DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 2013-08-05 · Tornar-se desusado ou inútil1....
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1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A PSICOMOTRICIDADE NA TERCEIRA IDADE COMO UMA
INFLUÊNCIA NUM CONTEXTO SOCIAL - FAMILIAR
Por: Márcia Coelho Silva dos Santos
Orientador:
Profª.Me.: Fátima Alves
Rio de Janeiro
2013
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
AVM FACULDADE INTEGRADA
A PSICOMOTRICIDADE NA TERCEIRA IDADE COMO UMA
INFLUÊNCIA NUM CONTEXTO SOCIAL - FAMILIAR
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada
como requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Psicomotricidade.
Por: Márcia Coelho Silva dos Santos
3
AGRADECIMENTOS
A Deus por ser meu melhor amigo;
Ao meu marido e ao meu filho por
estarem sempre comigo em todos os
momentos da minha vida sendo
parceiros, cúmplices e auxiliadores;
À minha amiga Aline por estar
presente sempre nas horas que mais
preciso
À minha orientadora que me permitiu
crescer intelectualmente e orientou
meus passos para que chegasse até
aqui.
4
DEDICATÓRIA
Dedico essa monografia ao meu marido e
ao meu filho que sempre estiveram
comigo em todos os momentos mais
importantes da minha vida, caminhando e
me ajudando a superar as diversidades
da vida. Obrigada por vocês existirem na
minha vida.
5
RESUMO
Este trabalho monográfico baseia-se no tema a Importância da
Psicomotricidade na Terceira Idade, relacionando numa visão e expectativas
que o idoso terá nesta fase, algumas de suas complexidades dentro do seu
funcionamento vivencial. Leva-se em conta também o contexto sociocultural,
familiar e econômico que o indivíduo está inserido. Há também concepções do
envelhecimento de ordem normal e patológico. No segundo capítulo reporta-se
numa qualidade de vida, consistindo nas suas funções preservadas e
estimuladas. No Terceiro capítulo conclui a Psicomotricidade sendo essencial
na apreensão dos aspectos na terceira Idade. Na Conclusão traz o
envelhecimento numa articulação abordando uma construção na especificidade
da experiência correlacionando com a Psicomotricidade.
6
METODOLOGIA
Mostrando na mediação deste trabalho, a pesquisa será bibliográfica
onde a fonte das informações obtidas, está fundamentada num estudo,
referenciando na aplicabilidade como agente facilitador no contexto sociológico,
familiar no qual pesquisador e pesquisados e teóricos como: Fátima Alves,
Vanessa Coutinho, Mariuza Lima Velloso, Lacilda G. Velasco, Vitor da
Fonseca, Anthony Seeger, M.S. Vargas, Philippe Aries, Ajuriaguerra,
Zimerman, Papaléo Netto, A Neri, M.T Silveira, Lúcia Barreto e outros citados
na bibliografia, colocam de maneira objetiva, conceituação, estudos,
mecanismos, que servem e podem ser assimilados a outros dispositivos, e
também reelaborados, aperfeiçoados; possibilitando informações a elevar
novos potenciais norteando um percurso, uma história no desenvolvimento.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 08
CAPÍTULO I 10
O QUE É ENVELHECER .....................................................................
CAPÍTULO II 25
MELHORANDO O CORPO DO IDOSO ...............................................
CAPÍTULO III 39
PSICOMOTRICIDADE .........................................................................
CONCLUSÃO........................................................................................ 50
BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 52
ÍNDICE ................................................................................................. 57
N.
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho é algo do desejo de conhecer mais sobre a terceira idade.
Surgiu como tema para o presente estudo em despertar de uma experiência
familiar e profissional, visto a necessidade de aprofundar, conhecer,
compreender o contexto nesta etapa de vida.
Portanto, viver uma velhice saudável e prazerosa dependerá não
somente do próprio sujeito, mas também do contexto sociocultural, econômico,
familiar e político no qual estará inserido. Através deste trabalho, percebi que
atualmente a história do indivíduo requer mais uma valorização e uma
preocupação, pois acredita-se que está diretamente relacionada no seu
processo de envelhecimento.
Envelhecer implica em algo que é associado à idade cronológica e
biológica, requer uma subjetividade, pois há “velhos” de 20 anos e jovens de 80
anos. Envelhecer implica a reinvenção criativa de si próprio e na busca de
novas fontes de satisfação. A velhice é um estado de espírito, mesmo se a
velocidade do processo de envelhecimento em cada organismos da espécie
humana procede de maneira específica.
Este estudo tem como finalidade ampliar uma possibilidade de
confrontação das diferentes experiências de envelhecimento umas com as
outras para uma tentativa de identificar as recorrências e as discrepâncias, de
modo que possamos apontar alguns fatores para as variáveis que forem
discorridas. Vejamos também questões em que o idoso reflete para a família,
sociedade, a si mesmo, seu valor, comportamento, e suas formas de convívio
com o grupo. Dentro de algumas variáveis, podemos destacar atitudes e
comportamentos; como por exemplo, se por vier vivemos em uma sociedade
em que o mito da juventude se impõe vigoramente de acordo com os padrões
vigentes, o modelo ideal é o de um corpo jovem, belo e esbelto. Na realidade
contemporânea, principalmente no Brasil, o corpo é considerado “um capital
9
simbólico, um capital econômico e um capital social”. É evidente que esse
modelo não se aplica aos que expressam, fisicamente, em seu corpo, as
inevitáveis marcas do tempo e que, em consequência, passam a ser
desvalorizados nesta sociedade.
No primeiro capítulo será abordado o conceito envelhecimento na sua
significação num processo de construção ser, do que é criado, ganhos, perdas
etc. salientando o indivíduo ao fornecimento de bagagens em suas vivências.
No segundo capítulo, apresenta diversas concepções de envelhecimento com
o trabalho de estimulação nos aspectos: Físico, psicológico e social, elevando
numa melhor qualidade de vida, buscando a satisfação nas realizações
cotidianas, ampliando e influenciando nas questões internas e externas.
No terceiro capítulo traz a importância da Psicomotricidade na fase do
envelhecimento demonstrando procedimentos possíveis e viáveis para
trabalhar questões pertinentes em virtude do próprio envelhecimento,
estimulando a autonomia, independência sendo algo essencial.
Na conclusão vemos que o envelhecer é um processo natural do ser
humano, mas apesar das dificuldades de adaptação que o idoso pode
enfrentar, a velhice não é para o indivíduo não necessariamente significa uma
perda, mas também, a possibilidade de poder continuar desenvolvendo sua
personalidade, aprender ou reaprender de conformidade com sua vivência.
10
CAPÍTULO I
O QUE É ENVELHECER
De modo geral. O termo envelhecer ganha diversos sentidos em nossa
vida cotidiana. Para uma melhor compreensão, vejamos o que significa
envelhecer. Pelo vocabulário da língua portuguesa podemos averiguar algumas
concepções culturais que estão envolvidos na palavra envelhecer. No
dicionário Aurélio envelhecer tem os seguintes significados: “Tornar velho. 2.
Tornar-se velho. 3. Parecer velho. 4. Perder a frescura, o viço. 5. Durar muito
tempo. 6. Tornar-se desusado ou inútil1.”
Os significados dos itens 1 e 2 como vemos que são muito semelhantes,
o que muda seria o foco da atenção: aquele que fala vivencia a ação ou aquele
que é observado, o outro, transmite essa mudança fenomenológica. De
qualquer maneira há um movimento de ação com o verbo “tornar”. Portanto,
envelhecer e velho estão diferenciados pela ação verbal do primeiro e a
presença aparentemente estática do segundo. Os itens 3 e 4 mostram os
significados de perda, de deixar de ser novo, de deixar de ser agradável
visualmente, de deixar de ser novo, de deixar de ser agradável visualmente, de
deixar de ser belo. Simone de Beauvoir em seu livro A Velhice fala de uma
aldeia estudada por Levi-Strauss, “onde esta tribo tinha uma única palavra para
se referir ao velho e ao feio ao mesmo tempo2”. No entanto, para deixar de ser
é necessário a existência de um antes ter sido/recebido/construído/criado o que
se perde. O envelhecer pode ser considerado uma continuidade de perdas,
mas para perdê-las é necessário reconhecer que de algum modo as ganhou
em um tempo anterior. No item 5 não se observa um significado qualitativo por
si mesmo, mas se levarmos este item ao atual contexto social brasileiro, o
nosso cidadão envelhecido correria o risco de ser questionado na sua utilidade
após uma existência tão longa, assim como é deixado claro no item, como
também a relação do tempo e o desmerecimento do que envelhece.
1 FERREIRA, A. B. de H. (1986) p. 668 2 BEAUVOIR, S. (1990)
11
Na concepção mais usual, o envelhecimento é observado como um
determinado espaço de tempo no desenvolvimento do indivíduo, o que o leva à
última etapa da vida, espaço esse que envolve da idade adulta em diante e não
inclui necessariamente as demais fazes anteriores (a infância e a
adolescência).
O Instituto de Investigações Científicas Hans Selye (México) confirma
esse ponto de vista quando afirma que: O envelhecimento é uma pedra
progressiva da energia de adaptação do indivíduo ao meio, que termina
inexoravelmente com a morte3.
Conceito esse estritamente ligado ao metabolismo do corpo humano.
Já H. S. Vargas, autor do livro Psicologia do Envelhecimento, abre um
pouco mais o leque. Ele coloca mais aspectos na concepção do envelhecer
além da referência orgânica, quando observa que: “O envelhecimento é um
fenômeno biopsicossocial que atinge o homem e sua existência na
sociedade4.”
Para deixar claro a concepção do envelhecimento, o autor vê a
necessidade de diferenciar o envelhecimento e a velhice.
(...) “assim, velhice e envelhecimento não são termos
sinônimos, pois ambos possuem caraterísticas diferentes. A
velhice na qualidade de fenômeno personalíssimo, variável no
tempo e espaço, e produto de fatores exógenos e endógenos.
O envelhecimento, como processo biopsíquico de degeneração
orgânica, também é resultante do contexto social”.5
Portanto, a velhice seria uma etapa particular de todo um processo que
envolve o envelhecimento. Não seria ousado dizer que o envelhecer é uma
ação contínua e a velhice um estado, apesar de nenhuma das instâncias
poderem fugir do contexto social.
3 VARGAS, H. S. (1985) p. 21 4 IBIDEM, p. 20 5 IBIDEM, p. 17
12
No artigo Pensando nas perdas e aquisição do envelhecer: O trabalho
psíquico, Julieta Sathler e Lígia Py dizem que:
(...) “o envelhecimento é vitalício. Não começa num tempo
específico tal como aos 60 ou 70 anos. Ao invés disso é um
processo cujo início se dá no momento mesmo do primeiro
grito de vida do ser humano”.6
Ou ainda, a concepção de Beauvoir, onde o envelhecimento:
“Tem uma dimensão existencial, como todas as situações
humanas: modifica a relação do homem com o tempo, seu
relacionamento com o mundo e com a sua própria história.”7
Vemos duas concepções onde envelhecer tem uma continuidade. O
envelhecer está ligado a trajetória de vida que exige um percurso, uma história,
não acontecendo de um momento extraordinário para um outro. Uma
sequencia que gera as suas consequências.
