Beatriz Ribeiro Soares ENTRE O CAMPO E a CIDADE Discussoes Acerca Da Relacao

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  • CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v.3, n. 5, p. 113-133, fev. 2008.

    ENTRE O CAMPO E A CIDADE: discusses acerca da relao campo-cidade no municpio de Uberlndia (MG)

    ENTRE EL CAMPO Y LA CIUDAD: discusiones referentes a la

    relacin campo-ciudad en el municipio de Uberlndia (MG)

    Flvia Aparecida Vieira de Arajo Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Uberlndia.

    Professora da rede estadual de ensino de Minas Gerais. [email protected]

    Hlio Carlos Miranda de Oliveira

    Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade Federal de Uberlndia. Bolsista CNPq Brasil.

    [email protected]

    Marcus Vincius Mariano de Souza Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade Federal de Uberlndia. Bolsista CNPq Brasil.

    [email protected]

    Beatriz Ribeiro Soares Professora do Instituto de Geografia e Tutora do grupo PET

    Geografia da Universidade Federal de Uberlndia. [email protected]

    Resumo: A revoluo cientfico-tecnolgica, iniciada a partir da segunda metade do sculo XX, imprimiu uma nova complexidade nos estudos da relao campo-cidade, advinda dos processos de urbanizao e industrializao, do desenvolvimento do capitalismo no campo e da conseqente modernizao da agricultura, que mesmo no tendo ocorrido de forma homognea, redefiniu os espaos rurais, imprimindo-lhes uma nova dinmica. Diante desse contexto, surgiu o interesse pelo estudo da relao campo-cidade a partir da dinmica socioespacial do distrito de Cruzeiro dos Peixotos no municpio de Uberlndia (MG). A compreenso dos fluxos migratrios presentes no contexto espacial do distrito tornou-se o objetivo principal da pesquisa, em que foram adotados como procedimentos metodolgicos o levantamento bibliogrfico acerca do tema na qual se insere, bem como a realizao de entrevistas com os moradores das propriedades rurais prximas ao distrito. A realizao da pesquisa permitiu-nos perceber que os principais aspectos condicionantes ao deslocamento desses residentes so a busca pelos equipamentos urbanos bsicos (bares e mercearias) e servios (educao e sade) presentes no distrito. Palavras-chave: Relao campo-cidade. Transformaes socioespaciais. Modernizao agrcola. Cruzeiro dos Peixotos. Uberlndia. Resumen: La revolucin cientfica, iniciado en la segunda mitad del siglo XX, imprimi una nueva complejidad en los estudios de la relacin campo-ciudad, advenido de los procesos de la urbanizacin y de la industrializacin, del desarrollo del capitalismo en el campo y de la consiguiente modernizacin de la agricultura, que mismo no tendo ocurrido de forma homognea, redefini los espacios rurais, lo que creo

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    una nueva dinmica a el. Delante de este contexto, surgi el inters para el estudio de la relacin campo-ciudad a partir de la dinmica scioespacial del districto de Cruzeiro dos Peixotos en la ciudad de Uberlndia (MG). La comprensin de los flujos migratorios presente en el contexto espacial del districto se convirti en el objetivo principal de la investigacin, en que fueron adoptados como procedimientos metodolgicos, el examen bibliogrfico referente al tema, as como la realizacin de entrevistas con los habitantes de las propriedades rurales prximas al districto. La realizacin de la investigacin nos permiti percibir que los principales aspectos condicionantes de lo desplazamiento de esos residentes son la bsqueda por equipamiento urbano bsico (bar y tienda) y servicios (educacin y salud) presentes en el districto. Palabras-llave: Relacin campo-ciudad. Transformaciones socioespaciales. Modernizacin agrcola. Cruzeiro dos Peixotos. Uberlndia.

    Introduo

    O estudo da relao campo-cidade ganhou uma nova complexidade com a

    revoluo cientfico-tecnolgica, iniciada a partir da segunda metade do sculo XX,

    uma vez que essa ao intensificar os processos de urbanizao e industrializao

    promoveu o desenvolvimento do capitalismo no campo e a conseqente modernizao

    da agricultura. Essa modernizao, mesmo no tendo ocorrido de forma homognea,

    redefiniu os espaos rurais, imprimindo-lhes uma nova dinmica, diversificou os

    servios urbanos, intensificou os fluxos de transportes e comunicaes e reestruturou a

    interao das reas rurais com os espaos urbanos. A nova dimenso assumida pelas

    relaes sociais, econmicas e culturais estabelecidas entre o campo e a cidade,

    advinda, especialmente, do relativo fim da auto-suficincia das localidades rurais e da

    dependncia dessas aos equipamentos e servios implantados na cidade, passou a exigir

    a compreenso de que o rural e o urbano no devem ser mais pensados como recortes

    territoriais isolados, como tradicionalmente o fora, mas como espaos interdependentes

    e complementares.

    Desta forma, os estudos da relao campo-cidade so essenciais para a

    compreenso da organizao socioespacial, pois tanto o rural quanto o urbano no

    podem ser entendidos separadamente, pautados na velha dicotomia de que o urbano

    significado de moderno e o rural significado de arcaico. Conforme afirma Alentejano

    (2003, p. 31),

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    [...] a primeira tarefa no sentido de utilizar o par rural-urbano como elemento de interpretao da realidade a de desmistificar as associaes tradicionalmente feitas entre rural e agrcola, natural e atrasado e urbano como sinnimo de moderno, industrial e artificial.

