Ensino da Leitura no 1º Ciclo do Ensino Básico

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    Universidade do MinhoSouthern Connecticut StateUniversity

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    Largo Monterroio Mascarenhas, n. 1, 8. piso1099-081 LisboaTelf: 21 001 58 [email protected]

    Fundao Francisco Manuel dos SantosAgosto de 2014

    Director de Publicaes: Antnio Arajo

    Ttulo: Ensino da leitura no 1. ciclo do ensino bsico:Crenas, conhecimentos e formao dos professores

    Autores: Joo A. LopesLouise Spear-Swerling,Clia R. Gomes de OliveiraMaria Gabriela VelasquezLeandro S. AlmeidaLusa Arajo(Investigadores principais)Jamie ZibulskyElaine Cheesman(Investigadoras associadas)

    Reviso do texto: Helder Gugus

    Design: Ins SenaPaginao: Guidesign

    Impresso e acabamentos: Guide Artes Grficas, Lda.

    ISBN: 978-989-8662-49-1

    Dep. Legal: 370 449/14

    As opinies expressas nesta edio so da exclusiva responsabilidadedos autores e no vinculam a Fundao Francisco Manuel dos Santos.Os autores desta publicao no adoptaram o novo Acordo Ortogrfico.

    A autorizao para reproduo total ou parcial dos contedos desta obradeve ser solicitada aos autores e ao editor.

    Com o apoio de:

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    ENSINO DA LEITURANO 1. CICLODO ENSINO BSICO

    Crenas, conhecimentos e formao dos professores

    Investigadores principais

    Joo A. Lopes

    Louise Spear-Swerling

    Clia R. Gomes de Oliveira

    Maria Gabriela Velasquez

    Leandro S. Almeida

    Lusa ArajoInvestigadoras associadas

    Jamie Zibulsky

    Elaine Cheesman

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    ENSINO DA LEITURANO 1. CICLODO ENSINO BSICO

    Crenas, conhecimentos e formao dos professores

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    NDICEEnsino da leitura no 1. ciclo do ensino bsico

    11 Nota introdutria

    15 Prefcio15 Por que razo importante uma formao de professores

    de elevado nvel na rea da leitura

    17 Conhecimento disciplinar fundamental para o ensinoda leitura no Ensino Bsico

    26 A Importncia da Aplicao do Conhecimento

    PROJECTO

    Crenas, conhecimentos e formao de professores

    do 1. Ciclo na rea do ensino da leitura

    35 Introduo

    39 Objectivos do projecto

    Parte I

    41 Formao, conhecimentos, percepo de conhecimentos

    e organizao das actividades de Lngua Portuguesa

    45 Seco 1 Percepes dos participantes relativamentea conhecimentos sobre modelos e mtodos de ensino

    da leitura54 Seco 2 Ensino da leitura: conhecimentos dos professores64 Seco 3 Percepo de conhecimentos e conhecimentos

    efectivos para o ensino da leitura: estudo comparado entreprofessores portugueses e professores americanos

    70 Seco 4 Actividades de lngua materna

    Parte II

    81 Anlise dos cursos e contedos vocacionados para o ensino

    da leitura, ministrados nas universidades/

    /escolas superiores de educao81 A. Dados curriculares da formao inicial para o Ensinoda Leitura

    90 B. Anlise dos Contedos Programticos no Conjuntodisciplinar do Ensino da Leitura

    111 Bibliografia

    Ensino da leitura no 1. ciclo do ensino bsico

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    Nota introdutriaNo representa novidade afirmar que a leitura constitui uma competncia

    praticamente indispensvel para se viver nas sociedades modernas. Tambm

    no constitui novidade dizer que ainda h muitos milhes de pessoas no

    mundo que no tm acesso a este bem precioso, razo pela qual sofrem uma

    verdadeira amputao cognitiva, social e relacional. H, porm, dois aspectos

    menos bvios ou pouco perceptveis:

    1) Ler ou no ler no uma questo de tudo ou nada. Isto , no existem

    apenas dois grupos de pessoas: as que sabem ler e as que no sabem ler.Sendo certo que existem pessoas que no sabem ler, aquelas que sabem

    ler distribuem-se num contnuo que pode ir desde o conhecimento rudi-

    mentar das letras, ou de apenas algumas letras, at leitores insaciveis que

    lem um nmero incontvel de palavras ao longo de um ano. Deste modo

    e no que leitura diz respeito, as pessoas que no sabem ler constituem

    um grupo muito mais homogneo do que as que sabem ler. Estas ltimas

    constituem mesmo um grupo to heterogneo que as diferenas entre

    os seus membros no so propriamente mensurveis.

    2)A aprendizagem da leitura implica, para a esmagadora maioria dossujeitos, um processo de ensino sistemtico e muito prolongado, que vai

    muito alm do ensino do princpio alfabtico. Ler no constitui um acto

    natural, mas sim um acto social e uma competncia complexa que resulta

    da integrao de diversas outras competncias. Este importantssimo acto

    social resulta, por conseguinte, para a esmagadora maioria das pessoas,

    de outro acto social de no menos importncia e significado: o ensino.

    No por acaso, governos de todo o mundo tm feito grandes esforos

    ao longo do sculo xxe do sculo xxipara fornecer s suas crianas

    condies mnimas de acesso leitura e aos livros. A imposio da esco-laridade obrigatria constitui um elemento central deste esforo, bem

    como a criao de bibliotecas de acesso fcil, como o caso, por exemplo,

    das bibliotecas ambulantes. Mais recentemente, o acesso aos computa-

    dores e Internet alargaram extraordinariamente a oferta e o acesso.

    Contudo, independentemente da maior ou menor facilidade de acesso,

    o ensino continua a erigir-se como elemento central da alfabetizao das

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    sociedades. Sem ele, seria altamente improvvel ou at mesmo impossvel

    alfabetizar uma sociedade inteira ou sequer a maioria dos seus membros.

    O projecto Ensino da leitura no 1. Ciclo do Ensino Bsico: Crenas, conhe-

    cimentos e formao dos professores foi desenvolvido tendo em conta estas

    duas premissas mas tambm, e sobretudo, aquilo que as une: a noo de que aevoluo das crianas na rea da leitura est fundamentalmente dependente

    da quantidade e da qualidade do ensino a que estiverem sujeitas. Sendo inques-

    tionvel que h outros factores, como, por exemplo, a estimulao familiar,

    que influenciam significativamente esta evoluo, no menos certo que o

    ensino e os professores so ainda mais relevantes para as crianas que so

    menos estimuladas em casa.

    O objectivo geral do projecto Ensino da leitura no 1. Ciclo do Ensino

    Bsico: Crenas, conhecimentos e formao dos professores investigar a prepa-

    rao dos professores portugueses do 1. Ciclo do Ensino Bsico na rea doensino da leitura. Especificamente pretendia-se conhecer (a) a percepo dos

    professores relativamente aos grandes modelos e mtodos de ensino da leitura;

    (b) os factores e situaes (e.g.,formao inicial, aprendizagens realizadas com

    colegas) que, no entender dos participantes, mais influenciaram a sua actual

    forma de ensinar; (c) a forma como percepcionam os seus conhecimentos para

    o ensino da leitura; (d) os conhecimentos disciplinares que efectivamente

    possuem para o ensino da leitura; (e) as actividades que realizam tipicamente

    num bloco de duas horas de Lngua Portuguesa; e (f) a formao na rea da

    leitura que est actualmente a ser dada aos futuros professores do 1. Ciclo,nas universidades e institutos politcnicos nacionais.

    O conhecimento que resulta deste projecto, e cuja divulgao nos parece

    de grande interesse para investigadores, professores, administradores e at

    decisores polticos, permitiu-nos identificar reas fortes e reas fracas na

    formao e na aco dos professores, de onde podero decorrer ideias para

    melhoria das prticas de ensino e de formao. Devemos notar que o 1. Ciclo

    do Ensino Bsico porventura o mais importante na formao escolar dos

    cidados e aquele em que a aco dos professores tem resultados mais eviden-

    tes, atendendo sobretudo dependncia que crianas to novas revelam face

    aco dos adultos. Qualquer aco educativa neste perodo tem em geral

    fortes repercusses no comportamento das crianas, pelo que a forma como

    se ensina da maior relevncia para a trajectria dos alunos.

    Actualmente quase consensual que a leitura, a escrita e o clculo cons-

    tituem competncias fundacionais para um grande nmero de aprendizagens

    posteriores e representam conquistas inestimveis para o desenvolvimento

    pessoal e social das crianas. A sua melhor ou pior aprendizagem tem por

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    isso no negligenciveis repercusses de curto, mdio e longo prazo nas tra-

    jectrias individuais e colectivas. Mais ainda: aquilo que no for conseguido

    nestas reas ao longo dos primeiros anos de escolaridade dificilmente ser

    recuperado nos anos seguintes. Na verdade, a distncia entre os alunos com

    dificuldades e os restantes alunos tende mesmo a alargar-se e no a estreitar-se,

    tendo este facto recebido na literatura especializada a singular designao deefeito Mateus (Stanovich, 1986)1.

    Este projecto representa o reconhecimento da importncia decisiva do

    1. Ciclo do Ensino Bsico na formao escolar e pessoal dos cidados. Enfatiza

    tambm o extraordinrio valor e importncia do ensino e dos professores

    nessa formao, colocando-os no centro do processo e evidenciando o seu

    insubstituvel papel. Seria por isso importante que quer investigadores quer

    professores no negligenciassem o factor ensino em favor da aprendizagem.

    A investigao nestas duas reas no mutuamente exclusiva e tem de cami-

    nhar lado a lado. Pela nossa parte, gostaramos de sublinhar que as inmerasaprendizagens que a escola nos fornece num to limitado espao de tempo no

    dependem nem podem ser deixadas ao arbtrio da maturao individual, mas

    sim de um conjunto organizado e sistemtico de actos sociais que designamos

    por ensino. Estudar em pormenor estes actos sociais pois indispensvel

    para compreendermos como que os indivduos aprendem.

    O projecto Ensino da leitura no 1. Ciclo do Ensino Bsico: Crenas, conhe-

    cimentos e formao dos professores s foi possvel graas ao apoio da Fundao

    Francisco Manuel dos Santos, qual expressamos toda a nossa gratido. Alm

    do agradecimento ao Conselho de Administrao, na pessoa do seu presidente,Prof. Antnio Barreto, gostaramos ainda de destacar o quanto a realizao

    deste projecto fica a dever a trs pessoas em particular: em primeiro lugar, ao

    Prof. Nuno Crato, que acreditou no projecto e que apoiou a sua apresentao

    ao conselho de Administrao da FFMS. Sem esse apoio, o projecto no se

    teria realizado, pelo menos nos moldes em que foi desenhado. Ao Prof. Nuno

    Crato deve pois ser creditada, antes de mais ningum, a possibilidade que

    tivemos de apresentar e concretizar o projecto. Em segundo lugar, ao Prof.

