Abril/ Maio

60
¿? Abril/ Maio

Transcript of Abril/ Maio

Page 1: Abril/ Maio

�¿?Abril/ Maio

Page 2: Abril/ Maio

Abril / Mayo� ¿?

PAS de cargolText de Josep Antoni Clement

En ma estora dels pensaments diürns s’escapoleix un cargol de closca incerta, un llimac que marca un pas i un ritme que no se’m permet seguir. El rellotge d’un mòbil, el canell recob-ert d’agulles metàl•liques i el rebombori de l’escala, acceleren la mecànica cognitiva del meu cos ciutadà. Un cop arribat al carrer, faig via tot destriant les percepcions que rebo; un tram-via de xiulets amenaçadors, rengleres de cotxes-fumerols, au-tobusos groguencs i ,sobretot, el xiuxiueig de les multituds. Amb 33 minuts s’arriba a l’aula, amb 33 alumnes es fa una classe, amb 33 anys es pot morir i esdevenir etern.

Jo cerco l’amic Copèrnic entre lluents rajols que renovaran su-perfícies il•lusòries. Tombo i Obozna avall faig cap a la Ibèria polonesa, m’endinso en l’atrotinat edifici i ja puc distingir la sala d’operacions catalanístiques (s.222). Un cop oberta la porta ens mirem de fit a fit els alumnes i jo, jo i els alumnes i un plegat de coses més. No em confonc, tots em, hem, ehem seguit un procés similar que ens ha menat fins aquí corglaçadament compungits. Quant al lector d’aquests mots, què pot afegir-hi?Tranquil•lament hauria de passar pàgina i sense fer fressa fer d’epíleg d’aquesta tan nostrada editorial.$

$

edit

ori

al

$

O caracol e a arte rupestre galegaO caracol, coa súa prehistórica espiral, no universo galego leva o noso pensamento ata os petroglifos. Do período que com-prende a Idade do Bronce, comenzando posiblemente antes, en Galiza temos unha gran cantidade de gravados rupestres, insculturas en penedos ao aire libre ou petroglifos, tres xeitos de referirse a unha mesma realidade. En canto á temática rep-resentada existen dous grandes bloques intimamente vencel-lados: un de modalidade máis ou menos naturalista, e outro, de carácter simbólico e abstracto, tradicionalmente coñecido

como temática xeométrica. Entre os motivos que podemos atopar están presentes os círculos concéntricos, os cérvidos, as serpes, as pegadas de animais, os laberintos, as espirais...

Os historiadores afirman que aínda estamos moi lonxe de chegar a dotar de significado a estes enigmáticos signos. Porén, podemos deixar voar a nosa imaxinación para tratar de entender estas misteriosas insculturas que nos acompañan dende miles de anos.... $

Texto de Lucía R. Caeiro

De onde vêm os temas?Texto de José Carlos Dias

Como todos já se puderam aperceber, a escolha do tema para os ¿? é sempre um processo demorado, meticuloso ou misteri-oso, onde são equacionadas inúmeras variáves, de forma a que o mote escolhido garanta aprendizagens únicas e inesquecíveis a todos os participantes.

E mais uma vez assim se passou com o tema deste número. Mal o grafiti do caracol de olhos rechonchudos nos chegou à direcção, o tema impôs-se misteriosamente, pelos motivos ób-vios que a capa e as páginas centrais deixam transparecer. Uma vez encontrado o motivo (e a capa também, coisas que nem sempre andam juntas) só precisávamos de nos concentrar em encher umas boas dezenas de páginas sobre caracóis. Estava, portanto, na altura de apregoar o tema pelos corredores da re-dacção e deixar que o caracol, esse bichinho com tão poucas possibilidades de expressão, começasse a filtrar o nosso olhar e

o nosso pensamento. E vencida a inicial sensação de parafuso, foi fácil encontrá-lo em espirais, labirintos, cabelos, receitas, fil-mes, crenças, línguas.... muitas línguas, na história, na filosofia e literatura, no amor e nas metáforas e em tantas outras histórias que hoje podem ser lidas neste número - o maior de sempre e que dá as boas vindas ao ladino, a língua dos judeus sefarditas, a língua peninsular que faltava à nossa publicação.

Porque quanto mais o tema se oferece misterioso, mais de-morada e meticulosamente nos paramos nele. E pára-se numa língua estrangeira que usamos para pensar e reflectir sobre o mundo que nos rodeia, e não apenas para fazer os exercícios da sala de aula ou os trabalhos de casa. E devagarinho essa lín-gua estrangeira que trazemos connosco, vai-se tornando mais forte e mais confortável, como uma casa onde podemos e que-remos morar. $

Page 3: Abril/ Maio

�¿?Abril/ Maio

Texto de Jakub Jankowski

cró

nica

Caracol, caracol, onde vais? $

Imaginemos que existe uma certa universidade dos caracóis. Imaginemos que ela tem um acordo secreto com uma outra universidade num outro país. Podíamos pensar que se tra-tasse de uma colaboração ilegal para construir uma bomba nuclear. Na verdade, porém, tratar-se-ia de um plano muito mais grave e perigoso: uma cooperação bilateral (dêmos-lhe um criptónimo, por exemplo: “Marasmus”). Os planos incluiriam saídas dos estudantes-caracóis para o estrangeiro e outras coisas que tais. Haveria um professor caracol-coor-denador acompanhado por uma comissão fictícia. Juntos, o professor e a imaginária associação decidiriam, consultando regras desconhecidas e condições inexistentes, quais os es-tudantes que iriam obter as ditas bolsas. A mencionada as-

sembleia juntar-se-ia o mais tarde possível e, consagrando a cada um dos estudantes uns quatro minutos, tomaria de-cisões necessárias. Os estudantes descontentes que obtives-sem as bolsas menos desejadas (para Ceuta) iriam ter com o professor coordenador na busca de explicações. Ele, inocente, mandá-los-ia à comissão quimérica. A comissão – como não existiria – não seria muito capaz de resolver o problema. Já com uma pequena dose de irritação, os estudantes iriam falar com o coordenador só para serem assegurados de que, na verdade, não foi ele a decidir. Foi a comissão. O facto de ela não existir não a impediu. Tais e outros problemas experien-ciariam os estudantes daquela universidade encaracolada e imaginária. Consideremo-nos felizes por não ser a nossa. $

Texto de Kornel Stanisławski

Universidade dos caracóis

$

(Um homem vai a caminho do emprego quando é assaltado por uma recordação de férias, não tão remotas.)

É verão, mas as montanhas de Bieszczady ainda estão verdes, como se fosse na Primavera. Normalmente, nesta altura do ano, o sol já está desraiado por entre vales e picos, deixando tudo em cor-de-feno.

Ele tem 22 anos, caminha na berma da estrada, junto com os seus três amigos, tentando subir do vale para as prometidas alturas dos picos verdes (A evocação daqueles acontecimentos, não tão distantes, leva-o a abrandar o passo). As cigarras fazem o seu ruído que só vai atingir o máximo pelas horas da muito boa noite. Saindo do pleno sol, entrando na penumbra, cruza-se o caminho dos quatro com o de um só. Aproximam-se a passo de caracol para ver quem é o pequeno vagabundo, como eles, e aonde vai, por estrada tão larga para um pé tão pequeno.

E o caracol, com a sua casa, tenta atravessar a estrada. Os quatro param por um instante e pensam como salvar este lento. Pois, os carros podem esmagar o pobrezinho do caracol. Então deci-

dem pegar nele, e deslocá-lo para além do arbusto da berma. E vão indo, convencidos de terem realizado um bom feito. E nem pensam que este feito possa não valer um caracol…

Só no pico da montanha, no destino do dia, que alcançam com um esforço enorme mas completamente satisfatório, o caracol, o seu destino, surge mais nítido perante os olhos dos quatro. E vem também uma reflexão: onde é que, na verdade, o bichinho ia? E se ele tivesse caminhado mesmo na direcção contrária? Nós tínhamos-lhe mudado o percurso… E para aquele pé tão lento e pequeno, quanto tempo vai levar a voltar ao percurso certo, desejado? Mas agora não dá para consertar o mal já fei-to… Agora a culpa e a responsabilidade serão exclusivamente nossas… E se encontrarmos o pobrezinho? E se o ajudarmos a passar para outra berma? Mas como? Se à noite todos os cara-cóis são pardos, e de dia todos são brancos?

(O homem que vai a caminho do emprego treme ao pensar em si como caracol, diminui a marcha aperfeiçoando o seu exercí-cio da sua memória, caminha cada vez mais devagar até ouvir do alto: Caracol, caracol, deita as gaitinhas ao sol...)$

$$

Page 4: Abril/ Maio

Abril / Mayo� ¿?

Apoteose de caracóis Texto de Martyna Gajewska

O período barroco, cujas características são o dina-mismo, o dramatismo, a riqueza de formas e o exagero em adornos, influenciou nem só a literatura e as artes, mas também a moda daquela altura. Em consequên-cia, os nobres setecentistas assombravam com o luxo de trajes e a diversidade de penteados. Na Europa reinava a moda transplantada directamente da corte de Versalhes.

A Senhora dos Anéis

Estudando a história dos penteados através dos séculos é visível a apetência pelo cabelo ondulado entre as mulheres e os homens. No século XVII os cabelos já tinham a rele-vante altura, sendo arranjados em bandejas e adornados com jóias, contas e flores. Para preservar a frescura das flores, estas eram postas em pequenos frasquinhos com água dis-postos entre as ondas de cabelos. No entanto, o toucado nunca foi maior e mais decorado que na época barroca e no Rococó, quando os estilos dictavam as modistas de Maria Antonieta. Quem não era agraciado pela natureza arranjava perucas, que também estavam na moda. O cabelo devia ser ondulado com ferro e depois pulverizado com pó, cujas cores

variavam de branco e rosado até preto, este para as oca-siões fúnebres. O pó e a pomada conservavam o penteado fantástico. Arranjar e enfeitar o cabelo era uma actividade tão duradoura e complicada que as senhoras eram força-das a dormir em posição quase sentada e a não lavarem tocar o cabelo, para não destruir o penteado. A protecção contra o mau tempo era o capuz dobrável em esqueleto.

A história narrada pelo caracol

O ornamento do penteado tornou-se mais abundante e extra-vagante, atingindo na década de 70 um tamanho monstruoso. As damas traziam nas suas cabeças altíssimas construções e na base desses pufes os cabeleireiros desenvolviam os fantas-magóricos penteados. Estes exprimiam a disposição da dama, os sentimentos e pensamentos dela. Até mesmo estavam liga-dos aos eventos correntes – por exemplo, a coroação do rei ou a estreia de uma peça de teatro. A mãe e esposa tinha em cima as figuras da família, sentadas entre caracóis. Famoso foi o pen-teado da viúva dum almirante, cujo cabelo enfeitava um mo-delo de navio que mareava sobre as ondas de tule. Infelizmente, quanto mais chique o penteado, mais fastidioso era de suportar.

cara

cóis

ou o breve relato sobre penteadosencaracolados no século XVIII

Page 5: Abril/ Maio

�¿?Abril/ Maio

Sofrer para ser bonita

Quantos obstáculos encontravam as donzelas no seu caminho para ficarem lindas! Ter o penteado espantoso significava um martírio. Posto que o peso do penteado era enorme, as mu-lheres encontravam dificuldades para se deslocar. Para apoiar--se, elas tinham de estar providas de bengala, sendo privadas de sossego. O tamanho do cabelo exigia cautela para entrar e sair da carruagem – a presença de plumas compridas de avestruz em cima, com certeza, não ajudava. A altura dos bucles deter-minava o modo de mover-se, sentar e posicionar a cabeça.

O maior problema era, porém, a presença de piolhos dentro dos caracóis de cabelo, causada pela falta da higiene – pois o banho era considerado mórbido! Para combater o insuportável parasita no ca-belo, instalavam-se no belo penteado umas armadilhas pequenas com sangue dentro. Apesar disso, existiam os martelinhos doura-dos para bater na cabeça e matar os insectos, e os riscadores em forma de garfo usados no caso de comichão. Felizmente não se julgava falta de educação o utilizar daquele leque de ferramentas em público – antes, pelo contrário, isso era natural. Uma vez que pulgões habitavam o couro cabeludo, as mulheres sofriam de plica polónica [kołtun], uma doença comum em todas as classes sociais.

As histórias repetem-se

Passar horas na frente do espelho, encaracolar o cabelo, enfeitar o penteado, escolher lentamente o vestido, maquiar-se… são ac-tividades naturais para as mulheres. Embora tanto tempo tenha passado desde a época barroca, o que diz respeito às mulheres na prática de embelezar-se quase nada mudou. Sempre preocu-padas com o seu aspecto físico e prontas para açacalar-se! E a atitude dos homens também parece não ter mudado: ora abor-recidos, ora irritados com os exageros de mulheres, sempre dis-

postos a fazer piadas ou críticas. Um poeminha satírico de Jakub Łącznowski, o escritor seiscentista que ridicularizava os costumes polacos do seu tempo, exprime perfeitamente essa postura:

W roku tym, gdy to piszę, w samo Boże Ciało,W Haczowie, mila z Krosna, to się cudo zstało:Uderzył z nagła piorun, zausznice skruszył,Ogień kwef cały spalił, a włosów nie ruszył!

Neste ano em que estou a escrever, no dia do Corpo de Cristo,Em Haczów, a uma milha de Krosno, maravilhosamente aconteceu isto:Relâmpago bateu, os brincos triturou,O barrete fogo queimou, mas o cabelo não tocou!$

Page 6: Abril/ Maio

Abril / Mayo� ¿?

EscargotTexto de Marta

cara

cóis

Lembram-se das aventuras de Julia Roberts em Pretty Wo-man? Mais exactamente da cena num restaurante muito ele-gante, quando a personagem de Julia tem de seguir uma com-plicadíssima etiqueta de como portar-se à mesa, sem saber qual talher deve usar com que prato? E o utensílio mais pa-voroso chega com o ponto alto do jantar – os caracóis. Pretty Woman ensina-nos duas coisas básicas sobre estes moluscos: são extremamente chiques e ainda mais difíceis de comer. O que o filme não explica, contudo, é que os caracóis nem sempre gozaram desta fama. Dados os muitos restos de con-chas achadas nas escavações arqueológicas, os cientistas afir-mam que o caracol foi uma das primeiras comidas conhecidas pela humanidade. Na Roma Antiga chegou a ser apreciado pelo sabor e pelas qualidades farmacológicas e nutritivas (a carne é magra e tem muitas proteínas e minerais: cálcio, mag-nésio, iodo, zinco e cobre). Os romanos até consideravam-no um afrodisíaco. Junto deles, então, o molusco espalhou-se pela Europa toda. Na Idade Média perdeu a reputação de ser uma delícia e começou a ser servido como um prato de jejum. Pas-sou um bom tempo, até ao século XIX, como uma comida muito democrática – devoravam-na todas as classes sociais. Só no século XX ganhou de novo boa fama e mudou-se das cozinhas populares aos restaurantes mais elegantes do mundo.

Agora serve como símbolo à associação ”Slow Food”, cujo objec-tivo é contrariar os “fast-foods” e promover as tradições da cozinha lenta, saborosa e fresca. E o caracol é um símbolo perfeito para ela – a lentidão e um grande sabor ligados no mesmo animal. Na Polónia a associação tem poucos membros, um dado pouco importante, mas que nos pode fazer pensar como se desenvolve a cozinha “slow” na nossa terra. Infelizmente, ain-da não saímos da fase inicial do processo; parece que só seguimos vogas periódicas. Novos bares de sushi vão apa-recendo todos os dias, mas os caracóis podem-se comer em poucos sítios e só na Primavera – a época dos caracóis.

O único destino de quem quer gozá-los fora da época é Absynt – um dos restaurantes mais lindos e elegantes em Varsóvia. Provar caracóis lá é um ritual: aparece um empregado extrema-mente profissional (tão profissional que até dá medo ver a perfeição com que exerce o seu ofício) e traz um prato com uns animaizinhos colocados em simetria e harmonia absoluta. Os caracóis estão a banhar-se num molho de manteiga. Tudo seria perfeito, não houvesse o já mencionado utensí-lio assustador que acompanha o prato (uma espécie de ali-cate, um pouco mais fino do que o conhecido da garagem) e que supostamente ajuda a comer de maneira estética. Crei-am – impossível de utilizar! Lembrem-se do resultado das tentativas que a Pretty Woman fez com ele. Mas, domes-ticado o aparelho ou superada a vergonha de comer com as mãos, a comida é óptima. A carne é muito delicada e a

pessoa nem se lembra do que exactamente está a devorar. Antes de comê-lo, convém saber como se preparam os ca-racóis. A melhor época para os consumir é a primavera, quando os animais são novos. Antes de serem cozidos, os moluscos devem passar fome por 10 dias para os organis-mos ficarem limpos de substâncias que possam ser tóxicas para nós. Mas os cozinheiros mais misericordiosos servem-lhes algumas ervas. Depois, os caracóis são lavados três vezes, cada vez numa mistura diferente. Só após este pro-cesso longo podem ser cozidos e preparados a mil maneiras. Para quem tem vontade de provar este prato, há algumas hipóteses: ir a um restaurante bonito; ir a um supermercado e comprar um pacote congelado (de qualidade duvidável); ir ao campo, apanhar uns caracóis e prepará-los à sua própria ma-neira; ou, conhecido o processo de preparação, tornar-se ve-getariano. Eu estou entre a primeira e a última possibilidade. $

$$

$

$

$$

$

$

$

Page 7: Abril/ Maio

�¿?Abril/ Maio

Texto de Iwona Cellary

cara

cóis

Montanha Russa

Estás numa fila enorme. Já passaste horas nela e em frente de ti ainda há mil pessoas. Pensas: ai, tanto tempo para esperar a minha vez... De repente ouves de longe um grito horrível, as vo-zes dos homens e das mulheres assustados e o som metálico das rodas nas calhas. Sentes um abalo que toca o teu corpo dos pés até a cabeça e um frio que gela o peito. Vês as pessoas per-to de ti e sabes que sentem o mesmo: um pavor de algo desco-nhecido. O ar está cheio de adrenalina. Cada vez que a fila move, sentes os batimentos do coração na garganta. Finalmente és o quinto. Já sabes que vais viajar no próximo carrinho. As mãos estão molhadas, respiras cem vezes mais rápido do que normal-mente. Chega o teu vagonete, está em frente de ti. Ainda um suspiro, um último pensamento sobre fugir e já estás sentado no – pensas – lugar da morte. Fecha-se o sistema de segurança, os empregados verificam se tudo está bem e gritam: “pronto!”... Outra vez queres fugir, quando à tua memória chegam os gritos das pessoas que ouviste antes. Mas sentes que o carrinho move--se delicadamente. Última prece e estás no ponto máximo da construção, vês todos os caracóis abaixo, mas não tens mais tem-po para pensar, porque o carrinho põe-se em marcha com tanta velocidade que sentes só o teu estômago soltar. Gritas de alegria, sorris, sim!, era isto o que esperava há tanto tempo! De repente o carrinho pára. Já terminou? - perguntas. Mas sentes-te mais bravo e orgulhoso, desces do vagonete e outra vez esperas a tua vez, já com cabeça levantada e um pequeno sorriso nos lábios. Um pouco da história das montanhas russas

As primeiras mon-tanhas russas, como o nome indica, foram construídas na Rússia, no século XVII. Num grande bloco de gelo fa-ziam-se pistas pa-recidas àquelas de bobsleds, com al-titude de 20 – 24 metros e até 50 graus de queda. Mas podia-se fazer uso da invenção somente durante o Inverno. Nos primórdios do sé-culo XVIII, no en-tanto, o interesse por montanhas russas começou a aumentar e, um século de-

pois, em 1812, finalmente foi construída a primeira montanha russa que não exigia o uso de gelo, em Paris. As pistas eram de madeira, os carrinhos tinham rodas e todo o mecanismo fun-cionava pela gravidade. O primeiro looping (que provoca mais medo nas pessoas) foi feito em 1846 e foi um projeto inglês, mas, como não era seguro, teve de esperar quase cinquenta anos para ser melhorado. Em 1912 um americano inventou as rodas debaixo dos carris para manter o vagonete na pista. Desde então as montanhas russas começaram a ser populares nos parques de diversão em todo o mundo. Só em 1959 foi construído na Disneylândia o primeiro modelo de metal, que permitiu diminuir o risco e ao mesmo tempo aumentar a ve-locidade e a altitude. E desde 1992 constroem-se montanhas russas convertidas, quer dizer, as pessoas estão sentadas com as pernas soltas e os vagonetes viram em volta do seu próprio eixo.

Os recordes

As empresas que constroem montanhas russas tentam bater re-cordes quanto a velocidade, altitude, comprimento e declive. Re-centemente, em 2005, foi aberta a Kingda Ka, em New Jersey, no parque de diversão Six Flags Great Adventure. É ela a mais rápida (pode atingir 206 km/h), a mais alta (139 m) e a que tem maior declive (127 m) em todo o mundo. A grande atração dura, entretanto, só 28 segundos. O interessante é que o carrinho não funciona quando há chuva, mesmo fraca, porque as gotas d’água, com a velocidade de 200 km/h dos carrinhos, podem

ser perigosas para os passageiros. Já a mais compri-da é Steel Dragon 2000, localizada em Nagashima Spa Land Amuse-ment Park, no Japão. Tem 2479 metros! O nome dela foi inspirado na estrela do filme The Year of the Dragon, de 2000, e tam-bém na enorme quantidade de aço (steel) de que necessitava para ser cons-truída por causa dos movimentos tectónicos e terra-motos, frequentes naquela região. $

Page 8: Abril/ Maio

Abril / Mayo� ¿?

Karol, o caracol, vai a...

Um caracol é, no fundo, um ser que traz a casa no seu dorso e que se move com extrema lentidão. Quando consideramos só estas duas qualidades, não há diferenças entre o caracol e o turista. Falamos, naturalmente, dum turista verdadeiro, cuja mochila é capaz de conter tudo o que o dono dele quiser...Karol, o nosso bravo caracolinho, é um turista deste tipo.

