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    A s s o c i a o f i l i a d a n a I n S E A

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    n d i c e

    N 49

    Janeiro de 2008

    Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3Teresa Ea

    Os estudantes e a compreenso crtica da arte . . . . . . . . 4Teresinha Sueli Franz

    A criana e o desenho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12Rose Mary Aguiar Borges

    A plstica corporal xavante no ritual danhn . . . . . . . .15Cristina R. Campos

    O lugar das artes visuais no currculodo 2 ciclo do ensino bsico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    Ricardo Reis

    A fotografia de famlia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24Paula Soares

    A abordagem intercultural do tradicionalao contemporneo: Um contributo para

    a Educao Artstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26Isabel Bezelga

    A viagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32Paula Vilhena

    Exposio: Os Graffitis que nos rodeiam.Intercmbio entre Ltvia e Portugal . . . . . . . . . . . . . . .34

    Margarida Marinho

    Notcias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

    Livro em destaque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38Teresa Ea

    Ficha Tcnica Propriedade:APECV - Associao de Professores de Educao e

    Comunicao Visual - R. Dr. Ricardo Jorge 19 sala 5 - 4050-514 Porto

    ISSN 1646-6845

    Tiragem: 1000 exemplares

    Distrib.:APECV - R. Dr. Ricardo Jorge 19 sala 5 - 4050-514 Porto

    Preo: 5

    (Cinco Euros) Depsito Legal:25344/88

    Conselho Cientfico: Dr. Antnio Serafim Pereira / Dra. Maria do Cu Melo/ Prof. Eduardo Salavisa / Prof. Margarida Marinho

    Apoio:STAEDTLER Portuguesa, Lda.

    Rev. da Assoc. de Professores de Expresso e Comunicao VisualE-mail: [email protected] - http: www.apecv.pt

    Direco:APECV

    Editora: Teresa Ea

    Design Grfico: Filipa Ea

    Paginao e Impresso: ESFERARTE arte & design, lda. Capa: Desenho de uma aluna da Escola Bsica Integrada de Vouzela

    Colaboradores deste nmero: Teresinha Sueli Franz, Rose MaryAguiar Borges, Cristina R.Campos, Ricardo Reis , Paula Soares,Paula Vilhena, Margarida Marinho.

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    Comecei a trabalhar neste nmero logo aps a Conferncia Nacional sobre o Ensino Artstico que decorreu na Casa da Msica, noPorto em finais de Outubro de 2007. Depois do que vi e do que ouvi nessa grande conferncia, um evento notvel na histria daeducao artstica em Portugal, fiquei com vontade de refazer tudo, de questionar tudo e de apresentar solues possveis. Soluespara a integrao dos artistas nas escolas; propostas de redes e parcerias; solues para que os museus trabalhem melhor com osprofessores e vice-versa. Estava com ganas de fazer propostas para formao de professores com qualidade a partir de mecanismosflexveis de creditao de formadores e de actividades de formao. Mas, decorridos trs meses, o panorama da poltica educativa nonosso pas tirou-me o optimismo todo. Seria to mais fcil trabalhar melhor se no tivssemos um sistema to burocrtico e topouco respeitador da dignidade profissional e da imaginao dos agentes educativos!!!

    Mas preciso acreditar em processos de mudana para melhorar o acesso a uma educao visual de qualidade para todos. E ns,ns, temos muita esperana. Seno j tnhamos desistido h muito. A nossa fora vem das crianas, dos nossos alunos e das nossasalunas. por isso que fazemos projectos educativos e que desenvolvemos com eles e com elas modos de compreender o mundo

    com criatividade, promovendo valores ticos e atitudes de cidadania responsvel, capacidades de compreenso crtica e liberdade desonhar. por isso que nos envolvemos tanto em cada aula e que nos deslumbramos com os desenhos feitos pelos alunos, como osdesenhos dos alunos da Escola Bsica Integrada de Vouzela que esto reproduzidos na capa deste nmero. E por isso quecontinuamos a fazer formao contnua, mesmo saindo-nos caro. Como as professoras Paula Vilhena e Paula Soares que numaaco de formao do Centro de Formao de professores Almada Negreiros voltaram a ser alunas para experimentar uma propostapedaggica baseada na compreenso da cultura visual atravs da leitura e criao de banda desenhada .

    Comeamos este nmero da Imaginar n 49 por um artigo de uma investigadora do Brasil: Teresinha Sueli Franz que autora devrios livros e artigos sobre educao artstica e trabalha no Departamento de Artes Plsticas do Centro de Artes da Universidade doEstado de Santa Catarina no Brasil. Teresinha Sueli Franz parte das questes de como abordar a obra de arte na sala de aula, queestratgias utilizar com os alunos para que eles a compreendam e adquiram competncias crticas e apresenta uma reflexo sobre aimportncia de uma boa mediao para a compreenso crtica da arte.

    De Rose Mary Aguiar Borges o segundo artigo A criana e o desenho faz-nos pensar sobre o papel do desenho no desenvolvimentocognitivo da criana e levanta questes sobre o desenho de cpia e a confuso entre educao artstica e treino artstico. Rose professora no Instituto de Educao de Nova Friburgo no Brasil.

    De Cristina R. Campos apresentamos o texto: A Plstica Corporal Xavante No Ritual Danhn. Segundo a autora a plstica corporalXavante est intimamente ligada sua cosmologia e configura-se como texto eminentemente visual que reflete as concepes acercada composio do universo e dos componentes que o envolve. Cristina destaca alguns elementos da arte Xavante, suas articulaese ressignificaes pela qual o corpo, pintado e revestido com os paramentos cerimoniais, estabelece conexes entre os diferentesatores e as influncias que fazem parte da ps-modernidade, compreendendo-o como lugar privilegiado dessas relaes queexercem ligaes entre o global e o local. Cristina Prof. de Antropologia; Arte e Cultura; Prtica Pedaggica no curso dePedagogia da UCAM e Prof. de Artes no Ensino Fundamental e Mdio da rede estadual e municipal de Niteri no Brasil

    De volta a Portugal Ricardo Reis no terceiro artigo no nos deixa esquecer O lugar das artes visuais no currculo do 2 ciclo doensino bsico. Ele apela para a necessidade de repensar a disciplina de EVT e fala-nos das incongruncias de um programa

    educativo que se contradiz a cada passo. Este texto faz uma anlise objectiva do programa da disciplina e do documento CurrculoNacional do Ensino Bsico Competncias Essenciais, na parte respeitante Educao Artstica, em especial Educao Visual.Ricardo Reis, membro da APECV, professor de EVT numa escola do sul de Portugal.

    Ainda de Portugal mas de outra rea de educao artstica temos o artigo de Isabel Bezelga intitulado: A abordagem intercultural dotradicional ao contemporneo: Um contributo para a Educao Artstica. Isabel Bezelga reflecte sobre o papel desempenhado pelosArtistas na Escola. O seu artigo pretende equacionar os contributos da Educao Artstica Intercultural, valorizando a exposio e ocontacto das crianas e jovens, com formas e produtos expressivos e artsticos de culturas diversificadas e as abordagens da ArteContempornea e das Artes Performativas em particular, que um conjunto de artistas, em vora, tem desenvolvido nos ltimos anos,num trabalho continuado de promoo da criatividade artstica junto de crianas do 1 Ciclo da Educao Bsica. Isabel Bezelga docente de teatro-educao no Departamento de Pedagogia e Educao da Universidade de vora e Membro da Direco da

    Associao Menuhin Portugal / Projecto MUS-E .

    A revista acaba com um desafio, um desafio de parceria internacional entre duas associaes de professores de educao artstica: aAPECV, em Portugal e a LASTA, na Ltvia. Este desafio prova que existe muita imaginao, profissionalismo e liberdade de aprendernas comunidades de professores de educao artstica na Europa e que as pontes so possveis.

    EditorialTeresa Ea

    1 FRANZ, T. S. Educao para uma compreenso crtica da arte: Museu V ictor Meirelles. Fpolis: Insular, 2001 e FRANZ. T. S. Educao para uma compreenso crtica da arte. Fpolis: LetrasContemporneas, 2003 (prefcio de Fernando Hernndez).

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    Resumo: O presente artigo tratade fazer uma reflexo sobre opapel da mediao (em escolas emuseus) no processo da educaopara a compreenso crtica daarte e/ou da cultura visual. Prticacomum nas escolas do Brasil, osestudos de leitura de obras de artegeralmente so desenvolvidos semlevar em conta a diferena entre acompreenso de principiantes e

    especialistas no campo da arte. Oeducador normalmente se satisfazcom as compreenses da arteespontneas iniciais (ingnuas)dos estudantes, o que evidenciaclaras influncias modernistas doensino da arte (laissez-fair). Ondeno lugar do livre fazer,incentivamos a livre interpretaoda arte. Deste modo, sem umacompetente mediao, osestudantes permanecem com suascompreenses ingnuas

    equivocadas e pobres sobre aarte. O texto faz indicaes deestratgias didticas que podemajudar a mediar odesenvolvimento da compreensocrtica, autnoma e complexa daarte, aqui denominada decompreenso de especialista.Apresenta tambm um quadrosntese contendo caracter st icas dediferentes nveis de compreensoda arte.

    Palavras chave: Mediao.Estudantes. Arte. Educao.Compreenso. Nveis.

    A educao para a compreensocrtica de manifestaes artsticas e deimagens da cultura visual em geral tarefa central para os professores deensino de Artes Visuais, hoje. Por essemotivo comum encontrar as falasespontneas de crianas, jovens eadultos entre as investigaes sobre acompreenso da arte. Tericos comoEdmund Feldman, Abigail Housen eMichel Parsons (1992) tm servido deinspirao para pesquisadores eeducadores brasileiros. Porm, se

    pensarmos na perspectiva das teoriasatuais da aprendizagem e nasfinalidades da educao ps-moderna, as contribuies dos autoresacima citados so limitadas,principalmente no que se refere aopapel de mediador que o professornecessita assumir na educao para acompreenso crtica da arte.

    Neste incio do sculo XXI continuasendo importante saber o que os

    estudantes pensam e falam sobre aarte, assim como imprescindvelsaber como classificar e ordenar oque dizem, mas nossa tarefa noacaba a. Saber o que dizem osalunos sobre a arte ou sobredeterminada imagem da culturavisual apenas o primeiro passopara educar para a compreenso,porque estas falas so o principalinstrumento pedaggico paraplanejar estratgias didticasadequadas com o objetivo de tornar

    mais crticas e complexas aquelascompreenses. Deixar os estudantesfalarem sobre as obras de arte esobre as imagens do cotidiano importante, mas isso por si s nobasta. Neste caso, apenasdeslocamos o eixo do livre fazer(laissez-faire) para o livreinterpretar, com claras influnciasdas prticas modernistas no ensinodas artes visuais. Como naquelestempos, neste caso tambm o papeldo educador se anula.