Vargas saliente que “o envelhecimento parece um termo sinônimo de
desenvolvimento e involução”8. O desenvolvimento, por causa do aumento da
sua bagagem de experiências fornece ao indivíduo a oportunidade de
informações que são assimiladas, reelaboradas e talvez aperfeiçoadas,
possibilitando ativar os seus potenciais. A involução se deve pela
irreversibilidade biológica, pois observa-se que no auge da maturidade do
indivíduo e na emergência de desfrutar o melhor de sua capacidade psíquica e
social, este se vê abandonado gradativamente de sua energia vital,
degenerado pela involução física. Este paradoxo parece um jogo, onde quem
ganha não necessariamente é o mais inteligente ou esperto, mas quem brinca
de sincronizar o desenvolvimento existencial com o seu corpo que o limita
gradativamente.
6 SATHLER, J. & PY, L. (1994) p. 15 7 VARGAS, H. S. (1985) p. 20 8 IBID., p. 21
13
O interesse pelo processo de envelhecer não é algo novo, existem
especulações sobre o tema desde a antiguidade. A degeneração era vista já na
Antiguidade como algo assustador. Na Grécia Antiga dois mitos destacam o
assunto e abordam a velhice de uma maneira bastante peculiar embora
semelhante. O primeiro diz respeito a Titono e a Aurora do dia. A Aurora, que
sempre aparecia após o fim da noite para anunciar o retorno do sol, recebeu
uma maldição de Vênus. Segundo o encanto, Aurora ficaria irrequieta,
buscando em cada mortal a satisfação dos seus desejos até que o vigor da
juventude o deixasse o que faria com que ela procurasse um amante após o
outro. Depois de abandonar diversos amantes e temendo perder a paixão por
Titono, Aurora decide escondê-lo na Etiópia e pedir a imortalidade do
companheiro a Júpiter. Imprudente Aurora esquece de incluir no seu pedido a
eterna juventude. Com o passar dos anos Titono envelhece:
(...) “a face está agora enrugada, apática, sombria. Os olhos
parecem não fitar mais nenhum ponto no espaço. O corpo não
se move. Nem consegue alimentar-se. Titono é apenas
cansaço, imenso, penoso, cansaço. Senil, inútil, ele acaba
encerrado em um cesto de vime, e invoca a morte ao mesmo
Deus que o tornara, desgraçadamente, imortal”.9
O contraste entre a imortalidade e a juventude não se limita à ironia da
situação, e acaba por enfatizar todo peso depreciativo da concepção de
envelhecimento que dela tem a mitologia grega.
O outro mito nos fala de Sibila e seu desejo de conquistar uma longa
vida. Apolo, encantado com a beleza de Sibila e interessado em conquista-la,
realizou o seu desejo de imortalidade. No entanto, exigiu que ela se entregasse
a ele em troca sua eterna juventude. Despreocupada com sua beleza e
juventude, Sibila, negligenciou seu natural envelhecimento e o consecutivo
penar de sua imortalidade. Com o decorrer do tempo seu envelhecimento
estava preso à tão desejada vida eterna. Angustiada nada mais lhe restava
senão desejar morrer. 9 CASTRO, C. de. (1976) p. 301
14
E ambos os mitos a velhice está envolvida em um sofrimento atroz. O
pensamento grego, ainda muito forte na filosofia ocidental, valoriza a juventude
e nega qualquer valor do envelhecimento. O envelhecimento leva a morte e é
por causa dela que envolve o sentido da vida humana, negá-la é estar
envolvido em uma existência vazia, que somente os deuses suportam. Os dias
numa vida eterna estão envolvidos numa mesma enfadonha sequencia que
independentemente do que se faça serão sempre iguais. Em contrapartida,
estar eternamente jovem flui como se não houvesse meios de reter as marcar.
Corpo e mente não teriam envolvimento com o tempo. Para cada marca do
corpo está unida a uma história, cada vinco ou ruga tem guardado consigo uma
trajetória de vida, mas querer viver imaculado é negar a vida. Uma fita cassete
virgem não trás canções para ouvir, não tem o que contar, não faz sentir.
A importância que hoje damos ao tempo cronológico e à expectativa de
vida tem sua origem provavelmente nas reformas religiosas e civis no século
XVI, onde os documentos passaram os documentos passaram a ser
observados com um maior rigor, especialmente no que se refere às suas
referências e datas. “Inicialmente, foram as classes mais abastadas que
tiveram esses dados apurados, o que foi gradativamente estendido às demais
classes”10. A idade cronológica recebe uma atenção que até então não existia,
Ariès aponta que tanto a infância como a velhice eram aspectos que não
estavam demarcados como se observa atualmente. As fases do
desenvolvimento que conhecemos, pontuadas pelo fator cronológico, têm as
suas raízes nos aspectos culturais, em especial na tradição ocidental. Como
exemplo a escola inicialmente era um espaço para aqueles que iam se
alfabetizar, crianças, adultos e velhos participavam de uma mesma sala de
aula. Simone Guedes sobre esse assunto comenta que existem sociedades em
que:
“(...) a idade não é um critério diferenciador determinante, em
termos de sua estrutura social, privilegiando-se outros fatores
e, no outro extremo, há aquelas que se estruturam a partir de
10 ARIÈS, P. (1978)
15
“classes de idade”, isto é, recortam o curso da vida humana em
fases ou etapas de grupos de pessoas que vão percorrendo
juntos, ocupando também posições específicas em cada etapa
cujo o conjunto fornece o quadro organizativo mais da
sociedade.”11
Na sociedade ocidental encontram-se duas formas de registro temporal,
a cronológica pontualmente padronizada pelo calendário anual e as “Classes
de Idade” ou “Ritos de Passagens” menos evidentes se comparados às demais
sociedades que não vivenciam a filosofia ocidental/industrial12. Encontra-se
uma mescla entre as duas temporalidades, pois as passagens ritualizadas
podem estar marcadas através da cronologia etária. Lahud Guedes descreve
sobre a categoria etária, ela poderá ser vista por um conjunto de ritos ou uma
trajetória humana com prescrição subliminares. O que pode ser observado é
que a noção de tempo não é universal entre as diversas sociedades, cada
sociedade transmite o seu tempo e os seus efeitos de forma peculiar. Um
exemplo dessa diferença do tempo está na contagem etária dos Suyá, um
grupo indígena brasileiro do Alto Xingu, onde se observa sete classes de idade
que se dividem em:
1ª) do nascimento até andar;
2ª) andar até os primeiros sinais de puberdade;
3ª) começo da puberdade até entrar na casa dos homens (fase exclusiva
masculina);
4ª) entrada na casa dos homens até o nascimento do primeiro filho;
5ª) de um filho para muitos filhos;
6ª) de muitos filhos a muitos netos;
7ª) de muitos netos;
11 LAHUD Guedes, S. (1994) p. 22 12 VAN Gennep, A. (1978)
16
“A última fase é vista por essa tribo como ideal do homem adulto,
desempenhando um papel importante na vida pública e cerimonial da aldeia.”13
Guedes destaca que na entrada da última etapa cronológica, fase respeitada e
admirada por toda a tribo, recebem um nome especial: wikényi. Mas
desdobrando esse comentário pelo próprio Seeger em seu trabalho sobre o
idoso nas tribos indígenas, ele relata que os suyá observam algumas
características de atitudes e comportamentos que esperam das pessoas que
se encontram na fase wikényi: que sejam brincalhões e alegres mesmo que
nas fases anteriores não houvesse tal comportamento. Nesta fase estes
passam a depender dos mais novos no que refere à sua alimentação. É
relevante comentar que a comida e a forma de consegui-la, no caso através da
caça, demonstram independência e autonomia perante a tribo. O humor do
wikényi caracteriza a ambiguidade das relações: quanto maior a dependência
maior é a utilização das atitudes das peculiares a sua fase. O ato de receber o
alimento estará vinculado ao seu novo papel de fazer rir, o que em muitos
casos se apresenta de maneira muito diferente entre os homens e as mulheres.
Segundo Anthony Seeger:
(...) as mulheres velhas normalmente não se tornam tão
dependentes quanto os homens velhos. Estão intimamente
envolvidas nas atividades domésticas de suas filhas e ainda
podem executar muitas das tarefas em ritmo mais lento. Talvez
em parte por essa razão as mulheres velhas sejam menos
propensas que os homens wikényi, que são mais dependentes,
a se engajar em brincadeiras humorísticas.14
O autor ainda argumenta que o status do velho varia muito de uma tribo
para outra na América do Sul.
13 SEEGER, A. (1980) 14 SEEGER, A. (1980) p. 74
17
1.1. Mudanças Biológicas
As mudanças biológicas são impressas e expressas no corpo, dando
sinais evidentes de envelhecimento.
Como Motta (op. Cit.) descreve, além do envelhecimento da pele, surge
a fadiga, a insônia, lapsos de memória e outras disfunções do organismo como
um alerta para a chegada da nova fase, que é um processo dinâmico,
progressivo e irreversível, ocorrendo de forma diferenciada em cada sujeito.
Este processo, apesar de se dar diferentemente em cada um de nós.
Deixa marcas verdadeiras e específicas que apontam para uma mudança do
organismo.
A aparência do corpo e do rosto é a primeira e mais dolorosa marca da
aproximação da velhice. Porém, esta mudança se dá continuamente, desde o
nascimento, sem que se perceba, até o momento em que nos comparamos aos
outros ou à nossa antiga imagem. E, então, a estranheza se instala em nós:
“(...) o tempo, em si, não produz efeitos biológicos. Os eventos
ocorrem no tempo, mas não devido à sua passagem. Os
eventos biológicos posteriores ao nascimento acontecem em
momentos diversos e em ritmos diferentes em cada um de nós
(...) Desta maneira, o processo de envelhecimento é
influenciado não apenas pela idade, mas, em grande medida,
pelo modo como indivíduo vive.”15
Os sintomas biológicos da velhice estarão relacionados com a qualidade
de vida de cada um: vida social, familiar, lazer, cuidados pessoais,
alimentação, trabalho, herança genética, elementos do meio ambiente, etc.
Muitas pessoas podem “ser velhas” aos 20 anos, num sentido pejorativo,
enquanto muitos idosos apresentam “uma saúde de criança” tanto mental
quanto física.