    Nesse sentido, a necessidade do entendimento entre o rural e o urbano constitui o

    centro desta pesquisa, uma vez que nos propomos a estudar a relao que os moradores

    da rea rural do Distrito de Cruzeiros dos Peixotos, no municpio de Uberlndia (MG),

    possuem com a cidade de Uberlndia, a partir das dimenses sociais, econmicas e

    culturais existentes, possibilitando ao pesquisador entender a singularidade do espao e,

    conseqentemente, a relao do local com o global, conforme afirmam, entre outros,

    Carneiro (1997, 1998, 2001), Marques (2002) e, particularmente, Rua (2001, 2005,

    2005a, 2006) quando diz: [...] no se pode pensar o urbano e o rural, o local e o global, como polaridades, mas como interaes assimtricas que no devem silenciar as intensas disputas socioespaciais que obrigam a permanentes reconfiguraes das escalas de ao. O territrio urbanizado, numa escala mais ampla, em geral, est relacionado a espaos de dominao que impem suas representaes. Na escala local, essas representaes tambm se fazem presentes nas relaes assimtricas que a, tambm, vigoram. Entretanto, a, que se processam os movimentos de resistncia e de criao de alternativas e/ou estratgias de sobrevivncia que podem se manifestar como releituras daqueles movimentos mais gerais que marcam o espao contemporneo. O local e o geral/global aparecem integrados pelas escalas da ao. (RUA, 2005a, p.31).

    Nesse sentido, necessrio deixar claro que no concordamos com a idia de que

    o rural o oposto1 ou continuum do urbano, mas sim um espao que influencia e

    influenciado pelo urbano, que incorpora valores urbanos, mas mantendo valores rurais.

    Marques (2002) deixa clara a diferena entre essas duas linhas de pensamento. De uma maneira geral, as definies elaboradas sobre o campo e a cidade podem ser relacionadas a duas grandes abordagens: a dicotmica e a de continuum. Na primeira, o campo pensado como meio social distinto que se ope a cidade. Ou seja, a nfase recai sobre as diferenas existentes entre os espaos. Na segunda, defende-se que o avano do processo de urbanizao responsvel por mudanas significativas na sociedade em geral, atingindo tambm o espao rural e aproximando-o da realidade urbana. (Grifo da autora). (MARQUES, 2001, p. 100).

    Assim, as relaes estabelecidas entre o campo e a cidade so resultados de um

    conjunto de transformaes sociais, econmicas, polticas e culturais, que modificam o

    espao urbano e rural. Entretanto, consider-los como opostos ou continuum

    problemtico, pois como afirmam Abramovay (2000), Carneiro (1997, 2001), Oliveira,

    Silva e Paula (2006), Rua (2001), o espao rural recebe influncias do meio urbano, mas

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    tambm mantm suas caractersticas, suas identidades e territorialidades. Nesse sentido,

    faz-se necessrio problematizar as noes de rea urbana e rea rural, pois de acordo

    com Carneiro (2001), a idia de localidade no a mais importante para o entendimento

    da relao campo-cidade, mas sim as relaes existentes entre esses espaos, uma vez

    que a partir da anlise das dimenses social, econmica, poltica e cultural que o

    gegrafo e a Geografia podero entender melhor as identidades, os territrios e as

    territorialidades existentes entre o urbano e o rural, entre a cidade e o campo.

    Na perspectiva de analisar a relao campo-cidade, o modo de vida da populao

    e compreender a importncia do distrito para a mesma, utilizamos entrevistas com os

    moradores da zona rural. Foram realizadas sete entrevistas com pessoas de faixa etria

    variando entre 14 e 47 anos de idade, residentes no campo h mais de dez anos, em

    propriedades rurais diversas (pequenas e mdias). A partir das entrevistas, foi possvel

    perceber que as pessoas entrevistadas tm uma significativa vivncia na realidade do

    campo, possibilitando-nos ter um contato com as semelhanas, singularidades,

    contradies e inmeros outros aspectos que caracterizam a rea rural do distrito. Foi

    realizado um levantamento dos aparelhos sociais da rea urbana do distrito, o qual

    possibilitou-nos o entendimento das necessidades reais de relacionamento da populao

    rural com a vila do distrito e com a cidade. Alm disso, tambm foram utilizados os

    trabalhos produzidos nos Institutos de Geografia e Histria da Universidade Federal de

    Uberlndia que pesquisam os distritos do municpio de Uberlndia. Assim, este estudo

    procura contribuir para tal discusso no mbito da Geografia, uma vez que as pesquisas

    produzidas sobre distritos so ainda bastante incipientes.

    O Distrito de Cruzeiro dos Peixotos localiza-se no municpio de Uberlndia

    (MG), que possui uma rea total de 4.115,09 Km2, sendo 3.896 km2 de rea rural e

    219,09 Km2 de rea urbana. De acordo com o Censo demogrfico de 2000, possua

    501.214 habitantes2, com 488.982 habitantes na rea urbana e 12.232 na rea rural do

    municpio. O municpio est dividido em cinco distritos, sendo eles: Uberlndia

    (distrito-sede), Cruzeiro dos Peixotos, Martinsia, Miraporanga e Tapuirama (Mapa 1).

