  n  a   t   A

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    altamente explosiva, uma vez que livre mercado edemocracia, muitas vezes, favorecem grupos étnicosdiferentes: o livre mercado favorece uma minoria, aopasso que a democracia favorece a maioria.

    Em países como Indonésia e Zimbábue, onde umapequena minoria étnica domina o mercado com umaquantidade desproporcional de recursos econômicos, porexemplo, estabelecer democracia e dar voz à maioria antessilenciada pode estimular manifestações de ressentimentoe ódio étnico contra os ricos. A explosão de violênciaétnica que se segue, por sua vez, provavelmenteprejudicará, se não interromper, o desenvolvimento dademocracia e do capitalismo.

    ELABORAÇÃO DE TESTE

     Decidimos testar a validade da afirmação quetenta construir democracias capitalistas em sociedadesetnicamente divididas, em especial naquelas cujomercado estava dominado por uma minoria e fracassaramdevido às explosões de violência política.

    Nossos testes usaram dois conjuntos de dadosmultinacionais. A partir dos dados de diversidade étnicacoletados pelo economista Alberto Alesina e seus colegasde Harvad, dividimos 125 países, todos em vários níveis

    de transições política e econômica, em três categoriasbaseadas em sua composição étnica. Essas categorias são:países cujo mercado não é dominado por uma minoria ecom divisão étnica baixa (42); países cujo mercado nãoé dominado por uma minoria e com divisão étnica alta(47); e todos os países cujo mercado é dominado poruma minoria (36).

    Usando dados do Índice de TransformaçãoBertelsmann (BTI), comparamos os níveis de conflitosocial dos países e seus níveis de realização com relaçãoàs reformas democráticas e econômicas. O BTI avaliaa situação política e econômica de 125 países emdesenvolvimento e transição em uma escala de 11pontos, variando de 0, mais baixo a 10, mais alto.Para facilitar a interpretação, agrupamos as pontuações

    em dois níveis, baixo (0-5) e alto (6-10), e a seguircalculamos as porcentagens de países que se encaixavamem cada nível.  A Figura 1 mostra os níveis médios de conflitosocial vividos pelas três categorias de países segundo acomposição étnica. Os níveis de conflito são mais altos(5,3) em países com mercados dominados por umaminoria, seguidos de países com alta divisão étnica (4,9)e países com baixa divisão étnica (3,2).

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    Pontuação global segundo o BTI

    Nível de conflito

    Países com mercados dominadospor minorias

    Divisão étnica alta

    Composição étnica 

    Divisão étnica baixa

    Valores médios 

    Figura 1: Níveis de conflito, reforma políticaeconômica por composição étnica

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    Como demonstra a Figura 2, entre os países queapresentam alto nível de conflito (6 ou mais na escalaBTI), 44% deles têm o mercado dominado por umaminoria, 26% têm alta divisão étnica e 12%, baixadivisão étnica. Países com mercados dominados por umaminoria convivem com um nível significativamente maisalto de conflito ou violência sociais do que outros países.

     A Figura 1 também mostra os níveis médios dereformas políticas e de livre mercado implementadas nastrês categorias de países. Países com baixa divisão étnicaapresentam o maior índice de realização de reformaspolíticas e econômicas combinadas (6,9), seguidos de paísescom mercados dominados por uma minoria (5,4) e paísescom alta divisão étnica (5,1). Entre os países com alto nível

    de reformas políticas e econômicas (6 ou mais na escalaBTI), 69% deles são países com baixa divisão étnica, 39%são países com mercado dominado por uma minoria e30%, países com alta divisão étni