Instrumentos financeiros na BENEDITINA...

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Instrumentos financeiros na BENEDITINA LUSITANA O financiamento dos investimentos e a aplicação de excedentes dos rendimentos monásticos. Seus registos. COMUNICAÇÃO DE ANTÓNIO JORGE RIBEIRO ECONOMISTA, ASSOCIADO DA APOTEC, TOC “Un caso más de esos en que la función crea el órgano para que a la pos t- re el órgano se nutra de la función hasta devorarla.” Índice A Regra de S. Bento e a função financeira, numa leitura actual ................................................... 2 A organização beneditina no tempo e no mundo......................................................................... 4 A organização beneditina em Portugal ............................................................................................... 5 A vertente económica....................................................................................................................... 8 Formas de se financiar .................................................................................................................... 10 Aplicação de excedentes ................................................................................................................. 11 Exemplos colhidos da Beneditina Lusitana ........................................................................................ 17 Burlas e fraudes com instrumentos financeiros ................................................................................. 18 Nota final sobre as fontes ............................................................................................................... 20 Índice Remissivo............................................................................................................................. 22 Instrumentos financeiros, entendem-se, aqui, em sentido lato: todos os meios de a Organiza- ção se financiar e todas as formas de aplicação de excedentes. Sem excluir os chamados “novos instrumentos financeiros” e os “Instrumentos Financeiros” entendidos no sentido que lhes confere a Directiva Comunitária 2004/39/CE.

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Instrumentos financeiros na

“BENEDITINA LUSITANA”

O financiamento dos investimentos e a aplicação de excedentes

dos rendimentos monásticos . Seus registos.

COMUNICAÇÃO DE

ANTÓNIO JORGE RIBEIRO

ECONOMISTA, ASSOCIADO DA APOTEC, TOC

“Un caso más de esos en que la función crea el órgano para que a la post-

re el órgano se nutra de la función hasta devorarla.”

Índice

A Regra de S. Bento e a função financeira, numa leitura actual ................................................... 2

A organização beneditina no tempo e no mundo ......................................................................... 4

A organização beneditina em Portugal ............................................................................................... 5

A vertente económica ....................................................................................................................... 8

Formas de se financiar .................................................................................................................... 10

Aplicação de excedentes ................................................................................................................. 11

Exemplos colhidos da Beneditina Lusitana ........................................................................................ 17

Burlas e fraudes com instrumentos financeiros ................................................................................. 18

Nota final sobre as fontes ............................................................................................................... 20

Índice Remissivo ............................................................................................................................. 22

Instrumentos financeiros, entendem-se, aqui, em sentido lato: todos os meios de a Organiza-

ção se financiar e todas as formas de aplicação de excedentes. Sem excluir os chamados

“novos instrumentos financeiros” e os “Instrumentos Financeiros” entendidos no sentido que

lhes confere a Directiva Comunitária 2004/39/CE.

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VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

CAPÍTULO I.

A Regra de S. Bento e a função financei-

ra, numa leitura actual

ÃO apócrifos todos os escritos atri-

buídos a S. Bento1, excepto a sua

Regra.

Cada Mosteiro era regido por um

director-geral, o Abade2, que desempe-

nhava as funções empresariais/ corpora-

tivas de um CEO.

Competia-lhe assegurar aos monges

tudo o que lhes era necessário, prover

cada um dos ofícios de uma parte dos

rendimentos anuais e supervisionar a

manutenção dos edifícios. Representa-

va, no exterior, a sua comunidade

estando investido dos poderes necessá-

rios para outorgar todos os actos públi-

cos e particulares.

Como qualquer CEO podia ser

demitido, como aconteceu com Eborico

que passara, forçado, de rei dos Suevos

a Abade de Dume: “porque caindo

como homem em uma fraqueza da car-

ne, de que só a Deus tinha por testemu-

nha… diante de todos os padres congre-

gados no concílio X de Toledo o con-

fessou com muitas lágrimas pedindo

penitência dele. E o Concílio com gran-

de lástima e compaixão o privou da

Administração”.

O cellerarius3 era o director finan-

ceiro que, em Espanha se chamou

1 N. 480, m. 547.

2 São raros, mas reais, os casos em que os Aba-

des superintendiam aos bispos das suas dioce-ses. O de Monte Cassino, único a ser autoriza-do a denominar-se Abade dos Abades, é um dos exemplos. 3 Chamou-se manerio à oficina monástica que

também era denominada obediencia ou ovença e, mais tarde, celleraría.

“mayordomo” e, em Portugal, cellarei-

ro. Com a especialização das funções, o

cellereiro passou a desempenhar fun-

ções particularizadas e a incluir na sua

dependência trabalhos especializados

como o cellerariu coquinae (da cozi-

nha), vini ou vinitarius (do vinho), gra-

natarius (dos cereais que, por sua vez,

superentendia sobre o padeiro) hortula-

nos (hortelão) etc.

Extracto do livro de contas, 1439

Se bem que haja Mosteiros, como o

de Pombeiro, perto de Felgueiras, onde

a figura de ecónomo4 (ou icolimo) é

4 Também se chamava pitanceiro (num docu-

mento de Tomar de 1500) àquele que recebia as rendas do Mosteiro e as distribuía a todos os costumeiros. “O Senhor Mestre estabeleça um iconimo ou pitanceiro do dito Convento o qual finalmente cobre e receba todas as rendas ao dito Convento pertencentes”.

S

3

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desvendada já no seu Costumeiro (séc.

XI), a função de gerência dos “bens

temporais” é novamente unificada pelos

instrumentos de normalização dos regis-

tos contabilísticos e pela informatiza-

ção, sendo esse cargo desempenhado,

hoje, pelo ecónomo.

Registe-se, en passant, que o “ecó-

nomo” medieval de Pombeiro5 distri-

buía, na quinta-feira Santa, sapatos

pelos monges contra a devolução dos

usados que eram entregues ao frade

esmoler para os fazer chegar aos pobres.

E tinha a incumbência de colocar quatro

polainas na cama de cada conventual e

de cada hóspede.

É natural que, sendo a congregação

beneditina tão perdurável no tempo e

tão espalhada pelo mundo, o nome do

responsável pelas finanças conventuais

tenha revestido diversos significantes:

paromonário, mansionário, vílico…

A Regra foi muito específica no

tocante ao administrador financeiro,

dedicando-lhe um directório de notável

finura sociológica e espiritual.

Nas palavras do Abade Cassià M.

Just, do cellerarius dependia uma boa

parte da paz e do dinamismo da comu-

nidade.

Um homem muito equilibrado e

com um grande sentido de Deus, abne-

gado e humilde, uma vez que tem que

se ocupar de tudo (v.3 da Regra) sem se

outorgar a si próprio uma consciência

de poder e de auto-suficiência. Leal

com o Abade (vv. 4-5, 15), cortês e

compreensivo com os irmãos (vv. 6-7,

13-14, 16).

5 Segundo a Constituição, os monges de Pom-

beiro eram mandados sangrar de dois em dois meses. Para esse efeito, sem dúvida simulta-neamente macerador e purificador, o Mosteiro tinha uma oficina chamada saguilexia.

Como tem que desenvolver-se num

mundo concreto e absorvente, corre o

perigo de se esquecer da escala de valo-

res que escolheu como monge. E lá está

S. Bento a adverti-lo: tenha cuidado

com a sua própria alma (v. 8).

Sobre o relacionamento do director

financeiro com os enfermos, menores,

hóspedes e pobres, diz a Regra que os

objectos e bens do Mosteiro estão ao

serviço dos amigos de Deus: o ecónomo

há-de enxergá-los como se fossem vasos

sagrados do altar, e nada tenha por

desprezível.