    Quando chegam escola, ascrianas em geral sabem pouco ouquase nada sobre os contedosescolares de Matemtica, Geografia,Histria, Literatura, mas osprofessores destas disciplinas sabemdisso e no se contentam com asconcepes iniciais de seus alunos.Eles se esforam para que osestudantes dominem umaconsidervel quantidade deconhecimentos para superar o anoletivo e avanar no domnio dos seuscampos. No entanto, devido a tantospreconceitos e s histricas barreirascriadas em torno do campo da arte comum entre ns a crena de que

    no h necessidade de estudarseriamente para compreender objetosartsticos.

    No h dvidas de que os professoreshoje se interessam pelas prticas emtorno da compreenso da arte, desdeos primeiros anos escolares, mas pouco provvel que saibam qualcaminho percorrer para atingir osresultados esperados, conformetambm afirma Pillar (2001, p. 137):

    Atualmente bem comum escolas deeducao infantil trabalhar a leiturade imagens de arte com crianaspequenas, apresentando-lhes obras,sem, no entanto, entender essesprocessos de leitura.

    um erro pensar que tudo o que osestudantes dizem sobre arte tem valor.Na compreenso da arte desde ainiciao at o domnio do campo hum considervel caminho a serpercorrido.

    A relao entre a avaliaodas compreenses e asestratgias de ensino

    Se estamos interessados em tirarnossos estudantes do nvel ingnuo decompreenso da arte, o primeiropasso avaliar suas compreensesiniciais, para a partir delas inferirestratgias didticas que os ajudem asuperar as respostas de senso comum.Interessa-nos neste caso saber comoaprendem os alunos.

    So muitos os aspectos que influemna educao para a compreenso;um deles entender como osindivduos ascendem ao conhecimentoe como se pode facilitar a construodo saber com nossos alunos.Hernndez (2000) remete-nos aoauge do Construtivismo para explicaro papel da Psicologia Cognitiva naeducao para a compreenso.Partindo de Bruner, Vygotsky e Prawat,explica que o objetivo de toda aaprendizagem estabelecer umprocesso de inferncias etransferncias entre os conhecimentosque j se possui e os novos

    Os estudantes e a compreensocrtica da arte

    Teresinha Sueli Franz

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    problemas-situaes que sopropostas.

    Nos ltimos anos, os estudos sobre oque se tem chamado representaesou concepes marcaram asinvestigaes para tratar decompreender alguns problemasrelacionados com o acesso aoconhecimento (GIORDAN, 1993;1996; 1997; RODRIGO, 1996;PRAWAT, 1996). Em um estudo querealizei sobre a compreenso de umapintura histrica brasileira, publicadoem Franz (2003) utilizei, alm dostermos representaes econcepes, o termocompreenses ou diretamenteinterpretaes, que cabem no casode estudos com obras de arte. Aspesquisas comprovam que oeducador deve ter conscincia de queo aluno ter de percorrer um caminhorelativamente longo, antes de

    abandonar sua representao de umtema-problema, seja no domnio deum conceito, seja na compreenso deuma obra de arte em particular. Antesde passar para um novo tema-problema, importante, tanto para oprofessor quanto para o alunoconhecer quais so as representaesou idias espontneas dos alunos arespeito da obra e do que vai serestudado. Isso pode ser obtidomediante questionrios, entrevistas ouatravs de dilogo entre os alunos:

    freqentemente os alunos no tmuma clara conscincia de qual asua representao de determinadofenmeno, uma vez queprovavelmente nunca foramobrigados a explicitar talrepresentao (CARRETERO, 1993).

    A importncia de avaliar asconcepes dos alunos est emdetectar idias, pensamentos eatitudes que podem estar impedindoa compreenso mais coerente de

    algo. Segundo Prawat (1996),Hernndez (2000) e Carretero(1993), os conhecimentos (informais,intuitivos, ingnuos, espontneos)implcitos nas idias dos alunos tanto

    podem facilitar como impedir formasde compreenso mais complexas.Devido ao carter implcito destasconcepes, o primeiro passo torn-las conscientes, para, depois,buscar uma compreenso maisadequada.

    Um novo conhecimento, ou oaprofundamento de um tema-problema, sempre depende dasconcepes que o aluno j possui.Quando os educadores no levamem conta ditas concepes, elas semantm, apesar do esforo que elesfazem no sentido de ensinar o novotema. O papel do professor,sobretudo, interferir nas concepesdos alunos, para que estes consigamsuper-las e transform-las. Para queisso acontea, deve gastar tempo eenergia, avaliando estas concepes.

    Giordan (1997, p. 5) diz que

    podemos trabalhar com ou contra asconcepces iniciais dos estudantes.Trabalhar com as concepes dosestudantes se ope nitidamente sprticas tradicionais. O ensino partedo estudante, evitando todocondicionamento. O aluno tentasuperar suas idias tateando eargumentando. Uma pedagogia assim muito til para a iniciao aocampo da arte, tanto para crianasquanto para os adultos.

    Esta fala de Giordan pode serexemplificada com as prticas emmuseus, ou em escolas que visam adeixar o aluno argumentar e falar oque sabe sobre as obras expostas.Entendo que esta prtica importantepara desenvolver as habilidades decomunicao, combater a inibio,estimular e reforar a confiana dosalunos; constituindo-se, portanto, emuma fase indispensvel no processoda educao para a compreensocrtica da arte. No entanto para que

    esta compreenso acontea, devemser fomentadas tambm as conexesexplcitas dos elementos da base deconhecimentos dos alunos. Mas comofazer isso? Ensina-nos Prawat (1996)

    que os bons professores sempresouberam apresentar o conhecimentode maneira que os alunos possamintegr-lo com o que j sabem. Elessabem que no fcil conseguir queos alunos modifiquem suasconcepes prvias. Para que issoacontea, necessrio que elesprimeiro se sintam insatisfeitos emrelao a elas, para, ento, partirempara a busca de alternativas quesejam, ao mesmo tempo, inteligveis eteis para compreender situaesnovas. No entanto, difcil que, osestudantes consigam chegar por si aeste desconforto cognitivo. Elesnecessitam da interferncia domediador, do mesmo modo que anecessitam para conectar, de maneiracorreta, uma informao nova com osseus conhecimentos prvios. Oeducador os ajudar a ver se suasidias prvias podem se conectartranqilamente com as novas, ou se o

    ponto de vista cientfico, formal edisciplinar uma alternativa maiscoerente para explicar o novoproblema.

    Na investigao antes citada sobre asconcepes de um grupo deindivduos sobre determinada obra deartes visuais (FRANZ: 2003), pudeperceber, com clareza, que osestudantes no so tbua rasa; elespossuem uma grande quantidade deconhecimentos ingnuos, informais e

    fragmentos de conhecimentosformais, e os utilizam para explicaruma pintura sobre a qual nuncaforam incentivados a refletir. Emboraestes conhecimentos podem noajud-los a explicar a pintura comcerta coerncia, eles raramente sedo conta de que a sua compreensopoderia ser mais coerente com umainterveno educativa adequada.

    Ao oportunizarmos ao estudante averbalizao, ou seja, o argumentar,

    o interpretar e o falar sobre umaobra de arte, ainda que de maneiraingnua, estamos tambmoportunizando o desenvolvimento doque Prawat (1996) chama de

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    conscincia reflexiva. Neste caso aaposta por um projeto educativoem que tenham lugar a verbalizao,o dilogo e a livre argumentaodos alunos, caminho inicial

    indispensvel para a promoo dacompreenso crtica, da conscinciareflexiva, do pensamento complexo edos elevados nveis de compreensoda arte. Tanto a escola tradicionalquanto os museus, que mantm suasvisitas guiadas neste molde (onde oguia quem fala a uma platiacalada), no educam para acompreenso. Tanto na escolaquanto no museu oeducador/mediador conscienteincentiva os alunos a falarem da

    arte. O processo de manifestarpensamentos aos outros tambmpermite que nos manifestemos a nsprprios e, com isso, tornamo-nosconscientes do que realmentesabemos. mediante a verbalizaoque nossos pensamentos convertem-se em reflexo, ensina Prawat(1996).

    A educao para a compreenso daarte, segundo explica Lipman (1997),

    supe no somente conectar opensamento dos estudantes commodelos de pensamento alheio, masprincipalmente fazer com que, por simesmos, sejam mais reflexivos ecrticos. Assim sendo, examinar eavaliar o que dizem os livrosdidticos, o que dizem os crticos, oque temos como certo sobre anatureza do conhecimento artsticodeve passar pelo olhar crtico ereflexivo dos aprendizes. Umamediao competente tem como meta

    principal desenvolver umacompreenso autnoma dosestudantes, seja sobre a arte, sejasobre outros objetos da cultura visualem geral.

    Uma das estratgias didticas paratrabalhar com os alunos nestadireo que a escola deve ter emconta que as bases de compreensodevem permanecer como elementosmotrizes do conhecimento crticodentro dos mbitos da experincia

    pessoal, social e histrica dos alunos,como ensina Bonaf (1996). Destaforma, a elaborao doconhecimento produz-se na relaocom algum contexto de referncia,

    no atuando em abstrato. Da aimportncia em iniciar os estudantescom obras de artes do seu prprioentorno cultural para depois lev-losa compreender obras de culturas

    distantes.

    Como aprendemos a dominaro campo da arte?

    A idia predominante, na nossasociedade, de que no necessrioensinar a falar da arte, porque isso coisa de gnio, ou, ento, que ascrianas j nascem sabendo falardela, ou, ainda, que elas no tmcondies de compreender acomplexidade da arte, ou que a

    interferncia do educador em suascompreenses s vai ser prejudicial.Este aspecto revela um pensamentoherdado do Modernismo no ensino daarte, conforme nos lembra Hernndez(2000) ao relatar a surpresa de umaprofessora das sries iniciais numavisita a um museu de artecontempornea, onde lhe diziam queno se devia ensinar aos alunoscoisas como Abstrao, Cubismo,Surrealismo, mas sim pedir que

    dissessem o que viam e o quesentiam.

    Este um exemplo claro da influnciadas idias modernistas no ensino daarte e, neste caso, transferido paraa compreenso e interpretao doobjeto artstico. Antes o estudanteficava abandonado ao livre fazer,agora o deixamos falar livrementesobre a arte. J sabemos que asidias do modernismo, nestadisciplina, no so mais viveis, mas

    continuamos com elas e asdeslocamos para outro eixo do ensinodas artes visuais, o da anlise, leituraou interpretao da obra de arte e/ouimagem da cultura visual.