    Carlos Fiolhais, director dos programas de Educao e Cincia da FFMS, que

    nessa qualidade acompanhou o projecto ao longo de dois anos. A ateno, o

    interesse, o conhecimento e a preciso de observaes e comentrios que o Prof.

    Carlos Fiolhais evidenciou em todas as reunies que manteve com a equipa do

    projecto funcionaram sempre para ns como um importante estmulo e como

    uma oportunidade de reflexo sobre as opes e decises que fomos tomando

    ao longo do tempo. Em terceiro lugar, deixamos um reconhecido agradeci-

    mento Dr. Mnica Vieira, que assegurou toda a logstica do projecto e que

    permitiu que este decorresse sem problemas e sem complicaes. Graas ao

    1. Metfora utilizada por KeithStanovich (1986) a partir deuma parbola do Evangelhosegundo S. Mateus, que diz:Porque ao que tem, se lhedar e viver na abundncia,porm ao que no tem se lheretirar o que tem. No quediz respeito leitura, a ideia que os alunos que comeama experienciar dificuldadesvo ficando progressivamentemais longe dos melhores.Tanto mais longe quanto maiso tempo passa.

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    seu empenho, foi possvel que a equipa do projecto sentisse sempre o maior

    apoio e segurana no trabalho que estava a ser realizado.

    Gostaramos, por fim, de deixar o nosso agradecimento a todos os pro-

    fessores que participaram neste estudo. Sem a sua colaborao, no teria sido

    possvel atingir os objectivos que nos propusemos. Graas a eles pensamos

    ter hoje um maior e melhor conhecimento sobre a forma como a leitura abordada nas salas de aula em Portugal e sobre as crenas e conhecimentos

    dos professores na rea da leitura. A todos eles o nosso sincero agradecimento.

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    PrefcioPor que razo importante uma formao de professores

    de elevado nvel na rea da leitura

    Louise Spear-Swerling

    southern connecticut state university

    Na minha qualidade de professora universitria e de formadora de professores,trabalho frequentemente com professores do 1. Ciclo de escolas pblicas

    muito conscienciosos, experientes e empenhados no ensino da leitura. Uma

    dessas professoras, no final de um curso que leccionei, agradeceu-me pelo

    que tinha aprendido e acrescentou o seguinte lamento: Agora percebo que

    cometi alguns erros graves no ensino da leitura a crianas com dificuldades,

    nomeadamente pelo facto de as ter encorajado a adivinhar palavras com base

    em desenhos, em vez de lhes pedir para olharem cuidadosamente para as

    palavras e de as ensinar a descodificar essas palavras. Sabendo o que sei hoje,

    estou convencida que agravei as dificuldades de algumas dessas crianas, ainda

    que de forma no intencional. Quem me dera ter tido melhor formao sobre

    o ensino da leitura antes de ter iniciado a profisso.

    A maior parte dos professores entra para a profisso porque gosta de

    trabalhar com crianas e porque quer genuinamente ajud-las. Por outro

    lado, ningum deseja fracassar profissionalmente. Contudo, diversos estudos

    (Cunningham, Perry, Stanovich, & Stanovich, 2004; Lopes, Spear -Swerling,

    Oliveira, Velasquez, & Zibulsky, no prelo; Moats, 1994; Piasta, Connor,

    Fishman, & Morrison, 2009; Spear-Swerling, Brucker, & Alfano, 2005; Spear-

    -Swerling & Cheesman, 2012) indicam que os professores carecem frequente-

    mente do conhecimento cientfico que os ajude a ensinar de forma mais eficaz,

    especialmente crianas com problemas de aprendizagem da leitura. Uma maior

    qualidade de formao inicial e da formao em servio poderiam assegurar

    uma melhor aprendizagem dos alunos nos primeiros anos de escolaridade

    e criar uma base mais slida para o sucesso na leitura a longo prazo, o qual

    depende largamente da qualidade das aprendizagens iniciais (Chall, Jacobs,

    & Baldwin, 1990; Juel, 1994; Stanovich, 1986). por isso da maior relevncia

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    saber o que uma preparao de elevada qualidade, ou seja, o que devero

    os futuros professores saber para ensinar a ler e de que forma devero aplicar

    este conhecimento no trabalho com as crianas.

    H naturalmente muitas variveis alm da qualidade da instruo que

    influenciam a realizao dos alunos na leitura, nomeadamente as suas capaci-

    dades e o nvel de literacia familiar. Contudo, para quem desenha as polticase para todos aqueles que pretendem melhorar o nvel de leitura das crianas

    em larga escala, a preparao dos professores constitui uma varivel parti-

    cularmente importante, por pelo menos duas razes: em primeiro lugar, a

    investigao confirma a intuio de que os bons professores contam. A inves-

    tigao sobre a eficcia dos professores, por exemplo, separa a influncia

    de se ter um determinado professor de outras variveis que influenciam o

    desempenho dos alunos, como o backgroundfamiliar ou a realizao anterior.

    Alguns estudos (e.g.,Chetty, Friedman, & Rockoff, 2011; Heck, 2009) sugerem

    que os professores exercem uma influncia significativa no desempenho dascrianas na leitura e noutros domnios. Alm disso, o impacto colectivo dos

    professores, isto , a influncia positiva de se ter uma sucesso de bons pro-

    fessores ou a influncia negativa de se ter uma sucesso de maus professores,

    especialmente poderosa. Em segundo lugar, ao contrrio de outros factores

    que influenciam o desempenho na leitura, como, por exemplo, as capacidades

    da criana, a eficcia do professor susceptvel de melhoria atravs de uma

    boa preparao e de uma boa e continuada formao em servio.

    Os estudos aqui revistos dizem fundamentalmente respeito aos EUA.

    No entanto, estes estudos tm tambm importantes implicaes para quemdesenha as polticas em Portugal e para os professores, uma vez que, sendo o

    portugus uma lngua alfabtica tal como o ingls, as competncias requeridas

    para a evoluo da leitura so muito semelhantes. Por outro lado, a literatura

    revista noutro ponto deste texto (Lopes, et. al.,no prelo) mostra que os pro-

    fessores portugueses parecem partilhar muitas das lacunas de conhecimento

    dos professores americanos, as quais podem ser corrigidas atravs da forma-

    o inicial e da formao em servio. De facto, ao contrrio do que muitas

    pessoas pensam, ensinar grandes grupos de crianas a ler requer considervel

    conhecimento e competncia. No basta ser-se um adulto literato que se d

    bem com crianas (Moats, 1994, 1999). Exploraremos por isso de seguida o

    tipo de conhecimento disciplinar (conhecimento de contedos pedaggicos)

    que todos os professores que pretendem ensinar crianas a ler com xito

    deveriam possuir.

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    Conhecimento disciplinar fundamental

    para o ensino da leitura no Ensino Bsico

    Componentes Fundamentais da Leitura

    Uma rea fundamental do conhecimento disciplinar a compreenso dos

    processos envolvidos na evoluo da leitura e as habilidades especficas sub-jacentes aprendizagem da leitura. A investigao em diversas lnguas (e. g.,

    Cardoso-Martins, 2001; National Reading Panel, 2000; Sucena, Castro, &

    Seymour, 2009; Wimmer & Goswami, 1994; Wolf, 2007) sugere que diversas

    habilidades especficas, normalmente denominadas componentes da leitura, so

    particularmente relevantes para a aprendizagem da leitura em lnguas alfab-

    ticas como o ingls, o alemo, o castelhano ou o portugus. Estas habilidades-

    -chave incluem a conscincia fonmica, o conhecimento fnico, a fluncia, o

    vocabulrio, a compreenso oral e a compreenso da leitura. A tabela 1 mostra

    as definies dessas habilidades bem como algumas das razes pelas quais elasso importantes para a evoluo da leitura.

    A conscincia fonmica implica a conscincia dos sons da fala, por exemplo,

    a conscincia de que a palavra sol composta por trs sons separados (fonemas)

    /s/, /o/ e /l/. As crianas com boa conscincia fonmica conseguem juntar os

    sons oralmente (e. g.,juntar os fonemas /s/, /o/ e /l/ para produzir a palavra

    sol) e fazer tambm o contrrio, ou seja, partir da palavra sole decomp-la

    nos seus fonemas individuais. A conscincia fonmica constitui o nvel mais

    avanado de conscincia fonolgica. Esta, por seu turno, inclui nveis relativa-

    mente elementares de conscincia, nomeadamente a habilidade de reconhecera rima ou de identificar palavras com o mesmo som inicial (e. g.,sol, sopae

    cisnecomeam toda com /s/). Nas lnguas alfabticas como o portugus e o

    ingls, a conscincia fonolgica e a conscincia fonmica so particularmente

    importantes nos estdios iniciais de aprendizagem da leitura.

    O conhecimento fnicorefere-se ao conhecimento das regras de corres-

    pondncia grafemas-fonemas e capacidade de aplicar esse conhecimento

    descodificao de palavras no familiares. Na ausncia de competncias

    fnicas, as crianas podero memorizar palavras especficas, mas ser-lhes-

    muito difcil progredir na leitura utilizando esta estratgia, uma vez que no

    possvel memorizar os milhares de palavras necessrias a uma leitura pro-

    ficiente. As competncias de descodificao so igualmente necessrias para

    a compreenso da leitura, j que, se as crianas no forem capazes de ler as

    palavras do texto com exactido, no as compreendero, mesmo que tenham

    uma excelente capacidade de compreenso oral.

    A conscincia fonmica e o conhecimento fnico, apesar de frequente-

    mente confundidas, constituem habilidades distintas, ainda que interajam

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    nas fases iniciais de aprendizagem da leitura e da escrita. Por exemplo, para

    escrever a palavra sol, uma criana tem de conhecer os sons individuais da

    palavra (conscincia fonmica) e de seguida encontrar a letra correspondente

    a cada um desses sons (conhecimento fnico). Para ler a palavra sol,a criana

    tem de conhecer as correspondncias grafofonmicas (e. g.,que a letra s se

    pronuncia /s/, conhecimento fnico). Em crianas que esto a aprender a lerem ingls, o conhecimento fnico desenvolve-se essencialmente at ao 3. ano

    de escolaridade. Contudo, em crianas que aprendem a ler em lnguas mais

    transparentes, como o caso do portugus ou do alemo, o conhecimento

    fnico tipicamente evolui mais rapidamente do que no ingls (e. g.,Wimmer

    & Goswami, 1994).