Ola! Sou Karol, o vosso guia. O que queria apresentar hoje chama-se PEDESTRIANISMO. O que é isto? Como diz o site da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal (FCM) (www.fcmportugal.com), “o pedestrianismo procura os caminhos tradicionais e de montanha, no meio rural, nos interiores e nas faixas costeiras e às vezes, também, nos parques de cidade, tornando-se uma prática desportiva aces-sível a todos.” Quer dizer : ir a pé, pelos percursos marcados ou não.

Se você, caro(a) leitor(a), é polaco(a), a ideia dos percursos turísticos marcados não é nada novo para si. Mas, aparente-mente, em Portugal podêmo-lo chamar o último grito da moda: “só em 1997, com a implantação da “Rota da Serra”, na Serra de Grândola, este tipo de infra-estruturas levou um grande impulso” (www.fcmportugal.com). O que os portu-gueses ainda não sabem é que já em 1880 o polaco Leo-pold Wajgel marcou o caminho de Krasny Łuh a Howerla (hoje Ucrânia). Na América do Norte, a marcação de pistas foi um dos métodos para combater o desemprego durante a Grande Depressão de 1929. Dois factos que, claramente, a FCM não conhece quando diz: “A implantação destes percur-sos iniciou-se em França no pós-guerra, chegando a Portugal nos anos oitenta.”

Seja como for, é bom ir-se embora! Parar o nosso dia-a-dia, pensar nas questões da vida mais profundas do que: “Qual é o trabalho de casa para a próxima aula?” “O que vamos ver no cinema no fim-de-semana?”. Como disse o meu amigo Jacek: “Um percurso pelas montanhas é importantíssimo para a nossa higiene mental. Ela lava o nosso espírito, que assim fica limpo da estupidez quotidiana”.

Naturalmente, temos de nos preparar bem para cada via-gem. Botas de montanha fortes, uma mochila resistente, mapas, bússola são o equipamento básico. O resto depende do carácter do percurso. Eu promovo viagens longas que duram (pelo menos!) dez dias. Nesse caso, vale a pena in-vestir numa tenda, num saco de dormir (leve! Portugal não é a Sibéria), uns bastões para nordic walking...(é dificil pro-por uma outra expressão porque, se tenho razão, a activi-dade não é popular em Portugal e como tal não tem outro nome...)

Agora, como fazer isto? Durante as minhas viagens, descobri um modo de percorrer que me parece óptimo. A filosofia

é simples: deixe o guia em casa, vá em frente e conheça pessoas. Escolha uma região em que a população não iden-tifique turistas com dinheiro. Uma terra em que uma pessoa com mochila é percebida como hóspede especial. Ele é um mensageiro que paga com novidades a hospitalidade que recebe.

Isto é o que percebi: um turista com todo o equipamento, que aparece à noite numa aldeia remota, tem a mesma função que os viajantes sempre tiveram. A presença deles faz os aldeões relembrarem que algures, não sei onde, há um mundo muito diferente. Para a maioria deles, é impen-sável deixar a sua Vila de Nossa Senhora de Não Sei Quê, mesmo que gostem de encontrar, de vez em quando, es-ses mensageiros do Outro Mundo. Para outros (em geral, os mais jovens), um turista pode trazer um sopro de ar fresco. Qualquer que seja a reacção deles, serás recebido com mui-ta cordialidade. Mas, atenção! Amor com amor se paga! Sê leal com os outros turistas que talvez sigam as tuas pisadas! És o embaixador do Outro Mundo entre pessoas que se po-dem tornar desconfiadas... cuidado!

(Eu, por exemplo, não posso ser chamado um viajante ba-nal. Eu prefiro roupa simples e folgada que não mostre o corpo em demasia, mas qualquer que seja o meu disfarce, a concha chama sempre a atenção. As questões começam sempre quando alguém nota a minha concha. Graças a Deus pelos séculos da história de Portugal como país multirracial. De qualquer modo, houve uns momentos em que eu tive de me explicar quando alguma pessoa escorregou no meu muco.)

Então, onde em Portugal podemos encontrar a terra e o povo deste tipo tão desejado? Por mim, temos de evitar o litoral e o Sul – que são os mais turísticos. O nosso alvo é Trás-os--Montes e Beira Alta. Ambas são regiões remotas, com um povo sincero e clima frio – mais adequado para percursos a pé do que, por exemplo, o Alentejo. Lá encontrei o ambiente que tinha procurado. Um ambiente que é também possível encontrar nas regiões esquecidas da Polónia.

Mas o que não há na Polónia é a tal intensidade dos vestí-gios: romanos, românicos, góticos... O nosso material de construção, a madeira, não podia resistir tanto como o grani-to e o xisto. Isso também se mostra na atitude das pessoas: os transmontanos (para quem os últimos séculos não foram tão violentos como para os nossos aldeões) personificam a tradição. Quando fazem uma coisa, é claro que assim faziam o pai, o avô, os bisavôs e os bisavôs dos bisavôs dele.

Como disse, não consulte o guia, mas vá à tasca, bebe com a gente, viaje à boleia...conhecer as pessoas – isto é o que vale a pena! $

Texto de Marek Cichy

cara

cóis

Page 9: Abril/ Maio

�¿?Abril/ Maio

Quando soube do tema da próxima revista lamentei muito. Caracóis...que ideia! Para escrever um texto bom, sempre preciso de uma iluminação divina, uma força santa que caia do céu e encha minha alma com núcleos criativos! E, digam-me, como os caracóis podem provocar um sentimento parecido?! Eu não imagino que possam provocar sentimento qualquer, não mencionando sentimentos inspiradores para escrever um texto. Bem, assumo que o tema de caracóis é original, mas também original seria um tema de alfinete, peixe-espada ou baratas, o que não significa que são temas para serem tratados num artigo, não dizendo sobre uma revista inteira!

Podem pensar (eu digo “podem” porque espero que este texto seja publicado, ai esperança-mãe dos estúpidos!) que sou anti-caracol porque me falta o talento para escrever o texto, porque me faltam as ideias e a criatividade ou simplesmente porque sou preguiçoso e não tenho vontade nenhuma de escrever artigo qualquer. Confesso sinceramente que todas as respostas são verossímeis.

Mas analisemos mais pormenori-zadamente o sujeito. Quantos temas ligados a caracóis, no total, podíamos enumerar? Cinco, seis...? Entre eles alguns ligados muito fracamente. Primeiro, caracolus conchonus animalus, então, caracóis como uma espécie de animal, do ponto de vista biológico. O tratamento do tema deste lado pode inspirar só um sorriso irónico de um leigo, quer dizer, não um biólogo profissional. O que eu sei desta matéria é que o caracol é mole, molhado, tem concha e ao mesmo tempo é feminino e masculino, tudo. Pouco para escrever um artigo. E mesmo que escrevesse um artigo assim, tendo feito anteriormente uma pesquisa cansativa, duvido que vocês tivessem algum prazer em lê-lo.

Segunda proposição para um artigo: cabelo encaracolado. Bem, pode-se escrever que o cabelo assim é mais atraente aos homens, que os negros têm-no mais encaracolado, os brancos menos e os asiáticos não o têm. Seria possível, então, tratar o tema do ponto de vista cosmético: cabeleireiro. Seria possível, sim… mas se seria interessante? Depende da maneira de tratar o tema. Se alguém é capaz de falar sobre o cabelo encaracolado não caindo no esquema típico para as revistas femininas, talvez consiga atrair a atenção dos

leitores. Sei que não sou eu, mas parabéns ao redactor(a) que tentar.

Podíamos tentar falar dos caracóis baseando-nos nas associações directas, como: caracol - concha - praia - mar - Rio de Janeiro - Brasil, ou metafóricas: caracol - lentidão - anemia - doença. Mas usando esta técnica é possível escrever sobre tudo e nada. E, naturalmente, isso não é o objectivo da nossa revista (ou é…?). Escrever um artigo sobre anemia, por causa da ligação indirecta com caracol, acho ridículo

(depois alguns segundos de hesitação achei-o mesmo engraçado).

Devo confessar que no início tive uma ideia da minha participação na criação da revista actual, mas ela desapareceu muito rapidamente. Queria traduzir um pequeno poema polaco que se refere directamente a caracol, nomeadamente “Slimak slimak pokaz rogi”. Um poema famoso que todas as crianças conhecem. Um desafio que me parecia simples demais (até não me parecia desafio nenhum), mas que depois me ocorreu impossível de executar! Assumo, faltou--me o talento para traduzir um poema, poemeto para as crianças. Seja perdida minha alma, mas não consegui. Como manter o ritmo e o senso do poema não esquecendo das rimas?! Não estou seguro se o enredo do poema tinha qualquer senso para os nativos da língua portuguesa, mesmo se não rimado e sem ritmo, na forma mais simples possível. Tentemos, assim, em primeiro lugar, a versão polaca: “Slimak slimak pokaz rogi, dam ci sera na pierogi”. Agora uma tradução simples e directa para o português: “Caracol, Caracol, mostra as antenas, vou te dar queijo para (preparar) pierogi”. Engraçado, não é? Uma versão mais rítmica (acho que é o pico das minhas aptidões) vai assim:

“Caracol, Caracol, mostra as antenas, se mostrares dou-te queijo para *nas”. Seria ideal substituir ´*´ por uma sílaba... mas não achei nenhuma que formasse algo lógico.

Por isso resta deixar “pierogi” no seu lugar, uma palavra que nem é traduzível, nem rima com as palavras portuguesas e até nem deixa decair o ritmo! Uma catástrofe! Tragédia antiga! E eu, coitado, no centro daquele furacão de ideias! Imaginem minha desilusão, o meu fracasso criador e artístico, que me motivou a escrever este texto lastimável. Ponto.$

Caracol, Caracol... e o quê?

Texto de Johnathan aka Grzegorz Pożycka

cara

cóis

Por isso resta deixar

“pierogi” no seu lugar,

uma palavra que nem é

traduzível, nem rima com

as palavras portuguesas

e até nem deixa decair

o ritmo! Uma catástrofe!

Tragédia antiga! E

eu, coitado, no centro

daquele furacão de ideias!

Imaginem minha desilusão,

o meu fracasso criador e

artístico, que me motivou

a escrever este texto

lastimável. Ponto.

¿?

Page 10: Abril/ Maio

Abril / Mayo�0 ¿?

Caracóis para Iemanjá

Texto de Magda Pielak

cara

cóis

Comida é uma parte integral da vida de cada um de nós. Não é nada de estranho que também faça parte integral de uma religião. Especialmente nas religiões afro-brasileiras, a comida ritual desempenha um papel muito importante. Até diz-se que as religiões de Orixás, então de divindades originárias da região de Yorubá, na África Ocidental, são as religiões de festa e partilha de alimentos. Por isso a preparação de votos de comida para todos os deuses constitui elemento indispensável para o seu culto.

Cada um dos Orixás requer um prato especial e único, que é preparado segundo um ritual particular e ofertado depois, durante uma cerimónia solene. Quem sabe como preparar os pratos excelentes é a Iyabassê, a pessoa responsável por cumprir esse ritual. Outros membros do terreiro (onde se realizam os cultos) podem assistir ao preparo da comida, mas é ela que é responsável pelas falhas. Depois de oferecer uma parte dos votos ao Orixá, o que é acompanhado pelas rezas e cantigas majestosas, o resto é partilhado entre os participantes do ritual. Graças a isso os Orixás podem usar os elementos símbolos da comida e transformá-los em energia positiva, poder e força, que se chama “axé” e é específico para cada iguaria. E esse acto garante, por sua vez, ajuda por parte das divindades em várias esferas de nossa vida – os Orixás podem utilizar axé para auxiliar os seus protegidos. Caso contrário, se os Orixás não se sentem satisfeitos, podem zangar-se e condenar os seus crentes. A importância da comida ritual no Candomblé ou na Umbanda tem sua origem ainda na África, de onde são oriundas aquelas religiões (a Umbanda apenas em parte). O panteão de Orixás lá cultivado atingia o número de mais de 200 deuses, especialmente porque cada um deles estava ligado a uma cidade e somente alguns mais importantes pertenciam ao culto dum país inteiro. Por isso o conhecimento de preferências culinárias de cada um era bastante difícil, mas ao mesmo tempo decisivo. Dever-se-ia sempre lembrar qual Orixá não aceitava mel, qual detestava sal e para qual o azeite seria uma ofensa. Era crucial saber qual deles evitava votos de sangue, como, por exemplo

Iemanjá (Yèyé omo ejá = Mãe cujos filhos são peixes), a rainha do mar, e quem preferia nozes de coco ou caracóis, uma comida muito popular entre as divindades. O único Orixá considerado carnívoro era Ogun, senhor dos metais, por causa do seu carácter guerreiro, para quem o prato

mais gostoso eram cães oferecidos pelos crentes. Os outros, como Xangô ou Iansã, preferiam oferendas menos cruéis.

Depois da chegada à América, as religiões africanas sofreram muitas mudanças, que eram o resultado do ambiente novo, afastado do natural. Primeiro, tornaram-se mais diversificadas e sincréticas por causa das influências de várias tribos que foram levadas para o Brasil. Por outro lado, transformaram-se os rituais que no novo mundo já não podiam ser cultivados – por exemplo, o culto aos ancestrais. Mesmo o número de Orixás cultivados diminuiu até menos do que 20. Era natural, portanto, que também a comida para os Orixás mudasse o seu carácter original e fosse ajustada às condições brasileiras.

Mesmo assim, o que continua é a importância da alimentação no culto a essas divindades. Para a preparação dessa comida usa-se agora principalmente inhame, milho, feijão, quiabo e mandioca. Os pratos mais conhecidos são, entre outros, asoso (comida de Ogun), buruku (Comida de Omolu), amalá (Comida de Xango) ou ebo pupá (Comida de Iemanjá). A Orixá Iansã come, por exemplo, um prato ritual chamado acarajé, na África conhecida como àkàrà, que significa “bola do fogo” e é o bolo principal do Candomblé. As receitas para pratos desse tipo são fáceis de preparar, agora não necessariamente

pela Iyabassê, mas também pelos outros membros da comunidade no culto de todos os dias.

Ainda que as receitas se diferenciem entre um terreiro e outro, a ideia e os ingredientes básicos permanecem os mesmos. As religiões mudam e se desenvolvem continuamente, mas a importância da comida continua desempenhando papel de grande relevância. Não se devia ficar surpreendido - afinal, desse ritual depende a felicidade de todos os crentes. $

A importância da comida

ritual no Candomblé ou na

Umbanda tem sua origem

ainda na África, de onde

são oriundas aquelas re-

ligiões (a Umbanda apenas

em parte). O panteão de

Orixás lá cultivado atingia

o número de mais de 200

deuses, especialmente

porque cada um deles

estava ligado a uma cidade

e somente alguns mais

importantes pertenciam ao

culto dum país inteiro.

¿?

Page 11: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

O cinema de horror e suspense, apesar de já ter inventado muitos monstros, fantasmas e psicopatas para o deleite e o medo da platéia, mostrou também vários tipos de animais assassinos. Alguns convencem por serem natu-ralmente agressivos e apavorantes. Outros, nem tanto...

Temos na categoria dos bichos horrendos e dignos de filmes cruéis, por exemplo, o clássico Tubarão, de Steven Spielberg; os dinossauros do mesmo director em Juras-sic Park; ou as serpentes em um filme recente, Snakes on a plane, de David R. Ellis. Há também outros filmes onde os produtores e roteiristas tentaram surpreender o público com ideias muito excêntricas, mas ainda acei-táveis, como a das aranhas sanguinárias em Aracnofobia, de Frank Marshall, ou até a muito famosa de aves hostis em Pássaros, de Alfred Hitchcock. Tudo bem, são todos mesmo horripilantes. Mas... e os caracóis?

Um caracol, coitadinho, parece inofensivo demais para protagonizar qualquer história de terror. Acham pouco provável, portanto, que os cineastas tenham conseguido imaginá-los como animais assassinos? Nada mais errado! A criatividade dos realizadores ultrapassou todos os limi-tes (da lógica?) quando em 1988 apareceu Slugs – uma produção espanhola sobre lesmas que se contaminam por lixo radioactivo e se transformam em mutantes com especial apetite por carne humana. Brrrr, já têm medo dos moluscos predadores???

Slugs começa com a morte inesperada dum homem que se afoga num lago (já podem adivinhar que foi um montão dos caracóis transmutados os responsáveis pela tragédia), deixando a sua namorada em lágrimas. De-pois, a cada minuto aparecem mais vítimas do apetite voraz das lesmas (por favor, não perguntem por que os protagonistas não fogem dos caracóis que, mesmo que sejam transmutados, andam à velocidade normal para o seu género) e a narrativa torna-se, assim, claro!, cada vez mais cativante...

Os protagonistas do filme (leia-se: os que vão lutar con-tra a praga dos moluscos atacantes) são Mike Brady e a sua esposa, Kim Brady. O casal tenta reunir os outros cidadãos para destruir a ameaça das lesmas antes que devorem toda a cidade, mas esta tarefa não parece nada fácil... Obviamente os heróis têm de enfrentar não só os nojentos moluscos assassinos, mas também os seus vizi-nhos, que não acreditam na incrível história dos caracóis (pois, como se pode acreditar nisso???) e não querem cooperar.

Parece-lhes conhecido o esquema do filme? Provavel-mente a resposta é ‘sim’… e a narrativa continua trivial

até o fim. O final é feliz e também banal - os protago-nistas corajosos conseguem eliminar a prole de lesmas e acabam, assim, com o pavor dos cidadãos (se calhar também dos espectadores…?).

Slugs é, então, um filme só para as pessoas extrema-mente persistentes ou... para todos que querem encon-trar uma comédia de absurdo, pois ao ver esta produção espanhola não se pode parar de rir! Ou, por outro lado, se calhar a plateia vai ainda apreciar a inovação de Juan Piquer Simón e dos seus roteiristas – em meio a tantos movimentos do tipo “slow”, foram os primeiros a inventar o “slow terror”! $

Texto de Aleksandra Opara

Caracóis sanguinários?ca

racó

is

SLUGS

(Slugs: The Movie, EUA/Espanha, 1988). 92 minutos

Direcção: Juan Piquer Simón Roteiro: Ron Gantman; José Antonio Escrivá; Juan Piquer Simón, baseado numa obra de Shaun Hutson Produção: Francesca DeLaurentiis; José Antonio Escrivá; Juan Piquer Simón Fotografia: Julio Bragado Edição: Antonio Gimeno; Richard E. Rabjohn Direcção de Arte: Gonzalo Gonzalo Figurino: María Eugenia Escrivá Maquiagem: Manu Moreno; Pedro Camacho Elenco: Michael Garfield (Mike Brady); Santiago Álvarez (John Foley); Philip MacHale (Don Palmer); Alicia Moro (Maureen Watson); Kim Terry (Kim Brady); Emilio Linder (David Watson); Concha Cuetos (Maria Palmer); John Battaglia (Xerife Reese); Manuel de Blas (Mayor Eaton); Frank Brańa (Frank Phillips); Kris Mann (Bobby Talbot); Kari Rose (Donna Moss); Juan Maján (Harold Morris); Lucía Prado (Jean Morris) $

Page 12: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

cara

cois

Hoxe empezamos a nosa viaxe pola costa da morte, na comarca de Bergantiños, situada na faixa máis occiden-tal da provincia da Coruña. É un tramo de costa brava e pouco poboada. O nome da Costa da Morte aparece por primeira vez en 1928 no libro de Xosé Mas A costa da Morte. Esta denominación ten unha dobre orixe: os centos de naufraxios ao longo dos séculos neste mar em-bravecido e a crenza dos antigos celtas, gregos e romanos de que neste lugar se producía a morte do sol, o Ara Solis.

Desde finais de 1997, os navegantes da Costa da Morte teñen como referencia o Faro de Punta Nariga, que poden enxergar a máis de once millas. Deseñado por César Por-tela intégrase na natureza que ocupa e ten como mas-carón de proa un atlante de Manolo Coia que nos inza cara á inmensidade.

É unha zona rochosa moi venteada e con impresionantes vistas. Podemos admirar aquí como o bater do vento nor-dés e soán, xunto co golpear devastador da choiva, foron modelando as curiosas si-luetas pétreas, por exem-plo: un elefante de longa trompa, un can con boina, a forma dun oso, dunha tar-taruga, dun caracol ... pero todo está nas mans da nosa imaxinación...

Viaxando por Galicia

non preguntés por qué causao fero mar desfigura,

co eterno e duro combate, de Nariga a ruda punta.

Eduardo Pondal,Queixumes dos pinos

Os verdes anos primeiros foxen como o vento soán, do esquivo cabo Nariga antre o espeso matorral.

Eduardo Pondal, Queixumes dos pinos

A Costa da morte e o Faro de Punta Nariga

Page 13: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Ons constitúe un pequeno arquipélago formado por illas e illotes. A Illa de Ons, cunha lonxitude aproximada de 5 km e unha anchura de 1500 metros, está situada á entrada da Ría de Pontevedra. A altura máxima atópase a 128 metros onde está situado o faro. A zona occidental é a máis es-carpada, con acantilados abruptos, en cambio a oriental é máis suave e con-ta con numerosas praias. Pola súa riqueza natural e paisaxística, a illa de Ons forma parte do Parque Nacional das Illas Atlánticas.

Xa estaba hab-itada na Idade de Bronce, como poñen de mani-festo os numero-sos materiais desta época ato-pados. Na illa existen dous cas-tros: Castelo de Mouros e Cova da Loba. Sufriu ao londo da historia

Textos e fotos de Joanna Włodarczyk e Lucía R. Caeiro

ataques de piratas e viquingos. A primeira referencia histórica data do ano 899, na que foi doada ao Cabildo Composte-lán polos reis Alfonso III, Or-doño II e Alfonso V. En 1955 contaba con máis de 500 ha-bitantes e a partir desa data o censo foi descendendo. O padrón do ano 2004 ten 63 habitantes. A propiedade da illa pasou ao longo da histo-ria polas mans de diversos particulares que arrendaban as terras aos habitantes. Estes xamais puideron ser donos da casa que habitaban nin da terra que cultivaban. O ailla-mento durante longos perío-dos de tempo ao que se viron sometidos provocou o nace-mento dunha forte cultura in-sular posuidora de numerosas lendas. Como as que rodean

os “Buraco do Inferno”, perigosa greta que descende verti-calmente ata o mar situada na zona sur da illa, e á que se pode chega en barca pola parte inferior.

