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 Documento Técnico DGOTDU 3/2011 Estudo da Articulação da Lei dos Solos com o Sistema de Gestão Territorial Estudo de enquadramento para a preparação da Nova Lei do Solo Fernanda Paula Oliveira 2011 

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    Documento Tcnico DGOTDU 3/2011

    Estudo da Articulao da Lei dos Soloscom o Sistema de Gesto Territorial

    Estudo de enquadramento para a preparao da Nova Lei do Solo

    Fernanda Paula Oliveira

    2011

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    FichaTcnicaTtuloEstudodaArticulaodaLeidosSoloscomoSistemadeGestoTerritorialEstudodeEnquadramentoparaapreparaodaNovaLeidoSolo2011

    AutoriaFernandaPaulaOliveira

    EdioDirecoGeraldeOrdenamentodoTerritrioeDesenvolvimentoUrbano

    CampoGrande,50,1749014Lisboa Portugal

    PropriedadedaDGOTDUDirecoGeraldeOrdenamentodoTerritrioeDesenvolvimentoUrbano,2011

    ReservadostodososdireitosdeacordocomalegislaoemvigorOcontedodestedocumentodaresponsabilidadedosseusautores.Quaisquerpedidosdeesclarecimento,observaesou

    sugestesdevem

    ser

    dirigidos

    DGOTDU,

    Campo

    Grande,

    50,

    1749

    014

    Lisboa

    Portugal,

    Tel.

    +351.21.782.50.00,

    Fax

    +351.21.782.50.03,[email protected]

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O

    SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

    Fernanda Paula Oliveira

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    ndice

    1. Objectivos do estudo ......................................... ............................................................... .................... 5

    2. Definio prvia de mbito ............................................................. ...................................................... 7

    3. O direito do ordenamento do territrio e do urbanismo ........................................................... ............ 9

    3.1. Consideraes introdutrias ........................................................... ............................................... 9

    3.2. Os problemas de ordenamento do territrio/ urbanismo em Portugal ........................................... 9

    3.3. A superao dos problemas ..................................................... ................................................... 16

    4. A Lei dos solos e a execuo dos instrumentos de planeamento ........................................................ 21

    5. A Lei dos solos e as expropriaes urbansticas .............................................................. ................... 26

    6. A Lei dos Solos, o estatuto dos solos e o regime jurdico da propriedade, em especial dos solos

    urbanos ................................................................................................. .................................................. 32

    7. A Lei dos Solos e a articulao entre o RJIGT e o RJUE e o regime da reabilitao urbana ............. 35

    8. A recuperao das mais-valias decorrentes do planeamento e interveno pblica no mercado dos

    solos ...................................................... ........................................................... ....................................... 38

    9. Smula das questes directamente relacionadas com sistema de gesto territorial que devem ser

    integradas numa lei dos solos de forma a torna-lo operativo e eficaz. ................. .................................. 40

    10. Configurao possvel para a nova Lei dos Solos ............................................................................ 47

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    1. Objectivos do estudo

    a) O presente documento consubstancia o estudo da articulao de uma nova lei

    dos solos com o sistema de gesto territorial vigente em Portugal.

    Corresponde a um dos trs estudos prvios com que se que iniciam os trabalhos

    para a preparao da nova Lei dos Solos, com o objectivo de contribuir para a

    constituio de um quadro de referncia para o desenvolvimento do contedo da nova

    lei.

    Pretende a DGOTDU que este estudo:

    Avalie as possveis formas de integrao de uma nova lei para a polticade solos no quadro jurdico que regula o ordenamento do territrio e o

    urbanismo;

    Problematize qual o tipo de diploma legal mais adequado aoestabelecimento de princpios e normativos em matria de direito do

    solo e quais as implicaes sobre o quadro jurdico em vigor no mbito

    do ordenamento do territrio e urbanismo (LBPOTU, RJIGT e

    legislao complementar) e

    Fornea possveis solues alternativas e formule recomendaes sobreo caminho mais conveniente a adoptar.

    O seu mbito de incidncia e contedo so limitados identificao dos ncleos

    problemticos que, devendo ser integrados numa futura lei de solos, tenham relevo ou

    repercusso directa na poltica de ordenamento do territrio e de urbanismo, mais

    concretamente, no sistema de gesto territorial em vigor.

    No se destina, pois, a identificar as matrias (todas as matrias) que devam

    integrar uma lei dos solos, nem as suas implicaes na globalidade do ordenamento

    jurdico, mas to s identificar:

    as exigncias que o sistema de gesto territorial em vigor reclama deuma lei dos solos com vista a tornar-se mais operativoe eficaz;

    as temticas que devem integrar necessariamente uma lei dos solos daperspectiva das disciplinas do ordenamento do territrio e do urbanismo,

    face ausnciaou deficinciade regulao actual;

    as implicaes que a regulamentao destas temticas tero no sistemade gesto territorial vigente.

    b) Um primeiro pressuposto de que se parte na elaborao deste estudo, o de

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    que o regime jurdico dos solos se apresenta como instrumentaldo ordenamento do

    territrio e urbanismo, j que ordenar o espao significa, necessariamente, localizar e

    articular, de forma racional, infra-estruturas, espaos pblicos, edifcios e outros usos,

    apresentando-se o solo como o recurso baseou de suportea todas estas actividades. 1

    Ora, um dos instrumentos fundamentais para regular e ordenar o territrio so

    os planos, cujo regime est amplamente dependente do que o direito dos solos

    estabelecer quanto conformao do direito de propriedade.

    Para alm disso, e porque a execuo do planeamento ainda faz parte do

    processo de planeamento, enquanto processo fundamental para a concretizao de

    uma eficaz poltica de ordenamento do territrio e de urbanismo, os instrumentos de

    direito dos solos apresentam uma valncia indesmentvel como instrumentos de

    execuo dos planos.

    Com base em apenas estes dois exemplos pode concluir-se existir, a vrios

    ttulos, uma ligao estrita e profunda entre o direito dos solos e os direitos do

    ordenamento do territrio e do urbanismo, a qual no pode deixar de ser devidamente

    ponderada e tida em considerao na elaborao da futura lei.

    Refira-se, a terminar estas primeiras observaes, que o mbito limitado do

    presente estudo no pode fazer esquecer que o direito dos solos e o direito do

    ordenamento do territrio no tm contedos coincidentes; h reas do direito dossolos que vo para l das questes estritamente urbansticas e de ordenamento do

    territrio, bem como h questes atinentes a estas polticas que passam margem de

    uma lei de solos. Este facto no deve fazer esquecer, porm, que com as polticas

    pblicas de ordenamento do territrio e urbanismo que a poltica de solos mais

    interfere, sendo pressupostos bsicos desta, com relevo para aquilo que aqui interessa,

    dois princpios fundamentais: por um lado o da garantia constitucional do direito de

    propriedade privada dos solos, por outro o reconhecimento s entidades pblicas dopoderde expropriaraqueles sempre que se revelem necessrios satisfao de fins de

    utilidade pblica, de se apropriarem deles quando tal for exigido pelo interesse

    pblico e ainda de intervirem nos mesmos de acordo com os meios e as formas

    definidas na lei por motivo de interesse pblico. Estas so, pois, duas problemticas

    centrais do direito dos solos: o da sua titularidade (propriedade privada) e o da

    1Para alm desta funo de suporte, tambm reconhecido aos solos, por norma, uma funo

    ambiental(necessria aos equilbrios ecolgicos e, em ltima instncia, sobrevivncia do Homem) euma funo produtiva (agricultura, explorao florestal, extraco mineral). Uma vez que oordenamento do territrio se cruza e visa coordenar os vrios interesses que tm repercusso sobre oterritrio, designadamente o ambiental, o florestal, e o agrcola, todas as referidas dimenses dos solosinteressam a esta poltica pblica.

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    respectiva disponibilidade quando que se revelem indispensveis para a prossecuo

    de interesses pblicos (designadamente urbansticos e de ocupao do territrio). E

    estas so tambm questes que interessam necessariamente nos domnios do

    ordenamento do territrio e do urbanismo.2

    Assim, havendo uma ligao ntima entre estas polticas pblicas, o presente

    estudo incidir sobre as reas em que as mesmas tm um mbito de interferncia ou

    interseco.

    2. Definio prvia de mbito

    a) Para a reflexo prvia que se pretende com este estudo, a DGOTDU indicou

    ser desde j inteno que o novo regime jurdico dos solos aborde as seguintes

    matrias:

    (a)Estatuto bsico de cidadania em relao ao solo: o conceito de solo e dassuas funes bsicas; a utilizao racional do solo luz dos princpios do

    desenvolvimento sustentvel e da equidade e coeso territoriais (em

    articulao com a LBPOTU e a Lei de Bases do Ambiente) e os direitos e

    deveres dos cidados na sua relao com o solo (rural e urbano);

    (b)O contedo do direito da propriedade do solo, em articulao com os regimesde uso e estatutos do solo: direitos e deveres dos proprietrios do solo e a sua

    relao com os direitos e deveres de urbanizar e de edificar;

    (c)Princpios fundamentais reguladores da valorao econmica do solos e oscritrios e procedimentos de repartio dos custos de urbanizao e de

    repartio de mais-valias o mbito do enquadramento da elaborao e

    execuo dos instrumentos de planeamento territorial e de outras intervenes

    de interesse pblico;

    (d) O regime da responsabilidade patrimonial do Estado, as formas de

    2 Sobre estes princpios como pressupostos da poltica dos solos cfr. Cfr. Fernando AlvesCORREIA,Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 4. Edio, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 797-798.

    Direito dos solos Ordenamento doterritrio e urbanismo

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    contratualizao com privados e as parcerias pblico-privadas a propsito

    dos mecanismos de interveno da administrao pblica nos solos e de

    cooperao com os privados.

    No pode deixar de se realar, desde j, que a regulamentao da totalidadedestas matrias reclamada pelo sistema de gesto territorial em vigor, tendo, deste

    modo, importantes repercusses no ordenamento do territrio e no urbanismo.