    Afluncia a capacidade de ler com preciso, sem esforo e com razovel

    velocidade, um texto apropriado idade. Os leitores fluentes conseguem ainda

    ler em voz alta com fraseamento e com expresso adequadas (e. g.,elevar a voz

    no final de uma passagem de texto interrogativa). Ler com preciso constituium pr-requisito para a fluncia, a qual comea tipicamente a desenvolver-se

    pouco depois da aquisio das correspondncias grafofonmicas. Nas crianas

    que aprendem em lngua inglesa, a maior evoluo da fluncia regista-se no 2. e

    no 3. ano de escolaridade (Chall, 1983), mas continua certamente a verificar-se

    durante algum tempo. A leitura de texto fornece uma base importante para

    as tarefas ainda mais desafiadoras que a criana encontra nos ltimos anos do

    1. Ciclo e anos seguintes. A pouca fluncia tende a prejudicar a compreen-

    so e a motivao para a leitura, e dificulta o acompanhamento, por parte da

    criana, do elevado volume de leitura requerido nos anos seguintes.

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    Tabela 1. Habilidades importantes na aprendizagem da leitura

    Habilidade Definio

    Algumas razes pelasquais a habilidade importante Exemplos de avaliaes

    Exemplos de interveneseficazes

    ConscinciaFonmica

    Conscincia de ecapacidade de manipularos sons individuais(fonemas) nas palavrasfaladas

    Para conseguirem ligar aspalavras escritas aos sonse para compreenderema lgica de um alfabeto,as crianas tm de terconscincia de que aspalavras faladas socompostas por sonsindividuais

    As tarefas de sntese desegmentao oral (e. g.,a professor diz Quepalavra esta: /g/, /a/, /t/,/o/? As crianas repetemos sons individuais edepois juntam-nos paraobtergato)

    Ensino explcito dasntese e da segmentaofonmica, com recurso ablocos ou outros materiaisque representam fonemasindividuais. Esta estratgiadeve ser conjugada com oensino fnico

    ConhecimentoFnico(descodificaode palavras)

    Conhecimento decorrespondncias letras--sons; capacidade deaplicar o conhecimentodos sons representadospelas letras na

    descodificao de palavrasdesconhecidas

    As crianas precisam decompetncias fnicas paraconseguirem ler as muitaspalavras desconhecidasque encontramquando lem; um bom

    conhecimento fnicofornece tambm umimportante mecanismo deconsolidao das palavrasna memria, e promove aautomaticidade na leiturade palavras

    As crianas lem palavrasfora do contexto (e.g.,numa lista), das quaisalgumas devero serpalavras sem sentido (e. g.,pirteor calto)

    Ensino explcitoe sistemtico decorrespondncias letras--sons e de sons relativosa padres de letras usuais(e. g.,ch); instruo de

    sntese fnica (das partespara o todo); aplicao decompetncias fnicas leitura de excertos de texto

    Fluncia Capacidade de ler compreciso, sem esforo,com razovel velocidadee (na leitura oral) comexpresso e fraseamento,excertos de textoapropriados idade

    A leitura fluente importante para acompreenso e para oempenho na leitura; osproblemas com a flunciatendem a limitar acompreenso e a diminuir

    a motivao para a leitura

    As crianas lem umtexto apropriado idadedurante um minuto,sendo o nmero depalavras correctamentelidas comparado com asnormas de fluncia da

    leitura prprias da suaidade

    Leituras repetidas detextos familiares; leituraoral para um professor,o qual fornece pistas efeedbackapropriado; treinoscronometrados com cartesque contm palavras

    escritas; muita prtica deleitura independente

    Vocabulrio Conhecimento dosignificado de palavras

    O conhecimentodo vocabulrio extremamente importantepara a compreenso orale para a compreenso dotexto, desempenhandotambm um papel noreconhecimento depalavras

    Perante uma srie defiguras, as crianasapontam a figura quecontm a palavra dita emvoz alta pelo examinador(vocabulrio receptivo)

    O ensino explcito depalavras desconhecidas importante para acompreenso de umtexto, em conjugao comabordagens indirectascomo, por exemplo,ensinar as crianas a inferirsignificados de palavras apartir de timos comuns

    Compreenso Compreenso da

    linguagem falada oucompreenso de texto

    A compreenso da fala

    influencia a capacidadede compreenso de frasesdescodificadas comsucesso

    As crianas ouvem

    um trecho lido peloexaminador e respondema questes (compreensoda fala); as crianas lemum excerto e respondema perguntas (compreensoda leitura)

    Ensino explcito de

    estratgias de compreensotais como os resumos:utilizao de organizadoresgrficos; discusso oralde textos; construodo backgrounddeconhecimento necessriopara perceber o texto

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    O vocabulrio, enquanto conhecimento do significado das palavras,

    crtico para a compreenso de textos; por exemplo, se uma criana desconhece

    o significado da palavra chamas, no perceber totalmente uma frase como

    A casa estava em chamas, mesmo que consiga descodificar cada uma das palavras

    correctamente.A Compreenso Oralrefere-se quilo que se conhece para l do

    nvel individual da palavra, nomeadamente a compreenso de frases, pargra-fos e do discurso em geral, o qual influenciado por mltiplos factores alm

    do conhecimento do vocabulrio. Entre estes contam-se o conhecimento da

    gramtica e da sintaxe.

    Todas estas habilidades conscincia fonmica, conhecimento das cor-

    respondncias grafofonmicas, fluncia, vocabulrio e compreenso da lingua-

    gem desempenham o seu papel no desenvolvimento de uma compreenso

    adequada da leitura, a qual constitui certamente o objectivo da instruo da

    leitura. Contudo, ainda que estas habilidades sejam essenciais, elas no tm

    todas a mesma importncia em diferentes estdios do desenvolvimento daleitura. Para os leitores tpicos, a conscincia fonmica e o conhecimento das

    correspondncias grafofonmicas so especialmente importantes nos estdios

    iniciais da leitura, altura em que as crianas esto a desenvolver a compreenso

    do cdigo alfabtico, e quando o desenvolvimento da descodificao tende

    a impulsionar a evoluo da leitura. A meio do 1. Ciclo do Ensino Bsico,

    os leitores tpicos j apresentam competncias de descodificao bem desen-

    volvidas, pelo que, a partir desse momento, a descodificao menos crtica

    para o progresso na leitura (sublinhe-se que isto verdadeiro para os leitores

    tpicos, mas no para os leitores fracos; estes ltimos, mesmo na adolescncia,podem evidenciar problemas de conscincia fonmica e de descodificao,

    como adiante veremos). Pelo contrrio, depois do 3. ano as necessidades

    relativas ao vocabulrio e compreenso aumentam dramaticamente, pelo

    que o desenvolvimento nessas reas torna-se central.

    Finalmente, os professores devem compreender de que forma as com-

    ponentes mais importantes da leitura interagem ao longo do processo de

    desenvolvimento da leitura. A utilizao de pistas contextuais para facilitar

    a descodificao de palavras como, por exemplo, adivinhar palavras com

    base em figuras ou no contexto da frase, muitas vezes em conjugao com as

    primeiras letras das palavras constitui um bom exemplo de interaces entre

    as componentes da leitura; neste caso, competncias de correspondncias gra-

    fofonmicas e compreenso da linguagem. Os leitores iniciados e os leitores

    com problemas de descodificao recorrem frequentemente ao contexto para

    compensar os dfices de descodificao. Nos primeiros anos, esta estratgia

    pode surtir efeito. Contudo, medida que as crianas avanam na escola e so

    confrontadas com leituras cada vez mais difceis, o recurso ao contexto como

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    forma de ajuda ou de acelerao da descodificao tende a causar problemas,

    uma vez que desvia recursos que so necessrios para a compreenso. O pro-

    gresso efectivo no incio da escolaridade caracterizado pela descodificao

    automtica e precisa, no pela capacidade de utilizao de pistas do contexto

    para adivinhar palavras (Stanovich, 2000). Por consequncia, os professores

    devem encorajar as crianas a olhar cuidadosamente para as palavras escritas,no a tentar adivinh-las a partir de figuras ou do contexto da frase.

    A Estrutura da Linguagem

    Para ensinar de forma adequada a leitura, especialmente a crianas com difi-

    culdades, os professores tm de ter uma compreenso explcita da estrutura da

    linguagem no apenas da estrutura individual das palavras (e. g.,a estrutura

    fonmica e morfmica das palavras), mas tambm de nveis superiores da

    linguagem, nomeadamente das frases e da estrutura do discurso. Um exem-

    plo de conhecimento da estrutura do discurso perceber a especificidade

    organizativa de uma narrativa por comparao com um texto informativo

    (e. g.,um captulo de um livro de cincias). O primeiro tem personagens,

    contexto e um enredo, enquanto o segundo est normalmente organizado

    em torno de ideias principais e de pormenores. Num texto cientfico, os

    ttulos e subttulos contm informao importante; num romance, os ttulos

    e subttulo podem ser frequentemente ignorados sem sacrifcio significativo

    da compreenso do texto.

    O conhecimento da estrutura da linguagem no uma consequncia

    automtica de se ser um leitor adulto proficiente. Spear-Swerling e Brucker(2006) verificaram que futuros professores com competncias muito desen-

    volvidas de descodificao ainda cometem muitos erros em tarefas em que

    tm de contar fonemas de palavras ou determinar se uma palavra regular ou

    irregular. Apesar da maior transparncia da lngua portuguesa relativamente

    lngua inglesa, Lopes et. al.(no prelo) verificaram que mesmo os professores

    portugueses experientes apresentam algumas dificuldades na contagem de

    fonemas de palavras ou na identificao de palavras difceis de descodificar.

    Sem um conhecimento explcito da estrutura da linguagem, os professo-

    res podero no ser capazes de ensinar adequadamente aos alunos a estruturada lngua. Alm disso, podem interpretar erradamente os erros dos alunos,

    instruir atravs de exemplos inapropriados ou confundir inadvertidamente os

    alunos (Moats, 1999). Por exemplo, um professor que no consegue reconhecer

    que a palavra bosque foneticamente irregular pode utilizar esta palavra em

    actividades de correspondncia grafofonmica, sendo as crianas incapazes

    de a descodificar atravs das regras de correspondncia. Um professor que

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    no conhece a estrutura da fala nem a sua relevncia para a compreenso da

    leitura (bem como para a escrita) provavelmente no chamar a ateno dos

    estudantes para essas estruturas durante o ensino da leitura.