Hoxe este paraíso atlántico de arquitectura popular mari-ñeira e excelente gastronomía constitúe un ben de dominio

público, mentres os veciños recla-man o dereito á propiedade das casas que eles e os seus antepasa-dos construíron.

Podemos percor-rela polas súas rutas, seguindo os sendeiros que nos levan, coma nun trazado de espiral, de cara-col, ata fermo-sos recunchos onde sempre nos acompañan o mar, as pedras, o arrecendo a sa-litre, o vento do nordés... $

A Illa de Ons

Viaxando por Galicia

Page 14: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

Page 15: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Page 16: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

Page 17: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Page 18: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

Page 19: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Page 20: Abril/ Maio

Abril / Mayo�0 ¿?

O caracol, um molusco que, para muitos só parece um pequeno ser sem importância e sobre o qual não se fala em contextos literários e artísticos, teve um papel essen-cial na simbologia até ao século XV. Já na Antiguidade, era-lhe atribuída uma significação simbólica relativa ao facto de carregar a casa “às costas”, o que era, naquele tempo, um exemplo de desconfiança – pois isto asso-ciava-se ao medo dos ladrões.

A alteridade entre aparência e desaparecimento, morte e ressurreição motivou, neste século, diversas compa-rações entre o caracol e a Lua. Além disso, o facto de se terem encontrado numerosas cascas de caracóis em túmulos merovigianos atribuiu a este molusco um sig-nificado místico ligado à teoria de resurreição.

No imaginário medieval, o caracol era associado aos chamados “alpinistas sociais”, que, mesmo abandonan-do o seu estatuto inicial (casca), preservavam um carácter repugnante e viscoso, como o de uma lesma restejante. É também num contexto pejorativo que os franceses inserem o caracol, usando-o para descrever os camponeses da Lombardia e o seu medo de com-bater “caracóis armados”, como se pode ler no poema

Texto de Joanna Pobieżyńska e Martyna Szymańska

cara

cóis

O caracol e a arte

“ De Lombardo et Lumaca”.

Os motivo do combate com um caracol surgiam, frequentemente, nas margens dos manuscritos medievais franceses (norte de França), ingleses e flamen-gos. Na maior parte das vezes, a figura do caracol foi representada a combater um cavaleiro com uma espada ou lança. Inicialmente, este tipo de cenas eram as-sociadas ao tema de “monde renverse”, o mundo às avessas. Mais tarde, o caracol transformou-se num motivo político, pois destacava a luta entre as classes baixas e a aristocracia.

Depois do período de esplendor na primeira metade do século XIV, o moti-vo do caracol desapareceu no fim desse mesmo século para voltar a tornar-se popular na segunda metade do século XV.

Assim, no quadro intitulado “Anunciação”, pintado por Francesco del Cossa entre 1470 e 1472, pode ver-se um caracol a passear em frente da Virgem. Embora este facto possa surpreender, a presença do caracol consegue atribuir um grande valor à obra, pois evidencia a ideia de que

se o ar pode fertilizar um caracol (que era uma ideia generalizada de acordo com os convicções desses tempos), Maria, graças ao Espírito Santo, pôde fi-car grávida, permanecendo, ao mesmo tempo, Virgem.

Infelizmente, após o século XVI, não se pode encontrar nenhum traço nem referência ao caracol na arte e o motivo parece ter sido esquecido. Só poucas pessoas conhecem o caracol enquanto símbolo artístico, prefe-rindo aproveitar as suas características nutritivas e cozi-nhando-o como um verdadeiro petisco. $

Fig. 1. Baltimore, Walters art gallery, ms 45, Fol. 52v. Homem a lutar contra o caracol

Fig. 2. neW Haven, BiBlioteca da universidade de yale, LanceLot du Lac, Fol. 169. cavaleiro empinando o cavalo contra o caracol

Page 21: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Desde pequeña le tuve miedo a los caracoles. Producían en mí el mismo sentimiento que las brujas en otros niños. Me parecía que “algo así” se me puede acercar y comerme entera. ¡Huía lo más lejos posible!

No importaba que ese horroroso monstruo tuviera cuando mucho tres centímetros de longitud y se moviera con la rapidez de una mosca sin cuatro patas. En realidad, era yo quien corría como loca -a veces a ciegas y sin pisar a otros monstruos sola-mente de milagro-, mientras que mi agresor (el señor caracol) quedaba muy detrás de mí. Quién sabe, quizás él ni siqiuera me había visto e iba por su camino a una cita con otro señor o señora caracol.

Así pasaron los meses y los años de mi infancia, con el temor de encontrarme con esa “bestia salvaje” mientras jugaba en el jardín. .

La situación cambió diametralmente cuando alguien me dijo que ese “horroroso monstruo” ¡es un manjar! El favorito de los cocineros de cofias blancas en los mejores restaurantes de París.

¡Cuál habrá sido mi sorpresa!Resulta que la cocina francesa adora a un primo lejano de nuestro viñero-jardinero. Y tal vez a él mismo no lo desprecia. Sin embargo, es probable que esta adoración funcione sola-mente de un lado, por lo menos así debería ser. ¿Pero lo saben los caracoles? ¿Les han dejado sus ancestros, como herencia científica y cultural, alguna advertencia en cuanto al homo sapi-ens sapiens (de Francia en particular)?

Me parece interesante qué les habrían escrito en semejante documento. ¿Tal vez un desiderátum caracólicum? Seguro lo habrían comenzado: “no vueles por la vida…”

¡Seguramente habrían también incluido una breve historia de su cultura! ¿Nos habrían descrito en ella como GRANDES intru-sos en su mundo? Además, como intrusos que no los compren-den y, por si fuera poco, no los quieren comprender. ¡Aparecen, cogen los mejores ejemplares y se van! ¿Y qué debe hacer la señorita caracol si justo se han llevado a su futuro marido?

Ese libro, El libro de la gran familia de los caracoles habría sido una insustituible fuente de saber para los caracoles con-temporáneos. Si lo pudiéramos descifrar (ya que quién sabe en qué lengua lo habrían creado, ¿caracolés clásico?), tal vez habríamos visto de otro modo al pobrecito chupalandero en-contrado en el parque.

Desgraciadamente, creo que sus ancestros no llegaron a escri-bir nada.

¡Pudieron no haber llegado a tiempo! Finalmente, no sin razón, el caracol en polaco es primo cercano de la tortuga, pues los dos caracolean a paso de tortuga. $

Od dziecka bałam się ślimaków. Działały na mnie jak Baba Jaga na inne dzieci. Wydawało mi się, że „takie coś” może do mnie podejść i zjeść w całości. Uciekałam gdzie pieprz rośnie!

Nawet jeśli ten straszny potwór miał co najwyżej 3 cm długości i poruszał się z prędkością muchy bez 4 nóg. W rzeczywistości to ja pędziłam jak szalona, czasami na oślep i tylko cudem nie rozdeptywałam innych, a mój agresor ( Pan ślimak) ślimaczył się gdzieś w tyle. Kto wie, może nawet mnie nie zauważył i poszedł sobie spokojnie swoją drogą, na spotkanie z innym panem ślimakiem albo panią ślimakową.

Tak mijały miesiące i lata mojego dzieciństwa, w strachu czy oby podczas zabawy w ogrodzie nie natknę się na tą „ dziką bestię”.

Sytuacja diametralnie zmieniła się gdy powiedziano mi, że ten „straszny potwór” to prawdziwy rarytas! Ulubieniec kucharzy w białych czepkach, w najlepszych paryskich restauracjach.

Jakież było moje zdziwienie!

Okazało się ,że kuchnia francuska uwielbia dalszego kuzyna naszego winniczka-ogrodniczka. Może nawet nim samym nie pogardzi.

To uwielbienie działa jednak chyba tylko w jedną stronę, przynajmniej powinno. Ale czy ślimaki o tym wiedzą. Czy ich przodkowie w swej kulturalno-naukowej spuściźnie zostawili im jakieś ostrzeżenie przed homo sapiens sapiens (de Francia w szczególności)?

Ciekawe co mogliby im napisać w takim dokumencie! Może ślimakową dezyderatę? Na pewno zaczęliby ją od: Nie pędź przez życie….

Pewnie zamieściliby także krótką historię swojej kultury! W której opisywali by nas jako WIELKICH intruzów w swoim świecie? Na dodatek intruzów, którzy nie rozumieją ich i co gorsza nawet nie chcą zrozumieć. Pojawią się, złowią co lepsze okazy i już ich nie ma! A co ma zrobić panna ślimakówna jeśli akurat złowiono jej niedoszłego męża?

Taka księga, Księga Wielkiej Rodziny Caracoles byłaby niezastąpionym źródłem wiedzy dla współczesnych ślimaków. Gdyby i nam udało się ją rozszyfrować ( bo nie wiadomo w jakim języku mogłaby powstać- klasyczny ślimaczy?), może inaczej spojrzelibyśmy na biednego winniczka napotkanego w parku.

Niestety przodkowie chyba jednak nie zdążyli nic napisać.

Mogli nie zdążyć! W końcu nie bez przyczyny ślimak w języku polskim jest bliskim kuzynem żółwia, przecież obaj ślimaczą się w żółwim tempie! $

Texto de Bożena Gąsienica-DanielTraducción de Magdalena Guziejko

Caracoles, ¡Animaros!

cara

cole

s

Page 22: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

Caracóis...Quem não os colhia na sua infância? Lembram-se daqueles dias quentes de Verão, o sol brilhante, a erva divinal-mente verde, fina e baixinha, coberta ainda do orvalho restante de um leve chuvisco matinal, onde nada mais existia ou brin-cava, a não ser os caracóis! Se calhar dizer “brincavam” não é o melhor para descrever o passatempo deles, pois, eles até são muito preguiçosos e, por sinal, adoram estar de “papo para o ar”, quer dizer... “de concha para o ar”. Vendo bem as coisas, somos nós que lhes tiramos o sossego e a pacatez das suas vidas. Quem pensou pelo menos uma vez como saborear es-tas pequenas bestinhas ? Que levante a mão quem já pensou nisto! E quem ousou ponderar quanto custa um...quilo deles? Posso informar-vos de que os preços nas feiras grossistas na Polónia não são elevados – de 1,5 a 2 zlotys por quilo – o que não recompensa o trabalho de os apanhar, com certeza. Tanto mais que na Europa são considerados uma delícia rara, mas bem preparados podem atingir preços astronómicos nos restaurantes, uma vez que são um petisco apreciado.

O que eu acho bastante interessante é que os caracóis foram um dos primeiros alimentos de origem animal do homem pré-histórico. Porém, os Romanos, considerados grandes amantes dos gastrópodes (grego: gaster = estômago, poda = pé), não só os comiam mas também os usavam como medicamentos e até, quem diria... como afrodisíacos. Na natureza existem mui-tas espécies de caracóis – mais de 40 mil (sic!), entre as quais se podem encontrar algumas espécies que até são bonitas, maravilhosamente coloridas, enquanto existem outras que são bastante venenosas.

Existem dois tipos/géneros de caracóis comestíveis: Helix (da família Helicidae) e Achatina (família Achatinidae). No mundo da gastronomia temos, então, Escargots, Escargots de Bour-gogne, Escargots Petit-Gris e Gros-Gris (pequenos e grandes cinzentos) e Achatines. É melhor saborearem cada um destes tipos – para saberem quais são os vossos predilectos. Portanto, nem se preocupem com manter a linha, pois os caracóis são fáceis de digerir e até são dietéticos! Aqui têm algumas receitas para experimentar:

Receitas:Pastéis de caracóisIngredientes:

Para o recheio:500g caracóis tirados das conchas300g de cebola1 lata de milho2 pimentos vermelhossal e pimentamanteiga para fritarPara a massa:250g de farinha de trigo

120g de manteigasalágua

Preparação:Corte a carne dos caracóis e refogue-a na manteiga, tempere-a. Aloure a cebola cortada em rodelas e os pimentos em palitos curtos, mexa com o milho, junte os caracóis.

Massa: Faça a massa com todos os ingredientes, acrescentando água fria, para que fique mole, mas flexível. Alise-a e corte rodelas de 10cm de diâmetro. Ponha as porções do recheio prepara-do nas rodelas, dobre e cole-as como empanadas ou tortel-lini. Ponha-os no forno aquecido até 200 graus e asse até que fiquem dourados.

Tagliatelle com caracóisIngredientes:400g de tagliatelle grosso300g de caracóis pequenos tirados das conchas2 cebolas1 lata de tomates em pedaços 50g de azeitonas pretasazeitesal, pimenta, orégãos

Preparação:Corte os caracóis em pequenos cubos, frite-os com cebola cor-tada em rodelas. Quando a cebola ficar loira, junte os tomates e as azeitonas bem picadas. Tempere o preparado.Coza a massa em água salgada com uma colher de azeite. Quando a massa estiver preta, misture-a com os caracóis numa caçarola. Sirva o prato quente acompanhado com vinho tinto.

Caracóis grelhadosIngredientes:20 caracóis tirados das conchas3 cebolas grandes½ chávena de azeite2 ramos de alecrimsal, pimenta

Preparação:Prepare uma marinada de cebolas cortadas em azeite, junte também alecrim, sal e pimenta a gosto . Adicione os caracóis cortados em pedaços grandes, mexa bem e deixe ganhar pala-dar por uma noite. Grelhe os caracóis com a cebola da mari-nada. Sirva o prato quente com torradas. Bom Apetite! $

Texto de Iwona Śniadecka e Joanna Moszczyńska

cara

cóis Receitas de caracóis

Page 23: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Caracol-um animal filosófico

O caracol não é para nós um bichinho importante. Os mosqui-tos, as vespas ou formigas muito mais frequentemente atraem a nossa atenção. Temos de lutar contra eles durante todo o verão, proteger o nosso corpo das suas picadas, fazemo-nos queixar sobre os incómodos da vida. Os caracóis são visíveis só nas aldeias com as ruas cheias de lama. Mas inesperadamente, às vezes o caracol pode tornar-se um ponto de começo da nossa reflexão filosófica.

Paweł Hille é um autor muito benemérito para a cidade de Gdańsk. A acção de todos os seus livros tem lugar ali. No conto “Os caracóis, os charcos, a chuva”, Gdańsk é o fundo da história sobre uma aventura excepcional dum pai e do seu filho.

O pai é um construtor de navios a traba-lhar num estaleiro nos tempos do comu-nismo. Quando se recusa a aceitar a data da primeira saída dum navio no dia da festa nacional de 22 julho (A Festa Nacio-nal de Renascimento da Polónia – fixada um ano depois de assinatura do manifesto do Comitê Polaco da Libertação Nacional), perde o trabalho. Não importa que o navio tenha defeitos muito graves, ele foi no-meado “um inímigo da nação”. Com isso, é condenado a passar a vida na pobreza, porque ninguém quer contratá-lo. Para ganhar um pouco de dinheiro tenta fazer de tudo. Por isso, quando sabe da apanha dos caracóis, leva o cesto e o seu filho e começa a caminhada mágica.

Para o filho, esta viagem de vagabundos está ligada à exploração dum mundo que desapareceu há trinta anos. Quando, às tardes, os dois planeiam aonde ir no dia seguinte, o rapaz, abaixado sobre o mapa, vê nomes de ruas que não conhece. No fundo da sua própria cidade é inundado o outro, com o nome estrangeiro “Danzig”. Nesta reflexão de espelho, as ruas são mais limpas e elegantes e nas ruas e casas ouve-se só uma língua estranha. O presente mistura-se com o passado. O rapaz começa a reparar nos detalhes duma realidade de antes da Se-gunda Guerra, quando Gdańsk era mais uma cidade alemã do que polaca. Mas isso é só um dos descobrimentos dum par de aventureiros. Um dia os dois chegam a saber que os caracóis gostam muito dos cemitérios arruinados. Não podendo expli-car este fenómeno, o rapaz começa a supor que os animais são mensageiros de outro mundo, criaturas de Hades enviadas para uma missão secreta à nossa realidade.

No último dia da apanha dos caracóis, o pai e o filho trabalham até ao lusco-fusco. Quando reparam que já é muito tarde e não

vão chegar a horas a casa da compra dos caracóis, decidem devolvê-los à liberdade. Neste momento acontece algo estra-nhíssimo. De todos os arbustos saem centenas de caracóis que formam uma linha e como numa romaria sobem ao pico da co-lina. Fascinados com esse comportamento extraordinário, pai e filho seguem os animais para saber o que se está a passar. No cume encontram uma rocha da altura dum homem, abrupta e completamente lisa. Apesar de os caracóis não desistirem da sua subida à rocha, não são capazes de vencer esta batalha contra a massa rija do granito e a gravitação de terra.

O pai e o filho observam este mistério do mundo animal com espanto. É um momento muito significante para os dois. Por

que os caracóis tentam subir a pedra? Talvez esse seja um lugar duma esfera santa ou um tipo de accis mundi dos bi-chinhos? O que podia acontecer se con-seguissem alcançar o pico da rocha? - só caracóis sabem a resposta para estas per-guntas.

Mesmo que os dois não tenham nenhuma ideia sobre os motivos dos caracóis, há um profundo sentido nesse quadro. A subida cansativa dos caracóis é como a metáfora da vida do pai, da sua resistência e o in-justo combate com o sistema irracional do comunismo. Ele tem as suas regras, é um homem de honra. Mesmo numa situação perigosa, quando a sua decisão de não as-sinar o acordo para a saída dum navio tem consequências para toda a sua familia, ele não desiste dos seus ideais. Como o cara-col, tem de esforcar-se imensamente para viver com dignidade nos tempos onde o que se conta é a flexibilidade e lealdade a um partido comunista. A demissão do trabalho é como a queda dum caracol

subindo a pedra. Mas como o caracol, o homem começa a subida outra vez.

Para o rapaz é sobretudo o momento da descoberta de que a vida humana, como a vida de qualquer outro bichinho, está cheia de segredos. Nem sempre se pode encontrar uma boa resposta para as perguntas que não nos deixam dormir. Nem sempre sabemos aonde vamos e qual é o objectivo da nossa caminhada. Nem sempre alcançamos o que queremos. Mas sempre queremos e fazemos esforços. A aura especial desse conto faz-nos pensar sobre a nossa própria vida. Quem sabe, talvez para nós a pedra acercada pelos caracóis signifique uma outra coisa. Na próxima vez, quando virem o caracol, por favor, lembrem-se de que tudo ao nosso redor tem algo importante para nos dizer. $

Texto de Maria Wróblewska

cara

cóis

Para o rapaz é sobretudo

o momento da

descoberta de que

a vida humana, como a

vida de qualquer outro bichi-

nho, está cheia de segredos.

Nem sempre se pode encon-

trar uma boa resposta para

as perguntas que não nos

deixam de dormir.

¿?

Page 24: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

cria

ção

lit

erár

ia

por Anna Kalewska

NáuseasPoema futurista transcultural ao gosto de Ultimatumde Álvaro de Campos

Nunca comi caracóis. Comer caracóis é para mim uma vaga perspectiva do futuro. Não comi porque ... porque são amigos da aranha Leopoldina, que além de fazer teia e maia fazia também versos, contava histórias, harmonizava as cores do árco-íris e tinha coração azul, «parecendo uma teia de emoção», como escreveu Ana Luísa Amaral n´A história da aranha Leopoldina.

Acredito que os caracóis, os aranhiços, os sapinhos e os golfinhos são totens (e tabus) do nosso quotidiano, simpáticos seres não-comestíveis com que nos identificamos. Vá a uma marisqueira a um jardim zoológico e salve o seu molusco ou animal preferido! Se não puder, invente um conto sobre uma menina que não comia caracóis. Está por escrever.

Oh, que fazes tu, ó caracol descascado em Cascais,Canhoto maneta do corno esquerdo,Aranha imperfeita sem tampa a cobrir as desinqueitadas narinasFinas.Quem és tu, ó marisco do pobre, a carregar a tua casinha às costas?Custava-me olhos da cara içar-te num palito e levantar à bocaRocaNão posso.Tusso.

Tirem o caracol da minha frente!Arranjem-me uns couves e umas costeletas da carne de porco (panada)Ponham os mariscos na frigideira a fingir que sejam ovos!Tudo de aqui para fora!Ultimatum a todos em caracóis e a todos os outros que sejam como eles! Falência geral de tudo por causa dos mariscos!Falência geral de tudo por causa de caracóis!Falência geral de gostos, de raças e de culturas!

Fora! Fora! Fora!Tirem este prato da minha frente!E se houver caracóis que se mexam,Ponham-os aí no canto.Ó caracol da baixa imortalidade!Ó amigo de lesmas alfacinhas!A Europa tem fome de ti e não te conheceÓ amigo lonquínquo de oscypek e de bolotus-bolotusA Europa teme-te e desejaA Europa fome de caracóis!

$

Page 25: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

A Europa tem fome de futuro, tem fome de caracol.A Europa não come caracóis porque não tem grandes PoetasGrandes EstadistasGrandes GeneraisGrandes CozinheirosA Europa sem o caracol é apenas o Portucale de Varsóvia!Ó caracol da Raça dos Navegadores!Afirmo que vais perecer brevemente porque te faltaUm tanto de mucoUm rasto quente e viscoso de caracolDeixado no gaurdanapo cor-de-rosa serviette

Tú, da Raça dos DescobridoresDesprezado mais que o alho da açordaÓ tu, blague comestível de Pedro Álvares Cabral que não te qeuria descobrir! Mostra o corninho e traz-me um tanto de queijoAmigo da joaninha que não voa!

Mais vinho, por favor.Viiiiiiinho!Vodka!Schnaps!