    No deixaremos, por isso, ao longo do presente trabalho, de lhes fazer

    referncia, quer para explicitar a necessidade do seu tratamento como pressuposto

    indispensvel eficcia do sistema de gesto territorial quer para apontar pistas sobre

    a forma como as mesmas devem merecer tratamento numa futura Lei de Solos.

    b) Mais. De acordo com os dados fornecidos pela DGOTDU, no est ainda

    definida a densidade regulatriadesta lei, estando em aberto duas opes possveis:

    (a)Assumir uma densidade mais vasta e aprofundada em determinados domnios,enquadrando normativamente as lacunas da ordem jurdica existentes,

    dispondo assim de um contedo misto: definio das bases e dos princpios

    gerais e regulao das novas matrias carecidas de enquadramento normativo;

    (b)Deixar o seu desenvolvimento para diplomas de concretizao, atravs,simultaneamente, da elaborao e aprovao dos novos diplomas considerados

    imprescindveis e da alterao dos existentes (v.g. RJIGT, RJUE, Cdigo

    Civil, Cdigo do Registo Predial, Cdigo das Expropriaes, Cdigos

    Tributrios, etc.).

    A opo a seu propsito est dependente da ponderao que venha a resultar dos

    estudos em curso e das concluses a que nos mesmos se chegue quanto s interaces

    que o novo regime do solo ir estabelecer com a legislao existente, tendo presenteque a principal razo de ser do novo regime a de criar as condies necessrias para

    suprir as insuficincias actuais no que concerne poltica de solos.

    Para a conduo deste estudo foram-nos disponibilizados vrios documentos

    preparatrios j existentes, designadamente os que foram elaborados no anterior

    Gabinete do Secretrio de Estado do Ordenamento do Territrio e das Cidades para

    debate do tema, os quais apontam j pistas importantes na temtica objecto do

    presente estudo e para as quais aqui remetemos expressamente.

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    3. O direito do ordenamento do territrio e do urbanismo

    3.1. Consideraes introdutrias

    De forma a dar uma resposta cabal s questes para que o presente estudo deve

    fornecer resposta, no podemos deixar de referir, ainda que de forma breve, as

    questese as dificuldadesque se foram colocando nos domnios do ordenamento do

    territrio e do urbanismo e que desembocaram, em 1999, num conjunto de reformas

    legislativas muito importantes, instituidoras do que hoje se designa por sistema de

    gesto territorial. Estas reformas ocorreram, praticamente todas, margem da Lei dos

    Solos em vigor desde 1976 (com algumas alteraes posteriores) que, deste modo, se

    foi tornando cada vez mais desactualizadae desarticuladado sistema ento criado.

    A identificao das vrias questes integradas na Lei dos Solos cuja regulaose encontra desactualizada bem assim como daquelas em que existe uma

    desarticulaoclara com o sistema de gesto territorial, torna-se uma tarefa relevante

    se se pretender aprovar uma Lei de Solos que tenha utilidade prtica e que resolva os

    problemas que se colocam ao sistema de gesto territorial de forma torna-lo mais

    eficaz.

    Antes, porm, de nos debruarmos sobre estas questes, convm ter presente os

    problemas que a ocupao do territrio foi suscitando ao longo dos ltimos anos e aforma como os mesmos foram sendo enfrentados pelo legislador, de modo a

    percebermos que papel desempenha uma Lei de Solos na resoluo dos mesmos.

    3.2. Os problemas de ordenamento do territrio/ urbanismo em Portugal

    a) Uma correcta percepo dos problemas que se foram colocando ao

    ordenamento do territrio (e ao urbanismo) em Portugal, pressupe que se tenha em

    considerao aqueles que se consideram ser os seus elementos de estabilidade e os

    seus factores de instabilidade.

    No primeiro grupo integram-se o territrio(com as fronteiras do pas h sculos

    estabilizadas, se bem que em articulao constante com as fronteiras decorrentes dos

    tratados da Unio Europeia); a rede urbanae ainda os municpiosenquanto elemento

    da organizao e gesto do territrio. No segundo grupo encontram-se a populao

    (com taxas de crescimento muito baixas) e os nveis supra municipais da gesto do

    territrio.

    Para alm destes factores, deve ainda ter-se presente a situao urbanstica

    (ainda actual), no resolvida ou mesmo potenciada pelos instrumentos de

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    planeamento que foram sendo elaborados, principalmente pelos designados planos

    directores municipais de primeira gerao. Esta caracterizada pelo:

    Reforo da litoralizao e da acelerao do processo de urbanizao; Abandono e degradao dos centros histricos, com a deslocao da

    populao para periferias sub-equipadas e desqualificadas;

    Urbanizao indisciplinada e com tendncias dispersivas (densidadepopulacional elevada fora de alguns permetros urbanos), com um

    alargamento sobredimensionado e irrealista destes permetros;

    Aumento do nmero de fogos devolutos e degradados dentro dospermetros urbanos dos grandes centros e o seu congestionamento durante

    o dia;

    Irracional ocupao dos solos, fruto de iniciativas privadas que surgemdesgarradas, sem articulao e carentes de movimentos associativistas e

    de parcerias pblico-privadas de relevo, consistindo quase sempre em

    licenciamentos isolados;

    Deficincias e insuficincias nas infra-estruturas urbanas e nosequipamentos e espaos pblicos;

    Falta de articulao de planos de municpios vizinhos e dos planos emgeral;

    Realizao de operaes urbansticas ilegais; Frequente e indesejvel segregao social do espao; Perda de identidade de algumas periferias urbanas e, em situaes mais

    flagrantes, tambm dos centros urbanos;

    Marginalizao de extensas reas rurais ou perda das suas caractersticastradicionais;

    Inflexibilidade de grande parte do regime de conservao da natureza(durante muito tempo um regime de tudo ou nada, devido inexistncia

    de regimes intermdios em zonas tampo).3

    Acresce, as dificuldades decorrentes da instabilidade dos vrios nveis da

    Administrao do territrio. Com efeito, muitos dos problemas apontados foram e

    continuam a ser potenciados por questes de ordem organizatria, como:

    a instabilidade dos Ministrios que tutelam estes domnios (com mudanas3 Sobre estes aspectos vide Fernanda Paula OLIVEIRA, Ponto da situao em matria de

    planeamento do territrio; avaliao geral do processo de planeamento e suas perspectivas, in. ODireito e a Cooperao Ibrica II, II Ciclo de Conferncias, Centro de Estudos Ibricos, 2006.

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    sucessivas ou frequentes dos ministros responsveis por este sector ou com

    diferentes formas de estruturao interna separando, muitas vezes, atribuies

    estritamente relacionadas)4;

    a existncia de diversas instituies sobrepostas territorialmente, todas comatribuies sobre as mesmas reas territoriais e com competncias

    planificadoras5;

    a deficiente articulao e cooperao entre municpios e entre estes e osrestantes nveis de administrao do territrio;

    a ausncia de organismos de monitorizao e avaliao das medidas adoptadase o difcil enquadramento jurdico de algumas entidades criadas nestes

    domnios: o caso das comisses que acompanham a elaborao dos

    instrumentos de gesto territorial.

    a instabilidade dos nveis supra municipais de Administrao do territrio, deque exemplo a criao, a certa altura, de novas figuras de associativismo

    intermunicipal grandes reas metropolitanas (GAM) e comunidades

    urbanas(ComUrb) , que criaram alguns desarranjos do ponto de vista do

    ordenamento do territrio, j que em nada promoveram, muito pelo contrrio,

    o cumprimento dos seus objectivos mais importantes: coeso territorial e

    social, correco das assimetrias regionais, promoo e valorizao integradadas diversidades do territrio nacional, coordenao e concertao entre as

    vrias entidades intervenientes no territrio.

    Muitas das dificuldades atrs referidas foram explicitadas no Programa Nacional

    da Poltica de Ordenamento do Territrio (PNPOT)6, em cujo Relatrio se faz um

    4Por exemplo, integrando em diferentes ministrios, como j sucedeu, as atribuies referentes

    ao ordenamento do territrio e as atinentes ao desenvolvimento regional, quando se trata de atribuiesinterdependentes que deveriam estar sempre sob a tutela do mesmo ministro.5 Exemplo de uma situao deste tipo foi a que decorreu do reconhecimento pela lei,

    simultaneamente s grandes reas metropolitanas e s comisses de coordenao e desenvolvimentoregional, do poder de elaborar planos regionais de ordenamento do territrio. Com efeito, a Lei n.10/2003, entretanto j revogada, atribua s grandes reas metropolitanas (GAM) a promoo e aelaborao dos planos regionais de ordenamento do territrio , norma que, contudo, no exclua arelevncia do disposto no artigo 55. do RJIGT, que cometia a competncia da elaborao destesinstrumentos de planeamento s comisses de coordenao e desenvolvimento regional, na sequnciada deciso de elaborao tomada por intermdio de Resoluo do Conselho de Ministros. Estacoincidncia de atribuies decorreu do facto de, por um lado, a criao destas novas figurasorganizatrias de base territorial no ter determinado a extino das comisses de coordenao edesenvolvimento regional e de, por outro lado, no se ter procedido alterao das competncias que

    em matria de ordenamento e planeamento a lei assinalava a estas ltimas, tendo, por isso, estes rgosdesconcentrados do Estado mantido as competncias especficas e prprias na elaborao dos planosregionais em simultneo com poderes equivalentes reconhecidos s GAMs

    6 Aprovado pela Lei n. 58/2007, de 4 de Setembro, Rectificada posteriormente pelasDeclaraes de Rectificao n. 80-A/2007, de 7 de Setembro e n. 103-A/2007, de 2 de Novembro

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    diagnostico da ocupao territorial do pas nos ltimos 30 anos, levando

    identificao de 24 problemas para o ordenamento do territrio em Portugal

    organizados em seis grandes ncleos problemticos: recursos naturais e gesto de

    riscos(1.); desenvolvimento urbano(2.); transportes, energia e alteraes climticas

    (3.); competitividade dos territrios(4.); infra-estruturas e servios colectivos(5.); e

    cultura cvica, planeamento e gesto territorial(6.).