Com a complexidade da organiza-

ção da vida monástica e com a multipli-

cidade de serviços e em resultado, mui-

tas vezes, da afectação de donativos a

obras particulares como a luminária das

igrejas ou o hospício dos pobres, surgi-

ram os “oficiais”, monges autónomos

com orçamento independente para

gerir.6 Assim apareceram os thesaura-

rius, os sindicus, custos, claviger, achi-

clavus, obedientiarii, praepositus, etc.

A organização administrativa dum

Mosteiro tornou-se, por conseguinte,

bastante intrincada e conflitual dando

origem a manuais de direitos e deveres

dos oficiais chamados “breves”. O mais

famoso dos breves foi promulgado em

Bobbio, entre os anos de 833 e de 835,

pelo Abade Wala.

Mais uma palavra acerca da evolu-

ção que a função abacial desenvolveu

ao longo das eras beneditinas.

O primeiro Abade de Grijó, v. g.,

foi denominado preposito.

Havia, também, um prior-mor ou

mestre-prior que tudo feitorizava na

6 As informações sobre a actividade destes

oficiais monásticos estão dispersas pelos esta-tutos, costumeiros, crónicas e cartulários con-ventuais.

4

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ausência do Abade, dentro e fora de

casa. A este prior-mor estava subordi-

nado o prior claustral ou crasteiro ou

sub-prior ou prior do claustro, cuja ins-

pecção se não estendia fora do Mostei-

ro. E, com o arrevesamento das comu-

nidades e sua grandeza, o Abade

nomeava dois, três, quatro ou mais

coadjutores, também priores em digni-

dade.

________________________________

CAPÍTULO II.

A organização beneditina no tempo e no

mundo

enedetto de Norcia (S. Bento) nas-

ceu em Núrcia (Itália) no dia 24 de

Março de 480 e morreu em 21 de Março

de 547, sendo canonizado em 1220.

Frei Leão de S. Tomás, o ordenador

da «Beneditina Lusitana», escreveu que

S. Bento tinha 22 anos em 565, lançan-

do dúvidas sobre estas datas, dúvidas

confirmadas por muitos autores. Frei

Leão afirma, inclusivamente, que o fun-

dador da maior congregação monástica,

morreu em 543.

A chegada dos primeiros enviados

de S. Bento a Portugal estima-se que foi

no ano de 537.

Em 29 de Maio foi benzida a igreja

da casa de Lorvão, calculando o autor

da «Beneditina» que tal terá ocorrido

“entre trinta e tantos e quarenta e três”,

isto é, entre os anos de 531 e 543.

A «Beneditina Lusitana» foi redigi-

da entre 1640 e 1644 e tem, como hori-

zonte temporal, cerca de mil anos.

Durante o largo período que está

vertido na «Beneditina» os tempos eram

marcados pelo calendário juliano. Em

24 de Fevereiro de 1582 o papa Gregó-

rio XIII promulgou a era de Cristo. Em

Portugal, já D. João I, por lei de 22 de

Agosto de 1422, determinara que a con-

tagem dos anos se fizesse pela era de

Cristo. Para converter a era de César em

era cristã devemos subtrair 38 anos à

data apontada. Por exemplo: “Era

D.CCCC.VIII (908) corresponde a

870”; “era de mjl e iiijc e V. annos

(1405) corresponde a 1367”.

Para se elucidar os documentos

que, antes de 1422, usavam a era cristã,

colocava-se a.D. (anno Domini) nas

datações. Durante muitos anos todos os

documentos se iniciavam sem ambigui-

dades com “ano do nascimento de Nos-

so Senhor Jesus Cristo”.

O autor procura vestígios da acção

sobrenatural por toda a parte, mas é

correcto quando trata do funcionamento

da administração dos Mosteiros. Servia-

se como boa da opinião de outros histo-

riadores a que apelidava de “graves”,

querendo significar o que D. Francisco

Manuel de Melo chamava “sisudos” por

contraposição a “mancebos, damas e

ociosos”.

Apesar do grau de desconfiança que

Mattoso tributa ao autor da “Benediti-

na” podemos, pois, analisar os seus ins-

trumentos financeiros de espírito aberto

e sem preconceitos.

seguir à destruição dos Mosteiros

pelos invasores muçulmanos, per-

petrada à roda de 714, assistiu-se a uma

multiplicação de cenóbios até ao ano de

1230.

No ano de 1506 havia trinta e sete

mil Mosteiros de monges em todo o

mundo, além de mil e quatrocentos

prioratos e quinze mil Mosteiros de

monjas, acistanos ou asisterios.

B

A

5

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A grandiosidade de Subiaco

Com uma média, por exemplo, de

200 monges por casa, estipula-se a

população dos conventos em mais de

dez milhões de beneditinos, nos primór-

dios do séc. XVI.

Desde a China continental, Índia,

Japão, toda a América do norte, central

e do sul, até ao velho continente euro-

peu, há Mosteiros beneditinos instala-

dos, ou procede-se à sua reinstalação.

Na Austrália, há mesmo uma aba-

dia no município de New Norcia.

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CAPÍTULO III.

A organização beneditina em Portugal

m Portugal – e ao tempo da orga-

nização da compilação beneditina

(1640/1644) – reinava D. João IV, o

Restaurador, que inaugurou a quarta e

mais longa dinastia.

Para se fazer uma ideia do valor do

dinheiro, socorremo-nos de Pedro Vas-

concelos: circulava então uma moeda de

5 réis (cobre) que tinha o mesmo valor

de compra de 40$00 de 1999. Na época,

12 ovos custavam cerca de 13 réis, 0,75

l. de vinho 30 rs. e 1 gr. de ouro 245

réis.

Aquilo que se comprava em 1640

com um real, eram necessários 3,5 réis

para o adquirir no final da dinastia, em

1910. A moeda de ouro chamada “con-

ceição”, que pesava 42 grs., valia

12.000 réis.

Então, as esmolas das missas esta-

vam taxadas em 4 vinténs, se rezadas;

se fossem cantadas eram 150 réis para o E

6

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celebrante e meio tostão para os acóli-

tos.

Nesses tempos estavam estabeleci-

dos os seguintes noventa e seis Mostei-

ros7:

Parte II – fundados desde o tempo de S. Bento

até ao ano de 600:

Mosteiro do Lorvão, 305

Mosteiro da Vacariça, 349

Mosteiro de S. Martinho de Dume, 353

Mosteiro chamado Máximo, 369

Mosteiro de Tibães, 375

Mosteiro de Santo Antão de Moure, 398

Mosteiro de S. Vitouro, 400

Mosteiro de Vilar de Frades, 402

Mosteiro de S. Bento da Várzea, 406

Mosteiro de S. Martinho de Manhente, 406

Mosteiro de S. João de Cabanas, 408

Mosteiro de S. Salvador da Torre, 412

Mosteiro de S. Cláudio, 414

Mosteiro de S. Cosme de Azere, 415

Mosteiro de Santa Maria de Hermelo, 415

Mosteiro de S. Félix (Fins), 417

Mosteiro de S. Salvador de Ganfei, 419

Mosteiro de S. Pedro de Rates, 422

Parte III – erigidos no Alentejo e fundados até

ao ano 650:

Mosteiro de Santa Eulália junto a Mérida,

426

Mosteiro de Cauliana perto de Mérida, 429

Mosteiro de S. Domingos nos contornos de

Mértola, 436

Mosteiro de S. Salvador nos contornos de

Mértola, 438

Mosteiro de S. Romão de Panoias, 440

Mosteiro de S. Cucufate, 446

Mosteiro do Alvito, 448

Mosteiro de S. Miguel de Machede, 450

Mosteiro de S. Bento da Serra de Portale-

gre, 452

Mosteiro de Arronches, 453

Mosteiro de S. Bento do Crato, 453

7 Além dos respectivos capítulos ou partes da

organização dos Tomos da edição da INCM de 1974, seguem mencionadas as respectivas páginas.