    A confuso, talvez, deva-se ao fatode o professor intuir que o ensino daarte um "domnio mal estruturado",justifica Arthur Efland (1993). Emoutras palavras, como uma obra dearte pode estar aberta a mltiplasinterpretaes, as artes so domnios

    mal estruturados. Este fato leva necessidade de o professor terconscincia de que cada obra deveser tratada caso a caso, em vez defazer amplas generalizaes. Na

    maior parte das cincias, diz Efland,os domnios so bem estruturados; odas artes, entretanto, malestruturado. Domnios bemestruturados permitem um tipo de

    aprendizagem em que o professorapresenta um princpio geral quepode, ento, ser aplicado a todos osexemplos de fenmenos correlatos. Ainstruo em domnios bemestruturados deve diferir daquelarealizada em domnios malestruturados. Nestes, os alunos devemestar muito atentos aos detalhesparticulares de cada situao ou, nonosso caso, a cada obra de arte emsi. Ao ensinar em domnios doconhecimento mal estruturados, o

    professor ou educador deve estarconsciente de que, neste domnio,cada caso ou cada obra requer umaabordagem especial.

    Independentes de ser geniais, ou no,a maioria das pessoas aprende arteda mesma forma que eles aprendemqualquer outro assunto elasencontram um professor especialistana matria que eles desejamaprender. Em algum ponto, elas

    comeam como iniciantes egradativamente transformam-setambm em especialistas, explicaEfland (1993, p. 26). Este autordiscute e compara as idias de Bruner(final dos anos 50 e incio dos 60)sobre a aprendizagem e a cognio ecompara-as com as perspectivascognitivas atuais. Mostra em queponto o modelo de Bruner decurrculo em espiral hojeultrapassado, indicando que somenteuma base de conhecimentos bem

    estabelecida pode levar a umaaprendizagem posterior maiscomplexa. Efland (1996) expe ofundamento cognitivo para o domniode certos campos especficos,denominados de campos bemestruturados e campos malestruturados. Questiona e discute aimportncia dos trabalhos atuaissobre as condies que impedem aaprendizagem e favorecem aaquisio de concepes equivocadasque vo prejudicar ou impedir a

    aprendizagem posterior. Este autorapresenta, ainda, um modelocurricular que ele denomina dereticular. Neste modelo indica arelevncia da avaliao das

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    qual, ainda que se reconheam osaspectos formais e temticos dasobras de arte, h que compreend-los em relao a suas conexes como mundo social e cultural do artista

    (EFLAND, 1996, p. 104).

    Este autor se contrape idia decurrculo em espiral proposta porBruner, a qual defende a idia de quea apresentao, ainda na infncia, derepresentaes de determinadasidias fundamentais facilitaria adisposio para a assimilaoposterior de uma representao maiscomplexa. Efland (1996, p. 104)prope o que ele chama de currculoreticular: A expresso de retculo que

    utilizo trata de transmitir a idia deque h mais possibilidades desolapamento de idias em um campode conhecimentos do que as que sepoderiam descobrir em uma estruturade conhecimento individual.

    Concordo com a idia de currculoem forma reticular, a qual, atendemelhor aos desafios impostos pelocarter singular, complexo e noestruturado da arte, uma vez que uma

    compreenso mais profunda delasempre requer uma grandeflexibilidade cognitiva e umentrecruzamento de idias dediferentes mbitos disciplinares etransdisciplinares do conhecimentohumano.

    O que faz um crtico de arte quandofala de uma determinada obra ouexposio de arte? Ele no falasomente de sua percepo esttica,ou da aplicao de princpios gerais

    (generalizveis), nem usa apenas ummtodo de anlise formal da obrapara fazer uma boa crtica. No fundo,o que ele faz, lembra mais a suaprpria histria de confronto comoutras obras, ou seja, dos seusencontros pessoais com a arte. O queleva Efland (1996, p. 105) a concluirque: uma boa crtica, isto , umainterpretao confivel deveconsiderar a multiplicidade doselementos inter-relacionados.

    Contestando o mito do gnio na artecomo um talento divino, que j nascepronto, Efland (1993) resume osfatores que, segundo sua anlise depesquisas sobre este tema, esto

    diretamente relacionados aprendizagem da arte, conformeapresento a seguir:

    Base de conhecimento, estratgias

    e aptides - Na aquisio de umaboa base de conhecimentos sobrearte os alunos precisam adquirirestratgias para buscar novosconhecimentos e tambm aptidesque os levem ao questionamento dasidias adquiridas e resoluo denovos problemas. Ao avaliar acompreenso na arte, necessrioprocurar evidncias de que os alunostenham adquirido estratgiasapropriadas para buscar novosconhecimentos e a aplic-los em

    situaes de resoluo de novosproblemas.Pistas contextuais na avaliaodos alunos e do ensino - O alunopoder ter dificuldade em ter acessoao que ele j sabe, se o professorno souber dar sugestes no contextode estudo, ou seja, se no oferecerpistas contextuais que o ajudem alembrar o que ele aprendeuanteriormente.Paradigma iniciante/especialista -

    Pesquisas atuais comprovam que hdiferenas notveis na forma comoos iniciantes e os especialistasabordam os problemas. Ao contrriodos especialistas, os iniciantes fazem-no de forma ingnua, fragmentada,distorcida e compartimentada, o queos leva interpretaes equivocadas,incompletas e errneas.Domnios bem estruturados e malestruturados - Pelo fato de a obrade arte estar aberta a mltiplasinterpretaes; as artes so domnios

    mal estruturados. Conseqentemente,o ensino deve ser reforado caso acaso (obra a obra), evitando fazeramplas generalizaes.

    Aquisio de conhecimentoavanado e inicial - H umatendncia de o professor simplificardemasiadamente o conhecimento nasfases iniciais da aprendizagem emum domnio especfico, o que podeimpedir, posteriormente, a aquisiode conhecimento mais avanado.Preconceito redutivo - Na tentativa

    de facilitar a aquisio deconhecimentos, professores e autoresde livros didticos devem evitar atentao de simplificardemasiadamente a complexidade do

    assunto. A complexidade inerenteao conhecimento artstico, e issodeve ser levado em conta desde asfases iniciais de aprendizagem.O conhecimento do professor

    sobre o assunto - Os professores dearte precisam ter um conhecimentoamplo do contedo que vo ensinar.Isso significa, mais do que ter umaboa base de conhecimentos, tambmsaber usar estratgias para adquirirnovos conhecimentos, bem comodemonstrar aptides especficas parafaz-lo.Conhecimento pedaggico docontedo - Alm do conhecimentosobre o tema a ser ensinado, osprofessores tambm devem, conhecer

    os mtodos e currculos ou, maisprecisamente, da fuso entre ambos,que podemos chamar deconhecimento pedaggico docontedo, o que torna os professoreshabilitados a transformar seuconhecimento do assunto emrepresentaes deinstruo/educao.Caractersticas do ensinocompetente - Professorescompetentes prestam ateno nas

    questes levantadas pelos alunos.Professores menos competentes,tendem a no perceber estasquestes como oportunidades paraa aquisio de novos conhecimentos.O professor mais competente temmais capacidade de diagnosticarinterpretaes ingnuas ouincompletas dos alunos. Os autoresa seguir explicam maisdetalhadamente:

    As idias, princpios e habil idades da

    arte so ensinadas para capacitar osalunos a encontrar os significados dasobras. Estes significados soconstrudos de forma que osindivduos possam relacionar as obrasde arte a vrios contextos. Aocontextualizar uma obra de arte, umindivduo conecta essa obra ainterpretaes mais amplas da vida.As obras de arte, s vezes, desafiamas interpretaes existentes dosalunos, o que pode fazer com queestas mudem. O estudo contextual da

    arte tambm implica relacionar aobra matriz social e cultural na qualela tem origem. (ELFAND, A.;KOROSCIK, J.S. e PARSONS, M.,1993, p. 1).

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    As interpretaes da arte tambm sosegundo estes autores, amplamentedependentes do contexto derecepo. Podem depender, emgrande escala, das estratgias de

    ensino de que se utiliza o professorpara mobilizar os alunos na busca demodos de compreenso que os levema manifestar um entendimento maisapurado da obra, explica Koroscik(1992). Nos textos padronizados oprofessor corre o risco de deixar oconhecimento do aluno em relao determinada obra inerte, quandoresponde aos questionrios com testesde medida-padro.

    Esta autora sustenta que interpretar a

    arte pode ser uma atividade cognitivadifcil, porque as obras de arte tmsignificados mltiplos quefreqentemente variam emcomplexidade. Pode ser relativamentefcil entender o contedo descritivode uma obra de arte (tais comorepresentaes de pessoas, lugaresou eventos). Contudo, muito difcilinterpretar o contedo abstrato,simblico ou expressivo da arte comoa expresso de crenas religiosas ou

    filosficas, estados psicolgicos,valores culturais ou convicespolticas.

    Os estudantes devem ser levados aquestionar o que dizem os crticos eos historiadores sobre a arte. Quandoso apresentados a obras de arte,aprendendo uma srie de informaesfactuais sobre ela, o mais comum que tendam a pensar que tudo o queum especialista diz sobre uma obra correto, o que inibe o

    desenvolvimento de umacompreenso de alto nvel. Koroscik(1992) explica que alguns professoresde arte esto cientes desse problemae se esforam para omitir totalmenteas referncias intelectuais nas suasaulas de arte. No entanto, com essaprtica os alunos no iro alm doseu estado atual de compreenso, senenhuma informao nova forapresentada a fim de desafiar ospontos de vista pessoais deles. Asreferncias intelectuais oferecem uma

    valiosa fonte de informaes paraque os alunos dissertem sobre a arte,da mesma forma como acontece emoutros campos de estudo. Em vez deomitir essa informao dos currculos

    de arte, os professores devemdescobrir maneiras de tornar asreferncias intelectuais maissignificativas para os alunos.

    Segundo esta autora, os principiantestendem a encontrar significadospessoais na arte de forma noestruturada ou simplesmente comoum jogo de adivinhaes, isto , novo em busca de evidncias que lhespermitam um progresso real nas suasinterpretaes sobre arte. Do mesmomodo que no h uma s respostacorreta sobre o significado de umaobra de arte, tambm no corretodizer que qualquer coisa que se digasobre a arte tem o mesmo valor.

    Koroscik (1992) apresenta algumasrecomendaes aos professores, asquais citamos a seguir.

    Os professores e os alunos devemlevar em conta que mltiplasinterpretaes sobre determinadaobra so desejveis, emboraalgumas interpretaes sejammenos cabveis que outras.