    A distncia entre o Distrito de Cruzeiro dos Peixotos e o distrito-sede de 24 Km.

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    Legenda:

    1 - rea Urbana2 - Distrito Sede3 - Distrito de Martinsia4 - Distrito de Cruzeiro dos Peixotos5 - Distrito de Miraporanga6 - Distrito de Tapuirama

    2

    34

    5 6

    1

    Fonte:

    Autor:

    Prefeitura Municipal de Uberlndia

    Hlio Carlos Miranda de Oliveira

    N.M.

    Mapa 1- Municpio de Uberlndia e seus distritos (2006).

    Fonte: Oliveira, Silva e Paula (2006, p. 78).

    Antes de darmos prosseguimento nossa reflexo, importante apresentar a

    definio de distrito, pois esse foi o recorte territorial que elegemos como espao de

    anlise. [...] o distrito uma subdiviso do municpio, que tem como sede a vila, que o povoado de maior concentrao populacional. Ele no tem uma autonomia administrativa. Funciona como um local de organizao da pequena produo e atendimento das primeiras necessidades da populao residente em seu entorno, cujo comando fica a cargo da sede do municpio. O distrito tem a mesma denominao da sua vila e somente pode ser criado por meio de lei municipal. No entanto, os requisitos exigidos para a criao de um distrito so estabelecidos por meio de lei estadual. O municpio no pode, por si s, instalar distritos adotando critrios prprios. Faz-se necessrio que um povoado atenda todas as exigncias determinadas pela legislao estadual para que o municpio, por meio de lei municipal aprovada pela Cmara de Vereadores local, o eleve categoria de distrito. (PINTO, 2003, p. 57).

    O estudo da rea rural do municpio de Uberlndia importante para o

    entendimento da cidade, pois o processo de urbanizao deste municpio intensifica-se,

    principalmente, a partir de meados dos anos de 1970, com o incio da modernizao do

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    campo e com as mudanas nas relaes de trabalho. Sendo assim, a populao passa a

    residir, principalmente, na cidade (Tabela 1), levando, conseqentemente, a uma

    refuncionalizao da rede urbana no Tringulo Mineiro, conforme afirma Soares

    (1997): a refuncionalizao da rede urbana do Tringulo Mineiro orientou-se principalmente pela modernizao do campo, que expulsou uma parcela significativa da populao rural; pelo dinamismo de algumas aglomeraes; pela intensificao dos fluxos de transportes e comunicaes, bem como, pela diversificao dos servios, que possibilitaram uma maior diferenciao entre as cidades (SOARES, 1997, p. 118).

    Tabela 1 - Uberlndia: evoluo da populao total, urbana e rural (1970-2000) Habitantes Percentagem (%)

    Situao 1970 1980 1991 2000 Evoluo 1970-1980

    Evoluo 1980-1991

    Evoluo 1991-2000

    Total 124.706 240.961 366.729 501.214 93,2 52,2 36,5 Urbana 111.466 231.598 357.848 488.992 107,8 35,3% 36,4 Rural 13.240 9.363 8.881 12.232 -29,3 -5,1 37,6 Fonte: Soares et al. (2004, p. 129).

    A partir da tabela 1 podemos perceber que a migrao campo-cidade no

    municpio de Uberlndia levou a um decrscimo de 29,3% da populao rural no

    perodo de 1970 a 1980. No perodo de 1980 a 1990, o decrscimo foi menor, de 5,1%.

    A baixa taxa neste perodo foi reflexo da migrao campo-cidade em anos anteriores,

    principalmente devido s mudanas nas relaes de trabalho, mecanizao do campo e

    o poder de atrao da cidade, condicionado pelo discurso da elite local afirmando

    Uberlndia como uma cidade de populao ordeira, moderna e progressista3.

    Entre os anos de 1991 a 2000, o quadro foi oposto, pois a populao rural teve o

    crescimento absoluto de 37,6%, que uma taxa significativa. Entretanto, se analisada de

    forma relativa, esse crescimento pouco expressivo, uma vez que a populao urbana

    tambm cresce 36,4%.

    A mecanizao do campo aliada ao poder de atrao da cidade fez com que os

    residentes da rea rural do municpio criassem relaes diretas com a mesma, levando

    essa populao a se deslocar para o ncleo urbano, consumindo-o, estabelecendo, assim,

    a nova relao campo-cidade.

    Na perspectiva de atingir o objetivo proposto, organizamos nosso texto em duas

    partes. A primeira trata da modernizao do campo e seus reflexos na relao campo-

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    cidade e a segunda analisa, especificamente, a relao da populao da rea rural do

    distrito de Cruzeiro dos Peixotos com a cidade de Uberlndia.

    A modernizao do campo brasileiro: o caso do Cerrado

    O processo de modernizao da agricultura tem incio com a chamada Revoluo

    Verde, que objetivava aumentar a produo e a produtividade agrcola mundial, atravs

    do desenvolvimento tecnolgico, voltado para o melhoramento gentico animal e

    vegetal e a aplicao de tcnicas e equipamentos mais eficientes. Este programa

    comeou a ser desenvolvido logo aps o final da Segunda Guerra Mundial, sob a tutela

    do grupo econmico estadunidense Rockfeller, mas seus efeitos passaram a ser sentidos

    no Brasil principalmente aps a dcada de 1960, fruto da idia de modernizao e

    desenvolvimento do pas, iniciada no governo de Juscelino Kubitscheck.