Parte IV – fundados até ao ano de Cristo 700:

Mosteiro de S. João de Arga, 469

Mosteiro de Santa Maria de Miranda, 470

Mosteiro de Nabancia, 474

Mosteiro de S. Martinho de Sande, 486

Mosteiro de S. Salvador de Crasto de Avelãs,

490

Mosteiro de S. Miguel de Refoios de Basto,

493

Mosteiro de Santa Maria de Vimieiro, 502

Mosteiro de S. Salvador de Arnoso, 503

Mosteiro de S. Pedro de Lomar, 503

Tomo II Parte I - Mosteiros Beneditinos que se

fundaram até ao ano 800:

Mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave, 11

Mosteiro de Santa Maria de Sobrado, 48

Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, 49 a

78

Parte II – fundados até ao ano 900:

Mosteiro de Santa Maria de Bouro, 84

Mosteiro de Tolões, 89

Mosteiro de S. Salvador de Vila Cova, 90

Mosteiro de Santa Maria de Gundar, 90

Mosteiro de Santa Maria de Iunhas, 92

Mosteiro de S. Cristóvão de Pisões, 95

Mosteiro de S. Pedro de Morufe, 95

Mosteiro de Santa Maria de Valboa do

Minho, 97

Mosteiro de Santa Marinha de Louco, 97

Mosteiro de S. Martinho de Soalhães, 98

Mosteiro de S. Pedro de Pedroso, 100

Mosteiro de S. Pedro de Canedo, 106

Mosteiro do Salvador de Vila Cova, 107

Mosteiro de Santa Maria de Carvoeiro, 109

Parte III – Mosteiros Beneditinos em Portugal

fundados até ao ano 1000:

Mosteiro de S. Cristóvão da Labruja, 123

Mosteiro de S. Salvador de Vitorinho, 134

Mosteiro de S. Pedro de Arouca, 139

Mosteiro de S. Salvador de Monte Córdova,

159

Mosteiro do Salvador e de Santa Maria de

Guimarães, 160

Mosteiro de S. João de Vieira, 170

Mosteiro de Santa Senhorinha, 170

Mosteiro de Santa Comba de Basto, 170

7

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Mosteiro de Santa Maria Archense, 182

Mosteiro de Nossa Senhora de Sismiro, 184

Mosteiro de S. Pedro das Águias, 186

Parte IV – fundados até ao ano de 1100

Mosteiro de S. João de Pendorada, 200

Mosteiro de Salvador de Palme, 235

Mosteiro de S. João de Arnoia, 237

Mosteiro de Santa Maria de Ferreira, 240

Mosteiro de S. Miguel de Bostelo, 249

Mosteiro do Salvador de Travanca, 253

Mosteiro de S. Cristóvão do Rio Tinto, 256

Mosteiro do Salvador de Fonte Arcada, 257

Mosteiro de Santa Maria de Adaufe, 259

Mosteiro do Salvador de Paço de Sousa, 261

Mosteiro de S. Martinho de Cucujães, 277

Mosteiro de S. Pedro de Cete, 280

Mosteiro de Santa Eulália de Vandoma, 280

Mosteiro de Santa Eufémia na serra do

Buçaco, 282

Parte V – fundados entre os anos 1100 e 1300

Mosteiro de S. Romão de Neiva, 324

Mosteiro de Santo André de Rendufe, 328

Mosteiro de Semide, 334

Mosteiro de S. Jorge de Recião, 347

Mosteiro do Salvador de Vairão, 351

Mosteiro do Salvador de Tuhias, 354

Mosteiro de Santa Maria Lamego, 355

Mosteiro de Santa Clara Lamego, 355

Parte VI – fundados até ao ano de Cristo de

1500:

Mosteiro de Santa Ana de Viana, 389

Mosteiro de S. Bento de Viana, 391

Real Mosteiro de Monjas de S. Bento do

Porto, 393

Mosteiro de S. Bento de Monção, 394

Mosteiro de S. Bento de Murça, 394

Mosteiro de Santa Escolástica de Bragança,

394

Mosteiro do Bom Jesus em Viseu, 396

Mosteiro de Moimenta da Beira, 400

Na origem destas fundações rivali-

za em zelo toda a espécie de pessoas das

classes dirigentes da sociedade; senho-

res, bispos e reis acham que, para conci-

liar Deus e os seus santos, é mais fácil

instituir um Mosteiro que fazer uma

peregrinação à Terra Santa. Mais fácil e

com resultados mais perenes!

Nos primeiros anos da conquista de

território aos Mouros e alargamento do

reino de Portugal, a Lusitânia era uma

das províncias hispânicas, bem como a

Terraconense e a Bética.

§

o findar o séc. XV, todos os Mos-

teiros da congregação beneditina

em Portugal estavam nas mãos de

comendatários que, com raras excep-

ções, contribuíram para a ruína da Insti-

tuição por só se interessarem com as

vantagens que podiam retirar das pre-

bendas, aviltando-se.

Este título de “Abade comendatá-

rio” merece um aprofundamento.

Define-o Viterbo como “O que tem

qualquer benefício eclesiástico ou regu-

lar, em comenda ou para comedoria,

ainda que seja religioso ou secular que

não pode ter bens eclesiásticos em títu-

lo.”

O Papa Leão IV é culpado de ter

instituído tais comendas, procurando

compensar os clérigos que tiveram de

escapulir-se dos sarracenos. O certo é

que os prelados fugitivos eram abriga-

dos em Mosteiros e lá usufruíam simul-

taneamente das pensões ou comendas

vitalícias e da hospedagem conventual.

Em Portugal, o Cardeal de Alpedri-

nha (1406-1509) “não só introduziu

Abades comendatários vitalícios nos

Mosteiros a clérigos seculares, mas ain-

da a muitos fidalgos, inteiramente lei-

gos”

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A

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CAPÍTULO IV.

A vertente económica

rei Leão de S. Tomás, o autor da

«Beneditina Lusitana», era dotado

de uma sólida erudição teológica e de

capacidade dialéctica para se envolver

em polémicas e delas sair reforçado e

ileso.

Nos Mosteiros existiam várias acti-

vidades complementares: botica, forne-

cendo os remédios ao público; hospeda-

rias, normalmente uma para hóspedes

«mais graves», (1.ª classe) e outra para

hóspedes «menos graves» (2.ª ou 3.ª

classes8); reposteria, destinada não só

aos egressos mas também a hóspedes e

viandantes; fornos comunitários para

panificação; hospitais para pobres e

para ricos (hospitale pauperum e hospi-

tale hospitum ou nobilium) e o xenodo-

chium que era um albergue para indi-

gentes doentes.

Vejamos um enunciado, ainda que

limitado, dos rendimentos que os Mos-

teiros auferiam como derivativo de

regalias concedidas jurídica e adminis-

trativamente: dos inúmeros rendeiros

recebiam foros, censos ou pensões, com

as morturas e laudémios; dos padroados,

recebiam censos9 e, se tivessem igre-

jas10

“unidas” ao Mosteiro, recebiam

8 As actuais estrelas com que se apartam as

hospedagens tornaram menos clara esta classi-ficação. 9 A quem se obrigava a pagar certa pensão ou

censo anual, dizia-se incensoriar-se. 10

Além da “igreja matriz” ou “diocesana” isto é, fundada pelos apóstolos ou seus descendentes, constituíram-se igrejas anexas, obedienciais, subalares, sucursais, capelas, oratórios rurais, baptismais e cardeais.

dízimas e primícias; das honras e dos

coutos de que fossem donatários rece-

biam, pela administração da justiça,

coimas, portagens11

(também chamadas

kalendas nas localidades em que se

pagavam nas feiras do primeiro dia de

cada mês), sisas, etc.

