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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN CAMPUS AVANÇADO PROFª “MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS DL PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM LETRAS PPGL MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO DISCURSO E DO TEXTO LINHA DE PESQUISA: TEXTO, ENSINO E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NO GÊNERO TIRA EM QUADRINHOS: UM ESTUDO DA MULTIFUNCIONALIDADE DOS USOS DISCURSIVOS DO E NUMA PERSPECTIVA FUNCIONALISTA Francimeire Cesário de Oliveira Pau dos Ferros/RN 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN

CAMPUS AVANÇADO PROFª “MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM

DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL

PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM LETRAS – PPGL

MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DO DISCURSO E DO TEXTO

LINHA DE PESQUISA: TEXTO, ENSINO E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NO GÊNERO TIRA EM QUADRINHOS: UM

ESTUDO DA MULTIFUNCIONALIDADE DOS USOS DISCURSIVOS DO E NUMA

PERSPECTIVA FUNCIONALISTA

Francimeire Cesário de Oliveira

Pau dos Ferros/RN

2012

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Francimeire Cesário de Oliveira

A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NO GÊNERO TIRA EM QUADRINHOS: UM

ESTUDO DA MULTIFUNCIONALIDADE DOS USOS DISCURSIVOS DO E NUMA

PERSPECTIVA FUNCIONALISTA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Letras da Universidade do

Estado do Rio Grande do Norte, como requisito

parcial para a obtenção do título de Mestre em

Letras.

Orientadora: Profª. Dra. Rosângela Maria Bessa

Vidal

Pau dos Ferros/RN

2012

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Francimeire Cesário de Oliveira

A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NO GÊNERO TIRA EM QUADRINHOS: UM

ESTUDO DA MULTIFUNCIONALIDADE DOS USOS DISCURSIVOS DO E NUMA

PERSPECTIVA FUNCIONALISTA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, avaliada

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profa. Dra. Rosângela Maria Bessa Vidal - UERN

Presidente da Banca

__________________________________________________

Prof. Dr. Edvaldo Balduino Bispo – UFRN

Examinador

___________________________________________________

Prof. Dr. João Bosco Figueiredo Gomes - UERN

Examinador

_____________________________________________________

Profª Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa - UERN

Suplente

Pau dos Ferros

2012

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De tudo ficaram três coisas...

A certeza de que estamos começando...

A certeza de que é preciso continuar...

A certeza de que podemos ser interrompidos

antes de terminar...

Façamos da interrupção um caminho novo...

Da queda, um passo de dança...

Do medo, uma escada...

Do sonho, uma ponte...

Da procura, um encontro!

Fernando Sabino

Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o

amor, estas três, mas a maior destas é o amor.

1Corintios, 13-13

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AGRADECIMENTOS

Primeiro, agradeço a DEUS,

Por ter me capacitado para esta tarefa (incumbida por este trabalho) e pela força

sublime que dele ecoa em todos os momentos de minha vida, principalmente nos

decisivos;

Estendo essa gratidão,

À orientadora deste trabalho, Rosângela Vidal, com sua paciência, gentileza e

delicadeza incomparável; pelo compromisso de mediar o processo de orientação

sempre com muito carinho e sensibilidade.

Aos colegas do curso de Mestrado, com os quais cruzamos diálogos não somente

teóricos, mas outros tantos expressivos e sinônimos de alegria, amizade e

cumplicidade. Além da conquista de novos amigos e reencontro com outros. Deixo

esse agradecimento em especial à Ana Alice, contato mais intenso; também à Midiã

e Tatiane, colegas funcionalistas.

Aos colaboradores, participantes da banca examinadora, que trouxeram

contribuições significativas para este trabalho;

À Profa. Dra. Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa juntamente com o Prof.

Dr. João Bosco Figueiredo Gomes, pelas valiosas contribuições durante exame de

qualificação.

À todos os professores do Curso de Mestrado PPGL/UERN e demais funcionários;

Aos colegas de trabalho, dos quais fiquei ausente nesse período, pelo menos da

maior parte deles;

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À uma colega de orientação, além de conterrânea, a aluna de graduação Telma

Patrícia, que me ajudou bastante com a parte técnica do trabalho e em tudo que

precisei;

À UERN que busca constantemente incentivar as atividades acadêmicas com

propriedade e no intuito de nos motivar a sempre evoluir, juntamente com espírito

da instituição;

À secretaria do PPGL nas pessoas de Marília e Ricardo que estão sempre aptos a

nos ajudar no setor administrativo do curso;

Ao professor Nilson Barros pela revisão do Abstract desse trabalho;

Enfim...

Levo meu agradecimento e meu carinho a todos que estiveram ao meu lado no

percurso dessa jornada, que torceram e proferiram palavras de incentivo, seja de

forma direta ou indiretamente, em direção a realização deste trabalho. Dentre tantos

especifico meu esposo Deuberto e minhas maravilhosas filhas Mariana, Marina e

Marília; meus pais Chico e Maria; minhas irmãs Meirivanda, Francimária,

Francicleide, Edneide e meu irmão Júnior.

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RESUMO

As construções linguísticas por serem de natureza dinâmica, propriedade adquirida pelos usos,

possibilitam uma variedade de funções no contexto discursivo. Partindo desse aspecto da

língua, buscamos compreender como se manifesta a multifuncionalidade dos usos discursivos

do item linguístico E no gênero tira em quadrinhos, considerando suas relações de

significação e a situação de comunicação. Para tanto, adotamos os pressupostos teóricos do

funcionalismo linguístico (vertente norte-americana) como fundamentação base, apoiando-

nos principalmente nas propostas de Neves (1997); Givón (2001); Furtado da Cunha, Oliveira

e Martelotta (2003); Furtado da Cunha e Tavares (2007); Martelotta (2009). Como suporte de

fundamentação também nos apropriamos da noção de gênero discursivo na concepção

bakhtiniana. A revisão da literatura revisitou diversos trabalhos, dentre eles o de Neves

(2000), Penhavel (2009), Camacho (1999), Tavares (2007). Para constituir o corpus da

pesquisa, coletamos textos do gênero tiras em quadrinhos, on-line, do quadrinista Laerte. E a

análise foi realizada a partir de três funções discursivas de atuação do E: Sequenciamento

retroativo-propulsor, Introdução de tópico discursivo e Focalização. Essas funções também

foram observadas quanto a sua articulação textual do gênero tira em quadrinhos e quanto as

suas eminências da produção de significação consoante com a perspectiva do gênero

discursivo. A abordagem da pesquisa é de cunho predominantemente qualitativo, porém

recorremos aos aspectos quantitativos. Os resultados demonstraram como uso mais recorrente

o E na função de Sequenciamento e menos recorrente como Focalizador. No nível do

discurso, em qualquer dessas funções analisadas, ainda conserva o traço semântico de adição,

porém na condição de gradiência, constituindo um contínuo de suas funções, assim sendo, na

função de Focalizador esse traço é quase imperceptível e na função de Sequenciador é mais

perceptível e na função de Introdução de tópico discursivo se apresenta num nível

intermediário. Verificamos ainda evidências de estratégias discursivas como inferências, uso

de anáforas e catáforas, relação entre as informações dadas e não dadas, mecanismos de

coesão e progressão textual dentre outras.

PALAVRAS-CHAVE: Uso linguístico. Multifuncionalidade. Item E. Gênero tira em

quadrinhos. Significação.

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ABSTRACT

Language constructs, for being dynamic in nature, a feature revealed by means of experience

in usage, allow a variety of functions in a discursive context. Through this aspect of language,

we seek to understand how multifunctionality of discursive usage of the linguistic item E

(and) expresses itself in the genre comic strip, considering its meaning relationships and the

communicative environment. To this end, we support our analysis on the assumptions of the

American linguistic functionalism, especially on the proposals of Givón (2001), Furtado and

Tavares da Cunha (2007); Furtado da Cunha, Oliveira and Martelotta. (2003); Martelotta

(2009), Neves (1997). And Bakhtin's notion of speech genre is also adopted. We revisited

several works, among them Neves (2000), Penhavel (2009), Camacho (1999), Tavares (2007).

To form the corpus, we collected texts of the genre comic strips, from Laerte, available on the

internet. And the analysis was performed from three discursive functions, retroactive

Sequencing-propellant, Introduction to topic of discourse and focusing, of E (and)

performance in text articulation of the genre comic strip. We considered also the eminence of

meaning production consonant with the perspective of speech genre. The research approach is

predominantly qualitative, however, quantitative aspects are also involved. The results

pointed out that the most recurrent use of E (and) is with the function of Sequencing and less

recurring as Focusing and that in any of these functions it still keeps the semantic feature of

addition, though at gradience levels, thus, in Focusing function it is almost imperceptible and

in the Sequencing function it is more noticeable. We also verified evidence of discursive

strategies as inferences,use of anaphora, the relationship between given and not given

information, mechanisms of cohesion and textual progression among others.

KEYWORDS: language use. Multifunctionality of E (and) Item. Genre comic strip. Meaning.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Funções discursivas – grupo dos Marcadores Discursivos.................................64

Quadro 2 – Contínuo aditivo do E e suas funções correspondentes .....................................67

Quadro 3 – Funções do conectivo E no discurso...................................................................81

Quadro 4 – Sub-funções do Sequenciamento retroativo-propulsor ................................... 109

Quadro 5 – Dados das funções discursivas e demais ocorrências do E..............................113

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

1 FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO ............................................................................ 16

1.1 A abordagem norte-americana............................................................................................16

1.2 Concepção de gramática: aspectos linguístico-discursivos e cognitivos na confluência dos

usos ..................................................................................................................................... 23

1.3 Categorias analíticas do funcionalismo linguístico norte-americano ............................... 32

2 SIGNIFICADO E GÊNERO NAS TIRAS EM QUADRINHOS....................................41

2.1 Considerações gerais sobre os gêneros discursivos: aspectos da teoria bakhtiniana .........41

2.2 A significação nos gêneros discursivos e as possibilidades de sentidos ........................... 41

2.3 Considerações sobre os gêneros em quadrinhos ................................................................47

3 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O ITEM LINGUÍSTICO E.............................53

3.1 Valores semântico-discursivos do E...................................................................................53

3.1.1 As (multi)funções do E e suas relações discursivas.........................................................62

3.1.2 Breve sistematização das funções discursivas do E.........................................................66

3.2 A articulação discursiva com E...........................................................................................70

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ...................................................... 74

4.1 Características da pesquisa ............................................................................................ 74

4.2 Corpus e procedimentos de coleta dos dados ................................................................. 74

4.3 Procedimentos para as formulações teóricas e para a análise dos dados ...........................77

5 ANÁLISE DA MULTIFUNCIONALIDADE DO E NO GÊNERO TIRA EM

QUADRINHOS ............................................................................................................... ...82

5.1 A multifuncionalidade dos usos do E no gênero tira em quadrinhos: relações semânticas

aditivas e produção de significados .........................................................................................82

5.1.1 Focalização.......................................................................................................................83

5.1.2 Introdução de Tópico Discursivo ....................................................................................90

5.1.3 Sequenciamento retroativo-propulsor .............................................................................97

5.1.4 Fluidez no comportamento discursivo das funções do E ..............................................108

5.2 O E na articulação discursiva ...........................................................................................113

CONCLUSÃO:......................................................................................................................119

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 123

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INTRODUÇÃO

Tem sido frequente a presença de estudos que enfocam a variedade de funções,

relativas aos usos recorrentes de determinados itens lexicais e/ou gramaticais na organização

do discurso, cuja perspectiva é dar respaldo ao ambiente fluido da língua, enquanto função

comunicativa. Essa tarefa busca compreender e sugerir justificativas para o devido fenômeno

em que tais recorrências acabam por assumir uma regularidade, devido à frequência de uso.

Mesmo que, posteriormente, continuem a se modificar, o que desencadeia na necessidade de

revisão do padrão gramatical.

Esse ambiente que comunga o sistema e o uso da língua, de onde é descendente a

multiplicidade de funções e significações das formas linguísticas, pode ser nomeado a partir

de diversos pontos de vista: um processo de multifuncionalidades (NEVES, 1997) ou de

interdiscursividades (MARCUSCHI, 2008). Dessa feita, a língua assume um caráter dinâmico

apresentando, por um lado, variações e, por outro, a mudança linguística, mas de certo modo,

mantendo a estabilidade que dá equilíbrio ao sistema (MARTTELOTTA, 2003).

Esses pressupostos, pertencentes à corrente de estudos do funcionalismo linguístico

contemporâneo, ganharam foco na mediação entre teorização linguística e prática pedagógica

(OLIVEIRA; COELHO, 2003), cuja maior ênfase são os aspectos gramaticais visando à

análise de fenômenos que emergem do uso da língua (FURTADO DA CUNHA e TAVARES,

2007; OLIVEIRA e CEZARIO, 2007), com o propósito de ampliar a competência

comunicativa evidenciada no emparelhamento forma e função, por meio das relações de

motivações cognitivas e discursivas.

Esse conjunto de reflexões sistemáticas que contempla o funcionamento do sistema de

uso da língua encontra amparo sob o ponto de vista da interação verbal, que se apoia nos

seguintes aspectos:

a) Na concepção de língua como uso corrente que participa do plano de atividades

sociais e interativas;

b) Na visão de que o sistema da língua é aberto, por isso, sujeito às motivações que

interferem na interface forma e função;

c) Na intrínseca relação entre os domínios discursivo, funcional e cognitivo, os quais

inspiram os padrões gramaticais e confirmam a proximidade entre discurso e

gramática;

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d) Na noção de gêneros textuais, como referente a materialidade de textos que

circulam em situações sociocomunicativas do cotidiano e que são definidos por

sua funcionalidade, propósitos comunicativos e seu estilo, este último, reflete as

realizações histórico-sociais.

Tendo em vista esses fatores, os mecanismos de produção de significação são muito

mais extensos do que a visão do produtor de textos, pois eles, ao serem submetidos ao plano

das funções, adquirem consistência discursiva permitida pela extensão dos usos com o

contexto, onde estão envolvidos as condições de produção, o papel que os interlocutores

exercem na cadeia discursiva, o propósito comunicativo. Essas peculiaridades resultam

também na escolha de um gênero.

Em suma, há uma certa razão quando Saussure (1995) afirma que na língua não há

objetos naturais porque todos são resultantes de um ponto de vista particular, ou como diria

Machado (2007 p. 194), “somente o posicionamento permite falar em determinação e

relatividade na enunciação discursiva.”

Assim, é comum, nas línguas em geral, que as formas linguísticas modifiquem suas

propriedades funcionais, ressurjam ou surjam a partir das já existentes para atender as funções

que exercem no discurso.

A proposta de estudo neste trabalho tem como objetivo central compreender a

multifuncionalidade dos usos discursivos do E no gênero tira em quadrinhos investigando, por

via desse, suas relações aditivas num parâmetro de gradiência, além da análise de sua

produção de significação na articulação discursiva. O prosseguimento desse objetivo foi

norteado em outras especificações que buscam:

Identificar a multifuncionalidade dos usos discursivos do E no gênero tira em

quadrinhos.

Investigar os diferentes usos do E a partir dos significados.

Verificar as contribuições do item E na articulação discursiva e na produção de

significados no gênero tira em quadrinhos.

Para tanto, partimos da abordagem tradicional, na qual a postura do E é

essencialmente gramatical e chegando a uma abordagem mais ampla, na qual assume funções

que atuam na organização do discurso e não apenas num âmbito local.

Na literatura, encontramos trabalhos com essa consideração, dentre eles estão Neves

(2000; 2010); Camacho (1999; 2001); Penhavel (2005; 2009); Tavares (2007; 2010). Em

Neves (2000), por exemplo, ao abordar diversos usos do português, considera o item E como

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um coordenador a partir de quatro aspectos que são: a natureza de sua relação, lembrando o

seu caráter de neutralidade; o modo de construção, mostrando que ele ocorre em diversos

níveis (palavra, sintagma, orações e enunciados); o valor semântico, analisa quanto à sua

distribuição (iniciando sintagmas, orações ou enunciados pode atuar na adição de unidades do

sistema de informação, de temas, de um pedido de informação, de argumentos, etc) e quanto à

sua ordenação, as construções com o coordenador E podem ser simétricas e assimétricas.

Camacho (1999) oferece uma classificação tipológica dos usos do E, observando-os

nos diferentes níveis da gramática do português falado e toma como noção de análise a

ambiguidade pragmática que implica em demonstrar que os mesmos princípios que regem a

coordenação simples e múltipla de termos e no nível da oração, aplicam-se também à

coordenação de orações no nível textual.

Em Penhavel (2009), o objetivo central é descrever, sistematizar e explicar o

funcionamento do conectivo E no português brasileiro falado, considerando desde as funções

que se relacionam num nível mais local até às funções que atuam na articulação discursiva

mais ampla, admitindo que o valor semântico aditivo é um traço persistente se manifestando

num contínuo escalar de mais para menos aditivo.

Tavares (2010) investiga o item E na função de Sequenciamento retroativo-propulsora

de informações, cuja atuação no domínio funcional é responsável por articular o enunciado no

discurso, num movimento simultâneo de continuidade e consonância com o já dado.

Tendo em vista esse respaldo, que aborda a multifuncionalidade do item linguístico E,

a principal questão que norteou esta investigação foi identificar as (multi)funções que atuam

num nível mais amplo (no discurso), além do grau aditivo que assumem em face dos valores

semânticos, para posteriormente saber como se manifestam na articulação discursiva do

discurso do gênero tira em quadrinhos. Para averiguarmos essas questões elegemos três

funções capazes de atuar no âmbito: Focalização, Introdução de Tópico Discursivo e

Sequenciamento retroativo-propulsor.

Por intermédio dessas concepções, já discorridas, a visão gramatical se relaciona ao

constante processo de mudança da língua, cujas ocorrências têm vinculação com o discurso,

dado ao estado criativo demandado pelos usuários, refletidos na e pela linguagem.

Para viabilização desta pesquisa, de cunho qualitativo com suporte quantitativo,

compomos um corpus de 174 tiras em quadrinhos e com 203 ocorrências do item E, todas de

autoria de Laerte e coletadas em mídia virtual. Desse corpus selecionamos uma amostra de 29

tiras para efetuar as análises.

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Este trabalho está assim organizado: na introdução, apresentamos sucintamente alguns

aspectos como a situação-problema que se instara a respeito de como se manifesta a

multifuncionalidade do item E, justificando essa multiplicidade em decorrência da atuação

discursiva no texto/gênero, para tanto, desde já apontamos qual a concepção de gênero

adotada neste trabalho. Para ilustrar a multifuncionalidade elencamos alguns trabalhos que

tratam dessa questão e mediante nossos objetivos apresentamos as opções metodológicas

tanto para o desenvolvimento do trabalho quanto para suas análises. Apresenta-se ainda a

organização estrutural desse trabalho.

No primeiro capítulo, estão presentes as questões centrais da fundamentação teórica

que se baseiam na abordagem funcionalista norte-americana. Relatamos os fundamentos que

sustentam o paradigma funcionalista, como a noção de uso relacionado a conceitos como

sistema, estrutura e função; a vinculação entre discurso, gramática e os aspectos cognitivos

que se agregam nessa relação; a compreensão de língua e linguagem; além dos aspectos

fundamentais dessa corrente linguística. Os relatos deste capítulo buscam aferir sobre os

conceitos que orientam ao fenômeno de análise, tais como propósito comunicativo, língua em

uso, entre outros.

No segundo capítulo, tem-se uma visão geral sobre gêneros discursivos, tratando-os a

luz dos aspectos gerais da perspectiva bakhtiniana para demonstrar que as práticas sociais que

norteiam o ambiente discursivo dessa concepção propiciam uma percepção instável, tanto de

significações quanto de estilos e composições. A língua, nessa instância, adapta-se às

situações de uso e, por ser flexível, comporta, entre outros elementos, a expressividade, a

intencionalidade e a identidade do sujeito enunciador, cuja mediação se dá pelas práticas

dialógicas. Por essa orientação o enunciado é compreendido como a unidade que organiza as

formas linguísticas, o texto como ambiente que manifesta diversas linguagens e os gêneros

como relação dialógica que materializa essas realizações. Acrescenta-se ainda uma breve

descrição sobre os gêneros em quadrinhos, para caracterizar algumas peculiaridades próprias

desses gêneros, em especial as tiras em quadrinhos, gênero no qual é o suporte mediador das

análises neste trabalho.

O terceiro capítulo versa sobre a multifuncionalidade do item linguístico E, com o

intuito de discorrer sobre trabalhos já desenvolvidos nessa perspectiva e também que viessem

fundamentar o olhar multifuncional a ser empreendido nas análises. Para isto, abordamos

brevemente a visão tradicional que estuda E como item gramatical, empregado para

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coordenação entre termos e sentenças, chegando a uma abordagem discursiva, na qual o E

assume funções que atuam na organização do discurso e não apenas num âmbito sintático.

O quarto capítulo está relacionado às questões metodológicas. É a etapa em que o

leitor visualiza algumas informações a respeito da caracterização geral da pesquisa, dos seus

dados e como se encaminham as discussões analíticas desenvolvidas em prol dos mesmos.

Demonstra, enfim, qual o percurso metodológico adotado, onde estão incluídos os

procedimentos conduzidos no processo de realização e constituição do corpo investigativo e

sua análise, cuja abordagem é de cunho qualitativo e o método é indutivo.

O quinto focaliza a análise dos dados e traça reflexões sobre o fenômeno em

investigação, os usos discursivos do E, ou seja, uma observação direta que dá um plano de

visualização sobre os aspectos da multifuncionalidade do mesmo. É o espaço onde fizemos a

interpretação dos dados baseando-se nos pressupostos teóricos e nos eventos discursivos

encontrados nos dados. Essa visualização passa tanto por uma observação dirigida pelos

conceitos teóricos, como por uma observação empírica, tendo em vista o fato da dinamicidade

dos eventos da língua de procedência dos usos.

Na finalização do trabalho refletimos sobre as conclusões do mesmo, de modo a

sistematizar os resultados e as contribuições às quais se pautam na ampliação do foco de

análise do item E que parte da articulação mais local (coordenador de termos e orações) para

mais global (articular unidades textuais), relevância já sinalizada por alguns teóricos

funcionalistas.

Portanto, estudar a língua por esse viés é compreender que a função mais relevante da

língua se situa num contínuo de interações entre os interlocutores, que ora atuam como

falantes, ora como ouvintes. E essas funções, por razões do trato interativo e por razões

cognitivas, também, condicionam a forma do código linguístico.

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1 FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO

Abordamos, nesse capítulo, a teoria do Funcionalismo linguístico na sua vertente

norte-americana. Suas referências, num primeiro momento, servem de base para nortear a

perspectiva teórica desse trabalho, sobre a qual traçamos, em linhas gerais, acerca de seus

principais eixos, enfatizando a perspectiva da língua em uso, a qual considera a situação de

comunicação completa. Num segundo momento, encontram-se as orientações dessa corrente

teórica para a concepção de gramática, pautada paradoxalmente na instabilidade e na

regularidade dos usos que, considera para isso, aspectos linguísticos, discursivos e cognitivos.

Posteriormente, discorrermos sobre as características fundamentais do funcionalismo norte-

americano, entre eles estão a iconicidade, o principio de informatividade e o processo de

gramaticalização.

1.1 A abordagem norte-americana

A aparente natureza hipotética dos estudos da linguagem dificultou durante toda uma

tradição científica a materialidade desses estudos em uma ciência. Isso porque o objeto em

questão, a linguagem, não era considerado como decorrente de um comportamento social

humano. Só com o estabelecimento da Linguística enquanto ciência, impulsionado por

Ferdinand Saussure, esse objeto de estudo passou a ser pontuado como uma manifestação

concreta, observável e, a partir de então, tem sido alvo de intensas e sistemáticas

investigações, cujas perspectivas, em grande parte destas, levam em conta a função

comunicativa.

Percebe-se que, mesmo antes dos pressupostos saussurianas, já se especulava uma

demanda teórica nas investigações científicas cujo intuito era de pleitear respostas para as

mais diversas manifestações da linguagem humana. Assim se reconhece que o arcabouço

teórico que tenta explicar as línguas naturais passa por contínuas etapas e cada uma elege um

paradigma, de modo que nenhum consegue abranger o todo do fenômeno linguístico, o que é

natural no percurso das pesquisas científicas.

Os estudos linguísticos pós-saussurianos tiveram grandes avanços dentro da

Linguística. Várias tendências fomentaram a ascendência desses estudos, visto que, fundada

uma base epistemológica com os estudos de Saussure publicados no Curso de Linguística

Geral (1916), a língua não seria mais apenas um aspecto dos estudos filosóficos ou retóricos

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vista como produto do decorrer da história. Nesse sentido, a linguagem deixa de ser uma

referência no mundo e passa a ser fonte de estudos que visualizam os usos da língua, embora

essa consideração de uso venha ocorrer gradativamente culminando com as abordagens

discursivas. Sendo estabelecida como sistema de valor, como competência linguística para,

então, abranger a noção de função (relação/uso).

Assim, com a expansão da Linguística Moderna, os estudos linguísticos passaram a ser

norteados por três conceitos: sistema, estrutura e função (MARTELOTTA; AREAS, 2003), os

quais representam uma evolução nas pesquisas da área que, até então, eram tratadas pelo

parâmetro histórico-comparativo da língua, passando, a partir desse recorte, a considerar o

parâmetro descritivista.

Mesmo frente a essa consolidação, a Linguística ainda vive um grande impasse quanto

ao seu objeto de estudo (a langue), pode-se dizer “inadequadamente definido” no princípio de

seu estabelecimento, tal como um sistema de signos que se limita a um código finito existente

numa relação determinada entre significantes e significados. Nessa análise, constituída por

Saussure, as regras se comportam no interior do sistema com um caráter de autonomia, em

que esse objeto de estudo se explica por si mesmo.

Esse sistema, embora aparentemente fixo (dadas as regularidades) para um

determinado falante e num determinado momento, na verdade, é indefinido e aberto, e as

relações que nele se estabelecem, entre significantes e significados, organizam-se para

compor um ambiente de possibilidades que, conforme os contextos possíveis, atualizam as

unidades que venham a ser empregadas. Essa concepção, todavia, já representa os estágios

mais avançados do modo de conceber a língua.

Contudo, mesmo a linguagem sendo complexa, dinâmica, imprevisível, não fez com

que a Linguística fosse uma ciência mal definida. Pelo contrário, instalou-se uma

emblemática rede de ramificações que tentam suprir as lacunas quanto ao paradigma inicial.

Dentre as mais atuantes no circuito investigativo, estão as teorias do discurso e do texto. Essas

conferem linhagem às novas mudanças de concepção linguística, o que instiga a constante

renovação do modelo epistemológico e suscita a continuidade do conhecimento científico.

Nesse contexto, o funcionalismo norte-americano é tido como uma perspectiva mais

contemporânea, que se manifesta como um arcabouço teórico de grande produção atual nesse

quadro, inclusive no Brasil. Nesse processo de evolução, a teoria assimila contribuições de

outras áreas, como da cognição, sociolinguística, teoria da interação verbal e etnografia da

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comunicação, encontrando, assim, suporte para uma mudança de paradigma conceptual, cuja

notabilidade se dá na relação da língua com o seu meio de efetivação.

Nesse âmbito, o funcionalismo estuda a estrutura gramatical, tendo como referência a

situação comunicativa completa: fala, interlocutores, propósito de uso e o contexto discursivo.

Não se pode, assim, interpretar os fatos linguísticos esquecendo o contexto ao qual eles

pertençam, o que valida a postura de complementaridade entre a forma e a função. Com vistas

a isso, Nichols (1984, apud VIDAL, 2009) reforça que o uso da língua é efetivado na

articulação desses elementos, os participantes do ato da fala, os seus propósitos comunicativos

e o contexto que dá forma ao discurso.

Enfatiza-se, nesses termos, que o funcionalismo é definido neste trabalho como a linha

teórica que subsidia os aspectos fluidos relacionados aos usos. Vistos aqui pelo ângulo da

multifuncionalidade do E, haja vista, suas descrições atribuírem relevância à análise de

procedimentos e questões relacionadas com as atividades de linguagem que se processam na

interação.

A inspiração dessa vertente está na base norte-americana, cujos representantes

principais são Givón, Hopper, Thompson, Chafe, entre outros, que exploram a linguística com

foco na relação discurso/uso e gramática, consideração essa que permite observar a língua no

âmbito do contexto linguístico e da situação extralinguística.

Assim sendo, a abordagem funcionalista tem como eixo central a apreciação das

condições de produção, que buscam respaldar-se nos reflexos do funcionamento efetivo da

língua. Esse contexto culmina numa diversidade de práticas de linguagem tão plural quanto o

ambiente que alicerça esse processo, o ambiente social. Isso implica uma concepção de língua

como um fenômeno heterogêneo, desautorizando-a como um sistema autônomo, estável e

externo ao falante, preceitos esses que qualificam a imanência da língua típica da abordagem

formal.

A base teórica dos estudos norte-americanos do funcionalismo apresenta uma visão de

língua que se preocupa mais com as funções que exerce na interação verbal do que com as

características internas da língua. Assim, a gramática com perspectiva funcional difere das

gramáticas formais, pois não pretende classificar ou categorizar a língua, mas explicá-la com

base na situação comunicativa.

A efervescência dos estudos que se agregam à corrente linguística do funcionalismo,

nessa perspectiva de estudo, vem contribuir positivamente para o processo de ensino-

aprendizagem, haja vista que objetiva expandir as reflexões sobre as habilidades necessárias

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para a constituição de textos (orais e escritos) de gêneros variados, enquanto recursos que

refletem usos da língua. Nesse sentido, tem uma preocupação em contribuir com o ensino de

língua materna como forma de proporcionar um retorno social às pesquisas de orientação

funcionalista.

O funcionalismo linguístico norte-americano, nessa perspectiva contemporânea,

propõe analisar o uso regular da língua mediante estratégias discursivas e aos seus propósitos

comunicativos. A língua, nesse sentido, se direciona evidentemente a intrínseca à

possibilidade de plena participação social.

A partir de seu uso, dá-se o processo de comunicação, e é por intermédio da

linguagem que se tem acesso à informação, que se expressam e defende pontos de vista, que

se partilha e constrói visões de mundo, que se produz cultura, fazendo a mediação das

atividades dialógicas e representando o conjunto dessas, disponíveis no funcionamento da

linguagem e na comunicação de uma sociedade.