    As terras disponveis para a agropecuria haviam esgotado no Sul e Sudeste, o

    que levou formao de uma fronteira agrcola em direo ao Centro-Oeste e Norte do

    Brasil (GOBBI, 2004). O cerrado tornou-se interessante para a expanso da

    agropecuria devido sua localizao e tambm pelas suas caractersticas fsicas, ou

    seja, a presena de extensas reas de chapada, que favoreciam a mecanizao e a

    conseqente introduo do pacote tecnolgico da Revoluo Verde. Mesmo fazendo

    parte do Sudeste, Minas Gerais tinha uma grande rea de cerrados, ainda pouco ocupada

    pela agricultura (Mapa 2).

    O Estado teve fundamental importncia neste processo de modernizao da

    agricultura brasileira, sobretudo nas reas do cerrado. Isto ocorreu atravs de vrios

    programas governamentais para o desenvolvimento do cerrado, como o PCI (Programa

    de Crdito Integrado e Incorporao dos Cerrados), PADAP (Programa de

    Assentamento Dirigido do Alto Paranaba), POLOCENTRO (Programa de

    Desenvolvimento dos Cerrados) e o PRODECER (Programa de Cooperao Nipo-

    Brasileira de Desenvolvimento dos Cerrados). Graas a estes programas [...] foi possvel promover a capitalizao da agricultura nos cerrados, o que contribuiu tanto para o incremento da produo quanto para um aumento da produtividade e, conseqentemente, da competitividade da sua agricultura com relao ao restante do pas. (GOBBI, 2004, p. 133).

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    Porm, estes programas atenderam, principalmente, as grandes e mdias

    propriedades, contribuindo para aumentar a desigualdade da distribuio de renda no

    setor agrcola (SILVA, 1982), o que influenciou a sada de populao do campo.

    Conforme afirma Monteiro (2004, p. 10) [...] no Brasil, nas reas favorecidas de

    concentrao de recursos, a agricultura de exportao e a agroindstria viabilizaram o

    surgimento das grandes empresas agrcolas, com conseqente concentrao da posse da

    terra. O estabelecimento da agricultura voltada para o mercado externo intensificou a

    utilizao de capital, que refletiu, por exemplo, na utilizao de mo-de-obra

    (MONTEIRO, 2004). Este processo exigiu a qualificao de mo-de-obra, o que gerou

    tambm um aumento da sazonalidade no emprego de trabalhadores rurais. Como a

    populao do campo no tinha qualificao para atender esta demanda e nem conseguia

    competir com a agricultura de exportao, viu-se obrigada a migrar para as cidades.

    Mapa 2: Minas Gerais: zoneamento agroclimtico (1996).

    Fonte: www.geominas.mg.gov.br

    De acordo com Monteiro (2004, p. 11) [...] o auge da migrao rural-urbana

    aconteceu no perodo 1970/1980. Mais de 100.000 pessoas a cada ms, durante dez

    anos, saram do campo em direo s cidades. Na tabela 2 podemos verificar a reduo

    da populao rural de acordo com os censos do IBGE entre os anos de 1940 e 2000.

    Esta expulso da populao do campo para a cidade, ocasionada principalmente

    pela modernizao agrcola, fez com que a cidade passasse a ter uma nova dinmica na

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    rede urbana. Por exemplo, na dcada de 1980, de acordo com Juliano e Leme (2002), a

    taxa de crescimento da populao urbana de Uberlndia foi de 7,47%, enquanto a da

    populao rural foi de -3,54%.

    Tabela 2 - Brasil: populao total (rural e urbana) residente (1940-2000) Populao Rural Censos Populao Urbana N % Populao Total

    1940 12.880.182 28.356.133 68,8 41.236.315 1950 18.782.891 33.161.506 63,8 51.944.397 1960 32.004.817 38.987.526 54,9 70.992.343 1970 52.904.744 41.603.839 44,0 94.508.583 1980 82.013.375 39.137.198 32,3 121.150.573 1991 110.875.826 36.041.633 24,5 146.917.459 1996 123.082.167 33.997.406 21,6 157.079.573 2000 137.755.550 31.835.145 18,8 169.590.693

    Fonte: Monteiro (2004, p. 11).

    O processo de modernizao do campo incorporou novas reas ao processo

    produtivo, criando novas reas e revitalizando outras pr-existentes (SOARES, 1997). A

    partir de ento, a rede urbana do cerrado passa a apresentar uma nova dinmica, pois

    acontece a diviso das funes produtivas entre as cidades que compem esta rede. Esta

    nova dinmica da rede urbana chamada refuncionalizao, conforme afirma Soares

    (1997): [...] a partir dos anos 1970, comea a ocorrer uma refuncionalizao dos seus centros urbanos, em decorrncia das transformaes no campo, da industrializao planejada e das inovaes tecnolgicas impostas economia regional, o que levou a projeo de alguns centros econmicos. (SOARES, 1997, p. 118).

