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    o LUGAR NOIDO MUNDOo LUGAR NOIDO MUNDOAna Fani Alessandri Carlos

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    ANA FANI ALESSANDRI CARLOS

    o LUGAR NO/DO MUNDO

    FFLCHSao Paulo, 2007

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    ISBN: 978-85-7506-143-5Copyright Ana Fani Alessandri CarlosDireitos desta edicao reservados a FFLCH

    Av. Prof. Lineu Prestes, 338 (Laboratorio de Geografia Urbana)Cidade Universitaria - Butanta05508-900 - Sao Paulo - Brasil

    Telefone: (11) 3091-3714E-mail: [email protected]

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    Editado no BrasilTodos os direitos reservados. A reproducao nao autorizada desta publicacao, no todo ou em

    parte, constitui violacao do copyright (Lei n 5988)1a edicao - 2007

    Revisao do Original: Ana Paula Gomes NascimentoProjeto Editorial: Comissao Editorial Labur

    Diagramacao: Marcel Dumbra, Camila S. FariaFoto Capa: Carolina M. de Paula

    Logo Labur: Caio SpositoLogo GESP: Mayra Barbosa Pereira

    Ficha Catalografica

    CARLOS, Ana Fani Alessandri. 0 lugar no/do mundo. Sao Paulo:FFLCH, 2007, 85p.Inclui bibliografia

    1. Geografia Urbana 2. Cidade 3. Lugar

    Proibida a publicacao no todo ou em parte; permitida a citacao,A citacao deve ser textual, com indicacao de fonte conforme a ficha catalografica,

    Disponibilizado em: http://www.fflch.usp.br/dg/ gesp

    mailto:[email protected]://www.fflch.usp.br/dg/gesphttp://www.fflch.usp.br/dg/http://www.fflch.usp.br/dg/http://www.fflch.usp.br/dg/gespmailto:[email protected]
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    Para meus pais, Mario e Adileta, peloincentivo ao longo da vida.

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    ...Pra encontrar alguem OU alguma obra e precisosair ao encontro ...

    Hen ri L e fe b vr e

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    SUMAR IO

    PrefacioIntroducaoDefinir 0Lugar?

    o lugar na "era das redes"A guerra dos lugaresA natureza do espac,;:ofragmentadoOs lugares da metr6pole: a questao dos guetos urbanosA Rua: espacialidade, coticliano e poderA producao do nao-lugarA construcao de uma "nova urbanidade"Bibliografia

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    PREFAcIO

    A primeira edicao deste livro veio a publico em 1997, esgotando-se em pouco tempo 0 numero deexemplares, sem que uma segunda edicao fosse realizada. Ao longo destes ultimos anos muitas pessoas tern mesolicitado capias xerograficas do livro, 0 que significa que ele ainda suscita curiosidade. Alem de constatar essademanda, avalio que os temas aqui tratados nao envelheceram e continuam ajudando a pensar 0mundomoderno a partir da Geografia, dai a razao desta nova edicao,

    o tema da globaliza~ao permeia nosso cotidiano de pesquisa, mas tambem nossa vida. Para algunspesquisadores, a globalizacao se constitui como um novo paradigma para entender 0mundo moderno; mas osdebates em torno da nocao de globalizacao revelam, fundamentalmente, a dimensao economics do processo;que por isso passa a ser visto como articulacao de mercados, reuniao de empresas, construcao do mercadomundial, etc. A esta nocao contraponho aquela de mundializacao, que aponta para uma outra direcao aoperrnitir que se reflita sobre a sociedade urbana em constituicao, bem como sobre 0conteudo da construcaode novos valores, de urn modo de vida e de uma outra identidade, agora mediada pela mercadoria.

    Nesse aspecto, a sociedade conternporanea mostra-se, tendencialmente, como uma sociedade urbana,ao mesmo tempo objeto real e virtual, pois alem de caracterizar uma realidade ela aponta uma tendencia, Estaposta no horizonte, portanto, a producao da sociedade urbana e a constituicao de um espa~o mundial querevela novas articulacoes entre os espa~os, bem como entre as escalas. Repensar a relacao entre 0 local e 0mundial torna-se, portanto, tarefa fundamental para entender 0mundo moderno.

    E no plano do lugar que e possivel, por exemplo, compreender a racionalidade homogeneizante inerente aoprocesso de acumulacao, que nao se realiza apenas a partir da producao de objetos e mercadorias, mas liga-se cadavez mais a producao de urn novo espaco, de uma nova divisao e organizacao do trabalho, alem produzir modelosde comportamento que induzem ao consurno e norteiam a vida cotidiana.

    A generaliza~ao da urbanizacao e da formacao de uma sociedade urbana produz novos padroes decomportamento que obedecem a uma racionalidade inerente ao processo de reproducao das relacoes sociais,no quadro de constituicao da sociedade urbana revelado na pratica socio-espacial, Ao lado da tendencia ahomogeneizacao, carninha progressivamente 0processo de fragmentacao do espa~o e da sociedade.

    De acordo com este raciodnio, decidimos acrescentar nesta edicao urn novo capitulo denorninado ~mund ia liz afa o d o e sp afo ", 0 qual nos permitira carninhar da escala da reproducao do lugar - que se manifestatambem no plano do vivido - para aquela da producao de um espaco mundial.

    Sao Paulo, maio de 2007.

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    INTRODu

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    Por sua vez a globalizacao materializa-se concretamente n o lu g ar , aqui se Ie/percebe/entende 0mundomoderno em suas multiplas dimensoes, nurna perspectiva mais ampla, 0que significa dizer que no lugar se vive,se realiza 0cotidiano e e ai que ganha expressao 0mundial. 0 mundial que existe no local, redefine seuconteudo, sem todavia anularem-se as particularidades.

    A sociedade urbana que, hoje, se produz em parte de modo real e concreto, em parte virtual e possivel,constitui-se enquanto mundialidade, apresentando tendencia a homogeneizacao ao mesmo tempo que permitea diferenciacao, 0 lugar permite pensar a articulacao do local com 0 espaco urbano que se manifesta comohorizonte. E a partir dai que se des cerra a perspectiva da analise do lugar na medida em que 0 processo deproducao do espa

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    refere-se ao fato de que a realidade do mundo moderno reproduz-se em diferentes niveis, no lugar encontramosas mesmas determinacoes da totalidade sem com isso eliminar-se as particularidades, pois cada sociedadeproduz seu espac,:o,determina os ritmos da vida, os modos se apropriacao expressando sua funcao social, seusprojetos e desejos.

    o lugar guarda uma dimensao pratico-sensivel, real e concreta que a analise, ao poucos, vai revelando.

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    DEFINIR 0 LUGAR?

    Nas Ciencias Humanas e na geografia, em particular, 0 problema da redefinicao do lugar emerge comouma necessidade diante do esmagador processo de globaliza~ao, que se realiza, hoje, de forma mais aceleradado que em outros momentos da hist6ria. N esse contexto, e possivel, ainda pensar 0lugar enquanto singularidade?o lugar e urna nocao que e se desfaz e se despersonaliza diante da massacrante tendencia ao hornogeneo, nummundo globalizado? Ou lugar ganha urna outra dimensao explicativa da realidade como, por exemplo "enquantodensidade comunicacional, informacional e tecnica", como afirma Milton Santos?

    Hi hoje urn debate muito proficuo sobre 0sentido da nocao de lugar. Podemos iniciar a reflexao comMilton Santos! que afirma que existe uma dupla questao no debate sobre 0 lugar. 0 lugar visto "de fora" apartir de sua redefinicao, resultado do acontecer hist6rico e 0 lugar visto de "dentro", 0 que implicaria anecessidade de redefinir seu sentido. Para 0Autor 0lugar poderia ser definido a partir da densidade tecnica(que tipo de tecnica esta presente na configuracao atual do territ6rio), a (densidade informacional (que chega aolugar tecnicamente estabelecido) a ideia da densidade comunicacional (as pessoas interagindo) e, tambem emfuncao de uma densidade normativa (0 papel das normas em cada lugar como definit6rio). A esta definicaoseria preciso acrescentar a dimensao do tempo em cada lugar que poderia ser visto atraves do evento nopresente e no passado.

    Acredito, no entanto, que podemos acrescentar ao que foi dito pelo professor 0fato de que hi tambema dimensao da hist6ria que entra e se realiza na pratica cotidiana (estabelecendo urn vinculo entre 0"de fora" eo "de dentro"), instala-se no plano do vivido e que produziria 0conhecido-reconhecido, isto e , e no lugar quese desenvolve a vida em todas as suas dimens6es. Tambem significa pensar a hist6ria particular de cada lugar sedesenvolvendo ou melhor se realizando em funcao de urna cultura/tradi~ao/lingua/habitos que the sao pr6prios,construidos ao longo da hist6ria e 0 que vern de fora , isto e 0 que se vai construindo e se impondo comoconsequencia do processo de constituicao do mundial . Mas 0que ligaria 0mundo e 0lugar?

    o lugar e a base da reproducao da vida e pode ser analisado pela m ade h abit an te - iden t idade - lu gar. Acidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do individuo. Este plano e aquele do local. Asrelacoes que os individuos mantem com os espa~os habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso,nas condicoes mais banais, no secundario, no acidental. E 0 espa~o passivel de ser sentido, pensado, apropriadoe vivido atraves do corpo.

    Como 0 homem percebe 0 mundo? E atraves de seu corpo de seus sentidos que ele constr6i e seapropria do espa~o e do mundo. 0 lugar e a porcao do espa~o apropriavel para a vida - apropriada atravesdo corpo - dos sentidos - dos passos de seus moradores, e 0bairro e a pra~a, e a rua, e nesse sentidopoderiamos afirmar que nao seria jamais a metr6pole ou mesmo a cidade la tu s en su a menos que seja a pequena1 Encontro Nacional realizado em Aracaju em setembro de 1995 , pela Associacao Nacional de P6s- Graduacao em Geografia.Mesa Redonda ''A redejinifiio d o 'ugar '~

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    vila ou cidade - vivida/ conhecida/ reconhecida em todos os cantos. Motorista de onibus, bilheteiros, saoconhecidos-reconhecidos como parte da comunidade, cumprimentados como tal, nao simples prestadores deservice. As casas comerciais sao mais do que pontos de troca de mercadorias, sao tambem pontos de encontro.E evidente que e possivel encontrar isso na metropole, no myel do bairro, que e 0plano do vivido, masdefinitivamente, nao e 0que caracteriza a metropole,

    A triade cidadao-identidade-lugar aponta a necessidade de considerar 0corpo, pois e atraves dele que 0homem habita e se apropria do espa

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    Por outro lado 0espalfo tern uma monumentalidade que pode ser entendida como elemento reveladorda hist6ria de um determinado lugar. Mas 0que se revela no lugar nao e apenas a hist6ria de urn povo, mas 0peso da hist6ria da humanidade. 0 lugar e tambem 0espalfo do vazio que refere-se aquele da monumentalidadedo poder. Alguns exemplos podem elucidar a questao,

    No amplo espaco que se des cortina do alto dos degraus da Eglise de la Madaleine, em Paris, ao pe desuas colunas gregas gigantescas, 0que se pode observar? Uma ampla area formada pela rue Royale quedesemboca na place de la Concorde dominada pela obelisco egipcio trazido numa das campanhas de Napoleao,encerrando-se na .Assembleia Nacional , tambem ela apoiada em formosas colunas d6ricas. Da rue Royale,entrando-se a direita encontramos a Rue du Faubourg Saint Honore, pouco tempo depois nos deparamoscom 0 Palais de L 'Elisees, sede do governo frances. Guardas no grande portae de entrada, a calcada daAvenue de Marigny, que margeia a construcao do palacio, devidamnente vigiada, fechada ao pedestre, interditadandoos passos, impedindo 0acesso aos pedestres.