    Alguns deles dizem directamente respeito ao sistema urbano e ao processo de

    urbanizao, a saber:

    A expanso urbana desordenada e correspondentes efeitos na fragmentao edesqualificao do tecido urbano e do espao envolvente;

    A expanso desordenada das reas metropolitanas e outras reas urbanas,invadindo e fragmentando os espaos abertos, afectando a sua qualidade e

    potencial ecolgico, paisagstico e produtivo e encarecendo as infra-estruturas

    e a prestao de servios pblicos;

    O despovoamento e fragilizao demogrfica de vastas reas; O insuficiente desenvolvimento dos sistemas urbanos no metropolitanos e da

    sua articulao com espaos rurais envolventes enfraquecendo a

    competitividade e a coeso territorial do pas;

    A degradao da qualidade de muitas reas residenciais, sobretudo nasperiferias e nos centros histricos das cidades e persistncia de importantes

    segmentos da populao sem acesso condigno a habitao, agravando

    disparidades sociais intra-urbanas;

    A insuficincia de polticas pblicas e de cultura cvica no acolhimento eintegrao de imigrantes, acentuando a segregao espacial e excluso social

    nas reas urbanas.

    b) Estes problemas, que se poderia afirmar terem na sua base a ausncia de

    planeamento, no foram, curiosamente, superados com o incremento deste, sendo

    frequentemente consequncia dos planos entretanto elaborados e dos defeitos e

    insuficinciasque lhe so frequentemente imputados, bem como dos resultados que os

    mesmos tiveram na ocupao do territrio.

    Muitos desses defeitose insuficinciasso resultado de dificuldades sentidas

    no prprio processo de planeamento devidos:

    ausncia de um instrumento integrador de carcter regional prvio suaelaborao;

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    s imprecises, incorreces e insuficincias existentes em instrumentos deplaneamento e de desenvolvimento sectorial que lhes serviram de base,

    nomeadamente no que se refere delimitao incorrecta e temporalmente

    desfasada das reas da Reserva Agrcola e Ecolgica Nacionais, por exemplo;

    ausncia de uma actuao homognea no acompanhamento, por parte daAdministrao central havendo, por exemplo, divergncias de actuao

    entre as vrias CCDR na elaborao destes instrumentos, de forma a dar o

    mesmo enquadramento e valorao a questes similares;

    desarticulao dos prprios servios municipais que os elaboraram ou quepor eles foram responsveis na fase de implementao, descoordenao esta

    que tambm se fez sentir entre o prprio municpio e as equipas externas que

    se encontravam a elaborar o plano, quando as houve;

    inexperincia dos servios municipais em matria de planeamento einformao deficiente e tecnicamente desactualizada na elaborao dos

    instrumentos de gesto territorial de imputao municipal, designadamente ao

    nvel da cartografia e da incompletude do registo da propriedade fundiria do

    terreno.

    c) Um processo de planeamento com estas dificuldades conduziu elaborao

    de planos dotados de um conjunto de defeitose de insuficincias.7

    Assim, e desde logo, os planos directores municipais de primeira gerao no se

    revelaram suficientemente estruturantes das cidades, surgindo neles, em regra,

    insuficientemente explicitados os equipamentos, as redes de circulao, a estrutura

    ecolgica e as centralidades, que ficaram, sobretudo, mais sujeitos a proteces do

    que a solues formais e funcionais de relacionamento com a envolvente.

    Por seu lado, tais planos directores municipais sujeitaram certas reas, por vezes

    includas em centros urbanos, a reservas de urbanizao cujo contedo deveria ter

    sido definido por planos mais concretos, que nunca chegaram, contudo, a ser

    elaborados, tendo promovido o surgimento de reas vazias no interior das cidades.

    Para alm do mais, acabaram por dissociar as questes da habitao das do

    7Referir-nos-emos, aqui, apenas aos planos directores municipais, no porque tenham sido osnicos instrumentos de planeamento municipal a ser elaborados na verdade muitos municpioselaboraram e fizer entrar em vigor planos de urbanizao e planos de pormenor, a partir dos quaispromovem a respectiva gesto urbanstica , mas porque so o nvel de planeamento municipal que se

    encontra praticamente concretizado em todo o pas. De facto, relativamente aos restantes nveis deplaneamento municipal fala-se num dfice da sua existncia, apelando-se para a necessidade de sepromover a respectiva elaborao de uma forma mais sistemtica. Neste sentido, vide Isabel MoresCARDOSO, Dfice de Planos de Urbanizao e de Planos de Pormenor, in Arquitecturas, N. 7,Dezembro de 2005, pp. 41 e 42.

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    planeamento urbanstico, tendo sido caracterizados pela falta de integrao da

    programao da construo de habitao, em especial a destinada a classes

    desprotegidas, e promovido o crescimento da cidade em extenso em vez de ter

    incentivado o potencial habitacional e construtivo j existente.

    Acresce que no integraram, em regra, uma estratgia previamentedefinida e

    plenamente estruturada: esta estratgia era, ainda que raramente, integrada no prprio

    plano director municipal, que ainda assim a apresentava em linhas de

    desenvolvimento generalistas e frequentemente no concretizadas em aces

    especficas.

    A consequncia mais visvel deste tipo de planos directores municipais foi a

    promoo de um crescimento urbanstico casusticoe dispersodevido a um conjunto

    de razes, das quais destacamos:

    amplas admissibilidades construtivas neles constantes, no sujeitas acondicionantes ou programao;

    ausncia de iniciativas pblicas fundirias (directasou de dinamizaode processos societrios);

    admissibilidade de iniciativas privadas dentro dos limites da respectivapropriedade e de licenciamentos dispersos e desgarrados (desde que

    conformes com PDM).

    Acresce no terem os planos directores municipais includo orientaes

    executrias, desconsiderando, assim, o momento e os termos posteriores da sua

    execuo, bem como a avaliao dos meios financeiros necessrios para a

    concretizao do que neles se dispunha, tendo aqueles instrumentos desconsiderado,

    em regra, o momento e os termos da sua operacionalizao.8

    Esta falta de programao, aliada previso de amplas admissibilidades

    construtivas (previso sobredimensionada das reas de expanso) e ausncia deinterveno dos rgos do municpio no controlo do processo urbano, veio a ter

    repercusses negativas traduzidas na disperso da ocupao urbanstica pelo

    territrioe, em consequncia, numa irracional expanso das infra-estruturasque a

    servem.

    8 Para mais desenvolvimentos sobre estas insuficincias vide Jorge CARVALHO, Ordenar aCidade, Coimbra, Quarteto, 2003, pp. 365 e ss e Jorge CARVALHO/Fernanda Paula OLIVEIRA,Perequao, Taxas e Cedncias. Administrao Urbanstica em Portugal, Coimbra, Almedina, 2005

    (2. Reimpresso da edio de Fevereiro de 2003), pp. 9 e ss.Sobre as causas que estiveram subjacentes a algumas das deficincias dos planos directores

    municipais de primeira gerao vide Fernanda Paula OLIVEIRA, Os caminhos a direito para umurbanismo operativo in, RevCEDOUA, n. 14, 2006, p. 10 a 13. e Ponto da situao em matria deplaneamento do territrio; avaliao geral do processo de planeamento e suas perspectivas, cit.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    Ao contrrio do que se possa pensar, a responsabilidade por uma ocupao

    territorial deste tipo no pode, contudo, ser imputada em exclusivo aos municpios,

    enquanto autores daquele tipo de planeamento. Com efeito, a disperso provocada

    pelos planos municipais no decorreu de uma opo consciente destas entidades,

    tendo sido, antes, e em grande medida, o resultado das insuficincias da legislao

    urbanstica que conformou os planos directores municipais de primeira gerao, e,

    muito particularmente, da poltica dos solos existente, melhor dito, da sua ausnciaou

    insuficincia.9

    Com efeito, o facto de as opes de planeamento incidirem sobre solos que so

    propriedade privada, no dispondo os municpios, ora por ausncia de previses

    legais adequadas ora por dificuldades de operacionalizao dos instrumentos

    constantes da lei, dos meios que lhes permitam (ou tenham permitido) obter, no

    momento oportuno, os solos necessrios para os fins pretendidos e por preos

    adequados (instrumentos de poltica de solos), fez com que os municpios tenham

    previsto, por precauo, permetros urbanos excessivos, isto , acima das suas

    necessidades reais: uma previso dos permetros urbanos na estrita medida dessas

    necessidades e na ausncia de mecanismos que obrigassem os proprietrios a

    9

    Por poltica de solos entende-se, aqui, o conjunto de aces e de intervenes voluntaristasdaAdministrao pblica no mercado dos solos com a finalidade de garantir a disponibilizao, nomomento oportuno, dos solos necessriospara osfins pretendidose porpreos adequados. Em ltimainstncia tal poltica visa, essencialmente, no que toca ao ordenamento do territrio e urbanismo: (1)responder ao aumento da procura de solos para fins urbansticos isto para efeitos de urbanizao eedificao , designadamente por intermdio de medidas de incentivo e de controlo da oferta de solospor iniciativa dos privados; (2) contrariar fenmenos de especulao atravs, designadamente, demedidas penalizadoras dos fenmenos de reteno fundiria; (3) satisfazer as necessidades das pessoascolectivas pblicas de terrenos necessrios para espaos verdes pblicos e de utilizao colectiva,equipamentos e infra-estruturas; (4) conter a expanso urbanstica incentivando, em seu detrimento, opreenchimento de espaos vazios subaproveitados no interior dos permetros urbanos e a reconstruo ea reabilitao urbanas; (5) constituir mercados ou patrimnios pblicos de solo, que tornem aAdministrao apta a intervir no mercado com o fim de corrigir as respectivas disfunes e, em

    simultneo, assegurem a possibilidade de realizao ou promoo de operaes urbansticas parasatisfao de carncias sociais especficas; (6) garantir a participao dos privados nos processos detransformao urbanstica e de reabilitao e regenerao urbanas em condies de concorrncia,transparncia e publicidade. Cfr., Fernanda Paula OLIVEIRA, Poltica dos solos in DicionrioHistrico do Ministrio das Obras Pblicas, 1852/2004, 2007 e Fernando Alves CORREIA,Manual deDireito do Urbanismo, cit., p. 861

    Todos estes objectivos podem ser reconduzidos a trs: (1) desenvolvimento e ordenamento(prossecuo de objectivos de desenvolvimento e de um processo ordenado de crescimento etransformao da cidade e do territrio); (2) distribuio da renda fundiria (designadamentepermitindo a apropriao pela Administrao de uma parte da renda fundiria tendo em ateno anecessidade de financiamento das infra-estruturas e equipamentos pblicos); (3) conteno dos preospraticados no mercado fundirio e imobilirio. Cfr. Jorge de CARVALHO, Ordenar a Cidade, cit., p.288.