    Desta maneira, Uberlndia beneficiada no s por este processo de

    modernizao do campo, mas tambm pela implementao de infra-estruturas, tais

    como as rodovias, que aumentaram a articulao interna na rede urbana do Tringulo

    Mineiro e possibilitaram a conectividade com outras regies do pas. Graas a estes e

    outros fatores, Uberlndia passa a apresentar um intenso movimento agro-exportador,

    consolidando sua posio de centralidade na rede urbana, conforme afirmam Juliano e

    Leme (2002): assim, o papel de Uberlndia se consolida com a modernizao da agricultura e a agroindustrializao do seu entorno, que reforou sua posio na intermediao inter-regional, no apenas no plano logstico do comrcio atacadista e nas atividades de transporte, mas tambm na esfera financeira, com a proliferao de estabelecimentos bancrios e a multiplicao das atividades dessa rea. (JULIANO ; LEME, 2002, p. 03).

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    A agroindstria em Uberlndia passou por um processo de crescimento,

    quantitativo e qualitativo, a partir da dcada de 1970. De acordo com Camacho (2004),

    nas trs ltimas dcadas do sculo XX, ocorreu a diversificao e a consolidao em

    torno da cidade de Uberlndia de atividades como a produo e comercializao de

    fertilizantes e corretores de solo, de sementes, gros e implementos agrcolas, alm da

    transformao desses gros em derivados. A comercializao de sementes teve um

    crescimento de 620% entre 1980 e 2000, a de produtos veterinrios cresceu 1.300% e a

    de mquinas agrcolas 180%, no mesmo perodo (CAMACHO, 2004).

    Houve tambm uma mudana no que era produzido no meio rural de Uberlndia.

    Substitui-se o algodo e o arroz pela laranja, soja e milho, produtos que podem ser

    transformados em uma quantidade maior de derivados. O crescimento industrial de

    Uberlndia deve-se, sobretudo, ao crescimento da participao da indstria de

    transformao. Assim, colocamos Uberlndia no conceito de regio agrcola de Milton

    Santos (1993) em que a cidade se adapta s necessidades da atividade rural,

    desenvolvendo bens e servios que complementam esta atividade.

    Apesar do crescimento negativo da populao rural, no correto pensarmos que

    esta populao ficou atrasada, econmica e culturalmente, em relao populao

    que vivia na cidade. Podemos observar no cotidiano dos moradores dos distritos de

    Uberlndia que esta assertiva verdadeira, pois os moradores freqentam a cidade,

    consomem seus bens e servios e, ao mesmo tempo, mantm no distrito as relaes

    socioespaciais, herdadas do mundo rural.

    Entre Cruzeiro dos Peixotos e Uberlndia: discusses acerca da relao campo-

    cidade

    inegvel que os processos de urbanizao e modernizao agrcola,

    intensificados a partir da dcada de 1970, contriburam, sobremaneira, para a relativa

    perda da viso idlica do rural, uma vez que o mesmo acabou recebendo influncia das

    cidades e o modo de vida urbano estendeu-se s localidades rurais, mesmo quelas mais

    longnquas. Apesar da no-homogeneidade desse fenmeno, a prpria organizao

    socioespacial do campo passou a ser determinada pela dinmica da cidade e pela rede

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    urbana estabelecida entre essa e os demais centros urbanos. Conforme afirmou Endlich

    (199-): [...] no atual perodo tcnico, a compreenso do rural e do urbano no se restringe mais a uma cidade e seu campo imediato. As relaes possuem uma amplitude maior e devem ser pensadas no conjunto da rede urbana. Assim, o modo de vida urbano estende-se at os limites geogrficos alcanados pelos interesses, aes e contedos presentes nas cidades. (ENDLICH, 199-, p. 07).

    Diante dessa afirmao, percebemos a necessidade de levar em considerao os

    processos de urbanizao e modernizao do campo em Uberlndia, pois os mesmos

    tornaram-se fatores determinantes nova dinmica socioespacial da zona rural e urbana

    do distrito de Cruzeiro dos Peixotos. Conforme afirmam Montes, Oliveira e Silva (2005,

    p. 03) [...] impossvel estudar a estrutura socioespacial dos distritos sem levar em

    considerao o processo de urbanizao da cidade de Uberlndia e as mudanas que

    este conseguiu provocar no municpio como um todo4.

    As inmeras transformaes no campo do municpio de Uberlndia, tais como a

    constituio de complexos agroindustriais, o aumento das relaes de assalariamento,

    dentre outras, devem ser percebidas como reflexo da reestruturao produtiva pela qual

    passou o campo brasileiro em nvel macro. Porm, as mesmas no podem ser utilizadas

    para justificar a inexorvel urbanizao (material e simblica) das reas rurais, uma vez

    que as mudanas ocorridas nas zonas urbana e rural dos distritos no um processo

    homogneo que conseguiu suprimir o modo de vida caracterstico dos residentes dessas

    reas, conforme demonstraremos mais frente.

    importante salientar que os aspectos condicionantes ao estudo da zona rural do

    distrito de Cruzeiro dos Peixotos foram, dentre outros, a verificao do peso que a

    populao residente nas reas rurais prximas representa na populao total do mesmo

    (Tabela 3) e as causas da permanncia dessa populao na rea rural frente

    modernizao e tecnificao agrcola do campo uberlandense.