É de suma relevância observar que, para o funcionalismo, o conceito de comunicação

não se reduz à codificação e à transmissão de informação, mas abrange todos os aspectos

envolvidos no evento de fala. Por isso, o objeto de estudo do funcionalista é a língua em uso,

o que notabiliza um vínculo com a competência comunicativa e não apenas com a

competência linguística em si.

Nesse sentido, é ao considerar o nível discursivo e cognitivo, bem como o plano da

pragmática, que consegue traduzir aspectos manifestos no plano comunicativo da linguagem.

Percebe-se a íntima relação dessas demonstrações, de cunho funcionalista, como tendência

para o ensino. Ao mesmo tempo, sabemos que, para essas condições serem levadas para o

ensino, as formações de professores precisam entender a linguagem em sua complexidade, ou

seja, o professor precisa de um apoio teórico-metodológico para respaldar sua prática

pedagógica, cuja concepção de linguagem compreenda que:

A linguagem é um instrumento de comunicação social pela qual o indivíduo

exterioriza o pensamento como também mantém a intercomunicação, de forma

ativa, com vista a produzir no outro algum efeito de sentido dentro de um

contexto social, cultural e histórico numa situação específica de produção. [...]. (FURTADO DA CUNHA; SILVA, 2007, p. 80).

Tal compreensão nomeia a língua como prospecto de significados e sentidos capaz de

motivar variações e mudanças no sistema linguístico e, a ser tópico de reflexões que levam a

pensá-la numa dinâmica cadeia de atividades comunicativas. Tendo em vista a abordagem

funcionalista conceber a linguagem como instrumento de interação social, seu interesse de

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investigação linguística se volta para além de sua estrutura gramatical, pois busca no contato

discursivo a motivação para o uso da língua.

Procura, desse modo, explicar as regularidades observadas nas relações de interação a

partir de suas situações de uso dos interlocutores presentes nos diversos contextos sociais.

Expressa um modelo de análise, segundo o qual “a língua desempenha funções externas ao

sistema linguístico em si, as funções externas influenciam a organização interna do sistema

linguístico” (FURTADO DA CUNHA, 2009, p. 158). A língua, consequentemente, é descrita

“como instrumento de uma prática social, sendo as expressões linguísticas analisadas em

circunstâncias efetivas de interação verbal”. (PEZATTI, 2007 p.179).

Conforme esses estudos, as formas linguísticas assumem funções decorrentes do

processo sócio-comunicativo, suscetíveis de mudanças e variações linguísticas.

Nessa concepção, a forma se alia a um significado que se relaciona com o uso

conforme as necessidades discursivas dos falantes e a mercê de um contexto para a

concretização dos propósitos intencionais destes falantes. Em outros termos, o falante não

desenvolve arbitrariamente o uso da língua. Para tanto, não constrói sequências novas de sons

a cada propósito comunicativo, mas apresenta uma forte tendência a aproveitar material já

existente na língua, ampliando o sentido de palavras na relação com seu contexto de uso. Caso

contrário, um processo linguístico baseado em determinações puramente arbitrárias seria

difícil para os interlocutores compreenderem que recursos utilizar para se fazerem

compreendidos.

Os pressupostos funcionalistas, conforme os postulados em sua vertente norte-

americana, revelam uma associação intensa entre conhecimento, experiência de mundo e

modo de organização das formas linguísticas, no sentido de que o conjunto de vivências de

uma comunidade contribui para construção dos padrões gramaticais ou estruturais da língua.

O que permite a língua receber os influxos dos costumes histórico-sociais das diversas

comunidades linguísticas, resultando em expressões consequentes dos usos comunicativos.

Na regularização do uso, outros aspectos se integram a esse âmbito como as

motivações, tanto de natureza discursiva como de natureza cognitiva, referentes aos processos

mentais envolvidos no uso linguístico e que são expedidos da interação. Assim, a relação

entre cognição e linguagem é evidente, e o funcionalismo não se isenta de incluí-la, pois há

vínculos cognitivos na constituição de itens linguísticos estruturais.

Tendo em vista a investigação da língua, com ênfase na função comunicativa,

devemos sempre frisar a importância do discurso e das relações contextuais, no sentido de que

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há na língua uma competição entre motivações internas e externas, evidenciando-a como um

sistema adaptável (DU BOIS, 1985).

Isso porque é, ao mesmo tempo, um sistema parcialmente autônomo e parcialmente

apto a sofrer as pressões externas (adaptável), daí o autor usar a denominação “transparente”

ou “sincrônica” acreditando na hipótese de que as ocorrências sintáticas são resultados dos

objetivos do falante. É adaptável pelo fato de absorver coações externas ao sistema, e diz

sistema porque há regularidade das categorias gramaticalizadas, sendo que, mesmo

cristalizadas, estão sujeitas ao movimento de retorno e às modificações decorrentes do uso

(discursivização), dando continuidade de existência, e isso enfraquece a distinção rigorosa

entre sincronia e diacronia.

Admitir que haja motivações externas à língua corresponde a pensar que há alguma

relação de similaridade entre forma e conteúdo e que a sintaxe e a gramática não são

autônomas. Para tanto, há de se considerar que os padrões estruturais não devem coordenar os

usos, mas, pelo contrário, os usos devem orientar esses padrões.

Vidal (2009), fundamentada em Langacker (1998), ajuíza que na relação entre

cognição e linguagem, a linguística cognitiva tem muito a colaborar quanto à explicação dos

aspectos da linguagem humana. Nesse sentido, a autora discute sobre três pontos

fundamentais da linguística cognitiva que embasam a referida relação, que são: a não

autonomia dos fatores linguísticos na linguagem, a gramática enquanto conceitualização e o

conhecimento da língua como reflexo do uso. Estes dão aporte à relação interativa da qual

procede ao entrelaçamento entre linguagem e cognição, e, as análises dessa natureza

linguística “partem de processos reais de comunicação linguística ancorados nos conceitos de

conceptualização, categorização, processos mentais, interação e experiência individual, social

e cultural.” (VIDAL, 2009 p.49).

Nesse passo, ainda esclarece que, no campo da linguagem, as funções semiológica e

interativa podem ser compreendidas de modo complementar para pleitear uma noção de

estrutura linguística que compreende elementos como percepção, atenção e categorização.

Isso porque a primeira função é comprometida com a simbolização dos pensamentos por

intermédio dos sons, gestos ou escrita, e a segunda, como “os aspectos que dizem respeito à

comunicação, expessividade, manipulação e comunhão social”. (VIDAL, 2009 p. 46).

Pensar a linguagem por esse viés alude à agregação de proponentes como

pensamento e experiência, que vão somar-se ao ambiente sociocultural e lançar significações

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diversas na legitimação de significados que se estabelecem nas relações homem, sociedade e

conhecimento.

Essa agregação possibilita ações vitais como “a captação de dados da experiência,

sua compreensão e seu armazenamento na memória, além da capacidade de organização,

acesso, conexão, utilização e transmissão adaptada a esses dados”. (VIDAL 2009 p. 47). Essa

postura consiste no encadeamento do conhecimento linguístico com o conhecimento de

mundo.

Nessa linha de pensamento, os processos mentais possibilitam a produção de

significações, assinalando que a linguagem não é um processo automático da mente, ou como

diz Neves (1997, p. 3), inspirada em Givón (1995), que nesse mesmo domínio articula que

tais interpretações não podem ser pronunciadas “sem referência a parâmetros como cognição

e comunicação, processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação,

aquisição e evolução.”

Isso vem ressaltar a não arbitrariedade e invariabilidade desse sistema “pronto”, mas

endossá-lo como provisório, o que incita mudanças, dada a criatividade e a capacidade do

homem em inovar. São inovações decorridas do discurso, este faz ponte com as referências

cognitivas do mundo.

Os fundamentos da corrente funcionalista da linguagem são relevantes para explicar

as atividades de constituição de texto, sendo que isso não invalida o ensino de gramática de

ênfase morfossintática, pelo contrário, amplia e exige outro olhar a partir das regularidades do

discurso que entram na gramática compondo os textos no âmbito discursivo. Assim, o

funcionalismo defende uma gramática do texto.

A importância do discurso e das relações contextuais ganha relevo nesse campo, pois

se reconhece que a comunicação não acontece emissão de frases isoladas, mas através de

enunciados que situam discursos e organizam-se em estruturas compatíveis com o

processamento cotidiano das atividades realizadas pelos participantes de uma sociedade,

sejam formais ou informais, sejam orais ou escritas, que são os gêneros textuais (POSSENTI,

2009).

Constata-se com isso que as estruturas sintáticas que compõem cada gênero textual

estão condicionadas a uma série de fatores, desde a análise gramatical à modalidade da língua.

E elas devem corresponder ainda ao contexto comunicativo de um gênero, já que este “trata-

se de procedimentos utilizados pelos informantes que representam os modos de organização

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da informação e as rotinas retóricas disponíveis na língua peculiares a cada estrutura

discursiva e propósito comunicativo” (OLIVEIRA; COELHO, 2003 p. 114).

Nesse sentido, o uso da língua é constituído por uma significação, que busca a

coexistência de um interlocutor real, no trato das dimensões orais e escritas, e faz uso de

instrumentos que possibilitam o funcionamento e uso da linguagem, tais como a análise

linguística e a produção textual, tomando por base a noção de texto e gênero textual. Nesse

sentido: “[...] a codificação linguística pode ser trabalhada em diversos níveis: (1) gêneros

textuais, (2) modalidade (fala e escrita) e estratificação social (uso padrão e não padrão)”.

(OLIVEIRA; CEZARIO, 2007 p. 102).

Por essa concepção as sentenças dão vida aos enunciados, que podem ser analisados e

entendidos levando em conta as motivações discursivas, isto é, a estrutura sintática é

visualizada como resultante de componentes do discursivo.

1.2 Concepção de gramática: aspectos linguístico-discursivos e cognitivos na confluência

dos usos

A gramática na ótica funcionalista tem paradigmas diferenciados da gramática

tradicional, que nos termos de Furtado da Cunha e Tavares (2007, p.14), se remete: “[...] ao

conjunto de conceitos e categorias derivados dos estudos gramaticais de tradução greco-latina

que, há alguns séculos, geração após geração, vem sendo transmitidos nas escolas de modo

degenerado, fragmentário, dogmático, prescritivo e irrefletido”.

Por outro lado, a concepção defendida por Neves (1997) de uma gramática de uso,

busca na essência, averiguar como se processa a comunicação em uma determinada língua, ou

seja, é encaminhada pela competência comunicativa. Para tanto, não se desvincula da noção

de sistema, no qual as funções exercem relações de integração entre os constituintes

gramaticais.

De modo geral, “a gramática de uma língua, para a linguística funcionalista norte-

americana, é concebida como um conjunto de regularidades que são convencionalizadas pelo

uso concreto nas diferentes situações discursivas.” (MARTINS, p. 29, 2009)

Desse modo, observa-se a relação entre estrutura e função como algo versátil,

refletindo o caráter dinâmico da língua. Considera o contexto global do discurso, e é do

interior dele que procura correlacionar forma e sentido.

Nos ditos Neves (1997 p.15):

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por gramática funcional entende-se, em geral, uma teoria da organização

gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria global

da integração social. Trata-se de uma teoria que assenta que as relações entre as unidades e as funções das unidades tem prioridade sobre seus limites e sua

posição, e que entende a gramática como acessível às pressões de uso.

Assim, a principal tarefa de uma gramática nesses termos, conforme ressalta

Beaugrande (1993, cap. III apud NEVES, 1997 p. 3) “é fazer correlações ricas entre forma e

significado dentro do contexto global do discurso”. Harmoniza desse modo, na linguagem um

caráter funcional e dinâmico, porque o sistema linguístico é preenchido pelas suas funções,

situando a língua, numa relação de instabilidade e flexibilidade entre a forma e a função,

estabelecendo um potencial ativo e empreendedor de motivações que atuam no constante

desenvolvimento da linguagem.

As orientações do aparato teórico de cunho funcionalista encaminham, como ponto

axial, a dimensão dos usos da língua, com o intuito de refletir e analisar a língua como

elemento presente nas práticas sociais e suas particularidades, a fim de apontar as

possibilidades de seu uso no cotidiano de seus falantes.Visto assim, os discursos aferidos por

meio da língua não se constituem apenas por conhecimentos linguísticos, mas também como

embasamento do desenvolvimento cognitivo do usuário.

Adicionar essas considerações na concepção de gramática significa trazer para essa

instância elementos essenciais à sua natureza, como as relações entre forma e significado.

Para tanto, é necessário reconhecer que essa caracterização perpassa por uma visão de língua

como propriedade da interação verbal.

De modo geral, a intenção do falante é fazer com que o destinatário modifique ou

acrescente novas informações à proposição inicial. Com isso, reações cognitivas são

acionadas e a produção de significados é mobilizada, passando a transitar entre o

processamento comunicativo (informação) e cognitivo (modificar a informação).

Na verdade, a descrição da estrutura de um sistema não seria suficiente para comportar

simultaneamente o som e o significado das expressões linguísticas, sendo necessário, diz

Neves (1997, p. 23), acrescentar nessa descrição referência ao falante, ao ouvinte e contornos

das suas atuações e intenções situadas no contexto sociocultural.

Por parte do destinatário, ao captar a informação, sua interpretação é basicamente

pautada nela que agrega as informações já existentes, tendo o destinatário liberdade para

reconstruí-las, ou produzir outras não previstas, uma vez que o ato comunicativo de interação

é movediço e maleável. No processo de interpretação, sua função é conceber as construções

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linguísticas advindas das informações pragmáticas, além de compreender a intenção

comunicativa do falante.

Neves (1997) sublinha que a gramática de caráter funcionalista exerce atribuições

motivadas de ordem pragmático-discursiva, ou seja, por fatores externos ao sistema, entre o

ato efetivo de ocorrência da língua (fala/uso) e a estrutura que assume (gramática). “Nesse

sentido, os funcionalistas sustentam que a situação comunicativa motiva, explica, determina a

estrutura gramatical, o que implica considerar que as construções gramaticais são moldadas

por motivações de ordem semântica e pragmática.” (MARTINS, p. 29, 2009)

Contudo, é válido frisar que as construções linguísticas que são evocadas no uso, não

passam de imediato a fazer parte do sistema gramatical. Para isso, passam por um contínuo de

mudanças linguísticas, como diz Bolinger (1975, apud MARTELOTTA, 2003), precisam ser

percebidas, apreciadas para serem adotadas e, mesmo assim, ainda não se estabilizam, isto é,

“as mudanças de uma língua devem ser compreendidas como movimentos que se iniciam no

instante que um indivíduo produz seu discurso [...].” (MARTELOTTA, 2003 p. 71).

Estão em conformidade também com o pressuposto formulado por Givón (1979), que

chama de ciclo funcional, esses estágios que circundam o contínuo de mudanças, por ele

elencados nessa ordem: discurso > sintaxe > morfologia > morfofonologia > zero1.

Já Hopper (1991, apud OLIVEIRA; VOTRE, 2009) adota outra terminologia para

categorizar os estágios de mudança linguística que é a persistência (manutenção de traços da

forma fonte) e divergência (perda de marcas semântico-sintáticas em relação à forma fonte),

ambas são mediadas pelo processo de metáforas.

Uma tese mais radical quanto à concepção de gramática é a proposta de Hopper (1987)

que defende sua constituição com referência excepcional no plano discursivo, tese também

aceita por Bolinger em 1977 e Dubois em 1985, nesse sentido, “a gramática é entendida como

instância marcada pela maleabilidade e instabilidade, as classes são fluidas, de contornos

poucos precisos, com destaque para os fenômenos de derivação de sentido e de mudança

categorial.” (OLIVEIRA; VOTRE, 2009 p. 99).

A concepção de gramática que Paul Hopper defendeu em 1987, e retomou em 1998, a

que ele chamou de “gramática emergente” tem como propósito central contestar o pressuposto

1 No estágio final (zero) de uma construção linguística há redução na sua estrutura (perda sintática e morfológica), há perda

de sentido pleno (perda semântica) e consequentemente perda fonológica, estando assim, com forte índice para retornar ao discurso, ser recriada, ou até esquecida. A esse estágio dá-se o nome de discursivização conceituado por Oliveira e Votre (2009) como “o processo de mudança que leva determinados elementos linguísticos a serem usados para organizar o discurso, quando suas restrições de linearidade se perdem em função da improvisação típica da fala, ou para preencher o vazio comunicativo causado por essa perda.” Para ilustrar, vemos um exemplo simples: Não é verdade?> Não é? > Né não?>Né?

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de que as línguas são ajustadas por estruturas organizadas em regras sistemáticas, previamente

disponíveis e anteriores ao processo de aquisição e desenvolvimento de uma língua. Na

essência, Hopper recusa a ideia de língua como um sistema abstrato, fixo, sustentado por um

conjunto fechado de regras, que deixe a descoberto ocorrências desviantes.

Essa concepção é fundamentada pelos usos discursivos, além de desempenhar uma

formação cognitiva norteada pelas experiências que cada sujeito falante opera nas suas ações

discursivas. Dessa maneira, um falante, ao exercer a atividade de falar, aciona mecanismos

cognitivos que não se postulam como estruturas fixas, mas como experiências materializadas

em construções de uso por interlocutores, submetidas às subjetividades do contexto interativo.

Assim, a função comunicativa ofusca a noção de estrutura, o que fundamenta a tese de

gramática orientada pela atividade verbal.

No Brasil, estudos como os desenvolvidos no grupo Discurso e Gramática (D&G) têm

a pretensão de contribuir para a formulação de uma gramática do uso. Tal pretensão se

expande e se avança na tentativa de demonstrar apontamentos metodológicos que visam

contemplar também as práticas pedagógicas do ensino de língua materna. Nesse intento,

investigam-se os padrões de uso mais correntes nos textos (orais e escritos) para identificar as

construções que estão sendo mais requisitadas na fala e também na escrita dos usuários.

Como declaram Furtado da Cunha e Tavares (2007, p. 17), o objetivo é colaborar

mesmo com um trabalho que possa chegar as salas de aulas da Educação Básica, tendo como

bússola a ideia de que os aspectos gramaticais da língua são fenômenos emergentes e

variáveis dada a sua vinculação com o discurso.

Sendo assim, os aspectos linguísticos se adaptam às necessidades de comunicação dos

falantes e as gramáticas refletem essas adaptações, ou seja, a forma da língua deve ser

compatível com a função que desempenha. A codificação das estruturas morfológicas e

sintáticas, continuam as autoras, se edificam tendo como alicerce e coluna o parâmetro das

estratégias discursivo-pragmáticas. “Em outras palavras, há um forte vínculo entre discurso e

gramática, de tal modo que a morfossintaxe tem sua origem no discurso.” (FURTADO DA

CUNHA; TAVARES, 2007 p. 34).

Nessa perspectiva, Oliveira e Votre (2009) observam que os conceitos de discurso e

gramática norteiam as pesquisas funcionalistas de vertente americana, reconhecendo a

importância de conceituá-los para melhor esclarecer os direcionamentos das pesquisas dessa

área, assim conceituam que:

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[o discurso] passa a se referir as estratégias criativas dos usuários na

organização de sua produção linguística, aos modos individuais com que

cada membro da comunidade elabora suas formas de expressão verbal. Por outro lado, o termo gramática é concebido como conjunto das regularidades

linguísticas, como modo ritualizado ou comunitário do uso; se ao discurso

cabe a liberdade e a autonomia da expressão, à gramática compete a

sistematização e regularização.[grifo acrescentado]. (OLIVEIRA e VOTRE, 2009, p. 99).

É nessa intensa relação, entre discurso e gramática, que se visualizam as forças em

competição na língua, por um lado, uma que dá acesso às novas construções e aos novos usos

e, por outro, uma que limita e regula o sistema. Tem-se em vista, portanto, o entendimento de

que a gramática dá corpo ao discurso e o discurso influencia o corpo gramatical e de que os

processos comunicativos e cognitivos motivam a constituição das estruturas gramaticais.

Isso se justifica pelo fato de o falante organizar e efetuar as situações comunicativas

com base no que está em sua mente que já é influenciada pelos fatos realizados na esfera do

contexto de interação. Infere-se, assim, que a gramática deve ser estruturada a partir do uso

com a expectativa de atender à realidade experiencial dos usuários da língua.

Esse viés se complementa com o pressuposto da integração dos componentes

linguísticos, cuja ênfase se volta para o modo pragmático sob a alegação de que a partir das

regularidades nele observadas é possível sistematizar, mesmo que provisoriamente, a

gramática do uso, além de encaminhar mecanismos de seleção, organização e atualização dos

padrões incorporados na gramática.

Por esse encaminhamento, resgata-se do uso aspectos inerentes à situação

comunicativa como as intenções e o perfil do usuário, a condição social, o grau de

informatividade e uma gama de aspectos histórico-sociais que conduz o uso da língua como

suporte a analisa textos de situações do contexto comunicativo, sendo a gramática

funcionalista a base que acolhes essa compreensão.

À respeito da visão integrada dos componentes linguísticos, Neves (1997) faz

referência ao pensamento de Givón (1984). Givón reconhece a necessária relevância de se

esclarecer, de forma mais explícita, sistemática e abrangente, a congregação desses

componentes, tendo em vista que a gramática não é um depósito que armazena os domínios

funcionais da língua, como se fossem caixotes e cada um compartimentado isoladamente,

pudesse comportar traços desses domínios. Ele compara a gramática com um organismo que

subdivide sua estrutura interna em subsistemas inter-relacionados para exercer suas funções

de modo organizado e obedecendo a um nível hierárquico.

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Do ponto de vista hierárquico, a sintaxe é responsável por codificar os sistemas

funcionais: a semântica (proposicional) e a pragmática (discursiva). Sucede que uma estrutura

codificada deve ser submetida à função semântica e pragmática simultaneamente, do

contrário, não é possível haver comunicação. Em outras palavras, a interdependência entre os

componentes é premente, pois o ato efetivo da comunicação está pragmaticamente situado e

se vale de arranjos sintáticos para ganhar sentido. Enfim, resume-se que não se admite nesse

paradigma a existência de uma sintaxe autônoma.

Essa abordagem enfatiza a presença do discurso e suas múltiplas facetas para tornar os

enunciados presumíveis de análises e reflexões coerentes com os eventos que fazem jus a

comunicação. E, para reforçar esse pensamento, é importante reproduzir o que Du Bois

(1993) assegura quando discorre que “as relações entre discurso, ou uso, e gramática assim se

equacionam: [...] ‘a gramática é feita à imagem do discurso’; mas: ‘o discurso nunca é

observado sem a roupagem da gramática’” (NEVES 1997, p. 29).

A tênue linha divisória entre estes componentes, do sintático e semântico com o

pragmático, demonstra a convicta intimidade fronteiriça entre discurso e gramática.

Por extensão, se apresenta a relação entre gramática e cognição, que acontece face às

relações de experiências humanas. Nesse sentido, uma teoria da gramática deve aliar

categorias linguísticas e categorias cognitivas, dando condições a um sistema icônico e não

arbitrário, o que implica uma base conceptual para a gramática cujas bases buscam referências

em categorias da Linguística Cognitiva.

O programa de investigação da Linguística Cognitiva tem preocupações com as

relações entre a linguagem humana, a mente e as experiências sócio-físicas dos falantes.

Dentre os defensores dessa concepção estão Lakoff, Johnson e Langacker. Nesses, constam

elaborações teóricas justificando que as construções gramaticais agregam, na sua forma,

aspectos cognitivos da significação.

Nesse raciocínio, as categorias linguísticas circundam em um eixo em que pode ter um

centro categorial e categorias periféricas, estas se sentem pressionadas por esse centro e por

uma forma gravitacional (natural) e servem como fluxo para a formação de novos centros,

embora com menos força expressiva no seu teor sintático-semântico, mas com dinamicidade

pragmática, porque passa a assimilar com mais intensidade aspectos oriundos das relações

interpessoais.

Nesse cenário, as motivações gramaticais, tais como as que alteram os padrões de

ordenação e da funcionalidade de determinados constituintes gramaticais no discurso,

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submetem o sistema à fluidez. As construções linguísticas podem se mover de uma categoria

para outra, pois a situação comunicativa se responsabiliza de situar a forma com uma

significação apropriada, tornando a forma adaptável e capaz de ser remoldada porque ela se

direciona a atender aos propósitos das situações de uso. Fato que revitaliza a gramática como

procedimento necessário para organizar as esferas linguísticas do uso do discurso.

Segundo Martelotta (2009), essa concepção de gramática traz em seu bojo dois tipos

de habilidades que norteiam as atividades verbais: a natureza sociointerativa e a natureza

cognitiva e funcional. A primeira possibilita o compartilhamento de informações no contexto

social, no qual não é necessário verbalizar todas as formas linguísticas de uma situação de

comunicação, porque os interlocutores são capazes de compreender, nos enunciados,

elementos subjetivos, como intenções que se relacionam com o contexto de ocorrência dos

atos enunciativos.

Já a segunda integra-se à anterior e responde pelo modo como a informação é

processada na mente. Implica a capacidade que o homem tem de analisar, interpretar os fatos

e relacioná-los com o seu modo de expressar o discurso.

Há, então, a transferência de dados de um domínio para outro, ou seja, manifestam-se

no discurso (elemento linguístico) as experiências sensório-motoras (aspectos cognitivos)

através da metáfora espaço>discurso>texto.

Essa perspectiva é nomeada como cognitivo-funcional tendo em vista que o

funcionamento da língua aborda aspectos definidos por teorias sociais, interacionistas e

cognitivas. Os que se pautam nesse âmbito devem associá-la “a um fenômeno mais geral

segundo o qual a experiência humana mais básica, que se estabelece a partir do corpo, fornece

as bases de nossos sistemas conceptuais.” (MARTELOTTA, 2009 p. 65).

Mediante esse enfoque, faz-se necessário ampliar esse viés possibilitado pela

Linguística Cognitiva, cujas referências fazem menção ao movimento gerativista. Esse

debatia a linguagem tendo como princípios básicos o inatismo e a autonomia do

conhecimento, em que o cérebro, nessa concepção, tem ação depositária e a estrutura

gramatical é decorrente do princípio inatista. Sendo assim, ela é organizada em módulos

independentes, chamado de princípio da modularidade, que embasa a soberania da sintaxe,

visto que, cada módulo responde separadamente por partes específicas do conhecimento.

Essa compreensão colaborou para o entendimento de como a mente humana interage

com o mundo, além de explicar como os elementos que atravessam essa interação se

constituem. A ideia base do movimento gerativista é a busca por aspectos linguísticos

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universais e, para tal, considera o interlocutor como algo idealizado, como membro de uma

comunidade linguística ideal. Por conta disso, não reconhece os eventos sociais e o modo

interativo de conceber a linguagem, como também, o uso corrente da língua.

Os pressupostos gerativistas foram questionados por linguistas como George Lakoff e

Charles Filmore, que incorporam o componente semântico na análise da língua,

desmobilizando a autonomia sintática posta pelos gerativistas.

Conforme o posicionamento visto em Martelotta (2009, p. 178-9), a crítica mais

ferrenha ao gerativismo não é quanto ao inatismo, porque realmente os seres humanos nascem

com aptidões inatas que os estimulam a aprender, de modo que não se pode distinguir

rigidamente entre o que é inato e o que é aprendido. A crítica se volta para o fato de essas

habilidades serem específicas da linguagem.

É sabido que a mente não constrói a linguagem de maneira assistemática, pois na

articulação entre linguagem, pensamento e experiência há a subsistência de conhecimentos

linguísticos e não linguísticos. Devido a isso é que as estruturas linguísticas se materializam

socialmente e não corporificam apenas o funcionamento da mente dos indivíduos, mas os

rituais de procedência cultural também.

Foram esses postulados que deram margem à ampliação das escolas linguísticas, com

novas ramificações, esta denominada de sociocognitiva. Sua importância focaliza na

linguagem a recorrência de atributos cognitivos e sociointeracionais adotados nas atividades

dos sujeitos ao cumprirem os papéis sociais da rotina da vida diária.

Essas propriedades são mais visíveis com a consideração da noção de contexto, cujo

relevo se mostra nos expressos de significação de arranjo múltiplo e dinâmico, fracassando o

plano das significações prontas, que nessa visão estão sempre em construção. Mas como se

comunicar no fundamento da instabilidade?

É possível porque há um sistema regulador de significações que se monta no processo

de categorização da realidade e simultaneamente se desmonta pelo complexo de inferências

contextuais advindas dessa mesma realidade. Essa espécie de conflito que se instala no

sistema é devido à realidade se modificar a cada instante, procedendo assim a incidência de

pontos de vistas plurais. Sobrevém disso que os significados e o fluxo de sentidos não são

elementos de exclusividade da mente, eles se integram a outros domínios, ou seja, como

“resultado de uma atividade conjunta – associada a operações de projeção e transferência

entre domínios.” (MARTELOTTA, 2009 p. 180).

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À mercê dessa abordagem, a estrutura gramatical não pode ser destituída de

significado, mas compactua com a visão integrada dos componentes da linguagem, da qual a

compreensão mais acolhida é a de um contínuo representacional que direciona a estrutura

conceptual para atender os fins comunicativos.

Martelotta (2009) destaca que um ponto relevante na Linguística Cognitiva é o caráter

interacional da construção do significado, atuando como um divisor de águas no campo da

linguagem, isso porque o gerativismo exclui da língua os fenômenos reais e comunicativos.

Com a mudança de foco, os usuários da língua são agentes na construção do significado e

levam em conta a compreensão dos dados da experiência. Vem a calhar assim, com uma

concepção de gramática que vai muito além das regras e da competência linguística. Para os

cognitivistas,

[...] a gramática de uma língua constitui um conjunto de princípios

dinâmicos, os quais, nas palavras do linguista Ronald Langacker, se

associam a rotinas cognitivas que são moldadas, mantidas e modificadas pelo uso. Mais do que isso, para os cognitivistas, a comunicação é uma

atividade compartilhada, ou seja, implica uma série de movimentos feitos em

conjunto pelos interlocutores em direção à compreensão mútua. Isso quer

dizer que a significação é negociada pelos interlocutores em situações contextuais específica, o que torna possível que os elementos linguísticos se

adaptem às diferentes intenções comunicativas, apresentando flutuações de

sentido [...]. (MARTELOTTA, 2009 p. 181).