Como exemplo a colher num rol do

extenso e valioso enxoval de uma novi-

ça de Arouca – que até talheres de prata

e vitrais para a janela da sua cela incluía

– o recrutamento de monges (chamados,

entre os beneditinos, infantes e, tam-

bém, coristas) era uma forte fonte de

receitas e de bens de raiz. Vejamos de

que modo nos destaca da “Regra” Dom

Philibert Schmitz na sua obra «Histoire

de l’ordre de Saint Benoît»:

Saint Benoît, dans sa règle,

parle des donations faites au Mo-

nastère par le novice à sa profes-

sion. «Si le novice a du bien,

écrit-il, il devra tout donner, soit

aux pauvres, soit au monastère»

(C58). Le saint parle encore de

l’aumône, facultative également,

que les parents font à l’occasion

de l’«oblation» de leur enfant

(C59). L’histoire rapporte de très

nombreuses acquisitions faites

grâce au recrutement même des

moines.12

11

Existe, na Torre do Tombo, uma folha de registo elaborada pelos arrematantes das por-tagens de Coimbra da primeira metade do séc. XIII. Os registos eram diários e confrontados semanalmente com o valor da arrematação. Uma das semanas iniciava com a nota: Era 1262, quarta-feira, 3.ª die aprilis accepit N. portaginem Colimbrie cum sociis suis pro 1500 morabitinos. 12

S. Bento, na sua regra, fala das doações feitas ao Mosteiro pelo noviço na sua profissão. «Se o noviço possui bens, escreve ele, deverá doar tudo, quer aos pobres quer ao Mosteiro» (C58). O santo fala ainda da esmola, igualmente facul-

F

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Recursos muito importantes usados

para acudir à economia dos Mosteiros

eram as peendenças ou pendenças, mul-

tas eclesiásticas em que se comutavam

as penitências que se deviam pelas cul-

pas.

Fiéis de Ponte de Lima, apesar de

lhes parecer dano das suas consciências

o darem dinheiro pelos sacramentos,

aceitariam tal se “os três reis fossem

para as obras da igreja”. Assim se quei-

xaram, nas Cortes de Évora de 1447, a

D. Afonso V do arcebispo D. Fernando

e das suas ordens dadas aos confessores.

Romances justificam rendimentos

dos porteiros do céu com a venda de

livros de sua lavra, rosários, cruzes de

chumbo e correias de S. Francisco.

Romances. Mas não era romanceada a

fama dos milagres que corria o reino e o

estrangeiro, concitava a boa vontade dos

Mouros quando não a sua conversão.

Escreve Frei Leão: “… no Ano de 1597,

quando se abriram no Cemitério os

alicerces da torre dos sinos e se lançou

por terra um Campanário velho, se

acharam muitos Ossos e Caveiras com

cheiro suavíssimo que vencia todo o

cheiro da terra e muitas pessoas reco-

lheram com muita veneração boa quan-

tidade deles e depois, em ocasiões de

doenças e males, se valeram daqueles

Ossos cheirosos encomendando-se aos

santos cujos eram, confusa e indetermi-

nadamente, e alcançaram perfeita saú-

de.

Milagres tanto mais dignos de nota

quanto eram feitos por santos desconhe-

tativa, que os pais dão na altura da «oblação» do seu filho (C59). A história relata numerosís-simas aquisições feitas graças ao próprio recru-tamento dos monges. Tradução do autor deste trabalho destinado à Jornada da APOTEC.

cidos, “mostrando Deus no efeito quan-

to deferia aos merecimentos”.

O Abade do Lorvão, senhor de tão

miraculoso remédio, curava cristãos e

Mouros com vasos de água tocada

naquelas relíquias. Um Infante, filho de

Alboacem, rei de Coimbra, e de uma

Cristã, foi arrancado à morte eminente

com tal mexerufada. Vêm do século

VIII estas eficazes técnicas de marke-

ting, com imediata corrida de fama por

largos espaços.

As heranças e aquisições dos mem-

bros da comunidade religiosa passavam

a pertencer, de pleno direito, aos Mos-

teiros que tinham, face à lei civil, direi-

tos de sucessão ab intestat sobre os seus

membros que não tivessem herdeiros.

Justiniano considerou o monge

como uma personalidade absorvida na

pessoa jurídica do Mosteiro. Contra esta

tendência houve eras históricas em que,

impondo a “morte civil” no acto da pro-

fissão, impedia o Mosteiro de ser parte

na herança do monge.

“Ainda que por muitas leis não

pudessem os monges fazer testamento,

nós achamos muitos testamentos de

Abades e Abadessas, e mesmo de mon-

ges e monjas particulares”. Estes testa-

mentos não se podem atribuir “senão à

relaxação dominante e esquecimento

total do estado monástico e suas leis,

que só no séc. XIII começaram a prati-

car-se em Portugal.”

Uma outra fonte de enriquecimento

destes estabelecimentos, embora indi-

recta, consistia nas imunidades e isen-

ções comerciais que os eximiam de

impostos onerosos como portagens13

,

royalties…

13

Nos forais de D. Manuel I as províncias foram isentadas de portagem. No séc. XV dava-se o

10

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

As esmolas que os fiéis davam aos

conventos asseguravam-lhes – a eles,

fiéis – a reconciliação com Deus na

hora da morte e a garantia de orações

efectuadas pelos monges (pro remedio

animae meae), a reparação de pecados

cometidos no passado e a interferência

benéfica das abadias em termos políti-

cos e civilizacionais.

Do fruto do trabalho dos monges

resultavam também importantes rendi-

mentos para o Mosteiro: a utilidade do

trabalho – que é uma remuneração em si

mesma – e a venda dos produtos, pre-

vista já na Regra instituidora.

Muitas vezes o facto de o edifício

monacal estar sobre o túmulo de um

Santo ou ser guardião das suas relíquias,

era o bastante para atrair peregrinos e

concatenar todos os proventos que essa

convergência sempre proporciona. Fre-

quentemente tais “esmolas” eram o úni-

co meio de subsistência da comunidade

religiosa.

Se o Mosteiro estivesse revestido

de carácter paroquial usufruía também

dos proventos ligados ao ministério res-

pectivo.

Uma legislação de D. Manuel I

permitia os vodos por devoção de

alguns santos, contando que se não

comesse dentro das capelas ou igrejas.

Os vodos ou bodivos, no que se

transformaram as ágapes, eram também

motivo de rendimento dos Mosteiros. A

voda de fogaça foi também proibida no

tempo de D. Manuel I para evitar os

gastos excessivos que se faziam nos

banquetes de baptizados e casamentos.

nome de província a qualquer ermida, oratório, capela ou recolhimento e hospício religioso em que se recolhiam homens ou mulheres que tivessem feito voto de profissão.

Sobretudo porque, depois de “lar-

gas comezainas e borracheiras, havia

mortes, ferimentos, desonestidades…”

D. Manuel proibiu que se convidasse

pessoa alguma fora do quarto grau dos

ditos noivos, sob pena de “açoutes e

degredo para os lugares de África”.

Os abadengos, legado pio que em

vida ou por morte se deixava ao confes-

sor, evoluíram para abadágios, dados,

“ou, mais bem, extorquidos” “só pela

razão de abade de uma particular igreja

ou Mosteiro.” Como a confissão anual,

obrigatória por decreto conciliar, impu-

nha penúria aos ministros da reconcilia-

ção, entre nós preceituou-se que a dita

confissão geradora de emolumentos

“obrigatórios” (manefesto) se deveria

efectuar nas três ou quatro festas princi-

pais do ano.

________________________________

CAPÍTULO V.

Formas de se financiar

mbora não mencionado na Regra

beneditina, impôs-se como um dos

mais influentes oficiais o camareiro

(camerarius), que desempenhava as

funções de agente financeiro em sentido

mais estrito.