    As interpretaes eruditas sobre aarte, tanto dos crticos como dos

    historiadores ou dos filsofos, entreoutros, podem ser exemplos dealtos nveis de compreenso. muito importante no perder devista essas interpretaesavanadas quando os professoresplanejam suas aulas. Osprofessores, no entanto, devemlevar seus alunos a questionarinteligentemente as interpretaesintelectuais da arte.

    Para que os alunos encontremconexes significativas entre as

    obras de arte, os professores devemfornecer sugestes verbais explcitaspara garantir que as conexes queos alunos estabeleam sejamrelevantes e significativas.

    Se o objetivo do professor ampliar a compreenso sobre aarte, ento os estudantes devemlevar em considerao novasinformaes e idias. contra-producente para os alunos estudararte na ausncia de informaes,no contexto de estudo, que

    possuam contedo erudito. Os alunos devem ser

    desestimulados a pensar quequalquer coisa que eles escutem ouleiam sobre arte tem o mesmo valor.

    Interpretaes mltiplas de arte sopossveis e mesmo devem serencorajadas pelos educadores de arte.Contudo, a qualidade dasinterpretaes e compreenses varia

    muito; das interpretaesinconsistentes e ingnuas, querefletem a compreenso de arteingnua, s interpretaessofisticadas, que refletem oconhecimento avanado e acompreenso profunda, qualcomumente nos referimos comoespecialistas. Por que essas diferenasde compreenso ocorrem e qual anatureza das compreenses de nvelmais elevado de arte? Esta , segundoKoroscik (1990; 1992; 1993), a

    principal pergunta que temos quelevar em conta quando educamospara a compreenso da arte.

    Na falta de um repertrio deestratgias alternativas, os iniciantesfreqentemente elegem uma das trsalternativas seguintes nas suasinterpretaes sobre uma obra dearte: a) continua tentando umaresposta alternativa; b) procede comuma suposio; c) desiste. Por

    exemplo: um estudante podecontinuar inspecionando as cores e oscontrastes entre as figuras, acomposio delas, as expresses dospersonagens, para fazer suainterpretao de uma pintura, quandoas evidncias contextuais quepoderiam originar conexessignificativas em sua interpretao.Neste caso continuar tentandoesmiuar a tcnica e as formas que oartista empregou no vai tornar maiscomplexa sua compreenso da

    pintura. Este o caso mais comumencontrado nas falas dos principiantessobre arte.

    Ainda que a observao apurada dasqualidades formais e estticas daobra de arte seja tambm umaestratgia importante paradesenvolver a compreenso dedeterminados aspectos da arte, comoo conhecimento dos procedimentostcnicos, a definio do estilo, asqualidades estticas, isso por si s

    no basta para alcanar nveis maiscomplexos de compreenso da arte.

    comum nestes casos, diz Koroscik(1990), os iniciantes adultos

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    identifica e comenta o contedonarrativo de uma imagem,concepo arraigada tanto naeducao em museus quanto naescola, que entende que a primeira

    aproximao a uma obra de artedeve ser de carter perspectivo identificador, conforme lembraFernando Hernndez (2003, p. 10).Para quem as prticas em torno daobra de arte que se fixam apenas naobservao do objeto em si remetema determinada concepo esttica, aqual traz implcita a idia de que naobra de arte h uma verdade a seridentificada. Verdade esta que teriaa ver no somente com oreconhecimento, mas tambm com a

    correspondente experincia estticaque, se supe, deve estarnecessariamente associada contemplao da obra. O papel doeducador na educao para acompreenso crtica da arte seamplia e toma sentido na fala deFernando Hernndez (2003, p. 11):

    Existe uma maneira de abordar aeducao nas Artes Visuais que nopassa pela identificao pura e

    simples do que vemos, e que vaialm de uma concepoespontanesta de aprender e alm doessencialismo esttico. Nestaconcepo se facilita a aprendizagema partir do estabelecimento derelaes entre as imagens e seuscontextos de produo assim comodesde seus efeitos nas construesidentitrias nas diversas audincias.Esta concepo tem em conta que asobras de arte e as imagens da culturavisual em geral transmitem fatalmente

    outra coisa alm do que osestudantes podem identificar a partirdo olhar. E esta outra coisa no podeser compreendida sem um olharcrtico na vida da sociedade que aproduziu e na vida da sociedade dequem a consome.

    No processo de educar para acompreenso crtica da arte, ossaberes que devem ser consideradospelo educador/mediador, passam pordiferentes mbitos de compreenso.

    Podemos tomar como ponto departida a reviso da crena de queuma obra de arte produto damente privilegiada de um indivduo.Na arte-educao ps-moderna

    obras de arte so compreendidascomo prticas sociais e culturais,muito mais do que como objetosbelos, produtos de mentesindividuais. Como toda prtica

    social, a produo artstica tambmtraz consigo as contradies inerentes sociedade que a produziu. Da anecessidade da pedagogia crtica daarte e da cultura. Essa abordagemnos leva a fazer uma reviso dosnossos prprios preconceitos sobre oque entendemos como arte e comocultura, sobre a finalidade daeducao e a questionar sobre aquem beneficia e a quem prejudica aviso de mundo que a arte e asimagens da cultura visual representa,

    que interesses defendem e quaisnegam. A educao para acompreenso crtica da arte e dacultura visual visa em ltima instncia educao para a cidadania.

    Ao tri lhar os caminhos que levam aosnveis de compreenso maiscomplexos da arte o estudante h depercorrer um longo trajeto que passapelo domnio de saberes de variadosmbitos do conhecimento humano:

    histrico, antropolgico, esttico,artstico, biogrfico, sociolgico ecrtico. Levando em conta que emuma compreenso holstica ecomplexa da arte estes mbitosnunca aparecem de forma isolada,mas interconectados, porque sointerdependentes. A mudana de umnvel ingnuo de interpretao paraum nvel de especialista dependetambm da coerncia desta inter-relao. Porque a pessoa quecompreende a arte no nvel dos

    especialistas estabelece numerosasrelaes e o faz de modo crtico ereflexivo, aplicando os significadosda obra de arte (ou da imagem dacultura visual) sua vida e ao seutempo, desenvolvendo em ltimainstncia uma compreenso crtica eautnoma da realidade. Esta maneirade abordar a educao para acompreenso da arte e da culturavisual amplia o papel do educadorem artes visuais, colocando-o lado alado na responsabilidade com os

    demais professores da escola nosentido de ajudar os estudantes quepor ela passam na construo doconhecimento crtico de si, dos outrose do mundo do qual fazem parte.

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    O desenho da criana vem sendoobservado como ao espontneaentre diversos autores, do comeo dosculo at os dias atuais. Poucostrabalhos indicam a existncia doprocesso de aprendizagem ligados aomeio social na arte da infncia.

    Segundo Karmilof e Inhelder, citadospor Iavelberg (1995, p.4), aspesquisas psicogenticas

    (contemporneas descrevem osprocessos de aprendizagemconsiderando que o conhecimentoconstrudo pela criana se expressaem suas aes e explicaes.Podemos considerar, pois, que paraconseguir concatenar as idias quedo suporte na ao do desenho, necessrio que a criana atinja certograu de desenvolvimento cognitivo.Ou seja, o sujeito vai construindoprogressivamente suas teorias sobredesenho a partir da interao que

    estabelece com todas as produesque observa, incluindo as suasprprias. Isso significa, tambm, dizerque a construo das representaessobre o objeto do desenho, queguiar a ao do desenhista,depende, por um lado deoportunidades de interao no meioscio-cultural.Desta forma, os conflitos advm doconfronto entre aquilo que a crianaobserva na produo circundante e

    na prpria produo de tal maneiraque suas teorias, em determinadosmomentos, tornam-se insuficientespara explicar classes ou conjuntosmais complexos (...) (Iavelberg,1995, p.5). Observa-se que a crianano faz rplicas de modelos dedesenhos do meio e sim as assimilaaos seus esquemas para deles fazeruso criador.Segundo a autora, as prticastradicionais de aprendizagem dedesenho atravs da reproduomecnica de imagens, ou seja, dememorizao de modelos atravs derepetio mecnica, produzemdesenhistas medocres, dependentesde esquemas estereotipados,

    heternomos e reprodutores demodelos alheios.

    Tais desenhos geralmente no sedesenvolvem, pois passam ao largodos esquemas assimilativos do sujeitoe correspondem a uma respostacondicionada ao de desenhar.Trata-se do esteretipo, que podeestar presente tanto na criana quantono adulto. [...] Assim sendo, o

    desenho observado a partir dosmtodos que a criana utiliza parasua produo afi rma-se como objetode cultura infantil, e, conforme asoportunidades, poder alimentar-seda produo cultural adulta ehistrica. (Iavelberg, 1995, p.8).

    A aprendizagem que dependebasicamente da capacidade decopiar, de reproduzir, um ensinoque no considera a criana comoum ser cognitivo, portanto capaz de

    interagir, de criar. A criana torna-seum receptculo de informaes semreflexes, acrtica, exerccio do podere da dominao. Quando se fornece criana um modelo para sercopiado exclui-se a possibilidade de acriana selecionar seus interesses enecessidades reais. (Derdyk, 1989, p.107). no ato da seleo que estinclusa a leitura da realidade, apercepo, a interao com omundo, que em si, um exerccio

    reflexivo e criativo.

    A criana, ao selecionar e eleger umobjeto para brincar, uma msica paracantar, um sapato para calar, umacor para pintar, uma cena paradesenhar, est exercendo umaapropriao de recortes da realidade.A lei tura da realidade se manifestaatravs da representao por meio delinguagens: grficas, plstica, teatral,corporal, escrita, falada e musical.[...] Fornecer um papel mimeografadopara completar, propor temasfechados para desenhar, como ocorrepor ocasio de festas comemorativas,indicar seqncias determinadas paradesenhar figuras, copiar um desenho

    da lousa, enfim, criam expectativas deresultados, tanto por parte da crianacomo parte do adulto. O resultadodeve corresponder formalmente aomodelo original. (Derdyk, 1989,107).

    H ainda livros especficos que trazemdos acontecimentos histricos, mapas,elementos de cincias, entre outros,que esto dispostos para que o aluno

    os copie, reproduza-os, muitas vezesutilizando um lpis e esfregando-o porsobre esses esquemas. So livros quetrazem grandes vcios, so grandesmales formao do estudante. Destaforma, a criana no levada apesquisar, tudo j se encontra pronto.O que ocorre um estmulo preguia mental, que comea a setornar habitual. Isto se prolifera e acriana precisar sempre de umabengala, um suporte com respostasprontas. E diante das dificuldades da

    vida no h respostas prontas.(Martins, 1986, p.32).