    Esplanada dos Ministerios em Brasilia: amplo, monumental e vazio. No caso do Palais de L 'Elyseehavia a necessidade das correntes e dos guardas para assegurar 0 vazio em torno da construcao do palacio, nocaso de Brasilia tal atitude e desnecessaria, 0 espalfo ja foi construido de forma intencional para afastar, paraimpedir os passos, para desviar os carros. A intencionalidade do vazio. 0 que diferencia esses exemplos? Amonumentalidade do espalfo do poder e vazio, impeditivo.

    Como esses exemplos podem nos ajudar a pensar - definir 0 lugar? 0 lugar se refere de formaindissociavel ao vivido, ao plano do imediato. E e 0que pode ser apropriado pelo corpo, como ja afirmamos.Entao 0espalfo da monumentalidade e impossivel de ser apropriado, pelo corpo, individualmente?

    Voltemos a Eglise de la Madaleine obra do conjunto da humanidade (de homens) espalfo monumentalnao precisa ser necessariamente estranho ao homem. Apesar da Place de la Concorde ser completamentein6spita ao pedestre, a pralfa aonde se construiu na epoca da revolucao francesa uma guilhotina, e que hojeretrata 0poder da conquista e fria, cinza, transformada apenas em passagem. N6 de entroncamento de vias detransito, sem bancos, sem nada que possibilite "0parar" vazia de vida ou de possibilidades, mas cheia de carrosrodando em alta velocidade. E ai que as pessoas nao ficam, mas atravessam no ritmo dos semaforos seguindoas ordens impostas pelo tempo da circulacao rodoviaria,

    Brasilia - Esplanada dos Ministerios - aqui, ao contrario os passos senao proibidos formalmente 0sao pela sua morfologia e concepcao do lugar. Nao ha calcadas passiveis de serem percorridas pelo passo doj laneur, apesar de existirem calcadas; 0 tracado das avenidas, sua largura, a ausencia de far6is a rapidez dotransito, dificulta a travessia, impedem 0passo. Uma monumentalidade vazia, nao ha tantos carros transitandoeles estao parados nos estacionamentos dos predios e anexos ministeriais. Mas as distancias e 0usa do solodesestimulam os passos, nao e sequer passagem, mas destino fixo daqueles que ai trabalham.

    A hist6ria do individuo e aquela que produziu 0espalfo e que a ele se imbrica por is so que ela pode serapropriada. Mas e tambern uma hist6ria contradit6ria de poder e de lutas, de resistencias compostas porpequenas formas de apropriacao,

    o espalfo do poder enquanto espalfo do vazio e 0espalfo do interdito / interditado. Os espalfos damonumentalidade se cruzam, e 0espalfo do poder, e por isso "do ver". 0 espalfo e construido em funcao deurn tempo e de uma l6gica que impoe comportamentos, modos de usa, 0tempo e a duracao do uso.

    Na metr6pole paulista os exemplos sao imimeros tanto que nao se tern 0habito de andar pela cidade,nem pelos bairros, e facil comprovar isso passando de carro pela cidade as ruas sao vazias de pessoas, s6 as

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    areas comerciais e de services sao animadas pelo movimento de pedestres e, com isso animam a rua. Porquemesmo quando a morfologia nao impede os passos e a logica do tempo/ atividade que 0 faz.

    Praca Panamericana, proximo a USP, e tao inospita ao pedestre quanto a Place de la Concorde ou aindamais, pois ela nao e usada nem para travessia de pedestre. E quase impossivel acessa-la, e tambem com grandedificuldade que urn pedestre pode ir dai ate a Cidade Universitaria a pe (que fica himenos de 2 km ) devido aconstrucao dos caminhos congestionados de carro, com calcadas que terminam antes de se chegar a algumlugar. Sem semaforos adequados a quem esta sem carro, isto porque, na realidade, e uma area para carros,construida com essa logica, Do outro lado da ponte que cruz a 0rio Pinheiros temos a monumentalidade vaziada Cidade Universitaria com seus predios premiados como simbolos de arquitetura, mas inospitos, posto quevazios a convivencia, representam, a meu ver 0 triunfo das formas, nao da vida.

    E ametr6pole esta che ia destes lugares,vazios de sentido para0c idadao comum, do ponto devista d a s possibilidadesamplas do uso, mas sob 0mesma concepcao - onde as formas se impoem a apropriacao

    o caminho que se abre a analise e pensar 0 cotidiano - onde se realizam 0 local e 0mundial - que eurn tecido pelas maneiras de ser, conjunto de afetos, as modalidades do vivido, proprios a cada habitanteproduzindo uma multiplicidade de sentidos. Podemos bus car 0entendimento do lugar nas praticas mais banaise familiares 0que incita pensar a vida cotidiana segundo a logica que the e propria e que seinstala no insignificante,no parcelar, no plural.

    Para Jose de Souza Martins "a historia local e a historia da particularidade embora ela se determine peloscomponentes universais da historia, Isto e, embora na escala local raramente sejam visiveis as formas e conteudosdos grandes processos historicos, ele ganha sentido por meio deles quase sempre ocultos e invisiveis (...) e noambito do local que a historia e vivida e e onde pois tern sentido" 4. E preciso levar em conta que a historia ternuma dimensao social que emerge no cotidiano das pessoas, no modo de vida, no relacionamento com 0outro,entre estes e 0 lugar, no uso.

    A producao espacial realiza-se no plano do cotidiano e aparece nas formas de apropriacao, utilizacao eocupacao de urn determinado lugar, num momenta especifico e, revela-se pelo uso como produto da divisaosocial e tecnica do trabalho que produz uma morfologia espacial fragmentada e hierarquizada. Uma vez quecada sujeito se situa num espa

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    o LUGAR NA " ERA DAS HEnEs" 1Num mundo em constante processo de transformacao, onde a globaliza

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    NN

    nao suprime 0local. 0 lugar seproduz na articulacao contradit6ria entre 0mundial que se anuncia e a especificidadehist6rica do particular. Deste modo 0l u ga r se apresentaria como 0p on to d e a rt ic ula fa o entre a mundialidade emconstituicao e 0local enquanto especificidade concreta, enquanto momento. : E no lugar que se manifestam osdesequilibrios, as situacoes de conflito e as tendencias da sociedade que se volta para 0mundial. Mas se a ordempr6xima nao se anula com a enunciacao do mundial, recoloca 0problema nurna outra dimensao, neste caso 0lugar enquanto construcao social, abre a perspectiva para se pensar 0viver e 0habitar, 0uso e 0consumo, osprocessos de apropriacao do espac,:o.

    Ao mesmo tempo, posto que preenchido por multiplas coacoes, expoe as pressoes que se exercem emtodos os niveis aponta para a fragmentacao do mundo na dimensao do espac,:o, do individuo, da cultura etc.que se gesta concomitante ao mundial.

    o lugar e produto das relacoes humanas, entre homem e natureza, tecido por relacoes sociais que serealizam no plano do vivido 0que garante a construcao de urna rede de significados e sentidos que sao tecidospela hist6ria e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que e ai que 0homem se reconhece porqueeo lugar da vida. 0 sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a producao do lugar liga-se indissociavelmentea producao da vida. "No lugar emerge a vida, pois e ai que se da a unidade da vida social. Cada sujeito se situanum espac,:oconcreto e real onde se reconhece ou se perde, usufrui e modifica, posto que 0 lugar tern usos esentidos em si" 2. 0 lugar guarda e revela urna ideia cara a Geografia que Max Sorre 3 explicita atraves dadefinicao de Geografia Hurnana enquanto analise da vida humana e que Duvignaud 4 expressa em outrostermos ao afirmar que a reflexao sobre 0espac,:o e uma analise da vida.

    Assim a analise do lugar envolve a ideia de urna construcao, tecida por relacoes sociais que se realizamno plano do vivido 0que garante a constituicao de urna rede de significados e sentidos que sao tecidos pelahist6ria e cultura civilizat6ria que produz a identidade homem - lugar, que no plano do vivido vincula-se aoconhecido - reconhecido.

    A natureza social da identidade, do sentimento de pertencer ao lugar ou das formas de apropriacao doespac,:oque ela suscita, liga-se aos lugares habitados, marcados pela presenc,:a, criados pela hist6ria fragmentariafeitas de residues e detritos, pela acumulacao dos tempos, marcados, remarcados, nomeados, naturezatransformada pela pratica social, produto de urna capacidade criadora, acumulacao cultural que se inscrevenum espac,:o e tempo.

    Isto e, 0lugar guarda em si e nso fora dele 0seu significado e as dimensoes do movimento da historiaem constituicao enquanto movimento da vida, possivel de ser apreendido pela mem6ria, atraves dos sentidos.Isto porque a realidade do mundo moderno reproduz-se em diferentes niveis sem com isso eliminar-se asparticularidades do lugar pois cada sociedade produz seu espac,:o, deterrnina os ritmos de vida formas deapropriacao expressando sua funcao social, projetos, desejos.

    o lugar contem urna multiplicidade de relacoes, discerne urn isolar, ao mesmo tempo em que apresenta-se como realidade sensivel correspondendo a urn uso, a uma pratica social vivida, Neste contexto 0 lugar revelaa especificidade da producao espacial global, tern urn conteudo social e s6 pode ser entendido nessa globalidadeque se justifica pela divisao espacial do trabalho que cria uma hierarquia espacial que se manifesta na desigualdadee configura-se enquanto existencia real em funcao das relacoes de interdependencia com 0todo, fundamentadana indissocializacao dos fenomenos sociais. Para Lefebvre "os lugares tanto se opoem como se completam ou2Ana Fani Alessandri Carlos, "0 lugar: mundializacao e fragmentacao" in F im d e s ec ulo e g lo b ali za fa o. Hucitec Sao Paulo, 1993.3Max Sorre. L es fo nd em en ts d e fa g eo gra ph ie H um ain e , tomo III p. 6. Librairie Armand Colin. Paris 1952.4 Jean Duvignaud, L ieu et non lieu x: Editions Galilee, Paris 1977, p. 9.