Estas pontuações a respeito da “idade de cada um” não devem iludir o
homem. Ao se aproximar da velhice o sujeito deve tomar maior conhecimento e 15 MOTTA, op. cit.: 107
18
respeito por seu corpo e aceitar que o organismo está enfraquecendo e
modificando, prevenindo-se e orientando-se sobre as possiblidades e
limitações que chegam com a idade.
Destacamos a seguir algumas mudanças biológicas que podem ocorrer
com o avanço da idade16 respeitando as diferenças individuais e o contexto
sociocultural e econômico da pessoa como já dissemos:
• Maior suscetibilidade a doença infecciosas e autoimunes;
• Redução do metabolismo: diabetes, tireoidíssimo...;
• Diminuição da resposta reflexa e da velocidade de condução;
• Diminuição da massa e aumento da gordura corporal;
• Alteração das funções cardiovasculares;
• Osteoporose, problemas respiratórios, alteração da pressão;
• Problemas digestivos, diminuição da produção de hormônios, diminuição
das funções renais, desidratação e hiperidratação, hipertrofia da bexiga,
hipertrofia prostática, retenção urinária, incontinência e infecção,
menopausa;
• Diminuição da elasticidade muscular e do tônus muscular;
• Variação na estatura, rugas, perda de pelos, embranquecimento do
cabelo, manchas;
• Alteração nos órgãos dos sentidos, como catarata, glaucoma, surdez,
etc.;
• Transtornos mentais, demência;
• Outros.
Ter cuidado para a boa manutenção do equilíbrio orgânico é
fundamental à um envelhecimento saudável. Práticas como uma boa
alimentação e hidratação, exercícios moderados, acompanhamento médico,
evitar drogas e bebidas alcóolicas, prevenir-se de acidentes, entre outros, são
essenciais à boa qualidade de vida e devem ser efetuadas durante toda a
existência do homem, sem, contudo descartar as influências ambientais. 16 MOTTA, op. cit. p. 115-122
19
1.2. Mudanças Psíquicas
Para o indivíduo viver bem a velhice vai depender de como este
perceber toda sua vida. Ou seja, de como se deram suas experiências,
vivências, conquistas, frustações, crenças, relações e também como ele
delimita os ganhos e perdas da velhice.
Se o indivíduo compreender a velhice como a continuidade de um
processo da sua vida, certamente estará mais bem preparado para lidar com
as mudanças desta fase do que aquele que a ignora.
O autocuidado, não só físico, mas também psíquico, é imprescindível
para uma boa qualidade de vida. A pessoa que se cuida provavelmente
preservará sua autoestima e autonomia, relacionando-se melhor com o mundo
e consigo mesmo.
Entretanto, as mudanças psicológicas não dependem apenas da própria
pessoa. O idoso precisa ser estimulado, respeitado e aceito socialmente. Ele
necessita ser tratado com valor e dignidade: “Os idosos que têm seus direitos
respeitos demonstram segurança independentemente dos degastes comuns ao
processo de envelhecimento.”17
Certamente que ocorrem mudanças na vida do idoso que deixam
marcas profundas, difíceis de recuperação. As perdas da velhice são
irreversíveis, mas podem ser assimiladas, se o sujeito possuir alicerces
seguros para se apoiar, como família, amigos e atividades de seu interesse.
Para o sujeito que chega na velhice, as perdas tornam-se uma constante
em sua vida (morte de entes queridos, aposentadoria, um casamento
interrompido, queda das relações sexuais, etc.). Aprender a lidar com elas é
um processo difícil e doloroso que deve se possível, ser acompanhado pela
família, por amigos e, se for o caso, especialistas, de forma a possibilitar ao
sujeito a elaboração dos lutos e aceitação das perdas.
17 DUARTE, S. G. (1998) p. 33
20
A sociedade tem uma influência decisiva na estrutura da vida do idoso.
Como afirma Duarte, 1998: “Os idosos ao sentirem-se aceitos socialmente são
otimistas e esperançosos em relação ao futuro.”18
As mudanças físicas e sociais ocorridas com o avanço da idade têm
repercussões emocionais. A metamorfose sofrida pelo corpo e o afastamento
ocorrência de distúrbios emocionais. O idoso pode experimentar sentimentos
como depressão, alteração do humor, tristeza, vazio, angústia, medo,
desamparo, ansiedade, insegurança, solidão, etc. Estes sentimentos podem
ainda ser agravados pelo fato de o sujeito entender o que ocorre. Deste modo
não pode dar sentido ao que é experenciado. Além do mais, não se sentirá
compreendido pelos que o rodeiam, o que agrava o quadro.
Não se pode afirmar que o sujeito que tem um suporte social fica livre
desses sentimentos, pois a maneira como cada um vivencia sua história irá
variar mesmo que a condição de vida seja semelhante.
É importante acrescentar que tais mudanças emocionais não incluem só
os fatores intrapsíquicos, elas também permeiam as relações com o mundo. O
idoso acaba por sentir-se isolado, solitário e incompreendido. As relações
familiares também podem ser abaladas profundamente, de acordo com as
possibilidades e crenças de cada família, assim como a vida afetivo/sexual com
o parceiro, já que a vergonha e o auto preconceito geralmente acompanham
estas mudanças, sentidas por eles com mais intensidade que em qualquer fase
da vida.
1.3. Envelhecendo
Segundo Simone Beauvoir (1990), a velhice é o destino de todo ser vivo
que não morre prematuramente. Não há como fugir deste destino que nos leva
lentamente a metamorfose pessoal, que finda com uma auto estranheza. O
envelhecimento não é um momento da vida, mas um processo desta que se
inicia com o nascimento e termina com a morte, mesmo quando não nos
damos conta disto. É um contínuo, uma extensão de toda uma vida durante a
18 DUARTE, S. G. (1996) p. 34
21
qual continua-se a experenciar, aprender, mudar, e não algo que está
nascendo em uma folha em branco. Beauvoir afirmar também que não
devemos vê-la como uma característica do sujeito, uma vez que passamos a
envelhecer assim que nascemos, e que para cada indivíduo este processo
esse dá em momentos e formas diferentes.
Duarte (1998), descreve o envelhecimento de forma parecida:
“A velhice pode ser compreendida como o resultado de um
processo, que começa na vida do embrião, do recém-nascido e
da criança. Trata-se de um sistema de um sistema instável no
qual em cada instante é necessário reconquistar o equilíbrio
perdido. Assim, em função de um certo tipo de mudança é que
vai se caracterizar o envelhecimento.”19
Fraiman (1995) completa este pensamento afirmando que:
“... a velhice é parte do desenvolvimento humano integral e não
uma predestinação ao fim. É o resultado dinâmico de um
processo global de uma vida, durante a qual o indivíduo se
modifica incessantemente.”20
Entretanto para a sociedade a velhice parece possuir um marco que irá
destacá-la como um novo momento na vida do indivíduo que estará modificada
para sempre. Ana Fraiman conclui que numa sociedade existe não apena um,
mas vários conceitos de idade, idade cronológicas, idade biológica, idade social
e a idade existencial e cada uma delas determina regras para considerar
alguém velho ou não:
“Por si só, a idade cronológica de um indivíduo nada nos revela
sobre a sua existência, personalidade, produtividade, energia
vital. A pessoa é muito mais do que a simples expressão de
suas atuais condições físicas e de saúde, uma vez que a 19 DUARTE, (1990) p. 20 20 FRAIMAN, Ana. (1995) p. 27
22
dimensão mental e experencial também age e se modifica a
cada instante.”21
Seguindo esta visão, a idade que possui maior destaque para considerar
alguém velho na nossa sociedade é a cronológica. Ou seja, um indivíduo é
considerado velho quando atinge uma determina idade cronológica – 60/65
anos – independentemente de suas diferenças biológicas, das experiências
que acumulou durante a vida ou das atuais condições físicas, psicológicas e
sociais. As demais “idades” não terão peso algum nesta imposição social de
considerar alguém velho para determinar coisas.
Já para Beauvoir (1990), a sociedade é ambígua quanto a velhice, pois
não a encara como uma fase nitidamente marcada. O momento em que
começa a velhice é mal definido variando de acordo com épocas e lugares.
Não existem ritos de passagem para a velhice dentro do indivíduo. O que
define um homem como idoso depende de como cada sociedade avalia as
experiências vividas pelos seus cidadãos – aposentadoria, perdas, capacidade
física, psicológica, biológica, intelectual – pois nem todas dão maior
importância à idade cronológica.
Para a sociedade de consumo o grupo de idosos passa a ser bastante
proveitoso, já que os ganhos em torno desses indivíduos tornam-se cada vez
maiores: planos de saúde que cobram mensalidades altíssimas, quanto mais
velho for o sujeito, indústrias farmacêuticas que lucram demasiadamente com
este grupo, revistas, programas, lazer voltados para as pessoas da terceira e
quarta idade, etc. Tudo com o intuito de ganhar às custas do idoso. Muito
pouco se faz para o velho que não possui recursos financeiros, e que acaba
por viver uma velhice marginalizada, sem direito à saúde, alimentação,
moradia, cultura, etc.
De acordo com as afirmações de Beauvoir (1990), a velhice parece ser
uma decorrência da vida difícil de se aceitar. Enquanto ela estiver sendo vista
como muito distante do presente, o homem não a experimenta como algo
21 FRAIMAN, Ana. (1995) p. 21
23
inerente ao seu progresso de vida, resistindo a se assumir como este ser total
tendendo a interromper o processo, imaginariamente, na idade madura.
Planejamos a vida e almejamos coisas dela (casamento, filhos, uma
profissão, bens materiais, etc.), como se o nosso tempo se esgotasse aos 40
ou no máximo aos 50 anos. A grande maioria das pessoas não pensa e não faz
planos para a velhice. Enfim, é como se envelhecer fizesse parte apenas da
vida dos outros.
Desconhecer a velhice como parte da complexidade humana pode levar
ao sofrimento. Ao envelhecermos conservamos os mesmos sentimentos de
quando jovens, os mesmos desejos, as mesmas características. Não mudamos
de um dia para o outro, ao contrário, parece que ficamos mais conscientes de
nos mesmos. Os jovens que nada sabem sobre a velhice, tentam ditar como os
velhos “devem” se comportar, se expressar, sentir, como se houvesse um
modo distinto e cristalizado para se experenciar a velhice (Beauvoir, op. cit.)22
Esta visão distorcida que se tem desta etapa da vida parece ser mais uma
tentativa de camuflar os sentimentos que ela nos desperta. As pessoas negam-
se a olharem o envelhecimento em sua tonalidade. Há uma recusa em se
reconhecer no velho que seremos um dia.
“Diante da imagem que os velhos nos propõem de nosso
futuro, permanecem incrédulos; uma voz dentro de nós
murmura absurdamente que aquilo não vai acontecer
conosco... a velhice é uma coisa que só concerne aos outros.