    Actualmente, em face das dificuldades econmico-financeiras das entidades pblicas e peranteum novo paradigma de Administrao fala-se hoje de um Estado meramente Regulador,Garantidor, Promotor e Orientador , a poltica de solos j no passar tanto por uma intervenodirecta das entidades pblicas no mercado dos solos, mas pela assuno de uma tarefa de orientaodas diversas iniciativas privadas.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    libertar os solos para os fins pretendidos, poderia conduzir a fenmenos de maior

    retenoe, consequentemente, de maior especulao fundiria.10

    A definio de amplos permetros urbanos, nos quais se encontravam integrados

    no apenas os solos j urbanizados, mas tambm aqueles que admitemurbanizao e

    edificao, foi a forma encontrada para evitar o referido fenmeno da especulao dos

    solos urbanos.

    No entanto, um planeamento deste tipo que admite (de forma ampla)

    ocupao urbanstica sem, contudo, a programar , potenciou o surgimento

    casustico(ao sabor das iniciativas dos promotores e de acordo com os seus prprios

    timigs), de operaes urbansticas, em regra concretizadas nos limites da propriedade

    de cada um, bem como de licenciamentos dispersos e desgarrados uns dos outros

    (ainda que conformes com os planos directores municipais em vigor), desordenando,

    deste modo, o territrio

    Assim, uma das causas para o desordenamento do territrio consistiu,

    precisamente, na existncia de um tipo de planeamento que teve na sua base uma

    poltica fundiria praticamente inexistente ou deficiente, juntamente com uma

    deficiente fiscalidade urbanstica que favorecia a tendncia para a especulao

    imobiliria.

    3.3. A superao dos problemas

    a) Resulta do referido, que uma das causas para o desordenamento do

    territrio portugus esteve na ausncia de uma Lei de Solos que fornecesse s

    entidades pblicas os instrumentos necessrios e adequados para fazer face aos

    problemas que se lhe colocavam.

    A reforma legislativa que permitisse contrariar esta tendncia e resolver os

    problemas apontados no se iniciou, contudo, pela Leis dos Solos, mas,essencialmente, pela legislao atinente ao planeamento do territrio, enquanto

    instrumento indispensvel ao ordenamento territorial: inicialmente com a aprovao

    de umaLei de Bases da Politica de Ordenamento do Territrio e Urbanismo(Lei n.

    48/98, de 11 de Agosto, alterada pela Lei n. 54/2007, de 31 de Agosto) que

    estabeleceu as bases gerais de um sistema que se veio a designar de gesto territorial

    logo seguida de trs diplomas fundamentais nesta matria, os quais, contudo, no

    surgiram articulados entre si (nem se articularam, to pouco, com a Lei dos Solos

    10Cfr., o nosso Poltica dos solos cit.,.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    vigente): O Regime Jurdico dos Instrumentos de Gesto Territoria (RJIGT11); o

    Regime Jurdico de Urbanizao e Edificao (RJUE12) e o Cdigo das

    Expropriaes13, todos de 1999.

    Particular relevo assume o RJIGT, que veio, no apenas, definir o regime

    aplicvel aos vrios instrumentos de gesto territorial(de nvel nacional, regional e

    municipal), mas tambm, e principalmente, o regime referente sua

    operacionalizao (que se apresentava como uma novidade no nosso ordenamento

    jurdico).

    Assim, com especial importncia para as questes que aqui nos ocupam,

    passou a prever-se que, para alm da definio, pelos planos, das regras atinentes

    ocupao, uso e transformao do territrio, os municpios passem tambm a

    programar as vrias intervenes neles previstas e a reconhecer que o limite da

    propriedade de cada um no a unidade territorial apropriada para a concretizao de

    intervenes urbansticas racionais e integradas, donde ser fundamental incentivar (e

    empurrar) os proprietrios para processos associativos com vista a concretizar

    projectos urbansticos de dimenso adequada a um crescimento harmonioso da urbe.

    As palavras de ordem para a concretizao de um novo modelo de ocupao

    territorial que se pretende instituir passam, assim, a ser as de programao, de

    promoo ou condicionamento das operaes urbansticas a solues de conjuntoe depromoo deparceriasentre privados e destes com a Administrao na concretizao

    dos planos.

    Tudo no sentido de implementar um novo modelo de ocupao territorialcom

    o qual se pretende, de acordo com as orientaes constantes desta legislao e de um

    conjunto de programas estratgicos elaborados sua luz [como o Programa Nacional

    11

    Decreto-Lei n. 380/99, de 22 de Setembro, com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lein. 53/2000, de 7 de Abril, pelo Decreto-Lei n. 310/2003, de 10 de Dezembro, pela Lei n. 58/2005, de29 de Dezembro, pela Lei n. 56/2007, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n. 316/2007, de 19 deSetembro, pelo Decreto-Lei n. 46/2009, de 20 de Fevereiro e pelo Decreto-Lei n. 181/2009, de 7 deAgosto.

    12Decreto-Lei n. 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n. 177/2001, de 4 deJulho. O referido diploma foi entretanto objecto de alteraes promovidas pela Lei n. 15/2002, de 22de Fevereiro e pela Lei n. 4-A/2003, de 19 de Maro (que incidiram sobre o seu artigo 112.), peloDecreto-Lei n. 157/2006, de 8 de Agosto (que alterou o artigo 92. e previu que o prazo previsto no n.2 do artigo 71. para requerer a emisso do alvar no corresse na pendncia das aces de aquisio oudenncia previstas no referido decreto-lei), pela Lei n. 60/2007, de 4 de Setembro (a qual promoveuuma alterao mais profunda a este regime, com o intuito de dar cumprimento a objectivos desimplificao procedimental), pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro (que revogou o n. 9 do

    artigo 107.) e pelo Decreto-Lei n. 116/2008, de 4 de Junho (o qual alterou o artigo 49.).Recentemente foi ainda objecto de alteraes pontuais efectuadas pelo Decreto-Lei n. 26/2010, de 30de Maro.

    13Aprovado pela Lei n. 168/99, de 18 de Setembro, com a ltima alterao efectuada pela Lein. 56/2008, de 4 de Setembro.

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    da Politica de Ordenamento do Territrio (PNPOT)14]:

    (a)conter(consolidar) permetros urbanos;(b)preencher (colmatar) espaos vaziosdentro dos permetros existentes15;(c)fornecer instrumentos adequados para reforar e revitalizar os centros das

    cidades, designadamente os centros histricos.

    Tudo com o intuito de inverter as tendncias expansionistas dos permetros e dispersivas da ocupa

    b) Toda esta reforma foi, curiosamente, operada margem da Lei dos Solos,

    no obstante o n. 2 do artigo 16. da LBPOTU ter determinado que:

    2 - Para a execuo coordenada e programada dos instrumentos de

    planeamento territorial, os meios de poltica de solos a estabelecer na lei devem

    contemplar, nomeadamente, modos de aquisio ou disponibilizao de terrenos,

    mecanismos de transformao fundiria e formas de parceria oucontratualizao, que incentivem a concertao dos diversos interesses.

    Foi, no entanto, no RJIGT, e no na Lei dos Solos, que se vieram regulamentar

    alguns dos instrumentos de poltica de solos referidos naquele normativo da

    LBPOTU. Assim:

    ) O funcionamento de mecanismos de perequao de benefcios e encargos

    decorrentes dos planos (artigos 135. a 142. do RJIGT) pode determinar o pagamento

    de compensaes em espcie, isto , de compensaes atravs da cedncia deterrenos, as quais funcionam, desta forma, como modos de aquisio e

    disponibilizao de terrenos, concorrendo para uma exigncia indispensvel em

    matria de direito de solos: a constituio de reservas pblicas de solos, as quais

    podem ser utilizadas com vista:

    regularizao dos preos praticados no mercado; correco das demais disfunes que a se verificam;

    instalao de infra-estruturas e equipamentos de utilizao colectiva; execuo de empreendimentos urbansticos de iniciativa pblica.

    Com efeito, os mecanismos de perequao, enquanto mecanismos destinados a

    corrigir ou atenuar as desigualdades introduzidas, em termos de aproveitamento

    urbanstico, pelos instrumentos de planeamento, assenta, genericamente, na definio

    14O PNPOT integra no objectivo estratgico 3 (promover o desenvolvimento policntrico dosterritrios e reforar as infra-estruturas de suporte integrao e coeso territoriais ) o objectivoespecfico promover um desenvolvimento urbano mais compacto e policntrico do continente,

    contrariar a construo dispersa, estruturar a urbanizao difusa e incentivar o reforo dascentralidades intra-urbanas. (sublinhados nossos).

    15 Neste caso, as necessidades urbansticas so satisfeitas com a mobilizao dos solosexpectantes dentro dos permetros urbanos (nos quais devem ser concretizados projectos que osconsiderem de forma global e integrada).

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    de um aproveitamento padroe de um encargo padroreconhecidos ou atribudos a

    todos os proprietrios de igual forma e, em caso de desvio a estes, do funcionamento

    de correces e/ou compensaes que tanto podero ser em dinheiro como em

    espcie.

    TcnicasPerequativas Entre proprietrios Com o Municpio

    Em terreno Associao de proprietrios - Cedncias de terreno

    Em numerrio Transferncia de ndices- Taxas- Compensaes

    Ora, a instituio de tcnicas perequativas entre os proprietrios e o municpio,

    atravs da cedncia de terrenodo resposta quela exigncia da LBPOTU: de criao

    de mecanismo que funcionem como modos de aquisio ou disponibilizao de

    terrenos.

    ) Por sua vez, o reparcelamento do solo urbanoregulado nos artigos 131. a

    134. do RJIGT, consiste numa operao de transformao fundiria destinada a

    ajustar o cadastro existente (em regra irregular ou muito fragmentado) s previses

    constantes do plano, correspondendo aos mecanismos de transformao fundiria

    referidos no artigo 16. da LBPOTU, como mecanismos indispensveis execuodos planos, em especial, dos planos municipais de ordenamento do territrio.

    A este instrumento, acrescem, com o mesmo objectivo, os planos de pormenor

    com efeitos registaisadmitidos mais recentemente pelo RJGIT (aps as alteraes do

    Decreto-Lei n. 316/2007) os quais, traduzindo-se, embora, em instrumentos de

    planeamento, podem, contudo, proceder directamente transformao fundiria da

    sua rea de interveno, dispensando posteriores actos de controlo preventivo das

    operaes urbansticas (reparcelamentos ou loteamentos) que a visam alcanar

    (artigos 92.-A e 131., n. 10 do RJIGT).

    ) Tambm asformas de parceriaou contratualizaoem matria de execuo

    dos instrumentos de planeamento, que a LBPOTU refere como instrumentos de

    poltica dos solos a consagar e regulamentar, se encontram reguladas, com algum

    pormenor, no RJIGT.