    O ensino inteligente no se alicerano copiar a partir de um modeloconsagrado, estandardizando o atocriativo, restringindo-o ao refazercom perfeio, exaltando a destrezamanual, a capacidade da perfeioda cpia, meticulosamente estudada,pautada no refazer constante,castrando o ato inusitado, cerceando

    a liberdade elemento essencial doato criativo. O ensino inteligente spode coexistir com a sensibilidade, eestrutura sua formao no ensaio, noerro, dependendo intimamente dapesquisa, da inovao, daexperimentao e na busca daresoluo de problemas que geramdvida, incertezas, e que por sua vez,geram novas pesquisas, alimentandoa criao.

    O ensino que fundamentado nacpia inibe toda e qualquermanifestao expressiva e original. Acriana, autorizada a agir dessaforma, ir, certamente, repetirfrmulas conhecidas, solues

    A Criana e o DesenhoRose Mary Aguiar Borges

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    prontas, diante de qualquer problemaou situao que exige respostas. Acriana, assim, mesmo com todo oseu potencial aventureiro, deixa de searriscar, de se projetar. Seu desenhoenfraquece, tal como o seu prprioser. (Derdyk, 1989, p. 107).

    Em nossa cultura est sedimentado omodelo prtico de aquisio deensino representado pelo ato da

    descoberta como se a memriafosse simplesmente um depsito deinformaes. E tanto mais valorizadoo indivduo ser em sua capacidademental, tanto maior sua facilidade dereter informaes diversas, guard-lasem seus escaninhos mentais,cabendo a memria selecionar osfatos que vo ser ou no lembrados.Tambm fato que o indivduoadquire conhecimento atravs daimitao, observao e leitura daexperincia prpria e alheia.

    Entretanto, a imitao possuisignificado distinto da cpia. AImitao decorre da experinciapessoal orientada pela seleonatural que a criana efetua dosobjetos, para ento apropriar-sedeste ou daquele contedo, forma,figura, tema, atravs darepresentao. Imitar maneira de seapropriar. A imitao reapresentaestas imagens mentais sob forma delinguagem, ampliando o repertrio

    grfico atravs da repetio. (ibid, p.110). Portanto, a imitao tambmfaz parte do processo de aquisio doconhecimento. A autora afirma que:

    A criana imita o adulto repetindocertas atividades e movimentos cujafinalidade ela at pode ignorar. Aimitao decorre da vontade dereproduzir a operao, necessidadede se apropriar e de participar . Imitar tambm simular e a se esconde umsignif icado ld ico: brincar de lavarpratos, inventar escrituras fictcias,brincar de casinha, ser a professora.Imitar e simular so afirmaes desuas identi ficaes [.. .] A crianatambm imita outras crianas. So

    estmulos que lhe impulsionam odesejo da apropriao, so trocas deexperincias. Imitar no implicanecessariamente ausncia deoriginalidade e de criatividade, mas odesejo de incorporar objetos que lhesuscitam interesse.

    O ato de copiar diferencia-se daimitao pois carrega um significadoopressor, censor, controlador. Quando

    se tem a necessidade de copiarigualzinho, temos revelado umdistanciamento de si mesmo. Cpiano inclui e no autoriza a criana aser autora da criao. O ato decopiar vazio de contedo, merareproduo impessoal. (Derdyk,1989,p.110).

    A cpia quase sempre objetiva otreinamento, o adestramento de umacapacidade que se acredita alcanar.

    Aqui, cabe ressal tar a questo dosdesenhos para colorir. Tais desenhoscostumam receber a designao deexerccios de psicomotricidade, oque revela uma viso distorcida depsicomotricidade.Psicomotricidade uma palavraformada por dois elementos: psique emotricidade. Os dois estointimamente associados, ou seja, ocomportamento motor, neste sentido,no pode ser separado dos outros

    aspectos da psique. (Camargo, 1989,p.5).

    Colorir desenhos feitos pelo adulto uma atividade mecnica, que noenvolve inteligncia, sensibilidade enem a fantasia da criana e que podeser considerado, quando muito, umtreino motor. (ibid., p.5).

    comum a confuso entre educaoe treinamento, que so atividadesmuito diferentes. O treinamentoobjetiva passar uma informaoespecfica necessria ao desempenhode uma atividade especializada.Educao a construo da pessoa.Portanto educar, que vem de

    eduzir, que significa extrair ouevocar o que est latente, extrair dapessoa as capacidades latentes paracompreender e viver, e no encheruma pessoa (passivamente) de umconhecimento pr-concebido.(Nachmanovitch, 1993, p. 109).

    A escola pode alimentar acriatividade das crianas, mastambm pode destru-la e quasesempre isso que acontece.

    Como a maioria de nossasinstituies se apia na fantasialockeana de que um se recm-nascido uma tabula rasa sobre a qual oconhecimento construdo como umapirmide, tendemos a apagar emnossas crianas esse conhecimentoque vem de cima para baixo esubsti tu -lo por um conhec imentosimplista de baixo para cima. Quantomais crescemos mais esquecemos asrazes (ibid, p. 108).

    Idealmente, as escolas existem parapreservar e recriar o aprendizado e asartes, para dar s crianasferramentas necessrias com queconstruir o futuro. Entretanto, quasesempre criam adultos medocres enivelados para suprir o mercado detrabalho com trabalhadores,dirigentes e consumidores.

    A imi tao, no sentido da cp ia, naarte educao, se ope totalmente

    livre expresso, assim como os seusobjetivos. A imitao, neste sentido,leva a criana ao pensamentodependente, que procuramsubterfgio em solues j pr-estabelecidas, frustrao, rigidez einibio.

    [...] H muitas escolas de arte queainda seguem padres acadmicos ouperseguem padres modernistas,desligados da expresso presente noprprio aluno. A posio bastantecmoda. Primeiro porque no preciso uma real compreenso doprprio aluno e, segundo porque osresultados so muitssimo maisrpidos. Havendo modelos e regras,

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    A plstica corporal Xavanteno ritual Danhn

    Cristina R. Campos*

    *Mestre em Artes, PPGARTES/UERJ. Especialista em Arte-educao, UNILASALLE, RJ. Especialista em Arteterapia,

    UCAM/AVM, RJ. Graduada em Ed. Artstica - Histria da Arte,UERJ. Prof. de Antropologia; Arte e Cultura; PrticaPedaggica no curso de Pedagogia da UCAM. Prof. de Artesno Ensino Fundamental e Mdio da rede estadual e municipalde Niteri, RJ. Endereo: Av. Acurcio Torres, 846. Piratininga,Niteri, RJ. CEP: 24358-080. Telefones: (21) 2619-5379 e(21) 8839-6216. e-mail: [email protected].

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    Resumo:A plstica corporal Xavanteest intimamente ligada suacosmologia e se configura em umtexto eminentemente visual quereflete as concepes acerca dacomposio do universo e doscomponentes que o envolve: anatureza, os animais e os espritos.O Ritual Danhn baliza a passagemdos adolescentes para a vida adulta eorganiza a maneira pela qual o

    indivduo se socializa na aldeia. Asiniciaes constituem um ciclo decerimnias elaboradas e ricas emsignificados simblicos, traduzem anatureza dual dessa cultura. Gestos,performances, cores e formasconsolidam o sentido estticoXavante. Destaco alguns elementosda arte Xavante, suas articulaes eressignificaes pela qual o corpo,pintado e revestido com osparamentos cerimoniais, estabelececonexes entre os diferentes atores eas influncias que fazem parte da

    ps-modernidade, compreendendo-ocomo locus privilegiado dessasrelaes que exercem ligaes entre oglobal e o local.

    Palavras chave: arte corporalXavante, performance ritual,Danhn.

    A arte faz o trnsito de ida e volta entre aprtica e o discurso. Revela como seconstitui o imaginrio e a percepo dos

    homens a partir de suas vises de mundo,orientando o sentido das prticas e dasformulaes tericas sob o critrio dasensibilidade, dos afetos, dos vnculos,alm das formas de valorao e sentido.Compreende-se assim a necessidade deelucidar novas condies, reconstrues epadres de anlise que exigem umalargamento do discurso artstico, uma vezque esse discurso pode se manifestar deoutros modos em diferentes culturas.O prprio carter expansivo da esttica,com suas atuais contextualizaes, tornainvivel garantir a priori propriedades

    definidoras, exigindo uma atitude menoseurocntrica da idia de sensibilidadeesttica.

    A viso antropolgica da arte vem desdeo final do sculo passado se espraiando

    para alm de suas fronteiras disciplinares.Possui a fora de abertura para aalteridade. Price (2000) diz que, ao longodas ltimas dcadas, um nmero cada vezmaior de estudiosos que aplicam oconhecimento da histria da arte aoestudo da arte primitiva reconhece anecessidade de sutileza e cuidado nadescrio da delicada interao entre acriatividade individual e os ditames datradio ocidental. Alguns observadoresocidentais, que pensam que sua

    sociedade representa um fatosingularmente superior na histria dahumanidade, insistem em cultivar aimagem de artistas primitivos comoferramentas no pensantes e nodiferenciadas de suas respectivastradies, a quem essencialmentenegado o privilgio da criatividade,devendo dessa forma continuar noanonimato. O ponto crucial do problema que a apreciao da arte primitivaquase sempre tem sido apresentada deforma falaciosa: ou vista pela belezaextica atravs das lentes de uma

    concepo ocidental ou pela antropologiade seu material. (PRICE, 2000).

    Price prope uma reflexo sobre anatureza da experincia esttica nassociedades primitivas, reconhecendo aexistncia e a legitimidade dos arcabouosdentro dos quais a arte criada:

    (...) a contextualizao antropolgicarepresenta no uma explicao tediosa decostumes exticos que compete com apura experincia esttica, e sim um

    modo de expandir a experincia estticapara alm da nossa linha de visoestreitamente limitada pela cultura.(...) A contextualizao no maisrepresenta uma pesada carga de crenase rituais esotricos que afastam da nossamente a beleza dos objetos, e sim umnovo e esclarecedor par de culos.(PRICE, 2000, p. 134).

    A construo do instrumentalmetodolgico para a percepo da artecorporal Xavante deve incluir umadiscusso profunda do seu ambiente

    social e histrico com investigaes acercada natureza dos indicadores estticosespecficos dentro dos quais se mantmviva. Ou seja, como argumenta IsabelaFrade (2004), atravs de uma intra-esttica no no sentido usado por

    Geertz quando critica os estudiosos quetratam as manifestaes artsticas como sepertencessem a uma nica categoria mas quando se apropria do termo(intra-esttica) no sentido de explicitarque cada grupo social constri seudiscurso artstico que legitima umaforma criando categorias prprias deeleio e fruio esttica.