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    se reunem 0que introduz urna classificacao por topias, (isotopias, heterotopias, utopias, quer dizer lugarescontrastantes), mas tambem e, sobretudo, urna oposicao altamente pertinente entre os espa

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    Nessa perspectiva pode-se pensar a lugar definido a partir dos entrelacamentos impastos pela divisao (espacial)do trabalho, articulado e determinado pela totalidade espacial; portanto nao e uma forma aut6noma dotada devida propria, uma vez que sua reproducao se acha vinculada ao carater social e historico da producao doespalfo geografico global. Revisitar a nocao de lugar e urna imposicao hoje na medida em que de urn lado asrelacoes sociais de producao tern uma existencia social enquanto existencia espacial, isto e projetam-seconcretamente no espalfo, depois porque temos diante de nos urn mundo que parece encolher-se com adesenvolvimento acelerado dos meios de comunicacao e da informatica que diminui de forma impressionantea tempo do percurso no espalfo. As redes de satelites parecem unir todos as pontos do planeta, produzindouma visao instantanea dos acontecimentos a que nos coloca diante de profundas mudancas de escala no que dizrespeito ao espalfo. "Os meios de transportes rapidos poem qualquer capital no maximo ha algumas horas dequalquer outra. Na intimidade de nossas casas, imagens de toda especie transmitidas par satelites, captadas parantenas que guarnecem as telhados das mais afastada de nossas cidadezinhas, podem dar-nos uma visao instantaneae, as vezes simultanea de urn acontecimento em vias de se. produzir no outro lado do planeta. Alem disso epreciso constatar que se misturam diariamente nas telas do planeta as imagens da informacao, da publicidade eda ficcao, cujo trabalho e cuja finalidade nao sao identicos, pelo menos em principia, mas que compoe debaixode nossos olhos, urn universo relativamente hornogeneo em sua diversidade" 10.

    o proximo e a distante ligam-se quase que instantaneamente pela mediacao da midia; mas nao so delapais nao podemos esquecer da tendencia a flexibilizacao do trabalho que faz emergir urn novo personagemque e a ciberexecutivo que passa a maior parte do tempo fora da empresa mas a ela conectado pela comunicacaomovel baseada na telefonia celular nos micros computadores portateis, A isso se associa a ideia do telecommuting e ainternet, onde uma gama cada vez mais diversificada e densa de services o n lin e sao oferecidos mudando a modocomo se realiza a trabalho no mundo moderno. Assim a lugar contem e diz respeito a urna ordem distante.

    Trata-se, portanto de desvendar as relacoes espaco/rempo no mundo moderno cuja mediacao e dadapela tecnica que implica em transforrnacoes profundas na reproducao das relacoes sociais provocadas pelaaceleracao do tempo que transforma as condicoes historicas do territorio engendrando novas relacoes sociaisproduzindo urn espalfo regulador/ordenador que explode no seio do espalfo mundial que tende a estabelecer-se.

    o lugar na era das redes traz a ideia de que as novas processos de producao e de troca se dao hoje deoutra forma no espalfo nurn momenta em que as vias de transportes e de comunicacoes mudam radicalmentesua configuracao que nao passa somente pelas rotas terrestres tradicionais - maritimas, rodoviarias, ferroviarias- mas cada vez mais aereas, via satelites e atraves da ainda em instalacao as superh ighwqy que criam a aparenciade que se perde as bases territoriais. Na realidade a tendencia a anulacao do ternpo Zdistancia entre lugares noespaco do globo terrestre parece diminuir de tamanho articulando lugares agora atraves das redes de altadensidade de trocas de informacoes, Para Guehemo" a essencial "nao e mais dominar urn territorio mas teracesso a uma rede. Estas transforrnacoes explicam tambem como a homem voltou a ter mobilidade. 0processo de fixacao num lugar dos ultimos seculos acabou e as migracoes recomecam", Na realidade e precis arelembrar que se trata de migracoes de todos as tipos pais junto com urn densidade nunca vista de informacoesque se expandem e tomam a mundo nas redes de dados de alta velocidade, propiciando conexoes acessiveispar meio de perifericos inteligentes conectados na tv au mesma em linhas telef6nicas que dispensam ateme sma a computador, temos urna massa sempre crescente de capital errante que giram pelo globo em velocidadesnunca vistas permitindo a captacao de recursos e investimentos e aplicacoes nos pontos mais remotos do planeta.

    "Marc Auge, Nao lugares , Campinas: Papirus, 1994 p. 34:llJean Marie Guehemo, 0 fim r ia democracia, Rio de Janeiro: Ed. Bretrand do Brasil, 1994, p. 22.

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    Para Pierre Veltz" 0aspecto essencial e a componente comunicacional das novas tecnicas, as possibilidadesque elas oferecern de interconectar as tarefas, os sistemas, as organizacoes e a potencia dinamica de integracaoque dai resulta. Para 0autor a nova palavra de ordem e "uma soma otima de locais nao cria urn o ti m u n g l ob a l. Epreciso integrar, sistematizar 0 ciclo desde a concepcao ate a distribuicao Esta l6gica se encontra tanto nasgrandes utopias de informatizacao integrada do tipo Computer Integreted Manufacturing quanto na filosofiada gestae em fluxo do ju s t in tim e ou gestio por projetos (.....). 0 conjunto compoe urna paisagem na qual nao sesabe mais onde comecam e onde acabam as fronteiras da empresa que no limite nao passa de urna ficc;:aojuridica".

    A integracao de funcoes a partir de urna gestae informatizada, a modernizacao do aparelho produtivopermitem a racionalizacao do processo produtivo e com is so uma nova localizacao industrial posto quedependente da acumulacao tecnica no lugar, com a invasao do microprocessador implicou em novos processosde trabalho, urn nova divisao a do trabalho na industria, tanto interna quanto para fora dela. Com a gestae daproducao feita por computadores permite organizar 0trabalho em sessoes separadas e entre estabelecimentosde urna mesma firma, entre firmas atraves da subcontratacao - tarefas autonornas e subordinadas - que seamplia cada vez mais indo da concepcao a comercializacao do produto. Isto produz no espac;:o0fenorneno dadesintegracao vertical de grandes firmas em firmas especializadas que Lipietz" trata com consequencia daautomacao flexivel e da gestae informatizada, que gesta urna rede de firmas especializadas que trabalha porsubcontratacao para uma ou varias firmas contratantes, mudando a relacao do espac;:opois gera a desintegracaoespacial das unidades produtivas, 0que requer urna maior articulacao entre parcelas do espac;:o,a partir de umarede de transportes eficiente e rapida, alem da comunicacao via satelite para difusao imediata de decisoes numespac;:ocada vez mais amplo. Tudo isso significa que 0controle total do fator tempo e urn elemento cada vezmais importante do ciclo produtivo que produz urna rede de firmas especializadas articuladas nurn fluxo continuode bens materias e imateriais, com enfase nos services e consultorias altamente especializados.

    Esse novo estagio que se anuncia no processo de producao sob a egide do emprego macico e necessarioda tecnica exige cada vez mais investimentos, aplicacao em centros de pesquisa apoiados em conhecimento deponta nurn ambiente de grande competicao internacional. Esse processo se de urn lado, aprofunda a relacaoentre os lugares como condicao primeira da reproducao, por outro muda os requisitos e atributos do lugar, ospaises subdesenvolvidos, por exemplo perdem suas vantagens locacionais assentadas em materias-primas eenergia abundantes e mao de obra barata. Em primeiro lugar a materia-prima esta mudando e nao se precisatanto de mao de obra alem do que esta deve ser cada vez mais especializada, por sua vez 0ciclo de vida doproduto se ve encurtado e 0grau de competitividade aurnenta, por fimhinecessidade maior de investimentos. ''Agestao integrada do tempo torna-se a variavel estrategica da compericao e da regulacao (...) 0que significa queos impactos espaciais passarao por l6gicas temporais deferenciais do que por vantagens de custos diretos" 14.Assim, com base nas novas tecnologias, as localizacoes industriais obedecem a urn novo padrao formando ostecnopolos, as metr6poles policentricas, onde 0processo em curso de desconcentracao do capital, alem daconcentracao de novas modalidades de atividades urbanas. Por outro lado 0 mercado e cada vez mais mundialdando ao produto nova mobilidade espacial. Sao elementos que apontam para urna mudanca do sentido do lugarmas sem esconder 0 fato de que 0 processo de globalizac;:ao realiza-se aprofundando as contradicoes entre 0local e 0mundial, reafirmando e aprofundando a desigualdade espacial gestada no seio da producao capitalista.

    12 "Nouveuax modeles d'organization de la production et tendences de l'econornie territoriale" in La rfy na miq ue s pa tia le d eI 'e c on im i e c o nt empora in e . La Garenne-Colombe: Sous la direction de G. Benko Editions de l'espace European, 1990, p. 57-58.13Alain Lipietz. "0 p6s fordismo e seu espaco" in E sp afo e D eba te, numero 25. Sao Paulo, 1988, p. 22.14 Valtz. op cit., p. 60/61.

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    Por outto lado a globalizacao aponta para uma discussao de tendencias que nos coloca diante da perspectivade urn processo ainda em realizacao, enquanto possibilidade, tendencias que se gestam no presente e se abrempara 0futuro, numa sociedade mundial que se manifesta e se expressa no lugar.

    Para Milton Santos" 0 lugar per mite ao mundo realizar-se, a oportunidade de uma historia que ao serealizar muda, ttansforma, determina a ac,:ao,e onde os homens estao juntos vivendo, sentindo, pulsando, e quetem a forca da presenc,:a do homem. Esta e para 0Autor a abertura da Geografia neste final de seculo,

    15Conferencia realizada no V Congresso Latino Americano de Ge6grafos, Habana, Cuba, 31 de julho a 5 de agosto, 1995.

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    A GUERRA DOS LUGARES 1oAleph? Sim0lugar onde estao sem se confundir todos os lugares domundo vistos de todos os angulos diferentes.

    J.L.Borges

    Como nos posicionarmos diante da ideia de que existiria uma guerra dos lugares pela atividade? Ao nosreferirmos a uma guerra nao estariamos atribuindo, erroneamente, 0estatuto de sujeito ao espa

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    Constata-se tambem, hoje, grandes transformacoes no processo produtivo em funcao do desenvolvimentode novas tecnologias que produzem, incessantemente transformacoes na organizacao do trabalho e da producaofato que produz uma nova articulacao espacial. Antigas regioes industriais perdem importancia em detrimento deoutros lugares criando uma desintegracao espacial porque 0 capital migra constantemente em funcao das suasnecessidades de reproducao 0que se traduz pela busca de novas vantagens locacionais. Com isso presenciamosuma nova redistribuicao espacial da atividade e do emprego.

    Novas tecnologias of erecern novas possibilidades de organizacao industrial gralfas a gestae de fluxo deinformacao e de produtos assistidos pelo computador, a flexibilidade dos equipamentos a fabricacaoautomatizada de alta precisao, a concepcao modular dos produtos e montagem automatizada do conjunto. Asegmentacao em m6dulos do processo de trabalho, a gestae integrada que permite as transformacoes dosprocessos sequenciais em processos de fluxo continuo alem da producao continua de bens diferenciados. geraas firmas especializadas que pode se realizar espacialmente, segundo Lipietz", atraves de uma integracao ouexplosao espacial. Deste modo 0novo ponto de equilibrio em formacao passa a ser a firma especializadaproduzindo uma gama restrita de bens diferenciados que aprofundam a divisao do trabalho e criam uma, rede defirmas especializadas.