    Com efeito, este diploma disciplina vrios tipos de contratos celebrados entre os

    particulares e a administrao no mbito da execuo sistemtica dos planos, visandoconcertar a concretizao das opes urbansticas previamente determinadas nos

    instrumentos de planeamento territorial.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    A este propsito assumem particular relevo os contratos celebrados no mbito

    dos sistemas de compensao, cooperao e de imposio administrativa. Assim, no

    sistema de compensao, ser celebrado um contrato de urbanizao que regula os

    direitos e as obrigaes entre os participantes na execuo da interveno urbanstica

    a concretizar na unidade de execuo previamente delimitada pela cmara municipal

    (artigo 122., n. 2); no sistema de cooperao, o contrato de urbanizao a celebrar

    pode envolver apenas os proprietrios e os promotores da interveno urbanstica ou

    estes, o municpio e outras entidades interessadas na execuo do plano (artigo 123.,

    n. 2), e, por fim, no sistema de imposio administrativa, embora a lei no lhe faa

    referncia expressa, pode ocorrer contratao entre os proprietrios e a cmara, j que

    o recurso a este sistema pode ser fundamentado no apenas na oposio ou recusa dos

    proprietrios na execuo do plano hiptese em que ter de se lanar mo dos

    mecanismos expropriativos , mas tambm no desinteresse ou incapacidade destes

    em assumirem a execuo programada pelo municpio, situao em que podero,

    mediante instrumentos contratuais adequados, autorizar aquele a actuar por vez deles,

    conferindo-lhe a legitimidade necessria para poder intervir nos seus terrenos e

    concretizar a interveno urbanstica por ele prevista e programada. Acresce a

    possibilidade de celebrao de contratos entre a Administrao e os concessionrios

    da urbanizao, nos termos previstos no artigo 124. do RJIGT.

    Tambm os contratos celebrados no mbito de operaes de reparcelamento,

    enquanto instrumento de execuo dos planos, se apresentam como formas de

    parceria ou contratualizao em matria de execuo dos planos exigidas pela

    LBPOTU, a que acresce a elaborao de programas de aco territorial

    instrumentos de contratao entre todas as entidades (pblicas ou privadas)

    interessadas na execuo dos instrumentos de planeamento territorial previstos

    quer na LBPOTU (artigo 17.) quer no RJIGT (artigo 121.).

    ) Foi tambm no mbito do RJIGT que se introduziram vrias solues e

    instrumentos destinados a superar as principais entropias que os planos directores

    municipais de primeira gerao anteriormente referidas geraram no territrio e a

    superar a ausncia de instrumentos de poltica de solos que permitam disponibilizar

    terrenos (que so propriedade privada) no momento e nos locais necessrios para os

    fins pretendidos.

    Estas solues passaram pela introduo de mecanismos de programao das

    intervenes previstas nos planos (com identificao daquelas que assumem

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    prioridade absolutae que, por isso, tm mesmo de acontecer num determinado lapso

    temporal; das intervenes desejveis e daquelas que apenas so admissveis, mas

    que, na ptica do municpio, apenas devem ser realizadas em determinadas

    condies). A possibilidade de adopo dos sistemas de imposio administrativa, de

    cooperaoe de compensaorespondem a estas exigncias.16

    Mais, passa a prever-se que a execuo dos planos funcione dentro de unidades

    de execuo, de forma a que as reas destinadas a projectos urbansticos no

    coincidam com o limite da propriedade de cada um que no apresenta, em regra, a

    dimenso adequada para intervenes que garantam um desenvolvimento urbano

    harmonioso , incentivando ou empurrando, assim, por esta via, os proprietrios

    paraprocessos associativos.17

    Todas estas solues avanadas pelo RJIGT permitem aos municpios a

    disponibilizao de solos para a concretizao dos projectos ou empreendimentos

    previstos nos planos municipais, fazendo com que as previses destes deixem de estar

    na dependncia das iniciativas privadas, cujos timingsnem sempre coincidem com os

    dos municpios. Apresentam-se, assim, como importantes instrumentos de aquisio

    ou disponibilizao de terrenosa que a LBPOTU se refere.

    Conclui-se, assim, que o RJIGT, na parte dedicada execuo de planeamento

    territorial, sistemas de execuo e mecanismos de perequao compensatria, permite,

    no campo dos princpios e intenes, fazer face e responder aos fenmenos de

    reteno dos solos com fins especulativos e promover a sua disponibilizao para fins

    pblicos. O que significa que uma parte importante da regulamentao constante do

    RJIGT integra matrias especificas e prprias de uma Lei de Solos.

    4. A Lei dos solos e a execuo dos instrumentos de planeamento

    a) Do que vem de se referir, podemos concluir, desde j, que as reformas

    legislativas operadas em 1999 pelo RJIGT em concretizao da LBPOTU, visaram

    dar resposta aos problemas colocados no mbito do processo de planeamento

    decorrentes da ausncia de instrumentos de poltica de solos que permitissem tornar

    os instrumentos de planeamento territorial efectivamente operativos.

    16Sobre as situaes que justificam o recurso a cada um destes sistemas de execuo e a suadefinio em articulao com a programao das prioridades definidas pelo municpio videFernanda

    Paula OLIVEIRA, As virtualidades das unidades de execuo num novo modelo de ocupao doterritrio, cit.

    17Por a rea da unidade de execuo no corresponder (ou no dever corresponder), em regra aolimite da propriedade de um s interessado, a delimitao da mesma exige a promoo de projectosconjuntos.

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    Ou seja, esta reforma no deixou de ser a confirmao de que uma eficaz

    poltica de ocupao territorial (de ordenamento do territrio e de urbanismo)

    necessita de uma eficiente poltica de solos, que se apresenta, assim, como um

    pressuposto indispensvel daquela, mas tambm a confirmao de que os meios de

    poltica fundiria regulados na Lei dos Solos no eram adequados a dar resposta s

    novas exigncias: que j no so a expanso, mas a contenoe colmatao; j no

    so a nova edificao(expanso), mas antes a reabilitaoe renovao urbanas.18-19

    Foi, de facto, no mbito daqueles diplomas, e no no da Lei dos Solos, que se

    definiram os principais mecanismos de poltica de solos indispensveis

    concretizao (execuo) dos planos municipais.

    No obstante a clara interferncia das matrias tratadas no RJIGT com o direito

    dos solos, no deixa fazer sentido a opo ento tomada de as integrar naquele

    diploma legal. Com efeito, o que se pretendeu com este diploma, foi a agregao ou

    tratamento unitrio (numa lgica de codificao20), de todas as questes atinentes ao

    planeamento, designadamente:

    a identificao dos interesses pblicos com repercusso territorial quepor eles devem ser considerados;

    a identificao dos vrios instrumentos de planeamento nos diversosnveis de interesses (nacionais, regionais e municipais);

    a forma do respectivo relacionamento; o correspondente procedimento de elaborao; o seu contedo material e documental; a dinmica a que esto sujeitos (designadamente os procedimento de

    reviso, de alterao e de suspenso);

    as medidas cautelares da sua elaborao; a respectiva execuo;

    18Com efeito, a Lei dos Solos ainda em vigor tem um mbito de incidncia muito limitado,prestando exclusiva ateno ao problema da disponibilidade de solos para expansodos aglomeradosurbanos e, particularmente, para fazer face carncia habitacionalregistada poca e, por isso, paradar resposta s exigncias de nova urbanizao..

    19Como afirma Jorge de Carvalho, com a reforma do sistema operada pelo RJIGT veio dar-seresposta necessidade de uma poltica de solos forte, ainda que diferente: perene e persistente;inventiva, perspectivada de forma global, mas aplicada especialmente a cada uma das diversaspartesda cidade; articulando uma multiplicidade de propriedades, agentes, recursos e dinmicas, pblicos e

    privados; utilizando de forma complementar instrumentos impositivos, associativos, negociais. Cfr.

    Jorge de CARVALHO, Ordenar a Cidade, cit., , p. 287.20Sobre a elaborao do RJIGT numa lgica de codificao cfr. Fernanda Paula OLIVEIRA, ARealidade Actual: a Disperso da Legislao do Urbanismo e as Solues de Unificao de AlgunsRegimes Jurdicos, inActas do Colquio Internacional Um Cdigo do Urbanismo Para Portugal?,CEDOUA, Coimbra, Almedina, 2003.

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    os instrumentos de perequao e as indemnizaes pelas restries por eles determinadas.

    Ou seja, no obstante o relevo dos instrumentos de poltica dos solos na

    execuoe operacionalizaodos instrumentos de planeamento, o seu tratamento foifeito, por clara opo do legislador, margem da Lei dos Solos, por se pretender o

    tratamento integrado, feito no mbito de um mesmo diploma legal, de todas as

    questes directamente relacionadas com os instrumentos de planeamento.21

    No pode, porm, deixar de se chamar a ateno para o facto de esta reforma

    legal, por ter operado margem da Lei dos Solos, ter tornado esta lei ainda mais

    desactualizada do que j se encontrava, provocando uma desarticulao do seu

    contedo regulador com estes novos regimes normativos entretanto aprovados em

    matria de ordenamento do territrio e urbanismo (designadamente, a LBPOTU e o

    RJIGT).

    Compreende-se, assim, que uma das medidas prioritrias apontada no PNPOT

    seja, precisamente, a reviso e actualizao da legislao dos solos, em coerncia

    com os restantes regimes legais e fiscais(sublinhado nosso)

    Exemplo da referida desarticulao no mbito da execuo dos planos a que

    se denota em matria deparceriaseformas deassociativismo entre proprietrios e a

    Administrao. Assim, apesar de o RJIGT prever e regular com pormenor um

    conjunto de parcerias e formas de associativismo de particulares com a Administrao

    no domnio da execuo dos planos (designadamente no mbito dos sistemas e

    unidades de execuo e das operaes de reparcelamento), continua a ter consagrao

    e regulao na Lei dos Solos, sem que tivesse sido feita qualquer articulao com

    aquele diploma, a figura da Associao de Administrao com os Particulares,

    permanecendo, ainda, em vigor, em legislao dispersa, as figuras das reas de

    21O prprio PNPOT parece confirmar que o RJIGT resolveu j as questes atinentes execuodos planos e perequao de benefcios e encargos, apenas faltando a sua dinamizao. Com efeito, esterelevante instrumento de gesto territorial identifica, no seu Programa de Aco, como medidaprioritria para a concretizao do seu objectivo estratgico 3 (Promover o desenvolvimentopolicntrico dos territrios e reforar as infra-estruturas de suporte integrao e coeso territorial),a dinamizao da aplicao dos diversos mecanismos de execuo dos instrumentos de gestoterritorial previstos no Decreto-Lei 380/99, nomeadamente promovendo um urbanismo programado e

    de parcerias e operaes urbansticas perequativas e com auto-sustentabilidade financeira

    (sublinhado nosso). A forma como esta medida est explicitada corresponde a um claroreconhecimento de que a legislao em vigor (precisamente o RJIGT) contm j mecanismos destetipo, pelo que, mais do que a alterao da legislao, ter de se promover (dinamizar) uma mudanadas prticas, em especial dos nossos municpios, que devem convencer-se da necessidade(indispensabilidade) de os utilizarem.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    desenvolvimento urbano prioritrioe as reas de construo prioritria22que visam

    objectivos idnticos aos sistemas de execuo por cooperao ou imposio

    administrativa (embora sem nunca terem tido aplicao prtica).