Este nome vem do facto de ser

numa câmara que se guardava o dinhei-

ro e os arquivos do Mosteiro.

Gerente dos fundos do Mosteiro, o

camareiro era o guarda-livros e manipu-

lador dos arquivos.

Os empréstimos civis chegaram a

ser impostos, semelhantes a fintas ou

pedidas. Neste caso, as Ordenações

foram bem explícitas: “O lançar pedidas

ou pedidos, peitas ou emprestimos per-

E

11

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

tence somente ao rei e supremo

senhor…”

As bulas papais foram emitidas

desde tempos longínquos, provavelmen-

te anteriores ao próprio surgimento do

papel no ocidente. Depois do papiro, o

depositário fiel das palavras antigas

(papel) começou por ser fabricado com

diferentes matérias-primas ou assumiu

diferentes formas: panos de linho, algo-

dão ou seda, farrapos (papel de chife14

),

folhas e cascas, cortiças. Há ou havia

duas bulas na catedral de Girona, uma

do papa Formoso de 891 e outra do

antipapa romano de 895, cujo suporte

foi um papel feito à base de algas mari-

nhas, chamadas sêbas ou butilhão. É

provável que do primeiro nome derive

aquilo que, no Brasil, se chama sebo e,

entre nós, alfarrabista. Mas também não

é menos verosímil que o alfarrabista

sebo venha do costume de ensebar as

capas quebradiças dos alfarrábios.

A emissão de Bulas poderia ser

destinada ao financiamento de activida-

des específicas. A bula Exurgat Deus do

papa Clemente V motivou uma campa-

nha feroz de credibilização por parte do

bispo do Porto, D. Fr. Estêvão. Destina-

da, em 1313, a pagar uma expedição ou

santa passagem aos lugares santos, foi

motivo de informações que a considera-

vam falsa ou fantástica e erodindo o seu

valor nominal.

As Bulas, ao longo do período da

história beneditina em análise, oscila-

ram na sua emissão, transacção e cota-

ção, assumindo o papel de contratos

obrigacionistas (obrigações) e de valo-

res mobiliários (acções).

14

O papel de chife usava-se em toda a Europa nos finais do séc. XVIII, sendo o pergaminho destinado a documentos públicos e judiciais. Chamava-se, também, polgamito de papillo.

Durante muitos séculos, a talha de

fuste foi o “documento” de quitação

mais utilizado em vários reinos da

Europa. Chamava-se, em França, tailte,

em Itália, talea ou talia, e em Inglaterra

taley.

A talha de fuste era um “pedaço de

pau, tabuinha, cavaco ou ramo, no qual,

diagonalmente cortado em duas partes,

em cada uma delas se escreviam ou

imprimiam algumas letras ou sinais, que

declaravam a dívida ou a sua paga.”

Ficava uma parte em poder do devedor

e outra em poder credor.

Uma outra fonte de financiamento

que alguns Abades sabiamente aprovei-

taram derivou de certa situação conjun-

tural já referida: a proliferação de Aba-

des comendatários.

O bispo de Viseu D. Miguel da Sil-

va, sendo comendatário de Santo Tirso,

renunciou à abadia a favor de seu sobri-

nho D. António da Silva “com a condi-

ção de que reformaria o Mosteiro na

perfeição monástica”. Ainda hoje existe

a prova de que tal condição foi observa-

da e mais, a prova de que tal observân-

cia foi um exemplo de financiamento ao

investimento para outros comendatários.

________________________________

CAPÍTULO VI.

Aplicação de excedentes

S rendimentos da actividade eco-

nómica do Mosteiro são afectos a

três fins principais: manutenção abacial,

obras de caridade e encargos.

No entanto, havia um princípio que

se impunha e orientava as aplicações

O

12

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

dos rendimentos: para que os bens da

Igreja tivessem destino legítimo apenas

poderiam ser aplicados em serviço de

Deus. Nem os impostos sobre os rendi-

mentos escapavam, por isso, às isenções

fiscais ou, em alternativa, à necessidade

de obter autorização pontifícia para o

lançamento de contribuições destinadas

a custear, v. g., a guerra contra os

infiéis.

Normalmente os rendimentos eram

expurgados dos custos incorridos, o que

acontecia desde a Idade Média. Estavam

estas práticas avaliatórias dependentes

de considerações de carácter “subjecti-

vo” o que motivava querelas e posturas

quanto ao “justo valor”.

Chamava-se alças aos gastos, per-

das e danos que “ordinariamente se

experimentavam”. Quem procedia ao

avaliamento dos rendimentos era o cou-

del, acusado frequentemente de não

deduzir os custos incorridos. Ao “pão”

não lhe tirava os ceifeiros, nem alças,

nem soldadas de mancebos, nem dizi-

mo, nem jugada, nem outras despesas,

quando o rei determinara que se não

avaliasse senão o que ficasse a salvo. O

resultado líquido.

Os encargos com os bispos leva-

vam uma parte importante das receitas

monásticas: colheita, procuração, visi-

tação, jantar e parada (anual), resgate

dos altares, catedrádego (calendário,

sinodático) meias vagas, para citar ape-

nas alguns exemplos.

Vejamos a «Beneditina»: “O deci-

motercio foi o P. Fr. Mauro de Santia-

go natural de Vila do Conde eleito no

ano de 1617. Foi sempre grande zelador

da perfeição do culto divino e da obser-

vância regular. Entre outras, uma obra

fez digna de muito louvor, que foi remir

uma penosa pensão de setecentos mil rs,

que o Mosteiro de Santo Tirso pagava

cada ano ao Cardeal Farnes postos em

Roma.”

Imposição das mais pesadas e vexa-

tórias, segundo Fortunato de Almeida,

era o jantar que o Rei com seus oficiais

cobravam nos Mosteiros e igrejas de seu

padroado.

Mas os eclesiásticos tinham uma

arma de força incalculável: a censura ou

maldição; à menor ofensa contra as

imunidades ou pretensões de primazia,

respondia-se com a inexorável sentença

de excomunhão e correspondentes pena-

lizações seculares.

Esta pena era aplicada em comina-

ção com outras que perduraram como as

que se aplicavam aos roubadores de

templo ou cousa sagrada: marcados na

testa, lanhados com açoutes, desterrados

e desorelhados15

… até privados da vida.

Nos séculos XIV e XV chamavam-

se sacrilegios as multas e penas pecu-

niárias dos excomungados.

Como em qualquer empresa, os

rendimentos destinavam-se – e desti-

nam-se – a fazer face aos custos da acti-

vidade da comunidade, à manutenção

do Mosteiro, ao pagamento de encargos

com a raiz, aos investimentos e à manu-

factura de trabalhos de joalharia precio-

sos, manuscritos com iluminuras e obras

de arte.

Os relicários e as jóias mais lendá-

rias que apareceram nos Mosteiros

raramente foram doados, pois a sua

entrega implicava contra-partida.

15

O desorelhar criminosos até à raiz – diferente de “orelha fendida” – era utilizado como práti-ca tendente a evitar que se reproduzissem facínoras, uma vez que se acreditava existir na base da orelha uma veia que, cortada, fazia do homem impotente.

13

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

D. Gonçalo Moniz deu a coroa do

rei D. Bermudo II ao Mosteiro de Lor-

vão. Nas Cortes de Lamego de 1143 –

onde D. Afonso Henriques foi jurado e

coroado como rei de Portugal – foi a tal

coroa que o Abade de Lorvão levou às

Cortes que serviu para esse efeito.

Uma vez que as aplicações com

vista a obtenção de juros são proibidas

pelos regulamentos canónicos, os admi-

nistradores contornam o impedimento

através de mort-gage.