    Tipos mais comuns de dificuldades da leitura

    fundamental para os futuros professores conhecerem os diferentes tipos de

    dificuldades da leitura e, em particular, trs padres muito tpicos. Em especial

    nos primeiros anos, muitos leitores fracos evidenciam uma boa compreenso

    oral e um bom vocabulrio, mas apresentam dificuldades na descodificao de

    palavras, frequentemente devido a problemas de conscincia fonmica. Outras

    crianas, particularmente leitores fracos identificados aps o 3. ano, apre-

    sentam o padro oposto: apesar de evidenciarem uma conscincia fonmica e

    conhecimentos de regras de correspondncia grafofonmicas adequadas idade,

    tm dificuldades de compreenso, frequentemente devido a problemas com

    o vocabulrio oral e com a compreenso da linguagem (Leach, Scarborough,

    & Rescorla, 2003). Um terceiro grupo de crianas apresenta dificuldades de

    leitura mistas (Catts, Adlof, & Weismer, 2006) envolvendo problemas quer na

    leitura de palavras quer na compreenso, com estas ltimas excedendo o que

    seria de esperar pelos simples problemas na leitura de palavras. As crianas

    com dificuldades mistas podem apresentar uma fraca compreenso da leitura

    mesmo quando esto a ler material ajustado ao seu nvel de instruo (textos

    que conseguem descodificar bem) em consequncia de factores como pobreza

    de vocabulrio ou dificuldades de realizao de inferncias.

    O conhecimento dos padres usuais de dificuldades de leitura por partedos professores vital, pelas suas implicaes para a avaliao e para a inter-

    veno. No que diz respeito avaliao, por exemplo, os professores devem ser

    capazes de reconhecer que uma criana que tem dificuldades sistemticas na

    juno de sons conscincia fonmica pobre apresenta um risco significativo

    de vir a evidenciar dificuldades na leitura. No que diz respeito interveno,

    a instruo sistemtica de regras de correspondncia grafofonmicas normal-

    mente beneficia as crianas com dificuldades especficas de descodificao

    e com dificuldades de leitura mistas, mas no ser particularmente til para

    quem apresenta dificuldades especficas de compreenso na leitura, cujosproblemas esto para l da leitura de palavras.

    igualmente importante que os futuros professores estejam conscientes

    das concepes erradas acerca dos problemas de leitura. A maior parte dos

    problemas da leitura no implica inteligncia limitada, falta de motivao

    para a aprendizagem, nem est associada viso das letras ou das palavras em

    espelho. Pelo contrrio, a maior parte dos problemas da leitura est ligada a

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    tipos especficos de dificuldades de linguagem e estas dificuldades, por seu

    turno, esto relacionadas com a experincia, bem como com as habilidades

    intrnsecas de aprendizagem. Por exemplo, embora as limitaes no vocabulrio

    possam ocasionalmente ser causadas por dificuldades intrnsecas da linguagem,

    as crianas que vivem em situaes de pobreza apresentam frequentemente

    debilidades no vocabulrio que resultam simplesmente da falta de exposioa vocabulrio diferenciado (Hart & Risley, 1995; Lesaux & Kieffer, 2010).

    Avaliao e Interveno

    Para reconhecerem precocemente as dificuldades de leitura e para iniciarem

    prontamente uma interveno, os professores tm de conhecer formas eficazes de

    avaliar e de intervir. As duas colunas do lado direito da tabela 1 fornecem alguns

    exemplos de avaliaes e intervenes para componentes especficas da leitura.

    Tendo em considerao que os problemas de descodificao esto muitas

    vezes (ainda que nem sempre) associados a dificuldades bsicas da leitura, a

    avaliao efectiva da descodificao especialmente crtica nos primeiros anos

    de escolaridade. Como foi realado atrs, os descodificadores fracos podem

    por vezes compensar as dificuldades de descodificao quando esto a ler. Por

    conseguinte, a avaliao das competncias de descodificao fora do contexto

    essencial para os leitores iniciados e para aqueles que tm problemas de leitura.

    As avaliaes de leitura de palavras fora do contexto passam tipicamente por

    dar criana listas de palavras para ler, organizadas por nvel de dificuldade, ou

    por dar a ler grupos de palavras organizadas por categorias fnicas (e. g.,palavras

    com 3 ou 4 letras da categoria mais simples e palavras polissilbicas complexas,da categoria mais difcil). Na avaliao de leitura de palavras fora do contexto

    muito importante incluir algumas palavras sem sentido, isto , palavras que no

    so realmente palavras. Algumas crianas podem reconhecer muitas palavras

    verdadeiras num teste de descodificao, mas podem no ser capazes de desco-

    dificar palavras no familiares. Palavras sem sentido como smeckou libguff (em

    ingls) ou venaou dande(em portugus) fornecem informao fundamental

    sobre a capacidade de descodificao de palavras desconhecidas. Um teste de

    referncia ao critrio organizado por categorias fnicas particularmente til

    para planear a instruo de regras de correspondncia grafofonmicas, porquepode ajudar o professor a determinar as regras de correspondncia que as crianas

    j sabem, e quais as tm de ser aprendidas a seguir.

    Outro exemplo de conhecimentos importantes acerca da avaliao

    o reconhecimento, com base nas dificuldades especficas de leitura de uma

    criana, das reas em que essa criana precisa de avaliao aprofundada. Os

    alunos com dificuldades de compreenso que conseguem ler em voz alta a um

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    nvel apropriado para a idade provavelmente no necessitam de avaliao de

    competncias fnicas, uma vez que a descodificao com preciso constitui

    um pr-requisito para a fluncia. Estes leitores com dificuldades devem ser

    avaliados em reas importantes da compreenso como por exemplo o voca-

    bulrio, inferncias e compreenso oral. J as crianas que no conseguem ler

    fluentemente para a idade apresentam frequentemente dificuldades na leituraprecisa de palavras, pelo que os professores devem avaliar as competncias

    fnicas destas crianas no sentido de determinar quais as crianas que precisam

    de interveno a este nvel, alm de interveno na fluncia.

    Alm disso os professores devem saber que os pr-escolares que tm difi-

    culdades em aprender a falar apresentam um risco substancialmente superior

    de vir a apresentar problemas de leitura na escola primria (Scarborough, 2005).

    Crianas com uma histria de atraso precoce na linguagem nem sempre acabam

    por revelar dificuldades na leitura, mas os professores devem monitorizar os pro-

    gressos destas crianas na leitura de forma particularmente cuidadosa e intervirrapidamente se os problemas acabarem por aparecer. Alm disso, os professores

    devem ter conscincia de que, embora os programas de interveno no 1. Ciclo

    para leitores em risco sejam extremamente importantes, no conseguem prevenir

    todas as dificuldades da leitura, uma vez que estas s se tornam ntidas nos lti-

    mos anos do 1. Ciclo, frequentemente em resposta ao aumento das expectativas

    quanto quantidade de leitura e quanto compreenso (Leach et al.,2003).

    O xito das intervenes na leitura depende do ajustamento entre inter-

    venes apropriadas com base na investigao e as necessidades especficas do

    indivduo. Se as dificuldades essenciais de uma criana residem na descodifica-o ou na fluncia, uma interveno focalizada na compreenso provavelmente

    no ser til. Se a dificuldade principal for a compreenso, uma interveno

    sobre a descodificao provavelmente tambm no ser til. Para uma criana

    que precisa de ajuda na conscincia fonmica e nas regras de correspondncia

    grafofonmicas, a investigao sugere fortemente um ensino muito explcito

    e sistemtico de regras de correspondncia grafofonmicas, de cariz particu-

    larmente sinttico (das partes para o todo) que integrem instruo na juno

    de fonemas e na segmentao (Blachman et al.,2004; Christensen & Bowey,

    2005; National Early Literacy Panel, 2008; National Reading Panel, 2000).

    Para crianas com necessidades especficas ao nvel da compreenso,

    diversas abordagens instrucionais apresentam bom suporte emprico. Quer

    os mtodos de instruo do vocabulrio (e. g.,ensino explcito de palavras

    importantes para a compreenso do texto) quer os mtodos indirectos (e. g.,

    inferir os significados de palavras a partir de morfemas e de afixos) parecem

    ser eficazes (Beck, McKeown, & Kucan, 2002; National Reading Panel, 2000).

    Alm disso, a investigao sobre compreenso da instruo evidencia a eficcia

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    do ensino explcito de estratgias de compreenso tais como o resumo e o

    questionamento; da utilizao de organizadores grficos como mapas das

    histrias; da discusso oral de textos; e da construo do background necess-

    rio para a compreenso do texto (McKeown, Beck, & Blake, 2009; National

    Reading Panel, 2000; RAND Reading Study Group, 2002). Dadas as mltiplas

    exigncias quanto ao tempo dos professores, os programas de intervenobaseados na investigao e as avaliaes de qualidade comercialmente dispo-

    nveis constituem importantes recursos para os professores que pretendem

    intervir oportuna e eficazmente sobre os leitores em dificuldades.

    Infelizmente a investigao sobre os conhecimentos dos professores

    sugere que o conhecimento sobre avaliao e interveno pode constituir um

    ponto particularmente fraco para muitos professores. A investigao que temos

    conduzido com professores americanos (Spear-Swerling et al.,2005; Spear-

    -Swerling & Cheesman, 2012) indica que mesmo os professores experientes e

    qualificados podem desconhecer importantes factores de risco para dificulda-des de leitura, podem revelar confuso quanto ao papel das pistas contextuais

    na leitura proficiente e podem no estar familiarizados com avaliaes que so

    extremamente teis para a identificao precoce de problemas de leitura ou

    para o planeamento de intervenes. Por exemplo, num dos estudos (Spear-

    -Swerling & Cheesman, 2012) cerca de metade da amostra de professores do

    ensino regular (45 %) e mais de um tero dos professores da educao especial

    (37 %) no reconheceu a utilidade de uma medida de descodificao referida a

    critrio no planeamento da instruo para uma criana descrita como tendo

    dificuldades significativas na descodificao. Cerca de metade dos professoresde ambos os grupos (53 % do ensino regular e 63 % do ensino especial) foram

    incapazes de perceber quando que um livro de leitura era demasiado difcil

    para uma criana cuja preciso de leitura estava bastante abaixo dos 90 %.

    O mesmo estudo mostrou que muitos professores no estavam familiariza-

    dos com intervenes baseadas na investigao, como o caso de programas

    multissensoriais estruturados de linguagem para o ensino da descodificao

    e de outros aspectos da estrutura da linguagem (e. g.,Wilson, 1988) que lhes

    poderiam ser extremamente teis na abordagem dos problemas de leitura dos

    alunos. Outros investigadores que estudaram amostras de professores ame-

    ricanos encontraram resultados semelhantes. Moats e Foorman (2003), por

    exemplo, verificaram que 44 % dos professores da sua amostra apresentavam

    dificuldades de interpretao da leitura oral de uma criana que utilizava o

    contexto para compensar as dificuldades de descodificao, com prejuzo

    para a interpretao.