    A condicao da Iocalizacao atual esta baseada na industria de alta tecnologia que impoe uma trajet6ria docrescimento intensiva em conhecimento e requer uma infra-estrutura de natureza diferente da anterior. Astelecomunicacoes, por exemplo envolvem a instalacao de fibras 6ticas, satelites espaciais, redes de comunicacaode dados e, operarios altamente qualificados. Esse processo se da com grandes distorcoes pois as areasbeneficiadas sao aquelas com melhor condicao para incorporar novas tecnologias. No plano do espaco mundialos paises centrais sao aqueles que nessa nova divisao do trabalho estao mais equipados 0 que aprofunda adesigualdade do processo no espalfo mundial hierarquizando-o.

    o Estado produz 0 espalfo regulador e ordenador que tende a estabelecer-se no seio do mundialreproduzindo a oposicao centro-periferia que se estende das grandes capitais e cidades mundiais ate as regioesdos paises em desenvolvimento, 0que significa a dominacao de centros sobre 0espalfo dominado que exercemcontrole do ponto de vista organizacional administrativo, juridico, fiscal e politico sobre as periferias, coordenando-as e submetendo-as as estrategias globais do estado. Estrategias de poder fundados no aparelho estatal enquadramterrit6rios e populacoes reproduzindo urn espalfo de confrontos e conflitos. Firmas multinacionais operam emescala planetaria tecendo interacoes complexas, regulacoes e negociacoes permanentes.

    Desse modo 0que se questiona hoje e a existencia de urn Estado-Nacao que nao tern mais sentidopois os espacos das nacoes tendem a explodir. Para Lefebvre a realidade do mundo moderno se estabelececomo globalidade, 0 estado moderno generaliza-se, mundializa-se enquanto sistema de Estados. 0 processode globalizalfao cria a unificacao do espaco mundial onde a organizacao se produz a partir de uma hierarquia deestados que vao do centro a periferia a partir de relacoes de dorninacao-subordinacao que tern como elementode articulacao 0mercado mundial.

    o espalfo das empresas multinacionais e descontinuo, 0novo deste momenta que estamos vivendo ea possibilidade de - com as novas tecnologias - superar essa situacao, Mas, por outro lado deve-se consideraro fato de que a hierarquizacao espacial se acentua promovendo 0 aprofundamento da segregacao espacialurbana pois as diferenciacoes na distribuicao social dos services a populacao aumentam com a reducao dasdespesas publicae e com a privatizacao dos services.

    "Alain Lipietz. L 'ap res ford ism e et son e sp ace. Paris: CEPREMAP, s/d,

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    Esboca-se assim urna nova divisao espacial do trabalho hierarquizada atraves da producao de espac,:oscapazes de incorporar a nova tecnologia baseada nurn sistema educacional, laborat6rios, centros de pesquisa,redes eficientes de comunicacao e capacidade de absorver novas formas de producao, alem de recursos hurnanos.Portanto, no espac,:o,ha 0 fenorneno de concentracao que envolve de redes articuladas a partir de estrategias definidaspelo estado atraves de politicas de subvencao e de investimentos aliado a criacao da infra-estrutura.

    ''A tendencia a concentracao geografica se opoe a tendencia a dispersao, e nao ha uma garantia deequilibrio estavel entre elas. As forcas que levam a aglomeracao podem facilmente produzir urna concentracaoexcessiva que se opoe a acumulacao anterior. As forcas que levam a dispersao podem, igualmente, sair docontrole. Ademais as revolucoes em tecnologia,em meios.de comunicacao e de transporte na centralizacao edescentralizacao de capital (incluindo 0grau de integracao vertical) nas convencoes rnonetarias e de credito, nasinfra-estruturas sociais e fisicas, afetam materialmente 0 equilibrio das forcas que estao em ac,:ao.Isto impoefases ao capital- algumas vezes simultaneas outras sucessivas - em que abundam e ampliam as configuracoesespaciais das forcas produtivas e das relacoes sociais. E atraves dessa teoria que se pode entender melhor 0desenvolvimento acelerado das forcas produtivas em urn lugar e nao outro/"

    A concentracao de novas tecnologias no espac,:o forma 0 que se chama de tecnopolos que nada mais edo que uma forma avancada de implantacao de estabelecimentos de pesquisa e tecnologia de ponta. No dizerde Droulers sao cidades caracterizadas por centros de pesquisa de ponta, industriais inovadoras formacaosuperior que ultrapassa a concentracao urbana.

    o que diferencia os lugares, do ponto de vista da sua competitividade no espac,:oregional e nacional e suacapacidade de concentrar infra-estrutura necessaria ao desenvolvimento do processo de reproducao, Assim ainfra-estrutura e as instituicoes sociais se coligam dentro de um sistema de relacoes sociais. Nesse sentido e s6nesse contexto se pode falar que 0 lugar regula 0 intercambio, 0 credito, centraliza 0 capital assim como aconcorrencia entre capitalistas pelas condicoes mais favoraveis de infra-estrutura, credito, mao-de-obra, Alemdo que 0 lugar tambern concentra as condicoes de reproducao da forca de trabalho, da vida cultural dos meiosde vigilancia, administracao e a repressao, Esses produzem 0espac,:oporque os atores sociais ai se concentrame os capitais ai se centralizam juntamente com 0poder.

    Nesse sentido 0desenvolvimento tecnico e cientifico aplicado a producao, 0desenvolvimento do mercadomundial e das empresas multinacionais, longe de anularem 0 espac,:o, permitem sua mundializacao pois, osmecanismos espaciais repousam na justaposicao entre 0 local, 0 regional e 0nacional e, nesse sentido, 0 espac,:ointeiro torna-se 0lugar da reproducao, que se realiza tendo como pano de fundo 0mundial que se sinaliza nastendencias pela atenuacao das fronteiras nacionais e na constatacao de que 0local se torna global e 0global selocaliza no lugar.

    A imaterialidade do processo de producao atual que se acentua, fundamentalmente, no desenvolvimentodos circuitos informativos, 0 que aponta como tendencia 0 desenvolvimento das i ti fo rma ti on s u pe r h ig w q y s, redeformada por cabos de fibra 6ticas conectadas a supercomputadores - criadas pela fusao das telecomunicacoese informatica e que vai colocar todos em contato com todos - atesta que vai ser possivel nurn futuro naomuito distante comprar, operar urn banco, assistir uma aula, ou quaisquer filmes sem sair de casa. Mas e bomnao esquecer que as mercadorias compradas no shopping virtual sao materiais e precis am chegar as maos doconsurnidor, bem como 0 dinheiro para comprar miudezas, 0 que implica nurn percurso pelo espaco, Istosignifica que 0processo nao perdeu toda a materialidade. 0 desenvolvimento das forcas produtivas que agiliza

    5David Harvey. " Lo s l im i te s d el c ap it al is m o y l a t e or ia ma r xi st a ", Mexico: Editora Fonda de Cultura Econ6mica, 1990, p . 421.

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    a circulacao de capitais, moedas, mercadorias, ideias, trabalho - e que tern no fluxo urna eventual limitacao -nao anula a fato de as condicoes de producao sao tambem materiais cristalizam-se no plano da cidade, notracado das ruas, na confluencia das vias de aces so.

    As rotas se materializam espacialmente revelando estrategias concretas das empresas na fabricacao/criacao de objetos materiais pais nem toda producao e imaterial apesar de ser esta a tendencia, Podemos fazeruma analogia com relacao ao autom6vel au mesmo com a aviao, Eles permitiram maior locornocao, daspessoas em escalas sempre maiores, ganhou-se enormemente em mobilidade. No casa do carro teve grandeimportancia na reproducao de espac,:o urbano permitindo a criacao da cidade polinucleada, dos suburbiosresidenciais as margens do sitio da metr6pole, mas a tempo de percurso que se ganhou com a carro, naoeliminou a espac,:oa ser percorrido, mas apenas a tempo de Iocornocao. A i nf orma ti on s u pe r h ig w q y , conectandoas mercados do mundo nao vai conseguir eliminar a producao nurn determinado lugar. Para funcionar precis ade uma rede instalada de fibras 6ticas e seu tamanho vai ser decisivo, 0 Brasil, par exemplo esta arras do Chilecom apenas 600 km de cabos instalados contra 5000 km, as USA tern 18 milhoes de km de cabos 6ticos delonga distancia,?

    Assim a espac,:oe [ustaposicao de fluxos, mas tambem, justaposicao de unidades produtivas cuja producaointegra processos produtivos, centros de intercambio, de services, mao-de-obra, produzindo urna configuracaoespacial propria, Isto significa que a capital se concentra enquanto capital fixo sem todavia de ixar de se r e s s enc ia lmen tecirculante. Apesar das redes de transrnissao eletronica dos dados da producao, par satelites, a localizacao dasempresas guarda concretude no lugar. Deve-se tambem pensar que as referencias sao cada vez mais universais,mas a vida se localiza, e ganha sentido no cotidiano. A relacao espaco-ternpo, bern como a relacao entre fixose fluxos assinalam a totalidade do processo que se realiza enquanto mundial, porem localizado.

    Nesse contexto, a ideia de lugar unico se recicla pais todos as lugares se articulam aos demais e asociedade se mundializa e se faz presente em cada lugar. Se a localizacao concreta do lugar the da materialidadeespecifica, sua existencia pontual nao exclui a mundial.

    o sentido do mundial e aquele das redes de fluxos, das interrelacoes pelos satelites dando urn novosentido para a espac,:o e para a tempo. Nova velocidade fruto da revolucao tecnica e do desenvolvimento dainformatica, das s u pe r h ig h w q ys produto do desenvolvimento do binornio industria-tecnologia que torna maisflexivel a Iocalizacao e que requer a reconstituicao dos lugares.

    Permanece, par outro lado, as bases sabre as quais se estabelecem as elementos do crescimento. 0 quese presencia no cenario mundial e a nova relacao entre a estado e a economia que atraves de incentivos,subvencoes, protecao, reestruturacao de indus trias maduras acabam produzindo uma nova relacao espacial. Asareas de industrializacao antiga tendem a sofrer fuga de capitais algumas sao remodeladas com a introducao denovas tecnologias e, de outro lado ha a que Soja chama de uma re-industrializacao seletiva que vern detendo adeclinio em algumas regi6es (caso da Nova Inglaterra) au concentrando a expansao industrial em novas complexosterritoriais tipicamente na periferia das grandes areas metropolitanas. Ocorre tambem a fato de que as novasatividades se realizam acompanhando, de certa forma, a antiga concentracao industrial.