Portanto, na abordagem funcionalista encontra-se respaldo para dizer que, a língua

basicamente tem funções cognitivas e sociais. O desempenho dessas exerce papel central na

produção das estruturas e dos sistemas que compõem a gramática de uma língua. Por essas

estruturas não serem fechadas, representam continuadas regularidades que dão aparência de

estabilidade.

O funcionalismo, portanto, foca suas pesquisas no esclarecimento das relações entre

forma e função, explicando aquelas funções que exercem influência direta na estrutura

gramatical. Ficam perceptíveis as inter-relações entre os aspectos funcionais com os

cognitivos que atuam na estrutura linguística com esse caráter descrito.

O reconhecimento de que a gramática não postula apenas estruturas arbitrárias é uma

das consequências desse modo de refletir sobre a língua que leva em consideração a tese de

que a gramática das línguas naturais é um conjunto de escolhas realizadas pelo falante, para

isso, veicula estratégias dos domínios discursivos e cognitivos a partir das estruturas.

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1.3 Categorias analíticas do funcionalismo linguístico norte-americano

Sabendo os eixos que sustentam a base teórica do funcionalismo que são a integração

da sintaxe com a semântica e pragmática, a função comunicativa como veículo de interação e

a relação da linguagem com a cognição é que se abordam alguns aspectos dessa teoria. Eles

são apontados como definidores da gramática de uso.

A iconicidade está relacionada ao aspecto das propriedades cognitivas do falante, que

prevê uma motivação na relação entre a estrutura da língua (forma) e a estrutura da

experiência e sua produção de sentidos (função), determinada pela ação interacional do

homem ao fazer uso dos termos linguísticos.

É consenso na Linguística Funcional que a estrutura da língua reflete a estrutura da

experiência (FURTADO DA CUNHA; COSTA e CEZARIO, 2003) haja vista a linguagem

ser uma propriedade humana, daí se supõe que as formas da língua revelam as características

dos conceitos estabelecidos socialmente pelo homem por efeito do funcionamento da mente.

Contudo, há também a consciência de que não se conhecem, de forma sistematizada, todos os

itens que estão sob o interferência de fatores motivadores.

Nem sempre há uma correlação entre a forma e função, e isso se explica da seguinte

forma: “A representação sintática dos princípios icônicos não é absoluta, mas é uma questão

que ocorre de modo gradual. Na maioria das construções gramaticais, os princípios icônicos

misturam-se com princípios mais arbitrários2.” (GIVÓN, 2001 p. 34).

Dessa maneira, a codificação morfossintática resulta das reiterações dos usos da língua

e, por essa via, pressupõe a maleabilidade linguística, uma vez que recebe as influências do

contexto de uso e, por isso, se torna menos arbitrário do que se supõe.

Conforme Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003, p 31): “Há contextos

comunicativos em que a codificação morfossintática é opaca em sua função. [...] Assim,

encontramos correlação entre uma forma e várias funções, ou entre uma função e várias

formas.” Os autores mostram como exemplo do primeiro caso o sufixo inho, que

originalmente indica tamanho diminutivo (criancinha), mas pode marcar afetividade

(paizinho), pejoratividade (gentinha) ou ainda valor superlativo (devagrinho).

O vínculo entre forma e função reflete conotações que não mais se relacionam apenas

com esse binômio, mas com outros aspectos como contexto comunicativo, intenções e

subjetividades do interlocutor, uso da língua relacionado a um propósito comunicativo.

2 Tradução livre.

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Votre (1997) descreve três etapas que se sucedem no emparelhamento entre forma e

função (significado): a primeira marca os indícios de ocorrência e uma progressiva

consolidação. Segundo ele, essa fase está associada principalmente à indefinição da forma

devido às hesitações do uso, causando um leve efeito de variação, com mais de um

significado para uma mesma forma, ou seja, há um deslizamento semântico. A segunda etapa

apresenta uma aparente estabilização, momento possível de explicar as regularidades porque a

relação entre forma e função caminha para a gramaticalização. A terceira marca o momento

de desgaste, a relação entre forma e função fica abalada, de sorte que a forma adquire uma

progressiva liberdade, em termos de restrições de ocorrência, e o significado adquire uma

progressiva liberdade, em termos de opacidade e esvaziamento semântico.

De acordo com o autor, é na segunda etapa, da aparente estabilidade, que ocorre o grau

máximo de iconicidade na relação entre forma e significado. Como esse processo é contínuo,

a iconicidade se perde e se enfraquece com o movimento ocasionado pelo uso.

Esse movimento é chamado por Givón (1979) de ciclo funcional, que representa

diacronicamente desde a regularização do uso até a fase de retorno ao discurso e ainda

enfatizado por Furtado da Cunha; Costa e Cezario (2003), que o resumem em

Discuso>Gramática>Discurso.

Esses estágios da língua reforçam a defesa de que as estruturas a serem envolvidas

nesses movimentos cíclicos abrigam pressões icônicas.

Embora só atualmente os estudos na área vieram ter maior clareza desse

funcionamento, a iconicidade é motivo de interesse da linguagem desde longa data no que

concerne ao aspecto isomórfico, contudo, foi retomada e reformulada no contexto da

Linguística Funcional norte-america, sendo estudado por um viés mais brando que o

subdividiu em três subprincípios3, que são:

a) subprincípio de quantidade, em que as dimensões quantitativas da informação tem

correspondência no tamanho da forma, ou seja, um texto maior deve conter mais informações

do que um texto menor, já que quanto maior a informação, maior a forma linguística, e,

quanto mais previsível e mais importante a informação, maior será o material de codificação

na forma. Quanto a sua base cognitiva, postula que essa quantidade de informação está

relacionada às questões como nível de atenção e esforço mental, visto que há uma forte

tendência da complexidade do pensamento incidir na complexidade da expressão.

3 Os termos que nominam esses subprincípios variam de autor para autor, porém mantêm a mesma essência semântica. Aqui se adotou os termos encontrados em Furtado da Cunha, et al. (2003), no entanto, contempla as descrições de diversos autores.

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Nas palavras derivadas, por exemplo, quando na relação com suas primitivas

apresentam mais informações semântico-pragmáticas, repercutindo na forma a ampliação do

seu campo conceitual, como no exemplo: BELO > BELEZA > EMBELEZAR >

EMBELEZAMENTO. (FURTADO DA CUNHA, 2009).

b) subprincípio da integração, quanto mais elevada à proximidade, maior a ligação

morfossintática, assim, o que está mentalmente próximo coloca-se sintaticamente próximo, a

contiguidade linguística tende a refletir uma proximidade no plano conceitual. A base

cognitiva desse subprincípio destina que ao ativar um conceito outros relacionados também

são ativados.

Um exemplo dessa natureza se expressa no grau de integração de um verbo da oração

principal em relação ao verbo da principal:

a) Maria ordenou: fique aqui.

b) Maria fez a filha ficar ali.

c) A filha não queria ficar ali.

Na primeira oração temos dois eventos separados, os verbos se referem a sujeitos

diferentes. Na segunda oração não há um elemento bem evidente que separe sintaticamente as

duas orações e o sujeito da segunda é objeto da primeira. Na terceira oração a fusão semântica

e sintática é ainda maior e o sujeito do segundo verbo aparece apagado. (FURTADO DA

CUNHA, 2009).

c) subprincípio da ordenação linear, há uma organização espaço-temporal dos

constituintes embasados nas experiências cognitivas em que a informação mais importante e

de maior aceitabilidade tende a ocupar sintaticamente a primeira posição do enunciado,

revelando o grau de importância de seus constituintes para o falante e que a distribuição das

formas nos enunciados corresponde à sequência lógica dos acontecimentos dos fatos. Nesse

sentido, a base cognitiva se relaciona com a exigência de mais atenção no fluxo discursivo

quando da ocorrência da informação mais importante e imprevisível.

No exemplo “Vim, vi, venci” a ordenação das palavras corresponde à sequência

cronológica das ações descritas.

Esses aspectos colaboram com novas perspectivas quanto aos estudos sobre a

organização morfossintática da língua. Isso porque a sintaxe evidencia aspectos semânticos,

pragmáticos e discursivos que orientam a produção de textos e exerce uma fundamental

relevância no trabalho de interpretação realizado pelo leitor.

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Nesse intuito, uma teoria gramatical deve dar conta das relações entre categorias

linguísticas e categorias cognitivas, considerando-se uma relação icônica entre os sistemas.

Essa motivação pode ser percebida nas representações conceptivas, no léxico principalmente,

e também em toda a gramática de uma língua. (NEVES, 1997).

Mesmo reconhecendo na iconicidade a ocorrência de uma relação não-arbitrária entre

código e mensagem, Givón (2001) admite que tal conceito não deve ser acatado

categoricamente, posto que pode-se constatar a existência de uma relação não-biunívoca

entre forma e função. Sendo assim, é mais razoável analisar a iconicidade como uma

abordagem da língua que considera a perspectiva de um continuum, que prevê a existência de

estruturas motivadas sob diferentes graus.

Outro aspecto é o princípio da informatividade, que atua em todos os níveis de

interlocução na realização do ato e eventos, sendo estes mediados pela linguagem, que não é

expressa sem um fim específico. Tendo em vista as pessoas se relacionarem por meio de

informações, todos os contatos (fáticos ou prolongados) visam atingir objetivos no processo

de interação. Esses objetivos podem estar relacionados ao mundo interior ou exterior dos

interlocutores ou ainda se relacionar com a pretensão de exercer influência ou dominação

sobre eles.

De modo geral, esse princípio representa o conhecimento que os interlocutores

compartilham (ou imaginam que compartilham) nas suas atividades interlocutivas. Ele se

aplica ao status informacional que os referentes nominais trazem no texto, podendo ser

classificados como dado, novo, disponível e inferível (FURTADO DA CUNHA, 2009).

Quando um referente já estiver sido expresso no texto ou na fala ele é um referente

dado ou velho. Nas situações textuais, ele pode aparecer, por exemplo, como sujeito explícito.

Já quando um referente é introduzido pela primeira vez no discurso, ele é tido como novo.

Porém, se esse referente já estiver na mente do ouvinte, disponível no seu universo cultural e

espacial, e, por ser um referente único num contexto específico, ele é chamado disponível.

A partir das formulações semânticas, o grau de conhecimento compartilhado, como

peça de um modelo discursivo, tem sido abordado na linguística funcional a partir da noção

de tema (informação velha) e rema (informação nova). Nas situações enunciativas, o tema

representa o sujeito e o rema o predicado ou parte dele.

Veja nos exemplos: O que trouxe, desta vez, o carteiro?

Desta vez, o carteiro trouxe uma encomenda.

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Há também uma preocupação em abordar a codificação dos referentes no discurso,

pois evidencia a ordem que as formas linguísticas assumem no enunciado, além de evidenciar

que as relações de ordem semântico-pragmática são relevantes para a forma como um

referente é apresentado no discurso (FURTADO DA CUNHA, COSTA e CEZARIO, 2003)

O princípio da marcação é tratado na relação de pares marcado/não marcado em que

um exige a presença e o outro a ausência de constituintes. Tem origem no desenvolvimento

dos estudos da Escola de Praga e apresenta três critérios que distinguem entre um constituinte

marcado e um não marcado: complexidade gramatical, devido à estrutura marcada ser maior

do que a não marcada; distribuição de frequência, a estrutura marcada tende a ser menos

frequente no uso do que sua correspondente; complexidade cognitiva, a estrutura marcada

exige mais dificuldade cognitiva do que a não marcada, pois há um esforço mental maior,

sendo necessário mais tempo e atenção para o seu processamento.

Furtado da Cunha, Costa & Cezario (2003) apresentam o pensamento de Givón, em

que ele admite que o contexto é um elemento que interfere no princípio de marcação, pois

uma mesma estrutura pode ser marcada num contexto e em outro ser não marcada. Sendo

assim, pode ser explicado com base em fatores comunicativos, socioculturais e cognitivos.

Como exemplo, é citado à tendência do uso do agente como sujeito e tópico da oração

transitiva, que representa a não marcação e, possivelmente, isso ocorra por questões culturais

de falar mais sobre seres humanos do que de seres inanimados.

Observemos o par: Eu uso esta roupa / esta roupa eu uso.O segundo exemplo é mais

marcado, porque segue a ordem indireta, menos comum na língua portuguesa e o primeiro

exemplo é menos marcado porque está na ordem direta (SVO).

Ainda nesse pensamento, o autor compreende que marcação não é uma categoria

apenas linguística, já que se estende para outros campos como o discursivo na distinção entre

o discurso formal e informal (conversação), sendo o primeiro o mais marcado em relação à

conversação, que é cognitivamente menos complexa por incluir no seu âmbito assuntos

visivelmente comuns e perceptíveis entre usuários da língua.

Quanto ao plano discursivo também é de grande relevância e está subjacente à

estrutura do texto, a qual é dividida em partes centrais e partes periféricas e, para assinalar

essa particularidade do plano discursivo do texto, a transitividade é uma marca fundamental,

vez que as partes com alta transitividade se referem às partes centrais do texto, chamadas de

figura e as que apresentam baixa transitividade referem-se às partes periféricas do texto,

sendo chamadas de fundo.

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Vale ressaltar que os planos discursivos se aplicam consideravelmente a textos

narrativos. Contudo, Marttelota (2009) analisa o plano discursivo observando quais

sequências tipológicas são centrais e quais são periféricas em gêneros textuais, como

descrições de local e relato de opinião.

Nesse sentido, a transitividade é estudada a partir de uma escala, elaborada por Hopper

e Thompson (cf. FURTADO DA CUNHA, COSTA & CEZARIO, 2003), que focaliza

diferentes níveis de transferência da ação de um agente para um paciente. Para isso, leva em

conta elementos como dinamicidade do verbo, agentividade e afetamento do objeto. Hopper e

Thompson ainda associam a transitividade a uma função discursivo/comunicativa, pois o

modo como o falante organiza seu texto reflete, de certo modo, um menor ou um maior grau

de transitividade, conforme seja a intenção do falante.

Para melhor visualização dessa proposta, em que todo o enunciado tem caráter de

transitividade e não apenas o verbo, vamos reproduzir um exemplo e sua análise que se

encontra em Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003, p. 37-38) que foi retirado de uma

narrativa que reconta o filme Batman:

Batman derrubou o Pinguim com um saco.

A mulher gato não gostava do Batman.

Esse rio tem uma forte correnteza.

Então o Pinguim chegou na festa.

Se analisadas pela gramática tradicional, os três primeiros enunciados são transitivos,

já que o complemento do verbo é um objeto. Contudo, na proposta funcionalista de Hopper

Thompson, o primeiro exemplo é o que ocupa lugar mais alto na escala de transitividade,

porque atende à todos os nove traços da escala de transitividade. O segundo lugar seria do

quarto exemplo, porque atende a sete traços, sendo que na análise da gramática tradicional

seria intransitivo. E o segundo e o terceiro exemplo atendem apenas quatro e três traços

respectivamente, por isso, teriam menor grau de transitividade.

Figura e fundo não mais são tratados como termos antagônicos, mas como um

continuum, fato que faz sentido se é um aspecto tratado na coexistência com a transitividade

que é um fenômeno escalar (conforme Hopper e Thompson) é presumível também que as

análises que envolvem figura e fundo se apoiem nessa mesma perspectiva.

Essa distinção baseia-se numa visão prototípica que ocorre com textos narrativos a

partir de elementos típicos da transitividade, sendo que figura seria uma ocorrência marcada e

fundo uma ocorrência não marcada.

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Para melhor compreensão desses elementos num texto observemos o quadro abaixo:

Fonte: Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003, p. 40)

O texto que está no quadro acima mostra a oposição de tempo, aspecto e

dinamicidade: os verbos que estão em figura (perdeu e colocou) são punctuais no tempo

pretérito perfeito e os que estão em fundo apresentam comentários avaliativos e descritivos do

narrador que servem para contextualizar o evento narrado.

Outro elemento fundamental para a teoria funcionalista é o processo de

gramaticalização ocorre quando uma forma lexical que seja frequentemente utilizada em

contextos comunicativos particulares pode vir, no curso do tempo, a receber uma função

gramatical e, uma vez integrada à gramática, pode ser estendida para funções ainda mais

gramaticais. Essa condição de língua dinâmica e flexível respalda uma concepção de

gramática em que seu organismo estrutural se adapta às necessidades comunicativas e

cognitivas dos usuários da língua, demonstrando uma relativa instabilidade desse organismo

estrutural.

Como reflexo dessa visão, a gramática deixa de transparecer um ideário purista e passa

se relacionar com as variações e mudanças linguísticas, o que sugere a língua como um

contínuo de mudanças em consequência da evolução sócio-histórica e cultural, trazendo para

o mundo linguístico novas expressões e arranjos vocabulares. Nesses termos, a gramática está

sempre em formação e a estrutura linguística é relativamente instável. Âmbito pelo qual

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Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003, p. 49) sinalizam que “a gramaticalização e a

dicursivivização são fenômenos associados aos processos de regularização do uso da língua”.

Diante de uma análise sincrônica, a gramaticalização é a mudança de um item lexical

para um item gramatical, ocorrendo um movimento no sistema mais especificamente

vinculado à morfologia e à morfossintaxe, contudo, o aspecto discursivo-pragmático vem

sendo o fator mais relevante para melhor compreender a estrutura da língua no geral e o

desenvolvimento de estruturas sintáticas e relações gramaticais particulares que procedem do

discurso.

De modo geral, os autores anteriormente citados, demonstraram que o processo de

gramaticalização pode incluir um modelo mais pragmático de comunicação. Fenômeno que

dá margem a esses estudos não apenas como uma reanálise de um item lexical de cunho

gramatical, mas também como uma reavaliação do padrão de funções discursivas interferindo

no padrão da gramática. Esses mesmos autores também dizem que o processo de

gramaticalização privilegia;

A trajetória dos elementos linguísticos do léxico à gramática (ex.: verbo pleno

> verbo auxiliar);

A trajetória de categorias menos gramaticais para categorias mais gramaticais,

como o de categorias invariáveis para categorias flexionais (ex.: menos >

menas). (FURTADO DA CUNHA, COSTA e CEZARIO, 2003 p. 51).

Também citam o trabalho de Maria Aparecida Silva (2000) em que o verbo ir

acumulam as funções de verbo pleno e auxiliar:

... quando ele vai atrás ele vê apenas um gato... ele pega o gato... entra no carro

e vai embora... (corpus D&G/Natal,p. 308).

bem, a minha opinião sobre o namoro é que está muito avançado, porque esses

rapazes de hoje não pensam do amanhã que vai ser (corpus D&G/Natal,p.

363). (FURTADO DA CUNHA, COSTA e CEZARIO, 2003 p. 51).

Já quando a gramaticalização é contemplada pela perspectiva diacrônica, deve ser

avaliada num processo ininterrupto que se movimenta entre as relações sintáticas e suas

funções no uso, envolvendo correlações, ao longo do tempo, entre mudanças semânticas,

morfossintáticas e até fonológicas, todas inferidas pelas necessidades advindas dos propósitos

comunicativos procedentes do contexto social.

As mudanças linguísticas revelam tanto as informações acerca de sua fonte, como

também sobre os estágios ao longo de seu percurso de desenvolvimento, ocasionando

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múltiplos usos de uma mesma forma, sendo que sincronicamente, esses usos podem ser

entendidos como estágios de possíveis percursos de gramaticalização.

No entanto, Tavares (2006) defende uma nova linhagem para a análise da

gramaticalização. Segundo ela, adotar o parâmetro sincrônico ou diacrônico para pautar esse

processo nos textos, de um único período de tempo, é um trabalho dificultoso e que não dá

conta de mapeá-lo, pois marcas gramaticais em desusos podem aparecer em textos de outro

período, por isso, ela sugere a análise pancrônica para abranger os vestígios do passado e do

presente que resultam numa forma atual do uso, já que a gramaticalização é tida “como um

processo sempre em andamento, o que impossibilita o recorte estático de períodos de tempo –

eles possuem fronteiras indistintas, não podendo ser caracterizados como fatias discretas e

isoladas.” (TAVARES, 2006 p. 248).

Em suma, a gramaticalização é entendida como parte do estudo linguístico que

descreve mudanças ocorridas a partir de um processo gradual de pragmatização do

significado, envolvendo estratégias de cunho inferencial, que acrescentam informação

pragmática, e estratégias metafóricas, que resultam na abstratização.

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2 SIGNIFICADO E GÊNERO NAS TIRAS EM QUADRINHOS

Nesse capítulo, relatamos acerca de uma das teses da teoria do gênero que é a

abordagem discursiva de Bakhtin, a qual se funda na interação verbal e nas práticas

dialógicas, que tomam como referência a noção espaço-temporal.

Para tanto, iniciamos expondo os principais vértices dessa abordagem, em seguida

sobre as acepções de língua, linguagem e de texto, empreendidas nessa ótica. Tratamos ainda

sobre a significação como um fenômeno inerente ao gênero discursivo, visto que reflete a

língua em funcionamento, por isso transfere a ele suas relações contextuais e os propósitos

comunicativos eminentes dessa natureza. Por fim, discorremos sobre algumas peculiaridades

dos gêneros em quadrinhos, dentre eles a tira em quadrinhos, cuja característica básica se

resume como uma narrativa em quadros geralmente com desfecho inesperado.

2.1 Considerações gerais sobre os gêneros discursivos: aspectos da teoria bakhtiniana

Os sujeitos históricos, no âmbito de suas interações verbais, se tornam enunciadores

que recorrem a um conjunto de realizações de natureza discursiva, contudo, seleciona os

elementos dessas realizações conforme as intencionalidades da esfera de atuação marcada

pela unidade espaço-temporal, o que permite observar os eventos com uma certa concretude.

Daí os gêneros discursivos alcançarem uma vasta variedade e estarem sempre aptos às

transformações, mas sempre guiados por uma conjuntura relacionada às experiências

humanas.

Vê-se, então, que os gêneros discursivos, enquanto manifestação cultural, precisam ser

compreendidos nas relações de espaço-tempo, e atuam, dessa forma, como registros das

conquistas históricas das civilizações e das significativas ações humanas permeadas no espaço

social. Assim, na cultura há marca de temporalidade que se evidencia na representação

estética e na percepção do uso real da língua.

A dinâmica histórica e cultural da linguagem vai além das limitações do sistema da

língua e chega a refletir as mudanças provenientes dos círculos de vivência dos seres

humanos. Nesse sistema de instabilidade, os gêneros discursivos agem como rede de

transmissão que emitem os fatos sociais para o uso da língua, ajuizando assim, a capacidade

de inovação, recriação e, portanto de pluralidade.

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A partir dessa referência, o conceito de originalidade na linguagem perde sua essência,

impossibilitando uma inovação estética autêntica. Mas por outro olhar, essa caracterização

linguística é quem propicia à renovação e expansão, uma vez que:

O objeto do discurso de um locutor, seja ele qual for, não é objeto do

discurso pela primeira vez neste enunciado, e este locutor não é o primeiro a falar dele. O objeto, por assim dizer, já foi falado, controvertido, esclarecido

e julgado de diversas maneiras, é o lugar onde se cruzam, se encontram e se

separam diferentes pontos de vistas, visões de mundo, tendências. Um

locutor não é um Adão bíblico, perante os objetos virgens, ainda não designados, os quais é o primeiro a nomear. (BAKHTIN, 2000 p. 319).

Atualmente, os gêneros mais difundidos são os midiáticos devido ao princípio de

massificação das mídias eletrônico-digitais. E essa efervescência é resultado das

determinações culturais encaminhadas a partir das esferas discursivas dessas mídias, tornando

os gêneros suscetíveis à transitoriedade entre as fronteiras da informação, veiculada por esses

meios, e o conhecimento por eles difundidos.

Nessa perspectiva, os gêneros atuam como mediadores da informação e do

conhecimento, seja divulgando os feitos científicos, seja notificando os acontecimentos do

cotidiano, seja instigando o processo de investigação que resultam em conhecimento, enfim,

atuando de modo geral como materialização das interações.

Esse panorama inspira uma concepção de linguagem mais ampla, pois mesmo Bakhtin

tendo o gênero romance como ponto fundamental de sua teoria, ele deu sustentáculo à

sistematização do discurso cotidiano, contribuindo para a face enunciativa do discurso que se

processa na “interação verbal, realizada através da enunciação ou enunciações. A interação

verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.” [grifos do autor] (BAKHTIN,

2004 p. 123).

Nesse enfoque contemporâneo, Machado (2008), reforçando o pensamento

bakhtiniano, considera os gêneros discursivos como dialógicos e como lugar de pertinência

dos signos e dos códigos culturais, ou seja, por meio deles estão registradas as marcas

temporais e os adventos culturais das representações e interações humanas. Nesse sentido, ela

esclarece dois pontos de vista para os gêneros discursivos:

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[...] Do ponto de vista antogenético, os gêneros discursivos são realizações

das interações produzidas na esfera da comunicação verbal; do ponto de

vista filogenético, é possível acompanhar a expansão para outras esferas da comunicação realizada graças a dinâmica de outros códigos culturais que se

constituem, em relação a palavra, um ponto de vista extraposto. Nesse

sentido, as esferas de uso da linguagem podem ser dialogicamente

configuradas em função do sistema de signos que as realizam. [grifos acrescentados]. (MACHADO, 2008 p. 165).

Obviamente a riqueza de signos atualmente é mais abundante do que no momento

histórico vivido por Bakhtin, daí se justificar esse ponto de vista extraposto como um

processo natural do universo científico em que o conhecimento não adormece, antes se renova

e revive com outras perspectivas.

A difusão da teoria dialógica se estende para uma dimensão de magnitude tamanha

que, hoje, para compreendermos os sistemas de signos de nossa sociedade é imprescindível

pensar a linguagem pelo esboço delineado pelo filosófico russo. Como a sociedade atual tem

uma organização diferente da do período marxista rompido por ele, há a impressão de que os

conceitos bakhtinianos escapam de seu sistema teórico, mas há de se convir que esse sistema

se funda numa circularidade entre relatividade e determinação, não podendo ser visto por

ângulos fechados, por isso, há um ambiente suscetível ao “extraposto”, ponto de vista que

embasa o sistema linguístico contemporâneo. E é sob esse prisma que a noção de texto é

cogitada.

Nessa perspectiva, a noção de texto aparece como signo da relatividade de um campo

com diferentes ângulos, pois representa atos, elementos e relações culturais muito diversas.

Conforme Machado (2007, p. 198) a noção de texto em Bakhtin nasce mediante a

“necessidade de se entender uma manifestação constituída pela diversidade de linguagens, ou

seja, uma manifestação dialógica.”

Noção pela qual, segundo a autora, só pode ser considerada do ponto de vista da

extraposição, porque Bakhtin não teoriza de forma sistematizada sobre uma teoria do texto,

mas suas formulações revelam subsídios para a compreensão dos espaços textuais, sendo

subtraídas de sua concepção de linguagem como sistema dialógico de signos.

Um dos principais aspectos que endossa essa abordagem são as reflexões em torno da

composição textual, que comporta uma combinação de uma diversidade de formas, em que o

enunciado é a unidade que organiza as formas linguísticas, pois essas são capazes de produzir

o discurso-língua nas circunstâncias de interação linguístico-social.

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Essa conjuntura corresponde à constituição do gênero, que se compreendido como

“formas de acabamento de um todo, o texto só pode ser resultado do que se constrói num

todo.” (MACHADO, 2007 p. 200), pois é um fenômeno de pluralidade.

Para Bakhtin, todo texto pressupõe uma língua-discurso, assim sendo, o texto é um

signo que se processa no cruzamento de sujeitos discursivos, uma vez que mobiliza

significados concebidos no evento comunicativo, cujas formas são determinadas pelos

gêneros discursivos.

2.2 A significação nos gêneros discursivos e as possibilidades de sentidos

Os gêneros discursivos, por serem instrumentos de ações sociais, culturais e históricas,

estão sujeitos a enormes probabilidades de leituras. Essas revelam significações esperadas ou

inesperadas, pois participam de organismos linguísticos vivos, interativos que tendem a

conotações versáteis.

Essa concepção é resultante da problemática sobre linguagem no contexto

contemporâneo, que adotou conceitos e metodologias sob a ótica da multiplicidade dos usos e

mobilização da língua. E Brait (1997) quando faz um estudo aprofundado de algumas obras

bakhtinianas, consegue assim, ter uma ideia mais ampla. Diante disso, sublinha que a

concepção de linguagem e das formas como sentido e significação se difundem, nesse

conjunto, possibilitando trazer a reflexão de linguagem por ocasião de seu funcionamento,

que se emoldura mediante os diferentes materiais ideológicos e discursivos.

A fonte do significado para Bakhtin está no contexto social, se contrapondo à visão

saussuriana para quem o significado está apenas na estrutura da língua. No entanto, no sentido

bakhtiniano, a forma estrutural adquire uma nova significação a cada uso, por isso deve ser

estudada a partir da noção de enunciado e não da forma linguística/estrutural. Só assim terá

condições de adequar as significações às situações de cada contexto.

Na construção desse contexto discursivo, há de se considerar o ponto de vista do

locutor, seus interlocutores e o meio social de ambos para que haja a possibilidade de

compreensão e produção de significados no processo comunicativo, e o vértice que demarca

esses pontos de vista é o fato de a forma linguística ser compreendida como signo flexível e

maleável, visto que “o essencial na tarefa de compreensão não consiste em reconhecer a

forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua

significação numa enunciação particular [grifo acrescentado]. (BAKHTIN, 2004 p. 93).

Paradoxalmente é esse caráter de determinação do ponto de vista que garante a dinamicidade

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da palavra enquanto mecanismo de multiplicidade de significações, índice que faz de uma

palavra uma palavra.

Isso não confere a cada locutor/enunciador significar o que diz autonomamente,

porque suas palavras não são só suas, elas podem ser:

[...] palavra neutra da língua e que não pertence a ninguém; palavra do outro pertencente aos outros e que preenche o eco dos enunciados alheios; e,

finalmente, palavra minha, pois, na medida em que uso essa palavra numa

determinada situação, com uma intenção discursiva, ela já se impregnou de minha expressividade. (BAKHTIM, 2000 p. 313)

A compreensão da palavra depende da utilização dada num determinado contexto, pois

enquanto instância comunicativa, ela está sempre circundada por uma natureza ideológica,

não permitindo a existência de um locutor abstrato, mesmo que se pretenda expressar de

forma impessoal, pois há sempre um horizonte social comum aos participantes da enunciação.