    Os resultados de Lopes et al.(no prelo) indicam que os professores por-

    tugueses participantes partilham algumas destas dificuldades. De facto, neste

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    estudo os participantes portugueses apresentaram uma realizao signifi-

    cativamente inferior dos participantes americanos num questionrio de

    conhecimentos sobre instruo da leitura e em particular no conhecimento

    sobre avaliao e interveno. Para ambos os grupos, os resultados so ainda

    mais preocupantes pelo facto de os participantes no parecerem ter uma

    percepo adequada do seu prprio conhecimento e por vezes pensarem termais conhecimento do que realmente tm. Estas autopercepes inadequadas

    podem ter como consequncia que os professores no procurem mais formao

    ou que no estejam receptivos a novas oportunidades de desenvolvimento

    profissional (Cunningham et al.,2004).

    Considerados como um todo, estes resultados preocupantes indicaro

    que a maior parte dos professores americanos e dos professores portugueses

    so simplesmente incompetentes? Certamente que no. Estudos realizados

    com professores americanos (Brady et al.,2009; McCutchen, Abbott, & Green,

    2002; Spear-Swerling & Brucker, 2004) mostram que quando os professores soexpostos a conhecimento disciplinar importante acerca da leitura, aprendem-

    -no. E no h qualquer razo para crer que algo de diferente se passar com

    os professores portugueses.

    Os problemas de conhecimento disciplinar efectivo dos professores

    americanos parecem estar relacionados, pelo menos em parte, com o facto de

    muitos programas de formao de professores no divulgarem os resultados

    mais recentes da investigao acerca da leitura (Joshi et al.,2009a, 2009b;

    National Council on Teacher Quality, 2006). A incluso destes contedos na

    formao inicial constitui o primeiro passo, ainda que no o nico, para umaformao de professores de elevada qualidade.

    A Importncia da Aplicao do Conhecimento

    O Conhecimento Disciplinar Necessrio mas no Suficiente

    Ao longo da sua experincia escolar, a maior parte das pessoas teve prova-

    velmente pelo menos um professor que exibia um grande conhecimento dos

    contedos que ensinava, mas que no era muito eficaz a transmiti-los. Da

    mesma forma, um professor pode ter muitos conhecimentos acerca da leitura,

    mas pode no os transmitir adequadamente s crianas. Este tipo de professor

    pode no apresentar alguns conceitos importantes de uma forma clara, pode

    no sequenciar a instruo de forma adequada, pode no fornecerfeedback

    efectivo acerca dos erros dos alunos, e pode no se relacionar adequadamente

    com os alunos ou no ser capaz de estimular o empenho de alunos de nveis

    diferenciados de conhecimento. Isto no significa que o conhecimento no

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    tem importncia. A questo que, sendo necessrio, no suficiente para a

    instruo eficaz da leitura.

    Para desenvolver as mltiplas competncias necessrias para o ensino

    da leitura, os futuros professores tm de ter oportunidades estruturadas de

    trabalho com alunos, sob superviso de um tutor experiente (Brady & Moats,

    1997; Hoffman et al.,2005; International Dyslexia Association, 2010; NationalAcademy of Education, 2005). Uma boa superviso importante, porque um

    orientador capaz pode ajudar os professores inexperientes a reconhecer os seus

    problemas de instruo, pode modelar comportamentos de ensino eficazes, e

    pode fornecer de imediatofeedbackconstrutivo. Os professores mais novos

    podem no reconhecer problemas ou dificuldades na sua aco e podem por

    isso no sentir necessidade de pedir ajuda. Os professores em formao, por

    exemplo, tendem a organizar lies demasiado difceis e por vezes procuram

    ensinar demasiados contedos de uma s vez. E fazem-no sem terem conscincia

    do facto. Um supervisor capaz pode chamar a ateno para este problema e mos-trar como pequenas modificaes podem tornar a lio muito mais produtiva.

    Num programa de formao de professores, os formandos tm de ter

    mltiplas oportunidades de trabalhar com crianas, e tambm de administrar e

    interpretar resultados de instrumentos de avaliao e ensinar crianas de nveis

    diferenciados. Na Education School da Southern Connecticut University, por

    exemplo, nas disciplinas iniciais os formandos tm algumas experincias de

    campo no supervisionadas nas escolas, durante as quais se limitam a observar

    os professores e os alunos nas salas de aula. Posteriormente, tm formao

    em leitura (e em matemtica), a qual inclui experincias relativamente cur-tas de tutoria supervisionada, nas quais os formandos tm de administrar

    instrumentos informais de avaliao a uma nica criana e tm de utilizar

    essa avaliao para planear cerca de seis sesses de tutoria. Passam depois

    um semestre inteiro a trabalhar leitura e outras matrias com um pequeno

    grupo de alunos, tendo de planear sesses com um grupo de crianas (no

    apenas com uma) e de lidar com os comportamentos das crianas em grupo.

    Por fim, antes de se licenciarem, tem de passar durante um semestre por duas

    experincias de ensino, as quais incluem tipicamente algumas semanas em

    que os formandos assumem a responsabilidade total por uma sala de aula, sob

    superviso de um orientador.

    Os programas de formao de professores podem naturalmente estar

    estruturados de muitas maneiras. Ainda assim, os formadores de professores e

    as instituies de formao devem atender a determinados factores essenciais

    no desenho de programas de formao. Em primeiro lugar, a formao deve

    assentar fortemente no conhecimento de base cientfica relativo leitura. Em

    segundo lugar, os futuros professores devem contactar com alunos ao longo do

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    curso, e no apenas no fim. Estas experincias envolvem uma gradual assuno

    de responsabilidade pelo futuro professor. Em terceiro lugar, os formandos

    devem ser supervisionados por orientadores com grande conhecimento sobre

    a avaliao da leitura e sobre formas de ensinar alunos de diversos nveis,

    incluindo os que tm dificuldades na leitura.

    Necessidades de Formao de Professores

    do Ensino Regular e do Ensino Especial

    Os professores do ensino regular e do ensino especial devem partilhar algum

    conhecimento bsico, incluindo todo o conhecimento disciplinar anterior-

    mente discutido. Os dois grupos de professores devem ter conhecimento das

    componentes da leitura, da estrutura da linguagem, dos tipos mais comuns

    de dificuldades de aprendizagem e de algumas prticas efectivas bsicas de

    avaliao e de interveno. Contudo, uma vez que a misso dos professores de

    educao especial servir as crianas com os problemas mais srios de aprendi-

    zagem de leitura2, e porque estes professores constituem frequentemente um

    recurso para os professores titulares de turma que procuram ajuda para os seus

    alunos com problemas na leitura, a sua formao e conhecimentos tm de ser

    mais aprofundados. Precisam nomeadamente de uma preparao superior na

    rea dos mtodos de avaliao e de interveno com leitores fracos. Precisam

    tambm de mais conhecimentos quanto aos problemas que podem afectar a

    aprendizagem da leitura, como o caso da dislexia, dos problemas de lingua-

    gem oral e de perturbaes do espectro autista, bem como de conhecimentos

    sobre as melhores prticas para lidar com estas problemticas.A prtica supervisionada dos professores de educao especial deve tam-

    bm incluir o trabalho com crianas que apresentam diversos tipos de pro-

    blemticas. Tendo em conta a sua misso, preocupante que alguns estudos

    tenham mostrado que estes professores no tm mais conhecimento disci-

    plinar do que os professores do ensino regular. Spear-Swerling e Cheesman

    (2012) verificaram que professores do ensino regular e professores do ensino

    especial apresentavam desempenho idntico em medidas de conhecimento

    acerca das componentes da leitura. Contudo, os professores de educao

    especial apresentavam melhor desempenho no conhecimento de prticas deavaliao e de interveno.

    A Necessidade de Desenvolvimento Profissional Continuado

    Tendo em conta a extensa literatura cientfica sobre a leitura e sobre os proble-

    mas da leitura, nem mesmo o melhor programa de formao inicial pode dar

    aos formandos todo o conhecimento e competncias de que precisaro ao longo

    2. Em Portugal no exactamente assim. Na Europatambm h variaes de paspara pas no que diz respeitoaos profissionais que apoiamos alunos com dificuldades naleitura.

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    da sua carreira. Alm disso, a investigao cientfica fornece continuamente

    conhecimento adicional acerca da leitura, muito do qual tem implicaes para a

    prtica educacional. Ainda que esta profuso de conhecimento seja certamente

    desejvel, cria desafios reais formao de professores, a qual tem tambm de

    preparar os professores do 1. Ciclo em outras competncias que no as que

    esto ligadas ao ensino da leitura competncias no ensino da matemticae estudo do meio, competncias para colaborar com colegas, e competncias

    para utilizar as tecnologias da informao, entre outras. Consequentemente, a

    tutela educativa (i. e.,o Ministrio da Educao) tem de estabelecer prioridades

    quanto ao que os professores recm-licenciados tm de saber na rea da leitura,

    bem como fornecer oportunidades de formao profissional de elevado nvel

    aos professores em exerccio, a qual deve centrar-se em competncias de ensino

    mais sofisticadas do que as que aprenderam na formao inicial. Ningum

    espera que os recm-licenciados em Medicina tenham todos os conhecimentos

    necessrios para a toda a sua carreira profissional. Pelo contrrio, espera-seque tenham uma formao extensiva antes de exercerem a profisso e que

    continuem a obter formao ao longo da carreira. Deveramos ter exactamente

    as mesmas expectativas para os professores do 1. Ciclo.

    Tal como Moats (1999) to eloquentemente explica, a preparao inade-

    quada de professores nos Estados Unidos radica em parte em concepes erradas

    acerca do nvel de conhecimento e de competncias necessrias para o ensino

    da leitura a grupos diversificados de crianas concepes agora desmentidas

    por dcadas de investigao cientfica na rea da leitura. Ser bom leitor no

    condio suficiente para ensinar a ler bem, tal como gozar de boa sade no condio suficiente para se ser bom mdico. Tal como os bons mdicos tm de

    saber anatomia, fisiologia e as causas e tratamentos de doenas comuns, tambm

    os futuros professores do 1. Ciclo tm de conhecer as componentes importan-

    tes da leitura, a estrutura da linguagem, os tipos mais comuns de dificuldades

    da leitura e as boas prticas de avaliao e de interveno. As experincias de

    ensino supervisionado, mesmo incluindo este conhecimento e outros conheci-

    mentos relacionados, no eliminaro todos os problemas de leitura. Contudo,

    faz seguramente sentido utilizar todo o conhecimento cientfico disponvel na

    formao inicial de professores e oferecer o tipo de formao profissional de base

    cientfica que os professores e os seus alunos merecem. Especialmente se posta

    em prtica sistematicamente e em larga escala, uma formao de professores de

    elevada qualidade pode ser um poderoso factor de preveno e de remediao

    das dificuldades de leitura de muitas crianas.