Tapem-me o nariz com o pano por cima de tudo isso!Fechem os caracóis à chave e deitem a chave fora!Deixem-me respirar!Agora a arte é ter fotografado um caracol de CascaisE «os caracóis das melhores regiões»Fornecidos por ....Magalhães!Colombo!Mima-Fataxa!Agora a literatura é o conto do caracol apaixonadoContado para uma menina que nunca comia caracóisAgora a crítica é haver bestas bicornudas que se chamam caracóisE deitam os corninhos fora, pondo-os ao sol a sair da cascaMontando devagarinho a flor do caracoleiroNa hélice do vomitórioZigzagueandoChamando pelo Gregório.

Passem, absolutalmente, passemCaracóis saltimbancos arlequins celestiais girassóisZombaBambaCacimbaVomitoVomito vomito vomito!Bláaaaaaaaaaaaaaaa!

O caracol vomitado jaz e apodrece.A Europa cara-colada suas malhas tece.

Page 26: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

EL DIBUQ

Hermano menor del dybuk (tan odiado por los alumnos de la yeshiva). Igual que el dybuk, el dibuq tiene patas de ganso y cuer-nos de chivo. Siempre tiene hambre y siempre la puede saciar, ya que se alimenta de los pensamientos impuros de las mujeres infieles. Sin embargo, es muy flaco, porque gasta mucha energía provocando celos en las mentes de los maridos engañados. Algunos dicen que huele a sudor y lágrimas, otros que deja olor a ajo. De la relación entre un dibuq y una mujer de Pułtusk nació un caracol con cara de mono. Pero eso ya es otra historia. $

crea

ció

n li

tera

ria

por Katarzyna Hajost-Żak

Page 27: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

cria

ção

lit

erár

ia Depois da chuva chegam os caracóis

O céu, há alguns momentos ainda sereno e turquesado, começou a cobrir-se de nuvens. Cada vez mais a tênebra escorreu pela cidade, não deixando nem um pontinho claro.

“Ai! Tenho de apressar-me. Logo vai chover a cântaros!” – murmurou uma velhinha ganhando a guia.

De repente um relâmpago luminoso cortou o céu como se quisesse quebrar a pavorosa escuridão. E logo depois deixou-se ouvir um es-trondo potente de trovão, repreendendo o raio pela demasiada clareza. Mas a avozinha não se preocupava nada com essa briga dos fenóme-nos atmosféricos.

“Ai! Rapidinho! O meu precioso não pode molhar-se! Ainda alguns pas-sos...”

No momento quando conseguiu esconder-se debaixo do teto de um barraco de chapas abandonado, começou a chover.

“Agora estás seguro.” – disse com um sorriso a velha mendiga, tirando de um saco o seu tesouro, o único que tinha – um cobertor usado. Deitou-se na terra, cobriu-se e caiu no sono.

Como nenhum aguaceiro dura a eternidade, logo as nuvens desapa-receram e surgiu o sol. A avozinha levantou-se, enrolou o seu cobertor na trouxinha e dirigiu-se ao parque que ficava no outro lado da rua.

Quando já queria atravessar, um pequeno ponto tremendo como varas verdes atraiu a sua atenção. Acocorou-se para ver melhor aquele bicho. Era um caracol que também tinha vontade de ir ao parque depois da chuva. A mendiga teve pena do animal:

“Tu sozinho nesta estrada enorme, no meio de tantos carros!” – ao dizê-lo, apanhou delicadamente o caracol do chão e atravessou com ele a rua.

“Obrigadinho!” – disse o bicho depois de alcançar a relva no parque.

“Desculpe? Tu falas?” – a avozinha arregalou os olhos.

“Não! Eu canto!” – indignou-se o caracol – “Claro que falo! E queria agradecer-te pela ajuda, ou antes pela salvação da minha vida.”

“Não há de que.” – a velhinha sorriu-se lentamente.

Somente agora examinou o animal com todos os pormenores. Não tinha nada em comum com esses caracóis repugnantes e lamacen-tos. Quando mostrou meio corpo para fora da concha e esticou seus tentáculos, podia-se ver toda a sua beleza: as torceduras da concha decorada com as finas guarnições, o brilho do corpo que reflectia todos os raios do sol. Uma verdadeira maravilha!

“Que feliz tens de ser! Tão bonito com a tua própria casinha no dorso. Sempre quando estás farto do mundo podes acolher-te nela. Um pou-co assim como eu quando me refugio da chuva debaixo deste cobertor. Sabes, é a única coisa que tenho.” – os olhos da avozinha encheram-se com as lágrimas – “É preciso ter um lugar aprazível e quentinho aonde se possa voltar, mesmo se só uma concha...”

“És uma pessoa muito boa e mereces o melhor. Fecha os olhos e pensa um desejo!”

...

O céu, há alguns momentos ainda sereno e turquesado começou a cobrir-se de nuvens. Acima da cidade rompeu o novo espectáculo tenebroso da tempestade. No entanto, desta vez a velhinha não tinha pressa, não tinha de proteger o seu cobertor para que a chuva não o molhasse. Estava quietinha na sua concha esperando pelo fim da corda d’água.

Logo que sentiu o calor dos primeiros raios do sol esticou os tentáculos. O arco-íris era maravilhoso... $

por Barbara Szlachta

Page 28: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

cria

ção

lit

erár

ia Uma casa dentro das mãos

por Manuela Teixeira Pinto

Ela acordou num dia ensolarado. Num dia em que a cidade era fácil de se dizer. Ela acordou nessa casa branca onde vivia devagar há muito tempo. Lembrava-se de poemas onde os poetas diziam as casas, o lado de dentro das casas. Eu comia nesta sala e dormia neste quarto e descia estas escadas e descansava. E enchia o quarto do meio, mais pequeno, de livros onde às vezes escrevia nas margens como quem semeia flores nos parapeitos das janelas. As flores a escorrer pelas paredes, entre as fendas brancas, as flores, as raízes, as flores a crescer na casa. A casa inteira a crescer, em cada dia, silvestre e branca a esfregar os olhos ao acordar. A casa em cada dia, um dia mais.

Nesse dia ela era as suas mãos abertas, a esticar-se no branco dos lençóis, o seu cabelo breve despenteado a escorrer pelo cheiro da manhã, pelo cheiro do pão e do café, pelo cheiro do mel e das cerejas, da soleira da porta, essa pedra antiga, onde se esticava e respirava fundo. Nesse dia ela sentou-se na soleira branca, enrolou os braços nos joelhos e os olhos grandes no ar doce e perguntou. Perguntou se as casas eram uma vida inteira a arrastar-se inteira pela vida.

Nesse dia ela lembrou-se que se-meava moedas nos potes de barro que trazia de países muito distantes e que espalhava pela sala grande. Ela lembrou-se que espalhava desejos pela casa, que escondia segredos pela casa, a respirar fundo pela casa. Nesse dia ela era cúmplice da sua casa, ela era os seus pés descalços a segredar carinhos na soleira branca da porta. Ela era as suas mãos abertas a perguntar se as casas eram uma vida inteira que se arrasta toda pela vida.

Nesse dia ela era os seus livros na mesa e nas escadas. Ela era as folhas brancas e as canetas, os postais coloridos e as fotografias. As fotografias de tantos lugares. Ela era os anjos pequenos, sorridentes, os móveis que cheiravam a um lugar distante, os ovos de Páscoa pintados de azul e cor-de-rosa. Ela era as roupas no cesto ensolarado, era as janelas abertas, as janelas fechadas, as portas grandes e as gavetas. As gavetas forradas de memórias, a voltar agora, a ganhar cor, as memórias forradas de promessas, de bilhetes de cinema, de avião, de pedras azuis, de conchas brancas, de areia preta, de poemas. De poemas a dizer o lado de dentro das coisas. A dizer nas margens

dos livros o lado de dentro das coisas. O lado inteiro das coisas. A transbordar. A dizer uma manta vermelha nas costas de uma cadeira onde crescia um vaso de lavanda. A dizer um vaso de lavanda que ficava o dia inteiro a apanhar sol. A dizer o sol a deslizar na pele que amanhecia, a passar os dedos pelas mãos, a dizer que a casa inteira existia devagar, naquele dia. Nas suas mãos, a casa existia devagar, há muito tempo. A casa escrevia-se devagar há muito tempo, ordenava-se devagar há muito tempo. Nesse dia ela perguntou pelas suas mãos.

E pensou que a casa era tantas coisas e por isso andava devagar. Uma casa inteira devagar, a deixar rasto num caminho. Uma casa inteira num caminho. Sozinha a subir uma montanha, a descer a uma praia, a mergulhar num barco, a levantar num voo. A ficar. Uma casa inteira num mundo tão grande. Uma casa inteira numa mala grande. A deixar rasto, a sua casa, a caminhar. Nesse dia ela lembrou-se de um livro muito antigo, de um homem a subir uma montanha, um homem a empurrar encosta acima outra montanha, essa pedra imensa que desliza, essa pedra imensa que se agarra às mãos. Ela lembrou-se que o livro dizia, com a sinceridade dos desejos sinceros, que era preciso imaginar esse homem feliz. Era preciso imaginar. A casa a imaginar. A casa a tremer devagar na brisa fresca que não havia. Nesse dia ela perguntou pela sua vida, silvestre e branca ao acordar.

E nesse dia ele respondeu. Ele disse, fazer amor contigo é como escrever nas margens de um livro. Ela não estava certa de perceber. Mas estava inteira nos seus braços. Era como semear flores nos parapeitos das janelas. Era como subir uma montanha e acreditar na verdade das pedras. Era como abrir a bolsinha dos perfumes e pintar os olhos de azul silvestre, se existisse uma cor assim. Era como dizer os segredos, um a um. Era como despejar a casa inteira numa mala grande, num comboio que serpenteasse por um país distante imaginário. A casa num país distante imaginário. A casa devagar a ser escrita nas margens de um livro. A ser escrita com as duas mãos. A casa inteira a adormecer nas tuas mãos, a dizer um poema que nunca te disse. O lado de dentro de um poema que nunca te disse. Nas minhas mãos nas tuas mãos a transbordar um poema que nunca te disse. Num dia ensolarado, um dia que fosse fácil de dizer. $

E pensou que a casa era

tantas coisas e por isso

andava devagar. Uma casa

inteira devagar, a deixar

rasto num caminho. Uma

casa inteira num caminho.

Sozinha a subir uma mon-

tanha, a descer a uma

praia

¿?

Page 29: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos, Roberto Carlos e Erasmo Carlos

cria

ção

lit

erár

ia

Page 30: Abril/ Maio

Abril / Mayo�0 ¿?

D’ESqUITLLENTES

Discretament, d’esquitllentes,lecullo del corriolel meu germà major,el cargol,perquè ningú no el trepitgi.

Major, tal vegada, milers d’anys. Germà en la inseguretat de l’existència.Ambdós, però, ignorem per a què creats fórem.Ambdós, però, preguntes mudes anotem,cadascú amb la seva més íntima escriptura:

amb la suor de la por, amb semen, amb baba.

traducció de Josep Antoni Clement

A HURTADILLAS

Discretamente, a hurtadillas,levanto del senderoa mi hermano mayor,el caracol,para que nadie lo pise.

Mayor quizá millones de años.Hermano en la inseguridad de la existencia.Los dos ignoramos por igualpara qué fuimos creados.Los dos inscribimos por igual preguntas mudas,cada uno con su más íntima escritura:

con sudor de miedo, con semen, con baba.

traducción de Gerardo Beltrán

ÁS AGACHADAS

Ás agachadas, discretamentelevanto do sendeiroó meu irmán maior, o caracol,para que ninguén o pise.

Maior probablemente millóns de anos.Irmán na inseguridade da existencia.Ambos igualmente non sabemospara que fomos creados.Ambos igualmente apuntamos mudas preguntas,cada un coa súa letra máis íntima:

coa suor do medo, con seme, con baba.

traducción de Lucía R. Caeiro

ÀS FURTADELAS

Discretamente, às furtadelas,levanto da veredao meu irmão mais velho,o caracol,para que ninguém o pise.

Mais velho talvez milhões de anos.Irmão na insegurança da existência.Nós dois ignoramos por igual para quê fomos criados.Nós dois inscrevemos por igual perguntas mudas,cada um com sua mais íntima escritura:

com suor de medo, com sêmem, com baba.

tradução de Daniela Capillé

Page 31: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

UKRADKIEM

Ukradkiem, dyskretniepodnoszę ze ścieżkiswojego starszego brata,ślimaka,żeby go nikt nie nadepnął.

Starszego pewnie o miliony lat.Brata w niepewności istienia.Obaj jednako nie wiemy,po co zostaliśmy stworzeni.Obaj jednako zapisujemy nieme pytania,każdy swoim najbardziej intymnym pismem:

potem strachu, nasieniem, śluzem.

Ryszard Krynicki

ÀS FURTADELAS

Discretamente, às furtadelas,levanto da veredao meu irmão mais velho,o caracol,para que ninguém o pise.

Mais velho talvez milhões de anos.Irmão na insegurança da existência.Nós dois ignoramos por igual para quê fomos criados.Nós dois inscrevemos por igual perguntas mudas,cada um com sua mais íntima escritura:

com suor de medo, com sêmem, com baba.

tradução de Daniela Capillé

UKRADKIEM

Ukradkiem, dyskretniepodnoszę ze ścieżkiswojego starszego brata,ślimaka,żeby go nikt nie nadepnął.

Starszego pewnie o miliony lat.Brata w niepewności istienia.Obaj jednako nie wiemy,po co zostaliśmy stworzeni.Obaj jednako zapisujemy nieme pytania,każdy swoim najbardziej intymnym pismem:

potem strachu, nasieniem, śluzem.

Ryszard Krynicki

traducción de Gerardo Beltrán

Ryszard Kryinicki, poeta, traductor, editor. “Ukradkiem

” procede del libro Kamień, szron (Piedra, escarcha), a5, Cracovia, 2005.

Page 32: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

La v

ersi

ón p

ortu

gues

a es

de

José

Car

los

Dia

s, la

cat

alan

a de

Jos

ep A

nton

i Cle

men

t, la

gal

lega

de

Lucí

a Ro

dríg

uez

Caei

ro. A

l grie

go a

ntig

uo t

radu

jo M

arta

Mac

how

ska,

al h

indi

y a

l sán

scrit

o, F

ilip

Ruci

ński

. La

vers

ión

cast

ella

na, a

sí c

omo

las

trad

ucci

ones

al l

adin

o, y

ídis

h, p

olac

o, li

tuan

o, e

sper

anto

y la

tín s

on d

e G

erar

do B

eltr

án. P

arad

ójic

amen

te, e

l orig

inal

fue

escr

ito e

n in

glés

, tam

bién

por

GB.

Page 33: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Page 34: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

entr

evis

ta

Andreia Correia é uma jovem poeta portuguesa de cabelos encaracolados, da cidade de Faro. Mora há dois anos em Varsóvia, cidade aonde chegou estrangeira de terra e onde se descobriu estrangeira de si mesma, mas onde também aprendeu a olhar mais fundo. Desde então, a solidão e o exílio marcam a sua poesia. Nesta entrevista bilingue e labiríntica, conversámos e rimo-nos sobre a vida, a poesia, Varsóvia e caracóis.

El caracol en su laberinto

Entrevista de Gerardo Beltrán

entrevista com Andreia Correia

Gerardo Beltrán - Andrea, tengo que hacerte una pregunta obligada en este número de nuestra revista: ¿te gustan los caracoles?

Andreia Correia – Se gosto de caracóis? Adoro caracóis! Adoro comer caracóis e gosto de ver caracóis nos cabelos das pessoas.

G.B – ¿Y los caracoles como animalitos, como seres vivos?

A.C – Sim, como animais. É muito comum em Portugal comer caracóis.

G.B – Pero no digo como comida, sino como amigos.

A.C – Não, como amigos, não. Também não são muito activos...

G.B – Claro, además no queda bien comerse a sus amigos...

A.C – Não. Mas decididamente os caracóis estão longe de ser meus amigos...

G.B – Crees que hay alguna relación entre los caracoles y la poesia?

A.C – Depende sempre do olhar. Depende sempre de quem vê. Para mim os caracóis não são particularmente interessantes. Confesso que nunca escrevi sobre caracóis, mas certamente deve haver algum ponto de interesse; depende sempre da perspectiva, como referi.

G.B – Me parece que en tus poemas hay algunos motivos caracólicos, por ejemplo el laberinto del minotauro, algunos ojos sin espirales, un ombligo por allí y el viento que da vueltas, el tiempo...

A.C - Talvez haja um sentido circular no poema, mas não é propositado. O tempo é muito importante, mas mais como devir, como agente que permite a passagem e não como a porta que se

abre para o regresso a, para a repetição. As coisas transformam-se, não se repetem, e daí que aquela circularidade, em que se falava, seja falível. O mais importante é a continuidade. Se há um caracol, se há uma linha circular no poema, ela desfaz-se no meio. É essa, pelo menos, a minha perspectiva, é esse o meu olhar quando escrevo... é sempre num sentido contínuo.

G.B – ¿Ese continuo es una progresión o es solamente una línea que va?

A.C – Se há progressão? Bem, eu acho que tenho tendência a repetir os temas e, nesse aspecto, talvez vá ao encontro da circularidade, mas essa repetição vai sempre no sentido de explorar uma temática mais intensamente, de ir mais além. Portanto, o meu objectivo é sempre a progressão... uma progressão que se pretende mais profunda. E por querer ir mais fundo, à essência, e nunca conseguir lá chegar, perpetuo o movimento de tentar compreender por dentro as coisas... é isso que me faz continuar a escrever.

G.B – Hay otro elemento de repetición en tus poemas: la repetición de sonidos, porque sueles rimar.

A.C – Nem sempre. Neste conjunto de textos talvez sim, mas, regra geral, é em versos livres.

G.B – ¿Cuál es tu relación con la forma en la poesía?

A.C – O meu modo de me relacionar com o poema é muito livre, muito espontâneo, isto quer dizer que, à partida, eu não faço grandes estruturações... ou melhor, grosso modo, eu não penso em nenhuma forma específica que sirva de apoio para o conteúdo poético e, uma vez escrito o texto, praticamente não o altero. Acho que olho para o poema como qualquer coisa que tem vida e não posso mexer. Se calhar, se mexesse, ficaria até melhor, poderia arranjá-lo e poderia procurar uma maior harmonia, mas acho que a desarmonia também faz parte dessa existência do poema e, por essa razão,

Page 35: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

quando escrevo é um acto muito instintivo. Regra geral, não vai rimar precisamente por isso, porque é como se me ditassem. As palavras surgem muito espontaneamente, logo a forma para mim não é particularmente interessante, não é um elemento importante para ler a maior parte dos meus poemas. Eu sou a favor da não-forma, isto significa que não busco na forma poética um sentido. Ela surge naturalmente, consequência das várias leituras que fiz, em suma da minha biblioteca interior. Há um programa natural que está inscrito na minha forma de escrever, mas não é pensado. Gosto sobretudo de escrever poemas de verso livre, rima branca.

De não valorizar os sons, mas sim as palavras, o que elas nos dizem ou podem dizer. Eu fascino-me muito mais pelas palavras, o seu lado semântico, do que propriamente pelos sons delas, quando articuladas.

G.B – Mencionaste que para ti la poesía es algo institivo. ¿Eso tiene algo que ver con la inspiración?

A.C – Creio que tem tudo a ver com a inspiração, seja ela de que tipo for... Escrever passa pelo instinto e passa por uma necessidade de me procurar a mim mesma no poema. G.B – ¿Y aquello de la transpiración? Por que alguien decía que la poesía es uno porciento inspiración y noventa y nueve transpiración.

A.C – Isso foi um choque que tive quando cheguei à universidade, porque a minha perspectiva pessoal sempre foi muito inversa a essa linha de escrever.

Cheguei à universidade para frequentar o curso de Línguas e Literaturas Modernas – variante Estudos Portugueses e apercebi-me, por professores meus, de que há essa teoria. E é uma desilusão, confesso, porque gosto muito mais da teoria romântica de que é 99% de inspiração e 1% de transpiração. No meu caso, pura e simplesmente, o que sucede é que se trata de 90% inspiração e 10% de transpiração. É como eu te dizia há pouco: eu quase que me recuso a mexer no poema, a menos que esteja com uma intenção muito específica. Se existir um propósito a presidir o poema, aí sim procuro que o texto seja uma construção consciente, procuro

a harmonia no poema, porque há um sentido latente nessa harmonia, uma mensagem sub-liminar que pauta a es-trutura. Caso contrário, é a inspiração, deixo-me levar pela voz interior. Porque gosto particularmente de me deixar levar e de ver as palavras surgirem... é isso que sinto: que elas surgem. Eu não as procuro, mas elas surgem.

G.B – ¿Sentistes que, de alguna manera, los estudios te limitaban?

A.C – Não, o que sinto é que quando leio literatura ou crítica literária, quando entro naquele domínio da lin-guagem mais específico, do literário, tenho tendência a escrever

textos mais autoreflexivos, em que jogo com questões literárias de uma forma muito consciente, com questões específicas da língua e não tanto com o instinto e com o sentimento. E, portanto, entra aqui um trabalho intelectivo, a roçar a ironia muitas das vezes, aparecendo os textos mais pensados e mais programados, porque se tem presente estéticas ou conteúdos específicos de qualquer disciplina, cânones que servem de suporte. Mas, como digo, são poucas as situações. Acontece quando há o estímulo. Depois surge a ideia e vou explorá-la ...

G.B – El poeta portugués Nuno Júdice –que tú conoces bien, porque escribes sobre él– tiene una idea de la poesía como lengua extranjera, del lenguaje de la poesía como un lenguaje que hay que aprender como si fuera otro idioma. ..

A.C – Sim, a especificidade da língua poética, que cria um universo extra-ordinário. Eu acho que, no caso do Nuno Júdice, esta perspectiva tem diferentes matizes em função das fases da sua

Page 36: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

entr

evis

tapoesia. Há momentos específicos, sobretudo na fase inicial da sua escrita (década setenta), em que isso particularmente se nota. Há uma grande preocupação com o fenómeno literário e com o que é o poema. Conhece-se o poema dentro do poema. A poesia tem a sua linguagem e é uma linguagem muito primitiva, não por ser rudimentar, mas por que vai além da linguagem humana enquanto veículo comunicacional. A linguagem poética é deificada e estabelece uma ligação de cariz transcendental com o poeta. A poesia é uma forma de conhecimento e as palavras são um meio para nos aproximarmos do mundo empírico, ainda que haja uma distância abismal entre o mundo, esse mundo real, e o poema...