As doações feitas a uma abadia não

são sempre gratuitas16

, in puram elee-

mosynam. Umas vezes ficam-se pelas

contra-partidas em ofícios cantados,

missas de ano, ou enterramento nas

primícias do cenóbio em hábito monás-

tico com garantia de abertura mais fácil

das portas do Paraíso.

Embora estas contra-partidas diga-

mos, espirituais, representem um ónus

futuro, outras de índole material ou

temporal são autênticas aplicações

financeiras.

“Dom Fernão Pires foi o sucessor

do Abade Dom Silvestre. Acha-se

memória dele pelos anos de Cristo

1252. Em seu tempo Dom Rodrigo

Froias e sua mulher Dona Chama,

ou Chamoa Gomes deixa ao Mos-

teiro o que tinha no Couto de

Lageas, no Couto de Airão, e no de

Guimarei, contanto que o Mosteiro

16

Por uma lei de D. Dinis de 10 de Julho de 1286 foi proibido a ordens e clérigos a compra de bens de raiz e ordenado que todos os adqui-ridos por esse modo desde o princípio do seu reinado fossem vendidos dentro de um ano, sob pena de sequestro. E impunha o sequestro de todos os bens que fossem comprados depois dessa lei. Embora tendente a evitar a amortiza-ção que colocava cada vez mais bens fora do alcance da tributação, essa lei e outras que se lhe seguiram, foi vitimada por concessões especiais e, posteriormente, alterada.

lhe largue parte das rendas de S.

João da Foz em sua vida somente.”

Trata-se de um contrato de renda

vitalícia, nitidamente um instrumento

financeiro com aplicação na actualida-

de.

A respeito do Mosteiro de Tibães,

Palatino ou Real, escreve o autor: “Ao

mesmo Abade D. Nuno encoutou o

Infante D. Afonso Henriques (que assim

se intitula Infans egregius, etc.) o lugar

de Donim (situado junto ao Rio Ave

entre Guimarães e Braga) dando ao

Abade título de Reverendíssimo, In

honnorem Iesu Christi. B. Maria Virgi-

nis et S. Martini pró remédio anima

meã et parentum meorum etc… Foi a

data em Guimarães a 26 de Fevereiro

ano de Cristo de 1135.

O encoutamento, se bem que con-

trato jurídico, é uma fonte de imputs de

natureza financeira que lhe andam jun-

gidos. Ao atribuir ao Abade os privilé-

gios senhoriais da jurisdição cível e

criminal, possibilitava a arrecadação de

impostas e coimas, honorários da admi-

nistração da justiça, direitos de porta-

gem, controle dos pesos e medidas,

monopólio da pesca, imposição do rele-

go, licença de construção de moinhos

em regos privativos, sizas nas feiras, e

outras.

O terceiro Abade de Tibães foi D.

Ordonho em cujo tempo el-Rei D.

Afonso Henriques lhe encontou a terra

da Estela chamando-lhe Villa Menendi

por seiscentos alqueires de pão, que o

Abade lhe deu.

As cartas de couto começaram a

rarear à medida que a autoridade do Rei

ia ganhando mais força e foram aboli-

das, a medo, em 1692 e, em definitivo,

em 1790.

14

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

A contabilidade dos prazos era

lançada em livros chamados leituarios,

que se organizavam como os códigos,

tombos ou censuais. Estes repositórios

eram diferentes dos simples róis de bens

que, no séc. XIV, se chamavam bei-

çoairo.

Por prazo entendia-se qualquer

escritura de avença, composição e vizi-

nhança – também denominada postura

– que se celebrava entre partes.

Carta de escambo, 1330

Estes emprazamentos (enfiteuses

ou aforamentos) não se restringiam às

casas e terrenos. Quase tudo se empra-

zava: moinhos, azenhas, pesqueiras,

marinhas e barcos... com o intuito do

seu restauro. Até foros e direitos domi-

nicais já estabelecidos. Os Abades de

Santo Tirso, no séc. XV, arrendam a

cobrança da dizimaria de Santo Tirso e

de Vila Nova das Infantas.

A propósito de um Abade de Tibães

chamado D. João Soares, lê-se na

«Beneditina»: “acha-se memória dele

pelo anos 1274, fazendo queixa a el-Rei

D. Afonso Terceiro do nome, nas Cortes

que celebrou em Santarém, dizendo que

muitos Cavaleiros e Escudeiros com

outros homens de seu Reino, lhe tinham

usurpado muitas terras e casais que per-

tenciam ao Mosteiro. E el-Rei escreveu

a D. Nuno Nunes seu Meirinho Mor e a

Gonçalo Mendes luís (sic) do meirinha-

do, que fossem fazer diligência sobre

esta matéria e mandassem vir perante si

os que tinham terras do Mosteiro de

Tibães e os que achassem, que as tra-

ziam emprazadas, remetessem ao Ecle-

siástico e os que não tivessem título

obrigassem a largar o que traziam e o

entregassem ao Mosteiro.”

A cisão dos bens – que segundo a

Regra deveriam ser usufruídos em

comum – não resultou da contaminação,

15

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

através das grossas paredes conventuais,

vinda do mundo exterior.

A Companhia de Jesus buscou a

solução: “professando e guardando sua

obediência espantosa, sua castidade

maravilhosa, sua pobreza engenhosa”.

Os padroados – pessoas ou entida-

des que tinham poder sobre os Mostei-

ros de que foram fundadores – têm rele-

vância porque, além do direito de apre-

sentação de párocos (o que acabava por

ser uma imparidade), conferiam o

direito de vigilância sobre a administra-

ção do cenóbio (fiscalização) e, mais

tarde, de fruição.

Na compra (ou, melhor, doação

onerosa) o preço destinava-se mais pro-

priamente a uma confirmação da doa-

ção. Este preço assumiu uma tal quanti-

dade de significantes que, é nítido, ape-

nas foi verdadeiro quando inexpresso.

Aparece escrito róbora, révora,

reboração, revoração, exprimindo sem-

pre a ideia de “luvas, saguate, donativo,

ofreção, mimo”.

Quando não abertamente mencio-

nado, subentendia-se do “roboro e con-

firmo” das assinaturas. Ainda hoje, cor-

roborar, é um reforço que sugere

“luvas”.

Os escambos (também designados

“troca” ou “permudação”) não podem

ser analisados, como se faz, apenas à

luz do enquadramento jurídico, por cau-

sa da sua enorme influência financeira.

Define-se como uma comutação de

direitos (por exemplo de padroado) por

um censo certo e anual.

Gonçalo Pires, abade da igreja da

Lavra, foi obrigado a comutar os direi-

tos incertos do Mosteiro que tinha

padroado sobre a Lavra por um censo

certo e anual de 192 alqueires de trigo.17

As composições eram também ins-

trumentos financeiros pois decorriam da

necessidade de resgatar penhoras para

que os monges pudessem herdar ou

receber doações.

Restam ainda três figuras que, sen-

do do substracto jurídico, têm flagrante

influência financeira no cash-flow de

cada Mosteiro individualmente e na

generalidade da organização beneditina.

Hoje, chamaríamos lease-back,

contrato de seguro e contrato de trespas-

se. Nos registos coevos chamam-se,

respectivamente, transacções do domí-

nio útil, a assunção de danos eventuais

por parte do enfiteuta e a renúncia de

foro e de prazo.

Todas estas medidas e recursos

tendentes a aumentar o património da

Instituição com influência perdurável ou

efémera no seu balanço, assumiam for-

mas subdivisionárias como o “subem-

prazamento”, a “subinfeudação” ou a

“subenfiteuticação”, permitindo rastrear

as influências da estrutura social medie-

val e em certo paralelismo entre feudo e

enfiteuse.

§

Recabedos, fincos, ferros, bauilio e

builia, caimbos e amortizações.

Recibo, escrito, bilhete ou quitação,

no recabedo era declarado ter-se rece-

bido alguma soma de que o devedor fica

desobrigado. No livro de recabedo –

livro de receita – registava-se quanto se

havia recebido e quanto ficava em aber-

to.