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    PROJECTOCrenas, conhecimentos e formaode professores do 1. Ciclo na rea

    do ensino da leitura

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    Os conhecimentos acerca dos processos implicados na leitura e das questes

    fundamentais que se apresentam na aprendizagem desta competncia tiveram

    avanos muito significativos nas ltimas dcadas (Adams, Foorman, Lundberg,

    & Beeler, 1998; Fletcher, Lyon, Fuchs, & Barnes, 2007; Lopes, 2010; Price &

    McCrory, 2005; Spear -Swerling, 2007). Est hoje bem estabelecida, por exem-

    plo, a importncia da linguagem oral, em particular da conscincia fonmica,na aprendizagem da leitura num sistema alfabtico (Cary, 1977; Morais, 1997;

    Shaywitz, 2003; Spear-Swerling, 2007); a importncia do conhecimento das

    correspondncias grafofonmicas no reconhecimento (descodificao) de

    palavras (Chase & Tallal, 1990; Stanovich, 1996; Stanovich & Cunningham,

    1984; Swanson, 1997); a necessidade da automatizao destes processos para o

    progresso da fluncia leitora (Jenkins, Fuchs, & Van den Broek, 2003; Klauda

    & Guthrie, 2008; Kuhn & Stahl, 2003; Landerl & Wimmer, 2008; Leppanen,

    Aunola, & Niemi, 2008; Rasinski, 1990; Thaler, Ebner, Wimmer, & Landerl,

    2004); e a importncia deste conjunto de competncias para o cumprimento doobjectivo fundamental da leitura, que a compreenso (Balota, Flores-DArcais,

    & Rayner, 1990; Cunningham, 1993; Jenkins et al.,2003; Just & Carpenter, 1987;

    Kendeou, 2009; McBride-Chang, Manis, Seidenberg, Custodio, & Doi, 1993).

    Porm, a investigao tem evidenciado que as crenas dos professores acerca

    dos processos de instruo da leitura, acerca dos seus prprios conhecimen-

    tos, bem como os seus conhecimentos efectivos acerca do funcionamento

    das respectivas lnguas no tm acompanhado a evoluo do conhecimento

    cientfico acerca dos processos implicados na aprendizagem da leitura (Bos,

    Mather, Dickson, Podhajski, & Chard, 2001; Carlisle, Correnti, Phelps, & Zeng,

    2009; Carreker, Joshi, & Boulware-Gooden, 2010; Spear-Swerling, 2007, 2009;

    Spear-Swerling, Brucker, & Alfano, 2005). A prpria formao de professores

    do 1. Ciclo do Ensino Bsico parece contrariar em muitos casos as desco-

    bertas da cincia na rea da leitura (Spear-Swerling, 2007; Walsh, Glaser, &

    Dunne-Wilcox, 2006).

    Tendo em conta que a qualidade mdia dos processos de aprendizagem

    depende fundamentalmente da qualidade da instruo (Lyon, 1988; Pressley,

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    1998; Scott, Nelson, & Liaupsin, 2001; Witt, VanDerHeyden, & Gilbertson,

    2004), afigura-se decisivo conhecer melhor as crenas dos professores acerca

    das boas prticas de ensino da leitura, a percepo que tm sobre o seu nvel

    de conhecimentos para o ensino da leitura, os conhecimentos efectivos que

    possuem para o fazer (aspectos que decorrem de alguma forma do tipo de

    formao inicial, da formao contnua e dos processos de aculturao queos professores vo sofrendo nos locais em que ensinam) e as prticas de sala

    de aula nesta rea (Phelps & Schilling, 2004; Pressley, 1998).

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    IntroduoO interesse relativamente ao ensino/instruo eficaz tem recebido uma ateno

    desigual ao longo da histria da educao. Em certos momentos do sculo xx,

    esta rea foi alvo de um interesse significativo, seguido de um decrscimo e pos-

    terior ressurgimento (Brophy, 1996; McKee & Witt, 1990; Ysseldike & Elliott,

    1999). Num dos momentos do sculo xxem que o interesse pela investigao

    sobre os processos de ensino da leitura atingiu um ponto particularmente

    baixo, o eminente acadmico B. F. Skinner chegou a proclamar a existncia

    de uma verdadeira conspirao de silncio sobre o ensino enquanto compe-tncia e que a pedagogia vista como um palavra suja (Skinner, 1983). Ao

    afirm-lo, Skinner evidenciava que as variveis (estmulos) que tornam pos-

    svel a aprendizagem no estavam a receber ateno suficiente ou que eram

    deliberadamente omitidas, como se fosse possvel existir aprendizagem escolar

    sem que tivesse existido ensino.

    Ainda que os denominados modelos intrnsecos de aprendizagem da

    leitura e das dificuldades de aprendizagem (i. e., modelos que pem o nus da

    aprendizagem da leitura e do insucesso na leitura exclusivamente na criana)

    sejam ainda prevalentes, a insatisfao com alguns (mal esclarecidos) aspectosetiolgicos, instrucionais e de validade das intervenes (Fletcher et al.,2007;

    Foorman, Francis, Shaywitz, Shaywitz, & Fletcher, 1997) tm estimulado a

    investigao sobre a instruo/ensino da leitura, sobre as crenas e percep-

    es dos professores acerca do ensino da leitura e sobre os conhecimentos

    dos professores acerca da lngua em que ensinam as crianas a ler (Brady et

    al.,2009; Joshi et al., 2009; Moats, 2009; Spear-Swerling, 2007). Alm disso, os

    mais recentes desenvolvimentos polticos e sociais tm colocado as escolas

    sob presso no sentido de demonstrarem evidncia quanto aos resultados dos

    seus alunos. As escolas, como seria de esperar, transferem esta responsabili-dade para os agentes directos do ensino, os professores, os quais tero cada

    vez mais dificuldades em afirmar que o sucesso/insucesso dos alunos depende

    pouco da qualidade da instruo e muito de factores externos sala de aula

    (e. g.,famlia, motivao para a escola, etc.). Como afirma Deno (2008), the

    pressure of meeting existing standards replaced the luxury of a relaxed approach

    where it was possible to sit back and watch the garden grow3(p. 16).

    3. a presso para atingir ospadres exigidos substituiuo luxo de uma abordagemrelaxada em que era possvelsentarmo-nos, vendo o jardimcrescer.

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    Na ltima dcada, foram realizados alguns estudos importantes sobre

    crenas dos professores acerca do ensino da leitura, sobre prticas de ensino

    da leitura em sala de aula e sobre currculos de formao inicial de professo-

    res (na rea da leitura), oferecidos por universidades e por outras escolas de

    ensino superior. McCutchen et al.(2002), por exemplo, descobriram que os

    professores participantes do seu estudo estavam bastante familiarizados comttulos de livros de literatura infantil, mas possuam um conhecimento bastante

    limitado nas reas da linguagem e da estrutura do cdigo escrito. Descobriram

    tambm que as crenas dos professores no so preditivas das prticas de sala

    de aula, ao contrrio do nvel de conhecimentos acerca da leitura, que aparece

    associado s prticas de instruo. McCutchen et al.(2002) verificaram ainda,

    tal como outros haviam feito antes (e. g., Carpenter, Fennema, & Franke, 1996),

    que os professores eficazes utilizam frequentemente amostras de trabalhos dos

    alunos para desenvolverem os contedos que esto a ensinar e que recorrem

    ao conhecimento dos contedos para apoiar a instruo.Moats (2009) salienta que bvio que a instruo constitui um determi-

    nante to poderoso dos resultados acadmicos e escolares quanto o background

    familiar. Parece ser igualmente consensual que a instruo ainda mais impor-

    tante para crianas de estatuto socioeconmico-lingustico desfavorecido

    (Marzano, 2003; Moats, 2009). Contudo, no claro se os professores acreditam

    verdadeiramente no efeito da instruo ou se privilegiam atribuies exter-

    nas quando procuram explicar o sucesso/insucesso dos alunos (e. g.,contexto

    familiar pobre dos alunos, incapacidade dos alunos, etc.) (J. A. Lopes, 2010).

    De facto, dado que o ensino est sujeito ao escrutnio dos alunos, dos pais edos meios de comunicao social, etc. (ou seja, de um grande nmero de pes-

    soas com perspectivas muito diversas e eventualmente convicta de que basta

    ter andado na escola para se ser um bom avaliador do ensino), e uma vez que

    os modelos de leitura e de insucesso escolar vo da educao psicologia,

    medicina, sociologia, economia, etc. (ou seja, so demasiados modelos de

    demasiadas reas do conhecimento), no surpreende que quer professores, quer

    outros profissionais e at mesmo o pblico em geral tenham dvidas quanto

    ao peso da instruo no sucesso/fracasso da aprendizagem da leitura (Bos et

    al.,2001; J. A. Lopes, Monteiro, Sil, Rutherford, & Quinn, 2004).

    Os mais recentes desenvolvimentos e descobertas na psicologia da leitura

    e a presso pela responsabilizao quanto aos resultados dos alunos tornam

    mais urgente o debate sobre a preparao inicial, a certificao de competncias

    e a formao em servio dos professores do 1. Ciclo do Ensino Bsico. Com

    grande probabilidade os cursos de formao destes professores sero cada

    vez mais pressionados para desenharem currculos e cursos cientificamente

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    validados, no sendo porm certo que este facto, por si s, origine inevitavel-

    mente mudana (Moats, 2009; Walsh et al.,2006).

    Nos Estados Unidos, na sequncia da desiluso com os fracos progres-

    sos em leitura ao longo de 40 anos, o National Council on Teacher Quality

    (NCTQ) (Walsh et al.,2006) decidiu investigar de que forma estavam os futuros

    professores a ser preparados para ensinar a leitura s crianas. Os resultadosforam considerados alarmantes, uma vez que only 15% of the education schools

    provide future teachers with minimal exposure to the science. Moreover, course syllabi

    reveal a tendency to dismiss the scientific research in reading, continuing to espouse

    approaches to reading that will not serve up to 40 percent of all children4(p. 5).