    Aqui pode ser citado a casa da metr6pole paulista onde assistimos a urn processo de desindustrializacaocom a estancamento da localizacao industrial no municipio de Sao Paulo, Santo Andre, Sao Caetano, Magi dasCruzes e Osasco com a mudanca de estabelecimentos industrials apontando para urn processo de terceirizacao,Tal situacao recebe a incentivo das politicas publicae que favorecem a processo de interiorizacao criando infra-6Revista Exame, N 11, ana 26, 1994.

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    estrutura basica para 0 desenvolvimento, das atividades economicas no interior e direcionando os investimentos.Configura-se nesse momenta 0 que se convencionou chamar de macrometr6pole ou complexo metropolitanoexpandido (CME) - ao longo de urn espa

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    como pano de fundo a mundializacao da sociedade, da economia, da cultura e do espa

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    o espac;:o intervem na producao e organizacao do trabalho produtivo, ao mesmo tempo em quedetermina as relacoes de producao e tambem produtor e produto, suporte das ralacoes sociais e, portanto ternpapel importante no processo de reproducao geral da sociedade, urna producao espacial que aparece nasformas de apropriacao, utilizacao e ocupacao de urn determinado lugar, num momenta espedfico que serevela no uso, como produto da divisao social e tecnica do trabalbo que produz uma morfologia espacialfragmentada e hlerarquizada. Na realidade 0que se tende a eliminar nao e 0espac;:o que e cortado por urncomplexo de redes e fluxos inumeros, e que e fundamental para sua materializacao, 0 que se tende a eliminareo tempo atraves de sua compactacao,

    Para Lefebvre, a producao de urn espac;:opolitico mundial aparece como urn devir desigual cheio decontradicoes com regressoes, deslocamentos e saltos. Deste modo a ac;:aodo Estado engendra 0espac;:o dat e l i s c o p a g e entre 0publico e 0privado referentes ao choque entre duas praticas; uma logistica global, racional ehomogeneo (vinculada as estrategias do Estado que produz a cadeia de equivalentes) e outra local, vinculadaaos interesses privados (aqueles dos promotores e dos agentes da producao do espaco), Nesse embate consolida-se urn novo espaco em escala nacional e supranacional.

    As analises referentes as transforrnacoes espaciais hoje devem levar em conta as novas tendenciaspresentes no processo de reproducao social que tern levado a uma nova redistribuicao das atividades e comisso mudando estruturas urbanas regionais e nacionais. Para Preteceille, as mudancas das estruturas urbanasestao evidentes resta saber quais os mecanismos dessas transformacoes identificadas seja a partir dastransforrnacoes do processo de trabalbo ligado a difusao de novas tecnologias, seja nas perspectivas macroeconomicas ou macro sociais levando em consideracao a nova DIT (Divisao Internacional do Trabalbo) oumais recentemente as formas globais dos processos de acumulacao do capital em suas relacoes dominantes dareproducao social. 12

    As transformacoes urbanas que se operam com a crise afetam, principalmente, a populacao operaria,Diretamente por causa da diminuicao do nurnero dos empregos oferecidos provenientes das transformacoesdo processo de trabalho na industria e do papel decrescente que determinadas atividades nos processos dereproducao atual. Ha no mundo moderno grandes transformacoes demograficas, As grandes aglomeracoesvern diminuindo sua populacao, tendencia que ja se esboca na Franca e Italia desde a dec ada de 70. Asrnigracoes para os grandes centros se desaceleram, as mudancas na economia trazem uma menor mobilidadepor razoes profissionais.

    Cria-se urn espac;:o que tambem tern urna dimensao instrumental enquanto lugar e meio da reproducaodas relacoes de producao que engloba a producao do espac;:oem geral. Este nao aparece na analise enquantoelemento abstrato, visto que organiza-se em funcao da divisao do trabalho na escala planetaria, assentadas emestrategias mundiais. Resultado da superposicao de diferentes niveis tanto economic os quanto politicos. Produz-se espacialmente urna morfologia estratificada hlerarquizada enquanto imbricacao de espac;:os dominados-dominantes, como consequencia da hlerarquia social.

    A leitura do mundo de hoje passa pelo entendimento do processo de globalizacao da cultura, da economia,dos valores, do conhecimento, das ideias, Mas 0 espac;:o nao se coloca em abstrato, 0 espac;:o planetario sereorganiza em funcao da nova DIT em funcao de estrategias mundiais, que como afirma Lefebvre resulta dasuperposicao de niveis diferentes economicos e estrategicos onde tudo converge para 0 problema do espac;:o,ele e a primeira via para se chegar ao mundial."

    12Edmond Preteceille, M uta tio ns U rb ain es et p olit iq ues lo ca ux. Paris: CSU, 1988.13Henri Lefebvre, L es t em p s d es m ep ris es . Paris: Editora Stock, 1975, p. 217.

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    Em Lefebvre - onde espa

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    A NATUREZA DO ESPA

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    recolhe automaticamente, formando urn tempo continuo e sem cortes aparentes,"? 0 ritmo da metr6pole e aqueleda velocidade continua, de urna anamorfose que faz da fugacidade urn espetaculo de imagens sem sentido.

    o carater da globalidade da urn novo sentido a producao l at u s en su . Urn novo espaco tende a se criar naescala mundial. 0 aprofundamento da divisao social e espacial do trabalho busca urna nova racionalidade, urnal6gica subjacente pelo emprego do saber e da tecnica, da supremacia de urn poder politico que tende ahomogeneizar 0espac;o atraves do controle, da vigilancia, apoiado na midia que reproduz urna realidade vividae imposta atraves da utopia da tecnologia que tende a programar e a simular 0futuro.

    A urbanizacao coloca, hoje, problemas atuais, produz-se em funcao das exigencias em materia decomunicacao, de deslocamentos os mais variados e complexos criando uma hierarquia de lugares. Os problemasatuais postos pela urbanizacao ocorrem no ambito do processo de reproducao da sociedade. Por is so mesmoa globalizac;ao tambem produz modelos eticos esteticos, gostos, valores, moda, constituindo-se como elementofundamental da reproducao das relacoes sociais, urn cotidiano, ainda em formacao, onde todas as relacoessociais passam a ser mediadas pela mercadoria. Por isso mesmo 0processo de mundializacao da sociedadeurbana nao elimina, mas aprofunda 0 processo de fragmentacao contido no espaco, na ciencia, na cultura, navida do homem.

    A globalizac;ao e a fragmentacao dao-se no plano do individuo, tanto quanto no espac;o. Na sociedadeessa fragmentacao da-se atraves da dissolucao de relacoes sociais que ligavam os homens entre si, na vidafamiliar e social bern como na sua relacao com novos objetos dentre eles a tv que banaliza tudo, da religiao apolitica, atraves de seu poder hipn6tico extraordinario que consegue transformar a guerra num aparato comico(como aquele que vimos na "guerra do Golfo''). A segmentacao da atividade do homem massacrado peloprocesso de homogeneizacao, onde as pessoas "pasteurizadas tornam-se identicas", presas ao universo docotidiano, submissas ao consumo e a troca, capturadas pela midia, encontram-se diante do efemero e dorepetitivo como condicao da reproducao das relacoes sociais.

    No caso do espac;o - no lugar -, este aparece como produto de urna atividade dividida, onde a sefragmentacao ocorre enquanto produto do conflito entre 0processo de producao socializado e sua apropriacaoprivada. Esta fragrnentacao que se aprofunda divide 0espac;o em parcelas cada vez menores, que sao compradase vendidas no mercado, como produtos de atividades cada vez mais parceladas.

    Mundializado, 0espac;o fragmenta-se atraves de formas de apropriacao para 0trabalho, para 0lazer,para 0morar, para 0consurno, etc. Deste modo, 0espac;o fragmenta-se em espac;os separados, parcelas fixas,como consequencia de uma atividade parcelada fundada no trabalho abstrato. 0 espac;o aparece comomercadoria, apesar de suas especificidades, produzido e vendido enquanto solo urbano, cujo conteudo escapaaos individuos, posto que submissos a troca e a especulacao - urna troca que se autonomiza em relacao ao usonum processo de producao assentado na propriedade privada da terra que gera a apropriacao diferenciada doespac;o por extratos diferenciados da sociedade. Com isto transforma-se, constantemente 0 lugar e produz-seo estranhamento do lugar com atraves da perda das referencias,

    Essa fragmentacgo produz urn constante movimento de atracao-expulsao da populacao do centro paraa periferia e vice versa. Produz tambern urna multiplicidade de centros que tende a dissipar a consciencia urbanana medida em que 0habitar hoje a metr6pole tern urn sentido diverso, mudando habitos e comportamentos,bern como formas de apropriacao do espac;o publico, alem da dissolucao de antigos modos de vida e relacoesentre as pessoas. Bairros inteiros foram descaracterizados ou mesmo destruidos pelas necessidades de expansao3 Paul Virilio. E sth itiq ue de fa dispersion, Paris: Balland, p . 9.

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    desenfreada proveniente da acumulacao de capital que reproduz 0espa

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    Pode-se constatar, na Grande Sao Paulo, urn serio descompasso entre crescimento econornico, crescimentourbano, entre provimento de moradias e infra estrutura basica (hens de consumo coletivo) que estao na base dosurgimento de muitos movimentos sociais urbanos que poem em cheque 0modo como se da 0parcelamentodo solo urbano a partir do direito que a sociedade confere a propriedade privada. Como conseqiiencia temosum processo de producao espacial onde a reproducao da vida, nem sempre apresenta as condicoes minimasde subsistencia, isto porque ha ou inexistencia ou deficiencia de rede de agua, esgoto, asfalto, escolas, hospitaisou mesmo iluminacao e transportes. As favelas e os cortices, por exemplo, com areas infimas, onde se acotovelamfamilias numerosas nurna promiscuidade que lembra-nos as descricoes de Engels sobre a situacao de moradiados operarios na Londres do seculo XIX.

    Assiste-se 0 aprofundamento da segregacao espacial na maior metr6pole da America do sul, onde em1990 urna parcela significativa dos habitantes morava em cortices ou favelas (0 percentual passa de 11% em1970 para 36% em 1980 e atingindo 3.000.000 de habitantes nos anos 90), sem ignorar aqueles que perambulampelas ruas centrais da cidade e (que somam mais de 100.000, sendo que 32.000 s6 no centro da cidade) que s6tem como alternativa de rnoradia os vaos livres de pontes, viadutos e marquises de predios, Nesse sentido 0mundial que impoe 0 homogeneo nos coloca diante de contradicoes especificas de realidades hist6ricas e locaisespecificos. 0processo de producao da sociedade se, de urn lado cria urn espa

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    Deste modo, a crescente urbanizacao do planeta propicia a volatilizacao das relacoes sociais, atraves daampliacao do dominio do mundo da mercadoria que invade a vida das pessoas onde tudo e comprado evendido, posto que 0ato de troca e urn ato do cotidiano que traz como consequencia urna relacao entre sujeitosbaseada na cadeia de equivalencia de nao equivalentes. Os cidadaos perdem sua identidade concreta diante daidentidade abstrata do trabalho e surge a ideia de que para viver a modernidade e necessaria uma constituicaode Homero.