17

Cif. Carvalho Correia, “O Mosteiro de Santo-Tirso, de 978 a 1588”. Ed. CMST.

16

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

O finco era uma escritura pública

de obrigação de dívida. Documento

autêntico e inegável.

Os ferros eram uma das poucas

pensões que tinham de ser satisfeitas,

não em própria espécie, mas em dinhei-

ro corrente e naquela quantidade neces-

sária para a “compra do número de fer-

ros ou ferraduras que o enfiteuta ou

colono devia pagar”18

.

O bauilio (e bauilia) revelam-nos a

natureza “obrigacionista” que muitos

documentos em circulação no Reino

assumiam. Citemos: “No de 1221, fez

el-rei D. Afonso II uma declaração com

D. Mendo Gonçalves, prior da Ordem

do Hospital, sobre os 14$000 áureos

velhos, e 19$500 soldos de pipinioni-

bus, e dois marcos de prata, menos onça

e meia, os quais eram de 20$000 áureos

que seu pai lhe deixara em testamento;

o qual dinheiro (que era a décima parte

do tesouro que herdara) deu a guardar

ao dito prior para se despender no claus-

tro, que se havia de fazer na sé de

Coimbra. Por este instrumento que se

guarda na Torre do Tombo, o prior se

obriga a satisfazer tudo, hipotecando

todas as rendas que a ordem tinha no

Reino, e obrigando-se a que todos os

Bauilios dessem Recabedum unusquis-

que de sua Bauilia… de omnibus reddi-

tibus ipsarum Bauiliarum, isto é, que

entregassem aos oficiais de el-rei o fiel

recibo das rendas que tinham cobrado

para, mais facilmente, se embolsar o

dito dinheiro”.

Como organização internacional, a

Ordem Beneditina não deixaria de usar

o caimbo. Câmbio à vista, quando o

banqueiro com letra sua e com algum

interesse nos faz cobrar, pelo seu cor-

18

Cif. Viterbo, “Elucidário”.

respondente, em um lugar o dinheiro

que lhe entregamos em outro lugar.

Citado de um relato de 1487.

Finalmente, um tipo especial de

compra que se registava com o nome de

amortização.

Segundo Viterbo, “À vista dos

documentos que abaixo se aduzem, e

segundo o estilo, que até os fins do

século XIII, entre nós, se conservou,

parece não ser outra cousa mais que

uma aquisição, que as mãos mortas19

faziam de alguns prédios ou proprieda-

des com licença e autoridade expressa

do soberano; as quais, uma vez adquiri-

das, ficavam isentas de todos os encar-

gos e direitos, que dantes pagavam á

coroa ou, pelo tempo adiante, lhe pode-

riam pagar e sem obrigação de serem,

dentro de certo tempo, alheadas.”

Até ao reinado de D. Dinis, estas

entregas mais ou menos encapotadas em

vendas – pois atrelavam padroeiros a

quem a realeza devia favores – foram

dependendo da convicção na salvação

da alma pela ampliação do rédito de

lugares pios. D. Dinis pôs termo a estas

amortizações… tornando-as raríssimas.

§

Com os Abades seculares esvane-

ceu-se o princípio omnia sint omnibus

da Regra de S. Bento que instituía que

todos os bens da abadia deviam ser um

todo para todos e que tornava as comu-

nidades ingovernáveis.

No séc. VIII, os Abades seculares e

os laicos providos de uma “abadia”, em

recompensa dos seus méritos políticos e

com vista a serviços a prestar, atribuí-

19

Mãos mortas eram as propriedades das comunidades religiosas que estavam sob pro-tecção particular dos reis.

17

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

ram-se a si próprios se não a totalidade,

pelo menos, uma grande parte da fortu-

na monástica.

Consequentemente esses Abades

reduziram o número de monges para

não terem tantas bocas a alimentar, for-

necendo apenas uma porção côngrua

aos que restavam, e aumentavam o

número de zagonais para certos traba-

lhos como a condução do turíbulo o e

tanger de campainhas nas cerimónias.

Este downsizing obrigou a inter-

venção do poder temporal com determi-

nações sobre a partilha dos rendimentos

entre os monges e o Abade, ocorrida no

início do séc. IX. Cria-se, assim, a men-

sa abacial e a mensa conventual.

Um pouco contra-natura, esta

imposição de aquinhoar de rendimentos

estendeu-se também aos Mosteiros

administrados por Abade regular. Tal-

vez porque os Abades regulares chega-

vam aos conventos sucedendo a Abades

seculares e não tiveram coragem para se

auto limitarem abolindo a sua própria

mensa.

E assim a mensa separada abacial

se transformava numa garantia para os

monges contra os abusos do poder em

matéria financeira.

________________________________

CAPÍTULO VII.

Exemplos colhidos da Beneditina Lusitana

partilha do mundo deixa bem

clara a excelência extensiva da

santa regra. Para não colocar dúvidas

sobre a autoridade fragmentária, o autor

serve-se da tradição nascida com o dilú-

vio universal e da agência de Noé inspi-

rada na divina graça.

No período em análise, o mundo

andava dividido em: levante ou soão,

que era o nascente; abrego, vendaval ou

alcouço, o sul; aguiom ou aquilom, o

norte; travesia e ociente, o poente.

A propagação da vida monástica

conformou-se com a divisão do mundo

entre os três Patriarcas mais antigos: a

S. Basílio foram dadas as partes da

Ásia; a Santo Agostinho as do meio-dia

em África; a S. Bento as do Ocidente e

Norte na Europa.

Uma vez delimitada territorialmente

a implantação do franchising da Regra

de S. Bento, vejamos os interventores:

franqueador é o administrador da

Regra, inicialmente o próprio20

funda-

dor e redactor: “a três partes mais remo-

tas chegou vivendo ainda o glorioso

Patriarca21

;” franqueado era Abade do

Mosteiro ou o seu sucessor, secular ou

civil; o negócio, testado com sucesso ao

longo de milhares de anos, era de almas

que, como as Naus mercantis, “têm

necessidade de vela, que é a esperança,

e de lastro, que é o temor. Umas se per-

dem por falta de temor, outras por falta

de esperança”; para a transmissão do

know-how à rede existia um instrumento

único que, ao tempo e ao longo das eras,

se revelou mais abrangente que, hoje, a

própria internet: o latim; quanto ao

apoio aos franqueados, vejamos a

seguinte passagem22

: “Porque come-

çando ele (D. Paio Guterres da Silva) a

governar pelos anos mil e oitenta, ou

poucos menos, na Sé de Tui se acha

Doação feita no ano de mil e setenta e

um, no qual se dá à dita Sé a metade do

20

S. Bento deu a Regra, em vida, primeiramen-te à Sicília, depois a Espanha e, no ano da sua morte, a França. 21

BL, Tomo I, 132/B/4 22

BL, Tomo I, 279/A/43.

A

18

VI Jornada de História da Contabilidade - APOTEC ISCA - Coimbra, 4-12-2010

Mosteiro de Tibães; evidente prova que

já antes do governo de D. Paio o dito

Mosteiro estava de pé. A Doação que

fez ao Bispo D. Jorge e à Sé de Tui por

estar naquele tempo muito pobre foi

da Infanta D. Urraca filha d’el-Rei D.

Fernando o Magno tia da Infanta D.

Tareja Mãe do nosso primeiro Rei D.

Afonso Henriques”;

A Regra era disponibilizada até às

mais simples filiais da religião de S.

Bento, como foi o caso das chamadas

obediencias que eram mosteirinhos,

granjas ou pequenos priorados.