    Mais, as medidas preventivaspara salvaguarda da elaborao de instrumentos

    de planeamento passam a constar do RJIGT (sem que tenha sido alterada a Lei dos

    Solos que, neste aspecto particular se encontra revogada), mas manteve-se na Lei dos

    Solos o regime aplicvel s medidas preventivas de salvaguarda de outros projectos

    de empreendimento pblico, a qual apresenta, sem que existam motivos para tal, uma

    regulamentao aparentemente distinta da daquelas, designadamente em matria dos

    limites temporais de vigncia e de eventuais efeitos indemnizatrios quando estas

    medidas sejam renovadas ao fim de trs anos.

    Tambm o direito de preferncia, enquanto instrumento de poltica dos solos, se

    encontra previsto na Lei dos Solos e no RJIGT (aqui como instrumento de execuo

    dos planos).

    b) Em face desta desarticulao (de que aqui apenas apresentamos alguns

    exemplos), torna-se indispensvel questionar, num momento em que se procede

    reviso da Lei dos Solos, que caminho seguir:

    a integrao de todos os instrumentos de poltica dos solos com relevono ordenamento do territrio nesta lei ou

    a manuteno da sua regulao na legislao a que directamente dizrespeito, como sucede com a problemtica da execuo dos instrumentos

    de planeamento que se encontram integrados no RJIGT.

    A ns parece-nos, tendo em considerao a multiplicidade de regimes dispersos

    onde o direito dos solos tem relevo, que a integrao na Lei dos Solos de toda e cada

    uma dessas regulamentaes especficas, transformando esta lei numa codificao de

    todo o direito dos solos, torn-la-ia no s demasiado extensa e de difcil de

    utilizao, como deslocaria para fora da legislao especifica um conjunto de

    regulamentao que apenas a ela diz respeito ou que nela tem particulares

    especificidades.

    Consideramos, por isso, fazer sentido manter os instrumentos de poltica dos

    solos dispersos pela vrias legislaes a que directamente respeitam, com as

    especificidades por elas exigidas donde se apontar no sentido da manuteno, em

    22Cfr. Decreto-Lei n. 152/82, de 3 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n. 210/83, de 23 deMaio.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    cada concreto regime(por exemplo, no mbito do RJIGT), das questes de poltica

    dos solos que a ele concretamente dizem respeito (v.g. a manuteno, no RJIGT, dos

    mecanismos de poltica de solos com relevo imediato no mbito execuo dos planos)

    , mas integrando numa Lei dos Solos os princpios fundamentais e o regime base

    comumdos mesmos.

    Veja-se, a ttulo de exemplo, o caso das medidas preventivas. O regime bsico

    deste mecanismo cautelar de planos em elaborao e de projectos em curso de

    decisopoderia constar da lei dos Solos, integrando-se no RJIGT apenas os aspectos

    relativamente aos quais aquelas medidas assumissem especificidade. Caso se conclua

    que essas especificidades no existem, bastaria que no RJIGT se procedesse a uma

    mera remisso para o regime da Lei dos Solos. 23

    O mesmo valeria para os restantes casos: sendo certo, por exemplo, que o

    direito de prefernciapode ter um mbito de aplicao mais amplo do que como mero

    instrumento de execuo dos planos, justificar-se- a introduo na Lei dos Solos de

    um seu regime comum, aplicvel a todas as situaes em que este instrumento tivesse

    aplicao (em matria de execuo de plano, de reabilitao urbana, etc.), reservando-

    se para cada regime concreto as especificidades que a figura a assume.

    Relativamente a algumas das medidas actualmente constantes da Lei dos Solos

    que se venha a concluir terem um mbito de aplicao coincidente com instrumentos

    constantes do RJIGT o caso, por exemplo, da Associao da Administrao com

    os Proprietrios dos Solos, cuja existncia parece ter sido consumida pelas figuras

    associativasaliadas aos sistemase s unidades de execuoe pelo reparcelamento do

    solo urbanoa soluo passaria por as excluir da regulamentao da Lei dos Solos.

    A no ser que se conclusse ter este instrumento um mbito de aplicao mais amplo

    do que como instrumento de execuo dos planos (o que no parece que suceda),

    situao em que continuaria a justificar-se a regulamentao desta figura. Neste caso,

    23A regulamentao que veio a ser introduzida no RJIGT a propsito desta medida cautelar,mais clara e actual do que a que constava da Lei dos Solos, justifica-se igualmente quando esteja emcausa acautelar projectos de empreendimentos pblicos (por exemplo, o projecto do TGV ou doaeroporto de Lisboa). Poderia assim a alterao da lei dos solos passar por estender aquele regime aestes projectos. Note-se que esta j a interpretao que vem sendo feita do ponto de vista jurdico,aplicando-se, a mais das vezes, o regime previsto no RJIGT s medidas preventivas previstas na Leidos Solos, dada a analogia de situaes.

    Por seu lado, o RJIGT determina que a deciso realizao e de localizao de grandesempreendimentos pblicos com incidncia territorialtem natureza deplano sectorial[cfr. alnea c) do

    n. 2 do artigo 35.], com a consequente sua no vinculatividade directa em relao aos particulares e,por isso, fora do alcance das medidas preventivas, que, em princpio, esto reservadas para os planosdotados de eficcia plurisubjectiva (cfr. n. 1 e n. 9 do artigo 107. do RJIGT), o que ternecessariamente implicaes na legitimidade para a manuteno, luz da Lei dos Solos, de medidaspreventivas para este tipo de projectos.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    porm, tornar-se-ia necessrio reformular este mecanismo de forma a tornear as

    dificuldades que estiveram na base de uma sua utilizao nula em mais de 30 anos da

    respectiva previso legal.

    Mais, no pode ignorar-se que este, como outros instrumentos consagrados na

    Lei dos Solos, tinham como funo prioritria assegurar reas de expanso dos

    aglomerados urbanosnecessrias sua organizao e funcionamento e satisfao da

    sua dinmica demogrfica e econmica, quando os objectivos actuais das polticas de

    ordenamento do territrio j no so, como afirmmos, estes, mas sim a dinamizao

    da revitalizao e regenerao das reas interiores dos permetros urbanos e a

    colmatao dos vazios urbanos, na sua maioria correspondentes a situaes de

    imobilismo especulativo, numa lgica da integral e racional valorizao das infra-

    estruturas e servios pblicos existentes. Por isso, uma sua eventual manuteno

    implicar sempre um necessrio ajustamento destes instrumentos aos novos

    objectivos a que a poltica de solos deve dar resposta.

    Refira-se ainda, no que concerne aos instrumentos de execuo regulados no

    RJIGT (e que, como afirmmos, a devem permanecer dada a coerncia global deste

    diploma e a sua aplicao tendencial a todas as questes de planeamento do territrio,

    de que a execuo parte integrante), que se torna necessrio introduzir, em relao a

    algumas delas, esclarecimentos e correces, as quais devem ser feitas no apenas noRJIGT, mas tambm em legislao com ele conexa, sem o que a sua operacionalidade

    pode ser posta em causa. o que sucede com a figura dos reparcelamentos urbanos,

    que tem suscitado vrias dvidas de ordem prtica, designadamente ao nvel do

    registo e das questes de carizfiscal, sem o esclarecimento das quais a sua aplicao

    prtica e operacionalizao podem tornar-se mais problemticas. O estabelecimento,

    numa Lei dos Solos, dosprincpios bsicosreferentes a estas questes poder ter um

    papel relevante a este propsito, facilitando uma melhor articulao entre as vriaslegislaes conexas mobilizveis para a execuo dos instrumentos de planeamento.

    5. A Lei dos solos e as expropriaes urbansticas

    Vistas estas questes de cruzamento da poltica de solos com a execuo dos

    planos , incidamos agora a nossa ateno sobre outras reas onde a Lei dos Solos

    passvel de ser mobilizada, comeando pelo domnio das expropriaes por utilidade

    pblica.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    a) Um dos instrumentos tpicos de aquisio e disponibilizao dos solos

    Administrao e, por isso, um instrumento caracterstico de poltica fundiria, so as

    expropriaes por utilidade pblica. Por isso a actual Lei dos Solos integra ainda

    algumas disposies diversas sobre este instituto, no obstante poder concluir-se,

    de uma leitura cruzada destas disposies com as constantes do RJIGT onde as

    expropriaes, enquanto instrumento de execuo dos planos, tambm tm

    regulamentao , que aquelas normas da Lei dos Solos se encontrarem tacitamente

    revogadas, por terem sido consumidas pelas normas do RJGIT (cfr. os seus artigos

    128.-129.).

    Para alm do mais, as expropriaes por utilidade pblica so, entre ns, de h

    muito, objecto de tratamento sistemtico em cdigos das expropriaes, o que diminui

    grandemente a importncia do seu tratamento no mbito de uma lei dos solos.