    A concepcao de heroi moderno, descrito por Rouanet, a proposito do tema em Benjamin 7, refere-se aofato de que no mundo moderno todas as energias psiquicas devem concentrar-se na consciencia imediata, parainterceptar os choques da vida cotidiana, 0 que envolve urn empobrecimento de outras instancias como amemoria e, com isso 0 heroi moderno perde todo 0 contato com a tradicao, transformando-se numa vitimada amnesia.

    o que deve ser mantido, perde-se para sempre, 0moderno impoe 0efemero, Mas se pensar-mos quea memoria e uma atividade, (aquela da apropriacao da natureza pela especie humana) 0que Rouanet chamoude amnesia pode ser entendido como "ausencia de memoria", nao como perda total, como produto do poderda abstracao, pois 0 cidadao esta preso ao universo da necessidade, nurn cotidiano repetitive, submetido abanalizacao do sentido do hurnano. Nao e a toa que a modernidade poe fim a j l t m e r i e , pois as transformacoesno processo de reproducao coloca-nos diante de urna nova nocao de tempo, imposto pela ciencia e pelatecnica. 0 ritmo acelera-se, explode para criar infinita e ininterruptamente novas formas. As metropoles setransformam em imagens agucando 0sentido da visao em detrimento daquele da audicao.l'O que aqui fala e amercadoria( ..) urn dos efeitos sociais mais notorios das drogas consiste no encantamento que os viciados, sobo efeito da droga, descobrem no cotidiano. 0 mesmo efeito a mercadoria extrai, por sua vez, da multidao quea embriaga e inebria."!

    Chamamos aqui "ausencia de memoria" 0 processo que diz respeito ao sentido da nao - identificacaoem relacao ao lugar (mas que guarda latente 0 seu oposto) como consequencia do processo de reproducaoespacial que tende a eliminar/ destruir 0que existe e que causa 0estranhamento do ser hurnano, produzindodentro do homem urn deserto que nas palavras de Saramago significa "tudo 0quanto esteja ausente doshomens ainda que nao devemos esquecer que nao e raro encontrar desertos e securas mortais em meio demultidoes."?

    Todavia a memoria tern outro sentido ela e tambem a possibilidade do resgate do lugar, revelando-o edando uma outra dimensao para 0tempo. Ainda nas palavras de Saramago "foi ontem, e e 0mesmo quedizer-mos foi ha mil anos, 0tempo nao e uma corda que se possa medir no a no, 0tempo e uma superficieobliqua e ondulante que so a memoria e capaz de fazer mover e aproxirnar.?"

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    OS LUGARES DA METROPOLE:A QUESTAO DOS GUETOS URBANOS

    " ... mas a cidade nao conta seu passado, ela 0contem como as linhas da mao,escrito nos angulos das ruas, nas grandes janelas, nos corrim5es das escadas, nasantenas dos para-raios, nos mastros bandeiras, cada segmentos riscado porarranhoes, serradelas, entalhes, esfoladuras ..."

    halo Calvino

    Vivemos, hoje, sob a egide de urn novo tempo, marcado pelo tempo abstrato imposto pela sociedadeprodutivista que determina a vida de relacoes e as possibilidades dos encontros. Espaco e tempo sao cada vezmais, no contexto das transforrnacoes do processo produtivo, dominados pela troca. 0 desenvolvimento docapitalismo, no estagio atual, tende a reduzir as diferencas e homogeneizar a sociedade reduzindo-a a urn mesmomodelo. Aqui 0 espac,:oe tempo entram nurna ordem: 0 tempo associado ao ritmo do processo de trabalho, presoa urn calendario rigido e0espac,:odominado por fluxos de mercadorias, capitais, informacoes, Ao se reproduziremdestroem as referencias urbanas e, como consequencia, a mem6ria social.

    Do ponto de vista espacial, que se refere especificamente - para condicoes das analises aqui desenvolvidas- a da grande cidade, podemos dizer que esta se refere mais a urn lugar unico, posto que contern cada vez maiso mundial, constitui-se a partir de valores, de urn modo de vida, de uma cultura, que dizem respeito a umasociedade urbana em constituicao; isto porque 0 desenvolvimento das tecnicas, das comunicacoes ligandotodos os pontos do espaco reproduzem urn mesmo padrao, Significa tambem dizer que as cidades tambernse assemelham no plano do construido. Nesse contexto, as relacoes entre 0 habitante e a cidade passam, cadavez mais, por novas determinacoes, posto que 0movimento incessante de transformacao por que passa asociedade atual reproduz urn espac,:oe urn tempo com amesma velocidade. Com isso produz-se, contraditoriamente,dois fenomenos a partir da relacao cidadao/rnetropole de urn lado 0estranhamento - como produto da perdados referenciais da vida e a criacao de novos padroes universais - e de outro 0 reconhecimento - como produto daconstituicao de identidades espaciais que gestam no plano do vivido. Isto e , coloca-se como fundamental que nosintersticios, no plano da vida, nem tudo foi completamente modelizado, cooptado, homogeneizado.

    o processo de urbanizacao que produz grandes transforrnacoes na metr6pole cria 0 fenomeno daconcetracao-centralizacao de poder que permite a extensao da periferia e do tecido urbano, integrando parcelasdo espac,:o atraves da gestae, revela, por sua vez, 0conflito pratico e social entre 0uso e 0valor de troca quereproduzem constantemente os laces de dominacao-dependencia, Nesses sentidos os lugares sao submetidos adorninacao da troca atraves da aplicacao de urn rigoroso criterio de rentabilidade. Assim as trocas fragmentamo espaco, processo que altera profundamente a vida cotidiana, atraves da sua institucionalizacao que cria urnavida programada e idealizada pelo consurno manipulado. E nesse contexto em que 0processo de producaodo espac,:ourbano tende para a homogeneidade, 0que nao elimina uma forte distincao de areas do territ6rio da

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    cidade, que se diferenciam pelos modos de apropriacao; usos. Sao areas de poder, riqueza, de lazer, espa

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    Na mesma vertente de raciocinio, pode-se dizer que a metr6pole contem 0mundial, sendo sua pr6priaexpressao, na medida em que se conecta com urn espa

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    de seguran

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    Esses contrastes no uso da metr6pole revelam a morfologia social hierarquizada mascando urna diferencaquanto a identidade na formacao do guetos, mas essa identificacao tambem pode ser dada por criteriosculturais, como e 0caso dos bairros formados por migrantes estrangeiros que reproduzem urn modo de vidaespedfico apoiados em referenciais de "outros lugares", de outros paises, que determinam comportamentos,valores, etc. Urn caso bastante tipico da metr6pole e constituido pelos bairros italianos - formados a partir daimigrac,:ao italiana do fim do seculo XIX e inicio do XX, que acabam produzindo "lugares na cidade" comcaracteristicas marcantes, como 0tipo das construcoes, a lingua, a cultura e a culinaria, Estes foram, durantemuito tempo, urn exemplo tipico do que estou definindo como "gueto urbano"; urna comunidade articuladae definida a partir de urna forte identidade que liga as pessoas ao grupo e que produz urn espaco determinadopor qualidades especificas, marcadas por relacoes sociais diferenciadas.

    Para Heidegger" 0 habitante, mortal s6 existe pelo seu enraizamento, sua adesao a urn terroi, urn lugar deorigem uma referencia familiar; e onde as redes de vizinhanca produzem e estabelecem identidades que"confortam minha individualidade e combatem minhas hesitacoes". Isto porque 0espac,:ose reproduz enquantolugar da vida em todas as suas dimensoes 0que foge a racionalidade homogeneizante imposta pelo processode reproducao, 0 vivido tern urn carater espaciallocal- no bairro. Liga-se ao habitar urn espac,:oproduzido. 0lugar da habitacao que envolve a pec,:ado apartamento ou da casa, a rua, 0 mercado ou centro comercial oucultural, os centros de services, areas de lazer ou mesmo de trabalho, descrevem e dao conteudo aos lugares dametr6pole, correspondem a usos, logo, a uma pratica espacial, ligando lugares e pessoas na metr6pole, postoque 0uso se refere sempre a urna pratica, atividade que deixa marcas.

    Como 0 espaco nao e para 0 vivido urn simples quadro e como 0 sujeito vive atraves de urn modo deapropriacao, a atividade pratica vai mudando constantemente 0 espac,:o e os seus significados, marcando erenomeando os lugares acrescentando, por sua vez, traces novos e distintos que trazem novos valores, presosaos trajetos construidos e percorridos.o bairro nos coloca diante de relacoes de imediatidade, enquanto lugar predpuo da reproducao noplano da vida imediata, mas esta reproducao se refere nao somente ao plano da ordem pr6xima mas realiza aordem distante, aquela da constituicao da sociedade urbana. : E nesse contexto que percebemos que hoje osbairros de migrantes se descaracterizam posto que se torna evidente que alguns guetos (que caracterizam ametr6pole, dando-lhe urn sentido cultural de diversidade) tend em a desaparecer em consequencia dastransformacoes que ocorrem no espac,:o como decorrencia da aceleracao tecnica do processo de reproducao,Nesse processo a cidade implode produzindo periferias imensas atenuando a centralidade, distanciando edeslocando pessoas. Este e tambem 0 caso dos bairros de migrantes italianos que sofreram urn processo totalde transformacao que destruiu as fachadas das casas, mudou os aspectos do uso da rua, criou novas funcoeseliminando-se a identidade cultural e 0 sentido da comunidade, mergulhando-os na tendencia homogeneizante doprocesso socioespacial da metr6pole. Isto porque a nova territorialidade caracteriza tambem 0desenraizamento,o anonimato e 0individualismo. Mas se nao resistem como urn todo, tambem demonstram, hoje, como aimplosao da cidade, as possibilidades e os referenciais nos bairros mais centrais da metr6pole e que ainda resistecada vez mais dentro de urn universo normatizado, enquanto residuos, resistindo ao caminho da urbanizacaoque reproduz, que compacta cada vez mais a mancha urbana da metr6pole, adensando-a.

    : E impossivel ignorar 0 fato de que 0homem para habitar produz urn certo espac,:o, delimita urnterrit6rio com 0qual se identifica. Mas tambem e impossivel ignorar que, cada vez mais na metr6pole as

    6 Citado porThierry Paquot. La ville, cit., p. 243.

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    formas de morar se constituem em exacerbacao de individualidades, pelo fato de 0cotidiano estar impregnadopor urn ritmo que impede a construcao de sociabilidades. Assim a reproducao da metr6pole, hoje, da-seexacerbando a contradicao entre a producao do estranhamento de urn lado e do reconhecimento de outro.

    o que ainda resta na metropole explodida, aqui e ali, sao pequenos movimentos em torno da manutencaode pequenas areas dos bairros, da resistencia contra a instalacao de estacionamentos subterraneos que implicariama derrubada de mores centenarias (caso da Praca Buenos Aires, no antigo bairro de Higien6polis), na lutacontra a instalacao das "zonas azuis" (areas de estacionamento nas ruas por urn periodo de uma ou duas horassob os cuidados da prefeitura da cidade) em algumas ruas da metr6pole (caso especifico da Rua Itarare nobairro da Bela Vista) posto que tal fato descaracterizaria a vida na rua; a luta pela manutencao do nome das ruasque os vereadores da cidade insistem em modificar, etc.; sao pequenas resistencias que enfocam a tendencia aperda dos referenciais urbanos mas tambem evidencias do fato de que 0 cotidiano e marcado por estrategiasdeterminadas pelo processo de reproducao das relacoes sociais nem sempre pres as a urn modelo fixo.