A significação nos estudos bakhtinianos é mais evidente na correlação com o tema

(sentido), sendo definido como sentido da enunciação completa, ou seja, a própria

comunicação e para sua efetivação necessita tanto dos elementos verbais quanto dos não-

verbais. É um fenômeno histórico, concreto e possível de expressividade.

Já a significação é parte do tema, é abstrata e pode ser analisada conforme a

identificação das formas linguísticas com as quais se relaciona, isto é, a significação é o

pretexto para materialização do tema. Embora apresentem características distintas, segundo

Bakhtin, tema e significação são elementos indissociáveis e presentes em todo ato

interacional.

Com base no que relata Cereja (2008), a palavra “significação” já não é empregada

nessa correlação, mas nas discussões linguísticas atuais ela conota o que se chama de

problema de sentido e construção de sentido.

Essa relação entre tema e significação é compreendida como sinalizadora de sentido

do enunciado, visto que o tema se ampara nos sentidos mais instáveis advindos da

significação, permeado com os vínculos dialógicos dos outros enunciados, tendo em vista

que, como defende Brait (1997), o sentido e a significação em Bakhtin perpassam pela

questão do dialogismo.

Ainda de acordo com Cereja (2008, p. 218), essa relação é posta no âmbito da língua e

do discurso, em que “a significação está para o signo linguístico assim como o tema está para

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o signo ideológico; ou, ainda, que a significação está para a língua assim como o tema está

para o discurso e para a enunciação.”

No interior de uma enunciação, há ali uma significação e, no exterior, ficam os

elementos que dão suporte ao tema (sentido), compondo um todo (enunciação). Ao perder

essa ideia de encadeamento enunciativo, perde-se também a significação, que mesmo sendo

parte, só ganha existência no todo. Essa inter-relação é endossada por Bakhtin (2004, p. 131):

“o tema constitui o estágio superior real da capacidade linguística de significar [...] e a

significação é o estágio inferior da capacidade de significar.” [grifos do autor]. Demonstra-

se, assim, que o sentido não existe a não ser pela presença do significado, eles se

complementam.

Conforme essa definição anterior, lembra o autor, a significação aborda duas

perspectivas: a significação contextual, que se refere ao sentido produzido numa enunciação

concreta; e a significação da palavra no sistema da língua, que se refere ao estágio interior,

ou seja, a palavra dicionarizada ou descontextualizada.

Também vincula as questões de significação à compreensão ativa, possibilitando

condições de resposta, tornando a compreensão uma forma de diálogo, como declara:

A significação não está nem na palavra nem na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do

interlocutor e do receptor produzido através do material de um determinado

complexo sonoro. É como uma faísca elétrica que só se produz quando há contato dos dois pólos opostos. [...] Só a corrente comunicativa verbal

fornece à palavra a luz de sua significação. [grifos do autor]. (BAKHTIN,

2004 p. 132).

Reforça-se aqui o que se defende como substância fundamental da língua, a interação

verbal, conduzindo à reflexão de que os fenômenos linguísticos não acontecem desconexos

dos fatos históricos e sociais. Nesse sentido, a significação produzida numa situação real,

ressignifica, porque é corporificada pelo sentido que é sempre provisório.

Tal empreendimento se fundamenta na concepção de língua como elemento mutável e

flexível, em que o locutor e seus interlocutores produzem sentidos a partir de significações

inscritas nas enunciações concretas e dialógicas.

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2.3 Considerações sobre os gêneros em quadrinhos

O texto em quadrinhos tem atualmente marcado forte presença no contexto

pedagógico educacional, haja vista o uso frequente de textos dessa natureza em provas de

vestibular, a menção destes pelos PCN (Parâmetros Curricular Nacional) de Língua

Portuguesa e a distribuição de obras em quadrinhos às escola do Ensino Fundamental (através

do Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE). Atitudes que fazem da linguagem dos

textos em quadrinhos e seus gêneros alvo de interesse dos estudos acadêmicos.

Como se trata de um objeto de estudo relativamente recente no quadro da investigação

linguística, é natural a falta de clareza até mesmo quanto à sua nomenclatura. A tira, por

exemplo, que é objeto de estudo deste trabalho, é atribuída uma série de termos: tira, tira

cômica, tira de quadrinhos, tira em quadrinhos, tirinha, tira de jornal, tira diária e tira

jornalística (RAMOS, 2010). Neste trabalho, a opção foi por “tira em quadrinhos” por sua

forte inter-relação intertextual e estrutural com as histórias em quadrinhos, havendo alguns

autores, inclusive, que a classificam como um subgênero das histórias em quadrinhos

(MENDONÇA, 2010).

Uma questão muito discutida é o fato de se confundirem os textos em quadrinhos com

literatura, talvez pelo fato de terem ganhado maior notabilidade quando clássicos da literatura

foram adaptados para essa linguagem. Na verdade os textos em quadrinhos têm uma

linguagem autônoma e, provavelmente, mais atrativa que a literária. (RAMOS, 2010).

Essa falta de reconhecimento realmente se justifica quando se pensa que os quadrinhos

têm um longo histórico de desprestígio, rotulados como textos de linguagem pejorativa,

afastados do interesse de leitura escolar que, até há duas décadas, ainda privilegiava as

leituras de cunho literário. Daí a linguagem literária ter sido motivo para âncora da linguagem

dos quadrinhos, haja vista seu reconhecimento social. Nesse nexo, literatura e quadrinhos são

domínios com linguagem diferente e cada um acolhe uma gama de gêneros diversos.

Quanto ao tipo textual, os quadrinhos são considerados narrativos e se apropriam de

mecanismos peculiares para representar seus elementos, podendo trazer sequências

características de outro tipo como argumentativas e injuntivas, constituindo assim uma

heterogeneidade tipológica, uma particularidade de todo gênero (MARCUSCHI, 2008).

Quanto à relação fala e escrita, tidas como instâncias de um mesmo sistema. Do ponto

de vista semiótico, são representações bem diferentes, tanto que a escrita não representa a

fala, mas se processam num contínuo. Já do ponto de vista funcionalista, há uma relação de

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interferência, o que implica na presença de marcas pragmáticas, típicas da oralidade,

aparecerem na escrita.

Assim, os gêneros em quadrinhos são concebidos por meio da escrita, mas procuram

representar a fala, principalmente do cotidiano. Daí o uso abundante de recursos linguísticos

como interjeições, reduções vocabulares, onomatopeias, recursos visuais como letras

dobradas e destacadas (negrito, itálico sublinhada, formato maior) que visam dar ênfase a uma

ideia que a escrita convencional não consegue registrar; além de recursos lexicais, como a

escolha vocabular que caracteriza a linguagem dos personagens. Enfim, os quadrinhos tentam

simular a fala, para isso incorpora vários elementos da oralidade e um bom exemplo, além dos

já citados, são os marcadores discursivos.

Quanto à integração da linguagem verbal e não-verbal é uma relação que atua na

operação dos significados. Para tanto, são acionados recursos linguísticos, cognitivos e

interacionais para que o leitor compreenda a leitura dos quadrinhos e, embora pareça haver

um esforço maior do leitor para se relacionar com os sentidos ocasionados pelos significados

produzidos nesse gênero de texto, há por outro lado, uma facilidade. No caso das tiras em

quadrinhos, por ser um texto curto e usar mais de um tipo de linguagem (uma colabora com

os signos da outra), vale salientar, que esses recursos não atuam isoladamente, mas de modo

interativo operando mecanismos que ativam a produção de conhecimento

(leitura/compreensão/interpretação/sentidos).

Segundo o pensamento de Ramos (2010), na leitura dos quadrinhos há um hibridação

de signos verbais escritos e não verbais que “agregam signos de três ordem: icônica

(representação dos seres ou objetos reconhecíveis), plástica (caso da textura e da cor) e de

contorno (a borda ou linha que envolve a imagem; é de particular interesse para análise dos

balões[...])”(p. 56).

Como os textos, no geral, mantêm relações de semelhanças com outros, assim os

quadrinhos dialogam com a literatura, com a linguagem do teatro, do cinema, da caricatura,

da pintura, entre outros.

Os gêneros em quadrinhos, ao se afirmarem com sua linguagem própria e seus demais

recursos específicos, ganham uma certa autonomia como gênero textual. Essa consideração é

vista em Ramos (2010) e em sua obra ele compartilha esse pensamento com Cirne (1970),

Eisner (1989), Acevedo (1990) e Eco (1993). Esse aparato, exposto pelo autor, sugere aos

quadrinhos a sua emancipação enquanto texto com características narrativas, pois reúne seus

principais elementos:

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O espaço da ação é contido no interior de um quadrinho. O tempo da

narrativa avança por meio da comparação entre o quadrinho anterior e o

seguinte ou é condensado em uma única cena. O personagem pode ser visualizado e o que ele fala é lido em balões, que simula o discurso direto.

(RAMOS, 2010 p. 18).

Nem sempre foi assim. Há quem diga que a origem dos quadrinhos deu-se a partir das

pinturas rupestres, tendo em vista que as civilizações antigas se valiam de desenhos para se

comunicar. Ocorre que os gêneros em quadrinhos, tal como se conhece hoje, surgiu em

meados do século XIX, com as histórias de Busch e de Topffer, e somente no fim desse

mesmo século um personagem em quadrinhos se torna reconhecido como herói que foi o

Menino Amarelo (Yellow Kid – a partir de 1895) desenhado por Richard Outcault e publicado

semanalmente no New York World. Esse personagem popularizou a inovação dessa época,

que já era utilizada, por exemplo, na história inglesa Ally Sloper’s Half Holiday de 1886, pois

trazia o texto verbal (a fala do personagem) junto do personagem (como, por exemplo, na

túnica amarela do herói). A partir dessa inovação, foram criados os balões, o ambiente que

traz a linguagem verbal dos textos em quadrinhos. (MENDONÇA, 2010).

Sabemos que numa sociedade com acesso a textos híbridos, não é fácil o

reconhecimento de determinados gêneros devido ao imbricamento dos textos que se cruzam

no contexto sociocultural dando margem a novos gêneros (Bakhtin (2004), além da

diversidade de critérios em torno dessa questão. Quanto aos gêneros em quadrinhos, Ramos

(2010) observou algumas regularidades que os caracterizam:

Diferentes gêneros utilizam a linguagem dos quadrinhos;

Predomina nas histórias em quadrinhos a sequência ou o tipo textual narrativo;

As histórias podem ter personagens fixos ou não;

A narrativa pode ocorrer em um ou mais quadrinhos, conforme o formato do gênero;

Em muitos casos, o rótulo, o formato, o suporte e o veículo de publicação

constituem elementos que agregam informações ao leitor, de modo a orientar a

percepção do gênero em questão;

A tendência nos quadrinhos é a de uso de imagens desenhadas, mas ocorrem casos

de utilização de fotografias para compor as histórias. (RAMOS, 2010 p.19)

Tendo em vista essas características, os gêneros dessa natureza, endossa o autor,

compõem um texto narrativo que apresentam um contexto sociolinguístico interacional.

Assim gêneros como cartum, charge, ilustração, etc. não seriam considerados como gêneros

dos quadrinhos por não construírem uma narrativa. Mas como dito antes, a questão da

definição dos gêneros não é uma tarefa consensual. No caso da afirmação anterior, fica

complicado, porque o cartum, por exemplo, apresenta os elementos básicos de uma narrativa

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como a situação inicial e o desfecho, embora em um só quadro, não ficando explícita a

compreensão enquanto narrativa.

Visualmente, os gêneros em quadrinhos não exigem grande esforço de identificação,

devido aos recursos peculiares, como os quadros, imagens e balões, sendo este último o que

mais identifica os quadrinhos como gêneros específicos. (RAMOS, 2010)

Os quadrinhos constituem um domínio discursivo, conforme proposta de Marcuschi

(2008), já que não abrange um gênero em particular, mas dá origem a vários. Nesse sentido,

seriam gêneros desse domínio as tiras em quadrinhos e as histórias em quadrinhos.

Por essa concepção, o fato de o texto estar delimitado num quadro (termo que dá

origem a esse domínio, quadrinhos) não faz dele necessariamente um gênero desse domínio e

se justifica porque há uma infinidade de textos que podem vir assim configurados, a depender

do suporte, da estrutura textual e do propósito comunicativo. Um anúncio publicitário, uma

receita são exemplos de gêneros que podem se apresentar delimitados num quadro, contudo,

não apresentam outras características, como o tom dialogal, representação de uma cena

narrativa ou traz o uso de balões próprios dos quadrinhos.

Por outro lado, esses mesmos gêneros (anúncio e receita) podem se apresentar no

formato dos quadrinhos, ou seja, um gênero com função de outro. Então, como defini-los?

Marcuschi (2008), por exemplo, cita como critérios, para identificação gêneros, os seguintes:

forma estrutural, propósito comunicativo, conteúdo, meio de transmissão, papéis dos

interlocutores, contexto situacional. Embora atuem em conjunto, aconselha ele, quando

houver conflito na identificação de um gênero, que prevaleça o propósito comunicativo.

Para esses casos, de hibridação ou mescla de gêneros em que um gênero assume

função de outro, o autor utiliza o termo intergenericidade. Ele alerta que esse fenômeno nem

sempre ocorre em situações que seja de fácil distinção. Nos exemplo citados anteriormente os

gêneros prevalecem sendo anúncio e receita, caso a função seja relativa aos propósitos desses

gêneros (divulgação publicitária e instrução para fazer alguma comida). Já nos casos de

gêneros do mesmo domínio, como é o caso das tiras em quadrinhos e das histórias em

quadrinhos, fica mais difícil?

Nessa situação, já não prevalece o propósito comunicativo porque ambos têm intuito

de apresentar uma situação divertida através de uma sequência narrativa e no formato de

quadrinhos A diferença é sutil: as tiras são sintéticas, de formato retangular, fixo, dividido, no

máximo, em quatro quadrinhos. As histórias em quadrinhos ultrapassam esse formato, mas

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em termos de sua narrativa, apresentam basicamente os mesmos elementos de forma

estendida.

Quanto à caracterização específica do gênero tira em quadrinhos, há também

divergências. Ramos (2010), por exemplo, dá como principais características a esse gênero

questões como temática, formato e personagens, que podem ser fixos ou não, que criam uma

narrativa com desfecho inesperado. Para ele, na produção de humor, esse gênero, muitas

vezes, faz uso de estratégias textuais semelhantes às de uma piada, sendo chamado de tiras

cômicas (é a que predomina nos jornais, apresenta sempre um tom de piada). Apesar de ser a

mais difundida, não é o único gênero de tiras em quadrinhos, afirma que há as tiras cômicas

seriadas (com as mesmas características da tira cômica, só que produzida em capítulos) e as

tiras seriadas ou de aventuras (história narrada em partes, um capítulo por dia). Se forem

reunidas em uma coletânea, funciona como história em quadrinhos, mas isoladamente, é um

gênero autônomo com diferentes temáticas que é produzido e lido em capítulos. Embora já

tenha sido muito popular no Brasil, hoje é quase inexistente.

Mendonça (2010) diz que as tiras em quadrinhos são um subtipo das histórias em

quadrinhos, podendo ser sequenciais (em forma de capítulos) ou fechadas (episódio diário).

Estas últimas são divididas em tiras-piadas (fazem uso de estratégias discursivas das piadas

para obter humor, trazendo recursos como a possibilidade de dupla interpretação) e tiras-

episódio (o humor é construído a partir do desenvolvimento de uma temática numa dada

situação, de modo a realçar as características dos personagens)

Mas também há uma tendência, divulgada por Ramos (2010), em definir esse gênero

pela temática das histórias: super-heróis, terror, infantil, detetive, faroeste, ficção científica,

aventura, humor, erótica, literária, jornalísticas. E então surge outra problemática, por que

essa definição seria infinita, pois quantas temáticas não há de existir?

Conforme o que se constata, não é simples confirmar a caracterização dos gêneros em

quadrinhos, tendo em vista também a variedade de enfoques, revelando-se gêneros complexos

como qualquer outro no que diz respeito ao seu funcionamento discursivo. Nessa perspectiva,

Ramos (2010) identifica, pelo menos, três desses enfoques:

O que vê os quadrinhos como um grande rótulo que abriga diferentes gêneros;

O que vincula os gêneros de cunho cômico – charge, cartum, caricatura e tiras [...] –

num rótulo maior, denominado humor gráfico ou caricatura [...];

O que aproxima parte dos gêneros, em especial as charges e as tiras cômicas, da

linguagem jornalística (linha apoiada no fato de serem textos publicados em jornais).

(RAMOS, 2010 p.20-21)

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No caso, a tese que mais interessa nesse trabalho é a do primeiro enfoque, porque o

ponto de vista discursivo aqui expresso não se interessa em observar a linguagem gráfico-

cômica nem a jornalística, mas as codificações que abrigam as relações de significado e sua

produção de sentido expressa no gênero tira em quadrinhos, um dos gêneros que se enquadra

nesse “rótulo” mencionado.

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3 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O ITEM LINGUÍSTICO E

Esse capítulo está direcionado ao exame de estudos acerca do item linguístico E na

perspectiva da multifuncionalidade, por isso abordamos inicialmente como essa questão é

compreendida nesses estudos, cuja relevância está agregada aos valores semântico-

discursivos, havendo, nesse âmbito, flutuação semântica, cujo valor base é aditivo. Em

seguida, tratamos de definir e demonstrar algumas das funções do E e relacionamo-las num

contínuo aditivo, em que esse valor base se amplia, de onde emana a necessidade ser tratado

sob forma de uma gradiência, de mais para menos aditivo. Também relatamos sobre as suas

relações de articulação que se dão no nível do texto. Ainda discorremos sucintamente sobre as

funções discursivas do E que foram selecionadas para posterior análise, com intuito de

apresentar uma sistematização sobre estas funções.

3.1 Valores semântico-discursivos do E

Os elementos que estabelecem qualquer tipo de conexão na língua costumam

desempenhar papel de destaque no profícuo campo da Linguística.

Nas gramáticas tradicionais, o E se apresenta como uma das conjunções mais

prototípicas das orações coordenadas, cujo valor semântico nelas mencionados é puramente

aditivo, apesar de alguns autores apresentarem ressalvas sob forma de observações.

Bechara (2009), por exemplo, observa que “muitas vezes, graças ao significado dos

lexemas envolvidos na adição, o grupo das orações coordenativas permite-nos extrair um

conteúdo suplementar de ‘causa’, ‘consequência’, ‘oposição’, etc.” (op. cit. p. 320). Assume,

desse modo, a relevância dos sentidos contextuais para a mensagem global, mas como sentido

acessório, porque, segundo ele, não modifica a relação gramatical aditiva das unidades

envolvidas, como no exemplo citado: Rico e desonesto. Conforme a percepção dele, há

apenas uma oposição semântica entre os termos conectados.

Ainda é interessante frisar outra observação feita por Bechara (2009 p. 321):

“Algumas vezes o E aparece depois de pausa, introduzindo grupos unitários e orações; são

unidades enfáticas com função textual que extrapolam as relações internas da oração e

constituem unidades textuais de situação.” Ele já permite uma abertura, dando margens para

pressupor funções mais abrangentes, consequentemente seu valor aditivo também se distancia

da concepção tradicional.

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Ex: “E repito: não é meu” [MA.1, 314] (BECHARA, 2009 p. 321)

Mesquita (1999), ao falar das conjunções de modo geral, assume que elas

desempenham relações semânticas entre as orações, e que estabelecem coesão no texto,

facilitando a compreensão do leitor.

As orações coordenadas são consideradas, nas gramáticas tradicionais como “as

orações que têm sentido próprio, que são autônomas, independentes, e pertencentes a um

mesmo período” (CUNHA, 1982). Por outro lado, Mesquita (1999) assume que as

coordenadas podem ocorrer, às vezes, entre períodos de um texto.

Partindo da consideração do elemento E como um elo conectivo entre as orações

sintaticamente independentes (CUNHA, 1982; MESQUITA, 1999; BECHARA, 2009;

ROCHA LIMA, 2007) é sabido, contudo, que essa consideração não tem sustentação quando

no trato da língua em uso. Primeiro, porque o conceito de independência das orações

coordenadas é de fácil questionamento (ABREU, 1997), pois não se estabelece mediante

critérios ou parâmetros. Segundo, porque geralmente os componentes semântico e pragmático

não são levados em conta nas análises tradicionais.

Conforme Abreu (1997), as coordenadas mais prototípicas são as aditivas (o caso do E

em análise), adversativas e as conclusivas, fato consonante com as gramáticas tradicionais.

Ele, porém, alude que, entre os traços marcantes para tal está a manifestação da iconicidade

temporal, assumindo motivações relativas a experiências cognitivas dos eventos versados no

contexto sociocultural e histórico, permeados pelas interações do uso linguístico.

As aditivas estão presentes também na subcategorização de Halliday & Hasan (1976

cf. CAMACHO, 1999). Particularmente o E, apresentam-no como sendo de uso aditivo ou

estrutural e de uso coesivo ou textual com base no escopo da ocorrência da sentença.

A definição nas gramáticas é de que o E é uma conjunção que conecta as orações

coordenadas aditivas, expressando ideia de adição, de soma ou de sequência de ações

(MESQUITA, 1999). Essa definição dá ideia de que o sentido aditivo pode se agregar a

atuações de funções discursivas, como sequenciamento, por exemplo. Essa definição, todavia,

foi a mais abrangente dentre as outras gramáticas consultadas.

A definição semântica básica do E para Neves (1985) é de adição que, segundo ela, se

relaciona com o próprio significado etimológico, já a relação temporal se dá apenas na

estruturação do enunciado. Contudo, analisa que os elementos linguísticos estão envolvidos

em enunciados, os quais não se isentam de análises semânticas e das análises advindas de suas

condições de produção, por isso fazem parte de um terreno fluido, impossibilitando a fixação

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de classes bem definidas. Nesse âmbito, defende não uma classificação, mas uma gradiência

conforme a contextualização dos sentidos básicos obtida pelas análises desses elementos a

partir do nível do texto. Assim, o E na adição do sistema de informação ou de argumentos

passa gradualmente “de uma adição comumente chamada ‘pura e simples’ para a adição

enfática, adição com alternância e adição com contraste.” (NEVES, 1985 p.64).

Desse modo, assim como se sugere um contínuo em vez da dicotomia entre

coordenação e subordinação (ABREU, 1997), já que há casos de difícil distinção, como as

coordenadas explicativas e as subordinadas causais, essa mesma ideia procede para a análise

do elemento em foco. É assumida por Abreu (1997, p. 35) também uma postura que

ultrapassa a relação puramente aditiva, como podemos observar no exemplo a respeito:

Fulano diz que é rico e nunca tem dinheiro no bolso; Fernanda estudou e não passou no

exame; Empreste dinheiro e perca o amigo.

Conforme examina o autor, as orações introduzidas pelo item linguístico E, nas duas

primeiras frases, têm características semânticas de adversativa. Já no terceiro exemplo, tem

características semânticas de condição: se você emprestar dinheiro, perderá o amigo.

Segundo ele, se disser tal como no segundo exemplo, suaviza o tom de crítica ou até

mesmo desaparece, deixando atenuada a enunciação que preserva a face do enunciador. Essa

consideração envolve as intencionalidades do enunciador que imprime as conveniências

interativas pertinentes ao propósito comunicativo.

Nessa mesma perspectiva, Monnerat (2003) trata do valor temporal do E como o

primeiro valor a ampliar o sentido, em termos de associação de ideias e de alargar o contexto.

Nesse sentido, implica a ideia de sucessão, consequentemente de acúmulo que, ao ser

adicionado, pode vir a contradizer, a corrigir o segmento que o precede, acarretando a ideia de

oposição (contraste, adversidade e concessão). Para ilustrar, a autora mostra os seguintes

exemplos: “Procuro e não encontro”; no qual cabe a paráfrase “Procuro mas não encontro”,

em que se tem uma parte afirmando, outra negando, ocasionando o caráter adversativo.

Bechara (2009) compartilha dessa visão. Como já vimos, ele expõe o valor de

oposição e causa-consequência do E, mas não atribui essa interpretação a relação sintática que

as orações mantêm entre si e o grupo oracional, nem ao emprego da conjunção, que “por ser

um mero conector das orações, tem por missão semântica apenas adicionar um conteúdo de

pensamento a outro”, mas essa interpretação adicional advém “da nossa experiência do

mundo”, explicando que é o texto e não a gramática que manifesta sentido adversativo,

dizendo que são unidades textuais que “manifestam funções sintagmáticas no nível do texto.”

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(BECHARA, 2009 p. 476). Nesse caso, ultrapassam o escopo das orações, por isso talvez, não

caiba na definição gramatical que o autor defende.

Camacho (1999), também ao falar sobre assimetria das orações, diz que o E em si não

indica a sucessão temporal e que esse valor semântico é aparentemente devido às convenções

icônicas da ordem dos fatos na narrativa.

Neves (2000) aborda o E como um coordenador e o trata a partir de quatro aspectos:

quanto a natureza da relação, ao modo de construção, ao valor semântico e a sua ordenação.

Quanto ao primeiro aspecto (natureza da relação), relata que o E indica uma relação de

adição entre os segmentos coordenados, sinalizando que esse coordenador possui um caráter

mais neutro do que os outros. Isso se explica quando esse coordenador procede da adição de

segmentos que mantêm entre si uma relação semântica marcada por uma relação de contraste

ou por uma relação de causa-consequência. Monnerat (2003) acredita que é por essa

especificidade do E que ele pode exercer diferentes tipos de conexões. Penhavel (2009)

admite que, por essa caracterização de neutralidade, é possível o uso do E em uma diversidade

de contextos semânticos (temporal, causal, conclusivo, explicativo adversativo, condicional e

final). Já Camacho (1999) refere-se a uma espécie de função coringa que pode indicar

simultaneidade, inclusão temporal, causa, condição, consequência, conclusão.

Quanto ao segundo aspecto (modo de construção), os segmentos coordenados por E

podem ser compostos e construídos de diversas formas. Desse modo, são categorizados por

Neves (2000) em cinco subgrupos: Elemento de composição de uma palavra (palavras

compostas ou dois prefixos que se ligam a uma mesma base lexical; Palavras; Sintagmas;

Orações; Enunciados. Ressalta, ainda que, dentro de um enunciado, outros modos de

construção, coordenados por E, podem ocorrer com os constituintes anteriores compondo uma

organização coordenada hierarquizada (sintagma e sintagma, oração e oração, entre outras

combinações dentro do enunciado).

Quanto ao valor semântico do E, há algumas especificidades que Neves (op. cit.)

analisa segundo a distribuição.

a) Iniciando sintagmas, orações ou enunciados, o E pode indicar:

Adição de unidades do sistema de informação havendo ou não uma relação

de tempo com:

o Efeito de acúmulo: “E são abusados E desbocados E tem apetite de

aproveitadores”. Esse efeito se acentua com a multiplicidade de

segmentos coordenados e especialmente nos polissíndetos;

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o Restrição ao primeiro segmento: nesse caso não há relação temporal. O

acréscimo de informação se apresenta como uma especificação do

primeiro e acontece apenas em um ponto do segmento. Nesse sentido, a

informação acrescentada incide em:

Uma atribuição (predicativo): “Vá com suas filhas Sara, é seu

dever; E vá descansada, que passarei muito bem o domingo,

trabalhando.”

Um modo de evento (adjunto adverbial de modo) que é

focalizado: “_Mas eu não fabrico dinheiro, caramba! Quem

fabrica dinheiro é o governo. E as pampas!”.

Uma localização espacial ou temporal (adjunto adverbial de

lugar) que é focalizado: “O rádio falou do discurso do Getúlio.

Já é batata, agora. E ele vai assinar o decreto aqui.”

Um intensificador (adjunto adverbial de intensidade+parte

intensificada): “Às vezes caminhava até ao cercadinho, voltava

– E tanto mais se movia, quando mais rápida era a volta do seu

desespero, a persistente sensação de que, em torno dele, um

círculo apertava-se”.

Adição de temas:

o Com subsequência temporal: há uma progressão temática que coincide

com o tempo da narrativa. “_Deus lhe acompanhe – dissera-lhe a

mulher no dia da viagem. E o retirante juntou-se à leva.”

o Sem subsequência temporal: encadeia uma alternância de temas. “O pai

ocupava a cabeceira da mesa. E o copeiro de jaqueta engomada vinha

trazendo os pratos.”

b) Por motivações pragmáticas, o E tem empregos que só ocorrem em início de

enunciados (num novo ato de fala e início de turno), o que promove na construção

da coordenada:

Adição de um pedido de informação. O E inicia uma interrogativa (direta ou

indireta) que pode ser:

o Interrogativa geral:

Com pedido de informação sobre a verdade da atribuição de um

predicado a um sujeito:

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“_Teria dormido comigo, se eu pedisse.

_E o senhor nunca pediu?

_Não.

_ E ela era bonita?”

Com pedido de informação sobre um tema (um sintagma

nominal)

“_Isso é imprevisível. Sessenta dias é um tempo aceitável!

_E a alimentação?Ela não quer comer nada, doutor.”

o Interrogativa parcial: com pedido de informação em um ponto do

primeiro segmento:

“_Então já são dois favores.

_Exato.

_E para quê? E por quê?

Adição de uma consideração de um tema que inicia uma interrogativa geral.

o O segundo segmento se restringe ao termo que representa o novo tema

sugerido:

“Distendemo-nos. Sugerimos o caminho.

_E o treino, hem? – disse nosso quíper bem perto de mim.

o O segundo segmento é um enunciado completo:

“_ Como é, Sariruá, E você, Apucaiaca, aposto que estão comendo o

peixe que deviam guardar para quarup. Os índios riram sem entender,

pois Fontoura tinha falado rápido.

(...)

_ E você, Matsume – disse Olavo para a mulher – está fazendo beiju?

Adição de argumentos:

o Em um mesmo sentido de argumentação: o segundo enunciado

coordenado reitera a direção argumentativa.