    Tabela 3- Cruzeiro dos Peixotos: populao total (urbana e rural) residente (1991-2000) Habitantes Percentual (%) 1991 1996 2000 1991 1996 2000

    Total 997 755 1174 100 100 100 Urbana 295 374 388 29,59 49,54 33,16 Rural 702 381 786 70,41 50,46 66,84

    Fonte: IBGE - Censo Demogrfico (1991 e 2000) e Contagem Populacional (1996).

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v.3, n. 5, p. 113-133, fev. 2008.

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    Podemos afirmar que a diversificao dos bens e servios, a intensificao do

    fluxo de transportes e comunicaes - elementos conseqentes da urbanizao de

    Uberlndia - e a carncia de infra-estrutura no distrito contribuem para a maior

    dependncia dos moradores em relao aos equipamentos urbanos da cidade. O distrito

    conta com ruas e avenidas asfaltadas, energia eltrica, saneamento bsico e sistema de

    telefonia. Os equipamentos urbanos presentes so: uma escola de ensino fundamental,

    um posto de sade, um Cartrio de Paz e Registros, uma unidade da agncia de Correios

    e Telgrafos , uma oficina mecnica, uma borracharia, duas antenas de telefonia celular,

    uma caixa dgua (poo artesiano), duas praas, dois sales de festas, duas igrejas, um

    campo de futebol, uma quadra de esportes, um restaurante e as residncias dos

    moradores. O mapa 3 permite observar a configurao espacial do distrito com os

    equipamentos urbanos presentes.

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    Escala Grfica:0 10050 200m

    - Praa

    Legenda:

    1

    2

    2

    3

    4

    56

    7

    8

    9

    1011

    1213

    14 15

    16

    17

    3

    333

    33

    333 1 - Parque Bosque Xavantinho2 - Antena de telefonia3 - Bar e/ou mercearia4 - DMAE - Poo artesiano5 - Casa do Cerrado6 - UBS - Posto de sade7 - Igreja Catlica8 - Restaurante9 - Oficina de motos e bicicletas10 - Escola municipal11 - Farrdromo12 - Correios13 - Ginsio14 - Antiga rodoviria15 - Salo16 - Igreja Congregao Crist17 - Borracharia

    Base Cartogrfica:Prefeitura Municipal de Uberlndia

    Fonte:Levantamento de campo (2005)

    Organizado por:Hlio Carlos M. de Oliveira (2005)Renata Rastrelo e SilvaAdaptado por:Thiago Batista Marra (2005)

    N.M.

    Mapa 3-Cruzeiro dos Peixotos: levantamento dos equipamentos da vila (2005).

    Fonte: Oliveira, Silva e Paula (2006, p. 79).

    Nas pesquisas realizadas, pudemos verificar que o distrito no atende a todas as

    necessidades da populao residente, obrigando-a a se deslocar at a cidade de

    Uberlndia, que polariza os servios de educao, sade e, primordialmente, outros

    setores produtivos no existentes no mesmo, uma vez que os equipamentos urbanos so

    elementares (conforme ilustrado no mapa). Percebeu-se uma certa unanimidade, entre

    os entrevistados, em relao necessidade de se deslocarem at a cidade para realizar as

    compras mensais, pois ao serem interrogados sobre os principais produtos que buscam

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    no distrito, afirmaram comprar apenas os produtos alimentares de necessidade mais

    imediata, apontando como justificativa o maior preo que os mesmos possuem nos

    bares e mercearias do distrito, quando comparados aos preos e diversidade dos

    supermercados da cidade. Os maiores preos e menor diversidade dos produtos pode ser

    explicada pela reduzida escala de compra dos comerciantes locais do distrito, a qual

    influencia diretamente no preo de revenda adotado por eles.

    O deslocamento at a cidade de Uberlndia facilitado e de certa forma,

    intensificado pela proximidade do distrito com a mesma, bem como pelo transporte

    coletivo urbano utilizado pelos moradores da zona rural e urbana do distrito. De acordo

    com Silva (2004), a pavimentao da rodovia que d acesso aos distritos de Martinsia e

    Cruzeiro dos Peixotos, que recebeu o nome de Rodovia Municipal Neusa Resende

    (rodovia municipal 090), facilitou o acesso dos moradores desses distritos a Uberlndia,

    o qual foi tambm facilitado, recentemente, pela implantao do SIT (Sistema Integrado

    de Transporte). Nos dias teis e aos sbados, a linha de nibus D280

    Martinsia/Cruzeiro dos Peixotos/Terminal Umuarama realiza cinco viagens dirias e

    aos domingos e feriados, so realizadas quatro viagens.

    Essas carncias existentes no distrito, aliadas falta de empregos, tornam-se

    aspectos condicionantes ao deslocamento dos residentes da zona rural e urbana do

    distrito para o municpio de Uberlndia. Alm disso, conforme afirmam Montes,

    Oliveira e Silva (2005), a cidade de Uberlndia, com sua imagem progressista,

    acolhedora e moderna, exerce um forte poder de atrao sobre os habitantes dos distritos

    de Uberlndia5.

    Apesar das inmeras possibilidades de lazer urbano encontradas na cidade de

    Uberlndia, como o passeio a shoppings, teatros, bares, casas noturnas, cinemas

    influenciar na vida dos moradores da zona rural do municpio, especialmente dos mais

    jovens, percebemos que os mesmos ainda buscam o distrito como um espao de lazer.