Assim, pode-se compreender que a sociedade consiga impedir-
nos de ver nos velhos nossos semelhantes... não sabemos
quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquele velho,
aquela velha, reconhecemo-nos neles. Isso é necessário, se
quisermos assumir em sua totalidade nossa condição humana.” 23
Motta (1999) descreve o envelhecimento da seguinte maneira:
22 BEAUVOIR, op. cit 23 BEAUVOIR. (1990) p. 12
24
“O envelhecimento pode ser definido como uma série de
modificações morfológicas, psicológicas, funcionais e
bioquímicas que ocorrem, com o passar do tempo, nos seres
vivos. Ele se caracteriza pela perda progressiva da capacidade
de adaptação e de reserva do organismo diante das
mudanças... O envelhecimento é um fenômeno universal, que
afeta todos os indivíduos, órgãos e sistemas, porém, estas
modificações ocorrem de forma diversa entre os indivíduos e
os órgãos e sistemas de um próprio indivíduo. Esta perda de
função se inicia após o período de vitalidade máxima, isto é,
capacidade máxima individual de fazer frente às demandas
biológicas, por volta dos 30 anos.”24
A despeito de termos que entender a velhice dentro de um enfoque mais
cientifico, é importante lembrar que não há uma condição existencial única para
ser velho. O idoso é um indivíduo único que, como os demais, tem suas
singularidades. Não podemos classifica-los em uma categoria ou descrever
suas experiências universalizando-as, pois estas são infinitas. Temos que
tentar encontrar uma forma de compreender a velhice sem ficarmos limitados
pela ciência. É certo que os lados biológico e psicológico sofrem mudanças
marcantes nesta etapa, mas corremos o risco de depositarmos nestes lados
nossas expectativas negativas. Afinal, em todas as demais fases da vida
(infância, adolescência e idade madura) também ocorrem mudanças.
24 MOTTA (1999) p. 114
25
CAPÍTULO II
Melhorando o Corpo do Idoso
O corpo humano como o de qualquer ser vivo, nasce, cresce, chega ao
ápice da sua maturidade e depois envelhece gradativamente. O corpo é
transformado e moldado segundo a sua espécie seguindo as leis biológicas.
Entretanto, na espécie humana suas transformações são percebidas,
categorizadas e esperadas de diferentes formas pelo grupo (que o seu corpo é
revestido). Esse revestimento é o que dá sentido para o dono deste corpo se
reconhecer como sujeito. A sociedade invade e reveste com os seus símbolos
dando de presente um meio de se comunicar pela diversidade de linguagens
corporais (onde também está incluída a linguagem falada). O indivíduo-corpo
aprende a ser sujeito e pinça no mar de regras, mitos, significados e (porque
não?) palavras-chaves que serão profundamente (internalizados como) seus.
Os simbolismos escolhidos consciente e inconscientemente são os que farão
parte de suas instâncias mais íntimas e que determinar a sua singularidade.
Seu corpo terá marcas entrelaçadas de significados que não estarão presentes
em outros corpos, e este sentido sempre será despertado enquanto o outro
apontar as suas diferenças. Portanto, é pela cultura que o sujeito se descobre
sujeito e torna-se sujeito. A sociedade estípula regras e deveres, papéis e
roteiros aos corpos que se encontram nos grupos de seus semelhantes; serão
sacerdotes, guerreiros, advogados, mendigos, neuróticos, psicóticos e outros.
Os significados se entrelaçam com as características biológicas e sua
resolução estabelece as diferenças sexuais, etárias, étnicas, etc. Se tornam
atores previamente conceituados, previamente estabelecidos e com
comportamentos e expectativas próprias ao que se segue os seus papeis
sociais25. Ao sujeito e seu corpo cabe registrar os significados externos,
25 “Minha alma permaneceu jovem, a tal ponto que me parece sempre que o septuagenário que indubitavelmente sou é um papel que assumo; e as deficiências, as fraquezas que me lembram minha idade vêm, como se fossem um ponto de teatro, fazer-me lembra-la. (...) Então, como bom ator que quero ser., volto ao meu personagem e emprenho-me em representa-lo bem. BEAUVOIR, S. (1990) p. 363
26
receber os mitos do grupo e ainda, codifica-los. Alguns significados e regras
serão engolidos tal como foram recebidos. Outros serão triturados,
reelaborados, aglutinados e comparados com outras concepções propiciando
mitos particulares que também contribuem para a reciclagem e a vida dos
mitos externos/grupais.26
O envelhecimento, como processo de degeneração do organismo, é
vivido de diversas maneiras que dependem da época histórica, região, classe
social, religião e outras tantas vias do entrelace subjetivo. Esta interação dos
esquemas simbólicos e o processo biológico é que faz obter uma condição de
vida satisfatória ou não. Desta forma, Lahud Guedes nos diz que:
“desnaturalizar” a noção de velhice que os cientistas utilizam
nas suas concepções e nas suas práticas, pode ser uma chave
importante para a compreensão do modo através do qual os
processos físicos semelhantes são sentidos, vivenciados e, por
esta via, transformados, por pessoas de culturas diferentes. A
interação entre o esquema simbólico mais amplo e os
processos biológicos é capaz de operar alterações importantes
em processos tidos universais na espécie...”27
A influência dos simbolismos é extremamente forte no sujeito, podendo
limitá-lo ou favorecê-lo a desenvolver seus potenciais latentes/genéticos.
Quando os simbolismos sociais favorecem ao desenvolvimento dos potenciais
latentes eles tentem a abarcar o maior número possível de sujeitos para esse
propósito e atenuar seus emaranhados internos que dificultam uma ação
individual satisfatória. O contrário também ocorre: quanto maior os entraves
sociais para o movimento ativo de desenvolvimento individual, menores são as
chances que um número significativo de sujeitos têm de revelar as suas
potencialidades.
26 LÉVI-STRAUSS, C. (1985) 27 LAHUD, Guedes. S. (1994) p. 22
27
“Sempre quis aprender a ler e escrever, é meu maior sonho...
pode-se até viver sem isso, mas a que preço? Não é mesmo?
Só eu sei a vergonha... e a vontade de entender o que está na
carteira de trabalho então!” (G. 76 anos, em meio a discussões
sobre um possível curso de alfabetização para os participantes
dos grupos operativos)
A multiplicidade e a diversidade de possibilidades, que advêm da inter-
relação interno-externo, são os que marcam a experiência de vida e como
consequência e experiência de envelhecimento. Assim, vemos atores sociais
que recebem papeis de “velho”, que se deixaram levar pelos significados
autodestrutivos advindos de estereótipos da sociedade sem uma reavaliação
dessas concepções. Sem a busca de flexibilidade e novos projetos
encontramos grupos e indivíduos sendo seus próprios traidores para uma
melhoria de sua qualidade de vida. No grupo operativo alguns participantes
expressaram por alguns instantes esse exemplo, mesmo que por desabafo.
“A esperança está nos mais novos, da velhice só se espera
doença.” (A. 66 anos, 4 abr. 1996)
Eu até pensei que podia melhorar um pouco mais, mas meu
filho disse que estou velha para aprender a escrever mais
coisas do que já sei. Vai ver ele tá certo mesmo. É tempo
perdido..., a cabeça não pega mais não. Tá bom com o que sei.
(C. 72 anos, durante as discussões sobre quem gostaria de
participar do grupo de alfabetização).
O envelhecimento, como processo de vida é feito de perdas e
aquisições. Por si mesmo mostra-se como um paradoxo por se constituir a
partir de dois processos: a assimilação que constrói e desassimilação que
constrói. Tudo que está sendo impulsionado para vida tem sua contrapartida
para a morte. Nesta relação de perda e aquisição, Beauvoir afirma que:
28
Quando criança, eu ficava estupefata e até mesmo angustiada,
sempre que me dava conta de que um dia me transformaria em
gente grande. Mas o desejo de preservar a própria identidade é
geralmente compensado na juventude pelas consideráveis
vantagens do estatuto de adulto.28
Messy diz que o ego é formado por um depósito de camadas de
imagens investidas e os desaparecimentos de cada uma dessas camadas,
objetos investidos pelo sujeito, são crescente no decorrer da idade. Cada uma
delas (as perdas) traçam marcas no processo de envelhecimento. No decorrer
da vida, são encontrados numerosos vínculos rompidos, constantemente
privados dos objetos investidos. Contudo o vazio deixado é um estopim para a
busca de um outro objeto.
Uma perda não é sempre um término, muitas vezes engendra
uma aquisição. 29
Esse processo de perda e aquisição nem sempre tem um movimento
constante, pois cada perda é equivalente a uma ameaça do ressecamento do
imaginário. Perder seus objetos é perder os seus suportes.
O indivíduo, por ser mortal, é esburacado. Falta-lhe sempre
uma peça em sua vestimenta egóica, razão de seu desejo
incessante. Percorre seu caminho sob ameaça constante de
perder a vida, o que dá sentido a sua sexualidade, não para
satisfazer seus sentidos, mas para dar sentido a vida. 30
Para não sofrer há os que se limitam ao que dispõe, sem preencher as
lacunas, sem criar outros vínculos.31 Tornam-se velho, deixam de produzir no
28 BEAUVOIR, S. (1990) 29 MESSY, Jack. (1992) p. 16 30 MESSY, Jack. (1992) p. 17 31 “Dona M. perdeu o filho a pouco tempo e por causa disso perdeu o gosto pelas coisas, ficou esclerosada, coitada. Ela não fala coisa com coisa, fica vivendo das coisas do passado e vive como se
29
sentido mais amplo do termo. A lamentação e a angústia ficam resignadas por
si mesmas – um ciclo sem aprendizado, sem frutos.
O fantasma da velhice está estreitamente ligado à perda maior, a morte.
A sociedade atual apesar de ter estendido a expectativa de vida da população
de praticamente todos os países do mundo, não estendeu este aumento às
características simbólicas que ainda compreendem a terceira idade com uma
fase não ativa e desmotivada do desenvolvimento humano. uma etapa maior
na velhice se torna sinônimo de uma fase em que a espera da morte é longa e
lenta em vez de um engajamento na vida social. A falta de um importante papel
social para esta etapa do desenvolvimento significa limitar o velho a uma morte
ainda em vida.
Jack Messy coloca que todos somos o “velhos de alguém”, ou seja, o
outro lembra que não somos imortais e quando a sociedade se preocupa com
uma continua busca pela juventude eterna como característica comum, a morte
assusta e angustia.