Explicitação do acréscimo de um segundo argumento ao

primeiro. Uma pausa no final do enunciado marca esse efeito.

“_De raça, a galinha?

_Raça nada. Pêlo duro. Caipirinha da silva.

_E gordinha que tá.

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O segundo enunciado é uma interrogativa retórica (solicita um

argumento) e sua natureza é variável:

Pode ser um enunciado completo: “Humildemente num

homem como aquele?... E não havia, no tom com que

falara, uma oculta armadilha, pronta a disparar se ele

dissesse não?”.

Pode ser o enunciado reduzido a palavra ou expressão

interrogativa: “Animou-se ao vê-la tão bem, chegou a

acreditar ser mesmo possível... E por que não? – pensou

tomando entre as suas mãos descarnadas.

Pode ser o enunciado reduzido à prótase, se for uma

interrogativa hipotética: “_ Meu Deus – disse Fontoura

– só agora é que estou sentindo a coisa... E se

pernoitarem?

o Com a inversão do sentido em que vai a argumentação (o segundo

enunciado tem essa função).

O segundo segmento é um enunciado asseverativo: “_ Padre

Mateus, recebi o senhor em minha casa como auxiliar. E não

como aluno.”

O segundo enunciado é uma interrogativa retórica com função

asseverativa e valor negativo. “Vender peixe pros homens de

linho e camisa esporte. Pras moças bonitas do well, do fine, do

bye-bye, e de outras conversas que ele não entendia mas sorria,

que siá dona era capaz de se zangar se ele não sorrisse: podia

tomar como ofensa. E ele podia pensar em ofender siá dona?

Podia nada.”

Embora a autora só mencione os sentidos aditivos é evidente o estabelecimento de

relações diversas tendendo a valores aditivos mais e menos evidentes. Essa flutuação

semântica extrapola a visão geral do que se tem como conectivo aditivo.

Esses valores aditivos, descritos por Neves (2000), se relacionam com algumas

funções (seção 3.2) pautadas por Camacho (1999) e com as funções descritas por Penhavel

(2009), como as que estão acima no segundo ponto de a) – adição de temas – podem ter

semelhança com a função de sequenciamento, e as que estão em b) – motivações pragmáticas

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– se assemelham com o que o autor (entre outros) chama de introdução de tópico; além do

item Restrição ao primeiro segmento de a) em que o acréscimo de informação se apresenta

como uma especificação do primeiro, apontando semelhanças com a função de focalização,

descrita por Penhavel (2009) e inferidas por Camacho (1999).

Quanto à questão da ordem, de acordo com Neves (2000), as construções com o

coordenador E podem ser: a) simétricas, quando os dois elementos da adição podem permutar

de posição sem que resulte em alteração semântica, assim há margens para que o

locutor/sujeito opte, conforme contextos comunicativos, por qual segmento enunciar primeiro;

e b) assimétricas, quando os elementos da adição se sujeitam em uma ordem necessária como

para marcar uma sequência de eventos. Nesse caso, ficam evidentes as motivações icônicas

para essa relação de adição.

Camacho (1999; 2001) estuda as conjunções simétricas e assimétricas, definindo que

na coordenação simétrica, há uma independência entre os membros da conjunção, de modo

que são disjuntos tanto o que segue como o que precede em qualquer parte da sentença

completa. Por isso, não se adicionam significados um ao outro, mantendo sua integridade. Na

coordenação assimétrica (mudança de ordem – mudança de interpretação), “o conjunto é num

certo sentido maior que a soma das partes.” (op. cit 1999, p. 382). E ocorre, aparentemente,

devido às convenções icônicas da ordem de palavras na narrativa.

A mudança de ordem nas assimétricas pode até ser possível, mas em muitos casos

enseja estranhamento no sentido, quando não implica na ordem de acontecimentos dos fatos

como no exemplo que segue e na sua paráfrase: A polícia subiu o morro e os traficantes

começaram a atirar/ Os traficantes começaram a atirar e a polícia subiu o morro. Assim, a

mudança de ordem pode alterar a sequência real do fato, ferindo sua verossimilhança.

Desse modo, é condicionada a um contexto do contrário, perde parte do significado de

todo o enunciado. Possui elo de encadeamento e dependência entre os membros que precedem

com os que sucedem e são ligados pelas condições de verdade que os relacionam.

Ele ainda defende que a melhor interpretação teórica que decorre da análise das

conjunções aditivas é o da ambigüidade pragmática. Explica que uma palavra ou um sintagma

é ambíguo quando tem dois diferentes valores semânticos.

Na conjunção simétrica, as orações conectadas são afirmadas e nenhuma é

pressuposta, na assimétrica a primeira oração é pressuposta, possibilitando a interpretação da

segunda. A metodologia de estudo dos conectivos aditivos em Camacho (1999) é dividida a

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partir de dois grupos de segmentos: a conjunção de termos (simples, intratermos e múltiplos

termos) e a conjunção de orações (simétricas e assimétricas).

A constituição de um contínuo para o conectivo E pode ser relativa ao propósito

comunicativo que é explicitado nas atividades de produção do discurso (escrito ou oral),

desempenhado pelos interlocutores por ocasião do processamento desse discurso.

Quanto à gradiência de um contínuo, Neves (2010) também observa que o E passa

gradualmente de uma adição neutra (Ele fuma e toma cafezinho) para uma adição enfática

(Garçons que passam com pratos. E pratos de massa suculentas).

Esse fato retoma o que Abreu (1997) colocava sobre a sugestão de se trabalharem os

fatos gramaticais numa perspectiva de contínuo, assim como Neves (1985) cita o termo

gradiência, referindo-se à mesma perspectiva. Isso é possível porque “as categorias

linguísticas e cognitivas não são compartimentos estanques” (ABREU, 1997, p. 20), porque

existem lacunas entre uma categoria linguística prototípica e uma com propriedades

discursivas com estruturas sintaticamente menos organizadas e lineares. O protótipo4 seria o

parâmetro para analisar o grau de semelhanças e distanciamentos e situar um contínuo de

análises.

Penhavel (2009) assegura que o E preserva em seus diversos usos um traço semântico

aditivo. E tal significado aditivo se associa a algum segmento textual, anterior ao segmento de

ocorrência que introduz o enunciado conectado, que é orientado pelos aspectos contextuais.

Esses significados assumem três graus aditivos numa escala progressiva, chegando ao limite

dos significados discursivizados, delineando, assim, uma relação de contínuo aditivo que

segue: adição, continuidade e ênfase. Em cada relação, distribuem-se funções, as quais serão

especificadas no item seguinte.

Baseando-nos no que já foi exposto, acrescentamos nessa escala, proposta por

Penhavel (2009), outro valor que seria a adição neutra, na qual adotamos os termos de Neves

(2000) para sintetizar as demais descrições que admitem o caráter de neutralidade desse item

linguístico, assumindo sentidos de contraste e de causa-consequência por implicações de

ordem icônica, que são relativas ao ordenamento temporal dos fatos. Desse modo, fica assim

constituído o contínuo aditivo: adição, adição neutra, continuidade e ênfase. Sendo que o

primeiro da escala não assumiria funções discursivas, seria o seu valor base ou prototípico; no

4 O termo protótipo é definido em Abreu (1997, p. 20): “elementos prototípicos são aqueles que estatística e probabilisticamente apresentam o maior número das mais importantes propriedades/peculiaridades características da categoria.”

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segundo, o E assume a chamada função coringa, e as duas últimas assumem funções de cunho

discursivo.

3.1.1 As (multi)funções do E e suas relações discursivas

No funcionalismo linguístico norte-americano, por meio da iconicidade, defendem-se

as correlações entre funções e formas. E elas estão em sucessivo movimento de instabilidade

por causa da própria natureza da gramática, que deve ser nesse âmbito, suscetível a mudanças

e respaldada no plano do discurso por ocasião dos usos que lhe são dados cotidianamente nos

mais diversos contextos.

Tendo em vista isso, o estudo das funções da forma linguística E adquire uma

multiplicidade de relações, que constroem-se conforme o contexto de sua atuação no discurso

dos textos (falados ou escritos).

Em geral, na abordagem tradicional, a função do item linguístico E é de ligar ideias

semanticamente semelhantes ou cognitivamente paralelas. Contudo, muitas ressalvas vêm

sendo agregadas a essa ideia, enfatizando a importância desse item para a construção do texto

e para os eventos interativos.

Em Penhavel (2009), temos descritas algumas funções do conectivo E no discurso.

Seu trabalho está fundado na perspectiva de examinar a função dos diferentes usos do E na

construção do discurso. Para tanto, reúne essas funções em dois grupos mais amplos: quando

atuam na coordenação de termos (Coordenação entre posições de termos e no interior de

posições de termos) e de orações (Coordenação de orações sem equivalência funcional,

simétricas e assimétricas) é um coordenador e quando atua na articulação de unidades

discursivas (Focalização, Manutenção/assalto de turno conversacional, Introdução de tópico

discursivo, Distinção de unidades discursivas e Sequenciamento retroativo-propulsor), exerce

a função de marcador discursivo5.

Por interesse desse trabalho, apresentamos algumas definições dadas pelo autor em

foco as quais pertencem ao grupo dos marcadores discursivos, a saber no Quadro seguinte,

para melhor esclarecimento e compreensão com vistas a análises posteriores:

5 Uma definição geral: “Os marcadores discursivos são constituintes linguísticos com a função de delimitar unidades discursivas e estabelecer relações funcionais entre elas, conferindo coesão textual ao discurso, e/ou com a função de orientar o processo de interação verbal, conferindo coesão interacional ao discurso.” (PENHAVEL, 2009).

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Quadro 1 – Funções discursivas – grupo dos Marcadores Discursivos

Fonte: Adaptado de Penhavel (2009)

Em Tavares (2007; 2010 – entre outros trabalhos) encontramos estudos sobre os

conectores sequenciadores (Sequenciamento retroativo-propulsor), dentre eles o E. São

analisados na perspectiva das relações textuais e podem seguir uma ordem discursiva ou uma

ordem temporal, atuando simultaneamente com efeito retroativo e na continuidade do texto.

Camacho (1999) aponta nos resultados de seu trabalho (análise do juntivo E) que a

grande maioria das cláusulas coordenadas analisadas apresenta casos de conjunção

assimétrica (76,0%), indicando a forte atuação da função textual da coordenação com esse

item.

Diante desse forte índice, ele elencou as várias possibilidades de atuação do E em

funções ou subfunções como:

a) A sequenciação que sugere a representação de diferentes fases do evento. Nesse

aspecto, a característica da organização do enunciado é a irreversibilidade da ordem

dos constituintes em eventos narrativos (também eventos não narrativos que

representam uma relação de anterioridade/posterioridade temporal). Os enunciados

subseguem um ao outro de acordo com a sequência temporal do evento. Ex.: cheguei

em casa, vi televisão e depois vim para cá pra pra conversar. (op. cit. p. 382)

Funções discursivas – grupo dos marcadores discursivos

Focalização

O segmento introduzido pelo E representa uma espécie de ruptura no

encadeamento linear do discurso, constituindo uma alteração no padrão

sintático, semântico ou pragmático do encadeamento discursivo. Atua

na função discursiva de informação dada e informação nova.

Introdução de

Tópico

Discursivo

Nesse caso não há explicitamente dois membros conectados por E, ou

seja, o segmento anterior não está necessariamente conectado e assume

a função discursiva de progressão textual.

Sequenciamento

Retroativo-

Propulsor

Tem a função de ligar a nível global em que o segmento introduzido

pelo E se configura como mais uma informação necessária para

construção da informação global. Neste caso liga o que o falante vai

dizer independente do que vai ser dito, constituindo um mecanismo de

coesão que pragmaticamente tem a função de continuidade tópica.

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b) Introdutor de tópico ou subtópico discursivo conduzindo a continuidade e a progressão

do texto. Ex.: ele saiu de lá falando chinês,não é, fala chinês, fala diversas línguas e

tem um prato hindu que fazem na China (op. cit. p. 393)

c) Introdutor de constituinte focal via mecanismos sintáticos usuais, como clivagem,

interrogativa parcial. Exs: os filmes mostraram né?... as incursões do Japão

procurando se defender... e a melhor maneira que ele encontrava para se defender

era atacando. (op. cit. p. 393); Que tenha regido o cinema atualmente em

comparação ao cinema dos anos anteriores e no se/ e no que seria notada essa

diferença? (op. cit. p. 394).

d) Introdutor de comentário, similar a função anterior e muitas vezes pode representar

uma estratégia de modalização avaliativa. Ex.: porque:: esse país:: só pode crescer

globalmente...e seria muito importante para o Brasil que o nordeste crescesse (op.

cit. p. 394).

e) Introdutor de modalização epistêmica, mediante expressões como acho e eu tenho a

impressão. Ex.: eu tenho ido a :: ... televisão fazer uns programas ... ajudar um

pessoal que tem me pedido... e acho que a televisão é completamente diferente do

que a gente assiste (op. cit. p. 395).

f) Introdutor de um constituinte focalizado na oração coordenada mediante clivagem, só

que neste caso, o autor destaca que sua função é basicamente pragmática o que faz se

distanciar muito dos casos em que o E tem o valor básico de aditivo, assim, ele atua

mais como um operador discursivo, pois se apresenta com o mecanismo de retomada

do momento da enunciação. Ex.: ela funciona dando uma interpretação lógico-formal

da lei e é isso que vocês vão aprender (op. cit. p. 395).

Como se vê, tanto algumas gramáticas quanto estudos linguísticos mostram que a

função do E no discurso e nas frases não é tão limitada, podendo assumir funções puramente

sintáticas, funções semânticas e funções discursivo-textuais. Como bem diz Camacho (2003,

s/p) “A conjunção E assume, na linguagem natural, diferentes valores que vão desde a

interpretação funcional-veritativa de um típico operador lógico até uma interpretação textual-

interativa de um típico operador discursivo”. Segundo conclui ele, “a multiplicidade de

valores semânticos é parte constituinte da economia das línguas naturais humanas.”

(CAMACHO, 2001 p. 227).

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Acrescenta ainda que deve-se analisar a contribuição desse juntivo6 para a semântica

da sentença no contexto de um estatuto polifuncional do enunciado, isto é, como um

veiculador de conteúdo, como uma entidade lógica e como o instrumento de um ato de fala.

(CAMACHO, 2001). Cita três possibilidades gerais em que podemos analisar as funções do

item linguístico E, sendo duas mais no nível do discurso (veiculador de conteúdo e

instrumento de um ato de fala) e outra mais no nível gramatical (entidade lógica). Essa

consideração vem culminar com trabalhos mais recentes (por exemplo, TAVARES, 2007;

PENHAVEL, 2009) desenvolvidos pela linha teórica do Funcionalismo linguístico e suas

ramificações afins.

A multifuncionalidade é uma proposta para observarmos os indícios de mudanças dos

itens linguísticos que, no processar dos usos, pode proporcionar uma ampliação de

características discursivas, o que conduz ao entendimento do discurso como parte da

gramática da língua. Esse caráter multifuncional tem se tornado um desafio para as pesquisas

linguísticas, pois há de se considerar uma especificação rigorosa sobre os fenômenos da

língua que analisam a distribuição contextual de constituintes multifuncionais para implicar

uma análise completa de suas propriedades semânticas, pragmáticas e sintáticas.

Feitas essas considerações, este trabalho pretende abordar funções do E que podem

revelar, no nível do texto, um contínuo discursivo com valor básico de adição, porém,

reconhecendo que, nesse nível, as funções se ampliam, sendo, muitas vezes, impossível

reconhecer, de forma categórica, quais são essas funções, pois distanciam-se do seu valor

aditivo base. Essas funções serão explicadas partindo dos estudos citados anteriormente,

alinhando-se à teoria funcionalista da linguagem (versão norte-americana) por meio da visão

multifuncional por ela empreendida.

Para tanto, elegemos algumas funções que foram agrupadas em categorias mais

abrangentes, como item gramatical, que agrupa as funções estudadas pelas gramáticas e

portanto gramaticais, e item linguístico, que engloba as funções que são estudadas no nível

texto/discurso. Para uma melhor visualização, organizamos, no quadro seguinte o contínuo

dessas funções.

6 Termo utilizado por Camacho (1999, 2001 e 2003), provável mente, para abranger todas as funções do E elencadas por ele.

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Quadro 2 - Contínuo aditivo do E e suas funções correspondentes

Coordenação de termos e de orações

(coordenador)

Articulação de unidades discursivas

(marcador discursivo)

ADIÇÃO ADIÇÃO NEUTRA CONTINUAÇÃO ÊNFASE

Ligam enunciados,

seja no nível de

segmentos de termos

ou orações com

equivalência

sintática e semântica.

Relacionam enunciados, seja

no nível de segmentos termos,

orações ou períodos com

ordenação temporal, ou não,

podendo apresentar valor de

contraste e de causa-

consequência.

Relaciona porções

textuais de segmentos

variáveis.

Relaciona porções

textuais de

segmentos variá-

veis, .

.

FUNÇÕES CORRESPONDENTES

Coordenação simé-

trica, acontece a

coordenação propria-

mente dita.

Coordenação assimétrica, há a

flutuação de valores

semânticos: oposição e causa-

consequência, por exemplo.

Sequenciamento re-

troativo-propulsor,

introdução de tópico

discursivo.

Focalização

Fonte: Baseado nos achados de Penhavel (2005; 2009); Camacho (1999;2001); Neves (2000)

Apesar de apresentarmos esse contínuo, não vamos nos deter por completo, pois a

intenção é analisar apenas as funções ditas dicursivo-textuais que atuam principalmente na

articulação (sequenciamento, progressão e coesão) dos textos, incluídas no grupo dos

marcadores discursivos.

Quanto ao termo marcador discursivo, a literatura aponta que, por um lado, se

encontra envolvido numa série de abordagens, por outro, se delega a ele todo item que foge de

atuação padrão.

3.1.2 Breve sistematização das funções discursivas do E

Para uma demonstração de maior esclarecimento apresentamos aqui uma sucinta

discussão, de natureza predominantemente teórico-metodológica, referente ao quadro de

definições das devidas funções (Focalização, Introdução de tópico discursivo e

Sequenciamento retroativo-propulsor) elencadas para análise posterior.

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Nesse sentido, trazemos o pensamento de Gonçalves (1998, p. 32) a respeito da função

de focalizador, que esclarece, com muita nitidez, a respeito quando diz: “entendo por

focalização o ato de focalizar, ou seja, de acentuar, de ressaltar, de por em

relevo/realce/evidência um determinado item do texto.” Compreendendo-o como um

fenômeno de caráter discursivo-pragmático, já que o usuário da língua, para fazer jus a um

propósito comunicativo, pode evidenciar uma porção do enunciado que considere relevante

para tal intento. Esse entendimento parte do princípio de que a Focalização, por sua própria

natureza, tem a função de “realçar elementos do enunciado”

Por essa razão, o autor nos chama a atenção para o fato de que o revelo dado ao

discurso nesse caso não é porque é uma parte central dele, mas é o componente discursivo que

constitui uma intensificação e “também porque são vistas através de certas perspectivas que

afetam tanto o que o falante diz quanto o que o ouvinte interpreta” (GONÇALVES, 1998 p.

33).

Funciona como uma espécie de “chamar atenção” do interlocutor para a parte em

relevo. De certa forma, a manifestação da focalização acaba por se tornar central, já que é a

porção textual que ajuda ao interlocutor a produzir a significação possivelmente pretendida

pelo locutor.

Ainda destaca dois tipos de focalização, uma chamada de Focalização textual, em que

se faz uso de recursos linguísticos presentes na materialidade do texto; outra chamada de

Focalização prosódica, cujos recursos que expressam a ênfase não se encontram expressos na

linearidade discursiva, pois recorre a recursos como saliência prosódica, entre outros. As

análises empreendidas neste trabalho se enquadram no primeiro caso.

Julgamos caber também uma apresentação sucinta sobre Tópico Discursivo, por isso,

apresentamo-la no pensamento de Marcuschi (2006) e Givón (1992).

Em Marcuschi (2006) o tópico discursivo (TD) é designado como uma macro-

estrutura semântica ou o tema discursivo, que em suma se refere àquilo sobre o que se está

falando num discurso, ou seja, aos assuntos tratados ao longo de um texto. O TD é levado

adiante em porções maiores e se desenvolve nos processos enunciativos e “pode ser

introduzido, desenvolvido, retirado, reintroduzido, reciclado ou abortado.” (p. 9). No caso,

deste trabalho vamos tratá-lo apenas dos casos de sua introdução no texto/gênero.

A noção de tópico discursivo adotada pelo autor pronuncia a respeito da produção

enunciativa dos objetos de discurso em relação aos modos de enunciação sociocognitivamente

situados. Essa proposta sugere que, ao fazermos uso da língua para produzirmos nossas

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vivências discursivas, não estamos apenas alterando os elementos do mundo em elementos do

discurso, mas estamos produzindo o nosso discurso.

Givón (1992) também define o tópico como algo “a respeito do que se fala” ou “que é

relevante”, contudo, alerta para o fato de sua permanência na continuidade do texto, já que no

nível da sentença ele não exerce relação de sentido. Dito de outra forma, o tópico não ganha

essa função por causa da sua codificação sintática como tópico da oração, mas porque essa

função tem a ver com a trama textual em que há uma recorrência de seus referentes no

discurso.

Esse autor estuda o tópico numa perspectiva pragmático-discursiva em que a

topicalidade é motivada pela cognição, uma vez que, as marcas gramaticais usadas pelo

emissor para codificar a topicalidade no discurso requisitam operações peculiares na mente do

interlocutor. Essas marcas gramaticais presentes no discurso para codificar o tópico concebem

um esforço do emissor para fundamentar a informação do ponto de vista do receptor.

Resumidamente diz respeito ao conteúdo do tópico, “aquilo de que se fala” e “como se

fala”.

Nos estudos mais recentes, aqui no Brasil, especialmente do grupo do Projeto de

Gramática do Português Falado (PGPF), o tópico também é visto dessa forma, mas é mais

explicitamente ligado as perspectivas textuais e mais abrangente. Definem como um processo

constitutivo do texto que colabora na definição das especificidades de estratégias de

construção textual. Por consequência, acreditam que essa noção deve ser formulada de modo

suficientemente abrangente para dar conta de diferentes gêneros de textos, seja de modalidade

falada ou escrita.

Nesse sentido, o tópico é tratado como uma categoria discursiva, porque relaciona-se

ao plano global de organização do texto. Mas é visto também como uma categoria

interacional, porque reúne práticas interacionais conforme as situações enunciadas pelos

locutores.

Vamos também expor resumidamente algumas considerações sobre o Sequenciamento

retroativo-propulsor usando o posicionamento de Tavares (2007; 2010).

Em Tavares (2007) encontramos um estudo sobre os conectores E, AÍ e ENTÃO em

que são analisados na função de sequenciadores (Sequenciamento Retroativo-Propulsor).

Tendo em vista o princípio de marcação a autora constitui sua análise partindo de cinco

categorias: modalidade, tipos de discurso, relações semântico-pragmáticas, nível de

articulação e traços semântico-pragmáticos do verbo da oração introduzida pelos conectores.

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Quanto ao sequenciador E, verifica que, por ele ser menos marcado nos tipos de discursos

analisados por ela, tende a ter menor complexidade no processamento linguístico com uso

predominante na fala; nas relações semântico-pragmáticas o E está presente nos três

segmentos que são sequenciação textual, sequenciação temporal e causa-consequência, sendo

mais frequente no primeiro; no nível de articulação seu uso se dá mais na interligação de

segmentos oracionais e introduzindo orações com verbos menos ativos (momentâneo,

atividade especifica e dicendi – grau 1 – e verbos de existência e de estado – grau 0)7.

Em Tavares (2010) também trata desses conectivos (E, AÍ e ENTÃO) na função de

sequenciadores (Sequenciamento Retroativo-Propulsor) cuja análise se pauta também pelo

princípio da marcação. De acordo com ela “Quando um falante ou escritor estabelece uma

relação coesiva entre enunciados sequenciados segundo uma ordenação temporal ou

discursiva, está em jogo a sequenciação retroativo-propulsora [...]” (Tavares, 2010 p. 195).

Essa relação aponta a introdução de um enunciado no discurso que, ao mesmo tempo,

favorece a continuidade e consonância com a orientação discursiva já dada. É codificada por

conectores tais como E, AÍ, DAÍ, ENTÃO, DEPOIS e PORTANTO, atuando na organização

de partes do discurso de dimensões variáveis.

A autora elege duas categorias para as análises que são as relações semântico-

pragmáticas e os níveis de articulação dos segmentos, entre as duas interessa-nos a primeira.

Quanto à análise das relações semântico-pragmáticas a autora trata de cinco relações

(sequenciação textual, sequenciação temporal, introdução de efeito, retomada e finalização)

que aqui chamaremos de subfunções do Sequenciamento retroativo-propulsor. Só que em

Tavares (2007) essas cinco são sintetizadas em três, como definiremos a seguir:

Sequenciação textual – as unidades conectadas se relacionam para atender uma ordem

discursiva que aponta a progressão dos enunciados ao longo do tempo discursivo, atuando

como mecanismo de coesão.

Sequenciação temporal – os eventos discursivos levam em consideração a ordem em

que os eventos ocorrem no tempo, compreendendo por pressuposição que um evento ocorre

em sucessão a outro.

Causa-consequência – responsável por inserir informação constituindo a ideia de

consequência que tenha pertinência com uma causa aludida previamente.

Nesse sentido, tentamos mostrar uma visão panorâmica sobre os estudos em torno da

multifuncionalidade do E. A partir dessas considerações tecidas acima, nortearemos nossa

7 Esses graus são elencados de acordo com a escala de Tavares (2007) baseada na classificação de Schlesinger (1995).

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investigação, elegendo um recorte para efetivar nosso propósito investigativo no gênero tira

em quadrinhos.

3.2 A articulação discursiva com E

O item linguístico em estudo tem se mostrado, nas pesquisas apresentadas, exercendo

múltiplas funções na articulação textual. É reconhecido como um dos conectivos mais

recorrentes e por isso é considerado prototípico em relação a outros itens da mesma categoria

gramatical.

Koch (1995) trata a questão das articulações desenvolvidas no texto, expondo o

assunto sob vários pontos de vista, mas relata, sobretudo, que a partir dos trabalhos já

desenvolvidos anteriormente, encontram-se dois tipos básicos de relações: lógico-semântico e

as relações discursivo-argumentativas, acrescentando-se a essas as do tipo relações

textualizadoras ou textuais em sentido restrito. Essa última atua na organização da sequência

textual:

Podem, por exemplo, relacionar a conclusão com todo o restante do texto,

[...]; ou relacionar a introdução com o corpo do texto [...]. Pode acarretar a

suspensão provisória do tópico em andamento [...] ou retomada de um tópico interrompido [...] e assim por diante.

Podem, ainda, delimitar episódios ou sequências narrativas [...] ou diferentes

perspectivas da descrição [...]; podem separar as partes de uma exposição, bem como argumentos ou grupos de argumentos em textos destinados à

persuasão. (KOCH 1995, p. 17).

Cabe ressaltar que essa visão extrapola as análises com porções textuais

descontextualizadas (frase, oração e período), possibilitando a visualização da língua em

funcionamento, uma vez que tem a ver com a organização da sequência textual. Nessa

abordagem as significações não se limitam às relações sintáticas e/ou semânticas

estabelecidas pelos itens de ligação, mas estes estão engajados nas relações e encadeamentos

que articulam não somente porções textuais isoladas, mas articulam os sentidos imbuídos no

composto textual.

Também fica evidente uma intrínseca semelhança entre o que Koch (1995) relata e as

funções descritas por Camacho (1999) e Penhavel (2009) na seção anterior, pois aquelas se

apoiam na articulação dos enunciados para operar conforme as ocorrências discursivas,

direcionadas por um propósito comunicativo, culminando numa articulação textual centrada

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na progressão textual, na continuidade ou na retomada e na ênfase dada ao discurso, ou numa

porção dele.

Os autores, até então já citados, analisam que o uso de conjunções coordenativas está

muito propenso à expansão de seu conteúdo semântico-discursivo e, com o caráter de

funcionamento da língua, a realizar e assumir funções no nível da articulação textual.

Neves (2010) enfatiza a necessidade de pautar a coordenação no plano da organização

textual e observa que “os marcadores de coordenação” (e, mas, ou) são muito frequentes em

início de enunciados (seja frases, parágrafos, capítulos, ou até início de uma obra), “portanto,

tais elementos extrapolam a organização puramente sintática e constituem articuladores de

altíssimo valor semântico-discursivo.” (NEVES, 2010. p. 243).

Quanto ao item linguístico E, Neves (2010, p. 252) reconhece a importância de

trabalhá-lo no nível do texto, esse entendido como unidade de significação, trata de seu papel

no âmbito dessa unidade discursiva e diz que “faz o texto avançar buscando acréscimos, tem

um papel particular na caracterização da arquitetura do texto.” Ela toma o E “arquitetural” da

referência de Antoine (1962), citado por ela mesma, que, já nessa época, se refere a um valor

de articulação e composição textual-discursiva no início de frase e que serve para:

a) abrir um desenvolvimento (ataque);

b) fechar um desenvolvimento (encerramento);

c) marcar a transição de um desenvolvimento a outro (transição não-lógica).

Os enunciados que iniciam com E são caracteristicamente marcadas por “transição”,

pois retomam o andamento da narrativa. Contudo, nem sempre é de fácil distinção porque, ao

abrir um novo desenvolvimento (característica de ataque) ou introduzir temas, levando o texto

para frente, pode simultaneamente deixar para trás um bloco que se encerra (característica de

encerramento). Esse modo de configuração do E talvez seja o mesmo da função

sequenciamento retroativo-propulsor, amplamente estudada por Tavares (2007; 2010).

Também, de modo geral, se assemelha com a Introdução de tópico discursivo pelo fato de

introduzir os constituintes temáticos no texto.

Então, Neves (2010) ainda destaca a relevância do estudo de Antoine (1962), pois,

segundo ela, os estudos do E inicial como indicador de progressão textual tem base nas

análises da articulação textual. Contudo demonstra a dificuldade de distinguir os tipos de

enunciados, que representam as características acima (ataque, encerramento e transição não-

lógica), alegando que, quando se encontram vestígios dos usos, a fluidez assinala para a não

categorização rígida dos enunciados.