    Para Duvignaud, ha lugares parciais onde a atividade hurnana se exerceria em sua existencia diaria, comurn,trivial, onde os homens procuram uma intensidade de comunicacao que nao permitiria a imensidade do dominioglobal - seriam as seitas, grupos de todos os tipos, inclusive terreiros de macumba. "0 homem aproveita suavida nesses abrigos micosc6picos, nesses lugares fechados no interior de urn imenso espa

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    brasileira. 0 uso do territ6rio da cidade revela a segregacao baseada nas desigualdades dos atos de uso. Hatambem outros usos que definem urna certa territorialidade atraves das formas de apropriacao difusa e emalguns casos delimitadas, ate certo ponto, pelo poder publico, como e 0caso das areas de prostituicao, SegundoSarah Feldman", "essa atividade caracteriza e marca alguns bairros da metr6pole como e 0 caso de SantaIflgenia e Campos Eliseos com seus hoteis, apartamentos e 0 trottoir. A chamada 'boca do fum' se mantemcomo territ6rio definido, delimitado e controlado pelo Estado policial e sao lugares onde se combinam asfuncoes de local de trabalho, e de moradia das mulheres". Esta apropriacao se da atraves de urn acordo tacitecom a policia e nesse sentido 0 processo segregat6rio se configura como urn confinamento velado.

    Ainda segundo a Autora, processo diverso ocorre na Vila Buarque onde se estrutura 0primeiro territ6riode prostituicao destinada exclusivamente as classes altas; nesse casohiurn processo de camuflagem que possibilitaa organizacao de urn territ6rio que se exclui da cidade como urn territ6rio de prostituicao que se inclui nocontexto da cidade enquanto espa

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    vinculos entre as pessoas, enquanto a midia produz a nao-comunicacao num mundo em que exaltam-se asvirtudes da comunicacao (...) a cidade transforma-se no espetaculo do consurno, as ruas redimensionam-se e ganhamoutro conteudo que el imina a hidico, transformando-se em lugar de passagem. As grandes lojas de departamento e ass ho p p i ng c en te r s substituem a lazer, au melhor, vitam lazer"?",

    Ha tambem lugares delimitados onde as acoes nao se fixam de forma continua pais a usa e esporadico,a que marca a que poderiamos chamar de uma "territorialidade movel", Isto e, como a forma do espa

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    tempo, ela se constr6i a partir de uma experiencia vivida num detreminado lugar. Produz-se pela identidade emrelacao ao lugar, assim lugar e identidade sao indissociaveis, 0 hist6rico tern suas consequencias, 0diacr8nico, 0que se passa modificando lugares inscrevendo-se de outra forma no espac,:o.0 passado deixou traces, inscricoes,escritura do tempo. Mas esse espac,:o e sempre hoje como outrora urn espac,:o presente dado como urn todoatual com suas ligacoes e conexoes em ato. A mem6ria liga-se decididamente a urn lugar. Pode-se perceber demodo mais claro, no caso da metr6pole paulista, nos bairros, no momenta em que a metr6pole explode emuma multiplicidade de centros e subcentros implodindo a centralidade, mas, ao mesmo tempo, interioriza novivido 0 coletivo pois 0 individuo s6 se realiza no e pelo outro pelo imbricamento entre as hist6rias coletivas eindividuais, ligadas a urn espac,:odeterminado, aquele da vida.

    A mem6ria aproxima, faz mover/ retroceder 0 tempo. E 0 campo do irredutivel, e 0 que permite aopassado aproximar. Enquanto ha 0que recordar, 0passado se enlaca no atual e conserva a vivacidade cambianteque significa uma ausencia em presenca",

    Se de urn lado a cidade nao conta 0seu passado, mas "0contem como nas linhas das maos, inscrito nasruas ...", por outro lado, "todas as futuras cidades estao contidas dentro da outra, apertadas, exprimidas, inseparaveis?",significa dizer que passado e futuro, mem6ria e utopia contidos no presente da cidade, a primeira enquanto virtualidadesrealizadas, a segunda enquanto possibilidades que se vislurnbram.

    16 Henri Lefebvre. Presencia y ausencia . Mexico: Fonda de Cultura Econ6mica. 1983, p . 63.17 Italo Calvina. C ida des i n vi si ve is . Sao Paulo: Cia. das Letras, 1995. p . 14.

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    A RUA: ESPACIALIDADE, COTIDIANO E PODER" ... a rna em derredor era urn ruido incomum ..."

    Baudelaire

    Pode-se pensar varias alternativas para se abordar 0tema da espacialidade. Como minha preocupacaoesta centrada no entendimento do urbano a partir das analises da metropole paulista, fui buscar na RU A urnponto de partida para a reflexao, Por que a rua?

    Escrevem alguns autores que nas ruas os homens nao fazem mais do que passaro J a para Saramago, hana rua mais do que simples pressa. Para nos ha urn mundo que se revela nas ruas da metropole, Nas ruas 0presente nos assedia, traz a marca dos itineraries as vezes dispersos, difusos ou mesmo concentrados definidospela vida cotidiana.

    Podemos afirmar que a vida ai e inesgotavelmente rica e plena de energia - e 0nivel do vivido. Na ruaencontra-se nao so a vida mas os fragmentos de vida, e 0lugar onde 0homem comum aparece ora comovitima, ora como figura intransigente e subversiva. No movimento da rua encontra-se 0movimento do mundomoderno. "Nao posso dizer 0 quanto me fazem falta as ruas", escreve Charles Dickens de Lausanne ondetrabalhava, "e como se elas fornecessem algo ao meu cerebro do qual ele nao pode prescindir para podertrabalhar (...) minhas personagens parecem querer ficar quietas se nao tern uma multidao ao redor" 1

    A rua se coloca como dimensao concreta da espacialidade das relacoes sociais num determinado momentahistorico, revelando nos gestos, olhares e rostos, as pistas das diferencas sociais.

    Monet em seu quadro La r u e Mon t or g u e il datado de 1878, em cores vibrantes, onde os corpos se destacampreenchendo os espa

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    (J1N

    envolve especialidades que dizem respeito a cultura, aos habitos costumes, etc..., que produzem singularidadesespaciais que criam lugares na cidade das quais a rua aparece como elemento importante de analise,

    A rua expressa, na metr6pole, uma morfologia hierarquizada socialmente como aponta Gogol em seulivro Avenida Nieves~, quando discute os usos da avenida a partir do uso pelos habitantes da cidade em cadamomenta do dia. Marca a vida no movimento dado pelo uso. E assim os usos da rua, 0 entendimento de comose organiza a sociedade em seus habitos e costumes, pois a rua se liga a ideia da construcao dos carninhos quejunto com a casa criam 0quadro de vida. Mas na metr6pole 0caminho vira rua, depois se transforma emavenida, e nesse ponto da hist6ria das formas de apropriacao da cidade, a rua deixa de ser extensao da casapara se contrapor a ela. 0 que temos e que as casas de hoje, na metr6pole, vivem trancadas com pessoas dentro,diante da televisao, sem contatos com a vizinhanca pois cada vez mais a casa tern a funcao de preservar aindividualidade, reforcando 0privado. Desse modo 0que era publico, 0que acontecia no ambiente da rua sefecha "intramuros". Desse modo os lugares da cidade se delimitam, se fecham, se tornam exclusivos. De urnlado produz-se urn espac,:o onde se limita cada vez mais rupturas entre os lugares do trabalho, do lazer, damoradia, onde a estratificacao socioespacial se revela nos acessos diferenciados funcionalmente. De outro,como a sociedade existe no uso, dado pelas divisoes no espac,:o, as atividades tendem a se desenvolver, nametr6pole, em ambientes fechados. Por toda a metr6pole pontuam academias de ginasticas, escolas de natacao ouclubes; enquanto os nurnerosos edificios que se constroem sem parar nascem com estruturas privada de lazer( p / ~ g round , saunas, quadras de esporte). 0 que significa que se atenua a sociabilidade na metr6pole com 0aprofundamento da diferenciacao entre 0"publico" e 0"privado".

    A atenuacao da sociabilidade e marcada pelo fim de atividades que aconteciam nos bairros, com 0 fimdas relacoes de vizinhanca provocado pela televisao, num primeiro mom en to, e pelo adensamento dosautom6veis, em outro, que tirou as cadeiras das calcadas, Constata-se 0 fim das procissoes, onde todos seencontravam; 0 fim das quermesses que marcaram 0periodo das festas juninas; 0 fim dos encontros nasesquinas, os ensaios das escolas de samba que antes ocorriam nas ruas dos bairros, hoje ocorrem em quadrascobertas e fechadas, a destruicao de ruas e prac,:asem artigos bairros que acabam com pontos de encontro, etc.

    A metr6pole - em visao de grandiosidade aparece em formas exuberantes, ensurdecedora - aparececomo 0simbolo de urn novo mundo, do moderno. Tudo lembra, ou melhor, em tudo ha sinais dos temposmodernos marcados pelas formas arquitetonicas grandiosas, nas largas avenidas congestionadas, ruidosas. Espacoins tavel, em profundo processo de mutacao em que no seio da agitac,:ao a multidao cada vez mais dens a,amorfa, perde sua identidade.

    A rua se abre para a discus sao dos novos objetos construidos no mundo atual e que contribuem paratransformar as relacoes entre os homens - relacoes de vizinhanca, por exemplo - e entre estes e a cidade. Oswalkmen, os telefones celulares nos carros, os patins, as bicicletas, sao elementos importantes para discutir aconstrucao de urna nova urbanidade na metr6pole.

    A cidade de Sao Paulo pode ser lida atraves dos usos da rua. Todavia, como assinalamos, 0 significadoda rua nem sempre foi 0mesmo e nem e 0mesmo em todos os lugares da metr6pole. Mas de "lugar do estar"as ruas da metr6pole definitivamente se transformam em lugar de passagem. Mas nao perdeu para sempre 0seu sentido de lugar de encontro bern como de reuniao, por mais que, hoje, se tenham tornado esporadicos,Quantos pes ja nao deixaram ai suas pegadas?

    No transcurso de urn unico dia e possivel presenciar que as ruas da cidade sao tomadas por passos comritmos diferenciados, com destinos diferentes. Os usos da cidade vistos atraves da rua permitem perceber ostempos simultaneos, Ela guarda mUltiplas dimensoes,

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    A ru a p ode ter 0 s en ti do depa s s agem , apenas enquanto meio - de manha 0que vemos pelas ruas desde asprimeiras horas do dia e urn grande fluxo de trabalhadores, que meio acordados, rneio sonolentos, se dirigemao trabalho.