De um ponto de vista histórico, com o desenvolvimento industrial,
algumas concepções filosóficas foram fortalecidas em detrimentos de outras. A
utilidade das coisas (assim como as pessoas) e a acumulação de bens tornam-
se requisitos ao espírito dessa sociedade. Cléa Bosi comenta que:
Um velho de uma classe favorecida defende-se pela
acumulação de bens. Suas propriedades o defendem da
desvalorização de sua pessoa.32
Com a industrialização e a produção em massa, o tempo passa a ser
registrado e planejado como em nenhum momento anterior. A palavra lucro
nesta nova sociedade tem um grande destaque, ela é determinada pela relação
entre a produção e seu tempo. O indivíduo desta sociedade é registrado ao
nascer, acorda em determinada hora, tem idade cronológica, mede tantos
metros e centímetros, pesa outros tantos quilos, calça e veste um certo
fosse aquela época mesmo.” (Comentário de uma participante do grupo operativo sobre uma conhecida que tinha cerca de 70 anos de idade.) 32 BOSE, Cléa. (1987) p. 36
30
número, tem um certo grau de instrução, tem um número de identidade, etc.
Ele torna-se encaixotado pelas suas medidas. Enfim, o tempo anuncia as
mudanças sociais e o crescente aumento das novidades tecnológicas. O
degaste do corpo físico é emparelhado ao seu tempo cronológico. O homem é
descrito pela sua utilidade ou inutilidade. A práxis tem o seu grande momento,
e assim o sentido da vida, nessa era estará vinculado ao que nela for praticado.
Nos grupos operativos observamos que a utilidade da pessoa idosa é o
que lhe dá um salvo-conduto para fazer parte do sistema social. Sistema esse
por vezes cruel quando o indivíduo incessantemente útil, deixa de ser por um
motivo ou outro e não consegue acompanhar o ritmo acelerado que movimenta
a nossa sociedade. Esta inutilidade (independente de explicações) é
comparada a algum tipo de invalidez. Aqui sentir inútil/velho se deve aos que
estão em volta, pois serão eles que lembrarão que suas atividades não trazem
uma produção rentável, geradora de bens.
Então, o que faz o Homem ser algo mais do que produz, frente aos
simbolismos da vida social que vive? O que poderia dar forças para que seu
papel velho-inutilidade não seja permanente? Como nos diz Leandro Konder:
“O homem, como ser objetivo sensível, é um ser que sofre,
sujeito a paixões dolorosas e por isso apaixonado. A paixão é a
força essencial do homem, ansiando energicamente por seu
objetivo.”33
A questão da aposentadoria esta envolvida nessa mutabilidade dos
papéis sociais. O homem atual passa a maior parte da sua vida em empresas e
atividades que envolvem a maior parte do seu dia a dia na produção de bens.
As modificações que podem ocorrer com o sujeito que se afasta do meio
produtivo sem uma reavaliação e outras atividades podem ser catastróficas.
Como nos diz Lúcia Helena França, em seu artigo sobre a preparação para a
aposentadoria nas empresas:
33 KONDER, Leandro. (1992) p. 108. “A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la transformando-se a si mesmo.” KONDER, Leandro. (1992) p. 115
31
Há um estudo realizado pela Associação Internacional de
Pilotos de Avião em que foi constatado que 70% dos pilotos
que se aposentam vieram a falecer num período de 5 anos
após a aposentadoria.
As pessoas não morrem de aposentadoria, no entanto as perdas
advindas dela podem favorecer a desmotivação da vida. A perda do status
produtivo e suas subsequentes perdas, como a perda dos relacionamentos
pessoais, das responsabilidades e da rotina entre outras, podem acarretar
depressão e ansiedade para muitos, devido à repentina mudança, e em muitos
casos à ociosidade. Perdas sem a consequente aquisição de agir, geram
angústias com relação a qual caminho e direção tomar. O sujeito que antes
tinha um certo ritmo de vida, de certa forma agora não tem mais um papel ativo
na sociedade. Esta mudança brusca, a qual nenhum momento ele parece ter
sido preparado34, muitas vezes é o motivo de diversas reações
psicossomáticas, como ulceras, depressões crônicas, enfartes, câncer,
suicídios.
A perda da autonomia física não é um fato certo no processo de
envelhecimento, mas também não deixa claro porque esse fato ocorre em
alguns e outros não apresentam deficiência motora e psicológica, o que acaba
sendo reconhecido como senilidade. A velhice, o processo de envelhecer e
todas as suas implicações são sobretudo um fenômeno social. Está claro que o
organismo e sua esperada degeneração durante o processo de vida é
determinada por fatores biológicos, mas o como se vive essa retração física e
sua relação cotidiana está no âmbito do psicossocial.
A sociedade limita ou permite que se amplie as expectativas de vida,
mas seja lá o tipo de restrição que orienta seus atores sociais, as escolhas, por
menores que sejam, ainda assim, dependerão da singularidade do sujeito.
34 Segundo BEAUVOIR, Simone. “Nada deveria ser mais esperado e, no entanto nada é mais imprevisto que a velhice”.
32
2.1. A Importância da Estimulação
“A estimulação é o melhor meio para minimizar os efeitos negativos do
envelhecimento e levar as pessoas a viverem em melhores condições.”35
Acredito que mais importante do que a quantidade de anos vividos é a
qualidade de vida é o bem estar que se usufrui ao envelhecer. A maneira,
talvez, mais eficaz de proporcionar condições que facilitem o idoso conquistar
esta qualidade de vida, quando necessário, é a estimulação. Encorajar,
instigar, animar são algumas das formas de estimular o indivíduo, pois, com o
avançar da idade, muitos idosos perdem a confiança, sentem-se mais
limitados, elaboram menos projetos de vida, enfim, acreditam que depois de
uma determinada idade só resta aguardar a morte.
O trabalho de estimulação deve compreender três aspectos: físico,
psicológico e social. Ainda que muitos idosos pensem que o exercício físico,
como uma leve caminhada de 30 minutos seja suficiente para se manter
saudável, sabe-se que só isto não basta. É necessário exercitar a mente. A
memória, a inteligência, a capacidade de aprendizagem, os relacionamentos,
os pensamentos, a autoestima também precisam ser trabalhados para que não
se percam, não declinem de forma mais rápida, visto que como tudo que se
deixa de praticar enrijecer e já na idade avançada, torna-se mais difícil resgatar
certas funções.
Zimerman acredita que estimular seja:
“Criar uma postura de busca constante, de realizar atividades, de
sentir-se alguém, para com isso, ser parte integrante e ativa de seu
grupo. É incentivar a busca de satisfação nas realizações do dia-a-
dia, a fim de ampliar o mundo interno e externo, tornando-se
satisfeito, ajustado, valorizado e integrado, para que não seja um
peso para si, para sua família e para a sociedade.”36
35 ZIMERMAN, G. I. (2000), p. 129 36 ZIMERMAN, G. I. (2000) p. 133
33
2.2. A Atividade Física
Cada vez mais vemos e ouvimos falar sobre a necessidade de se fazer
atividades físicas, principalmente o idoso. Porém, o tipo de atividade a ser
realizada deve observar cada organismo e o interesse de cada um.
Para Okuma, coordenadora do grupo de pesquisa em Educação Física
para idosos da Faculdade de Educação Física da Universidade de São Paulo,
não existe um procedimento fixo, predeterminado que atenda a toda a terceira
idade da mesma maneira. Cada idoso é diferente um do outro e por isso devem
ser considerados os pontos que são principais para cada um e, escolher qual
deve ser melhor atividade física para cada um.
De início o idoso precisa se conhecer, isto é, qual a sua capacidade
funcional nas atividades do dia-a-dia, por exemplo, como subir as escadas de
um ônibus, carregar panelas de pressão, arrumar camas, abaixar-se para ver o
forno, etc. Considerando todos esses e outros fatores, temos a atividade física
vindo como um forte aliado na melhora de sua capacidade para desempenhar
estas e outras tarefas.
A atividade física também funciona para o idoso como um importante
recurso para diminuir os efeitos degenerativos provocados pelo envelhecimento
dando-lhe a possibilidade de se ter uma qualidade de vida sendo esta, de
maneira mais ativa e dinâmica. Funciona ainda como um forte aliado no
controle de doenças crônico-degenerativas como diabetes, hipertensão e
osteoporose. Facilita as funções do aparelho locomotor, melhorando o seu
desempenho e, evitando como vimos anteriormente, que o mesmo se torne um
problema social para suas famílias devido a falta de locomoção tornando-se
assim, dependente e sem autonomia,
Vários autores tratam essa questão da qualidade de vida através da
atividade física, mas continuando com Okuma que nos diz:
(...)”O declínio linear natural das capacidades funcionais, que se inicia
ao redor dos 30 anos, pode ser substancialmente modificado pelo
exercício físico, pelo controle do peso e pela dieta. Evidências
demonstram que mais da metade do declínio da capacidade física
34
dos idosos é devida ao tédio, à inatividade e à expectativa de
enfermidade. Pesquisas sugerem que 50% do declínio,
frequentemente atribuído ao envelhecimento biológico, na realidade é
provocado pela atrofia por desuso, resultante da inatividade física que
caracteriza os países industrializados.”37
Várias alterações nas estruturas e funções fisiológicas resultantes da
idade ocorrem por conta da falta de atividade física. A atividade física ajuda
também a diminuir a taxa de morbidade e de mortalidade entre esse grupo.
Funciona como uma proteção para várias doenças principalmente as
cardiovasculares.
A atividade física é um importante agente na prevenção de doenças, é
importante essa atividade para a manutenção da capacidade funcional como
capacidade vascular cardiovascular, massa muscular, força muscular e
flexibilidade.
Para Astrand (1992), existe uma presente plasticidade e adaptabilidade
nas propriedades funcionais e/ou estruturais de células, tecidos e órgãos do
corpo humano, quando são submetidos a diversos estímulos.
2.3. A Importância da Família para o Idoso
Os laços familiares e afetivos parecem ganhar uma importância
crescente para os idosos, dependendo, naturalmente, das formas – muito
diversificadas – pelas quais estes se inserem em uma estrutura familiar em
pleno processo de transformação, como foi anteriormente visto.
No nosso grupo, muitos de nós optamos por uma união estável, já
ostentando a “ordem do Mico-leão” (conferida aos que estão casados com os
mesmos parceiros há 25, 40, 50 anos ou mais, e por isso considerado uma
“espécie em extinção”). Há também muitos que estão que estão vivendo a
segunda ou terceira união. Alguns assumem inclusive outras opções sexuais, e
o homossexualismo tanto masculino quanto feminino – implícito ou explícito –
vem aumentando. Muitas mulheres estão sós, sejam elas solteiras, viúvas ou
37 OKUMA. S. S. (1998) p. 52
35
separadas. Já com os homens, é curioso reparar que isso é menos frequente:
ao ficarem sozinhos imediatamente conseguem uma nova parceira.