    O relatrio do NCTQ refere claramente as prticas que os professores

    deveriam ter nas salas de aula para o ensino eficaz da leitura:

    Identificao precoce de crianas em risco de insucesso na leitura;

    Treino dirio das competncias lingusticas e de oralidade necessrias

    ao desenvolvimento da conscincia dos sons da fala e dos fonemas; Instruo explcita dos sons correspondentes s letras, slabas e palavras,

    acompanhada de ensino explcito da ortografia;

    Ensino fnico, adoptando as sequncias de instruo que a investigao

    demonstrou produzirem menor confuso, em vez de ensino realizado de

    forma casustica e apenas quando as crianas apresentam dificuldades;

    Prtica repetida at que os alunos atinjam o reconhecimento autom-

    tico, evitando que tenham de soletrar uma palavra, quando o importante

    que se focalizem no seu significado;

    Em simultneo com as estratgias anteriores desenvolver competnciasde compreenso e de conhecimento do vocabulrio, atravs da leitura

    em voz alta de livros infantis de qualidade e de textos no ficcionados,

    seguida de discusso e de escrita a propsito desses textos;

    Avaliaes frequentes com adaptao da instruo, para confirmar os

    progressos dos alunos (Walsh et al., 2006, p.8);

    A investigao conduzida por Walsh et al.(2006) revelou ainda que a

    maior parte das prticas validadas pela investigao no so consideradas

    nos cursos de formao de professores e que: (1) a maior parte das escolas de

    formao de professores no aborda aspectos cientficos da leitura; (2) mesmos

    os cursos que dizem fornecer uma abordagem balanceada ignoram a cincia

    da leitura; (3) algumas caractersticas institucionais, como, por exemplo, a

    acreditao nacional dos cursos, no aumentam a probabilidade de certas esco-

    las de formao de professores ensinarem mais e melhor a cincia da leitura;

    (4) o ensino fnico mais frequentemente ensinado do que qualquer outro

    aspecto da leitura, sugerindo que a resistncia ideolgica ao campo fnico

    4. Apenas 15 % das escolasde educao fornecem aosfuturos professores contactomnimo com a cincia. Almdisso, os tpicos dos cursosrevelam uma tendncia paradesvalorizar a investigaocientfica na rea da leitura,

    continuando a privilegiarabordagens da leitura que noserviro mais do que 40 % dascrianas.

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    no explica completamente por que razo a cincia continua a ser ignorada

    (neste particular, o relatrio sugere (a) a existncia de um desdm geral pela

    cincia, (b) que as contribuies da psicologia cognitiva e da lingustica so

    desconsideradas e (c) que os cursos universitrios so undemanding, far too often

    juvenile in tone, content and expectation5(Walsh et al.,2006, p. 31); (5) a maior

    parte da instruo em leitura incompatvel com as descobertas da cincia(e. g.,a leitura descrita como um processo natural, orgnico, apesar de no

    haver evidncia nesse sentido); (6) os formadores de professores apresentam

    o ensino cientfico da leitura como uma abordagem to vlida como qualquer

    outra; (7) a qualidade de quase todos os manuais utilizados nos cursos pobre.

    Incluem poucos ou nenhuns contedos cientficos slidos e em demasiados

    casos os contedos so inexactos ou enganadores; (8) os futuros professores

    no aprendem a avaliar as dificuldades de leitura dos alunos.

    Em geral, parece que algo estar a falhar na formao inicial de pro-

    fessores. Alm disso, estudos conduzidos com professores de nveis de expe-rincia diversos sugerem que tambm a formao em servio no consegue

    lidar eficazmente com a discrepncia entre o que os professores sabem e

    acreditam e aquilo que deveriam saber para ensinar eficazmente a leitura.

    Spear-Swerling (2005) e Cunningham etal.(2004) consideram que mesmo os

    professores experientes podero no estar perfeitamente conscientes do seu

    grau de conhecimento nas reas da conscincia fonolgica, ensino fnico e

    desenvolvimento inicial da leitura. Tal como outros autores (e. g.,Walsh et al.,

    2006), assinalam uma resistncia s descobertas da cincia na rea da leitura.

    Spear-Swerling (2005) refere mesmo uma antipatia activa relativamente cincia em certos cursos de formao de professores.

    Em Portugal, a informao sobre a forma como os professores do 1. Ciclo

    do Ensino Bsico esto a ser preparados para o ensino da leitura dispersa

    e escassa. Tambm pouco se sabe sobre o grau de conhecimento dos profes-

    sores relativamente ao ensino da leitura e que percepes tm acerca da sua

    competncia para ensinar a ler. Portugal, como todos os outros pases que tm

    realizado grandes esforos na melhoria dos seus sistemas educativos, tem toda

    a vantagem em ter informao actualizada sobre diversos aspectos do ensino da

    leitura. O projecto Ensino da leitura no 1. Ciclo do Ensino Bsico: Crenas,

    conhecimentos e formao dos professores tem precisamente por objectivo

    fundamental recolher e sistematizar informao sobre diversas questes que

    se considera do maior relevo para o ensino da leitura, e que podem ajudar quer

    os profissionais (professores) quer os formadores de professores, quer ainda

    as instituies de formao, a melhorar as suas prticas numa rea reconhe-

    cidamente estruturante para o desenvolvimento pessoal, comunitrio e, em

    ltima anlise, nacional.

    5. Pouco exigentes e com

    uma tonalidade, contedos eexpectativas frequentementejuvenis.

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    Objectivos do projectoOs estudos, nacionais e internacionais, realizados na rea do ensino da leitura

    sugerem que os professores do 1. Ciclo do Ensino Bsico, quer estejam a

    iniciar-se na profisso, quer tenham muita experincia, (1) podem no ter plena

    conscincia do que sabem ou do que deveriam saber para ensinar eficazmente

    os alunos a ler; (2) podem no estar a par de estratgias pedaggicas relevan-

    tes para o ensino eficaz da leitura; e (3) podem no ter recebido informao

    cientfica relevante nesta matria. O presente projecto explora estas hipteses,

    prosseguindo os seguintes objectivos especficos:1) Saber que tipo de formao inicial e em servio receberam os professores

    participantes, que conhecimentos dizem ter de modelos e mtodos de ensino

    e que influncias foram mais marcantes para a sua actual forma de ensinar.

    2) Saber como classificam os professores participantes os seus prprios

    conhecimentos na rea do ensino da leitura.

    3)Avaliar os conhecimentos dos professores relativamente a aspectos da

    leitura (e. g.,conscincia fonmica, fluncia leitora, vocabulrio, prosdia,

    compreenso, etc.) que a investigao tem demonstrado serem importan-

    tes para o desempenho dos alunos ao longo dos quatro primeiros anosde escolaridade.

    4) Saber como acham os professores participantes que deve ser organizado

    tipicamente o tempo de ensino da lngua materna.

    5) Saber o que se ensina nas universidades/escolas superiores de educa-

    o na rea da lngua materna, com implicaes na instruo da leitura.

    No que diz especificamente respeito aos conhecimentos percebidose aos conhe-

    cimentos efectivos(pontos 2 e 3), os resultados dos professores portugueses sero

    apresentados em conjunto com os de uma amostra idntica de professores ame-ricanos dos Estados de Connecticut, Nova Jrsia e Colorado. A possibilidade de

    comparao entre professores portugueses e americanos resulta do facto de a

    equipa do projecto integrar investigadores portugueses e americanos e ter traba-

    lhado em ambos os pases com objectivos idnticos e com os mesmos instrumentos

    de avaliao. A comparao, ainda que devendo ser realizada de forma cautelosa,

    permite ter uma ideia das reas de semelhana e dissemelhana dos dois grupos

    de professores e til para aferir e interpretar os montantes das diferenas.

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    Parte IFormao, conhecimentos, percepo de conhecimentos

    e organizao das actividades de Lngua Portuguesa

    Nesta primeira parte, sero apresentados os resultados relativos aos quatro

    primeiros objectivos do projecto, os quais se relacionam com o background

    pessoal e profissional dos professores, com os seus conhecimentos e percepo

    de conhecimentos acerca do ensino da leitura e forma como dizem organizar

    o tempo de ensino da lngua materna.

    Participantes

    Um dos objectivos fundamentais do projecto, no que diz respeito aos par-

    ticipantes, era conseguir uma amostra representativa nacional (em termos

    territoriais) de professores do 1. Ciclo do Ensino Bsico, que respondessem

    a todos os questionrios. Este objectivo afigurou-se partida como de difcil

    consecuo, uma vez que, alm da disperso geogrfica, se estabeleceu que os

    participantes a incluir na amostra deveriam ter preenchido a totalidade dos

    questionrios de avaliao de percepes de conhecimentos, dos question-rios de conhecimentos disciplinares efectivos e das actividades no mbito da

    lngua materna. O questionrio de conhecimentos efectivos, em particular,

    foi desde o incio percebido pela equipa do projecto como podendo levantar

    problemas a um nmero significativo de participantes, dada a sua extenso e

    dificuldade, o que veio de facto a verificar-se.

    A equipa do projecto definiu como patamar de representatividade 1,5 % da

    totalidade dos professores do 1. Ciclo, ou seja, 496 participantes. No entanto,

    o nmero final de respostas completas acabou por ser de 529, corresponden-

    tes a 1,6 % do total de professores portugueses do 1. Ciclo do Ensino Bsico.Por outro lado, uma vez que se pretendia uma representatividade territorial

    nacional, definiu-se que os 529 professores da amostra deveriam estar homo-

    geneamente distribudos por regio (aproximadamente 1,6 % em cada regio).

    Foram por isso definidas sete regies, que correspondem genericamente ao

    mbito territorial das antigas Direces Regionais de Educao (ainda que

    com adaptaes) (ver quadro 1). No tendo sido possvel obter o nmero pre-

    tendido de respostas em todas as regies, o Centro, o Alentejo e os Aores e

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    Madeira ficaram com um nmero de respondentes ligeiramente inferior ao

    estabelecido e o Litoral Norte, o Interior Norte Lisboa e Vale do Tejo ficaram

    com um nmero ligeiramente superior ao pretendido.

    Apesar de apenas 529 questionrios terem sido integralmente preenchidos,

    o nmero total de respostas, de onde foram retiradas estas 529, foi de 2164.

    Todas estas respostas foram fornecidas por professores do 1. Ciclo do EnsinoBsico, do ensino regular e do ensino especial, com diversos nveis de expe-

    rincia profissional, representando 6,5 % de um universo de 33 044 professores

    recenseados em 2011 no territrio nacional (continente e ilhas) (fonte: Pordata).

    Este universo inclui professores do ensino pblico (29 604) e privado (3440).