    No decorrer deste artigo, dialogo comoutros pesquisadores, autores e

    antroplogos que contriburam para oentendimento das estruturas conceituaisque informam os atos do sujeito Xavantee para a construo de um sistema deanlise em que o contedo simblicorevivido (reproduzido, relembrado,recriado, modelado...) possa ser abarcadoa partir do seu prprio modelo discursivo.

    As fotografias cedidas pelo antroplogoPaulo Delgado, que esteve em 2005 naTerra Indgena So Marcos, MT; asfotografias de Rosa Gauditano publicadasno documento imagtico Razes doPovo Xavante e as imagens dos Xavante

    da TI Sangradouro registradas nomomento em que estive, em 2005,colhendo material para pesquisa decampo, contribuem e potencializam aanlise que apresento neste trabalho.

    O DANHN

    Os Xavante concebem que, na natureza,uma srie de eventos e mudanas ocorreatravs da interveno dos espritos queso invocados em situaes deliminalidade ritos de passagem. Os ritos

    de passagem tm suas prprias funes:marca transies, marca o assumir denovos hbitos e responsabilidades. umacerimnia que sanciona, legitima o acessode um indivduo de uma fase a outra, deum status a outro, de uma esfera a outra.Os papis rituais desempenhados pelosindivduos so balizados e demonstrados atoda comunidade atravs dos objetosrituais usados na indumentria Xavante.Para Sullivan (1986 apud Mller, 1996),

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    esses processos so realizados em aesde carter esttico, como a produo desons, a execuo do canto ritual, e so,por isso mesmo, compostos de sonssimblicos, isto , dotados de significao,

    por meio da prpria forma da ao.Trata-se de uma forma especfica de aosimblica. Essa forma criada no fazer performance. Mller (1996) explica quedo ponto de vista de Sullivan os rituaisindgenas tratam-se das maneiras pelasquais os contedos de uma tradio sotransmitidos performance cultural , ouseja, uma experincia simblica daunidade de sentido que possibilita umacultura se convencer da unidade dosignificado. Manifesta-se em articulaesespecficas e implica sinestesia. Do pontode vista de Turner (1986 apud Mller,

    1996) o processo ritual entendido comouma experincia psicossomtica queatribui sentido aos eventos dramticos.Para ele tanto o ritual como aperformance derivam da fase liminar dodrama social. Nessa fase, os contedosdas experincias do grupo soreproduzidos, desmembrados,relembrados, remoldados, amoldados e,silenciosamente ou oralmente, dotados designificao. (Turner apud Mller, 1996,p. 45).

    As duas abordagens (performancecultural nos termos de Sullivan e dramasocial nos termos de Turner) convergempara as mesmas indagaes sobre a vidasocial. Nesse sentido, a performance ritual

    Xavante, no uso da voz e do corpoapresenta suas experincias afetivas,emotivas e estticas. A experincia estsempre sendo criada e evocada pelaperformance, sendo conseqncia dosmecanismos poticos e estticos e dosvrios meios comunicativos expressadossimultaneamente. So momentos liminaise transformativos, caracterizados pela

    inverso, pela reflexividade e pelacriatividade. o nexo da tradio e daarte.

    No momento em que as regras quenormalmente ordenam o cotidiano

    Xavante so invertidas para uma ordem,uma forma ritualstica, transformadora,assinalada pela transio de status deno-iniciados a iniciados a arte corporalapresenta-se eclodida de expressividade ecriatividade que favorecem um modosingular de apresentar o sentido esttico

    desse grupo indgena.O ritual Danhn uma cerimnia quebaliza a passagem dos adolescentes(wapt) para a vida adulta (ritiwa). Apreparao para o Danhn feita em

    etapas, cada uma delas cuidadosamenteelaborada e a confeco dos acessriosespecialmente para as cerimnias tm amarca dos detentores da tradio (oshomens maduros e os velhos ), cada

    detalhe, se faz significativo quando integraa retrica artstica Xavante. O Conselhoda Aldeia composto por estes sbioshomens seleciona e fixa, graas a acordoscoletivos, os significados que regulam asperformances rituais os acessrioscerimoniais, a plstica corporal e odesempenho dos participantes sopassveis de apreciao. Tornam explcitasas definies que julgam valiosas.

    Antes do incio do ritual, os adolescentes,com idades entre 12 e 16 anos, podendovariar para mais ou para menos, de

    acordo com a vontade dos pais, sotirados da famlia e passam a morar emuma nica casa, o H (casa dos solteiros),onde ficam reclusos por cerca de cincoanos, s saindo para tomar banho, fazeras suas necessidades e, atualmente, parairem escola. Maybury-Lewis (1984)salienta a importncia de perceber que,quando se fala de recluso, o termo empregado no sentido restrito. Os jovenspodem visitar suas casas e, se quiserempassar at mesmo parte do dia. Essaseparao simboliza um distanciamento

    social em relao ao conjunto dasociedade, ou seja, marginal ao sistema.Esse tempo de recluso no totalmenteocioso. Aprendem as tcnicas tantocerimoniais quanto prticas; aprendem acaar, a fazer suas prprias armas, suasesteiras de dormir, as canes pblicas(cantadas em ocasies especficas) e

    tambm as particulares (sonhadas porhomens maduros e de carter forte).

    O autor conclui que o H (casa dossolteiros) a pedra fundamental do

    sistema de classes de idade. L elesaprendem a participar do companheirismoque caracteriza o sistema e que superadistines entre cl e linhagem. Os jovenssairo da casa dos solteiros unidos porlaos de afinidade que os acompanharopor toda sua formao. Juntosparticiparo das cerimnias, das caadase da ornamentao corporal,entrelaando seus destinos.

    No ano em que se estabelece paracelebrar o Danhn, o cultivo dos campos cuidado de modo particular. Todos vo

    caa de araras para arranjar penasnecessrias aos paramentos cerimoniais.Quando termina a estao da chuva etudo est pronto e o milho maduro, ospatrocinadores padrinhos dessacerimnia fixam com os velhos o diada abertura. Nesse dia, os padrinhospintam-se de vermelho e colocam aoredor da cabea uma fita de cascatambm vermelha. A franja do cabelo pintada da mesma cor.

    O Danhn, que s se repete de cinco

    em cinco anos, dura aproximadamentecinco meses e compreende vriascerimnias batendo gua, furao deorelhas, corrida do Nni, dana dasmscaras, dana dos padrinhos e agrande corrida final Sauri.

    Batendo gua

    Fig. 1: Wapt no rio batendo na gua Aldeia Pimentel Barbosa. Foto: Rosa Gauditano 1995. Razes do Povo Xavante. So Paulo

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    Completada a recluso no H, os no-iniciados passam por rituais de imerso nagua do rio. Caminhando em fila indiana(um atrs do outro), entram na gua ecomeam a bater fazendo movimentos

    sincronizados (Fig. 1), preenchendo oespao com formas (gotas de gua) quecaem sobre suas cabeasproporcionando-lhes a purificao.Giaccarria (2000) argumenta que almdo poder de purificao e fortalecimentoque a gua tem para os Xavante, ela fazcom que os lbulos das orelhas fiquemamolecidos, permitindo uma melhorperfurao.

    Maybury-Lewis (1984) considera que oritual de imerso est associado a umcomplexo de narrativas dedicadas a um

    nico tema: o poder criador. Em cadacaso, sempre a categoria dos wapt(solteiros) que detm tal poder. Ele cria agua e passa a viver dentro dela, ondeadquire uma aparncia de grande beleza:engorda e sua pele se torna macia; seucabelo brilhante cresce at o meio dascostas. Seu afim vai visit-lo na esperanade tornar-se igual. O criador wapttransforma seu afim em sapo e finge tratarde seu cabelo para faz-lo crescer. Owapt passa ento, a viver na gua,isolando-se assim das outras pessoas.

    Durante o ritual, atestam simbolicamentea separao do wapt criador em relaoa seus companheiros e ao outros homens,estabelecendo uma distino decategorias, j que o jovem abandona porcompleto a terra, indo viver na gua.

    Furao de orelhas

    Aps aproximadamente trinta dias, osvelhos se renem com os homensmaduros, no war (ptio central daaldeia), e decidem que chegado otempo de furar as orelhas. Os pauzinhos

    so preparados com uma erva especial,chamada buruteyhi e so colocados emuma cabaa furada e tingidos comurucum.

    Ao raiar do dia, cada iniciando recebeordens para sentar-se numa esteira que colocada frente da casa de seus pais,quando ter suas orelhas furadas. Opadrinho, depois de ter pintado devermelho a barriga e de preto as pernas,inicia a furao. Ajoelha-se com a pernadireita. Com a mo direita segura o osso

    da perna traseira da ona parda parafazer o furo no lbulo da orelha (Fig. 2).Depois, retira da cabaa um dospauzinhos e o introduz no orifcio fazendo-o girar, medida que retira o osso. Comas orelhas furadas, os jovens, que

    permaneceram impassveis durante acerimnia, levantam-se e entram na casade seus pais, onde a irm menor o pintade preto, como j o fizera h um ms,todas as tardes.

    O corpo se apresenta pintado devermelho na abertura da cerimnia epintado de preto, no encerramento. Essaoposio coerente com a que existe nopensamento Xavante, pois o vermelhoest associado criao e, portanto, comincio, enquanto o preto est associado destruio e, portanto, com a idia defim. (Maybury-Lewis, 1984, p. 317).

    Corrida do Nni

    Durante aproximadamente trinta dias quesucedem cerimnia da perfurao, osjovens participam diariamente de

    pequenas corridas que lhes proporcionamresistncia e velocidade para as atividadessubseqentes.Os homens, por determinao dosvelhos, limpam a aldeia por fora e pordentro e preparam uma pista para acorrida. Essa faixa comea a cerca de 50metros da aldeia e inclui a casa dossolteiros e o local de reunio dos homensmaduros. Dois troncos finos de rvoresso plantados e dispostos de modo aservir como postes de chegada. Enquantoos homens preparam a aldeia, os jovens

    confeccionam enormes capas de palha,chamadas Nni um ajuntamento defolhas de buriti tranadas e amarradasjuntas, que se leva na cabea por meio deum cabo e se coloca sobre os ombros,como um manto.

    Um padrinho do cl waw_, escolhidopelos velhos para carregar a capa oNni, recebe em seu corpo uma pinturadiferenciada. A massa grossa do vermelhodo urucum cobre todo seu tronco e braos.Nas costas, duas faixas largas na cor pretaapresentam-se dispostas, uma ao lado daoutra e seu cabelo preso na forma de umrabo-de-cavalo (Fig. 3), no estilo adotadopelos Xavante nas ocasies em que esto

    envolvidos em atividades cerimoniais. Osjovens se preparam para a corrida do Nnirecebendo na pele uma pintura especficapara o evento a forma retangularvermelha no estmago e nas costas. Naspernas, o preto do carvo, aglomeradocom leo de babau. Usam gravatas nopescoo, que so confeccionadas com fiosde algodo torcido danhredzua, ecordes novos de fibra vegetal dan_ipsi,nos punhos e tornozelos (Fig. 4).