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Acrescenta que, no encerramento de parágrafos, o E se configura como um

“arremate”. Já na abertura e fechamento de blocos informativos, temáticos ou argumentativos,

o E se empenha mais na progressão do texto.

Os articuladores textuais, que em linhas gerais, são recursos linguísticos que dão

encadeamento aos segmentos textuais, entre eles, estão os operadores, os modalizadores e os

intensificadores argumentativos.

Os operadores argumentativos são recursos presentes na estrutura do texto capazes de

indicar a argumentatividade dos enunciados, introduzindo variados tipos de argumentos.

Os modificadores poder ser considerados como elementos linguísticos que atenuam

intenções, sentimentos e atitudes do locutor em relação ao seu discurso.

Os intensificadores são recursos semânticos utilizados para ressaltar os significados

dos enunciados numa situação comunicativa.

Outro ponto que também está incluído nos estudos sobre os articuladores são os

Marcadores Discursivos (MDs). Num trabalho mais recente que estuda os MDs de forma

aprofundada, Penhavel (2010) demonstra várias abordagens desses elementos e uma das

posições é pautada na Perspectiva Textual-Interativa (linha teórica defendida principalmente

por Jubran e Koch). Sob esse aparato define que os:

MDs, por sua vez, são vistos como expressões que contribuem para o processamento textual-interativo do discurso, isto é, expressões que

articulam segmentos textuais de natureza tópica e/ou que codificam

orientações dos interlocutores em relação ao processo de interação verbal.

(PENHAVEL, 2010 p. 28).

Esse autor reconhece os MDs como uma classe de elementos que deve ter como

instrumento de análise a gradiência. Para tanto, caracteriza-os mediante a combinação de nove

traços, estando no topo a articulação discursiva.

Assim, amparado em Schourup (1999), o autor ainda afirma que a conectividade

constitui uma das características de maior destaque nas discussões sobre MDs, sendo

concebida de diferentes formas.

Guerra (2007), ao tratar das funções textuais dos MDs, menciona-as segundo Risso et

al. (2006), postulando que a articulação de segmentos do discurso abrange três modos:

sequenciador tópico, sequenciador frasal e não-sequenciador. Ou seja, o nível de articulação é

desempenhado pelo grau da sequenciação.

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Em Valle (2000), temos o posicionamento de Traugott, afirmando que MDs são

elementos que atuam no nível da coerência discursiva. Essa definição é adotada em meio à

diversidade de elementos incluídos na classificação dos MDs. Há uma dificuldade decorrente

do amplo campo de alcance do que seja coerência discursiva. Segundo a autora,

temos pelo menos dois campos bem distintos sob este termo: o campo das relações textuais e o campo das relações entre o discurso e os indivíduos.

Assim, cremos ser necessário ao menos separar os marcadores que atuam no

nível textual, exercendo funções de conexão, sequenciação, retomada, resumo, etc, daqueles que atuam no nível extra-textual, exercendo funções

no processamento cognitivo, na interação entre interlocutores, na verificação

do canal comunicativo, etc. (VALLE, 2000 p. 108).

No nosso caso, assumimos neste trabalho a posição que inclui os conectores como

MDs atuantes nas relações textuais, os quais exercem as funções elencadas na seção anterior.

Como visto nesta breve apresentação, os MDs estão incluídos num terreno muito

vasto. Em virtude disso, foi preciso delimitar o percurso para não se envolver com funções

extras ao campo e limite deste trabalho, pois a intenção de discorrer brevemente sobre os

MDs se dá pelo fato de algumas funções do item linguístico E assumir características de MDs

na perspectiva das relações textuais.

Ao considerar que um determinado item linguístico pode exercer muitas funções,

dependendo do contexto em que está inserido, isso ocasiona na língua uma variação e

consequente mudança semântica. Muitos elementos linguísticos, dentre eles o E, usado na

articulação tanto sintática como discursivo-textual, desempenham essa multifuncionalidade no

discurso, sendo considerados como polissêmicos, justamente porque, ao serem analisados, os

comportamentos dos enunciados em que estão contidos nos diferentes estágios, permitem

serem colocados em diferentes ponto de uma escala.

Nessa posição, temos sempre novas funções para formas já existentes, que podem ser

processadas no discurso e, em decorrência dessa natureza, fornece passagem para a

constituição de padrões fluidos na linguagem.

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4 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Nesse capítulo encontra-se o detalhamento dos procedimentos metodológicos

encaminhados para o desenvolvimento geral deste trabalho. Desse modo, começamos

apresentando as principais características da pesquisa, em seguida, ciente dos objetivos que

alçaram nossa investigação, relatamos ainda sobre o corpus, os procedimentos e coleta de

dados, procurando descrever tanto o percurso da pesquisa como os meios que viabilizaram

sua efetivação, além de descrever sucintamente sobre a condução das análises.

4.1 Características da pesquisa

Do ponto de vista da abordagem do problema, esta é uma pesquisa

predominantemente qualitativa, tendo em vista a descrição e interpretação dos fenômenos

linguísticos pretendidos para análise dos dados. No entanto, a quantificação foi necessária

quando no levantamento do corpus e no levantamento das ocorrências conforme os itens

previstos para análise. Postura que enseja a atribuição de significados a partir dos influxos do

sujeito pesquisador. Para isso, buscamos fundamentação em fontes teórico-metodológicas, na

observação do objeto e no comportamento linguístico que ele assume, para então, fundar o

processo de análises e constatações.

As descrições gerais visam abordar sobre os aspectos relacionados aos fenômenos

linguísticos de cunho funcionalista, cuja âncora base é a língua em uso, através da

multifuncionalidade do item linguístico E presente no gênero tira em quadrinhos.

Quanto ao método, adotamos o indutivo como predominante. Ele possibilita que as

deduções, constatações e conclusões sejam pautadas em observações específicas da realidade

concreta e circunstancial do objeto de estudo. No caso, como se tem um objeto maleável e não

palpável (fatos da língua) sua abordagem teórica (funcionalista) requisita o modo de

inferências específicas. Em outras palavras, parte-se de situações particulares que conduzem

para elaboração de generalizações.

4.2 Corpus e procedimentos de coleta dos dados

O corpus desta pesquisa é constituído de 174 tiras em quadrinhos, todas de autoria do

quadrinista Laerte e com ocorrências do item linguístico E que totalizam em 203 dados

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encontrados nesse corpus. Foram extraídos de um universo de 644 tiras em quadrinhos

captados via on-line.

A princípio, durante o período de coleta, esse universo de tiras em quadrinhos pareceu

muito abrangente. No site fonte de coleta8, encontra-se uma galeria com nove tipos de

personagens ou agrupamentos com um dado título. No caso destes últimos não tem

personagens específicos, como no bloco das tiras intitulado “Dia-a-dia”, em que os

personagens são geralmente anônimos. Cada bloco de tiras conta com uma média de 90

unidades. Quanto às referências dessas tiras em quadrinhos, há indicações na bibliografia do

autor, que se encontra nesse mesmo site, de que foram publicadas no jornal Folha de São

Paulo.

A partir do reconhecimento dessa expansão de dados disponíveis, pensamos em como

delimitá-los e fazer uma seleção, cuja intenção era ter uma quantidade determinada de tiras

em quadrinhos, de um mesmo autor, para representar os dados desta pesquisa. O passo

seguinte foi escolher por quais personagens optar.

Resultou na escolha de cinco blocos de tiras e para melhor entendimento do contexto

destas, segue então uma sucinta descrição sobre as características gerais dos personagens:

Piratas do Tietê conta as aventuras de um grupo de piratas saqueadores, sendo o

personagem principal o capitão da tripulação; os demais são personagens secundários.

Eles trazem uma mistura de fantasia com realidade urbana, fazendo referência ao rio

que atravessa a cidade de São Paulo. A primeira aparição dessas tiras foi em 1983,

numa revista chamada “Chiclete com Banana”. Em 1990, ganham uma publicação

própria com o mesmo título e, no ano seguinte, passam a ser produzidos para o Jornal

Folha de São Paulo. Esse bloco é composto de 82 tiras on-line.

Hugo Baracchini tem um carro, um computador e uma namorada chamada Beth,

estudante de psicologia. Traz uma visão cômica, com conflitos e situações cotidianas,

do homem dos tempos modernos. Nele, o autor criou uma eterna vítima dos problemas

contemporâneos, tais como: operar seu computador, fugir da vida sem privacidade,

lidar com as questões de sexualidade. Ainda faz algumas referências indiretas ao

sistema político e vive as consequências dos problemas ambientais. Esse bloco é

composto de 112 tiras on-line.

Gato e Gata, que nem sempre, passam por situações referentes aos gatos. É

semelhante às fábulas. Tratam de situações divertidas de um típico relacionamento

8 http://www2.uol.com.br/laerte/personagens/

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moderno. O Gato é idealista, criativo, gosta de música (Beethoven), inseguro, tem

dificuldades em marcar seu território, mantém a guarda de um filho (Messias) com

uma ex-namorada e, de vez em quando, têm recaídas, encontrando-se secretamente

com ela. A Gata é uma fêmea decidida, independente, também curte música (Luiz

Melodia) acredita em Batman, sonha com números e gosta muito de sexo. O bloco é

composto de 94 tiras.

Dia-a-dia, bloco de tiras composto por personagens anônimos que representam

situações cotidianas hilárias, mas frequentes na vida das pessoas e nos seus ambientes

de relacionamentos (família, trabalho, amigos, instituições, ambientes de lazer), cujo

intuito é ironizar tais situações. Este bloco era publicado somente aos domingos na

Folha de São Paulo é composto de 130 tiras on-line.

Overman, um herói que costuma ser muito presente e atuante nos problemas. Mas o

maior problema que o herói enfrenta é consigo mesmo por não conhecer a própria

identidade. Dar continuidade à eterna luta do bem contra o mal (com as devidas pausas

na sexta-feira...) e seu visual tem semelhança com heróis americanos. Este bloco é

composto de 226 tiras on-line.

A seleção das tiras em quadrinhos para montar o corpus de investigação levou em

consideração a linguagem verbal predominante (descartando as tiras produzidas só a partir de

imagens), a presença do item linguístico E e secundariamente as temáticas presentes nestas. O

período de divulgação e produção dessas tiras não foi requisito no processo de seleção do

corpus, porque não encontramos referências precisas de tempo, de modo que não é motivo de

interferência nas análises, tendo em vista que se configuram como textos do português

contemporâneo e recente. Pela biografia do autor, sabe-se apenas que estes personagens

começaram a ser divulgados e/ou produzidos a partir da década de 1990 e estes que estão on-

line foram todos publicados no Jornal Folha de São Paulo.

A preferência por tiras de autoria de Laerte é, primeiro, porque a ideia era optar por

um autor brasileiro, acreditando assim, que podemos observar os mecanismos, do uso da

língua materna, para a produção de sentidos diversos. A hipótese é que textos da língua

materna apresentam maior legitimidade aos eventos in lócus, em relação aos textos de origem

estrangeira, tendo em vista que a língua reflete os aspectos sócio-culturais próprios de sua

origem geográfica. Por isso, se a opção fosse por tiras de autores estrangeiros, talvez não

retratassem construções próprias do uso da língua materna, perdendo talvez a fidedignidade

dos sentidos contextuais.

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Segundo, porque esse autor tem uma larga produção disponível via on-line, facilitando

o acesso e, também a observação das regularidades no gênero. Terceiro, porque são tiras que

tratam de assuntos variados, desde super-herói, cotidiano, política e até temas voltados para

adolescência (sexualidade, relacionamentos), além das tiras desse autor serem muito

utilizadas nos materiais didáticos.

A par desse levantamento das tiras em quadrinhos, nos encaminhamos para o

levantamento dos dados que consistiu em identificar todas as ocorrências do item linguístico

E no corpus, selecionando e classificando as ocorrências conforme as funções elencadas para

análise.

Os critérios para a distinção entre uma função e outra se estabeleceram nas definições

já dadas na literatura. Mesmo assim, alguns casos que apresentaram dubiedades, fato que

decorre da fluidez da língua, a princípio, dificultando a organização dos dados, contudo,

pudemos perceber sobre o risco de enquadrar-se em definições rígidas, pensamento que não é

defendido pelo funcionalismo linguístico, visto que o uso prevalece sobre a forma. Depois,

agrupamos as funções em dois itens: coordenador/conectivo e marcador discursivo,

relacionadas com o grau de adição que exercem, conforme pode ser visto no Quadro 2.

Mediante isso, selecionamos apenas três funções para fundar as análises, que foram

Sequenciamento retroativo-propulsor, Introdução de tópico discursivo e Focalização.

A amostragem para análise está representada por 29 tiras e ilustram que seus processos

linguísticos se apropriam de recursos discursivos e cognitivos fundados na base funcionalista

da linguagem, cujo objeto de análise se foca na atuação do item linguístico E. A intenção é de

identificar também a sua relevância para a produção de significado do gênero e do

processamento linguístico expressos na codificação dos enunciados, os quais podem ser

abordados pela gramática (do uso).

4.3 Procedimentos para as formulações teóricas e para a análise dos dados

Utilizamos como amostra dados de textos do gênero tira em quadrinhos, produzidos em

situação que atende as expectativas de um jornal de grande circulação nacional, cujo público é

de classe média alta, talvez por isso, mesmo num gênero em que permite uma diversidade de

recursos com o uso coloquial da língua, o autor muitas vezes prefere os recursos padrões da

língua.

A análise da multifuncionalidade do E nas tiras em quadrinhos de Laerte é versada pela

ótica funcionalista, em que o texto é compreendido como signo relativo que representa atos,

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elementos e relações culturais muito diversas, e é objeto de estudo das aulas de língua

portuguesa. Assim, o gênero discursivo é percebido como uma construção que concretiza o

uso da língua, visão mediada por uma concepção em que os gêneros mostram a

funcionalidade das evidências sociais.

Já a concepção de língua como processo resultante da interação verbal, fato esse que

transcende para outras concepções inerentes aos estudos da linguagem, endossa a perspectiva

teórica adotada. Como consequência, a língua passa ser contemplada como um fenômeno

motivado pelas situações de uso dos falantes, tendo o propósito comunicativo (função) como

pano de fundo desse evento, maleável e adaptável, ultrapassando assim, as análises

estruturalistas que primam apenas pela forma.

As tiras em quadrinhos compreendidas como texto, que veicula práticas sócio-

culturais, encontram respaldo nos usos dos falantes, assim como ilustrado por Possenti (2010)

quando defende as piadas como um dos veículos que trazem percepções emblemáticas dos

problemas sociais por um lado e, por outro como fonte de dados para quem quer saber o que é

e como funciona uma língua. Acreditamos que as tiras também reportam esse mesmo senso de

acesso ao funcionamento da língua, evidente que anexado a outros recursos, mas como berço

de manifestação das recorrências do uso de modo natural de processamento desta.

Adotamos o eixo da multifuncionalidade do paradigma funcionalista da linguagem,

com foco na atuação discursiva do item linguístico E. É observado e investigado no gênero

tira em quadrinhos e fundamentado na proposta de autores que defende o funcionalismo

norte-americano, tais como Furtado da Cunha e Tavares (2007); Furtado da Cunha, Costa e

Cezario, (2003); Martelotta (2009); Neves (1997), Votre (1997), que se baseiam nas propostas

de autores como Givón (2001), Hopper e Traugott (1993), entre outros.

Para fins das análises, pautamo-nos nessa conjuntura descrita acima. E a partir da

observação dos dados selecionados, distribuímos o item E em três funções discursivas:

Sequenciamento retroativo-propulsor, Introdução de tópico discursivo e Focalização. Para tal

procedimento nos fundamentamos nos achados da literatura referente, uma vez que, os termos

utilizados para denominação das funções são os mesmos dos autores utilizados na revisão da

literatura.

Neste ínterim, quanto à questão da multifuncionalidade do E buscamos revisar a

literatura, a fim de observar como é dado o tratamento com esse elemento nas investigações

teóricas para, então, montar o nosso parâmetro de análises. Assim, para termos uma noção

dessa caracterização vamos ilustrar alguns casos a seguir.

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Em Camacho (1999), por exemplo, vimos que ele classifica algumas funções,

defendendo que o E é um coordenador de termos, de orações e que os princípios deste se

aplicam a coordenação de orações no nível textual. Pode ser:

a) Coordenação simples:

» “João e Maria viram um fantasma”.

»* “João viu um fantasma e Maria viu um fantasma.”

» “nós encontramos nódulos... nódulos estes que aparecem e desaparecem.”

»* “Nós encontramos nódulos que aparecem e nós encontramos nódulos que

desaparecem.”

» “O indivíduo tem que ter conhecimento, compreensão, análise e síntese.”

b) Coordenação intratermos:

» “João e Pedro compraram um guia e três postais”

»* “João comprou um guia e João comprou três postais e Pedro comprou um guia e

Pedro comprou três postais.”

c) Coordenação múltipla de termos:

» “esta região está limitada para adiante... pelo externo... para trás... pela coluna

dorsal... e para o lado pela mediastínica direita e esquerda.”

Quanto ao nível da oração a classificação se dá em simétrica e assimétrica sendo esta

última mais presente na sua pesquisa.

a) simétrica:

» “Maria está fazendo a salada e Pedro está lavando os talheres”.

»* “Pedro está lavando os talheres e Maria está fazendo a salada.”

b) assimétrica: não admite a paráfrase (*) por representar sucessão temporal ou uma

convenção icônica.

» “cheguei em casa,vi televisão e depois vim para cá pra pra conversar.

Além desse caso típico das assimétricas, apresenta uma variedade de possibilidades de

coordenação com o juntivo9 E, dentre as quais foram citadas algumas no item 3.2 deste

trabalho.

Penhavel (2009) sistematiza e explica um quadro com dez funções subdivididas em

três grupos: O E como coordenador de termos, como coordenador de orações e como

marcador discursivo, como podemos visualizar no Quadro 3, a seguir.

9 Termo do autor

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Quadro 3 – Funções do conectivo E no discurso

Fonte: Penhavel (2009)

Citaremos exemplos do grupo dos marcadores discursivos, presentes no quadro 3, pois

as demais funções já foram exemplificadas em Camacho (1999):

a) Sequenciamento retroativo-propulsor:

a Letícia ficô tentandu incaxá a tor::NEra ... ((risos)) na paredi ... i ela ficô lá um

temPÃO ... i nós rindu (dan) morrendu di dá risada ... i ispirrandu água pra tudu

ladu i a tor::nera na mão da Letícia ... i:: aquele mundu di água tudu na ropa da

Letícia ...[...]

b) Assalto de turno conversacional:

L1 quer dizer somos de família GRANdes e::... então ach/ acho que::... dado esse

fator nos acostumamos a:: muita gente

L2 ahn ahn

L1 e:: L2 e daí o entusiasmo para Nove filhos ... (NURC-D2-SP-360:2).

c) Introdução de tópico discursivo:

A: Oi, como vai?

B: Tudo jóia, você está bem?

A: Tudo ótimo. (pausa) E a faculdade, você se forma este ano? [...]

d) Focalização:

L1 eu, poderia me alimentar só de carne

L2 só carne?

L1 só carne, impressionante, e mal passada (NURC-D2-PA-291:1).

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Já em Tavares (2010) que trabalha especificamente com a Sequequeciação retroativo-

propulsora de informações e no referido trabalho ela trata do E, AÍ e ENTÃO como

codificadores dessa função que é analisada a partir de várias perspectivas, dentre elas, as

relações semântico-pragmáticas, podendo exercer cinco relações, das quais citaremos

exemplos de três:

a) Sequenciação textual:

Ex: todo mundo lá da casa chamando a gente pra tomar banho em outro lugar ... melhor ... a

gente não foi ... a gente ficou lá ... depois ele foi tomar banho também E a gente tava com a

irmã dele ... que a gente conheceu a irmã dele ... as primas deles ... depois a gente ficou

conversando mas ele não chegou perto ... ele ainda não conhecia a gente (Corpus Discurso &

Gramática – Natal, apud TAVARES, 2010)

b) Sequenciação temporal:

Ex: (2) antes eu tenho que quebrar ... pra coisar né? AÍ eu ... boto ... fica lá ... AÍ eu dou uma

mexidinha ... (Corpus Discurso & Gramática – Natal, apud TAVARES, 2010))

c) Causa-consequência:

Ex.: agora ... tem o outro lado que a gente vê assim nas pessoas não crentes ... eu acho que ...

nas pessoas ... eu creio que elas ... que elas têm um certo medo ... na verdade ... de reconhecer

o que elas são ... sabe ... eu acho que as pessoas lá fora ... elas têm medo de ... de repente dizer

que estão erradas ... né ... ENTÃO elas preferem não crer ... preferem não acreditar ... enganar

os outros dizendo que não acreditam ... porque na verdade ... acho que num tem ... essa

história de uma pessoa ... assim ... completamente ateu ... às vezes eu tenho as minhas dúvidas

... (Corpus Discurso & Gramática – Natal, apud TAVARES, 2010))

As análises do nosso trabalho foram produzidas com base nessa concepção teórica do

funcionalismo norte-americano e na manifestação do E nos eventos ocorridos nos dados que,

estão explicados segundo o contexto de sua atuação e motivação, recorrentes na linguagem do

gênero tiras em quadrinhos. Essas análises têm caráter descritivo, visto que busca explicar o

comportamento do E de acordo com a função discursiva que assume no contexto do gênero.

As análises apresentaram como indicadores de construção de significação os seguintes

pressupostos: aspectos semânticos e pragmático-discursivos; aspectos contextuais; aspectos

inerentes ao gênero discursivo, à situação e ao propósito comunicativo; e à relação entre as

informações do texto (inferências, pressupostos subentendidos, informações dadas/novas,

entre outros recursos).

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5 ANÁLISE DA MULTIFUNCIONALIDADE DO E NO GÊNERO TIRA EM

QUADRINHOS

Neste capítulo, fazemos uma reflexão sobre os dados que se encontram categorizados

em três funções discursivas do item linguístico E com o propósito de obtermos um parâmetro

de análises que demonstre a atuação desse item no contínuo das relações semânticas e na

articulação discursiva, cujo desempenho discursivo expande seu valor semântico aditivo para

o âmbito de um contínuo que representa uma escala de mais e menos aditivo.

A análise ocorreu com o seguinte procedimento: o primeiro e o segundo objetivo

pensados para esse trabalho são analisados simultaneamente e demonstram a

multifuncionalidade do E no gênero tira em quadrinhos levando em conta: as relações

semânticas aditivas e a produção de significados, e, as implicações do gênero tira em

quadrinhos, o qual favorece o estabelecimento de tais relações; e a associação das categorias

analíticas do funcionalismo linguístico nessas relações. O terceiro objetivo, que representa o

segundo ponto da análise, indica algumas contribuições que o item linguístico acrescenta

nesse processo no tocante à articulação textual e do discurso. Nesse último item foram

utilizados dados do primeiro item, com exceção de duas tiras em quadrinhos.

Todos esses fatos apresentam variações de funções que são inerentes ao próprio teor

da língua enquanto atividade social e instrumento de comunicação.

5.1 A multifuncionalidade dos usos do E no gênero tira em quadrinhos: relações

semânticas aditivas e produção de significados

O item linguístico E revela uma multifuncionalidade evidenciada conforme o contexto

das circunstâncias em que se inserem. Julgamos, então, pertinente, dar-lhe um tratamento

funcionalista, uma vez que essa perspectiva é capaz de tratar os dados advindos do uso da

língua tendo como parâmetro a agregação dos aspectos sintático, semântico e pragmático.

A nossa expectativa se volta para a análise desse item no âmbito textual-discursivo,

pois nesse nível é possível recorrer às estratégias discursivas que retratam o caráter vulnerável

dos itens linguísticos.

A finalidade incidida pelas análises de cunho funcionalista é de algum modo, espelhar

a realidade experiencial dos usuários da língua, uma vez que podem recorrer a diversas

maneiras de expressar seu propósito comunicativo, ocasionando a multifuncionalidade dos

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usos, caráter que os submetem a um sistema fluido porque é guiado por uma situação

comunicativa.

5.1.1 Focalização

Passamos para a análise da amostra da pesquisa. Na Figura10

01, ao considerar as

relações discursivas do gênero que orientam as significações dessa tira, percebe-se, a

princípio, o teor argumentativo do personagem para conquistar um cargo de chefia. Conforme

evidencia o contexto, somente as qualificações descritas no currículo não seriam suficientes,

mas também outros atributos.

Isso certamente implica em mais propriedades cognitivas do que num discurso

espontâneo (conversa informal), refletindo-se na codificação linguística, como se observa no

terceiro quadrinho, na fala do personagem que está como concorrente de um cargo numa

empresa. Ao comparar essa fala (terceiro quadrinho) com suas demais nota-se, visivelmente,

uma redução de tamanho em codificações linguísticas, como podemos observar ao ler a tira na

sequência:

Figura 01

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/dia-a-dia/index.html>

Essa averiguação se deve, provavelmente, porque o personagem não se encontrava em

“estado argumentativo”. A carga informativa maior reforça o alto grau de informatividade

dessa fala, dada a necessidade de atingir seu propósito, o qual era conseguir um cargo de

chefia. Propósito esse que resultou em maior quantidade de registros linguísticos. Admitindo,

desse modo, a presença do subprincípio icônico da quantidade, em que a quantidade de

informação incide no tamanho da forma, ou seja, a forma procede como resultado da função.

10 As figuras numeradas nessa análise são as amostras do corpus dessa pesquisa. Estão dispostas numa ordem

sequencial e por isso não achamos necessário fazer uma lista de figuras.

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Baseando-se nesse caso, supõe-se que a forma linguística dá corpo ao propósito

comunicativo de contextos específicos, espelhando as realizações do contexto social em que

estão envolvidos os sujeitos. Esses são capazes de buscar no seu repertório linguístico

expressões que corporifiquem seus enunciados a partir das experiências que estão

desenvolvendo.

Os dados, que constituem o corpus desta pesquisa, oferecem comportamentos

linguísticos diversos do item E. Por exemplo, percebemos, na Figura 01, que o E em “e fazem

muito bem!” parece não estar só para articular duas informações, mas confere a elas uma

relação semântica mais complexa do que seria a de uma simples adição. Quando olhamos pelo

aspecto pragmático, é possível notar a intenção do enunciador, que é reiterar, de forma

enfática, a proposição de seu interlocutor, procedida mediante uma informação dada, sendo

que o foco abrange a informação nova. Estamos, então, demonstrando a função de

Focalização que o E pode assumir nos enunciados.

Por essa proeminência focalizadora do E há uma dificuldade para enxergarmos uma

relação puramente aditiva, pois o segmento enfatizado não se articula linearmente ao

segmento anterior, representando uma espécie de ruptura no encadeamento discursivo do

conteúdo temático do gênero.

É importante frisar que essa ruptura no encadeamento discursivo na Figura 01 não se

deve apenas ao status informacional de natureza enfática dos enunciados, mas também porque

ocorre uma troca de turno de fala entre os personagens, o que pode ser uma ocorrência

propícia para essa ruptura. Por outro lado, essa troca de turno se caracterizou por seu caráter

enfático.

Segundo Penhavel (2009) um segmento introduzido por um E focalizador “constitui

uma alteração no padrão sintático, semântico ou pragmático do encadeamento discursivo.”

(PENHAVEL, 2009 p. 279). Nesse caso porque o enunciado “e fazem muito bem!” não se

constitui apenas como uma oração, está conectada a todo um bloco textual precedente para a

construção de uma unidade maior que é a narrativa do gênero tira em quadrinhos. Contudo,

parte dela é colocada em relevo, e esse uso focalizador não se configura como uma estrutura

de coordenação mais característica, rompe com a equivalência funcional11

da oração anterior.

Circunstância essa que pode nos revelar os resquícios aditivos mesmo nessa situação,

pois embora não tenha ocasionado um acréscimo ou uma soma muito evidente no plano

11

A equivalência funcional é muito frequente nos casos quando a análise acontece no nível da sentença.

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informacional, mas o sentido de intensificação e reiteração, imbuídas numa ênfase, parece

decorrer do sentido básico de adição.

Passamos a constar, na Figura 02, como a ênfase provoca uma aparente

descontinuidade na estrutura sintática do enunciado, mas o contexto semântico-pragmático

reconstitui o plano global de significações de modo a caracterizar o realce como algo

intrínseco a esse nível, não para destacar a parte central do texto, mas porque o componente

discursivo que constitui uma ênfase afeta tanto o que o falante diz quanto o que o ouvinte

pode interpretar (GONÇALVES, 1998).

Figura 02

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/hugo/tira.html>

A situação comunicativa na Figura 02 apresenta inicialmente o contexto temático (a

pirâmide que reenergiza alimentos) como algo surpreendente, que na sequência é enfatizado

(“e não é só com maçã!”), ocasionando uma certa expectativa para os fatos seguintes. Isso

parece ser construído na perspectiva de uma informação geral (pirâmide que normalmente

está relacionada a alimentos) acrescida de uma informação específica (adaptação do conceito

de pirâmide alimentar). Essa relação é intermediada pelo uso do E, garantindo um valor

discursivo de ênfase por acentuar a cadeia discursiva expressa anteriormente.

Esse fato marca uma alteração na relação pragmática, por haver um acréscimo com

ênfase que causa uma expectativa para a ação surpreendente do personagem Hugo, vista com

maior evidência no último quadrinho. Essa caracterização culmina com uma peculiaridade

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típica do gênero tira em quadrinhos, principalmente as tiras cômicas, de apresentar um

desfecho surpreendente. Entretanto, esse recurso, de focalização como o E não é tão frequente

na amostra analisada, representando apenas 8% das ocorrências, conforme podemos visualizar

em quadro bem adiante. No teor dessa conjuntura textual, não é fácil reconhecer a ideia de

adição quando a ideia que se sobressai é a de ênfase.

Esse resultado demonstra que a focalização tende a ser uma função mais marcada, por

ser mais complexa quanto a sua estruturação discursiva; também é menos frequente na

amostra como indica o número percentual, por apresentar uma complexidade cognitiva mais

elevada que as demais funções, uma vez que se posiciona à parte da linearidade textual, como

um realce.

Quando Neves (2000) especifica a adição de unidades do sistema de informações,

uma das relações acontece pela restrição ao primeiro segmento. Nessa especificação a

informação adicionada pode incidir por meio de focalizações.