Além disso, novas situações vêm colocando-se, ao partilhar experiências
com os filhos que, tendo passado pela “revolução sexual”, estão arcando com
suas consequências: têm filhos antes do casamento, casam-se separam-se e
casam-se novamente, voltam a viver com os pais, trazem os filhos do(a)
novo(a) namorado(a) etc. Muitos de nós assumem também, direta ou
indiretamente, a responsabilidade com os idosos da “quarta idade”. Ou seja,
convivemos com arranjos familiares muito diferenciados e, nesse contexto,
novos desafios se colocam.
Os que vivem sós podem dispor de uma grande liberdade mas em
muitos momentos têm de assumir a vida realmente sozinhos, o que nessa
etapa, não é fácil: precisam de mais energia. Ao mesmo tempo, muitos
conseguem criar redes de amizade diversificadas – incluindo ou não pessoas
da família – que são um suporte importante.
Já os que convivem com a própria família – mesmo que reduzida ao
casal – têm aí uma fonte inesgotável de riqueza, mas também de inevitáveis
conflitos, que necessitam ser administrados. Correm o risco de ser absorvidos
por suas exigências, limitando o espaço para o s projetos pessoais, ou, pelo
contrário, de viver decepções, quando a família não corresponde às suas
expectativas; por outro lado, podem contar com um apoio (potencialmente)
constante, a ser permanentemente descoberto e recriado.
Muitos se dedicam aos filhos e netos, inaugurando com estes últimos um
novo modelo de “ábuelazgo”: são relações mais próximas, menos formais, mais
marcadas pelo companheirismo e pelo diálogo, diferentes das que
caracterizavam os avós “tradicionais”. Além disso, frequentemente os avós
assumem mais o encargo de cuidar dos netos aliviando a tarefa dos pais –
sobretudo das mães – que, com uma vida profissional ativa e/ou novos
vínculos matrimoniais, têm menos tempo e/ou condições de ocupar-se das
crianças.
36
O primeiro sentimento é de susto: a consciência da própria velhice exige
o reconhecimento das limitações físicas e a necessidade de construir um novo
pensamento, para aceitar esses limites e encontrar formas de lidar com eles.
Umas das primeiras exigências é aprender a conviver com a perda de
energia física: como integrar uma cabeça 25 anos em um corpo de 70?
Aqui se coloca a necessidade de aprofundar conscientemente o
compromisso com a própria pessoa: tanto o corpo como a mente exigem,
nessa etapa, um nível maior de cuidado e atenção. Na realidade, para o nosso
grupo, socialmente privilegiado e que tem acesso a recursos médicos e
terapêuticos de todo tipo, isso já se coloca como uma prioridade, pelo menos
teoricamente (na prática, nem sempre temos a persistência e a disciplina para
cuidar-nos devidamente...). Mas esse cuidado se coloca como indispensável
porque as deficiências, pequenas ou grandes, vão se multiplicando: as
dificuldades se colocam no mesmo plano das batalhas diárias – como a perda
gradual de audição e da visão – e vão marcando, inexoravelmente, o cotidiano.
Essas situações podem inclusive gerar tensões emocionais, agudizando
os limites reais.
É então que a questão da autonomia coloca-se como uma meta a ser
conquistada; porque não se trata de algo que já está pronto e nos é dado, mas,
pelo contrário, de uma realidade mutável, cujos graus podem variar,
condicionada que é pelas deficiências – objetivas e/ou subjetivamente
percebidas – que estabelecem seus limites. Estes podem ir se estreitando, de
acordo com as circunstâncias, e, nesses momentos, é indispensável ter a
lucidez para perceber toda e qualquer brecha que possa garantir a autonomia
possível. Como dizia um cartaz de apoio a Barack Obama, em sua luta por
uma política de saúde mais ampla: “Yes, we still can...”.
Mas às vezes chega um momento em que temos que reconhecer que já
não podemos mais; e o grande desafio é saber aceitar a situação de
dependência.
Embora ninguém queira sentir-se uma carga para os outros, tanto física
como emocionalmente, é mister reconhecer que, em certas situações, vamos
precisar de ajuda. E nesses casos é fundamental ter a simplicidade – e a
37
humildade! – de saber aceitar a colaboração do outro. Isso pode implicar,
inclusive, dificuldades adicionais, já que nem sempre há coincidência entre o
que necessitamos e o que o outro pode nos oferecer; e, nesse caso, é preciso
um esforço suplementar...
As formas de perceber-se como o idoso são, evidentemente muito
diferenciadas, de acordo com o gênero, a inserção familiar, as condições de
saúde e mil outros fatores que condicionam a situação própria de cada um.
Mas tomar consciência da velhice implica, sobretudo, assumir a vida como um
processo. Nossa própria identidade está permanente (re)construção: vai se
modificando ao longo da vida, embora mantendo um eixo básico que define
nossa maneira de ser no mundo. O conhecimento que vamos adquirindo, por
meio das diversas etapas da vida, constitui um saber que se sedimenta e nos
indica formas de enfrentar os novos desafios, em um processo de constante
adaptação.
A vida familiar, para alguns, parece ser o caminho natural: além de se ter
orgulho da família, há também a esperança de que os descendentes poderão,
talvez, continuar a realizar os projetos de seus antecessores. Já para outros,
essa continuidade se encontra ameaçada, quando se percebe, hoje, a
dificuldade de dialogar com as gerações mais jovens, que se defrontam com
realidades muito diferentes. Os mais velhos não sabem bem como relacionar-
se com sua grande liberdade de pensamento e nem sempre se sentem aptos a
preparar os filhos para enfrentar esta nova sociedade, competitiva, dura,
excludente e, ao mesmo tempo, em rápida transformação.
Diante de mudanças intergeracionais muito rápidas, o legado que
podemos transmitir – a partir de uma maior experiência e maturidade, de uma
acumulação de saberes e da construção de um sistema de valores – nem
sempre se adequa às condições que as novas gerações estão vivendo. Isso
não significa, entretanto, um abismo intransponível, embora as diferenças entre
as gerações nunca tenham sido tão acentuadas. As possibilidades de diálogo
são reais, embora mais difíceis; o que sim se exige hoje é um esforço maior,
com uma dimensão de respeito mútuo e de tolerância que – convenhamos –
nem sempre predomina, de um lado e de outro.
38
Nesse contexto, talvez o mais importante seja transmitir valores que
consideramos fundamentais: o respeito pela vida, a solidariedade, a dignidade
da pessoa humana, a igualdade, a liberdade. E isso se faz pelo diálogo e pela
prática, a partir de uma ética vivida no cotidiano, o que significa abrir-se a suas
possibilidades, mas também a suas (inevitáveis) limitações.
No outro extremo da vida, mais um desafio se coloca para os atuais sex
/ septuagenários: a dedicação e o cuidado com a “quarta idade”, o que pode
exigir muito. Embora as mudanças sejam extremamente rápidas – será que as
novas gerações ainda manterão esse padrão? – há (ainda!) filhos e filhas se
dedicando à mãe, ao sogro, à tia, sem saber, muitas vezes, como definir o
limite entre a gratuidade da doação e os sacrifícios mutiladores.
Entretanto, em toda essa problemática das relações familiares colocou-
se, para alguns de nós, um aspecto polêmico: até que ponto a família não se
transforma numa forma de derivação, ocupando o espaço de um compromisso
profissional, social e político.
39
CAPÍTULO III
PSICOMOTRICIDADE
A Psicomotricidade nada mais é do que se relacionar através da ação,
como um meio de tomada de consciência que une o corpo, o ser (mente),
espírito, natureza e o ser sociedade. Nesta abordagem não há dissociação
entre o corpo e a mente, ambos estão atrelados.
3.1 Conceito e breve histórico
Sendo assim, o termo Psicomotricidade surgiu no início do século XIX, a
partir do discurso médico neurológico. Com o desenvolvimento e as
descobertas da neurofisiologia, começou a verificar-se a existência de
diferentes disfunções graves sem que o cérebro fosse lesionado ou sem que a
lesão fosse nitidamente localizada. Portanto, as primeiras pesquisas que deram
origem ao campo psicomotor correspondem a um enfoque neurológico. Dessa
forma, o esquema clínico que determinava para cada sintoma e a sua
correspondente lesão focal, já não podia explicar alguns fenômenos
patológicos. Assim, pela necessidade médica de encontrar tais
correspondentes foi nomeada em 1870, a palavra psicomotricidade.38
A Psicomotricidade no Brasil foi norteada pela escola francesa. Durante
as primeiras décadas do século XX, época da primeira guerra mundial, quando
as mulheres adentraram firmemente no trabalho formal enquanto suas crianças
ficavam nas creches, a escola francesa também influenciou mundialmente a
psiquiatria infantil, a psicologia e a pedagogia. Em 1909, a figura de Dupré,
neuropsiquiatria, é de fundamental importância para o âmbito psicomotor, já
que é ele quem afirma a independência da debilidade motora, antecedente do
sintoma psicomotor, de um possível correlato neurológico. Neste período o
tônus axial começava a ser estudado por André Thomas e Saint-Anné
Dargassie. Em 1925, Henry Wallon, médico psicólogo, ocupa-se do movimento
38 ALVES, (2007); FALCÃO & BARRETO, (2009); FONSECA, (1995)
40
humano dando-lhe uma categoria como instrumento na construção do
psiquismo. Esta diferença permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à
emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo, e discursar sobre o
tônus e o relaxamento. Em 1935, Edouard Guilmain, neurologista, desenvolve
um exame psicomotor para fins de diagnóstico, de indicação da terapêutica e
de prognóstico. Em 1947, Julian de Ajuriaguerra, psiquiatra, redefine o conceito
de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias
particularidades. É ele quem delimita com clareza os transtornos psicomotores
que oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico. Ajuriaguerra aproveitou os
subsídios de Wallon em relação ao tônus ao estudar o diálogo tônico. A
relaxação psicotônica foi abordada por Giselle Soubiran.
“No Brasil, Antonio Branco Lefévre buscou junto as obras de
Ajuriaguerra e Ozeretski, influenciado por sua formação em
Paris, a organização da primeira escala de avaliação
neuromotora para crianças brasileiras. Dra. Helena Antipoff,
assistente de Claparéde, em Genebra, no Institut Jean-Jacques
Rosseau e auxiliar de Binet e Simon em Paris, da escola
experimental "La Maison de Paris", trouxe ao Brasil sua
experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do
interesse, derivada do conhecimento do sujeito sobre si
mesmo, como via de conquista social... Em 1972, a argentina,
Dra. Dalila de Costallat, estagiária do Dr. Ajuriaguerra e da Dra.