    Duas jovens de 20 anos de idade e um adulto de 40 anos apontaram em suas falas esse

    aspecto como um dos principais motivos de seu deslocamento at o distrito. Duas

    estudantes de cursinho pr-vestibular em Uberlndia disseram que se deslocam at a

    cidade seis vezes por semana e que, aos domingos, gostam de ir Cruzeiro dos Peixotos

    para passear, conversar com os amigos na praa e ir igreja. O caseiro da fazenda onde

    realizamos uma entrevista apontou em sua fala a satisfao em ir ao distrito

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    CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v.3, n. 5, p. 113-133, fev. 2008.

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    quinzenalmente para visitar os amigos e divertir-se bebendo cerveja com eles nos bares.

    Isso permite-nos supor que a extenso do modo de vida urbano em Uberlndia sua

    rea rural ainda no conseguiu destruir a identidade territorial dos moradores do mesmo

    com o modo de vida rural e sua autonomia na escolha de suas prticas de vivncia.

    Conforme afirma Rua (2003), o rural, ao guardar especificidades das prticas espaciais de suas populaes garante (e em alguns casos fortalece) a identidade territorial que, mesmo subordinada s lgicas difundidas a partir da cidade, ainda permite a essas populaes uma certa autodeterminao. (RUA, 2001, p. 34).

    A maior interao campo-cidade, indiscutivelmente observada a partir das

    transformaes nas relaes sociais e de trabalho no campo, exige-nos a compreenso

    das particularidades dessa interao e as territorialidades advindas da mesma. Na

    concepo de Rua (2006), as recentes manifestaes no mundo rural que antes eram

    peculiares ao mundo urbano podem ser denominadas de urbanidades no rural, as

    quais denotam a presena do urbano no campo, sem que essa presena leve eliminao

    das marcas prprias a cada espacialidade (urbana e rural). O espao resultante dessas

    interaes dotado de um hibridismo que no pode ser identificado a um urbano

    ruralizado nem mesmo a um rural urbanizado.

    Percebe-se, a partir dessa afirmao, que o rural e o urbano interagem, mas os

    sujeitos sociais pertencentes a cada universo cultural preservam seus valores e formas

    de organizao social, no permitindo-nos recorrer viso ainda defendida por muitos

    autores de que o sentido ltimo da urbanizao difundir-se s localidades rurais e

    destruir as prticas de vivncia que ainda permanecem entre os rurais. Apesar da

    influncia da cidade e do modo de vida urbano, o rural possui uma especificidade e

    dinmica prpria, devendo, por isso ser pensado e definido a partir da perspectiva de

    que esse espao desempenha uma funo social de suma importncia frente cidade.

    Isso corroborado por Abramovay (2002, p. 09), ao afirmar que preciso definir o meio rural de maneira a levar em conta tanto a sua especificidade (isto , sem encarar seu desenvolvimento como sinnimo de urbanizao), como os fatores que determinam sua dinmica (isto , sua relao com as cidades). Os impactos polticos da resposta a esta pergunta terica e metodolgica so bvios: se o meio rural for apenas a expresso, sempre minguada, do que vai restando das concentraes urbanas, ele se credencia, no mximo, a receber polticas sociais que compensem sua inevitvel decadncia e pobreza. Se, ao contrrio, as regies rurais tiverem a capacidade de preencher funes necessrias a seus prprios habitantes e tambm s cidades mas que estas prprias no podem produzir ento a noo de desenvolvimento poder ser aplicada ao meio rural. (Grifo do autor).

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    Outro aspecto interessante verificado a partir das entrevistas que o distrito

    representa, para muitos, um espao de convivncia com os moradores da vila e de

    vivncia das prticas culturais, sendo as festas religiosas realizadas nele um importante

    espao de socializao das mesmas. Os entrevistados afirmaram gostar de participar das

    festas tradicionais de Santo Reis realizadas na igreja do distrito, o que denota a

    importncia da religio no cotidiano e na vida dessas pessoas6. A prpria origem do

    distrito est ligada religiosidade dos primeiros habitantes, fenmeno verificado no s

    no espao em questo, mas em diversos outros locais nos quais a religio o elemento

    fundante e condicionante identidade territorial dos agentes sociais que neles se

    instalam. Conforme afirma Carneiro (2001), [...] mesmo permanecendo na posio de subordinao e de complementaridade ao urbano [...], o mundo rural no representaria mais uma ruptura com o urbano e as transformaes que lhes so atribudas na atualidade no resultariam na sua necessria descaracterizao, mas em uma possvel reemergncia de sociabilidade e de identidade tidas como rurais. (CARNEIRO, 2001, p. 04).

    Mesmo tendo influncias do modo de vida urbano, os habitantes do meio rural,

    devido estreita relao com os citadinos, procuram manter a tradio, o que poderia

    ser visto como uma forma de resistncia homogeneizao de valores e prticas sociais,

    propiciados de certa forma, pelo fenmeno da globalizao e pela reproduo

    capitalista. Essa argumentao pode ser fundamentada pelas idias de Rua, ao afirmar

    que se h um movimento de unificao urbano-rural pela lgica capitalista, como acreditamos, com um certo sentido de equalizao do espao, h, por outro lado, muitas manifestaes de resistncia a essa equalizao pretensamente homogeneizadora, que se traduzem por estratgias de sobrevivncia das famlias rurais, principalmente daqueles mais pobres e/ou empobrecidas no movimento de integrao acima referido, quando buscam manter ou (re) construir suas identidades territoriais. (RUA, 2006, p. 88).