Na nossa amostra encontramos fenômenos semelhantes aos relatados pela autora, nos

quais identificamos enunciados que se encontram com valor enfático.

Vejamos que na Figura 03 há, sintaticamente, predicativos acrescidos de um

predicador com valor enfático (“... e vicia), desempenhando a função de focalização. Nessa

situação a focalização é procedida na interação entre os personagens, um enuncia a

informação velha e o outro a informação enfática (nova).

O discurso do personagem mais jovem é um conhecimento compartilhado, que já foi

discutido entre ambos. Nesse sentido, o referente principal é “sexo” visto que tanto os

predicativos como o predicador são enunciados com a preocupação de referenciá-lo.

Figura 03

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

Vemos que a informação “... e vicia.” não se volta especificamente para a parte

imediatamente anterior. É acrescentada após a parte do enunciado que atua sintaticamente

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como predicativo (“é uma coisa suja!”), e não se remete só a este, mas também ao referente

em questão (sexo).

Na situação encontrada na Figura 04, esse comportamento foclizador já assume outro

tipo de relação, pois o grupo lexical “está vivo” é a causa de espanto dos interlocutores do

personagem Capitão, e logo em seguida é enfatizado para enunciar de que modo Capitão se

encontra vivo, pronunciado por ele mesmo (“...e pulsando como uma sanguessuga!”). Esse

enunciado focalizado não pode ser considerado sintaticamente como um adjunto adverbial,

mas uma oração subordinada adverbial que atua com essa função, porque indica circunstância

(de modo) sobre a porção textual anterior (está vivo). Contudo, comumente o E é um típico

coordenador.

Figura 04

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

Essa construção, embora não muito frequente nas articulações do E nos dados, nem

prevista pelos livros didáticos, é prescrita pela gramática normativa e é equivalente ao que

Bechara (2009) chama de equipolente. Nos casos das equipolentes, segundo o autor, o E

(típico conector de orações coordenadas) conecta duas orações de valor subordinado. Essa

ocorrência tornou a construção acima possível nas interações cotidianas e situações

coloquiais, mas do ponto de vista sintático se apresenta como um caso atípico.

Já na Figura 05 podemos encontrar na amostra referências espaciais que servem de

ancoragem para a focalização. Essas referências agem como dêixis espaciais que tangenciam

o foco dos enunciados (“saturno” e “júpiter”).

Os personagens se encontram situando alguns elementos do espaço. As ocorrências

com o item E (“e ali, Saturno”; “e aqui Júpiter...”) fazem referências expressas à localização

espacial.

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Figura 05

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-gatos.html>

As experiências no mundo (a vivência dos personagens Gato e Gata) correspondem

literalmente a observar o espaço e implicam nas relações linguísticas, ou seja, a forma

linguística parece receber, nesse caso, codificações que fazem alusão às ações no mundo. As

situações no espaço garantem as significações das experiências linguísticas, assim, o uso

adverbial introduzido com o E não se trata de uma atribuição arbitrária da língua, há uma

motivação icônica que respalda determinadas construções enunciativas, além de seu

significado semântico, sequencializar focalizações para determinadas direções (“aqui” e

“ali”).

Essas experiências foram orientadas linguisticamente por relações espaço-temporais,

que para serem entendidas deve haver uma explicitação do referente dentro da situação de

comunicação e não apenas na estrutura do texto. No caso do gênero tira em quadrinhos foi a

simbiose de linguagem (verbal e não-verbal) que transportou os interlocutores aos referentes

situados na materialidade do texto e o leitor para determinados significados.

Outra forma de focalização introduzida com o E encontrada na amostra e que coincide

com as definições de Neves (2000) é quando para anunciar a introdução de um novo

argumento, como na Figura 06 em “e tem mais”, há um tom enfático e intensificador

indicando um caráter catafórico, para então haver a inserção de um novo argumento.

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Figura 06

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/dia-a-dia/index.html>

Como o enunciado “E tem mais” encaminha o leitor na expectativa de algo a ser dito,

intensificando-o, isso vem implicar diretamente no modo como o discurso foi produzido, com

características próprias do gênero tira em quadrinhos, visto que o “suspense” causado pelo

enunciado focalizado indica na sequência o argumento novo. Essa nova informação

(argumento) é a causa da produção de humor.

Na construção focalizada se evidencia uma ruptura na sequência linear do discurso,

visualmente notável no modo de organização dos enunciados da tira (3º quadrinho), em que o

enunciado com tom intensificador fica num balão agregado a outro, parecendo ter o intuito de

evidenciar visualmente essa mesma implicação (ênfase), visto que essa porção textual é

enunciada por um mesmo enunciador, mas dividida em dois balões, um com a informação

dada (“... ganha o quê? Uns 300 por semana!”) e no outro com a focalização (“E tem mais:”)

e na sequência a informação nova.

Essa intensificação além de encaminhar diretamente o interlocutor para considerar

uma informação a mais, traço que expressa o sentido aditivo, ainda é possível na sua

caracterização percebê-la como um recurso que orienta qual a informação nova que se

acrescenta a dada. Não apresenta, desse modo, características típicas de um enunciado

completo, mas de uma catáfora para anunciar o que vai ser dito.

Em Camacho (1999), também se encontram constatações do E como introdutor de

constituinte focal. Dentre os mecanismos sintáticos ele cita a clivagem, colocação do foco no

início da oração e a interrogativa parcial. No caso da interrogativa encontramos referência

também na proposta de Neves (2000). Apresentamos, conforme Figura 07, apenas um

exemplo que representa a interrogativa parcial.

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Figura 07

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-gatos.html>

O baixo índice de ocorrência da Focalização nos dados (8%), talvez se justifique por

se tratar de um emprego mais complexo, pois o interlocutor tem que identificar a orientação

sobre a qual a ênfase incide, surgindo a necessidade de olhar para o discurso em toda a sua

extensão, em que assume funções mais abstratas. Assim sendo, os elementos focalizados vão

se afastando de seu sentido referencial para convir com a viabilização do processamento

discursivo.

5.1.2 Introdução de Tópico Discursivo

No corpus em análise, constatamos também que o item E pode funcionar como um

elemento Introdutor de um novo tópico discursivo. Como já discutido neste trabalho, o tópico

tem a ver com os assuntos que são tratados no texto e se relaciona com o plano global dele, ou

seja, tem a ver com a inserção de um novo assunto no discurso ou como ele é inserido.

Nesse sentido, surgiu uma dúvida, a princípio, da possibilidade ou não de observar a

constituição de tópicos discursivos distintos numa mesma tira em quadrinhos, já que é um

gênero cuja materialidade linguístico-textual é bem limitada, podendo não comportar a

introdução de um novo tópico discursivo ao já presente. Contudo, por se tratar de um gênero

versátil em que muitas informações solicitam um maior esforço cognitivo porque ficam

implícitas ou pressupostas, ou seja, à mercê do conhecimento de mundo do leitor, a

Introdução de Tópico Discursivo, por meio do item linguístico E, foi constatada como um

recurso viável nesse gênero e foi a segunda função mais recorrente, entre as três selecionadas

para esta análise, representando um percentual de 15,7% do total dos dados.

Na Figura 08, podemos observar como estão dispostos os tópicos (assuntos). No

segundo quadrinho, o diálogo está centrado na relação de tempo para segurar a capa do herói

(Overman), já no terceiro quadrinho, o diálogo se volta para o que é observado, acrescida à

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ideia de curiosidade do personagem que segura a capa (Esquilo). Mesmo com o E sugerindo a

introdução de um novo tópico, a linearidade do discurso não foi interrompida, há uma

progressão decorrida pela sucessão dos tópicos.

Figura 08

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Nesse âmbito, foi introduzido um novo tópico que dá progressão a massa textual-

discursiva do gênero, fato mais frequente quanto a essa função. Ficam implícitos nessa

situação (Figura 08) outros fatos não envolvidos na materialidade linguístico-textual dessa

tira em quadrinho, como podemos perceber em “quando o vento voltar”, viabilizando a

atuação dessa função em análise. Pressupõe que antes havia vento e, como os diálogos têm

relação com os acontecimentos vivenciados pelos personagens, certamente, o assunto seria

outro quando estava ventando.

Nesse sentido, o item linguístico E dá acesso a esse trajeto que movimenta a língua e a

Introdução de Tópico Discursivo dá direção a esse movimento, porque não se insere no texto

de modo acidental, mas é norteado por propósitos comunicativos. Para tanto, na introdução de

um tópico, o enunciador se vale também de respaldos cognitivos relativos às experiências no

mundo, pois a elaboração de um tópico (na mente) parece observar as atividades sociais e os

processos comunicativos.

Por esses aspectos podemos observar indícios de iconicidade, já que há indicativos de

uma motivação entre a estrutura do enunciado (forma) a as relações experienciais para a

produção de significados (função). Isso porque, na produção discursiva de qualquer texto,

considera-se a situação, a seleção (lexical e estrutural) das expressões linguísticas para

alcançar a eficiência dos propósitos comunicativos, além de realizar interferências sobre os

interlocutores.

Também é bom ressaltar que a introdução de um novo tópico não deve representar

necessariamente uma ruptura de assunto, e quando ela acontecer, não deve ser considerada

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como incoerência ou uma extrapolação ao mesmo, uma vez que, numa visão global, essas

rupturas podem ser vistas como descontinuidades do sequenciamento tópico que dão

progressão ao texto, evitando a circularidade. O ingresso de um novo assunto pode ser por

processos de inserção, reconstrução e retomada. Daí reforçar a ideia de que a Introdução de

tópico discursivo segue orientação linguístico-discursiva a favor dos propósitos

comunicativos.

Nesse raciocínio, a progressão do texto não coincide com a continuidade do assunto.

Na Figura 09 percebemos isso, pois o primeiro quadro mostra como o personagem reage à

fama, no último as consequências advindas de sua ação de repulsa a superexposição.

Figura 09

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/hugo/tira.html>

O enunciado tópico “e vir ao psiquiatra não está ajudando...” é introduzido como

novo tópico, cuja viabilidade foi permitida pelo item linguístico E, porque se apreendem sob

dois pólos de uma situação comunicativa, assuntos que correspondem a causa (incômodo do

personagem) e a consequência (ida ao psiquiatra), isto é, sucesso, a exposição nas mídias e a

capacidade psicológica de lidar com isso. Vemos, assim, que um assunto é continuidade do

outro, ajudando o texto a progredir.

Diferentemente acontece na Figura 10, em que o E sinaliza uma quebra no terceiro

quadrinho (e...e... e...), deixando evidente forças pragmáticas que culminam numa mudança

de quadro da narrativa, ou seja, essa mudança foi introduzida como novo tópico, porque,

nesse contexto, também é introduzido um novo personagem e uma nova fala, cujas intenções

contrariam as postas até então na tira, que eram de resignação e remorso. Ao interromper a

fala do padre, é alterado também o conteúdo temático (indisciplina ou vida desordeira).

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Figura 10

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

Nesse caso, não só a mudança de turno como a inserção de outro personagem

favoreceu a introdução de um novo tópico. O E não relaciona dois blocos de informações

pertencentes ao mesmo campo semântico, mesmo assim, a tira não perdeu sua coerência, pois

o contexto recupera os sentidos pretendidos através do recurso de progressão instaurado para

a composição desse gênero, como também suas características ajudam a produção de sentidos,

já que esperamos desse gênero um devido senso de humor. Para tanto, o recurso de

imprevisibilidade é paradoxalmente esperado.

Na Figura 11 o E é melhor percebido como um introdutor de um novo tópico, porque

acontece após um novo evento (literalmente o teto cai sobre as cabeças). Após esse evento, a

mulher, na impossibilidade de discutir sobre o relacionamento, quando a “casa cai”, vê uma

nova tentativa de diálogo com o marido, assim mudando de assunto na expectativa de

estabelecê-lo.

Figura 11

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/dia-a-dia/index.html>

Como há uma quebra na linearidade, linguística e discursiva, o valor aditivo fica

pouco perceptível e o uso do E atende mais às relações discursivas que se somam a esse valor

semântico prototípico.

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Quando Neves (2010) menciona o E como um veiculador da composição textual-

discursiva, frisa sua atuação no início do enunciado para desempenhar o papel de abrir o

desenvolvimento, mas não fica claro se também se refere ao início de um texto.

Ao observarmos a Figura 12, vemos o E como introdutor do texto. Já como introdutor

de um novo tópico é necessário buscar inferências no modo de organização do texto em que o

leitor tem que inquirir referências não expressas linguisticamente, pois é fácil inferir que a

conversa entre os personagens não começa nessa tira da amostra (Figura 12), ficando

implícito um diálogo anterior. Por isso, através dessas inferências é que se constata o E dessa

tira em quadrinhos como introdutor de um novo tópico.

Figura 12

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Ao procurar ver a sequência das tiras desse personagem, percebemos que esse tópico

(seleção da Overgirl) estava presente em outra tira anterior (Figura 13) à da situação

materializada na Figura 12, configurando-se em uma introdução de tópico por retomada, pois

só voltou a ser mencionado cinco tiras depois.

Figura 13

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

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Esse tipo de ocorrência, do E inicial no texto, foi encontrado em mais quatro tiras.

Além dessa ilustrada acima, apenas outra se referia a um tópico desenvolvido numa sequência

de tiras. As demais eram iniciadas com interrogativas não retóricas, como elemento anafórico

ou catafórico, com intuito de introduzir a ocorrência do tópico, como se vê na Figura 14 com

o “E agora?”.

Vejamos que os processos referenciais e as escolhas lexicais foram produzidas na

possibilidade de introduzir um tópico discursivo, situando o interlocutor num encadeamento

de elementos linearizados para suscitar articulações mais globais, pois não vemos esse

encadeamento se coordenando entre um enunciado e outro imediatamente seguinte.

Nesse mecanismo da Figura 14, o tópico não está referido em tira anterior, mas a

situação comunicativa leva o leitor a buscar as referências discursivas precedentes para então

construir as significações.

Figura 14

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/hugo/tira.html>

Consideramos que isso é um mecanismo característico das tiras em quadrinhos por não

comportar muitas codificações linguísticas, sendo o papel do E codificar não só a introdução

do texto (e do assunto), mas também de mediar a articulação de codificações não presentes

com as já dadas, possível nas tiras também pela presença da linguagem não verbal, pois é

através desta que reconhecemos que a situação acontece ao telefone.

Então, estabelecer o significado aditivo não fica evidenciado nas relações sintáticas,

pois o enunciado introdutor “E agora?” não parece apresentar adição, já que, do ponto de

vista informacional, realmente não há significação precisa dessa natureza.

Na Figura 15, o mecanismo ocorre de modo contrário a esse anterior, pois o tópico

está apenas supostamente introduzido e também não está codificado. No anterior, as

inferências correspondem ao que vem antes para instaurar a produção de significação e chegar

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ao entendimento do que já está dado, nesta o E prepara a entrada de um novo tópico que não

está dado na situação, ou seja, as inferências se situam para o que pode vir na sequência.

Figura 15

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Nesse caso, a introdução de um novo tópico, no final da tira, ficou apenas sugerido,

não foi expresso na materialidade linguística do texto, mas embutido no teor discursivo

aludido pelo recurso pragmático das reticências, inferindo que uma nova rota temática entra

nessa narrativa, já que o sujeito (ele) “apontou com a mão direita”, mas a memória do

personagem recorda que “ele era canhoto”. O E, nesse caso, não atua propriamente como o

Introdutor de Tópico Discursivo, mas instiga a entrada de um possível tópico.

A situação assemelha-se à da Figura 14 por ser uma espécie de interrogativa (E

agora?/E depois?), só que naquela com a perspectiva de introduzir o tópico, nesta com intuito

de dar continuidade ao tópico.

Nesse caso, a constituição de um novo tópico não necessariamente encontra-se

materializado no texto, mas em alguns casos deve ser observado pelo interlocutor, questão

que levanta a crítica de que o tópico discursivo apresenta uma noção intuitiva. No entanto, há

critérios, como por exemplo a centração, para identificação do tópico discursivo.

Na Figura 16, o tópico introduzido com o E parece proceder do modo como Camacho

(1999) chamou de “Introdutor de comentário”, consolidado pela fala do personagem pai, que

enunciou um comentário após constatar que o filho continuava em casa (você estava aqui em

casa o tempo todo, é!? / e eu, pensando que você estava correndo um grande perigo!!).

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Figura 16

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-gatos.html>

Nesse sentido, observamos que há uma diversidade de mecanismos em que um

enunciado pode se introduzir aos que já são dados. Ocorrem numa relação de adição

intermediária, no comparativo com as demais funções em análise, pois há um acréscimo

subsidiado pelo E, mas não explicitamente, porque não se relaciona de modo sequencial em

que uma oração se encadeia semanticamente noutra, mas essa conduta se dá num nível

discursivo.

5.1.3 Sequenciamento Retroativo-propulsor

Outra manifestação do item linguístico E, no corpus, refere-se à função

Sequenciamento retroativo-propulsor, ou seja, aquela que estabelece uma relação coesiva

simultaneamente em continuidade e consonância na sequenciação textual e une um enunciado

a outro, demonstrando que a informação que se segue tem relação com a anterior.

(TAVARES, 2010).

O Sequenciamento retroativo-propulsor foi a função mais recorrente nos dados desse

trabalho, atingindo um percentual de 46,7% (95/203). Dado a esse alto percentual em relação

às outras funções discursivas do item linguístico E (Focalização, 8%, e Introdução de tópico

discursivo, 15,7%), nossa análise se dará seguindo as subfunções elencadas por Tavares

(2007): sequenciação textual, sequenciação temporal e causa-consequência.

Quanto à análise da sequenciação textual, no segundo quadrinho da Figura 17, temos

uma ordem sequencial, elencando as atividades do cargo de rei. Uma enumeração de fatos é

apresentada numa sequenciação discursiva em que o último desta (“e ganha o que bem

entender”), introduzido por E, funciona como um mecanismo de coesão que dá subsídio à

progressão do texto.

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Figura 17

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/dia-a-dia/index.html>

Os fatos das narrativas em geral se desenvolvem a partir de um encadeamento

motivado pelos acontecimentos que se organizam por meio de uma sequenciação (discursiva

e/ou temporal). Nesse caso, o item linguístico E se torna um procedimento habitual usado

para acrescentar uma nova informação à sequência.

Segundo Tavares (2010), a sequenciação textual é bem favorável para ser codificada

pelo E. Chega a essa constatação porque o analisou tendo como parâmetro de comparação

outros sequenciadores (AÍ e ENTÃO). Justifica reconhecendo que seu nível de processamento

cognitivo é de baixa complexidade.

Nos dados desta pesquisa, não foi o sequenciador mais frequente, distinguindo-se dos

resultados de Tavares (2010; 2007). Nossa hipótese para essa aparente disparidade é que a

análise da autora é feita em três tipos de discurso (narrativa de experiência pessoal, relato de

procedimento e relato de opinião), enquanto nessa investigação apenas em narrativa (das tiras

em quadrinhos), ambiente discursivo muito propício para dar seguimento à ordem de

acontecimentos narrados. A sequenciação textual foi, nos dados da nossa análise, o segundo

tipo de sequenciador mais frequente, contemplando 37% dos dados selecionados como

Sequenciamento retroativo-propulsor.

Na Figura 18, a fala do personagem, logo no princípio da tira, é colocada em dois

planos textuais (1º e 2º quadrinhos) conectados pelo E. Ambos se remetem a etimologia da

palavra “Pirata”, salientando desse modo, um teor aditivo, em que uma informação é

acrescida a outra, mas também envolvido num movimento de retroação e consonância (“quer

dizer” no 2º quadrinho, se refere a “Pirata” no 1º quadro).

Como as duas porções textuais está muito visível, principalmente pela forma como as

falas do personagem foram organizadas na tira (1º e 2º quadrinhos), é justamente o item

linguístico E que faz o intermédio entre elas.

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Figura 18

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

O trecho “E quer dizer ‘guerreiros valorosos, altos...” dá sequência a ordem

discursiva do enunciador, revelando que a informação acrescentada tem relação com a outra,

anunciando, assim, uma continuidade, sem que haja mudança de tópico (assunto) e

assinalando a ordem sequencial das informações.

A Figura 19, a seguir, reúne várias tiras com o E na função de sequenciador textual.

Como o Sequeciamento retroativo-propusor aparece abundantemente nas tiras em quadrinhos

analisadas temos condições de explaná-lo em série, como na Figura 19.

Figura 19

Fonte: http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/dia-a-dia/index.html

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

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Na Figura 19 as estratégias de funcionamento do E como sequenciador textual são

semelhantes às das Figuras 17 e 18, em que os enunciados sequenciados pelo E, ora estão

num mesmo plano textual (numa mesma fala), ora estão em planos diferentes.

O E como sequeciador textual é muito próximo do que Penhavel (2009) chama de

coordenador, pois o nível de articulação é apreendido porque levamos em conta o contexto

discursivo, do contrário, seriam dois blocos de oração ligados pelo conectivo E. Resulta disso

o fato de representar um processamento mental mais rápido e econômico (TAVARES, 2010).

Na análise da sequenciação temporal, vemos que é possível observar uma cronologia

que conduz a ordem dos eventos no texto. Uma ação é encaminhada e sucessivamente outra

se encaminha numa orientação temporal, como na Figura 20, “[..] teclar um S.O.S...”

sucedendo em “... e lançar às águas [...]”. Também as reticências pontuam essa sucessão

entre os eventos (2º e 3º quadrinhos), sugerindo um intervalo entre os acontecimentos

(processamento do evento anterior – digitar a mensagem – para incidir no posterior). As ações

(força do el niño, tecla um S.O.S e lançar mensagem nas águas) se apresentam no discurso

para compor uma linha sequencial que transcorre numa ordem temporal (os problemas

climáticos para suceder os problemas de informática) na qual um problema ocasiona o outro.

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

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Figura 20

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/hugo/tira.html>

Nota-se a ocorrência dos fatos não somente numa ordem discursiva, mas o traço

temporal é acrescido e é de natureza cognitiva. Ele amplia o plano das relações semântico-

pragmáticas, desse modo, é um sequenciador que é mais amplo que o anterior, por contemplar

esse traço a mais, no entanto, não solicita um empreendimento cognitivo intenso, pois se

refere às atividades humanas e sua influência com a realidade existente como podemos

considerar na Figura 21, mais adiante.

É perceptível a interferência do contexto cultural que colabora com a significação

global do gênero, na Figura 20, o teor informativo gira em torno de dois campos discursivos:

o mundo da tecnologia (teclar, mensagem – eletrônica) e as catástrofes climáticas (“el niño”),

ambos se pautam nas referências do mundo contemporâneo que, ao se ajustar nesse contexto,

baseou-se num parâmetro de escolhas linguísticas que pudesse resultar nesse tom discursivo,

cujo intuito é atingir um propósito comunicativo (satirizar).

A sátira está justamente em fazer o homem contemporâneo pensar como equilibrar o

desenvolvimento tecnológico com a preservação ambiental, podendo ser analisado pelo jogo

semântico do último quadrinho, como em “endereço real”, deixando subentendido outro

sentido para endereço (virtual), visto que é mais provável a mensagem chegar pelas ondas das

águas, dada a inviabilidade do endereço virtual.

A assimilação dessa mensagem só chega aos interlocutores desse texto por suas

relações extralinguísticas de conhecimento sobre os fatos acontecidos, ou seja, pelas suas

experiências com o mundo, o que sugere uma noção de contexto como elemento adaptável à

situação discursiva e comunicativa e também como elemento de razões cognitivas.

Nessa direção, é necessário incluir o ponto de vista do locutor, seus interlocutores e o

meio social que se apropriam de formas linguísticas capazes de atender a dinamicidade do uso

da língua, tornando-se um vértice de multiplicidade de significados.

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A ordenação dos eventos no texto parece ter a ver também com o modo como foi

construída a ordem morfossintática de cada oração que, segue o modelo Sujeito, Verbo,

Objeto (SVO), padrão prototípico do português do Brasil.

Essas evidências contextuais parecem se refletir em codificações que deixam expresso,

mesmo implicitamente, um fundo de motivações cognitivas, pois o advérbio de intensidade

“mesmo”, tenta retratar uma imagem da gravidade do fenômeno natural demonstrado.

Já a construção verbal “devesse ter” (último quadrinho) retrata uma condição típica

desse personagem, as incertezas causadas pelos conflitos nos quais está sempre envolvido.

Situação reforçada pelo advérbio de dúvida “talvez”. Os reflexos do contexto situacional do

personagem são expressos na codificação morfossintática do gênero (texto), fato natural

quando se sabe que as atividades humanas são mediadas pela linguagem. Contudo, essa

mediação aciona mecanismos em prol de um contexto específico cujo direcionamento segue

um propósito comunicativo.

Na Figura 21, trata-se de uma situação de esperteza, por parte do menino, plenamente

possível de ser presenciada na realidade circundante.

Figura 21

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/dia-a-dia/index.html>

As evidências estão ainda marcadas, no primeiro quadrinho, pelas relações temporais

dos verbos como “tinha” e “estivemos”. O primeiro, no pretérito imperfeito, habitualmente

significa que os fatos não foram totalmente concluídos, ou seja, ação prolongada, ou como

expõe Bechara (1999, p. 277), o empregamos “quando nos transportamos mentalmente a uma

época passada e descrevemos o que então era presente”. O segundo, no pretérito perfeito, que

segundo o mesmo autor “fixa e enquadra a ação dentro de um espaço de tempo determinado.”

(p. 278). Assim, percebemos uma ação que se prolonga no tempo até o momento de

realização da fala (reforçada pelo advérbio “”aqui”). Articulando uma relação e outra está o

E, promovendo o encadeamento que provoca o desfecho seguinte.

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Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Na Figura 22, temos várias tiras para explanar a forte recorrência da sequenciação

temporal nos dados. Entre os sequenciadores, foi o que atingiu maior percentual, com 48,5%,

contrariando a expectativa inicial que se voltava para o sequenciador textual. Contudo, como

nossa análise se pauta apenas na narrativa, a ordem cronológica dos eventos é inerente a esse

tipo de sequência, daí julgamos que os números são coerentes.

Figura 22

Em todos os exemplos da Figura 22 percebemos, inclusive visualmente, uma

sequência de fatos que partem de uma situação dada e culminam num desfecho. Essa

sequência é responsável por representar a ordem temporal que conduz a continuidade do

texto.

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Por essa razão, aborda traços icônicos, porque a forma linguística é produzida a partir

das intenções que o sujeito almeja ao se comunicar, por isso, antes de materializar seu

discurso linguisticamente, ele organiza cognitivamente, tendo como parâmetro as adequações

contextuais, o que significa que o sujeito enunciador considera os conhecimentos de mundo e

as implicações do lugar de onde se enuncia. Os exemplos da Figura 22 expressam esses

aspectos, uma vez que, trazem em seu contexto um discurso que aponta à direção em que se

encaminham os fatos, pois ao mudar a ordem de ocorrência dos mesmos, sua significação é

modificada.

A sequenciação de causa-consequência apresenta maior complexidade em relação as

demais, pois o enunciado introduzido com E nessa situação se apresenta como resultante de

um evento em processo, por isso exige maior esforço cognitivo, uma vez que requer uma

elaboração mental mais densa, cujas razões estimulam os domínios da linguagem como a

argumentação.

Na Figura 23, o personagem Hugo está justificando que fez adesão a uma força maior

(Diabo), cumprindo uma espécie de ritual (“enchi o shape com tua imagem...”), mesmo

assim, a consequência disso foi negativa (“e me estourei igual!”), ou seja, há uma ideia

exposta e outra como resultante dessa que, no caso, não foi o que se esperava.

Figura 23

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/hugo/tira.html>

As relações de consequência não excluem o estabelecimento das relações de tempo.

Ela é “integrante do conjunto das relações atribuídas pelo homem em seu processo de

apreensão da realidade [...]. É o falante/escritor e não o mundo exterior que apresenta um

evento como consequência do outro [...] (TAVARES, 2007, p. 97). Daí se justificar o alto

grau de complexidade cognitiva na operacionalização dessa relação. Por isso também se

compreende a pouca incidência nos dados em análise, representando apenas 14,5% dentre os

sequenciadores.

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Em alguns casos é possível substituir o E por um “portanto” ou “por isso”. Na

situação da Figura 24 dois personagens (herói e anti-herói) estão tendo um acerto de contas,

nesse contexto, poderíamos reescrever o enunciado do segundo quadrinho que ficaria assim:

“Entupi você de pizza por isso (portanto) agora não é páreo pra mim!”. Nessa nova

construção percebemos facilmente a relação de causa-consequência porque já está marcada

por itens gramaticais (por isso e portanto) típicos dessa relação.

Figura 24

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Entre os sequenciadores, esse é que exerce um valor semântico aditivo menos

aparente, porque a relação não é tipicamente aditiva. Tendo em vista também sua natureza

cognitiva, a sobreposição de traços (ordem textual, temporal e a relação de causa seguida de

consequência) que incidem numa complexidade, além da pouca frequência, por isso é um dos

sequeciadores mais marcado.

O jogo semântico com o item lexical “pedido”, que foi pronunciado com um sentido

compreendido de outra forma, é aspecto que mece algumas considerações. O anti-herói pede

para fazer o último pedido porque ele irá morrer, já o super-herói, que se encontra em

desvantagem por ter feito muitos pedidos de pizza, responde como se estivesse pedindo mais

uma, ficando a dubiedade de sentidos.

Nesse caso, o contexto permite a produção de sentido com base no senso de humor,

porque une pelo menos duas ideias possíveis de seu significado, sobre as quais o interlocutor

faz uso de estratégias cognitivas mais elaboradas para perceber essa permuta de sentido e se

levada para o mundo das referências reais, nomearíamos como mal-entendidos.

Quando se passa a analisar as mensagens não codificadas linguisticamente, ou seja,

implícitas, decorrentes do contexto extralinguístico ou conhecimento de mundo através de

inferências, é que se entende que essa flutuação semântica em “pedido” motiva o senso de

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humor do texto, mostrando-se como uma estratégia para a produção de significados no gênero

tira em quadrinhos, recurso que podemos chamar de polissemia.