O ”franchising da Regra” é diferente

da prática beneditina (e cistercense) que

motivou o abade pai, abade filho, aba-

de neto, abade bisneto, abade avô e

abade bisavô. Abade pai dizia-se daque-

le de cujo Mosteiro saíram monges para

fundar outro… e assim por diante.

Do mesmo modo que, na economia e

na política, é histórico que as mulheres

nunca chegaram a inventar, motivar ou

criar os enredos das organizações que,

para o bem e para o mal, enformaram as

sociedades, também as Abadessas exer-

ceram as suas funções na organização

beneditina, mas de uma forma singela,

objectiva e, geralmente, incorrupta.

As mulheres só começaram a reunir-

se em conventos a partir do séc. IV. No

concílio de Barconcelde, de 694, estive-

ram cinco dessas Abadessas administra-

doras do temporal.

________________________________

CAPÍTULO VIII.

Burlas e fraudes com instrumentos financei-

ros

illiçador é o tipo de burlão mais

acabado, engranzando no iliza-

mento todas as burlas, trapaças, enga-

nos, tecimentos, tramóias, dolos, male-

zas, supositas ou maquinações que se

poderiam forjar.

As Ordenações tentaram prevenir a

prática de illiçar ou illiciar.

“Os fidalgos fazem penhoras nas

terras dos Mosteiros, por muito mais do

que haviam de haver, pelo que se não

pode sustentar no espiritual e tempo-

ral”23

. Trata-se de um embuste próprio

de illiçadores que tinha paralelo nos

mercados de géneros que era o inchar

freama: “péssimo costume de encher de

vento os animais e aves, que se expu-

nham à venda, para, deste modo, impor

aos símplices, que se persuadiam ser

gordura esta artificiosa inchação”.

A inmissão ou immissão era outra

trapaça, mas esta caracterizada pela

extorsão e pela violência. Num docu-

mento de 1077, relativo ao Mosteiro de

Paço de Sousa, o doador de certos bens

protesta Non sedeam ausus illud Testa-

mentum inrumpere, non per Potestates,

non per Maionos, vel Sayones, nec per

inmissiones, aut supositas malas; sicut

in Decretis Sanctorum Canonum de

talibus est institutum.

23

Embora com características diferentes, por se relacionar com a sobredimensionação e sobre-valorização de stocks, a South Sea Buble – que relaciona o termo “bolha” com crises financei-ras – teve origem em Inglaterra nos anos de 1711 a 1720!

O

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Peitas, luvas24

, serviços, presentes,

regalos, jantares, comedorias e outras

coisas “para remir vexame”, com o

nome de ofreçom ou offerçom, sempre

eram mencionadas como fazendo parte

do preço a pagar a oficiais, ministro,

alcaides.

A peita foi definida como “ tudo o

que se dá para corromper a justiça, a

virtude, a verdade e boa-fé de alguém”.

Não é necessário aprofundar, na actua-

lidade, estes conceitos; basta repescá-

los, adaptando. É que, na Idade Média,

passando a peita de cruzado, ou sua

valía, além das sobreditas penas, é con-

denado – o negociador – a perpétuo

degredo para o Brasil. E sendo as pei-

tas de valia de dois marcos de prata,

tem pena de morte.

Como esta peita estava longínqua

do peitu de 1121, mencionada numa

venda feita por Egas Moniz, em que

foram satisfeitos 50 módios a título de

peitu pagos ao conde D. Fernando!

A moeda falsa também era costume

propagado, cunhada em metais que não

eram de uso habitual: D. João I, ao

impor a aceitação obrigatória da moeda

de seu cunho, ressalvou a possibilidade

de, por evidente experiência, se desco-

brir que era feita de ferro, ou de peltre

(arme, latão) ou de “outro desvairado

metal de que não se acostuma fazer

moeda nestes reinos”.

24

Alcançar ou conseguir luvas dizia-se percal-çar.

Selo rodado

A aposição de selos, como forma

de autenticar os documentos e evitar

falsificações, mereceu constante inves-

timento em técnicas e aperfeiçoamen-

tos. Além dos selos rodados, feitos à

pena desde 1150, usava-se o selo pen-

dente de cera ou chumbo, o selo peque-

no de chapa, chancela ou sinete, de

molde, cunho ou tipo. O selo das tavoas

assim se chamava porque o artifício

com que se imprimia o selo era formado

entre duas ou três tábuas. O selo de

puridade, nos finais do séc. XIV, tam-

bém se chamava selo pequeno para se

distinguir do selo grande ou coucho.

Pelas Cortes de Elvas, de 1361, e

pelas de Lisboa, de 1371, ficamos a

saber como os clérigos sofismavam a

lei: faziam celebrar os contratos de

compra por terceira pessoa de quem

depois recebiam a propriedade compra-

da a título de doação ou de troca.

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CAPÍTULO IX.

Nota final sobre as fontes

em sempre que se recolhiam os

documentos para averiguações

estes eram devolvidos aos cartórios ori-

ginais, embora os emitentes, obrigados

a enviar documentos autênticos, guar-

dassem normalmente cópias e traslados.

Os roedores, que emprenhavam às cen-

tenas os esbarrigados tombos conven-

tuais, en-carregaram-se de dizimar

grande soma.

Numa sentença de 1486 exarada no

Livro das Provisoens da Camara de

Coimbra consta que “se mandaram

examinar: o arquivo da Câmera de Lis-

boa e Torre do Tombo, e os cartórios de

Santa Cruz, Alcobaça, Bouro, Santo

Tirso, Lorvão, Odivelas e Arouca”.

É bem natural que os originais de

todos estes documentos tenham ficado

em casa do inquiridor e, posteriormente,

tenham sido remetidos à Torre do Tom-

bo.

Apesar de ameaçados de morte por

D. João I se não lavrassem os documen-

tos per letra Christenga Portuguez,

muitos tabeliães fizeram escritura públi-

ca por letra arábiga e hebraica.

Outra observação necessária sobre

as fontes é a grande importância que

assumem para as nossas investigações,

as escrituras e demais contratos lavra-

dos durante o período em estudo. Mas

nem todos os documentos atingiam a

sua versão final e acabada. Projectava-

se uma doação ou um testamento, disso

se fazia uma minuta, talvez se lavrasse

carta depois de maduras reflexões que

não se entregava ao donatário nem se

apunham assinaturas e selos. Finalmen-

te, era dada a escritura – o que, por

vezes, não chegava a acontecer mercê,

sobretudo, de atribulações políticas –

com todas as formalidades do tempo.

António Jorge Ribeiro

[email protected]

www.orgalribeiro.net

N

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Bibliografia

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Viterbo, Fr. J. de S. Rosa, 1983. Elucidário. 2ª edição, Livraria Civilização, Porto

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Índice Remissivo

acções, 11 amortização, 16 assunção de danos, 15 averiguações, 20 bauilio, 16 beiçoairo, 14 bolha, 18 breves, 3 bulas, 11 caimbo, 16 Cassino, 2 composições, 15 contrato de renda vitalícia, 13 couto, 13 downsizing, 17 Dume, 2 encoutamento, 13 enfiteuses, 14 escambos, 15 ferros, 16 finco, 16 fiscalização, 15 franchising, 17 Grijó, 3 guarda-livros, 10 imparidade, 15 inchar freama, 18

inmissão, 18 lease-back, 15 leituario, 14 Lorvão, 4, 9, 13 mãos mortas, 16 marketing, 9 mensa, 17 mort-gage, 13 obrigações, 11 ofreçom, 19 Paço de Sousa, 18 padroados, 15 Pombeiro, 3 prazo, 14 recabedo, 15 renúncia de foro e de prazo, 15 róbora, 15 Santo Tirso, 12 seguro, 15 subemprazamento, 15 subenfiteuticação, 15 subinfeudação, 15 talha de fuste, 11 Tibães, 18 Tomar, 2 transacções do domínio útil, 15 trespasse, 15