    Nesse contexto, deve-se sempre levar em considerao que o local est

    interligado ao global, ou seja, que a rea rural do distrito de Cruzeiro dos Peixotos

    integrou-se de forma parcial s polticas globais de modernizao da agricultura. Porm,

    apesar da inexorabilidade da redefinio e reestruturao do campo; no houve uma

    dissoluo das identidades locais ligadas ao modo de vida rural.

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    Consideraes Finais

    A realizao da pesquisa permitiu-nos perceber que os processos de urbanizao,

    industrializao e conseqente modernizao da agricultura, impulsionados pela

    revoluo cientfico-tecnolgica, ao mesmo tempo em que diversificaram os servios e

    intensificaram os fluxos de transportes e comunicaes nas cidades, imprimiram uma

    nova dinmica socioespacial aos espaos rurais, que no foi diferente no municpio de

    Uberlndia. Nesse contexto, pode-se considerar que a nova dinmica socioespacial da

    zona rural do distrito de Cruzeiro dos Peixotos resultante das polticas de

    modernizao agrcola implantadas nesse espao, que deve ser considerado tanto como

    um subespao do global, quanto tambm, como um espao local com especificidades

    sociais, econmicas e culturais. Essa modernizao, aliada carncia de bens, servios e

    equipamentos urbanos existentes na rea urbana do distrito, acabou por intensificar a

    dependncia dos moradores da rea rural do distrito cidade de Uberlndia.

    Apesar da redefinio do rural, advinda principalmente do relativo fim da auto-

    suficincia das localidades rurais e da dependncia dessas localidades dos equipamentos

    e servios implantados nas cidades, no podemos afirmar que houve uma dissoluo do

    rural e de seu modo de vida, bem como aceitar a idia de um continuum entre o urbano

    e o rural, uma vez que os habitantes, mesmo recebendo influncia da cidade e do modo

    de vida urbano, mantm valores, tradies e prticas ligadas ao modo de vida rural,

    podendo-se falar em urbanidades no rural.

    Portanto, revitalizar a rea urbana do distrito de Cruzeiro dos Peixotos

    importante no s para a melhoria da qualidade de vida da populao, mas tambm para

    evitar o esvaziamento do campo e o aumento da desigualdade socioeconmica na cidade

    de Uberlndia, advinda dessa migrao campo-cidade. Ressaltamos ainda a importncia

    dos estudos da relao campo-cidade para o entendimento da dinmica socioespacial do

    territrio e a necessidade de considerarmos as especificidades locais para a sua

    compreenso.

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    Notas

    _______________________ 1 Viso dicotmica 2 A estimativa populacional total do municpio feita pelo IBGE para 1 de julho de 2005 era de 585.262 habitantes. 3 Para saber mais sobre o assunto confira Soares (1995). 4 Sobre o processo de urbanizao de Uberlndia confira: Bessa (2004) Camacho (2004) e Soares (1995 e 1997). 5 Sobre as imagens e representaes da cidade de Uberlndia confira o trabalho de Soares (1995). 6 Essa constatao tambm foi feita por Silva (2004) quando analisou um outro distrito do municpio de Uberlndia, o distrito de Martinsia, distante aproximadamente oito quilmetros de Cruzeiro dos Peixotos, ligados pela mesma rodovia.

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    SOARES, Beatriz Ribeiro; MONTES, Silma Rabelo; PESSA, Vera Lcia Salazar. Rural e/ou Urbano? Uma reflexo sobre a realidade scio-espacial dos distritos do municpio de Uberlndia (MG). In: ENCONTRO DE GEGRAFOS DA AMRICA LATINA, 10., 2005, So Paulo. Anais... So Paulo: USP. p. 15119-15134. 1 CD-ROM.

    TADEU, Rogrio. Moradores dos distritos sofrem com desemprego. Jornal Correio, Uberlndia, p. 3, 04 ago, 2003.

    Entrevistas Alessandra Santos, 20 anos, estudante. Entrevista realizada no dia 07/10/2005, em sua residncia na fazenda.

    Amanda Santos, 20 anos, estudante. Entrevista realizada no dia 07/10/2005, em sua residncia na fazenda.

    Artur Guilherme, 46 anos, engenheiro agrnomo. Entrevista realizada no dia 08/10/2005, em sua residncia na fazenda.

    Augusto Flvio Campos Mineiro, 47 anos, veterinrio. Entrevista realizada no dia 08/10/2005, em sua residncia na fazenda.

    Ednalva Monteiro dos Santos, 44 anos, dona de casa. Entrevista realizada no dia 07/10/2005, em sua residncia na fazenda.

    Jos Rosildo, 40 anos, caseiro. Entrevista realizada no dia 09/10/2005, na fazenda onde trabalha e reside com sua famlia.

    Entrevistado A, 14 anos, estudante. Entrevista realizada no dia 09/10/2005, em sua residncia na fazenda.