G.B – Tú tienes una concepción del lenguaje quizá más viceral, más violenta. En tu poema “a linguagem” hay imagenes incluso sangrientas.

A.C – Sim, eu acho que a linguagem tem esse lado áspero, tem esse lado difícil de tocar. Portanto, podemos aproximarmo-nos, mas é difícil manuseá-la. E eu gosto disso, gosto da complexidade. Tanto que muitas das vezes o fascínio é tal que o poema se torna quase indecifrável, até para mim. Foi como eu disse há pouco... eu fascino-me pelas palavras e daí o processo ser muito espontâneo e ininterrupto, chegando a criar um efeito de violência, às vezes. Há um fascínio pelas imagens, que a linguagem despoleta, e quando eu encontro uma que me agrada, sinto as palavras com vida, a subir-me, pela boca, e sigo-as. No caso deste poema, a janela de sentido que abri era de uma natureza mais agressiva. Acredito que as palavras são mesmo isso, têm uma vida própria que, como tu deves saber, fogem ao poeta. Fogem à vontade de querer dizer e à vontade de traduzir o que se vê e o que se sente... para mim, sobretudo o que se sente, porque o que se vê é sempre uma forma de se chegar aos sentimentos e, consequentemente, ao que sou.

G.B – El sentimiento como código....

A.C – Sim, acredito que sim. Acredito que o poema é sempre um modo de nos aproximarmos do Eu, com as suas faces várias, porque deixo partes de mim no poema. E mesmo que esse processo seja codificado, quando leio os textos sei o que estou a deixar neles abrigado. A leitura é um processo de recolha desses ecos abandonados nos versos.

G.B – Volvemos al laberinto del minotauro...

A.C – Há sempre uma margem de labirinto e de caos e falta o tal fio de Ariadne para nos encontrarmos nesse espaço enredado. Mas gosto de sentir essa complexidade, como uma marca que identifica o poema como sendo meu. Talvez por isso prefira não mexer nele, porque o sinto hermético e gosto depois de funcionar como leitora, de me perder e de me encontrar nele. Claro que, passado algum tempo, se houver distância suficiente, irrompe um sentido crítico mais acurado e, por conseguinte, a

vontade de o reconfigurar. Mas, assim a quente, olho para os textos com algum carinho, porque revelam sempre alguma parte do que ocupava os meus pensamentos naquela altura, do que vivi, do que eu senti ou não senti, o vazio, o cheio.

G.B – En ese momento el tiempo vuelve a dejar de ser lineal y da unas vueltas.

A.C – Sim, o tempo para mim é muito importante, porque acho que todos nós somos feitos de tempo

e acho que sinto isso fortemente, eu Andreia, eu pessoa. Sinto que estou sempre em mudança, sinto que as coisas estão sempre a acabar e isso deixa um profundo sentimento de nostalgia e, consequentemente, imprime nos versos o tempo, porque o estou sempre a sentir na minha pele, no meu corpo, na minha alma. Acho que o poema é sempre isso, a percepção do tempo e do Ser no tempo.

G.B - En ese fragmento de tiempo que se llama 2006, cuando escribiste estos poemas, se daba

Page 37: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

una circunstancia particular en tu vida. ¿Qué implica para una poeta portuguesa escribir poemas en portugués rodeada por una lengua que no es la suya y rodeada por una cultura que tampoco es la cultura portuguesa?

A.C – Acho que essa é a questão mais importante de todas. Curiosamente, quase todos os poemas que eu escolhi acabam por não falar directamente de Varsóvia, mas, no fundo, Varsóvia está neles todos, porque vim para cá sozinha, porque cresci

muito neste ambiente, porque quando saio à rua há sempre o abismo da linguagem, há sempre aquilo que vai de mim ao outro e que não é traduzível, e que não é expressável, em suma, que não pode ser dito... e esse não dito teve de encontrar uma fórmula num outro mundo que lhe fosse natural, neste caso, o texto, o poema. Acho que desde que estou cá, e já estou cá há dois anos, aumentou, em mim, qualquer coisa de mais profundo e trágico e isso reflecte-se nos textos escritos nesta fase. A solidão, o andar na rua e estar totalmente sozinho porque não somos compreendidos, porque

não compreendemos, esta negatividade toda da linguagem aumentou a agudeza com que olho para o espaço. No entanto, por existirmos só nós, por sentirmos que somos estrangeiros, literalmente, às vezes dentro de nós próprios, entramos num processo de auto-aprendizagem complexo e interminável. De facto, eu não me sinto só estrangeira por estar em Varsóvia... sinto-me assim, também, porque me descobri outra à luz da actual vivência. Acho que o processo começou por aí e teve início já há dois anos. Comecei a sentir que precisava de encontrar um novo veio para seguir, para me poder re-definir e o poema serviu de espelho. É a tal questão autoreflexiva, o poeta a olhar-se e a querer encontrar uma definição para si próprio, neste anonimato, neste espaço estrangeiro (a cidade e o Eu). De certa forma, este processo de esvaziamento também é bom e tem qualquer coisa de aprazível.

G.B - Una pregunta más (por deformación profesional): esos instintos que han surgido en una tierra estraña, esas sensaciones que se te presentan todos los días, ¿te han llevado de alguna manera a la necesidad de la traducción? ¿Te parece que la tradución podría ser una manera de balancear la incertitumbre?

A.C - Por algum motivo é que o homem inventou a linguagem. Porque nós precisamos de comunicar, de nos compreendermos e de sentir que pertencemos a. Esse sentimento de pertença passa, sem dúvida alguma, pela linguagem, passa pela tradução, como estás a colocar. Porque se aquilo que tu dizes não for inteligível para mim, cria-se a barreira do humano, do pessoal. Nunca chegarei a ti e tu nunca chegarás a mim, criando-se um fosso enorme entre o eu e o Tu. Talvez eu tenha sentido mais isso porque é difícil aprender a língua polaca. Não é uma língua que tenha proximidade com a língua portuguesa e que me seja facilmente apreensível. O que intensifica o desafio, sabendo eu que, se conseguir derrubar esse obstáculo, será uma forma de me sentir mais em casa, menos estrangeira. Porém, devo dizer-te que me sinto já, de certa forma, em casa. Depois das férias, quando regressei, senti um pouco isso: que estava a regressar ao meu lar.

G.B - La nostalgia produce caracoles en el tiempo...

A. C - Acho que a nostalgia é mesmo isso...um constante regressar a.. e que, nesse aspecto, Varsóvia será então um eterno caracol, porque vai sempre trazer esses momentos, esses dias, essas horas, em que não só realmente sorri muito, mas também me senti triste... senti-me vazia e cresci com isso. A diversidade de experiências enriquece-nos, dá novas formas e sentidos ao Eu, produz um efeito de rebuscado no sujeito, complexifica-nos... esse eterno caracol vai estar sempre comigo. Mais um caracol, para juntar aos meus. $

Page 38: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

Publ

icaç

ão

Aqui publicamos, em exclusivo, seis poemas de Andreia Correia, traduzidos para polaco.

“Labirinto”

Minotauro,Afogado,Pelas trevas dedilhado,Chegaste aqui...MinotauroDe rascunho,Que te invento pelo punho,Para que nasças de mim....

Minotaurode tantos dias,De tantos caminhos arauto.Minotauro, ébrias fatias,Fatias de um tempo incauto.

Devorada,Como tu,Minotauro,Aqui estou.Ao sacrifício deitada,Minotauro,Degolada,O poema me ceifou.

12/03/2006

“Reconhecimento”

Colidi com a minha janela,Vírgula assomada à boca do mundo,Pausa na noite jazida,No beiral dos teus lábios .

Colidi,Brutalizada de sentidos,Amante oca de águas profundas.Imprimi na ponta dos dedosO mapa do teu corpo e saí, mundo fora, cega,Tacteando a epiderme da vida,Tal qual Édipo, Em busca da tua pele, cor de fundo...

16/05/2006

„Labirynt”

Minotaurze,Zatopiony,Przez ciemności podrapany,Tutaj dotarłeś...MinotaurzeJesteś szkicem,Który wymyślam i widzę,Jak się ze mnie narodziłeś...

Minotaurzetak wielu dnii wielu dróg posłańcu.Minotaurze,pijany kawałku,Kawałku niebacznego czasu.

Tak jak tyPożarta,Minotaurze,Jestem tu.W ofierze złożona,Minotaurze,Wypatroszona, Ścięta ostrzem poematu.

Tradução de Dorota Kwinta

„Rozpoznanie”

Zderzyłam się z moim oknem,Przecinkiem zawieszonym na ustach świata,Pauzą w spokojnej nocy,Na krawędzi twoich warg.

Zderzyłam się,Wypotworniała od zmysłówKochanka pusta głębinami wody.Odbiłam na opuszkach palcówMapę twojego ciała i ruszyłam, w świat, oślepiona,Błądząc dotykiem po naskórku życia,Tak jak Edyp,W poszukiwaniu twojej skóry, spragniona...

Tradução de Dorota Kwinta

$

Poesia de Andreia Correia

$

Page 39: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

“A linguagem”

Experimento a linguagemEnquanto bebo um copo de palavras...(‘Para que serve a vida?’)As palavras agarram-se à boca,Ferros na língua estagnada,Não se querem misturar...(‘O que é importante, neste caminho de dias e curvas, [onde tudo se amontoa e desmorona?’)Experimento a sua luta lasciva.Derrubam-se umas às outras...Umas com vertigens,Outras com agorafobia.A língua estagnada.(‘Para onde irei amanhã e quem quero ser amanhã’?)Sinto as facadas,Os queixumes,As verborreias contidas a doerem-me,Na boca de sangue.

Experimento a linguagemNa vertigem de mimE descubro-me enumeradaPelo silêncio,Diante do esplendor deste combate viril:corpos sôfregos em movimento desarticulado,Mãos, escalando-me até aos olhos!

17/03/2006

„Język”

Wypróbowuję językKiedy wypijam szklankę słów...(„Do czego jest życie?”)Te słowa wgryzają się w usta,Ostrza w zdrętwiałym języku,Nie chcą się wymieszać...(„Co jest ważne w tej drodze dni i zakrętów, [gdzie wszystko się spiętrza i wali?”)Wypróbowuję ich lubieżną walkęPowalają się, jedne drugie...Jedne z zawrotami głowy,A drugie z agorafobią.Odrętwiały język.(„Dokąd pójdę jutro i kim chcę być jutro?”)Czuję pchnięcia nożem,Lamenty,i hamowane słowotoki, jak bolą mnieW krwawiących ustach.

Język wypróbowuję W pragnieniu siebieI odkrywam się wyliczonąPrzez ciszę,Wobec całego splendoru tej mężnej walki:łapczywe ciała w nieuporządkowanym ruchu,Dłonie, pnące się po mnie aż do oczu!

Tradução de Dorota Kwinta

“Varsóvia à luz da neve”

O manto que caiu trouxe com eleO reflexo de mil riosE de um oceano maior à minha espera.Não há neste cruzamento virginalA lembrança de um sonho maior do que este...Como se o céu e a terra, por fim noivos,Se preparasse para a noite de núpcias:Ela vestida de branco...Ele desligando a luz do mundo para secretamente [a abraçar....

21/11/2006

“Warszawa w świetle śniegu”

Zasłona, która opadła, przyniosła ze sobąOdbicie tysiąca rzekI jednego bezkresnego oceanu, które mnie oczekiwały. Nie ma w tym dziewiczym spotkaniuWspomnienia snu, marzenia silniejszego niż to…Jakby niebo i ziemia, w końcu zaślubione,Szykowały się do nocy poślubnej:Ona w bieli…On światła wygaszający świata, aby ją objąć w tajemnicy…

Tradução de Dorota Wadełek eJoanna Rożycka

$$$

Page 40: Abril/ Maio

Abril / Mayo�0 ¿?

Publ

icaç

ão

“Contrabando”

Quero o guindaste das horasPuxando o tempo para longe de mim...E no céu uma nuvem navegadaRumo ao sol, traficante da luz,Neste poema de marfim.

Quero ser o barqueiro, o ilusionista terrestre, [o trapezista arauto.Quero as palavras em fogo,Em fogo, as palavras, na ânsia do salto.

Quero ser a embarcação, deitada ao mar fundo dos dias,Carregada de sonhos para contrabando...E palavras alfandegárias, vazias.

19/03/2006

“Ânsia”

Mulher, Estandarte que o vento anseia,Pela mão íngreme da vida, desfraldar,Os olhos não têm espiraisPara que ninguém os saiba escalar…

Mulher, Alma ou barco de inteiros abraçosEquidistantes,Rumo febril de segredos e cansaços,Tremeluzentes horas e espaços,Arestas de voos marítimos, amantes…

Mulher,Não és resto ou rastilho,Em palavras nunca te poderia dizer…És, e eu sou contigo, rasto que arde sem caudilhoE por não seres infindo, caminho não podes ser…

Mulher, Corpo grávido de marés em desalinho,Carrego-te aos ombros do poema que te dignifica…

Porque és tu a indigência do gatilhoPorque és tu a ânsia frondosa do destino ,que dispara a essência que em mim habita…

24/1/2006

„Kontrabanda”

Pragnę tego żurawia czasuBy odciągał czas daleko ode mnie...A na niebie chmury żeglującej W stronę słońca, przemytnika światła,W tym wierszu z kości słoniowej.

Pragnę być wioślarzem, ziemskim iluzjonistą, [trapezistą wysłannikiem.Chcę słów całych w ogniu,W ogniu, słów, na chwilę przed skokiem.

Pragnę być transatlantykiem,Na powierzchni głebokiego morza dni,Wyładowanym po brzegi kontrabandą snów...I słowami do oclenia, pustymi.

Tradução de Dorota Kwinta

„Pragnienie”

Kobieto,Chorągwio, którą wiatr ciągle pragnieTwardą ręką życia koniecznie rozwinąć, Oczy pozbawione są spiraliTak, żeby nikt nie umiał się po nich wspiąć...

Kobieto,Duszo albo okręcie całkowitych objęćJednakowo dalekich,Gorączkowy kursie sekretów i zmęczeń,Migotliwościo godzin i przestrzeni,Krawędzio lotów morskich, ukochanych...

Kobieto,Nie jesteś lotką ani lotem,Nie zdołam cię słowami wypowiedzieć...Jesteś, a ja wraz z tobą, samoczynnie płonącym lontemI, nie będąc nieskończoną, drogą nigdy nie będiesz...

Kobieto,Ciało ciężarne przypływami w nieładzie ,Niosę cię na ramionach wiersza, który cię zaszczyca...

Bo to ty jesteś całym nieszczęściem spustuBo to ty jesteś gęstym lękiem przeznaczenia,strzelającym esencją co we mnie zamieszka...

Tradução de Dorota Kwinta

$$$

Page 41: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

1.a. Latająca ryba przeskoczyła nad jego ramieniem.

2.a. Korek od wanny zablokował mu się już ponad trzy lata temu; woda była bagnista, wysepki, plamy oleju, mech na metal-owym sznurze od prysznica. Gumowa kaczka, z wielkim trudem utrzymująca niezrozumiały fioletowy uśmiech, o kolorze niewątpliwie zakamuflowanym, pokrytym zielonkawymi algami, tkwiła na mieliźnie pomiędzy sitowiem, które rosło wysoko i pokrywało, zdziczałe, już prawie połowę wykafelkowanej ściany. W swoich ulubionych miejscach, małże, żółwie i dżdżownice. Był poniedziałek.

3.a. Ale, do cholery, latająca ryba?

4.a. No bo rzeczywiście, trzy lata brudów wrzucanych do wan-ny, kolekcja różowych i niebieskich muszli, trzy żółwiki, które kupił w sklepie zoologicznym na ulicy Segundo Maestre i urządził jak mógł na śliskim wsporniku z alg i grzybów, między starymi żelami do kąpieli, okropny błąd z pierwszych miesięcy, pirania, która niszczy wszystko, jeśli nie wyciągnie się jej na czas...; tak, to było swojskie i powszednie, nawet przesadny rozpłód dżdżownic. Ale latająca ryba? Kiedy, do cho-lery, wsadził tam latającą rybę, która, z sześcioma tuzinami różnych kolorów na swoich skrzydłach, przeskoczyła mu nad ramieniem, żeby narysować zdziwienie tęczy, która oślepiła na moment całą łazienkę kiedy najspokojniejsze było popołudnie?

5.a. „To jest lapsus wizualny”, powiedział do siebie, ale mimo to wydało mu się, że dzięki temu zdaniu nie tyle uciekł od niepewności wywołanej przez tę nigdy niewidzianą rybę, co nadał temu stworzeniu określenie naukowe: lapsus visualis. Nawet Linneusz nie sklasyfikowałby go szybciej i pewniej.

6.a. Później zapomniał o tym, kiedy poczuł na swoich stopach, zagrzebanych w błotnistej masie pokrywającej dno, zwykłe porusze-nia ślimaków, delikatne przyssawki kałamarnicy otaczającej jego przy-rodzenie.

7.a. Obok zwisających z wieszaka okularów do nurkowania

widać było na kafelkach udające Kandinskich i Tàpiów oleiste plamy. Bardziej na prawo, kilka fioletowych strug malowało od tygodni, nie mogąc całkiem ukończyć, coś, co czasami zbliżało się do Picassa, a innym razem do Klee, chociaż w większości przypadków mierzyło w jakiegoś nieodkrytego jeszcze malarza. I już w głębi, na ścianie naprzeci-wko, bazgroły, które tworzyło kilka par pająków i kupki włosów; wid-ziane z ukosa w określonym momencie popołudnia upodabniały się prawie do starych szkiców aeronautycznych Leonarda, może o włos dokładniejsze od tych tymczasowych Da Vinciego, aż do tego stopnia umożliwiała to nagła i barokowa pracowitość rozpoczynającego się łysienia i pająki.

8.a. Żółwie niekiedy wychodziły na powierzchnię i wspinały się na śliską platformę z żelów do kąpieli. Tego, który spędzał najwięcej czasu na zewnątrz i miał zielone plamy w formie pięciokątów, nazywał Eloísa. Eloísa wdrapywała mu się na brzuch (łaskotki!) i, szczególnie w środy, kontynuowała swój spacer aż do klatki piersiowej, pozostawiając na jego skórze błyszczący, pomarańczowy podpis, autograf swojej wystudiowanej powolności. Natychmiast, dla zrównoważenia pow-agi Eloísy, dżdżownice wyruszały na swoje zwinne wędrówki przez ręce, ramiona, aż do labiryntowego, niebieskawozielonego lasu, jaki tworzyły jego włosy, i tam tkwiły godzinami, przypatrując się frenety-cznej i zuchwałej wrzawie, jaką w rogu wanny urządzały krewetki, te owoce morza dla ubogich.

9.a./1.b. Kiedy wychodził z wanny, poplamiony zestawem zapachów, można by powiedzieć…mdlących? – nie, powiedzmy, że oceano-graficznych, zawijał się w żółty ręcznik, ten duży, i powoli, po cichu, wchodził do drugiej łazienki, na końcu korytarza, i brał długi prysznic, a potem czesał się i atkinsony, i wtedy nazywał się Alejandro, wtedy tak.

2.b. Alejandro w biurze od ósmej do trzeciej.

3.b. Alejandro ze swoją pracą uporządkowaną na stole, w rogu praca jego współpracownika Ernesto, który jest chory, i o dwunastej Arcadio no bo muszę iść, bo dziecko tu boli, tutaj, popatrz, w wątrobie, niedobrze, i idziemy do lekarza, no to powodzenia, mówi mu Alejan-dro zobaczysz, że to nic takiego, dzieci mają lepszy system obronny od naszego, i zbiera pracę i też zanosi ją na swój stół, kiedy Arcadio już łapie płaszcz i kapelusz z wieszaka-kręczoszyjno-skrzywionego i do środy, do zobaczenia i w takim razie tak, w takim razie Alejandro.

Środek zastępczy: Latająca rybaTraducción de Kamila Gądek

(opowiadanie w różnych czasach i higienach)

trad

ucci

ón

Por si no lo sabéis, en una sala de la segunda planta de un muy conocido edificio, los lunes, a una hora muy temprana, se reúne un grupo de estudiantes que trabaja duro haciendo traducciones, criticando traducciones y teorizando sobre traducciones. Allí surgen nuevos talentos. El texto que aquí presentamos inaugura la serie de traducciones hechas por los que participan con mucho empeño en este curso que llamamos “Traducción Artística”. Hay una razón fundamental para darle a esta traducción la primacía para inau-gurar nuestro proyecto: la estadística dice que –indudablemente– entre todas, ésta contiene el mayor número de caracoles.

$

Hipólito G. Navarro

Page 42: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

4.b. Alejandro, który spędzał poranek wśród stosów papierów, umów sprzedaży, z których jedna się zapodziała i trzeba było ją znaleźć, bo don Jaime miał zaraz przyjść dyrektor Alejandro zostaw to czym się zajmujesz i poszukaj mi tej umowy co zgubiła się już ponad miesiąc temu, niech się pan nie martwi na pewno jest w ar-chiwach z lutego, no zobaczymy zobaczymy.

5.b. No zobaczymy zobaczymy Alejandro i cztery sekretarki, ludzie z magazynu i Vicente, połowa personelu z departamentu szukając, jak gdyby nigdy nic, no nie znaleźli już jedenasta na śniadanie do baru obok.

6.b. Niektóre dni w barze, podczas „wędlina czy margaryna?”, kawy i grzanek, rozmowa. Na rzecz tej historii, następująca:ERNESTO: Jak tam Eloísa?ALEJANDRO: Dobrze, ale pozostałe wciąż nie wychodzą z wody.(PROSZĘ ZAUWAŻYĆ: Nie wie Ernesto, że Alejandro (to znaczy, Ale-jandro) pogrąża się w tej trzyletniej przygodzie, odkąd zablokował mu się korek od wanny, i że dzięki okularom do nurkowania może niekiedy odnaleźć w błocie ślimaka, tego z tych prążkowanych…jak on się nazywa?... no dobrze, nieważne.)ERNESTO: Załatwiłeś tę sprawę z don Jaime?ALEJANDRO: Nie, ta umowa narobi problemów.ERNESTO: No wiesz, też zgubiła się ta ze sklepem Braci Sergio (naprawdę, nie widzę w tym nic śmiesznego, dwaj bracia, którzy mieliby na imię Sergio, no sam powiedz), i to już dwa długie lata temu, i nic.ALEJANDRO: Daj spokój, ja stawiam.