    Note-se, porm, que embora o actual Cdigo das Expropriaes date, como o

    RJIGT, de 1999, estes dois diplomas legais no se encontram articulados entre si, o

    que no deixa de ser um entrave a uma poltica de ordenamento do territrio e de

    urbanismo que se pretenda eficaz: muito embora, como se referiu, o RJIGT, na parte

    dedicada execuo dos planos, sistemas de execuo e mecanismos de perequao

    compensatria, tenha criado condies que permitam, de certa forma, contrariar o

    fenmeno da reteno dos solos com fins especulativos e promover a suadisponibilizao para fins pblicos, este objectivos esbarram, na prtica, com alguma

    desarticulao com o Cdigo das Expropriaes a vrios propsitos em que as

    expropriaes se relacionam com o fenmeno planificador.

    b) Antes de mais, essa desarticulao ocorre em matria de classificao dos

    solos, sendo diferente aquela que vale para efeitos de planeamento da que tem relevo

    para efeitos do clculo de indemnizao quando os mesmos solos so objecto de

    expropriao para a execuo das disposies dos planos, no existindo uma

    uniformidade de critrios a este propsito.Assim, de acordo com o RJIGT, os solos so classificados, para efeitos da

    definio do regime de uso dos solos, em urbanos e rurais, cada um deles integrando

    diversas categorias.24J para efeitos do clculo da indemnizao por expropriao o

    24Nos termos dos artigos 71. a 73. do RJIGT, o regime de usos do solo definido nos planosmunicipais atravs das tarefas da respectiva classificaoe qualificao. Pela primeira o plano define odestino bsico dos solos, atravs da reconduo das vrias parcelas s classes do solo urbano e rural.Pela segunda o plano municipal determina, dentro de cada uma daquelas classes, as diversas categoriasemfuno do uso dominantenelas admitido (isto , do uso que predominantemente pode ser instalado

    e desenvolvido), fixando os respectivos uso e, quando possvel, edificabilidade (categorias funcionais).O Decreto Regulamentar n. 11/2009, que fixa os critriosgerais (uniformes) a que os municpios sedevem ater para o efeito, considera, para alm de categorias funcionais, categoriais operativasde usodo solo em funo do seu grau de urbanizao e de consolidao morfo-tipolgica bem como do graude programao municipal da urbanizao e da edificao.

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    Cdigo das Expropriaes classifica-os em solo apto para construo e solo para

    outros fins, classificaoque, contudo, no tem correspondnciacom aquela outra.

    QUADRO 2 Classificao e qualificao do solo nos Instrumentos de Gesto Territorial

    QUADRO 3 Classificao dos solos no Cdigo das Expropriaes

    Classificao dos solos

    para efeitos deindemnizao por

    expropriaoSolos aptos para construo Solos para

    outros fins

    - Solos dotados de certas infra-estruturas urbansticas

    - Solos integrados em ncleo urbano

    - Solo qualificado como rea destinada a edificao e urbanizao emplano municipal de ordenamento do territrio

    - Solo abrangido por alvar de loteamento ou de licena deconstruo em vigor no momento da declarao da utilidadepblica, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes dadata da notificao da resoluo de expropriar referida no artigo 10.do Cdigo das Expropriaes

    Os restantes

    Pode assim suceder que um solo seja classificado de rural pelo plano director

    municipal em vigor, mas integre a categoria dos solos aptos para construo para

    efeitos expropriativos (por dispor de infra-estruturas mnimas).

    Pode tambm suceder que um municpio, na sua tarefa de planeamento

    territorial, decida destinar para zona verde e de lazer solos que, por natureza, isto ,

    dadas as suas caractersticas objectivas, esto mais vocacionados para esses fins (solos

    sobre que incidem condicionantes de ordem natural, como linhas de gua, vales

    profundos, etc., que no denotavam j, independentemente da opo planificadora,

    qualquer vocao edificatria). Uma leitura literal do n. 12 do artigo 26., que manda

    atender, para a determinao do calculo edificatrio edificabilidade mdia que existe

    ou possvel existir numa envolvente de 300m (considerando o solo, nestes casos,

    como apto para construo), penaliza estes municpios, que se podem ver forados

    por aquela disposio do Cdigo das Expropriaes, a adquirir como detendo

    capacidade edificativa, terrenos claramente dela desprovidos, Assim, sendo certo que

    em causa podero estar solos afectos estrutura ecolgica necessrios ao equilbrio

    Classificao(A rt 72 D L 380/99) rur al urba n o

    Qualificao(A rt 73 D L 3 80 /9 9) a grcola s

    floresta is de p r oduo urban izados florestais de conservao de exp lorao mine i ra de agro- inds tr ias de in d str ias silvcolas de u rban izao progr am ada de indstrias de valorizao

    de p rodutos minera is n a t u ra i s p a ra in fr a- es tr ut ur as n o u rb an a s d e e st ru tu ra ec ol g ic a u rb an a rurais de usos mltiplos

    solo .. .

    espaos . . .

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    do sistema urbano, os quais, nos termos da alnea c) do n. 4 do artigo 73. do

    RJIGT, tm a qualificao de urbanos, desempenhando uma funo de melhoriada

    qualidadeurbanada cidade em que se integram, no poder, na avaliao que deles

    for feita para efeitos indemnizatrios, deixar de se ter em considerao as suas

    especiais caractersticas (designadamente a sua natural inaptido edificatria). Uma

    soluo diferente penalizaria os municpios cujas decises planeadoras (e de poltica

    territorial) assentassem em critrios razoveis e bem fundamentados.

    Todos estes exemplos denotam a necessidade de se proceder a uma reviso da

    legislao envolvida, de forma a uniformizar conceitos em matria de classificao de

    solos. Logo veremos se esta reviso se deve ficar pelos correspectivos normativos

    (RJIGT e Cdigo das Expropriaes) ou se uma Lei de Solos pode ter uma palavra a

    dizer.

    c) igualmente visvel a falta de articulao do Cdigo das Expropriaes

    com o RJIGT a outros propsitos que se prendem, todos, com a avaliao dos

    terrenos para efeitos do clculo da indemnizao por expropriao. Designadamente,

    no consta do artigo 26. do Cdigo das Expropriaes como se deve atender aos

    mecanismos de perequao quando a parcela expropriada est a eles sujeita, nem

    define este Cdigo como proceder quanto a parcela objecto de expropriao foi

    anteriormente sujeita a uma expropriao do plano (artigo 143. do RJIGT) em

    consequncia da qual tenha j sido paga a correspondente indemnizao.

    Igualmente bvia a falta de considerao, por parte do Cdigo das

    Expropriaes, sobre a forma como deve ser feita a avaliao dos solos quando a

    expropriao funciona como um instrumento de execuo dos planos sempre no seja

    possvel contar com a colaborao dos proprietrios ou quando os proprietrios a

    possam exigir como nica forma de os seus terrenos serem disponibilizados para a

    execuo de planos, nomeadamente para concretizao do reparcelamento

    preconizado em planos de pormenor.

    De facto de uma leitura atenta do Cdigo das Expropriadores fica-se com a

    percepo de que o respectivo legislador desconhece toda a realidade do planeamento

    isto , da sua execuo, da perequao de benefcios e encargos, das

    expropriaes do plano, etc ., operando margem de todas essas realidades. A

    articulao parece ter sido remetida para o RJIGT, que se limita, por sua vez, de

    forma redutora a determinar a obrigatoriedade de aplicar o Cdigo das Expropriaes

    com as necessrias adaptaes nas diversas situaes de avaliao referidas no

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    QUADRO 2. 25

    Ou seja, no obstante exista uma inequvoca relao entre sistemas de

    execuo e expropriaes, com a necessidade de se proceder determinao de

    valores de avaliao dos prdios em muitas das situaes geradas pela execuo

    programada e compensatria de benefcios e encargos dos processos de urbanizao,

    o RJIGT limita-se a formular uma remisso genrica para o Cdigo das Expropriaes

    (cfr. Quadro seguinte), cujas disposies, por sua vez, parecem no conhecer esta

    realidade, definindo regras que necessitam das devidas adaptaes nunca

    devidamente explicitadas. O que no poder deixar de funcionar como um entrave

    eficaz execuo dos planos municipais.

    Esta desarticulao, em especial no que concerne s diferentes formas de

    determinao do valor dos prdios, pode ter como consequncia, por exemplo, que o

    25Esta soluo, para alm do mais, peca por ter ignorado algumas experincias portuguesas bemsucedidas que elaboraram modelos de valorizao iniciale de valorizao lquidados terrenos bastantecompletos e bem fundamentados, certamente mais apropriados do que os que resultam da aplicao dasregras do Cdigo das Expropriaes. Tambm os n.s 3 e 4 do artigo 122., preconizam que avalorizao prvia proporcional ao que resulta da aplicao do Cdigo das Expropriaes (com asnecessrias adaptaes e sempre tendo presente a clusula de escape por este permitida), impedindo a

    possibilidade de aplicar modelos de avaliao mais elaborados, que enfatizem a vinculao situacionaldos terrenos. Surpreendentemente, o RJIGT nada dispe sobre os mtodos valorativos a adoptar naavaliao final dos terrenos (a no ser, no plano dos princpios gerais, os aspectos que se podemrepescar nas disposies do n 3 do artigo 132, mesmo quando no haja reparcelamento, ou seja, que avalorizao deve considerar a localizao, a dimenso e a configurao dos lotes).

    Sistema ou NorInstrumento Expropriao Avaliao do

    de Execuo (critrios) R J I

    Sistema de compensao

    Valorizao prvia dos prdios -------- Sim (CE, com adaptaes) art 122, n

    Valorizao final dos prdios -------- Sim (CE ou outros)

    Sistema de cooperao Talvez Idem art 1

    Sistema de imposio administrativa Talvez/Sim Idem art 1

    Direito de preferncia -------- Sim (CE, com adaptaes) art 126

    Demolio de edifcios -------- Talvez art 1

    Expropriao Sim Sim (CE) art 1

    Reestruturao fundiria possvel Sim (CE) art 129

    Direito expropriao

    (regularizao de estremas)

    Reparcelamento

    de iniciativa dos proprietrios -------- Sim (CE ou outros) art 132, n

    de iniciativa da Cmara Municipal possvel Sim (CE) art 131

    Dever de indemnizao "Equivalente a" Sim (CE) art 143

    art 1 possvel Sim (CE)

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    valor de um prdio determinado pelo Cdigo de Expropriaes numa unidade de

    execuo estabelecida em plano municipal de ordenamento do territrio possa ser

    radicalmente diferente do valor determinado em funo dos mecanismos perequativos

    resultantes da aco planificatria e, por maioria de razo, do valor estabelecido para

    efeitos fiscais.

    d) Em face do que foi referido resulta, desde logo, que a eficcia do sistema de

    gesto territorial e a sua efectiva operacionalizao dependem de uma adequada

    articulao, que no existe, entre o RJIGT e o Cdigo das Expropriaes. A to

    propalada execuo programada dos planos depende desta articulao (para alm,

    obviamente da previso de mecanismos, designadamente de cariz financeiro, que

    permitam aos municpios intervir na regulao do mercado de solos).Esta articulao deve ser promovida, desde logo e antes de mais, atravs de

    alteraes a efectuar em cada um destes regimes (RJIGT e Cdigo das

    Expropriaes), a qual deve ser antecedida de uma explicitao das reas de

    interferncia e de influncia recprocas, de forma a fornecer uma nova

    regulamentao, mais adequada resoluo dos problemas que se colocam.