    Os resultados dos questionrios de conhecimentos, de percepo de conhe-

    cimentos e de actividades da lngua materna, a seguir apresentados, dizem res-

    peito aos 529 participantes, os quais constituem uma amostra representativa,

    em termos territoriais, do todo nacional (33 044 professores). So, contudo,

    apresentadas igualmente as caractersticas demogrficas dos 2164 professores queresponderam parcial ou totalmente aos questionrios, a par das caractersticas

    dos 529 que constituem a amostra representativa. Note-se que, para os diversos

    quadros apresentados, o nmero total de respondentes varivel, uma vez que

    nem todos os participantes respondem s mesmas perguntas.

    Caractersticas demogrficas dos participantes

    Quadro 1 Nmero de docentes por regio (Direces Regionais de Educao)

    LitoralNorte-DREN

    InteriorNorte-DREN Centro

    Lisboae Vale

    do Tejo Alentejo Algarve

    Aorese

    Madeira Total

    N. de docentesna regio

    9630 1722 6688 8435 2302 1354 2913 33 044

    Total derespondentes

    782 168 344 559 70 87 154 2164

    1,6 % dedocentesda regio

    154 28 107 135 37 22 46 529

    Respondentes

    efectivos

    169 47 86 141 24 23 39 529

    Quadro 2 Participantes por sexo

    Homens Mulheres Total

    Todos os participantes 264 (12 %) 1877 (88 %) 2141

    Amostra 529 sujeitos 64 (12 %) 465 (88 %) 529

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    Quadro 3 Ano de escolaridade que lecciona

    1. 2. 3. 4. Total

    Todos os participantes 557 (26 %) 456 (21,3 %) 477 (22,3 %) 651 (30,4 %) 2141

    Amostra 529 sujeitos 135 (25,5 %) 107 (20,3 %) 120 (22,6 %) 167 (31,6 %) 529

    Quadro 4 Tempo de servio (em anos)

    0-5 6-15 16-25 + de 25 Total

    Todos os participantes 101 (4,7 %) 766 (35,8 %) 606 (28,3 %) 668 (31,2 %) 2141

    Amostra 529 sujeitos 34 (6,4 %) 189 (35,7 %) 140 (26,5 %) 166 (31,4 %) 529

    Quadro 5 Habilitaes para o ensino

    Bacharelato1. Ciclo do

    Ensino Bsico

    Licenciatura1. Ciclo do

    Ensino Bsico

    Licenciatura2. Ciclo do

    Ensino BsicoMagistrioPrimrio Outra Total

    Todos os participantes 296 (13,8 %) 858 (40,1 %) 328 (15,3 %) 546(25,5 %) 113(5,3 %) 2141

    Amostra 529 sujeitos 76 (14,4 %) 198 (37,4 %) 83 (15,7 %) 139 (26,3 %) 33 (6,2 %) 529

    Nota: No item Outra incluem-se fundamentalmente cursos de formao integrada de 1./2. Ciclo em diversas variantes, como por exemploMatemtica e Cincias da Natureza, Portugus/Ingls, Portugus/Francs, Educao Musical ou Educao Fsica.

    Quadro 6 Grau acadmico mais elevado

    Bacharelato Licenciatura Mestrado Doutoramento Total

    Todos os participantes 143 (6,7 %) 1705 (79,6 %) 284 (13,3 %) 9 (0,4 %) 2141

    Amostra 529 sujeitos 40 (7,6 %) 408 (7,1 %) 78 (14,7 %) 3 (0,6 %) 529

    Quadro 7 Condio profissional

    Professortitular

    de turma

    Professorde educao

    especial

    Professorde apoio

    educativo Outra Total

    Todos os participantes 1892 (88,4 %) 44 (2,1 %) 141 (6,6 %) 64 (3 %) 2141

    Amostra 529 sujeitos 471 (89 %) 8 (1,5 %) 27 (5,1 %) 23 (4,3 %) 529

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    Figura 1 Frequncia de cursos e conhecimentos sobre resultados do PISA (n = 529)

    Sim

    No

    40%

    60%

    6%

    94%

    Est actualmente a frequentaralgum curso graduadorelacionado com a leitura(e. g., curso de educaoespecial, didctica doPortugus, etc.)?

    Tem conhecimento dosrelatrios da OCDE (PISA)relativos ao desempenhodos alunos portuguesesna lngua materna?

    Procedimento

    Esta fase do projecto foi fundamentalmente desenvolvida atravs da plataforma

    web SurveyMonkey. Assim, os questionrios foram inseridos nesta plataforma,

    aps o que a equipa do projecto contactou por correio electrnico todos os

    agrupamentos de escolas do pas referenciados nas bases de dados do Ministrio

    da Educao e Cincia, pedindo a colaborao no preenchimento dos ques-

    tionrios. Alm disso foram realizados inmeros contactos individuais e por

    escolas de todo o pas, precisamente com o mesmo objectivo. Os question-

    rios estiveram acedveis durante 18 meses (de Setembro de 2011 at final de

    Fevereiro de 2013). Os 529 questionrios totalmente preenchidos representam

    24,4 % do total de respostas obtidas (2164). Como se disse acima, o acesso aos

    questionrios foi encerrado quando foi alcanada a percentagem de 1,6 % do

    total de professores do 1. Ciclo do pas (33 044), com representatividade por

    rea geogrfica e com controlo do ano de escolaridade. Apenas um pequenonmero de questionrios (no mais do que 5 %) foi preenchido em papel.

    Resultados

    Dada a sua extenso, os resultados sero apresentados em diversas seces.

    Em cada uma dessas seces sero igualmente apresentados os instrumentos

    ou questionrios de avaliao utilizados na recolha dos dados.

    Naprimeira secoconstaro os resultados relativos:

    a) percepo dos participantes quanto aos conhecimentos que possuem

    de grandes modelos e mtodos de ensino da leitura.

    b) Aos factores e situaes (e. g.,formao inicial, aprendizagens realiza-

    das com colegas) que, no entender dos participantes, mais influenciaram

    a sua actual forma de ensinar.

    c) percepo de conhecimentos dos participantes nas reas da instru-

    o da conscincia fonmica/instruo fnica, da instruo da fluncia/

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    /vocabulrio/compreenso e de avaliao/interveno com sujeitos com

    dificuldades na leitura.

    Na segunda seco, sero apresentados os resultados relativos aos conheci-

    mentos disciplinares efectivos dos participantes na rea do ensino da leitura.

    Na terceira secosero apresentados os resultados de um estudo compa-

    rado entre os participantes no nosso estudo e professores primrios americanosdos Estados de Nova Jrsia, Connecticut e Colorado, nas reas da percepo

    de conhecimentos para o ensino da leitura e dos conhecimentos efectivos

    para o ensino da leitura.

    Na quartaseco, sero apresentados os resultados relativos s actividades

    que os participantes pensam que devem ser tipicamente realizadas num bloco

    de duas horas de Lngua Portuguesa.

    Seco 1 Percepes dos participantes relativamentea conhecimentos sobre modelos e mtodos de ensino da leitura

    Instrumento

    As percepes de conhecimentos dos participantes nesta rea foram avaliadas

    atravs de uma simples questo directa: Por favor, assinale, de entre os pro-

    gramas/mtodos/movimentos/modelos seguintes, aqueles que conhece. Se tem

    experincia na utilizao de algum(uns) deles, assinale-o por favor. As respostas

    so fornecidas numa escala do tipo Likert com trs pontos: (1) conheo, (2) des-

    conheo e (3) tenho experincia. Esta ltima alternativa implica naturalmente

    que quem considera ter experincia de um determinado tambm o conhece.

    Resultados

    Quadro 8 Conhecimento percebido de programas/mtodos/modelos de ensino

    Conheo Desconheo Tenho experincia

    Mtodo das 28 palavras 78,1 % (413) 3,6 % (19) 40,6 % (215)

    Mtodo Joo de Deus 66,4 % (351) 31,2 % (165) 5,5 % (29)

    Jean qui rit 46,5 % (246) 47,4 % (251) 11,3 % (60)

    Movimento da Escola Moderna 66,5 % (352) 27,6 % (146) 13,8 % (73)

    Ensino recproco (pelos pares) 38,0 % (201) 56,5 % (299) 11,2 % (59)

    Mtodos globais 76,7 % (406) 4,2 % (22) 41,2 % (218)

    Mtodos analtico-sintticos 58,0 % (307) 3,6 % (19) 71,3 % (377)

    Mtodos sintticos 67,5 % (357) 13,8 % (73) 30,6 % (162)

    Pedagogia Paulo Freire 45,4 % (240) 52,0 % (275) 6,4 % (34)

    Tcnicas Freinet 48,6 % (257) 49,0 % (259) 5,5 % (29)

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    O que ressalta do quadro 8 que os mtodos denominados analtico-

    -sintticos (no se trata de um nico mtodo, mas de um conjunto de mtodos

    que, na literatura anglo-saxnica, recebem a denominao dephonics), que na

    essncia so mtodos sintticos, so claramente os mais utilizados. Se a estes

    acrescentarmos os mtodos sintticos puros (referidos por 30 % das partici-

    pantes), poderemos afirmar que este grupo de mtodos esmagadoramentemaioritrio nas referncias dos participantes. Contudo, deve realar-se que

    40 % dos participantes referem ter experincia do Mtodo das 28 Palavras e

    78 % afirmam conhec-lo, o que sugere que se trata de uma metodologia com

    uma aceitao significativa.

    O mtodo das 28 palavras habitualmente definido pelos seus utilizadores

    como um mtodo global, j que atende predisposio natural da criana

    em reter o global (Craveiro, Figueiredo e Dias, 2003, p. 3). Esta categorizao

    justifica-se pelo facto de neste mtodo o ponto de partida ser a palavra (e. g.,

    menina, menino, sapato, bota, uva). As primeiras cinco palavras so apresen-tadas como um todo (idem,p. 3) aps o que so analisadas e decompostas,

    permitindo a formao de novas palavras. No entanto, clara desde muito cedo

    a utilizao de estratgias de identificao fonmica que resultam do ensino

    de palavras ou slabas em que varia apenas um fonema. Este facto sugere que

    este mtodo, tal como diversos outros mtodos denominados globais, so sim-

    plesmente mtodos fnicos por outros meios. O que parece ser inevitvel, dado

    o facto de a escrita alfabtica portuguesa assentar na relao grafofonmica.

    Os restantes mtodos e movimentos so pouco referidos. Esto neste

    caso o Jean qui rit (mtodo sinttico muito estruturado e sistemtico),o Movimento da Escola Moderna (cuja metodologia de ensino da leitura

    fundamental