7.b. Następna rundka z tymi z magazynu, niemożliwe. Dobrze, zostaw to, Alejandro znów przy swoim stole z papierami i kalkulatora-mi, naprzeciwko nogi Conchity, która zakrywa się gorliwa jak co dzień, wędlina, tak donośnie hałasująca pod krawatem, że zagłusza mu muzykę tak łagodny Hilario Camacho, że ledwo można go usłyszeć, tak do za piętnaście trzecia Alejandro więc.

8.b./1.c. W końcu wychodził i w kilka minut docierał do domu ( mniej więcej dziesięć czy dwanaście, najwyżej piętnaście, oprócz dni, kiedy wystawy, ogrodzenia co za niesamowite zdjęcie, czerwone światła wszystkie zgodnie czerwone, ta na motorze skurczysyński wiatr spód-nica nie ma nic pod spodem ja pierdolę no nie ma, później głowy jak bębny i wędlina… ale to rzadko, zwykle w dziesięć minut byłby już z kluczem cholera zaczepionym w kieszeni zanim otworzy drzwi).

2.c./10.a. Zostawiał go na stole, bo zaraz po wejściu ściągał z siebie ubranie i, nagi, przygotowywał sobie gotowe danie z puszki (patrz fa-sola, patrz soczewica...) żeby podgrzać kąpiel maryśka.

11.a. Następnie talerz obok wanny na taborecie, a on zanurzał się w swoim bagnie z żółwiami, dżdżownicami, kałamarnicą, krewetkami… Jadł spokojnie, aż pozostawała taka ilość, która według niego byłaby dobra, żeby wrzucić ją do wanny jako pożywienie i rozrywkę dla jej mieszkańców, i przygotowywał się wtedy do sjesty i koncertu: różne tony i dzwonienie niewielkiego roju zielonych i niebieskich bąków, które brzęczały bez przerwy, aż na dobre rozpoczęło się popołudnie. Nieraz, być może nawet większość razy, żeby nie odbiegać od prawdy, koncerty te nie były niczym innym jak tylko prawdziwym i nieznośnym pieprzeniem.

12.a. Kiedy już przysypiał, nagle latająca ryba znów przeskoczyła mu nad ramieniem.

13.a. Zaopatrzona w okulary do nurkowania, jego głowa zanurzyła się w pokrywającą dno ziemię z fasoli i groszku, zbadała ciemność między sitowiem i grupkami korali, jednak nie tylko nie znalazła ani nawet śladu lapsusa, ale na dodatek jego oczy rozwarły się do ostatnich granic, kiedy instynktownie wyczuły w całym tym stosie na wpół zniszczonych papierów zaginioną umowę z don Jaime.

14.a. Nie miał nawet czasu, żeby wybrać którąś z możliwości:

- przyniosłem ją do domu, żeby skończyć redagować?-ostatnie poprawki, tu, w łazience?-drzemka podczas lektury?kiedy dzwonek do drzwi zanadto zbił go z tropu; okrył się częściowo ręcznikiem i wlepił oczy w dyrektora kiedy otworzył mu drzwi tak z dżdżowniczkami wkręconymi we włosy i zapachami wszyscy się witają.

15.a. Rozmowa, w dużym przybliżeniu, brzmiała tak:DYREKTOR: Ależ... Alejan... (apokopa? amnezja?)ALEJANDRO: Pan dyrektor! Proszę, proszę, niech się pan czuje jak u siebie w domu!DYREKTOR: Alealej... odr... (ormiański? mdłości?)ALEJANDRO: Ależ proszę wejść, no przecież nie będzie pan tu tak stał.DYREKTOR: Nie, nie, przechodziłem tędy i powiedziałem sobie.ALEJANDRO: Aaa... jeśli tak... Ma pan szczęście, mam tutaj umowę z don Jaime, proszę.

16.a./9.b. Później szybki łańcuch wydarzeń, żeby nie przepełnić za bardzo: dyrektor schodami w dół, mydło, atkinsony, w czystym łóżku, rozłożony, czytając stare pisma sąsiadki z dołu, sen bez przerwy. Bard-zo prawdopodobnie był czwartek.

10.b. Następnego ranka jeszcze dobrze nie usiadł przed papiera-mi w biurze, kiedy dyrektor proszę wpaść do mojego biura dzień dobry do czego jestem potrzebny? proszę usiąść. Dyrektor obejrzał go z góry do dołu i z dołu do góry, szukając odpowiedzi na okropną, bezsenną noc jak przenigdy wcześniej (tak przestraszyły go przewidy-wane koszmary, gdy tylko zamykał choćby jedno oko). W tym czasie, jak na filmie, otwierał po kryjomu jedną z szuflad swojego biurka, ale zamiast pistoletu (to już inna historia) wyciągnął przezroczystą torebkę, a w niej, proszę, proszę, umowa z don Jaime, wciąż pełna różnych paskudztw i, co to ma być?ALEJANDRO: Umowa z don Jaime.DYREKTOR (Aguilar? Ponce? Rosell?): Tak, to widzę, ale… jej stan?ALEJANDRO: Wpadła do wanny.DYREKTOR (zdumiony): Do wanny?!?

11.b. Mogę to wyjaśnić odpowiedział spokojnie przynajmniej tego od pana oczekiwałem, po czym wysłuchał wstrząśnięty czy dokładniej mówiąc walczący z mdłościami historii dziwnego zajęcia Alejandryjskiego stres i te rzeczy zdrowie skóry pożywienie dla du-cha i następnie galimatias biochemiczno-filozoficzny dla otwartych umysłów Heisenberg Ortega i Aranguren, ostatecznie, jeśli pan to lubi, ale następnym razem proszę bardziej uważać niech się pan nie martwi to się już nie powtórzy.

trad

ucci

ón

Page 43: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

12.13.14.15.16.17. i tak dalej b. Każdego ranka dzień dobry Ernesto Arcadio to samo Con-chita nogi góry papierów czysty Alejandro krawacianie atkinsony obsługując klientów Vicente ci z magazynu był bystry żadna mu się nie wymknęła. Od ósmej do trzeciej od poniedziałku do piątku.

17.18.19.20.21.22. i tak dalej a. Każdego popołudnia każdego jego ciało zanurzone po szyję rysujące powierzchnię oceanu w miniaturze, bawiąc się ze swoim żółwiem Eloísą faworytą w przemieszczanie i zmienianie położenia wysp z fasoli i makaronowych alg, ostatnio przedłużając aż do późna prysznic w drugiej łazience, bo właśnie po to miał już zainstalowane ra-dio, i w bagnie, i tam, wśród bzyku much czytał raz i drugi stare gazety, które dawała mu sąsiadka, czekając, jak żółtodziób jakiś, aż zobaczy latającą rybę, cholerny lapsus, który już ze trzy miesiące nie przeskoczył mu nad ramionami.

1.d. Tak jak mijają lata, mijają śniadania w barze obok i byli więc była gdzieś jedenasta znowu z wędliną, smarując grzanki en plus jeden, kiedy przyszedł Arcadio, który nigdy przenigdy, on zawsze masło.

2.d. Wymieniając papierosy, zapytał go o żółwia Eloísę, tak samo nieświadomy jak i Ernesto uczonego i bagnistego zajęcia Alejandro.ALEJANDRO: Bardzo dobrze, każdego dnia dłużej poza wodą.ARCADIO: No to dzisiaj po południu, skoro już mam wolne, mógłbyś zaprosić mnie do siebie, żebym zobaczył te żółwie i przy okazji poduczył cię szachów.ALEJANDRO: Niemożliwe. Idę do domu dyrektora zrobić mu niespodziankę: umowa z Braćmi Sergio, co się zgubiła ponad trzy lata temu, ty wiesz, znalazłem ją między książkami w moim gabinecie.ARCADIO: O kurwa, no to, to jest nowina.

3.c. Wbrew zwyczajowi, Alejandro zjadł soczewicę prosto z puszki, siedząc w salonie, i natychmiast ruszył do domu dyrektorskiego, który znajdował się mniej niż dziesięć minut od jego (minuty wydłużone przez ogrodzenia światła te od motorów i ich nogi (tamto to był biały kruk)). Umieścił sobie teczkę z umową między swoimi i tymi samymi palcami zacisnął sobie zasadniczo węzeł krawata i nacisnął – już bez sobie – następnie dzwonek do drzwi. Przyjął natychmiast, robiąc trzy kroki, odpowiednią do takich wypadków pozycję (rozważną i czujną, kroki były bowiem cofnięciem się w stosunku do drzwi).

1.e. (tak jak e i nie trzeba tego poprawiać) Kiedy Alejandro zobaczył, że gdzieś ponad dwadzieścia dżdżownic wieńczyło głowę półnagiego dyrektora, którego tłuszcz i genitalia przykrywał malutki ręcznik o nieokreślonym kolorze, stawił czoło rozmowie, której nie przyćmiewa następująca:DYREKTOR: I o co chodzi?ALEJANDRO: Umow (apokopa amnezyjna).DYREKTOR: Że jaki umow?ALEJANDRO: Umobrasergio (armeński po kieliszku)DYREKTOR: Dobrze, już dobrze, proszę się uspokoić.

2.e. Dyrektor uśmiechnął się do niego, przesuwając jednocześnie wilgotną i żółtawą rękę po jego ramieniu a umowa proszę położyć ją na krześle co jak co ale nie można powiedzieć że to coś pilnego dziękuję. Tak więc wprowadził go proszę czuć się jak u siebie w domu w małym saloniku z czerwonym dywanem ślady stóp utworzone z tłuszczu, który ciągnął się tędy przez korytarz docierając do obszernej łazienki z wielką okrągłą wanną ozdobioną o rany dokładnie tak samo jak moja pomyślał, za wyjątkiem żony dyrektora, która, nagusieńka,

wykręcała sobie dżdżownice z tych blond włosów o zielonym odcien-iu. Dzień dobry powiedział to jest Alejandro kochanie i, odwracając się do Alejandro, przedstawił mu ją moja żona, możesz nazywać ją Eloísa.

3.e. Eloísa pewnie była kiedyś piękna, jej wargi tak mięsiste, mówiące mu zdejmij z siebie ubranie i też tu wejdź, właśnie w tym momencie szukaliśmy latającej ryby, która przeskoczyła mi nad ra-mieniem.

4.e. Z założonymi okularami do nurkowania zbadał dno, nie tyle szukając ryby, co zabawiając się zazdrością o pewne różnice w stosunku do jego historii, najwidoczniejsze w przypadku owoców morza, bo to, co w jego wannie stanowiło zaledwie dwie setki elektry-cznych krewetek, tu formowało całe kolonie raków i ściśniętych gron krewetkowych. Pomysł z ośmiornicą już mniej mu się spodobał.

5.e. Nic nie znaleźli. Później usiedli w trójkę, dyrektor, nie prz-eszkadza to panu? włączył radio i poczęstował go hawańskimi cyga-rami, i tak trwali, paląc, patrząc sobie w oczy, kontemplując nagie piękno Eloísy, przez której piersi ciągnęły się ślady pleśni, a na uchu usadowiła się małża udająca kolczyk. Na brzuch wspinał jej się żółw, podobny do tych jego, kiedy nagle zadzwonił dzwonek do drzwi gorliwy jak w godzinach pracy powiedział no spokojnie spokojnie już ja pójdę jaki dobry chłopiec powiedziała widząc jak wychodzi i jakie ma jędrne ciało dyrektor spojrzał na swoje no tak tak powiedział.

6.e. ALEJANDRO (nie otwierając drzwi): Kto tam?GŁOS: Don Sergio.ALEJANDRO: Który z dwóch Sergiów?GŁOS: Jak to który z dwóch Sergiów? To jest jakiś inny?ALEJANDRO: Pan nie jest z Braci Sergio?GŁOS: Oczywiście; wstąpiłem do domu Arcadia i powiedział mi, że w końcu znalazł się mój kontrakt.ALEJANDRO: Czyli jest pan bratem Sergia?GŁOS: Jak to bratem? Słuchaj pan, ja jestem jedynakiem.ALEJANDRO: Ale jest pan czy nie z firmy Bracia Sergio?GŁOS: No dobrze, ale co ma do rzeczy nazwa firmy? I kim pan jest? Otwiera mi pan czy nie?

7.e. Kiedy w końcu otworzył drzwi, wykapał już z siebie Ale-jandro na podłogę część cieczy z niektórymi algami i ślimakami, tak że don Sergio (głos już zidentyfikowany) prawie się poślizgnął, jednocześnie pytając: Aaa, pan też? Jak to? – spytał Alejandro; no to z wanną, człowieku; aaa! pan też?

8.e. Zostawił go w przedpokoju, podczas gdy sam poszedł po kontrakt. W lustrze w salonie, wracając, mógł potwierdzić z całą pewnością dwie rzeczy: że to, co przylegało mu do pośladków, to była z pewnością pleśń i że nie zajęło mu dużo czasu zabranie nie-bieskiej teczki i powrót na miejsce, gdzie don Sergio cholera cholera kończył się już rozbierać.

9.e./X.Y. i Z. Wtedy rzucając umowę na podłogę powiedział mu próbujemy złapać latającą rybę, ale stawia dość silny opór, na co don Sergio wyjaśnił spokojnie zawsze jest tak samo, byliśmy ponad dwie godziny w domu Arcadia razem z Ernestem, Vicentem i Conchitą i jej nogami i nic, te ryby pojawiają się, kiedy najmniej można się tego spodziewać. $

Page 44: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

trad

ucci

ó Màrius Torres

Traducció de Anna Płocica

Quan convius amb una malaltia que a poc a poc et venç, quan sents com el teu país cau pres del dolor i la mort, potser llavors pots capir amb major intensitat els tons del passat, les melangies que perviuen en el record i la remor dels sons d’un cargol marí. I així li succeí a aquest poeta fill de Lleida, ajagut en un sanatori qualsevol veia com se li esfumava la seva vida i ensems la de Catalunya. Tot seguit, un bri de passat. $

“...en la fondària dels meus cargols marins”

Vora la mar, sobre l’arena clara,L’aigua mor als meus peus.Màgica riu, i tremola; i encaraPlena d’estranyes veus,

Desvetlla al fons de la meva peresaUna llarga remorD’onades mortes. Cançons de tristesa,Paraules de dolor,

Crits de passió, recances antigues-solada del meu cor!-.Onada del record, quan et deslligues,Safir i porpra i or,

Com la veu de l’aigua, única i vària,Venint de molt endins,El meu passat ressona en la fondàriaDels meus cargols marins.

Juliol, 1937.

Nad brzegiem morza, na piasku złocistymWoda u mych stóp konaŚmieje się zaklęta i drży; perlistymNadal głosem zmącona,

Rozbudza w głębi mojego niechceniaMartwych fal niepojętyMiarowy szum. Pieśni-studnie cierpieniaWyraz bólem dotknięty.

Zapomniane żale, krzyki żarliwe-osad serca ponury-Fala wspomnień, obrazy znowu żyweZłoto, szafiry, purpury

Jak szum wody, choć różny to jedyny,Napływający z oddaliPrzyszłość moja wynurza się z głębinyMuch muszli morskich spirali.

Lipiec, 1937

Page 45: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

trad

ució

n

É imposíbel entender o tempo,este tempo que nos levou desde os charcos silenciosospolo camiño dunha escola afastada,nese lugar distanteao que non volverei.Son poucos os recordos que gardei de entón,e aínda menos os que viñeron máis tarde,practicamente non hai memoria,só un caracol enorme que persiste,unha ameixa e o canque morreu coa infanciaprecipitándose a un tempo de soidade.

En atalaia alerta, 2000

Niemożliwym jest zrozumieć czasTen czas który przywiódł nas od cichych kałużPrzez drogę do oddalonej szkołyDo tego odległego miejsca.Do którego nigdy nie wrócę.Jest niewiele wspomnień które zachowałam [od tamtego momentuI jeszcze mniej które przyszły późniejPrawie nie ma pamięciTylko ogromny ślimak wytrwa,Migdał i piesKtóry umarł z dzieciństwaRzucając się w czas samotności

Tradución de Małgorzata Szczepkowska

Orfa estou sobre este marzo incriblelanzando miles de palabras ao centro do abandonoe coa pel do deserto vestindo as miñas pernas.Os cabelos son de area e a bocapedra ferida polo vento.Non podo abrir os ollos á ventiscae non os vexo, non vexo as vosas mortes sobre o entroidono centro do balbordo,no extremo da corda que voabadesde a escada de caracol hai tantos anos.

hai un tempo en que a morterodea esta distancia e se aproximasobre o deserto e o ventono abandono

En atalaia alerta, 2000

Sierotą jestem w tym niewiarygodnym marcuRzucając tysiące słów w środek samotnościPustynną skórą otulając me nogiWłosy są z piasku a usta Kamieniem zranionym przez wiatrNie mogę otworzyć oczu na deszczuI nie widzę was, nie widzę waszych śmierci podczas karnawałuW samym środku zgiełkuNa końcu liny zwisającej Tak dawno temu ze schodów w kształcie ślimaka

Jest taki czas, w którym śmierć Okrąża tę odległość i zbliża sięNa pustyni i wietrzeW samotności

Tradución de Anna Rojek

Marta Dacosta

A seguir presentamos a tradución de dous poemas de Marta Dacosta (Vigo, 1966), poeta e licenciada en filoloxía galego-portuguesa, pertencentes á obra En atalaia alerta, accésit do premio de poesía “Esquío” en 1999.$

Tradución de Anna Rojek e Małgorzata Szczepkowska

Page 46: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

trad

ució

n

Xaneiro 1972, II

O pan é máis útil que a poesía, pro ¿como comer o pan sen o compango da poesía?

A. S.

Cando quero vivirdigo Moraima.Digo Moraimacando semento a espranza.Digo Moraimae ponse azul a alba.

Cando quero soñardigo Moraima.Digo Moraima cando a noite é pechada.Digo Moraimae ponse a luz en marcha.

Cando quero chorardigo Moraima.Digo Moraima cando a anguria me abafa.Digo Moraimae ponse a mar en calma.

Cando quero surrirdigo Moraima.Digo Moraimacando a mañá é clara.Digo Moraimae ponse a tarde mansa.

Cando quero morrernon digo nada.E mátame o silenciode non decir Moraima.

Celso Emilio, Onde o mundo se chama Celanova

Poesía Contemporánea Galega

Tradución de poesía contemporánea galega da man de Celso Emilio Ferreiro (Onde o mundo se chama Celanova, 1975), Antón Tovar (Calados esconxuros, 1980) e Luz Pozo Garza (Códice Calixtino,1986).$

Tradución de Marlena Kalińska, Ewa Oknińska, Katarzyna Sitarska e Anna Trzcianka

Styczeń 1972, II

Chleb jest pożyteczniejszy niż poezja,ale jak jeść chlebbez towarzystwa poezji?

A.S.

Kiedy chcę żyćmówię Moraima.Mówię Moraimakiedy zasiewam nadzieję.Mówię Moraimai nastaje świt.

Kiedy chcę śnićmówię Moraima.Mówię Moraimakiedy zapada noc.Mówię Moraimai nastaje jasność.

Kiedy chcę płakaćmówię Moraima.Mówię Moraimakiedy dławi mnie niepokój.Mówię Moraimai morze staje się spokojne.

Kiedy chcę się uśmiechnąćmówię Moraima.Mówię Moraimakiedy jaśnieje poranekMówię Moraimai nastaje łagodny wieczór.

Kiedy chcę umrzećnie mówię nic.I zabija mnie ciszakiedy nie mówię Moraima.

Tradución de Marlena Kalińska e Anna Trzcianka

sen caracois...

Page 47: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Far blues

Naquela cidade onde unha rapaza escribía un diario secretona noitementres o soño desvalido semellaba finxirsilencios compartidosnesa vella cidade do norteo primeiro poema de amor flutuabacoma un blues nostálxicona noite.

Só quería saberpor que as cordas permanecen vibrando coma labiose que queda do diario secretona noite desvelada.

Querería saber daquel río esvaído do soño tal unha despedida sen retorno,do silencio curvado nunha praza deserta e antiga.

¿Onde vai o primeiro poema de amor a materia sonora dun blues fuxidío a inocencia primeira?

Luz Pozo Garza, Códice Calixtino

Far blues

W tamtym mieście gdzie pewna dziewczyna pisała sekretny dzienniknocąpodczas gdy samotny sen upodabniał się udającwspółgrające odgłosy ciszyw tym starym mieście północypierwszy wiersz o miłości dryfowałjak nostalgiczny bluesnocą.

Chciałem tylko wiedziećdlaczego struny nadal drżą jak wargii co pozostaje z sekretnego dziennikaw bezsenną noc.

Chciałbym wiedzieć o znikającej rzece snujak pożegnanie bez powrotu,o ciszy skręcającej na stary, pusty plac.

Dokąd zmierza pierwszy wiersz o miłości dźwięczna materia ulotnego bluesapierwsza niewinność?

Tradución de Katarzyna Sitarska

Lingua que rexeitaron os meus pais

Borraran os letreiros dos camiñoscos ben amados nomes das antergas vilas,dos silabarios das escolas algareirasborraran o cantar humilde e puroda lingua popular.

Sóio no escuro das lareirasno apartado silencio dos labregos labios,esquecida das espadas poderosas,borboñaba a nosa lingua triste.

Aferrollada fora coma unha delincuente.As maos sen calos do traballo,requintadas e doces, relixiosas,enfeitadas co ouro dos aneisroubados ó suor dos pobresempurraran a lingua nobre e puraa un cadafalso de vergoñas.Meus pais, tamén, amados ignorantes,obedeceran as ordes que o espadóndeborcara na poza de Galicia.