Soubiran em Paris, é convidada a falar em Brasília às
autoridades do Ministério da Educação, sobre seus trabalhos
em deficiência mental e inicia contatos e trocas permanentes
com a Dra. Antipoff no Brasil”.39
Com estas novas contribuições, a psicomotricidade diferencia-se de
outras disciplinas, adquirindo sua própria especificidade e autonomia. Na
década de 70, diferentes autores definem a psicomotricidade como uma
motricidade de relação, enquanto na mesma época, profissionais estrangeiros
39 ISPE-GAE, (2007)
41
convidados vinham ao Brasil para a formação de profissionais brasileiros. Em
1977 é fundado GAE, Grupo de Atividades Especializadas, que veio a
promover a partir de 1980 vários encontros nacionais e latino-americanos. O 1°
Encontro Nacional de Psicomotricidade foi realizado em 1979. O GAE é
responsável pela parte clínica e o ISPE, Instituto Superior de Psicomotricidade
e Educação, destinado à formação de profissionais em psicomotricidade, se
dedica ao ensino de aplicações da psicomotricidade em áreas de saúde e
educação. Em 1982, o ISPE-GAE realiza o vínculo científico-cultural com a
Escola Francesa através da exclusiva Delegação Brasileira da OIPR-
Organisation Internationale de Psychomotricité et de Relaxation. A SBP -
Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, entidade de caráter científico-cultural
sem fins lucrativos, foi fundada em 19 de abril de 1980 com o intuito de lutar
pela regulamentação da profissão, unir os profissionais da psicomotricidade e
contribuir para o progresso da ciência, promovendo congressos, encontros
científicos, cursos, entre outros. Começa então, a ser delimitada uma diferença
entre postura reeducativa e uma terapêutica, já demonstrando diferenças em
intervenções da Psicomotricidade, e que, ao despreocupar-se da técnica
instrumentalista e ao ocupar-se do corpo em sua globalidade, vai dando
progressivamente, maior importância à relação, à afetividade e ao emocional,
acompanhando as tendências do momento por que passava. No entanto, sob o
prisma do discurso da SBP, a psicomotricidade não é a soma da psicologia
com a motricidade, ela tem valor em si. Para o psicomotricista, o conceito de
unidade ultrapassa a ligação entre psico e soma. O indivíduo é visto dentro de
uma globalidade, e não num conjunto de suas inclinações.40
Encontramos várias definições para a Psicomotricidade. Cada autor
coloca o seu olhar para defini-la. A ISPE-GAE e a SBP definem
respectivamente a Psicomotricidade e o emprego de seu termo como:
“Psicomotricidade é uma neurociência que transforma o
pensamento em ato motor harmônico. É a sintonia fina que
40 SBP (2003); ISPE-GAE, (2007)
42
coordena e organiza as ações gerenciadas pelo cérebro e as
manifesta em conhecimento e aprendizado”.41
Psicomotricidade é a manifestação corporal do invisível de maneira
visível.42
“É uma ciência terapêutica adotada na Europa há mais de 60
anos, principalmente na França, que instituiu o primeiro curso
universitário de Psicomotricidade em 1963.”43
“A ciência que tem como objeto de estudo o homem através do
seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e
externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir
com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está
relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a
origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas.”44
“Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma
concepção de movimento organizado e integrado, em função
das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de
sua individualidade, sua linguagem e sua socialização”45
Nas palavras de Defontaine: “La Psychomotricité est le désir de faire, du
vouloir faire; lê savoir faire et le pouvoir faire”.46 “A psicomotricidade é um
caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer; o saber fazer e o poder fazer”47.
Defontaine declara que só poderemos entender a psicomotricidade através de
uma triangulação corpo, espaço e tempo. Defontaine define os dois
componentes da palavra; psico significando os elementos do espírito sensitivo,
e motricidade traduzindo-se pelo movimento, pela mudança no espaço em
41 SBP (2003); ISPE-GAE (2007) 42 ISPE-GAE, (2007) 43 ISPE-GAE, (2007) 44 SBP (1999) 45 SBP, (2003); ISPE-GAE, (2007) 46 DEFONTAINE, Apud Oliveira. (2001), p. 28 47 IBIDEM, (2001). p. 34
43
função do tempo e em relação a um sistema de referência48. O Prof. Dr. Júlio
de Ajuriaguerra, a Profª. Drª. Dalila M. M. de Costallat e a Profª. Drª. Maria
Beatriz da Silva Loureiro, fundadora do GAE e do ISPE, conceituam e definem
respectivamente a Psicomotricidade de seguinte modo:
“A Psicomotricidade se conceitua como ciência da Saúde e da
Educação, pois indiferente das diversas escolas, psicológicas,
condutistas, evolutistas, genéticas, etc. ela visa a
representação e a expressão motora, através da
utilização psíquica e mental do indivíduo”.49
“Psicomotricidade é a ciência de síntese, que com a pluralidade
de seus enfoques, procura elucidar os problemas, que
afetam as inter-relações harmônicas, que constituem a unidade
do ser humano e sua convivência com os demais.”50
“A Psicomotricidade é a otimização corporal dos potenciais
neuro, psico-cognitivo funcionais, sujeitos as leis de
desenvolvimento e maturação, manifestados pela
dimensão simbólica corporal própria, original e especial do ser
humano”.51
Já Fonseca afirma que se deve tentar evitar uma análise desse tipo para
não cair no erro de enxergar dois componentes distintos: o psíquico e o motor,
pois ambos são o mesmo (FONSECA apud OLIVEIRA, 2001). A
psicomotricidade para Fonseca não é exclusiva de um novo método ou de uma
“escola” ou de uma “corrente” de pensamento, nem constitui uma técnica, um
processo, mas visa fins educativos pelo emprego do movimento humano
(ibidem, 2001).
Para Nicola, uma conceituação atual de psicomotricidade é que esta
ciência nova, cujo objeto de estudo é o homem nas suas relações com o corpo 48 IBIDEM, (2001). p. 35 49 AJURIAGUERRA apud ISPE-GAE, (2007) 50 COSTALLAT apud ISPE-GAE, (2007) 51 LOUREIRO apud ISPE-GAE, (2007)
44
em movimento, encontra sua aplicação prática em formas de atuação que
configuram uma nova especialidade. A psicomotricidade estuda o homem na
sua unidade como pessoa (NICOLA, 2004, p. 5). Nicola ainda fornece outro
conceito, pautada na soma do termo Motricidade e do prefixo Psico:
• “Motricidade: por definição conceitual é a propriedade que têm certas
células nervosas de determinar a contração muscular.
• Psico (Gr Psyquê): vem representar a alma, espírito, intelecto.
• Psicomotricidade: condição de um estado de coisas corpo / mente.
Visão global de um indivíduo, onde a base de atuação está no
conhecimento desta fusão.”52 (ibidem, 2004, p. 5).
No geral, os psicomotricistas não costumam gostar do
termo motricidade, pois enxergam a motricidade indissociável da psique
humana. O termo motricidade é mais utilizado pela área da educação física no
âmbito da perspectiva do treinamento esportivo, ligado à coordenação motora
como qualidade física, sendo interpretado de forma diferente da perspectiva da
Psicomotricidade. Também há uma área do conhecimento que trata
a motricidade como um dos seus objetos teóricos e práticos de estudo: é a da
Ciência da Motricidade Humana - CMH, ou Cineantropologia, articulada com
um corpo epistemológico próprio e que enfoca amotricidade sob um paradigma
diferente do da Psicomotricidade. Mas visto que, quando se aborda a
motricidade humana, a psique humana não é deixada de fora, certos embates
semânticos não merecem tantas linhas de discussão. É necessário observar os
objetos de estudos sob a perspectiva de cada área do conhecimento para uma
compreensão isenta de poluição epistemológica ou preconceito científico.
O conceito de Ciência da Motricidade Humana do Programa de Ciência
da Motricidade Humana da Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, é o
seguinte:
52 Ibidem, (2004), p. 5
45
“Ciência da Motricidade Humana é a área do saber que estuda
as múltiplas possibilidades intencionais de interpretação do ser
do Homem e de suas condutas e comportamentos motores no
âmbito da fenomelalogia existencial transubjetiva e da filosofia
dos valores, ou seja, a partir da complexidade cultural de uma
vida existencial inserida em um contexto de circunstância e
facticidade e de corporeidade de um “ser Humano”, do “ente”
(do Ser do Homem), em um permanente estado de
necessidades, oriundas de suas carências, privações ou
vacuidades de natureza: biofísicas; biopsíquicas ou
emocionais; biomorais (bioética) ou humanas; biossociais ou
históricas; e biotranscendentes ou cósmicas. Tais
possibilidades de interpretação são operacionalizadas de forma
multidisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar e através dos
mecanismos cognoscitivos da pré-compreensão
fenomenológica, da explicação fenomênica e da ordenação
axiológica.”53
Nesta citação e também em outros trabalhos de autores que compõe o
corpo epistemológico da CMH, nos deparamos com diversos conceitos que são
encontrados nesta área, como: conduta motora, comportamento motor,
corporeidade, comunicação motora, ergomotricidade, ludomotricidade,
ludoergomotricidade, entre outros. Para não alongar demais este trabalho e por
já estar trabalhando com o conceito de motricidade, foi escolhido somente este
para perfazer um pequeno esboço da perspectiva da CMH para a motricidade:
“Motricidade: Processo adaptativo, evolutivo e criativo de um
ser práxico, carente dos outros, do mundo e da
transcendência. Intencionalidade operante, segundo Maurice
Merleau-Ponty. O físico, o biológico e o antropossociológico
estão nela, como a dialética numa totalidade. Como ser
carente, o homem é um ser práxico e onde, por isso, a
motricidade se afirma na intencionalidade eletiva. Mas a
53 BERESFORD, (2004)
46
motricidade humana e, consequentemente, cultura, acima do
mais – cultura não ancilosada em erudição inerte, mas
cultivada porque praticada. A motricidade não se confunde com
a motilidade. Esta não excresce a faculdade de execução de
movimentos que resultam da contração de músculos lisos ou
estriados. A motricidade está antes da motilidade, porque tem a
ver com os aspectos psicológico, organizativo, subjetivo do
movimento. A motricidade é o virtual e a motilidade, o atual, de
todo o movimento. Afinal, a motilidade é expressão da
motricidade.”54
Continuando a conceituação por outros autores, de acordo com Neto: “A
motricidade é a interação de diversas funções motoras (perceptivo motora,
neuromotora, psicomotora, neuropsicomotora, etc.)”55. Na visão de De Meur &
Staes “a psicomotricidade quer justamente destacar a relação existente entre a
motricidade, a mente e a afetividade e facilitar a abordagem global da criança
por meio de uma técnica.”56
Segundo uma definição considerada por Jacques Chazaud, citada por
Alves, “a psicomotricidade consiste na unidade dinâmica das atividades, dos
gestos, das atitudes e posturas, enquanto sistema expressivo, realizador e
representativo do “ser-em-ação” e da “coexistência” com outrem”.57
Sob o ponto de vista do “ser-em-ação” e também abordando sob um
enfoque histórico-antropológico, podemos recorrer aos estudos de Harrow58,
que faz uma análise sobre o homem primitivo ressaltando como o desafio de
sua sobrevivência estava ligado ao desenvolvimento psicomotor e seu caráter
utilitário. As atividades básicas consistiam em caça, pesca e colheita de
alimentos e, para isto, os objetivos psicomotores eram essenciais para a
continuação da existência em grupo. Necessitavam de agilidade, força,
velocidade, coordenação. A recreação, os ritos cerimoniais e as danças em
exaltação aos deuses, a criação de objetos de arte também eram outras 54 CUNHA, (1994) p. 156 55 NETO, (2002) p. 12 56 DE MEUR & STAES, (1991) p. 5 57 CHAZAUD apud ALVES, (2003) p. 15 58 OLIVEIRA, Harrow. (2001)
47
atividades desenvolvidas por eles. Tiveram que estruturar suas experiências de
movimentos em formas utilitárias mais precisas. Hoje, o homem também
necessita destas habilidades embora tenha se aperfeiçoado mais para uma
melhor adaptação ao meio em que vive. Necessita ter um bom domínio
corporal, boa percepção auditiva e visual, uma lateralização bem definida,
faculdade de simbolização, orientação espaço-temporal, poder de
concentração, percepção de forma, tamanho, número, domínio dos diferentes
comandos psicomotores como coordenação fina, global, equilíbrio. Harrow cita
ainda os sete movimentos ou modelos de movimentos básicos inerentes ao
homem que são: correr, saltar, escalar, levantar peso, carregar (sentido de
transportar), pendurar e arremessar; todos eles básicos em trabalhos de
práticas e vivências psicomotoras atuais.