A polissemia acontece quando o significado começa a ficar transparente e dá margem

para um novo uso. O contexto dos dois eventos envolvidos (pedir uma pizza, último pedido

antes de morrer) se configura como dois usos distintos, mas com um ou vários traços em

comum entre os dois usos, referentes a uma mesma forma (pedir), porém com referências

contextuais distintas o bastante para diferenciá-los. (VOTRE, 1997). É bom lembrar que a

polissemia é produzida pela situação comunicativa do contexto.

Reconhecer ou não as duas possibilidade de significação, na Figura 24, faz parte da

capacidade sociocomunicativa do interlocutor, e quando ele percebe a multiplicidade de

sentidos no enunciado interpreta-o levando em conta a possibilidade de humor que o gênero já

sugere. Como pensa Bakhtin (2004, p. 132), a compreensão se funda de forma dialógica em

que “a significação não está nem na palavra nem na alma do falante, assim como não está na

alma do interlocutor. Ela é o efeito da interação do interlocutor e do receptor [...]”

Portanto, esse episódio ilustra a tese do funcionalismo de que o discurso deve ser o

rumo norte das gramáticas, visto que na produção e recepção de um texto se considera muito

além dos recursos linguísticos.

Na valia desses itens, as construções morfossintáticas dos enunciados são afetadas,

pois ao sugerir determinados significados, os arranjos morfossintáticos não recebem as

mesmas considerações, como podemos examinar ao retomar à situação vista na Figura 04 (p.

94).

Na Figura 25, as relações lógicas fogem à instauração de significados habituais, visto

que, para compreender a consequência dada pela própria personagem é um tanto dificultoso,

ou seja, não é aparentemente dada, nem racional, já que não segue a ordem natural dos fatos

da realidade. Por exemplo, como lamentar após a morte? Nesse sentido, há uma negociação

de sentidos embutida no propósito comunicativo, tanto por parte das intenções pretendidas

quanto das propriedades inerentes a esse tipo de gênero que, entre as quais, estão a ironia e o

humor.

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Figura 25

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Essa quebra na linearidade da sequência narrativa, representada pelas reticencias,

ocasiona um certo suspense, em seguida encadeado com o E sequenciador com ideia de

consequência mediante a causa anterior.

Constatamos que o E, na função de Sequenciamento retroativo-propulsor, é mais

frequente nos dados em relação as demais funções analisadas. Isso pode demonstrar o caráter

de simplicidade que ele confere ao processamento discursivo, atribuindo-lhe rapidez. Essa

atribuição satifaz a obtenção de neutralidade, como colocada por diversos autores, dentre eles,

Neves (2000) e Camacho (1999), característica que tende a ser codificada por itens de baixa

marcação e menor desenvoltura cognitiva, como é o caso do E nessa função.

Essas razões talvez justifiquem o E sequenciador com uma demanda tão elevada nos

dados. O Sequeciamento retroativo-propulsor é a função sobre a qual percebemos, com mais

evidências, os traços semanticos aditivos, por exigir procedimentos linguísticos e discursivo

mais simples, sobretudo nas sub-funções de sequenciação textual e temporal, pois nelas

percebemos quais as partes que estão relacionadas.

Para melhor visualização dos dados do corpus, referentes a Sequenciamento

retroativo-propulsor (95 ocorrências), mostraremos no quadro 4, a seguir, em números

percentuais os três tipos de sequenciadores aqui apresentados.

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Quadro 4 – Sub-funções Sequenciamento Retoativo-propulsor

Sequenciamento Retoativo-propulsora do item E (em %)

Sequenciadores Textuais 37%

Sequenciadores Temporais 48,5%

Sequenciadores causa-consequência 14,5%

Total 100%

Conforme retrata Penhavel (2006, p. 649): “Trata-se de um mecanismo de coesão [...],

certamente o de natureza mais neutra, que estabelece uma relação semântica simplesmente de

adição entre novas sequências inseridas e o discurso já enunciado.” Ideia que corrobora com o

índice de sua frequência nos dados dessa pesquisa.

5.1.4 – Fluidez no comportamento discursivo das funções do E

Alguns casos não foram incluídos no percentual das três funções analisadas

anteriormente. Isso ocorreu por dois motivos, primeiro porque alguns apresentavam muita

proximidade entre uma e outra função (Focalização, Introdução de Tópico discursivo e

Sequenciamento retroativo-propulsor), segundo, porque não se enquadravam nessas

categorias utilizadas na análise, como a ocorrência do E na conexão de termos, que se

apresentou num percentual de 23% dos casos.

Quanto aos casos de proximidade são assim chamados por evidenciar uma aparência

confusa quanto à classificação das funções, o que legitima o que Abreu (1997) esclarece a

respeito de casos prototípicos e casos não organizados dessa forma, porque as categorias

linguísticas e cognitivas não são exauríveis, podendo assumir propriedades discursivas de

forma não linear. Ou ainda como menciona Penhavel (2005) da inexistência de critérios

rígidos que forneçam uma determinação segura entre duas funções de um item linguístico.

A falta desses critérios, possivelmente, seja pela caracterização da língua em

funcionamento, que se apóia nas correlações entre funções e formas. Estas estão

continuamente em mobilidade devido à própria natureza da gramática, um sistema suscetível

à mudança e intensamente afetado pelo uso que lhe é dado no cotidiano das interações

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verbais. Esses fenômenos são coerentes com o plano da instabilidade que a língua assume em

diferentes contextos de usos.

É o caso da Figura 26 no trecho introduzido pelo E. À primeira vista, temos um

sequenciador temporal porque está marcando os fatos numa sucessão cronológica, sugerindo a

ordem discursiva do enunciado (fala do telefone) e avançando o texto em relação ao que foi

dito antes.

Figura 26

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

Por outro lado, fica evidente que essa continuidade discursiva é afetada por introduzir

um novo sequenciamento tópico, pois o assunto (2º quadrinho) se voltava para o encontro,

mas a referência ter que ir disfarçado agrega-se como elemento novo, sugerindo a inserção de

um novo tópico (disfarce).

Ou ainda, parece focalizar um evento específico, ressaltando o modo como deve sê-lo,

deixando em relevo uma porção do enunciado e aproximando-se da focalização, reforçada

pelo traço pragmático de estar separado de uma sequência principal por um hífen, provocando

um efeito digressivo, que ainda assim favorece a atribuição de duas das funções: Introdução

de tópico discursivo e Focalização, visto que o uso desse recurso pode ser para enfatizar o

enunciado separado e, por essa razão, pode se configurar como um novo tópico.

No caso seguinte, Figura 27, o “... e daí?” prenuncia o realce do enunciado,

assumindo a função de catáfora, como elemento que passa a indicar no momento em que

ocorre uma quebra da linearidade das informações e indica que algo ainda será dito, apesar da

quebra dessa linearidade.

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Figura 27

Fonte: < http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-overman.html>

A quebra de linearidade é restituída com o enunciado seguinte, o qual trata de uma

apreciação de juízo de valor. Nesse sentido, parece ser indicativo de um novo tópico porque o

assunto anterior focava sobre “o papo de super-herói”, no entanto, o outro personagem

encaminha o diálogo para outra direção e para uma nova perspectiva da mesma situação, cujo

foco do seu olhar é literalmente o corpo físico do super-herói. Lembrando que a Introdução de

tópico colabora com a progressão textual.

O enunciado introduzido com o E atua entre esses dois pólos de assuntos sem se

submeter à estrutura sintática de nenhum, podendo proceder no rumo da instabilidade, pois

integrado com o “daí”, constitui uma construção em que aparentemente perde a propriedade

de item que pode ter suporte gramatical para servir à organização discursiva da fala. No

quadro seguinte fica melhor visualizada essa espécie de entremeio discursivo que se localiza

no âmbito global do texto.

Ao visualizarmos, no quadro, o “... E daí?” parece agir como um sequenciador,

conectando dois blocos de informações. Por outra via, no contexto não está tão separado

assim, porque os dois últimos blocos, quando vistos na tira, pertencem ao mesmo enunciador

que utiliza o “... E daí?” para quebrar a linearidade da ideia anterior e submeter a sua no

contexto enunciativo, aproximando-se, desse modo, a uma função catafórica de prenunciar

algo a se referir adiante e, consequentemente, enfatizar sua ideia em detrimento a do

interlocutor. Assim deixa margem para se pensar tanto em uma focalização como num

sequenciamento retroativo-propulsor.

“Papo de super-herói é de um

mau gosto de lascar!”

“... E daí?” “A bundinha é ótima!”

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Esse uso também não poderia estar totalmente contido nos valores semânticos

aditivos, ou caso sim, ficaria no último nível (ou grau) da escala, porque se distanciaria muito

de um valor puramente aditivo, já que não está segmentando uma informação a mais no

contexto global do texto, mas sinalizando que mais uma vai entrar na enunciação.

Como vimos, as análises tentam demonstrar a persistência do sentido aditivo do E e o

seu teor discursivo na articulação do texto, pontos observados por meio das funções

discursivas do E selecionadas.

Sabemos que os fenômenos linguísticos são sensíveis às mudanças, tal como esse sob

análise, que sai de uma categoria eminentemente gramatical para alcançar níveis de atuação

que contemplam os usos linguísticos. Como mostrou a literatura aqui apresentada e os dados

analisados, seu valor semântico aditivo foi acrescido de outros, ampliando o emprego do

conectivo para funcionar na continuidade e na ênfase dos enunciados (ver Quadro 2). Esses

empregos são reconhecidos no âmbito do gênero/texto, garantindo a continuidade textual e a

progressão mediada pelo caráter da informação e daí o E assumir uma postura multifuncional.

O “E daí”, introduz uma espécie de refutação da tese do personagem em relação ao

seu interlocutor, por isso, situado mais no nível do texto e assumindo função semelhante a de

um marcador conclusivo. Esse caráter discursivo é devido alguns itens lexicais passarem a ser

usados em contextos cumprindo funções gramaticais ainda não fixadas. O uso faz com que

esses itens tornem-se mais previsíveis e regulares.

Essa ínfima amostra representada pelas Figuras 26 e 27, demonstra o quadro de

variação e mudança na língua, conduzindo a uma reflexão acerca da fluidez de categorias dos

domínios linguísticos. Essas duas, variação e mudança, são compreendidas nos estudos

funcionalistas como processos naturais que expressam a emergência da gramática,

caracterizada pelo constante (re)fazer-se. Daí pensar no processo de gramaticalização como

um dos fenômenos capazes de explicar os tipos de ocorrências enfatizados.

Esses comportamentos diversos podem implicar configurações que representam a

dinamicidade do processo de interação verbal, cujos procedimentos resultam na comunicação

entre os homens. Essas eminências nos autorizam a dizer que essas análises, sobre o item em

pauta, podem ser revisadas com o decorrer dos usos linguísticos, os quais podem indicar

novos modos de articulação discursiva. Portanto, essas não exaurem a complexidade do papel

do conectivo E no discurso, antes apresentam um recorte das possibilidades de seus usos e

funções.

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Os dados analisados nos permitem abordar que a manifestação do E como aditivo

propriamente dito, conforme defendem as gramáticas normativas, tomou outros caminhos em

direção a articulação textual. Esses caminhos orientam como compreendê-lo enquanto valor

de continuidade e de ênfase, tendo em vista se acrescentar ao coordenador (função gramatical)

as funções relativas ao marcador discursivo (função textual-discursiva).

Quanto aos dados gerais representamos a seguir uma visão geral em número e

percentuais. A partir dele compreendemos melhor a atuação do item E no gênero tira em

quadrinhos.

Quadro 5 – Dados das funções discursivas e demais ocorrências do E

F ITD SRP CT CP12

N % N % N % N % N %

16 8 32 15,7 95 46,7 48 23,6 12 6

*F= Focalização; ITD= Introdução de tópico discursivo; SRP= Sequenciamento de tópico

discursivo; CT= Coordenação de termos; CP= Casos à parte.

Nesse panorama observamos a ampla atuação do E como um sequenciador, contudo

tem quantitativos representativos de outras funções o que nos oferece a ideia de que o item em

estudo tende a se estabelecer nessas e outras funções que possam surgir, já que o uso

linguístico proporciona a constante mudança deste, que ao se adequarem aos propósitos vão

tendendo a multifuncionalidade.

Nesse gênero, estabelecer relações de articulação com o item linguístico E parece

atender não somente uma relação de coesão, mas também se submetem nesse âmbito a

natureza informacional dos enunciados, as evidências de motivações icônicas e o nível de

frequência que indica uma situação marcada ou não marcada.

Nele há um diferencial porque temos um texto com escrita planejada para simular os

aspectos da fala. Essa dinâmica permite visualizar a incidência dos usos discursivos, nas

manifestações da língua em funcionamento efetivo.

12 Casos que não se encaixam nessas funções ou de difícil identificação destas.

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5.2 O E na articulação discursiva

Inicialmente, constatamos na literatura estudada que o E se apresenta como típico

elemento de soma, de conjunção de unidades de informações, de temas, de argumentos, entre

outras (NEVES, 2000), entretanto, a passagem do sentido base de adição para as variâncias

desse valor acontece sob gradiência (NEVES, 1985). Partindo dessa percepção, acreditamos

que o elemento linguístico E tem comportamento gradual, assumindo multifunções. Nesse

âmbito, articula porções textuais concebendo suas relações semânticas.

Tratamos assim nesse estudo, através da análise das três funções discursivas do E, de

incluir esse item linguístico como um veiculador de articulações textuais, enfocando que sua

função não se instaura apenas como coordenador nem como puramente aditivo, se assim fosse

encerraria no nível sintático. Mas, na observação de sua atuação no corpus foi possível

identificar que seu valor semântico puramente aditivo se distancia desse valor base e que, de

certo modo, fere a estabilidade postulada pela visão tradicional, uma vez que a literatura

revisada já aponta uma flutuação semântica considerável. Contudo, mesmo num nível de

distanciamento ocorre a persistência do traço semântico e aditivo.

Consta na Figura 10, já exposta em análises anteriores, um E parece suceder-se como

fonte de direcionamento da ordem argumentativa. Tal orientação, provocada pela entrada do

último personagem, conduz o leitor a se pautar numa determinada tese, como veremos.

Figura 10

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

Temos um personagem confuso cuja postura, expressa no diálogo com o padre, parece

não condizer diretamente com a última fala da tira, tendo em vista a oposição entre os dois

discursos expressos, o de conformação ou espera nas circunstâncias divinas e o de pirata, em

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que as ações são mais ativas e tendenciosas a atos de rebeldia. Articulando esses dois eixos

temáticos da tira está o item E.

Não há expressamente estratégias argumentativas, até mesmo porque a estrutura

textual sintética das tiras em quadrinhos não permitem reuni-las explicitamente na

materialidade do texto, mas há certamente um fator, especialmente visto no personagem

pirata, que faz o leitor supor determinada tese.

Nessa situação o uso do E se assemelha ao que Neves (2010) descreve como marcador

de transição, que marca uma transição entre um bloco e outro de informação, como podemos

visualizar a seguir.

O uso do E foi fundamental para a instauração da progressão textual, do contrário,

teríamos dois blocos de informações descentrados sem implicar um ao outro, como podemos

ver os blocos de informações sem a presença do E a seguir, que provavelmente,

impossibilitaria a coerência na tira.

Sem a observação da situação comunicativa e suas propriedades (atos de fala,

propósito comunicativo, contexto discursivo, etc.) fica muito estranho e difícil admitir que

esses dois blocos de informações pertençam à mesma conjuntura textual. E foi a situação

comunicativa que também possibilitou o uso do E como um item que veiculou a articulação

de um acréscimo que dá andamento ao texto, assinalando o processamento do discurso.

O E, nesse caso, constitui-se como marca linguística que direciona o interlocutor a

possíveis conclusões: a vida de pirata é melhor. Nesse sentido, o E atua como um operador

argumentativo cuja função desses articuladores é acentuar a força argumentativa dos

enunciados. A função do E é de acrescentar argumentos a favor dessa conclusão em que o

enunciador utiliza-os para acrescentar pensamentos de sua conduta, os quais admitem outros

focos devido variações contextuais. Ao acentuar esse teor argumentativo, no nível discursivo,

ganha também proporções de intensificadores.

Além da relação de soma entre os segmentos coordenados, da ideia de contraste entre

os dois primeiros quadros ligados ao último com o E, reitera a intenção argumentativa do

__ Padre, não sei o que está acontecendo comigo...

__ Fale, meu filho.

__ ... De vez em quando sinto-me possuído... por...

u-um... Pirata!

__ Reze dez Pai Nossos. Dez Ave Marias...

__ Uma garrafa de rum!!!

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enunciador, que endossa a tese contrária a que se vinha expressa anteriormente, na tira, pelo

personagem padre. Nesse sentido, o item linguístico E além de um coordenador entre essas

relações sintáticas é um articulador que marca as relações semântico-pragmáticas, tanto de

conexão como de progressão textual.

Na Figura 03 vemos com se articula um enunciado focalizador, visto que a função

conectiva não se liga diretamente a questões sintáticas, mas também pragmáticas.

Figura 03

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-piratas.html>

O referente principal dessa tira que é “sexo” que está envolvido num predicativo, mas

há também um predicador enunciado com a finalidade de referenciá-lo. Assim organizado o

referente “sexo” articula-se a diferentes enunciados, a um que se agrega sintaticamente (“é

uma coisa suja”) e a outro além da relação sintática também por relações pragmáticas (“...e

vicia”), pois houve uma troca de turno, e foi nesse sentido inserida a focalização. Essa

organização dos enunciados, na qual se encontra o predicador, lança mão tanto do nível mais

local da organização sentencial, quanto do nível da articulação discursiva mais ampla, porque

parte de um contexto situacional que participa de todo o gênero.

Na Figura 06 a intensificação corroborada pela expressão “E tem mais” se apresenta

como um recurso utilizado para ressaltar a situação comunicativa que está em andamento,

enfatizando o caráter discursivo-argumentativo do personagem que quer convencer o outro de

que “tomar conta de carro” não é um emprego.

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Figura 06

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/dia-a-dia/index.html>

O E não se apresenta sozinho como um articulador de intensificação, é importante

frisar a presença do “mais” como elemento que marca por excelência esse tom de intensidade

no enunciado. A expressão “E tem mais” é quem subjaz o teor catafórico, e não o elemento E

ou mais, por isso, a necessidade de considerar a expressão (introduzida com E).

O enunciado sobre o qual incide a intensificação vem como desfecho surpreendente,

motivo da causa do humor na tira.

Como a intensificação é um recurso semântico cujo propósito é ressaltar o significado

dos enunciados no texto, ampliando para o caráter discursivo, essa expressão articuladora

tanto se relaciona anteriores como com a fala posterior, assemelhando-se desse modo, com o

sequenciamento retroativo-propulsor, o que faz as relações enunciadas transitarem

discursivamente e não apenas sintaticamente.

Quanto aos articuladores modalizadores, elementos linguísticos que identificam as

intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso, na Figura 20 ele

vem marcado pela expressão “talvez devesse ter”, que vem posterior ao momento articulado

pelo E, ou seja, se apresenta como uma consequência da atitude realizada pela articulação

demandada por esse item.

Figura 20

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/hugo/tira.html>

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São pelos modalizadores que o leitor reconhece o nível de engajamento do locutor em

relação à intenção pretendida. Nessa situação, o personagem deixou evidente um tom de

arrependimento quanto à ação efetuada, que foi o modo como enviou a “mensagem”.

Esse estado de espírito do personagem faz parte de sua caricatura, uma vitima dos

problemas tecnológicos e ambientais.

Na verdade, o elemento E sequencia uma relação de ações pronunciadas pelo próprio

personagem e a expressão modalizadora, nesse caso, não coincide como o enunciado

introduzido pelo E, e somente aparece em enunciado seguinte. Assim, ele não participa de

uma modalização, mas trama uma sequência de fatos que culmina num tom atenuado pela

expressão em análise.

Figura 28

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/hugo/tira.html>

Já na Figura 28, percebe-se claramente uma expressão modalizada, embora a

circunstância seja ocasionada por uma situação de relações de poder, mas na expressão “e

esse é meu advogado” fica subentendido um modo de apontar a ineficiência do advogado sem

expressar totalmente na materialidade do texto, contudo, entendido pela situação apresentada

nos quadros anteriores a essa fala do personagem.

Há assim, uma sequenciação de causa-consequência, tendo em vista que mediante a

causa em que se encontra o personagem Hugo há uma consequência desastrosa provocada

pelo advogado. Também fica facilmente aceitável se trocarmos o “e” por portanto ou enfim.

Até então vimos que é mais fácil perceber o E como um conector de ações e fatos,

porém há ocorrência diferente como na Figura 29 em que o E perde seu valor gramatical para

assumir um caráter discursivo, ou seja, não segue a restrições sintáticas e passa a cumprir

restrições pragmáticas e interativas, articulando o processamento do discurso.

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Figura 29

Fonte: <http://www2.uol.com.br/laerte/tiras/index-gatos.html>

Nessa situação (Figuras 29) o E além de ter uma função gramatical de conecção e

organização textual, também se posiciona como um preenchedor de pausa. Estes atuando no

nível pragmático, exercendo funções no processamento cognitivo, na interação entre

interlocutores. Sendo assim, a articulação não ficaria mais no nível do texto e sim do discurso,

fato que ultrapassa o escopo deste trabalho, mas demonstrado com o intuito de percebermos

outras expectativas de estudo sobre a articulação do E nas relações textuais e discursivas.

Neste item tentamos mostrar outras possibilidades de estudo do E, no nível textual-

discursivo, que ganham importância pela sua maleabilidade, desde a capacidade de conectar

as ideias e os fatos, como nessa última análise, a de se emaranhar no processamento

discursivo e interativo perdendo sua função gramatical.

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CONCLUSÃO

Os usos recorrentes de determinados itens lexicais e/ou gramaticais que se apresentam

de forma mais criativas no discurso e em contextos diversos tem sido frequente, assim como

os estudos nessa perspectiva tem se intensificado na tentativa de compreendê-los e sugerir

justificativas para o devido fenômeno. Tais recorrências acabam por assumir uma

regularidade, devido à frequência de uso, desencadeando na necessidade de revisão do padrão

gramatical, pois se a língua materializa o agir no mundo conforme as necessidades de

interação do homem, as normas gramaticais nesse contexto assumem um padrão de

vulnerabilidade, o que incide na evidência de sua revisão.

Baseando-nos nessas considerações, refletimos sobre as multifunções do item

linguístico E nas construções discursivas que são consideradas enquanto resultantes de um

processo de comunicação, em que os usos da língua têm reflexos nas experiências do mundo,

postulando as suas diversas facetas (social, cultural, política, etc.) cujo quadro que contempla

essas nuances serve de inspiração para uma gramática em constante reconstrução.

Na reflexão empírica dos dados percebemos que o item linguístico em discussão tem

um alto nível de articulação textual, mesmo sendo um prototípico coordenador aditivo. Essa

reflexão foi mediada por alguns estudos, referidos na revisão literária, que mostram uma

expansão linguística sobre os itens gramaticais que atingem o nível do texto e do discurso. Por

via dessa perspectiva nos pautamos no seguinte questionamento: Como se manifesta a

multifuncionalidade dos usos discursivos do E no gênero tira em quadrinhos? A partir disso,

consideramos também os seus significados e as implicações do gênero tira em quadrinhos

enquanto texto que representa uma manifestação dialógica, constituído por ricos processos de

linguagens.

Mediante a proposta de analisar as manifestações da multifuncionalidade dos usos

discursivos do item linguístico E, bem como o contexto de sua atuação no gênero tira em

quadrinhos que, como decorrência constitui-se considerações sobre os aspectos desse gênero,

tomamos como base três funções discursivas, Sequenciamento retroativo-propulsor,

Introduções de tópico discursivo e Focalização, sendo em alguns estudos, Penhavel (2009)

por exemplo, consideradas como pertencentes ao grupo dos marcadores discursivos. Na

análise destas também observamos seu grau aditivo e sua aplicabilidade no discurso do gênero

tira em quadrinhos.

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O grupo dos marcadores discursivos pode ser considerado, conforme podemos

observar pelos dados, um grupo que apresenta menor intensidade aditiva, mesmo assim, cada

função mostrou-se na análise com uma representatividade no contínuo aditivo, sendo o

Sequenciamento retroativo-propulsor a função analisada de maior relevância, e ainda quanto

as suas subfunções se apresentaram com maior e menor incidência seguindo essa ordem de

mais aditivo para menos: sequenciação textual > sequenciação temporal > causa-

consequência. A sequenciação textual não correspondeu à expectativa inicial, que se fundava

na análise de Tavares (2007), de ser mais a frequente no gênero tira em quadrinhos. Contudo,

é justificável porque o trabalho da autora analisou quatro domínios discursivos, enquanto que

essa pesquisa se limitou à narrativa, sendo essa muito propícia para a recorrência da

sequenciação temporal, uma vez que, quase sempre, o processamento das ações numa

narrativa se sucede numa linha temporal.

A reflexão sobre os dados reunidas em torno de três funções discursivas do item

linguístico E demonstrou que a atuação desse item na articulação discursiva, cujos empregos,

figurados pela multifuncionalidade, expandem seu valor semântico aditivo para o âmbito de

um contínuo que abrange a continuidade e a ênfase, salientando que as funções que foram

postas nessa análise se afastam do valor inicial (sem abandoná-lo) e chegam a esses já

expandidos (continuidade e ênfase).

Quando o item linguístico atua na Introdução de tópico discursivo tem um valor

semântico aditivo intermediário, ora próximo à Sequenciação retroativo-propulsora, ora

próximo à Focalização.

A focalização se apresentou com menor probabilidade de valor aditivo, sendo as

vezes, quase imperceptível devido geralmente representar uma ruptura no encadeamento

linear do discurso.

O Sequenciamento retroativo-propulsor, essencialmente na sub-função sequenciação

textual é mais próxima do valor aditivo, apesar de não figurar num nível local, sua porção

textual que se articula no discurso é de fácil identificação. Contudo, nas demais sub-funções

(Sequenciação temporal e de causa-consequência) já não se pode dizer o mesmo devido aos

traços cognitivos que se incorporam na constituição das mesmas.

Na análise do gênero tiras em quadrinhos, constatou-se com frequência aquilo que

Votre (1997) chamou de deslizamento semântico, como resultado de itens polissêmicos,

sendo esta ocorrência um direcionamento natural para atender às demandas de novos usos. Os

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signos polissêmicos só se distinguem com a colaboração do contexto em que a ocorrência

discursiva se encontra.

Outro ponto que se sobressaiu pelas análises foi quanto ao propósito comunicativo de

um texto, reafirmado como referência de codificações, resultando seja em quantidade de

informações, em ordenamento das ações do evento discursivo, seja na integração dos itens

codificados.

No gênero tira em quadrinhos as escolhas lexicais são pensadas por via da eficiência

comunicativa, devido à estruturação do gênero em ser linguisticamente condensado.

Verificamos na instauração das análises que esse gênero recorre bastante a mecanismos como

inferências, uso de anáforas e catáforas, relação entre as informações dadas e não dadas para

atribuir as significações.

Acreditamos que esta investigação possa instigar outras pesquisas no sentido de

analisar outras instâncias do objeto de estudo dessa, como a sua discursivização. Sendo que, a

expectativa é que as discussões levantadas neste trabalho demonstrem uma visualização dos

estudos funcionalistas em que a linguagem é atividade discursiva e cognitiva e a língua é tida

como um sistema de natureza contextual e aberto. Com tal perspectiva, pretende-se que possa

ser aliada a um senso de reflexão sobre a prática pedagógica do ensino de língua materna,

uma vez que, a multifuncionalidade expande a visão limitada, que há nas gramáticas e nos

livros didáticos, a respeito desse item em estudo, e também de outros.

Embora o ensino não seja alvo de investigação aqui, contudo espera-se atingi-lo, pois

o texto é objeto de ensino das aulas de Língua Portuguesa e como aferimos uma análise em

textos (gênero tira em quadrinhos), mantém assim, um elo direto com o contexto pedagógico.

Por tal fato, sentimos necessidade de fazer correlações que possam contribuir nessa dimensão,

pois uma das preocupações da linha teórica funcionalista é contribuir com o ensino de língua

materna, como forma de dar um retorno social as pesquisas.

Com isso, acreditamos que essa pesquisa pode trazer contribuições para o ensino de

língua portuguesa, haja vista elucidar uma análise que amplia a ideia de uso de um item

gramatical, para tanto é necessário considerar a linguagem como instrumento das práticas

sociais, cuja visão proveniente emana a possibilidade de desempenhar as funções da língua,

influenciada tanto por fatores internos quanto externos. Dito de forma mais específica, pelo

fato de fazer distinções entre os usos de um item linguístico (E), certamente, é uma forma de

mostrar uma gramática em processo, fundamento crucial nessa linha teórica adotada nessa

pesquisa.

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Essa consideração resulta num alargamento do olhar sobre os fenômenos da língua.

Com relação ao item linguístico E, por esse trabalho explanar-lhe a relevância discursiva

conduz a não limitarmos à análise exclusivamente da gramática normativa, pensamento que

restringe sua função a coordenar termos e orações, por isso suas funções foram ampliadas

para o nível do texto.

Ter o texto como base do ensino de língua materna com o fim de desenvolver as

competências necessárias para as situações de interlocução é uma concepção bem enfática nos

PCN.

Ao eleger o nível textual-discursivo para orientar os significados, nessa pesquisa,

atribuimos às formas linguísticas uma atuação a partir do contexto que se situa. Desse modo,

reconhecer que o traço aditivo embora persistente se anexa a outros, como continuidade e

ênfase, é adotar no ensino um entendimento de maior dimensão, responsável por espelhar os

múltiplos ângulos que um fenômeno pode se manifestar. Essa visão aponta para um fazer

pedagógico produtivo podendo instigar o professor a investigar a língua em sala de aula com

vistas para seu funcionamento efetivo e real. O ensino nessa perspectiva oportuniza ao aluno o

conhecimento e o domínio de inúmeras possibilidades de empregos da língua.

A flexibilidade da língua intensifica essas formulações na busca de uma

sistematização a partir de dados do uso. Portanto, espera-se que esse trabalho possa ampliar as

discussões em torno dessa questão, os usos discursivos do E, ou ao menos, somar-se a tantos

no panorama da área de investigação, interagindo com alguns possíveis interlocutores na

expectativa de novos diálogos.

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