Antón Tovar, Calados esconxuros

Język, którym mówili moi rodzice

Wymazali litery tych drógrazem z ukochanymi nazwami odległych miasteczek,z sylab pełnych głosów szkółwymazali tę czystą i łagodną pieśńjęzyka każdego człowieka.

Tylko w ciemności paleniskw podzielonej ciszy pracowitych ustoszukując szpady mających władzęrozbrzmiewał nasz smutny język.

Ukrywany na zewnątrz jak jakieś przestępstwo.Ręce bez blizn powstałych przy pracy,delikatne i słodkie, przepełnione wiarą,ozdobione złotem łańcuszków ukradzionych podczas [pracy biednymprzyciągały język pełen godności i czystyna szubienicę wstydu.Moi rodzice również, kochani ignoranci,respektowali nakazy jakie ów mieczwydawał na brzegach rzek Galicji.

Tradución de Ewa Oknińska

Page 48: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

ensa

io

Xeometría e Metamorfose como imaxinación naturalTexto de Martín R. Caeiro, Universidade de Vigo,

Faculdade de Belas Artes, Departamento de Pintura

O Caracol arrastra na súa forma de existencia principios de lóxica xeométrica e ó mesmo tempo principios de deformidade, de transformación e de alteridade. O programa xenético do caracol ten coma obxectivos producir un ser que babea por onde pasa ó mesmo tempo que arrastra unha imaxinería xerada por patróns de harmonía e de precisión matemática: a cuncha. Non se pode concibir o “ser do caracol” sen estas dúas rexións, a do detritos e a da razón, dous tipos de discurso que exercen coma dúas ideoloxías sobre a existencia. Dependendo do punto de vista, a cuncha adopta diversas figuras xeométricas: de perfil un semicírculo, dende arriba un círculo, dende atrás unha elipse, e no seu crecemento segue a traxectoria da espiral. Pero todas estas formas perfectas, conviven no espazo e coinciden no tempo dialogando coa lesma. O caracol –coma nos grandes mitos– está condenado a arrastrar durante a súa existencia esa dobre condición: de ser estabilidade e desorde. A cuncha do caracol, como espiral evócanos os ciclos estacionais da natureza, do que volve sempre ó centro. Pero o corpo da lesma intenta saír, escapar desa espiral e ir ó abismado, saír á intemperie, pasar á ex-centricidade.No caso do humano, saír dos ciclos da natureza, do estacional e cambiar a relación coa natureza mesma, a condición biolóxica da existencia. Iso é en realidade o que representa a industria dos obxectos: o mundo das máquinas. A liña recta é máquina, o obxecto que permite pór límites ó intempestivo. Por iso a casa para nós é – coma a cuncha no caracol – a máquina que permite delimitar o noso universo. No ser humano, a culminación deste proceso - de colaboración entre o codificado e o imaxinado - reflíctese nos obxectos elaborados.

Logo, o previsible, a lóxica lineal convive co impredicible, coas flutuacións dun corpo que debe adaptarse ós

elementos do camiño, dende a herba á area, do asfalto ata o fío dun coitelo. A natureza, para xerar a especie, semella que actúa impulsando ó mesmo tempo forzas controlables e forzas incontrolables; organismos capaces de actuar performativamente. En calquera reino atopamos modelos onde se manifestan os principios da xeometría e da metamorfose: o bico dos paxaros, a simetría dos animais, as cristalizacións dos minerais, incluso no microscópico, esta relación entre o amorfo e o informado ponse a cotío de manifesto, por exemplo na neve, que a escala humana se pode amontoar, amasar, deformar, facer un moneco, e porén, ollada a través

do microscópico cada molécula ten a forma dunha figura xeométrica que se repite en base a un patrón matemático, como por exemplo a estrela.

Mais alá das ciencias que estudan estes c o m p o r t a m e n t o s – bioloxía, zoografía, anatomía comparada, paleontoloxía, xenéti-ca, mineraloxía, crista-lografía, etcétera – aquí interésanos a di-mensión imaxinativa da natureza. Para nós, o programa xenético é “imaxenético”, en tal ou cal planta ou animal ou paisaxe maniféstase a pulsión dunha natureza, dun universo que desexa

adquirir imaxe, pór de manifesto unha imaxinación. A mazá é a imaxe da árbore, a árbore a imaxinación da natureza (a bioloxía define mesmo co nome de imago ó individuo cando chega a idade adulta, cando adquire o pleno desenvolvemento). Xeometría e metamorfose coma os impulsores da imaxinación, coma os dous elementos indispensables para que a imaxinación actúe, e a forma de existencia do espécime logre os seus obxectivos de sobrevivir ó paso do tempo.

Separar os reinos da natureza (mineral, animal, vexetal) do reino das ideas, dos pensamentos, do cultural, ou, coma expresan certos físicos, entre “materia inerte,

Caracol, Serie “Xeometría e Metamorfose, Martín Rodríguez Caeirotinta china a pluma sobre papel, 15x15cm, Marzo 2007

Page 49: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

materia viva, e materia culta” é traizoar a condición biolóxica das cousas. Se existiu dende as primeiras civilizacións unha actividade capaz de dar ó mesmo tempo mostra do que se petrifica e do que se transfigura, esa é a actividade (e destino) da Arte. En calquera gran obra que escollamos, dende as pinturas prehistóricas de Altamira ou Lascaux ou a Cova dos nadadores do Sáhara, ata Rembrandt, Velázquez, Picasso ou Francis Bacon; dende o Mundo Exipcio ó Románico ó Barroco ou á obra dos Minimalistas, en todas esas poéticas desvélanse aspectos dunha anatomía que transita por un espazo que permite transformarse ata certos albores de excentricidade, sen perder a identidade das formas.

Coma exemplo, propoñemos aquí a obra “A escola de Atenas” (1509-1510) de Rafael Sanzio, un dos símbolos e paradigmas do Renacemento italiano. Nesta obra séguense os ideais da Arquitectura grecolatina, modelo de revisión histórica que se impulsa co espírito renacentista, que busca a súa imaxe existencial na antropoloxía do mundo clásico. Inmersas baixo unha arquitectura fermosísima, Rafael pinta a persoas célebres: sabios, artistas e filósofos tanto da antigüidade coma da actualidade italiana. No centro, representando a Platón (co libro do Timeo baixo o brazo) recoñecemos a Leonardo da Vinci, e ó seu carón a Aristóteles (sostendo a Ética); á esquerda destas dúas figuras recoñecemos a Sócrates cun grupo de alumnos; sentado en actitude malhumorada a Miguel Anxo Buonarotti caracterizado coma Heráclito; a Ptolomeo falando cuns alumnos sostendo un globo terráqueo (esfera perfecta, símbolo da filosofía imperante), a Averroes, Epicuro, Heráclito, Dióxenes... todos paseando entre as formas harmónicas dun espazo en perspectiva que é proxección da

dimensión racional do home. Baixo esa inmensa cúpula (ou cuncha) o home discorre, maquina, inventa, fai ciencia, transforma as cousas, mesmo á natureza. Pero no seu pensamento, nos seus xestos ocúltanse os resultados das súas accións, pois, coma o caracol, o home é discurso e xestualidade. E nas súas accións, nos seus movementos están escritos os excrementos, os desperdicios, as destrucións das paisaxes, a metamorfose do medio, do entorno; para xerar os elementos da súa civilización ten que transgredir as condicións ecolóxicas do planeta; casas, utensilios, cidades, avións... son as anomalías da especie humana, artefactos que teñen que convivir cos elementos que enxendra a natureza. Non podemos esquecer que, incluso na época renacentista, as persoas que pasean, que discorren por ese espazo idealizado de Rafael Sanzio, tamén padecen as continxencias do corpo humano (excrecencias, diarreas...), e que nelas coinciden o pensamento en deus ou nunha razón transcendental e as necesidades fisiolóxicas (coma defecar ou ouriñar); no Renacemento conviven e compiten filosofía e bioloxía.

O caracol, condúcenos a imaxinar que “razón” e “detritos” (ou “sacramento” e “excremento”) son dous termos que nun tempo determinaron o eterno e inmutable e á metamorfose da existencia. Pero, ¿isto que significa? ¿que é preciso ser caracol, sentirse caracol para experimentar a felicidade da existencia, non separar a vontade racional da tolemia de vivir por estar constantemente inmersos nun mundo irregular, impredicible, dominado polas imaxinacións da ciencia e da técnica, ou cando menos, para non acabar transfigurados en escargot ó punto de sal? ¿E quen coñece mellor ó caracol que el mesmo? ¿Acaso non será soamente outro caracol?$

Page 50: Abril/ Maio

Abril / Mayo�0 ¿?

ensa

io

A imagem literária de um caracolou a aventura luso-polaca «dos roxos e enroscados caracóis»

O chegar-nos pela imitação ao Ser supremo, que é a fonte e origem primeira de toda a felicidade, nos pode fazer em certo modo participantes dele: ora entendo que o imitará nobremente, quem concorrer para a felicidade de outros.

Pe. Teodoro de Almeida (2001: 66).

Texto de Anna Kalewska

O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna ou Arte de Viver Contente em quaesquer Trabalhos da Vida foi publicado pela primeira vem em 1779, na Régia Oficina Tipográfica em Lisboa, em dois volumes. O autor da obra, padre oratoriano Teodoro de Almeida (1722-1804), tinha já editado os primeiros volumes da Recreação Filosófica (opúsculo de dez tomos, publicado entre 1751 e 1800) e algumas obras devocionárias. O nome de Teodoro de Almeida tornar-se-á célebre através das traduções dos textos citados, de intensa divulgação filosófica, científica e literária. A moldura de interesses do Pe. Almeida foi construída do tópico horaciano utile dulci (ensinar, deleitando), incorporando os métodos da ´´ciência nova´´ ou da filosofia do iluminismo francês, encaixados no modelo pedagógico oratoriano.

Ao escrever sobre o estilo poético da obra em questão, o autor de um Discurso Preliminar sobre o Poema do Feliz Independente por António das Neves Pereria, Pésbítero e Professor Régio de Retórica e Poética em Penafiel da obra tentou meter os caracóis numa aventura mimética. Como, pois, representar um caracol numa obra de arte? «Quereis representar-vos a vistosa formosura dos caracóis» - desafia Pereira , adivinhando a célere necessidade de socorro às faculdades miméticas de um escritor que se calhar nunca tinha visto um caracol; pois «a imaginação recavando devagar neste objecto, o contempla ´´enroscando-se a si mesmos e fazendo-se de mil cores como envergonhados´´» (ap. Almeida 2001: 59). A citação dentro da citação remete para o tomo II das Cartas Físico-Matemáticas de Teodoro de Alemida, onde vem o pensamento acomodado ao discurso sinuoso. Como representar um caracol? Enroscando-se, como ele faz, e fazendo de protéo, i.e. mudando de aspecto cromático. O básico é escavar na imaginação, sem deixar de imitar a natureza.

Vejamos o exemplo. O protagonista de O Feliz Independente, o conde de Morávia (cunhado de André Rei de Hungria que conforme a lenda teria sido o pai de Santa Isabel, chamada Rainha de Hungria), buscando a felicidade da vida, topou com uma cabana no alto da montanha, onde vivia Misseno, «um venerando velho» com «o cabelo de todo branco, a barba veneranda, o semblante formoso e um ar nobre» (64). É de acrescentar que Misseno era nome de disfarce de Vladislau Loripex (Władysław Plątonogi), que no século XII fora rei da Polónia, entre Miecisclau I, seu pai, e Lesko seu primo que o afastara do trono. O conde-peregrino e sua irmã, a princesa Sofia, respirando os ares do clima leste-europeu e gozando das delícias de um sítio ameno colocado perto da Polónia, nas

agradeáveis margens do caudaloso rio Dniester, foram bem acolhidos por Misseno. O antigo rei da Polónia

Na visão dos caracóis no aposento de Misseno encontram-se os dois tópico antigos conjugados: do sítio ameno (locus amoenus) e o da feliz mediania (aurea mediocritas) horaciana. Longe da vida na corte, algures nos bosques da Silésia.

Neste belo fragmento da Literatura Portuguesa a imagem do caracol tem, portanto, a ver com a tradicional hospitalidade polaca. Encontrámos, enfim, um lugar feliz onde o mito histórico da Polónia da Idade Média serviu de pretexto para as reflexões sobre Portugual iluminista, da conturbada época pombalina. Um pequeno caracol tornou-se portador da felicidade universal. Bendita suficiência dos caracóis e o inegável estoicismo providencial da sua sorte na obra do Padre Teodoro são dignos de grata memória.

Imaginemos, ainda, um conto dos caracóis contado por um deles. Ou um caracol leitor/escritor de caracol (a snail told by a snail). Se a memória nacional é sempre um corolário, uma marca da memorabilidade objectiva do texto literario, podemos interrogar-nos (como o fizera Gianfranco Contini no ensaio Dante e a memória poética, 1970) se esta história não começa por agir sobre nós.

Referência bibliográfica: P. Teodoro de Almeida, O Feliz Independente, ed. Zulmira C. Santos, Campo das Letras, Porto 2001.

(...) lhes deu assento debaixo de uma parreira, que formava um bem engraçado gabinete. Ali, as longas vides, que pendiam em roda, faziam um como dossel, a verde relva servia de alcatifa, formava-se e espaldar de uma latada, em que os roxos e enroscados caracóis, embaraçando-se com o legação cheiroso, trepavam até cima e deste modo vedavam a entrada ao sol, para que os não molestasse. Aqui, pois, sobre almofadas de mimoso musgo, recebeu Misseno os seus honrados hóspedes (66).

$

Page 51: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

ensa

io

Dum caracol até à África...

Estava a ler o último número da nossa Revista e fiquei muito contente quando vi aí também alguns traços afri-canos. E como a maioria de nós sabe muito pouco sobre África, pensei que seria bom que neste núme-ro também houvesse algo daquela parte do mundo!

Quando soube qual era o tema do número comecei a pro-curar coisas ao mesmo tempo relacionadas com caracóis e o Continente Negro. Não foi tão difícil como tinha pen-sado! Consegui, entre outras coisas, encontrar algo, para mim, interessantíssimo – um conto tradicional moçam-bicano sobre um caracol. Para dizer a verdade, encontrei duas versões do mesmo conto - uma chamada “O Cara-col e a Impala” e outra chamada “O Caracol e a Gazela”.

As sociedades africanas tradicionais são sociedades de tradição oral. Então não costumam registar os seus contos por escrito. Alguns de vocês podem pen-sar que esta diferença não é importante e que o con-to escrito se parece com o oral, mas só com a dife-rença do registo num papel. Nada mais errado.

Transportar os contos africanos para o papel é, na minha opinião, um pouco como tirar-lhes o seu carácter único, cujos diversos componentes os tornam tão diferentes e interessantes. É simplesmente europeizá-los. Obvia-mente, é óptimo que queiramos e tentemos conhecer a cultura africana e concordo inteiramente que transcrever e traduzir estes contos é importante e necessário. Mas...

Em África contar é uma coisa mais complexa, o que quer dizer que muitas vezes existem regras exactas: obri-ga-ções e proibições. Por exemplo, nem todas as pessoas podem contar ou os contos podem ser narrados só nesta ou naquela altura. Obviamente, quando alguém viola uma regra, alguma coisa má pode acabar por lhe acontecer. Então vemos que em África contar é um rito.

Estas histórias são tipicamente narradas por adultos, com o objectivo de ensinar (principalmente) as crianças, trans-mitindo-lhes certas regras de conduta, tradições, histórias da tribo ou explicando vários fenómenos e situações que ocor-rem na vida. Simultaneamente, os narradores têm também a tarefa de desenvolver a imaginação e as várias aptidões do seu público, que não fica passivo durante a narração.

O papel de narrador não é fácil. Tem que intrigar o pú-blico, manter o interesse e responder às suas reacções, sem esquecer o objectivo que queria atingir com a narração. Tem também que combinar as próprias pa-lavras e expressões com os gestos adequados. O au-ditório, por sua vez, tem um papel não menos impor-tante. Como já disse, os ouvintes não ficam passivos.

Perguntam, procuram soluções, especulam, reflectem, tentam prever o fim do conto e assim por diante. A temática muda de um conto para o outro, mas tem sem-pre a ver com o que rodeia os africanos, portanto, há contos sobre relações interpessoais em geral, sobre secas, fome, amores e guerras, morte e nascimentos, tristeza e alegria etc.

Quanto ao nosso “O Caracol e a Impala”, podemos reparar que um dos seus temas mais importantes é o problema do analfabetismo e, mais precisamente, a ne-cessidade de aprender. Este tema é muito frequente na Literatura Africana, o que não é estranho, pois o nível de analfabetismo aí sempre é muito elevado (em Moçambique 51,9%, dados de 2006). No fim da ou-tra versão deste conto está até escrito directamente:

«Como tu sabes escrever e nós não, nós cansamo-nos mas tu não. Nós nada sabemos!».

(Comentário do narrador)

As personagens de contos são tradicionalmente pes-soas ou animais com qualidades humanas. O que pode ser (para nós europeus) um pouco surpreendente é que nem sempre vence quem na nossa opinião devia. E, assim, às vezes uma personagem desonesta e vaido-sa (mas também mais perspicaz) acaba por se tornar o vencedor, enquanto aquela que foi honesta perde. Outra coisa que podemos achar estranha é a descrição muito directa (para nós de vez em quando simplesmente bru-tal). Por exemplo, eu fiquei muito surpreendida quando num conto que estava a ler um menino foi castigado por um corte dum dos seus dedos! No nosso conto sobre o caracol essa descrição directa pode ser verificada no desfecho com a morte da Impala. Numa versão “mais europeia” este facto seria provavelmente silenciado.

No entanto, em vez de rotular estas histórias como violen-tas e as repelir à primeira impressão, desistindo de as ler, devíamos pensar porque são como são. Recordemo-nos do seu objectivo fundamental – ensinar. Às vezes ensinar não só princípios de moral mas também estratégias de sobrevivência e isto é simples: quem não ganha, perde, quem não sobrevive, morre. Sim, é brutal, mas tal como pode ser a vida de alguns africanos nestas sociedades.

É tudo isto que torna os contos africanos muito inte-ressantes. Infelizmente, não é possível meter todos os seus componentes num só papel. Um conto escrito não tem (nem pode ter) todos os elementos que criam narrativas orais. Obviamente, isso não significa que não valha a pena lê-los! Porque vale! E o melhor era que vocês os lessem e contassem aos vossos amigos! $

Texto de Aneta Dawidziuk

Page 52: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

El karacol de tu bokaTexto de Gerardo Beltrán

Qué

boni

to...

Seguramente, una de las más elevadas formas del amor es la amistad, la amistad desinteresada, como, por ejemplo, la que se da entre un ser humano y un caracol, que poco o nada necesitan uno del otro -aparte de su amistad, precisamente. Yo tengo un amigo caracol. Lo conocí en Granada, concretamente en Supercor, comprando uvas moscatel. El Marqués -que así le decimos sus amigos-, además de aristócrata es un gran catador, y me introdujo en los más antiguos secretos de los viñedos, guiándome por los mejores vinos de España. Antiguos secretos, porque él mismo, August Mayer von Helix Pomatia, Marqués de Borgoña y Caracol (n. Mayer ben Kalman Muschel), procede de una familia del más rancio abolengo, cuyo origen está datado –con carbono 14- hacia finales de la época Precámbrica, hace más o menos 600 millones de años1.

Entre otras cosas, algunos ancestros del Marqués dominaban completamente la región ribereña del Yam-sof (Mar de los Juncos conocido como Rojo) en los tiempos en que Moisés y los israelitas lo cruzaron, e incluso sirvieron voluntariamente de alimento a las luciérnagas que alumbraron a éstos últimos el camino (ya que, según dicen algunos, el paso por el mar se realizó de noche). Después de eso, la Torá (Lev. 11) –aunque sin mencionarlos explícitamente- los incluyó en la lista de los animales treifá (no aptos para ser ingeridos), para evitar que otras especies se aprovecharan de su altísimo sentido de responsabilidad moral (precepto que, como sabemos, no siempre se ha guardado rigurosamente).

Hasta ahora, no se ha calculado el número de caracoles que han muerto durante todas las guerras de la historia, pero su heroísmo ha quedado documentado en numerosas ocasiones y están presentes en los escudos de armas desde los comienzos mismo de la heráldica en el sigo XII. En la familia del Marqués ha habido también grandes filósofos, científicos, artistas, escritores, arquitectos y poetas, y él mismo ha destacado en varios campos2. Esto por no hablar de su papel como inspirador, mecenas, personaje mitológico, símbolo, arquetipo, etc.

Como sea, y a pesar de sus múltiples ocupaciones, el Marqués aceptó mi invitación a venir a Varsovia, y viajamos juntos, en septiembre pasado, primero por carretera hasta Málaga y luego en avión (él montado en su ya legendaria uva moscatel). Juntos visitamos Cracovia, paseamos por Kazimierz, y juntos recorrimos todos los rincones de Varsovia. Fuimos también a Vilnius, cuna de algunos de nuestros antepasados comunes (que resulta que los tenemos), y llegamos hasta la República de Užupis (donde soy embajador). Es conocida la vocación casi religiosa del Marqués por las mujeres hermosas (sin despreciar el buen vodka), de modo que en estas tierras pronto se sintió como en casa (es decir, como en la Tierra Prometida).

Pasé con él algunos de los momentos más iluminados de mi vida, hablando de los temas más profundos y de los asuntos más banales,

y disfrutando de su característico y muy agudo sentido del humor. No cabe duda de que es un gran convensador, un sagaz analista y un discreto y acertado confidente.

Un día gris de diciembre, mientras yo daba clases en la Universidad, el Marqués decidió irse sin decir palabra, tal vez para evitar el dolor que toda despedida conlleva.

La poeta canadiense de origen lituano y sangre real Medeine Tribinevicius dice habérselo encontrado comprando naranjas en Venecia a principios de enero3. No quiso molestarlo porque parecía andar de prisa (por esas fechas alguna caracola de Esmirna cantaba: Dicho, me han dicho / ke mi amor ´stá en Venezia / dando y baratando / kon una nave inglesa). Por su parte, Abel Murica, poeta también, pero español y catalán, supo que estaba en París, posando para un famoso escultor en metal. Borgiano, tanguero y seductor, alguien lo vio en Buenos Aires, y dicen las buenas lenguas que se esconde en el origen de este djudeoespanyol poema de Beatriz Masliah4:

Estés dondequiera que estés, querido amigo, ésta seguirá siendo tu casa. Y, por supuesto, siempre tendremos Granada...