    Fig. 2: Furao de o relha Aldeia Pimentel Barbosa.Foto: Rosa Gauditano 2001. Razes do Povo Xavante. So Paulo

    Fig. 4: Jovens pintados para a corrida Aldeia Sangradouro.Foto: Cristina R.Campos 2005. Arquivo particular.

    Fig. 3: Nni sendo pintado por seu amigo Aldeia Sangradouro.Foto: Cristina R.Campos 2005. Arquivo particular.

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    Quando todos terminam de se pintar,saem do H e se dirigem para a pista,em direo ao wedetede (trs forquilhasde madeira que servem para apoiar omanto cerimonial), nesta ordem: primeiro

    os dois jovens do cl Porezano querecebe o nome Pahriw; depois os doisjovens do cl wawe o Tebe; emseguida, todos os outros jovens queparticipam da corrida e, por fim, o Nni.Chegando ao wedetede, pegam o mantoe o colocam sobre os ombros do Nni,que coloca a ala na cabea,sustentando-o assim sobre as costas.Depois, voltam para a aldeia na ordeminversa.

    Uma outra dicotomia tem expresso nomomento da realizao das corridas. O

    portador do manto cerimonial, o Nni,do cl wawe, inicia a corrida, finalizadapelos Tebe, do cl wawe, e Pahriw,do cl Porezano, nessa ordem. Acomplementaridade enfatizada tambmquando a classe de idade que est paradeixar a categoria de rapazes, nessemomento pintados de preto simbolizando o fim de sua condio deguerreiros, canta para a classe de idadeque est sendo iniciada, estes pintados devermelho simbolizando sua passagempara a posio deixada vaga por seus

    antecessores. Acentuam, dessa forma,uma dialogia cromtica expressa nascores vermelho e preto.

    Aps esse rito inicial, tem incio a corrida(Fig. 5) propriamente dita. Sr. AdoToptiro , paj da aldeia Abelhinha, relataque essas corridas no implicam umacompetio. So demonstraescerimoniais, e cada desempenho julgado individualmente de acordo com aslimitaes fsicas de cada um. Porm, todaapresentao (organizao, desempenho,habilidade na confeco dos paramentos

    e ornamentos corporais) apreciada portodos. A platia estimula os iniciandos,que correm com grande energia,apresentando sua melhor performance.

    Dana das mscaras

    Enquanto as cerimnias acontecem, osjovens e os homens da aldeia vo buscarbroto de buriti, para a confeco das

    mscaras, e caar. Terminada a caada,os pais comeam a fazer, cada um, amscara wamnhr para o prprio filho.

    Amarram as sedas do buriti com umcordo branco feito pelas esposas. Passamentre elas um barbante de algodo, feitopelo pai. Complementando as mscaras,correntes de semente de capim navalha,unhas de veado e penas de araraadornam os paramentos cerimoniais.Depois, pintam as folhas com listrasverticais ou horizontais, conforme o cl.Maybury-Lewis (1984) explica que owamnhr como cone de palha aberto

    embaixo, com uma fenda em um doslados. Pode ser usado cerimonialmentecomo capa apoiada na cabea oucarregado na mo direita, para poder serbalanado no ar pelos danarinosdurante a cerimnia de iniciao. Ospadrinhos e todos os homens adultos daaldeia participam da dana das mscaras

    (Fig. 6). Eles saem das suas casassegurando uma mscara e dirigem-se aoptio, movimentando-se at formar umcrculo. Cada cl, durante a dana,executa um movimento particular. Todosficam com as pernas abertas, com o pesquerdo na frente, e marcam o ritmocom leves flexes dos joelhos.

    Essas mscaras so smbolos daprpria iniciao e dos laos de

    afinidade contrados a partir dacerimnia. A maturidade que os no-iniciados obtm a partir dessascerimnias implica em casamento eestabelecimento de relaes especficasde afinidade com os padrinhos. Suas

    canes, danas e as mscaras,

    agitadas ao ar, esto intimamenterelacionadas aos espritoswadzepariwa, que so malvolos eusam vrios disfarces, todos elesaterrorizantes. Diz-se que essesespritos so atrados ao local onde asmscaras ficam dependuradas, duranteo processo de confeco.

    Fig. 5: Corrida do Nni Aldeia Sangradouro.Foto: Cristina R. Campos 2005. Arquivo particular.

    Fig. 6: Dana das mscaras Aldeia Pimentel Barbosa. Foto: Rosa Gauditano 1995. Razes do Povo Xavante. So Paulo

    Fig. 7: Tebe Aldeia Pimentel Barbosa.Foto: Rosa Gauditano 1995. Razes do Povo Xavante. So Paulo

    Fig. 8: Pahriw It (antecedente) Aldeia Pimentel Barbosa.Foto: Rosa Gauditano 1995.

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    Paralelamente, os Tebe (Fig. 7) fazema sua apresentao no ritual, que irdurar toda a noite e os Pahriw(Fig. 8) fazem sua dana ao sol. Asdanas dos jovens so sempre

    precedidas pelas apresentaes dospares que danaram essascerimoniais pela ltima vez,ensinando-os e orientando-osdurante a cerimnia. Os Pahriwantecedentes ensinam aos novos osmovimentos da dana, que sedesenvolve da seguinte maneira:ajoelham-se sobre a perna esquerda,conservando a mo com os dedostranados sobre o peito; depoisritmam uma batida com o p direitona terra e giram a cabea ora

    direita, ora esquerda; ajoelham-see levantam-se percorrendo um brevetrecho. O percurso dos danarinoscorresponde perfeitamente idiaque eles tm do caminho do sol; porisso, parece fundada a hiptese deque no sol e, mais precisamente, noitinerrio que o sol faz no cu,inspira-se essa dana dos Pahriw.(GIACCARIA, 2000, p.169).

    Dana dos padrinhos

    Os padrinhos tambm tm suaperformance, chamada Wanaridob, paraa qual se preparam em apresentaesdirias, acompanhados pelas mulheres de

    sua classe de idade as madrinhas.Danam para os iniciandos todos os dias,de manh e noite, com funodeterminada de trazer alegria e de afastaras coisas ruins que acontecemeventualmente na comunidade.

    As apresentaes so realizadas com asuperviso dos velhos, que exigem umaboa performance e contam com aapreciao da platia formada pelorestante da comunidade. A dana dospadrinhos apresenta um passo bem

    marcado em movimento cclico,enriquecida por um canto Xavante. Oscomponentes, para a realizao dessadana, alm do vesturio vermelho oupreto, revestem a pele com umadiversificada pintura corporal. De acordocom Maybury-Lewis (1984), todos sepintam com urucum e argila branca.Fazem no corpo grafismos inspirados emanimais e espritos, utilizando para isso atinta de jenipapo misturada com carvo(Fig. 9). Os padrinhos surgem nosmomentos de clmax das cerimnias

    ostentando uma pintura corporal especial.O efeito intencionalmentefantasmagrico e os Xavante dizem queassim para amedrontar. (Maybury-Lewis, 1984, p. 319).

    Tal concepo est associada idia deque a forma (o corpo adornado), comouma das expresses privilegiadas dametamorfose humanos que sotransformados em animais ou espritos, um envoltrio, uma roupa a escondera forma interna, dotada do poder de

    transformar a identidade de seusportadores. As roupas animais/espritosno so fantasias, mas instrumentos querecobrem uma essncia interna dotadadas afeces e da capacidade que osdefinem. Os corpos so descartveis e

    trocveis, e atrs deles estosubjetividades formalmente idnticas humana. (Viveiros de Castro, 2002).Esse um caso especfico em que apintura corporal se apresenta para alm

    dos padres usualmente destinados sclasses de idade, isto , usada porindivduos que se distinguem peloexerccio de funes rituais, incluindo apresena de mudanas estilsticas, compossibilidades de criaes individuaisreconhecidas e valoradas na sociedade

    Xavante. O conjunto dos pigmentosusados na pintura corporal dos padrinhos,alm do urucum, do jenipapo, do carvoe da argila, atualmente conta com umnovo material o guache (Fig. 10). Aintroduo de novos cromas como o

    azul, o amarelo, o rosa e o laranja doguache que se compem com ostradicionais preto/vermelho remete-nos reflexo sobre o papel tradicional dapintura: o que se apresenta a geraode outras e novas composies. (Fig. 11).

    Hiparidi Toptiro, presidente da AssociaoWar Xavante, diz que a introduo datinta guache uma questo poltica dapoca, uma questo atual. umacriatividade. Isso dinamismo. Essasnovas cores e materiais refletem as

    mudanas efetivadas pelo contato com asociedade nacional : a tinta guache,material introduzido pela escola e pelosestrangeiros que ocasionalmente visitamas aldeias, desperta na sociedade Xavantenovas possibilidades de utilizao ecriao. (Campos, 2007).

    Fig. 9: Pintura dos padrinhos Aldeia Pimentel Barbosa.Foto: Rosa Gauditano 1992. Razes do Povo Xavante. So Paulo

    Fig. 11: Padrinho pintado com novo croma Aldeia So Marcos.Foto: Paulo Delgado 2005. Arquivo particular.

    Fig. 10: Padrinho pintando a madrinha Aldeia N. S. do Guadalupe.Foto: Paulo Delgado 2005. Arquivo particular.

    Fig. 12: Madrinha com adornos Aldeia So Marcos.Foto: Paulo Delgado 2005. Arquivo particular.

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    Alm do novo pigmento-guache, elestambm tm acesso a outros materiaisartsticos industrializados e sucatadoscomo, plumas, miangas, tampinhas deremdio, l, mscaras de carnaval,

    perucas e outros tantos que acriatividade do artista Xavante reclamanesse momento (Fig. 12 e 13). O usodesses materiais reflete a face criativaque irrompe na indumentria Xavanteuma irreverente diversidade. Esses novoselementos plsticos se tornammotivadores para a criao, apontandopara uma nova inscrio do esttico noprocesso de subjetividade e significaosocial. (Campos, 2007).

    Entendendo como questo atual ahibridizao da sociedade Xavante, orevestimento corporal com o guache eoutros materiais exgenos umaalternativa inventada pelo prprio

    Xavante, que se rebusca com a novidade

    e as diversificadas possibilidadesplsticas que esses materiaisproporcionam. Os padrinhos gozam deum estatuto misto de apresentao; aomesmo tempo tradicional, que eterniza o

    ritual, e inovador, que acrescenta novoselementos na plstica corporal dosparticipantes. O corpo se apresentamodificado e, cada vez mais,inventado/alterado, desafiando e, emalguns casos, incomodando os costumestradicionais.