    Pode, porm, caber Lei dos Solos uma importante funo em prol da

    articulao daqueles regimes, de forma a garantir um sistema de gesto territorial

    mais eficiente e operativo. A sua interveno no deve ocorrer, contudo, ao nvel das

    solues pontuais, mas dosprincpios e dosfundamentos geraisque permitam servir

    de base s solues a plasmar ora no RJIT ora no Cdigo das Expropriaes,

    consoante se entenda mais apropriado.

    e) Pode (deve), assim, a Lei dos Solos definir os princpios e os critrios

    (coordenadas) de valorao dos solosaplicveis em todas as situaes (operaes) em

    que tal valorao se mostre necessria, designadamente:(i) em matria perequao compensatriae situaes de determinao do

    valor dos solos no quadro da execuo do planeamento territorial;

    (ii) no que concerne fixao da justa indemnizao nos casos deexpropriao por utilidade pblica, qualquer que seja a respectiva

    finalidade (execuo de planos ou outra);

    (iii) na determinao da responsabilidade patrimonial da AdministraoPblica pelos demais sacrifcios lcitos perpetradas ao direito de

    propriedade fundiria (designadamente no domnio do artigo 143. do

    RJIGT);

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    (iv) na fixao dopreoa pagar ao proprietrio nos casos em que a lei venhaa permitir, como sucede no regime jurdico da reabilitao urbana, a

    venda forada.

    f) Por sua vez, a Lei dos Solos pode ter um papel importante na articulao eharmonizao das vrias classificaes dos solosque valem para fins distintos: para

    efeitos do regime dos solos a definir pelos planos; para fins de clculo da

    indemnizao por expropriao; para efeitosfiscaise, at, para efeitos registaisa que

    a maioria das operaes de interveno no territrio devem estar sujeitas.26

    Esta importante tarefa pode ser levada a cabo em articulao com aquela outra, a

    que a Lei dos Solos deve proceder: de definio do estatuto jurdico dos solos

    urbanos e ruraisonde se integra a definio do contedo do direito da propriedade

    do solo. Dado o seu relevo, far-lhe-emos aqui uma breve referncia autnoma.

    6. A Lei dos Solos, o estatuto dos solos e o regime jurdico da propriedade, em

    especial dos solos urbanos

    O contedo do direito da propriedade do solo , de facto, um dos temas

    centrais do direito dos solos, apresentando-se como um pressuposto de qualquer

    26 Com efeito, a classificao entre solos rurais e solos urbanos, relevante para efeitosurbansticos e que inscreve a afectao dos mesmos, exigida luz dos imperativos de ordenamento doterritrio, no se identifica com a caracterizao que feita, em termos civilsticos, entre prdiosrsticos, prdios urbanos e prdios mistos, que tem importncia no mbito do contrato dearrendamento e na determinao da matria colectvel sobre a qual vai incidir a tributao sobre osimveis.

    Nos termos previstos no artigo 204. do Cdigo Civil, entende-se por prdio rstico uma partedelimitada do solo e as construes nele existentes que no tenham autonomia econmica, e por

    prdio urbano qualquer edifcio incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.Os prdios mistos correspondem queles que incluem, como objecto unitrio, uma parte rstica e umaparte urbana.

    Ora, esta meno de cariz civilista que deve constar da descrio dos prdios, sendo ela a

    relevante, ento, para efeitos da sua identificao fsica, econmica e fiscal [artigo 82., n. 1, alnea b),do Cdigo de Registo Predial].Atenta esta classificao, pode afirmar-se que dentro do permetro urbano, como tal delineado

    no mbito dos planos municipais de ordenamento do territrio, podem encontrar-se prdios rsticos(sobretudo se estivermos a falar de solos de urbanizao programada), enquanto que em solos rurais possvel encontrar prdios urbanos ou mistos (basta que neles tenha sido realizada uma edificaoadmitida pelo plano).

    Em todo o caso, se certo que esta caracterizao distinta daquela que anima a temtica dosplanos, no indiferente a afectao que estes faam de um determinado terreno, alterando aspossibilidades da sua utilizao, j que esta pode determinar uma alterao no s da configuraocomo do estatuto dos prdios para efeitos registrais e mesmo fiscais. Assim, caso num prdio rsticoseja admitida, de acordo com as normas jus-urbansticas, a construo de um prdio com dois pisos, talsignifica a transmutao da natureza do mesmo que, de rstico, passar a urbano, com as consequentes

    alteraes em termos de registo.Mesmo que as normas do plano no afectem a natureza do prdio, como acontece se um prdio

    rstico integrado numa rea urbanizada verde agrcola, o Parecer da Direco-Geral de Registos eNotariado R.P.73/97.DSJ.CT:, esclarece que tal classificao deve ser levada descrio, nos termosdo artigo 90., n. 1 do Cdigo do Registo Predial.

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    ESTUDO DA ARTICULAO DA LEI DOS SOLOS COM O SISTEMA DE GESTO TERRITORIAL

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    poltica de ordenamento do territrio e de urbanismo: sendo os solos o substrato

    destas polticas, os mesmos so, na sua grande maioria, propriedade privada,

    tornando-se indispensvel determinar, com relevo para a efectivao daquelas

    polticas, qual o seu contedo, isto , que faculdades esto nele integradas, em

    especial quando se trata de solos urbanos.27Uma das questes que aqui se coloca a

    de saber se o direito de propriedade dos solos urbanos integra o ius aedificandi

    (direitos de urbanizar, de loteare de construir) ou se estas so, antes, faculdades que

    acrescem esfera jurdica dos proprietrios por acto pblico (plano ou acto

    autorizativo, consoante as teses), questo que tem um relevo fundamental a vrios

    propsitos, designadamente, a ttulo de exemplo, quando determinao das

    restries operadas pelos planos que tm consequncias indemnizatrias.28

    Desse estatuto deve constar expressamente o reconhecimento da existncia de

    um limite intrnseco ao direito de propriedade privada a funo social que

    desempenham (de que a sua vinculao situacional parte integrante)29 , o qual

    estar na base da determinao, pela Lei dos Solos, dos direitos (faculdades) e dos

    deveresdos respectivos proprietrios, os quais, por sua vez, devem ser diferenciados

    em funo da classe ou categoria dos solos em causa.

    Assim, e a ttulo de exemplo, em matria de solos rurais,dever estabelecer-se

    o correlativo direito e dever da respectiva utilizao em conformidade com a sua

    natureza, essencialmente traduzida na explorao da aptido produtiva desses solos e,

    em certos casos, na preservao dos valores naturais que a residam. O que no

    impede que excepcionalmente sejam admitidos usos especficos de interesse pblico e

    social, desde logo, para fins de desenvolvimento do meio rural.

    Por seu turno, quanto aos solos urbanizveis, entende-se necessrio regular o

    respectivo processo de urbanizao, impondo-se aos proprietrios abrangidos,

    eventualmente substitudos por terceiros, o dever de contribuio para os custosinerentes, mediante a atribuio das reas necessrias para espaos verdes e de

    utilizao colectiva, a sustentao econmica ou a realizao das obras indispensveis

    instalao de infra-estruturas virias e equipamentos, bem como a contribuio para

    27Parte-se, aqui do pressuposto de que a Constituio d a abertura para uma diferenciao dosregimes de direito de propriedade, designadamente em funo do tipo de bem em causa. assimpossvel identificar-se um estatuto jurdico para os solos rurais,um estatuto para a propriedade dossolos urbanizveise um estatuto para a propriedade respeitante aos solos urbanizados.

    28 O tratamento desta questo na Lei dos Solos permitir dar o devido enquadramento efundamentao, por exemplo, ao disposto no artigo 143. do RJIGT, o qual poder necessitar deajustamentos e alteraes na sequncia do que aquela lei determinar a este propsito.

    29Tem-se entendido que este limite est implcito no texto constitucional, mas seria importanteque o mesmo resultasse expressamente afirmado na Lei dos Solos.

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    o desenvolvimento do nvel de infra-estruturao geral.

    Por ltimo, relativamente aos solos urbanos, impe-se igualmente a

    compensao das autoridades municipais pela prvia dotao de determinada rea

    com as infra-estruturas e equipamentos necessrios e, eventualmente, pela

    necessidade de reforo ou renovao dessas infra-estruturas, bem como o dever de

    efectivo exerccio das faculdades de aproveitamento urbanstico que lhes so

    reconhecidas, dentro do prazo eventualmente estabelecido, e sob pena de actuao de

    mecanismos potencialmente ablatrios dos respectivos direitos.

    Ainda a este propsito, consideramos que a lei dos solos dever sistematizar

    todos os referidos direito e deveres, ainda que os mesmos surjam j referidos noutros

    diplomas legais. o que sucede, a ttulo de exemplo, com o disposto no n. 2 do

    artigo 118. do RJIGT, de acordo com o qual os particulares tm o dever de

    concretizarem e adequarem as suas pretenses s metas e prioridades neles

    estabelecidase o estatudo no n. 3 do mesmo preceito, que estabelece o dever dos

    particulares participarem no financiamento da execuo dos sistemas gerais das

    infra-estruturas pblicas. , ainda, o caso das obrigaes impostas pelo RJUE aos

    promotores de operaes urbansticas com impacto relevante, de previso de reas

    destinadas implantao de espaos verdes e de utilizao colectiva, infra-estruturas

    virias e equipamentos; de cedncia de algumas dessas reas para o domniomunicipal e de realizao das correspondentes obras de urbanizao, bem como a

    imposio de encargos e tributos, tendo em vista o reforo das infra-estruturas gerais

    ou a compensao dos municpios pelas reas pblicas no previstas, todos eles

    consagrados no RJUE.

    O cumprimento destas obrigaes constitui, normalmente, condio necessria

    ao exerccio das faculdades urbansticas reconhecidas aos proprietrios30, send