1 Según el calendario bíblico, los primeros antepasados del Marqués habrían aparecido en las tempranas horas del cuarto día de la Creación (Gen. 1:11), ya que, según los científicos, además de las algas y las bacterias, al final del Precámbrico aparecieron los animales con esqueletos externos en forma de concha. Otros exégetas, sin embargo, los colocan en las primeras horas del sexto día (Gen. 1:24). Los comentadores del Talmud se muestran es-cépticos en lo que se refiere a la efectividad del carbono 14 y no hay acuerdo al respecto.

2 Baste mencionar el diseño de la escalera de cracol, el dasarrollo de precisas piezas de relojería, innovaciones en el cante andaluz y en la equitación, el descubrimiento de una de las cavidades que constituyen el laberinto del oído, etc. Tuvo también algo que ver en la evolución de la filosofía panteísta de su primo Baruch Spinoza, pero de esto, por modestia y precaución, prefiere no hablar.

3 El Marqués siempre ha tenido una actitud más bien crítica hacia los vinos italianos.

4 “Kon la flor del limonero” apareció originalmente en SEFARAires n.11, marzo de 2003, p. 7.

Kon la flor del limonero se embelekan tus dedikos i a los mis suenyios de amores los aboltas juguetikos

De tus manos komo rozas ió kero komer un dya, kabrytiko en la muntanya a tus pieses me echaría

Ven, asiéntate a mi lado kontamé de tus pesares, mientras peyno tus kaveyos kon el peyne de mis males.

¡Ai si tu manyana despertaras en mi lecho! Las espinas del kamino al dip de la mar las echo.

El karakol de tu boka se me enreda en el pensiero. palabras de amor no dizes ma en los tus oyos las veo.

$

El Marqués durante su infancia en Granada

El Marqués retratado por Dali El Marqués capatado en Užupis por Medeine Tribinevicius

Page 53: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Sobre gatos e caracóis Texto de Daniela Capillé

Seus olhos amarelos/deixaram uma única/ranhura/para lançar as moedas da noite.

Pablo Neruda...

es

el a

mo

r

Ela pintou as unhas de uma cor forte, densa. Algo entre o vinho e o café. Um pouco amargo. Depois olhava pras próprias unhas maravilhada. Ela move as mãos de outra maneira quando pinta as unhas de uma cor escura. É como se de repente se enchesse de força e confiança. Como garras que se afiam em patas de onça. Algo in-domável que a arranha por dentro. Por vezes uma gata.

Uma vez estava um tanto entediada na casa de amigos. Amigos do namorado, é claro. Não queria estar ali mas estava. Como de costume, deitou-se no sofá se acomo-dando. Um sofá antigo, mas que era novo ali. Era da minha mãe, disse a anfitriã, meio chorosa, meio bêbada. Isabel sabia que a mãe morrera há uns meses. O que se diz quando a mãe de alguém morre?

Então a campanhia tocou e entrou Fer-nanda como que para salvar a noite. Aconchegou-se no mesmo sofá que ela, como que impondo um espaço. Cúmplices de algo estranho e novo, de uma coragem desafiadora de quem não tem medo de se pôr a dormir no sofá dos outros. Você é como uma gata que vai se ajeitando e se enroscando. E havia algo de sensual na voz de Fer-nanda. Algo que fez Isabel tremer um pouco, sorrindo já no seu papel de gatinha doce. O mau das gatas é que nunca se sabe até onde se pode con-fiar. Por que às vezes Isabel é tão doce, um doce quase todo o tempo, mas vez ou outra se vê que dentro dela bor-bulha alguma coisa quente e viscosa, algo que só se explica com rangidos.

Quando uma coisa te toca, é difícil sa-ber o ponto exato do estrago. Resultou então que Fernanda tinha muitos gatos, uma afinidade de irmã. Mostrou os braços arranhados e eram mesmo como as marcas de um prazer. Isabel segurou um pouco a saliva dentro da boca e escutou a moça. Um sotaque de algum lugar. Alguém perdido entre o mundo e outra coisa.

Alguma coisa ali parecia fora de lugar. Fernanda com umas roupas antigas, como a fotografia de uma avó, perdida numa parede qualquer da sala de jantar. Algo em preto e branco. Mas, ao mesmo tempo, havia algo tão vivo e tão claro que Isabel não pôde parar de olhar-lhe a cara. Foi então que viu que trazia o cabelo preso, mas que de um lado e de outro lhe escapavam alguns caracóis mais fujões.

Outro dia deitaram-se todos na cama e então beberam

vinho e fumaram um beck. Isabel não fumava por um número de desculpas, mas na verdade, gostava muito de observar as pessoas naquele momento. Pais e filhos fu-mando juntos, uma música estranha e velha num rádio de outros tempos. E Fernanda, na cama, fumava e bebia um pouco do vinho de seu país. Sabe, para mim, você pode fazer o que quiser, qualquer coisa. Um voto de confiança que Isabel talvez não esperasse. Não quando não se conhece assim a pessoa, principalmente de al-guém tão forte. Um inchaço de palavras, talvez marijuana.

A chuva caía tão forte, num desses meses em que a ci-dade desaba. Algo também sempre desabava dentro dela. Um mundo de possibilidades lá fora. Um mundo alagado,

escorrendo, e ela só precisava de um barco, algo com que remar. Conseguir assim a confiança de alguém é muito mais difícil do que pintar as unhas. Soz-inha, em casa, a acetona escorrendo pe-los cantos, uns borrões incalculados e inevitáveis. Algo entre o sujo e o prazer.

Como Fernanda. Uns caracóis castanhos que não se doma com facilidade. Uma espiral que desce e se perde sem razão. O que há de tão forte nessas mulheres com caracóis na cabeça? Uma rebeldia de não se ter o cabelo lambido, de se nadar contra a maré, de sorrir de ma-neira imprópria e saber estremecer al-guém. Uma força de quem faz pergun-tas estranhas e abre os olhos esperando a resposta. E você se dá bem com a sua família? Uma conversa que se vai como que naqueles fios antigos de telefone. Girando, girando, lentamente, como um caracol perdido em sua própria casa.

Uma fronteira do acaso, nada fácil de explicar. Uma mistura de ridículo, admiração, lit-eratura, feminismo e um prazer inexplicável de quem nem sempre quer concretizar as coisas. Uma unha-da profunda de quem diz que não gosta de demon-strar afeto em público. Mas que público é esse?

Isabel move as mãos de uma maneira estranha quan-do pinta as unhas de uma cor escura. Coça o nariz e mexe no cabelo, um pouco irritada, um pouco pen-sativa. As coisas vão surgindo de uma maneira rara. Ela já é tão estranha por si só. Algo que não se explica em duas linhas. Nem vinte. Nada que se possa fazer num romance. Uma estranheza de quem sabe que está aqui porque é assim. E só isso por enquanto já basta. $

O que há de tão forte nes-

sas mulheres com caracóis

na cabeça?

Uma conversa que se vai

como que naqueles fios an-

tigos de telefone. Girando,

girando, lentamente, como

um caracol perdido em sua

própria casa.

¿?

Page 54: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

CARACOL EXISTENCIALISTA

Lleva encerrado veintitantos díassin salir de su carricoche,con fotofobia y agorafobia,junto a la mata de marihuana.La lluvia con su cháchara le anima:Mi amor, saca los cuernos, ven a los charcos,embiste al mundo, motorista mío.Deja que te sicoanalice.

Dice el análisis que andas pachucho;bajo de hemoglobina;estás anémico, compadre,inmunodeficiente y deprimido.

A comer perejil, que tiene hierroy sube la autoestima.Vete al librero y pídele:

“La individualidad centrípetadel caracol”.Si dice que no existe,ya tienes un motivopara salir de la espiral;escríbete un best-seller:El caracol recluye su individuoen la cripta de la obsesión…Hay que purgarla con verdín de hinojo,carminativo para el narcismo;salvado de centeno y trigo,para el regüeldo de la vanidad;etc., etc…

Cuando termines, vete al Bar “La Espiga”,en la Calle San Pablo, 4. Córdoba.Pregunta por Antonio, que es mi hermano;le dices que te edite, de mi parte;verás como se porta.

Que te eutanasie con orégano;algo así hicieron con Diógenesy Socrates,que les pasaba lo que a ti,filósofo piltrafa de la búsqueda.

Después te ofrecerá de aperitivocon una copa de Montilla…

Y que te trague un poeta.

ŚLIMAK EGZYSTENCJALISTA

W zamknięciu od ponad dwudziestu dnibez opuszczania swojego wraku,ze światłowstrętem i lękiem przestrzeni,obok krzewu marihuany.Deszcz go zachęca swoją paplaniną:Kochanie, pokaż rogi, chodź do kałuży,wyjdź naprzeciw światu, mój ty motocyklisto.Poddaj się psychoanalizie.

Według analizy podupadasz na zdrowiu;brak ci hemoglobiny;jesteś anemiczny, kolego, nieodporny i zdołowany.

Jedz pietruszkę, bo ma żelazoi podnosi samoocenę.Idź do księgarza i poproś o

„Dośrodkową osobowośćślimaka”.Jeśli powie, że nie istnieje,będziesz miał powód,żeby wyjść ze spirali;napisz jakiś bestseller:Ślimak zamyka swoje jestestwow krypcie obsesji…Trzeba ją oczyścić natką koperku,wiatropędną dla narcyzmu;otrębami z żyta i pszenicydla odgazowania próżności;etc., etc…

Jak skończysz, idź do Baru „La Espiga”,na ulicy San Pablo, 4. Córdoba.Zapytaj o Antonio, mojego brata;powiedz mu ode mnie, żeby cię opublikował;zobaczysz, że nie odmówi.

Niech cię uśmiercą oregano;podobnie zrobili z Diogenesemi Sokratesem,którym przydarzyło się to samo co tobie,filozofie mizerny w poszukiwaniach.

Następnie podadzą cię jako przystawkędo kieliszka wina z Montilli…

I niech cię połknie jakiś poeta.

Manolo Romero (Guareña, 1948), poeta, escritor, ha publicado: Bestiario I, Corral de versos y buriles, Bestiario II, Besti-ario de Cabárceno, Bestiario andaluz, Bestiario III, Bestiario de los fogones. El poema “Caracol existencialista” procede de Bestiario de los fogones, inspirado en el antiguo recetario de su abuela.

Un caracol existencialistatr

aduc

ció

n

Traducción de Sylwia Jakubas, Katarzyna Hajost-Żak

$

Page 55: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

CARACOL EXISTENCIALISTA

Lleva encerrado veintitantos díassin salir de su carricoche,con fotofobia y agorafobia,junto a la mata de marihuana.La lluvia con su cháchara le anima:Mi amor, saca los cuernos, ven a los charcos,embiste al mundo, motorista mío.Deja que te sicoanalice.

Dice el análisis que andas pachucho;bajo de hemoglobina;estás anémico, compadre,inmunodeficiente y deprimido.

A comer perejil, que tiene hierroy sube la autoestima.Vete al librero y pídele:

“La individualidad centrípetadel caracol”.Si dice que no existe,ya tienes un motivopara salir de la espiral;escríbete un best-seller:El caracol recluye su individuoen la cripta de la obsesión…Hay que purgarla con verdín de hinojo,carminativo para el narcismo;salvado de centeno y trigo,para el regüeldo de la vanidad;etc., etc…

Cuando termines, vete al Bar “La Espiga”,en la Calle San Pablo, 4. Córdoba.Pregunta por Antonio, que es mi hermano;le dices que te edite, de mi parte;verás como se porta.

Que te eutanasie con orégano;algo así hicieron con Diógenesy Socrates,que les pasaba lo que a ti,filósofo piltrafa de la búsqueda.

Después te ofrecerá de aperitivocon una copa de Montilla…

Y que te trague un poeta.

ŚLIMAK EGZYSTENCJALISTA

W zamknięciu od ponad dwudziestu dnibez opuszczania swojego wraku,ze światłowstrętem i lękiem przestrzeni,obok krzewu marihuany.Deszcz go zachęca swoją paplaniną:Kochanie, pokaż rogi, chodź do kałuży,wyjdź naprzeciw światu, mój ty motocyklisto.Poddaj się psychoanalizie.

Według analizy podupadasz na zdrowiu;brak ci hemoglobiny;jesteś anemiczny, kolego, nieodporny i zdołowany.

Jedz pietruszkę, bo ma żelazoi podnosi samoocenę.Idź do księgarza i poproś o

„Dośrodkową osobowośćślimaka”.Jeśli powie, że nie istnieje,będziesz miał powód,żeby wyjść ze spirali;napisz jakiś bestseller:Ślimak zamyka swoje jestestwow krypcie obsesji…Trzeba ją oczyścić natką koperku,wiatropędną dla narcyzmu;otrębami z żyta i pszenicydla odgazowania próżności;etc., etc…

Jak skończysz, idź do Baru „La Espiga”,na ulicy San Pablo, 4. Córdoba.Zapytaj o Antonio, mojego brata;powiedz mu ode mnie, żeby cię opublikował;zobaczysz, że nie odmówi.

Niech cię uśmiercą oregano;podobnie zrobili z Diogenesemi Sokratesem,którym przydarzyło się to samo co tobie,filozofie mizerny w poszukiwaniach.

Następnie podadzą cię jako przystawkędo kieliszka wina z Montilli…

I niech cię połknie jakiś poeta.

Manolo Romero (Guareña, 1948), poeta, escritor, ha publicado: Bestiario I, Corral de versos y buriles, Bestiario II, Besti-ario de Cabárceno, Bestiario andaluz, Bestiario III, Bestiario de los fogones. El poema “Caracol existencialista” procede de Bestiario de los fogones, inspirado en el antiguo recetario de su abuela.

Un caracol existencialista

trad

ucci

ón

Traducción de Sylwia Jakubas, Katarzyna Hajost-Żak

$

Traducció de Jan Chojnacki, Karolina Franaszczuk, Katarzyna Samoń, Magdalena Czyżewska

Iran-była to dwudziesta siódma rewolucja, jaką wiedziałem w Trzecim Świecie. W dymie i w huku zmieniali się władcy, upadały rządy, na fotelach zasiadali nowi ludzie. Ale jedno było niezmienne, niezniszczalne, boję się powiedzieć-wieczne: bezradność. Jakże mi te siedziby komitetów irańskich przypominały to, co widziałem w Boliwii i w Mozambiku, w Sudanie i w Beninie. Co robić? A ty wiesz, co robić? Ja? Nie wiem. A może ty wiesz? Ja? Poszedłbym na całość. Ale jak? Jak pójść na całość? Tak, jest to problem. Wszyscy zgodzą się, że jest to problem, nad którym warto dyskutować. Duszne, zadymione sale. Wystąpienia lepsze i gorsze, kilka naprawdę świetnych. Po dobrym wystąpieniu wszyscy odczuwają zadowolenie-przecież uczestniczyli w czymś, co było rzeczywiście udane.

Potser acaba de marxar tot un referent, si més no ho hauria de ser, de la cultura europea actual. Poques persones tenen el talent de comunicar idees i fets de manera tan clara i diàfana i alhora han tingut l’ocasió de recórrer mig món cercant els moments històrics més importants que han tingut lloc en un munt de països de realitat ben diversa. Kapuscins-ki n’és un d’ells. Per sort, els catalans podem trobar les traduccions en la nostra llengua d’Eben, Un dia més de vida i Viatges amb Heròdot gràcies a la tasca feta per l’Anna Rubió i en Jerzy Sławomirski. En aquesta revista només us oferim un fragment del seu llibre Szachinszach on ens parla de la revo-lu-ció islàmica a l’Iran amb l’esperança que aquest país no sigui alliberat com ho ha estat l’Iraq. $

L’Iran era la vint-i-setena revolució que veia al Tercer Món. En el fum i en el soroll l’intercanvi de poderosos, queien els governs i a les butaques s’asseien altres persones.Però hi havia quelcom invariable, indestructible, em fa por dir-ho, etern: la impotència. Com em recordaven les seus dels comitès iranians el que havia vist a Bolívia, a Moçambic, al Sudan i a Benín. Què calia fer? I tu saps que cal fer? Jo? No ho sé. Potser tu ho saps? Jo? Ho arriscaria tot. Però com? Com arriscar-ho tot? Sí, això és un problema. Tothom estarà d’acord que això és un problema sobre el qual paga la pena discutir-ne. Les sales sense aire fresc i plenes de fum. Els parla-ments: uns de millors i altres de pitjors, alguns realment excel•lents. Després dels bons discursos tothom es mostra content, és clar, participaren en alguna cosa realment reeixida.

Mots Kapuscinskians, gens recargolats.tr

aduc

ció

$

$

Page 56: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

Text de Josep Antoni Clement

La fi del mil•lenni m’atrapà estudiant mots romànics aïllats en la variada geografia dels Balcans. La primera recerca no fou pas lingüística... Ai las! Si parlessin els esporuguits cargols ro-manesos ja passaríem comptes! Però muts, temen encara la venjança catalana...

Suposo, més aviat n’estic convençut, que l’escena que tingué lloc en ple Boulevard Copou tenia quelcom de surrealista als ulls dels transeünts que es dirigien vers els seus tràfecs quotid-ians. Un català, temporalment associat amb un de Palència (un om botezat de cuvant, com cantava l’imperible Maria Tanase), es dedicava a arreplegar tota bestiola amb baba que s’atrevís a treure el cap d’entre les herbotes que voltaven els griso-sos blocs (idèntics als de Polònia, curiós...) de la majestuosa capital de la històrica Moldàvia, Iasi, amb l’objectiu d’omplir la panxa amb tan preuada menja. Pofta buna! (Bon profit!)

I aquesta Moldàvia del dos mil m’acollí i em mostrà els seus racons inhòspits i les seves meravelles que m’esperaven al llarg d’aquesta magnífica terra. La tàctica era ben fàcil, es tractava d’anar dient: Cineva primeste in gazda? I sempre en qualsevol llogaret i poblet de cases soltes algú tenia un llit a punt per a donar refugi a dos estrangers que anaven de camí...

Cap a on? Ells tampoc no ho sabien ni tenia gaire importàn-cia. Poques vegades m’han ofert amb tanta generositat el que hom té, encara que sigui dins l’escassetat. Les menges de Nadal me les serviren a taula abans de l’àpat sagrat en una vila vora Ucraïna on tothom era ros, d’ulls blaus i somriure etern, a Maramures àdhuc en un restaurant se’m convidà a devorar els millors sarmale (golabki) que hagi tastat mai (espero ésser perdonat pels moldaus!) i no pas lluny del cimitir vesele no vam deixar ni gota del tuica local (bimber romanès) que ens fou ofert per l’afable alcalde. I així podria anar narrant un munt de situacions on em sentí aclaparat davant de tanta mostra de generositat sense interès (no com succeeix entre el comú dels catalans). Després, amb el pas del temps i la posterior onada migratòria de romanesos arribada a Catalunya que ha generat el menyspreu més absolut cap al poble romanès, no puc sinó romandre perplex i mut, dar ce sa facem? (Però què s’hi pot fer?) Pregunta sense resposta utilitzada per la gent que tragina la vida. I és ver, tot acaba sempre així.

Malgrat tot, ens queda delectar-nos de la saviesa que s’amaga entre els mots escollits de George Bacovia, poeta fill de Ba-cau:

“Catre lumina Catre intuneric Cum timpul trece Si nu e de ajuns Si poate tot gandul e spus”

“Cap a la llum Cap a la foscor Així el temps passa Sens dar-ne abast I potser, el pensament ja hi és expressat.”$

un c

atal

à Pe

rdut

a...

Romania, tot recollint cargols després de la ruixada.

Page 57: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Page 58: Abril/ Maio

Abril / Mayo�� ¿?

Page 59: Abril/ Maio

��¿?Abril/ Maio

Page 60: Abril/ Maio

Abril / Mayo�0 ¿?

Director: José Carlos DiasCoordinadora da Sección Galega: Lucía Rodríguez CaeiroCoordinador de la Sección Española e Djudeoespanyola: Gerardo BeltránCoordinador de la Secció Catalana: Josep Antoni ClementCoordenadoras da Secção Portuguesa: Ana Carolina Beltrão e Rita RolimCronistas/Columnistas: Jaukub Jankowski, Josep Antoni Clement, Kornel Stanisławski Jornalistas/Periodistas: Aneta DawidziukAnna PłocicaAnna RojekAnna TrzciankaAleksandra OparaBarbara SzlachtaBożena Gąsienica-DanielEwa OknińskaIwona CellaryIwona ŚniadeckaJakub JankowskiJan ChojnackiJoanna MoszczyńskaJoanna PobieżyńskaJoanna WłodarczykJohnathanKamila GądekKatarzyna SamońKatarzyna SitarskaKarolina FranaszczukMagda PielakMagdalena CzyżewskaMagdalena GazdaMagdalena GuziejkoMałgorzata Hanh

Małgorzata SzczepkowskaMaja RegułaMaria WróblewskaMarek CichyMarta MachowskaMartyna GajewskaMartyna SzymańskaMarlena KalińskaColaboradores:Anna KalewskaAna Carolina BeltrãoDaniela CapilléJosep Antoni ClementKatarzyna DłużniewskaKatarzyna Hajost-ŻakSylwia JakubasColaboraçãoEspecial:Manuela Teixeira PintoMartín R. CaeiroConvidados Especiais:Andreia CorreiaRyszard KrynickiDesign Gráfico:José Carlos Dias e Josep Antoni ClementCapa:Jakub JankowskiFotógrafos:Lucía R. Caeiro, JoannaWłodarczyk e Medeine TribineviciusCartonista:Jakub e JasiekTiragem:200 exemplaresImpressão: Zaklad Graficzny Uniwersytetu WarszawskiegoEditora:Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da Universidade de Varsóvia

Número dedicado al Marqués de Caracol