    A rua pode ter 0 sen tido de fim em s i m esm a quando seu uso se volta para, por exemplo, a realizacao damercadoria. No caso de Sao Paulo ha os camelOsque se instalam no espaco publico da rua, apropriando-se delaprivadamente. Ha tambem comerciode semdforo nas esquinas mais movimentadas da metr6pole onde se vende urnpouco de tudo, dependendo da estacao e do calendario de festas e atividades. Em dias de jogos de futebolabundam bandeiras, camisas, bones, fitas dos times envolvidos. Quando 0Brasil esta na final de algum eventoesportivo sao bandeiras brasileiras, que estao em todos os pontos movimentados da cidade. No dia das maes,dos namorados, das secretarias, de finados, ha flores por todos lados. Durante os dias da semana enos finais desemana a frequencia e diferenciada por tratar-se de atividade sensivel ao fluxo de pessoas. E este e variavel emfuncao das 24 horas do dia e entre dias da semana e finais de semana.

    A ru a pode ter 0 s en tid o d o m er ca do / a qu el e v in cu la do d t ro ca com destino - aqui e 0lugar da feira que reunepessoas, a rua ocupada pelos camelos, como podemos ver no caso do centro de Sao Paulo.

    A rua pode ter 0 s en ti do da f e st a ao final dos campeonatos esportivos mundiais de que 0Brasil participa, oumesmo nas finais do campeonato paulista ou brasileiro de futebol, quando os torcedores tomam as ruas dametr6pole para comemorar.

    A ru a p ode ter 0 s e nt id o d a r ei vi nd ic a fa o - e na cidade que emergem as lutas que se manifestam enquantomovimentos que ganham visibilidade quando tomam os espac;:os publicos, principalmente os pontos decentralidade.

    A ru a no caso d e Sao Pau lo tam bem tem 0 s e nt id o d o mo ra r- os "sem-teto". E cada vez maior 0numero depessoas desempregadas ou que vivem de "biscate" e que nao podem alugar sequer urn barraco numa favela, eque vivem pela cidade em baixo dos viadutos e pontes que lhes servem de abrigo.

    A s r ua s ta mb em s ao a pro pria do s c om o t er ritd rio d e d om in io d e g an gu es as mais divers as que recortam os lugaresdeterminado territ6rios exclusivos onde impoem suas leis e normas de comportamento.

    As ru as te m s en tid o d a n orm at iza fa o d a v id a - as placas, os semaforos indicam 0 sentido dos passos, 0 lugardo encontro, orientam e determinam 0 fazer, bern como 0 modo de percorre-las,

    As ru as tem 0 sentido c ia segregClfaoocial, elas apontam a hierarquia social atraves de uma hierarquia espacial -marcada nas formas de uso.

    Ha tambem af orm af ao d o s g u et os abundantes na metr6pole e que marcam a diferenca entre usos e costumes,que estamos chamando de g u e to s u r ba n os e que se diferenciam dos das gangues pois tern uma dimensao cultural.

    Finalmente a rua a inda p re se r va 0 s e nt id o d o e nc o nt ro . Estes quase sempre referem-se aos finais de semanaquando, em virtude da diminuicao do trafego de autom6veis, e possivel, as criancas brincarem em algunslugares da cidade. Os parques e algumas prac;:assao usadas nesse sentido. Aqui os ruidos diferem sensivelmentedaqueles dos dias da semana. Em algumas areas publicas as pessoas van para se expor. 0 encontro de pessoasque se conhecem ha tempo e que jogam carta, por exemplo. Aqui tambem se incluem alguns dos usos acimacitados mas queremos exemplificar com a festa de San Genaro que ocorre anualmente na Mooca e que nosparece ter 0sentido do encon tro enquan to fes ta que marca 0fato de que mesmo com a escalada do individualismocresce, emergem aqui e ali, na metr6pole, novos ou velhos usos do espac;:o que provam que nem tudo foicapturado. Nos bairros italianos antigos da metr6pole paulista, ainda restam as festas em homenagem a padroeiradas regioes de origem dos migrantes; as procissoes ainda tern apelo em algumas comunidades, as quermesses

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    reunem vizinhos em torno das barracas tipicas para conversar tomando quentao, mudando no seu decorrer,literalmente, a vida no bairro,

    Assim, a rua enquanto nivel de entendimento do cotidiano e da espacialidade das relacoes sociais coloca-se naperspectiva da constituicao da sociedade urbana em seu momenta intemo baseado na pratica social na medida emque expoes a vivido. Ela tambem se abre enquanto palco e esperaculo em que se transformou a cotidiano hoje nomundo moderno, abrindo urna infinidade de perspectivas para analise e entendimento da sociedade urbana.

    Para Henri Lefebvre" , a rua "representa a cotidianidade na nossa vida social (...) Lugar de passagem, deinterferencias, de circulacao e de comunicacao, ela torna-se, par urna surpreendente transformacao, a reflexodas coisas que ela liga, mas viva que as coisas, Ela torna-se a microscopic da vida moderna. Aquila que seesconde, ela arranca da obscuridade, Ela torna publico".

    A rua, nos trabalhos de Lefebvre", nao e apenas urn lugar de passagem e de circulacao, mas a lu g ar d oencontro, sem a qual nao e possivel outros lugares de encontros como as cafes e as teatros. A rua tern umaanimacao propria: "na rua, teatro espontaneo, eu me torno espetaculo e espectador, as vezes ator. Aqui se efetuaa movimento, uma mistura sem a qual nao existe vida urbana, mas separacao, segregacao estipulada e fixa".'

    Na rua se joga e ai se aprende no cantata com a outro uma nova dimensao da vida - aquela que seconstr6i na pratica social onde esta posta a sociedade urbana em constituicao: com seus simbolos e funcoesinformativa e ludica.

    A rua tambem e a lugar da desordem, na medida em que as elementos da vida urbana, imoveis naordem fixa, se liberam e para ai afluem. Para Lefebvre, "a rua e par meio deste espaco, urn grupo (a cidademesma) se manifesta, aparece, se apropria dos lugares, realiza urn tempo-espaco apropriado; urna tal apropriacaomostra que a usa e a valor de usa podem dominar a troca e a valor de troca. Quanta ao movimentorevolucionario, ele se passa geralmente na rua".

    Tanto quanta a cotidiano a rua apresenta-se para analise a partir de dais momentos intrinsecos econtradit6rios; se de urn lado a rua e lugar da manifestacao da diferenca ela de outro e expressao da normatizacaodo cotidiano. Basta pensarmos no viaduto do Cha - no centro da metr6pole de Sao Paulo - onde umamultidao fervilha. Lugar de encontro? Nao se po de chegar a tanto vista que as pessoas se acotovelam, mal seveem, passam rapidamente esperando chegar em algum lugar no mais curto espac;o de tempo possivel. Algunsefetivamente ai ficam no caminho, as camelos e as fregueses em potencial. Nesse cas a a rua nao perrnite aconstituicao de urn grupo a partir da relacao com outro. Eventuais cantatas sao mediados pela mercadoriaoferecida-comprada. Aqui trata-se da rua invadida pelo "mercado".

    Aqui a t empo e a tempo da sociedade capitalista, e a ritmo do trabalho, e a cantata e aquele impasto pelatroca que seduz, tenta e transforma a cidade em vitrine, luzes coloridas de neon, em imagens.Na realidade, essas imagens representam a poder da nao-comunicacao que manifesta a alienacao do

    cotidiano. 0 mundo da mercadoria entra no cotidiano obedecendo a l6gica geral do processo de reproducao- "0mundo trata melhor quem se veste bern" apareceu, certa vez escrito em ou tdoor da U s Top .

    o cotidiano hoje se empobrece no sentido em que cada vez mais ele esta subordinado ao mundo dasmercadorias, em que as sinais de s tatus permeiam as relacoes, e a valor de troca subjuga e captura a sentido dousa. Nessa perspectiva a cotidiano se apresenta como a lugar dos gestos repetitivos e da uniforrnidade e

    2 C ritiq ue d e la v ie co tid ie nn e, vol.lI. Paris: L'Arche Editeur, 1961, p.309.3 Ibidem, p.3104 La r e vo lu t io n u r b ai n e. Paris: Gallimard, 1970, p.29.

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    homogeneidade de habitos, formas de uso, comportamento, valores, etc. Tudo programado pelo capitalismoe pela estrategia estatal que organiza 0cotidiano (modo de morar, vestir, como e onde despendem as horas defolga e lazer) tratando de abolir a diferenca.

    o flaneur, personagem da Paris de Baudelaire analisado por Walter Benjamin, nos da a dimensao desseempobrecimento. "Ocioso caminhava como se fosse urna personalidade: assim era 0 seu protesto contra a divisaodo trabalho, que transforma as pessoas em especialistas. Assim ele tambem protestava contra a operosidade eeficiencia. 0 flaneur gostava que seu ritmo fosse determinado pelas passagens. Se dependesse dele 0progressoteria que aprender esse passo mas nao foi ele quem nisso teve a Ultima palavra, foi Taylor que transformou empalavra de ordem 'abaixo a J lan er ie ' ( . .. ) se a passagem e a forma classica do interior - e e assim que a rua seapresenta para 0Jla neu r - a sua forma decadentista e a cas a comercial. A casa comercial e a ultima grandebrincadeira Jlaneur. Se no comeco a rua se transforma no interior de uma casa, agora esse interior se transformapara ele numa rua, e ele criava pelo labirinto das mercadorias assim como antes pelo labirinto da cidade." 5

    Na rua, 0comportamento das pessoas e suas estrategias de sobrevivencia na multidao que configura agrande metr6pole marca 0 limite entre cheio e vazio. Os homens se movem em meio as ruas abarrotadas degente, tendo a solidao ao seu redor onde os sinais de transito coordenam a passagem do trafego os passos dospedestres, "regendo a orquestra da cidade'" .

    o ritmo da vida cotidiana e marcado pelas estrategias da reproducao das relacoes sociais - pela comprae venda, pela especulacao no espa

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    Hierarquizado, a espalfo tambem se fragmenta atraves das formas de apropriacao seja ele para a producaoquanta para a consurno (residencia, lazer, etc.). Nesse sentido a espalfo se fragmenta em pedacos separadoscujo conjunto se apresenta cada vez mais como consequencia da atividade parcelada, que escapa as pessoas.Nesta fragmentacao a sujeito se esfuma no cotidiano, expresso nas cenas dramaticas que a rua nos oferece.

    Podemos citar exemplos do controle no cotidiano atraves de f6rmulas de determinacao de padroes nametr6pole passiveis de ser percebidas na rua.a) a industria do corp a - para a manutencao atraves de forma fisica a partir de urn padrao que impoe

    a mulher a cultivo dos rnusculos a cintura perfeita, "uma tipica cena urbana daquelas da metr6pole, no capituloangustia estetica, a mundo da ginastica e a culto