    Encerrada a cerimnia dos padrinhos, osjovens devem participar do Sauri, acorrida final uma maratona realizadanum percurso de 17 km, na hora mais

    quente do dia. Giaccaria (2000) contaque os jovens partem para a corrida,porm atrapalhados por dois homensmais velhos que jogam contra eles ump mgico. Os padrinhos partem paradefender os afilhados. Correm junto com

    eles armados tambm do p, que colocado dentro do upaw (instrumentosde sopro) e soprado contra os adversrios.Os jovens temem essa maratona, poisnela preciso superar o cansao e os

    obstculos que so colocados no caminhopelos mais velhos. Se, durante o percursoou aps a chegada, algum jovemdesmaia, as mulheres e seus parentesjogam-lhe gua e sopram-lhe nos ouvidos(Fig. 14). Quando recobram os sentidos,dois parentes o pegam sob os braos e ofazem correr at o rio para se banharem,explica Giaccaria (2000).

    Passar nesse teste de resistncia significaestar preparado para enfrentar o medo e

    vencer todos os obstculos da vida. Osjovens agora j so homens, deixam deser wapt para se tornarem ritiwa. Deacordo com Jurandir Siridiw, presidentedo IDETI:

    Os ritos de passagem marcam cadamomento importante de nossa vida:acompanham o nascimento, a puberdade,o casamento, as cerimnias de cura, acaa, o plantio. Eles permitem o contatocom o mundo espiritual, transformam ocorpo e a alma, preparam para a vida.Marcam cada momento importante,marcam a passagem do tempo e o nossocrescimento. Esses rituais so a herana dosnossos ancestrais e foram transmitidos degerao a gerao. Trazem para o presenteesse tempo que no tem data, o tempo dopoder. Eles do a base para a nossa vida.

    Consideraes finais

    Os rituais de iniciao e formaoperpetuam as marcas internas da

    sociedade Xavante. Atuam como foraconservadora, de modo a garantir amanuteno do equilbrio e da tessiturasocial desse grupo indgena. Os signos esmbolos transmitidos atravs dascerimnias, das danas, das pinturascorporais, das crenas, dos mitos, dosritos de passagem, enfim, de toda aproduo de sua sociedade que asdiferencia das demais, fundamental parao equilbrio e a sobrevivncia do povo

    Xavante. Com o poder da tradio, os

    rituais servem para organizar o universoXavante. Princpios se recriam,possibilitando a afirmao desse povo.

    O corpo Xavante oferece suporte bsicopara os padres pictricos e parafernlias

    Fig. 13: Madrinha com adornos Aldeia So Marcos. Foto: Paulo Delgado 2005. Arquivo particular.

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    Fig. 14: Jovem no final da corrida Aldeia N. S. do Guadalupe. Foto: Paulo Delgado.Arquivo particular.

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    necessrias cerimnia. Essa investidura,essa vontade imperiosa de diferenciaono se resume apenas em decor-lo, masde constru-lo, contribuindo efetivamentepara o entrelaamento entre a esttica e

    as caractersticas dos domnios dasociedade, da natureza e dasobrenatureza. O corpo no apenas umsuporte de um discurso simblico, eletambm participa como elemento plstico.

    Suas qualidades formais integram osentido esttico Xavante. O smbolo nomais se explicita. Forma e contedo,significado e significante secomplementam nas foras espirituais quedesempenham um importante papel na

    sua cosmoviso: nas foras dos espritosdo bem, que cultivam a vida, e nas domal, que, provocam doenas e mortes.

    Ao se apresentar extraordinariamente emrituais e cerimnias, o corpo oinstrumento fundamental para aencorporao dos elementos danatureza, dos animais e dos espritos,assim como das prprias categorias sociais

    Xavante. Sendo o lugar da perspectivadiferenciante (o corpo), deve de sermaximamente diferenciado para exprimi-lacompletamente. (CASTRO, 2002).

    O Xavante lana mo de elementosplsticos, no para representar um ououtro elemento da natureza e/ousobrenatural, mas para se tornar um se apresentar como humano, humano-

    animal, humano-esprito. Todos os corpos,o humano inclusive, so concebidos comovestimentas ou envoltrios. Essas roupas,esses corpos descartveis e trocveis,recobrem uma essncia e umasubjetividade que preside os processos desocialidade, sustentando uma economiasimblica onde gestos, performances emodos de ser e agir consolidam o sensocomum das aldeias.

    Criatividade, expresso esttica e

    possibilidades de transformao estopresentes nos atributos corporais queenvolvem a cultura Xavante. O corpo stio primordial dessas relaes compea plstica corporal Xavante. O corpo preparado com todos atributos que socuidadosamente elaborados.

    O corpo apresentado para a platia queo admira. O corpo apreciado pelosvelhos que julgam sua performance. neste circuito de fruio esttica que seencontra o discurso artstico comungadona sociedade Xavante. Esta explicitao

    ritualizada de um desejo, de uma intenoformal coletivamente compartilhada e seencontra sobre o princpio de excelncia traduzido pelos Xavante por w_di, a beleza quando essa forma traz um apelo, uma

    emanao da tradio. A tradio a arteXavante que se insere nos ritos. umsistema esttico, que em sua dinmicapercorre a literatura mtica, como aperformance e a pintura cerimoniaisintensamente. O que apropriado eaceito como arte, ali encontra o seusentido.

    1 Homens maduros so indivduos casados que participam davida poltica da aldeia. Velhos so homens que j passarampor todas as etapas de formao da tradio Xavante

    homens mais respeitados e ouvidos na aldeia. Esses homensformam o Conselho da Aldeia, decidem as questes relativas vida da comunidade.

    2 Conforme traduo Xavante, padrinho o indivduo da classemais nova dos homens adultos, oriundo da turma queparticipou do ritual de iniciao dez anos antes. Cabe a eletransmitir os valores fundamentais que aprendeu, em seumomento de iniciao, como imitar bichos, caar, pescar,lutar, ser forte e valente, confeccionar os ornamentos etambm indicar como se comportar na sociedade Xavante.

    3Ado Toptiro depoimento colhido em pesquisa de campona Aldeia Abelhinha, TI Sangradouro, MT, jul.de 2005.

    4 Hiparidi Toptiro depoimento concedido pesquisadora naAssociao War Xavante, So Paulo, SP, ago. de 2006.

    5 Termo utilizado na antropologia para definir a sociedade civile destacar o carter marginal ocupado pelas comunidadesindgenas.

    6 Percebi, durante esse tempo de estudo, que existe umadiscusso entre os Xavante para julgar a pertinncia ou nodas inovaes trazidas, interferindo e regulando asassimilaes dos novos elementos.

    7 Jurandir Siridiw depoimento retirado do site do IDETI(Instituto das Tradies Indgenas) Disponvel em:. Acesso em: 06 nov.2006, 10 nov. 2006, 04 jan. 2007 e 05 jan. 2007.

    8Viveiros de Castro cria o neologismo encorporar paraexplicitar certas disposies especficas esquemas depercepo e ao em que a forma corporal humana apreendida pelo perspectivismo amerndio: traduzo o verboingls to-enbody e seus derivados, que hoje gozam de umafenomenal popularidade no jargo antropolgico, peloneologismo encorporar, visto que nem encarnar, nemincorporar so realmente adequados (VIVEIROS DECASTRO, 2002: 374).

    Referncias bibliogrficas

    Campos, Maria Cristina Rezende de Campos. (2007), Ocorpo emana: elementos da plstica corporal Xavante.Dissertao de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGARTES/UERJ,2007.

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    Este texto pretende promoveruma reflexo sobre o lugar dasArtes Visuais no currculo do 2Ciclo do Ensino Bsico (2 CEB),

    em particular no currculo dadisciplina de EVT, atravs deuma anlise contextualizada eobjectiva do programa dadisciplina e do documentoCurrculo Nacional do EnsinoBsico CompetnciasEssenciais, na parte respeitante Educao Artstica, emespecial Educao Visual, dosquais faremos uma leituracruzada e comparativa.

    Os dois documentos apresentam entresi diferenas significativas que vopara alm das meras questes deforma, no obstante entre eles distarapenas uma dcada o programa deEVT foi aprovado em 1991 e asCompetncias Essenciais forampublicadas em 2001 perodoaparentemente curto para to grandesalteraes. Subjacente a cada umdeles est uma base conceptual emetodolgica diversa que temconsequncias ao nvel daorganizao e planificao doensino-aprendizagem das artes visuaisno 2 CEB.

    A EVT uma disciplina que funde duasoutras, uma de carcter artstico aEducao Visual a outra de carctertcnico e cientfico a EducaoTecnolgica. No entanto, nenhum dosdocumentos oficiais disponveisapresenta uma justificao cientficaou pedaggica para esta fuso.Constatamos que os aspectosartsticos, tanto no que respeita

    criao, reflexo ou contemplaoda arte, esto fora do seu esquemaconceptual dado que ao longo doprograma a tnica posta nosaspectos visuais e tecnolgicos do

    envolvimento. Esta apologia doenvolvimento poderia ser entendidacomo uma forma de legitimar umaabordagem arte, em especial chamada Arte Pblica, mas narealidade no o . Analisando os doisvolumes do programa da disciplinaverifica-se que a palavra arte saparece uma nica vez, no segundovolume, associada no a um contedomas rea de exploraomecanismos, que pertence

    claramente vertente tecnolgica eno vertente artstica, qual seriamais verosmil associar este conceito.Conceitos relacionados como Artes

    Visuais, Artes Plst icas ou Belas Artes,por exemplo, tambm no soreferidos, havendo apenas umareferncia s Artes Populares comoparte integrante do patrimnioartstico.

    Os contedos definidos no programano tm qualquer relao hierrquicaou de precedncia sendo apresentadospor ordem alfabtica numa clarapretenso de os nivelar. No entanto,h contedos mais abrangentes doque outros ou at contedos quepodem ser entendidos como sub-contedos de outros (por exemplo aestrutura pode ser um sub-contedoda forma). Ao professor dada totalliberdade na gesto do programa dadisciplina mas no so definidoscontedos nucleares, o que poderlevar a que uns sejamsistematicamente abordados emdetrimento de outros, dependendopara isso a gesto do professor.

    O programa sugere uma orientaometodolgica que no nova nopanorama educativo portugus umavez que segue as orientaes dosanteriores programas de Educao

    Visual, nomeadamente no que respeitaao facto de considerar o meioenvolvente como ponto de partidapara as aprendizagens, organizaoem Unidades de Trabalho ou aplicao do Mtodo de Resoluo deProblemas. Consideramos que a baseconceptual do pro