3.2 A Importância da Psicomotricidade na Terceira Idade
A psicomotricidade ajuda a viver em grupo. Nos exercícios psicomotores
os indivíduos devem respeitar as regras dos jogos. Cada uma compreende
rapidamente que o desrespeito às regras torna o jogo impossível ou injusto e,
por esse meio, aceita mais facilmente as regras da vida social.
A terceira idade é uma etapa da vida onde ocorre uma diminuição das
capacidades físicas e psicológicas que leva ao surgimento de patologias.
O idoso, ao cessar sua atividade produtiva, muitas vezes reduz contato
com as pessoas, com o ambiente e se angustia por compreender que seu
tempo de vida está cada dia mais restrito. Reduzindo assim sua autoestima,
frequentemente manifesta um estado depressivo, associando uma sensação
de mal estar e desconforto contínuo. A Psicomotricidade tem se revelado
extremamente útil aos especialistas na prevenção e no tratamento de uma
série de doenças da terceira idade, tais como disfunções psicomotoras,
problemas de circulação, agitação corporal, hiperatividade, artrites e artroses,
problemas posturais, além das muitas doenças emocionais, como a depressão.
Numa visão relacional, expressiva e psicossomática, a psicomotricidade é
atravessada pelos ritmos e por materiais específicos psicomotores, realizando
48
através da ludicidade e da sensibilização corporal acompanhada da
verbalização do vivido, dinâmicas que ajudam o idoso a despertar para um
envelhecimento com mais consciência e qualidade,
Psico (emocional e cognitivo) e Motricidade (movimento). Ou seja, Mente
e corpo acontecendo juntos e criando um sentimento de unidade, dando um
sentido para o corpo, dando um sentido para o corpo, para a mente e para a
saúde.
Várias pesquisas comprovam que a atividade física seja ela qual for,
desde que bem orientada, promove benefícios à saúde. A prática regular de
exercícios físicos objetiva e beneficia.
As atividades recomendadas aos idoso estão no âmbito biopsicossocial:
• Bio (biológico) – O exercício influi em aspectos funcionais (internos) e
visa o aumento da força, da flexibilidade, do equilíbrio e da função
cardiovascular;
• Psico (psicológicos) – O trabalho físico aumenta a disposição, melhora
a autoimagem, a autoestima e a sensação de bem-estar;
• Social – A reinserção do indivíduo no grupo social e a ampliação das
relações sociais são benefícios da prática desportiva.
A autoestima, autoimagem, a integração e socialização e a diminuição
da ansiedade, são alguns dos benefícios que a atividade física facilita, além de
melhorar os aspectos cognitivos, psíquicos, afetivos etc. A prática da atividade
física deveria ser uma das principais intervenções para a melhoria da saúde
não só do idoso mas também de maneira geral.
“ O corpo nos faz comunicar por meio da linguagem corporal.
Mesmo em silêncio, expressamos nossos desejos, angústias,
perturbações, paixões, esperança e outros sentimentos. Uma
das sensações que nos remete ao sentido do movimento por
meio do corpo é a emoção, que denota ao movimento da
mente e da alma”.(ALVES, 2013, PG.94)59
59 ALVES, Fátima. (2013) A psicomotricidade e o idoso uma educação para a saúde. Rio de Janeiro; Ed. War, pág.94
49
Sendo assim, a Psicomotricidade tendo aplicação à terceira idade
produz uma melhora na qualidade de vida dos idosos; entretanto, remete a
trabalhar corpo, mente e emoção, justamente umas das maiores perdas dos
idosos; uma vez que nesta etapa de vida existem limitações no corpo, já não é
a mesma vivacidade, rapidez dos movimentos, raciocínio, coordenação não
sendo iguais na época da juventude.
A Psicomotricidade contribui também no funcionalismo do ser humano
que permeia psiquismo e motricidade, no caso do idoso tendo a função de
atuar de forma educativa, reflexiva e terapêutica, visando na totalidade por
meio do corpo e do movimento no ambiente no qual o idoso está inserido, de
maneira a colocar métodos de mediação, principalmente corporal, com o
propósito de contribuição de forma benéfica no seu desenvolvimento.
Podemos dizer que nesta abordagem requer um integração e
conscientização do idoso, fazendo em paralelo, o movimento e norteando
características afetivas, cognitivas e relacionais, concebendo múltiplas
habilidades.
A partir desta compreensão, será viável e possível valorizá-lo e melhor
assisti-lo, preparando as pessoas para um envelhecimento de forma
equilibrada; sendo algo de suma importância no contexto sócio-familiar-cultural,
no ambiente que o cerca.
Para o educador Joel Martins (1998) diz que significando o idos e sujeito
do tempo, um tempo que ele habita, que vive o seu presente, sente-o enquanto
está vivendo, em direção a um futuro e não ao fim, preservando suas
experiências vividas, reorganizando-as sempre.60
Ressalto o importante papel da Psicomotricidade como um dos recursos
a serem utilizados na terceira idade, viabilizando um melhor equilíbrio
emocional de todos os segmentos, além de potencializar no segmento
cognitivo, motor, afetivo etc. e sua adaptação social; permitindo uma
descoberta, criatividade, onde se desenvolvem relações de confiança consigo
mesma e com outro, restabelecendo seu controle interior e um resgate do seu
eu.
60 MARTINS, Joel. Não somos cronos, somos rairós; São Paulo, Ed. Manole (2004), Pág.68
50
CONCLUSÃO
O envelhecimento não necessariamente é a velhice, é um processo não
reversível que se instala no tempo, começa com o nascer e termina com a
morte do indivíduo. Envelhecer de maneira cronológica, mas sendo diferente
no envelhecer funcional. A forma como as pessoas passam e encaram o
processo de envelhecimento é que classifica como velhos.
Percebemos a necessidade de desatar velhice e envelhecimento como
significados idênticos para uma maior e melhor compreensão no que se refere
ao envelhecer e o seu singular relacionamento com a vida. O termo velhice
pode significar uma etapa do desenvolvimento humano assim como um estado
afetivo-emocional. Cabe dizer ao termo velhice, algo que signifique ação,
movimento, propulsar oportunidades ao indivíduo. Envelhecer é um
reconhecimento, um processo, uma continuidade de vida, algo que transcende
ao mundo sensível.
Quando nos referimos ao tempo, principalmente na terceira idade,
tornou-se comum estabelecer e denominar as crises, doenças que ocorrem
nesta época da vida humana, pela geração ou faixa etária no qual a pessoa se
encontra. E o que há de mais interessante, é as pessoas se cobrarem quando
chegam perto de determinada idade. No senso comum, para alguns, trazem no
pensamento que envelhecer “é trazer consigo doenças”. Como sabemos,
crises, doenças pelas quais passamos em nossa vida, irão acontecer se
acontecerem, em decorrência da história da vida de cada um dos
acontecimentos e questões que nos desestruturem ou não, no momento.
Podemos dizer também que de maneira bem restrita, na terceira idade, as
mudanças que ocorrem no corpo e na mente e suas consequências, irão refletir
em sua vida e em seus relacionamentos interpessoais.
A Psicomotricidade na terceira idade, norteia a proposta de colocar o
corpo em movimento, o cérebro, em produção e a alma trazendo uma
significação. Propostas diversificadas, abrangendo desde o relaxamento,
dinâmicas de tonicidade, equilíbrio, memória, coordenação e atenção, fazendo
51
com que o idoso busque o movimento espontâneo, com um tônus emocional
no qual lhe dê prazer, num estilo de vida proporcionando um bem-estar.
A qualidade de vida na terceira idade pode ser definida como
manutenção da saúde nos aspectos físico, social, psíquico e cultural; porém,
viver implica em manter-se num processo de aprendizagem eterno.
52
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VELLASCO, G. LACILDA. Aprendendo a envelhecer à luz da
psicomotricidade: Filogênese, onlogênese e retrogênese. Rio de Janeiro;
Ed. Artes médicas.
VELLOSO, Lima Mariuza. A velhice e o envelhecimento em visão
globalizada. São Paulo; Ed. Atheneu, 2005.
57
ÍNDICE
CAPA DE ROSTO ........................................................................... 01
CAPA DE ROSTO .......................................................................... 02
AGRADECIMENTO ....................................................................... 03
DEDICATÓRIA ............................................................................... 04
RESUMO ......................................................................................... 05
METODOLOGIA ............................................................................. 06
SUMÁRIO ....................................................................................... 07
INTRODUÇÃO................................................................................. 08
CAPÍTULO I
O que é envelhecer ........................................................................ 10
1.1. Mudanças biológicas ................................................................ 17
1.2. Mudanças psíquicas ................................................................. 19
1.3. Envelhecendo ......................................................................... 20
Capítulo II
Melhorando o corpo do idoso ..................................................... 25
2.1. A importância da estimulação ................................................. 32
2.2. A Atividade Física .................................................................... 33
2.3. A Importância da Família para o Idoso ................................... 34
Capítulo III
Psicomotricidade ....................................................................... 39
3.1. Conceito e breve histórico .................................................... 39
3.2. A importância da
Psicomotricidade na terceira idade .............................................. 47
Conclusão .................................................................................. 50
Bibliografia ................................................................................ 52
Índice ......................................................................................... 57