A Identidade Nacional Húngara (2005)

28
Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria Ano/Curso: 2º Tradução Disciplina: Cultura II Docente: Cecília Figueiredo

Transcript of A Identidade Nacional Húngara (2005)

Page 2: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Ano/Curso: 2º Tradução Disciplina: Cultura IIDocente: Cecília FigueiredoAluno: Sérgio Branco Ano lectivo: 2004/2005

Índice

2………………………Resumo

3………………………Introdução

4………………………Identidade nacional, estereótipos e cultura

7………………………Identidade Nacional e identidade europeia

11……………………..História e identidade

14……………………..Conclusão

15……………………..Palavras-chave

16……………………..Bibliografia

1 A Identidade Nacional Húngara3

Page 3: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Resumo

A identidade nacional húngara apresenta bastante singularidade, originada por

vários factores, começando pela origem e língua até à questão das minorias magiares

nos países circundantes, entre outros. Os próprios factos históricos, principalmente o

Tratado de Trianon e a influência soviética, tiveram um contributo fundamental para a

caracterização dos húngaros hoje – se muitos ainda os vêm como um povo resignado e

isolado, outros destacam a sua entrada na União Europeia.

Mas o que ainda hoje se verifica na Hungria é a dificuldade em estabelecer uma

identidade cultural sólida, para a qual a UE deve ser um dos pilares, devido aos

obstáculos em lidar com o seu próprio passado. Dentro desse passado, o mais

significativo foi o posterior a 1920, que mudou o rosto da Hungria, com grande parte da

sua população e território perdidos com a formação de novos países na Europa Central e

de Leste. Com isto surgiu o problema das minorias nesses países, que continua a ser um

assunto delicado, mesmo com a ascensão da democracia.

De facto, pertencendo a Hungria actualmente à União Europeia, o que mostra a

sua tendência actual, este país sempre se sentiu como fazendo parte da Europa/

Ocidente, embora várias vezes na história se tenha virado para Leste, quer em teoria,

quer na realidade, como na era comunista (apesar de não ter sido uma viragem

voluntária, antes pelo contrário, trouxe consigo a repressão).

2 A Identidade Nacional Húngara3

Page 4: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Introdução

Este trabalho tem como objectivo analisar a identidade nacional húngara e não

apenas da Hungria, já que como se pode ler em várias partes da apresentação o povo

magiar não está incluído apenas no Estado Húngaro, mas presente nos vários países

vizinhos. Como tal, será necessário analisar a identidade de um povo no seu conjunto,

que partilha a mesma cultura, e não somente os habitantes de um espaço político.

Penso que este é um tema interessante porque a Hungria é um dos vários países

que se juntou à União Europeia, à qual Portugal pertence, mas nós, portugueses, pouco

sabemos sobre esse país da Europa Central (como preferem ser designados).

Ao longo da análise, poderemos verificar que a identidade húngara é bastante

influenciado por factores históricos e que apesar de todos os obstáculos, tenta

solidificar-se, pelo menos no forte sentimento nacional dos húngaros.

3 A Identidade Nacional Húngara3

Page 5: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Identidade húngara, estereótipos e cultura

Uma vez questionado sobre se existiam extra-terrestres, o físico italiano vencedor

de um Prémio Nobel Enrico Fermi respondeu que eles já existiam e que se chamavam

“húngaros”, dada a especificidade de um povo que veio da Ásia, que vive numa planície

rodeada por países montanhosos, com uma língua de uma origem difícil de definir e que

sobreviveu a tantos conflitos e ocupações. Tal como o hino nacional húngaro exprime,

os húngaros são um “povo dilacerado pelo destino”. Em relação à língua húngara, esta

reflecte bem a expressão “a nação reside na sua língua”, já que sendo supostamente

isolada, mantém mais vivos do que outras os traços do povo que alberga.

Alguns documentos caracterizam os húngaros como um povo fixo à sua terra (não

no contexto da emigração, mas no de nunca ter tido a “tentação” de conquistar

territórios que não lhe pertenciam “de direito”, desde a chegada dos magiares na Idade

Média à Planície Húngara), inconscientemente cépticos, relutantes em relação a certas

situações. Mas também são caracterizados como sendo trabalhadores como refere Fiona

M. Dow em “The Broken Crown: Reapparaisalls of Hungarian Identity in the Interwar

Years”. Esta autora refere outros teóricos como Mihály Babits (“Hungarianness, as I

know it from life and from books and which I feel within myself as well, is to be frank

not vague and even less insubstantial. Its substance is national tradition itself: in other

words the aggregate of memories of fate and intellectual and emotional experiences”).

Refere também várias características do povo húngaro (baseando-se em várias fontes),

principalmente através do marco da sua história: se no passado eram grandes guerreiros,

em tempos mais recentes eram caracterizados como um povo mais contemplativo

(embora os antigos magiares também fossem assim. Outra característica, menos

embutida nos mitos, é o conservadorismo e o principio da continuidade, bem presente

até há algumas décadas na economia, sector no qual as supostas passividade, relutância

e aparente auto-satisfação húngaras estava exposta. Algumas teorias situam a origem

4 A Identidade Nacional Húngara3

Page 6: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

desta indiferença nas raízes orientais. Esta qualidade da “personalidade nacional” é

baseada, na teoria de que os antigos magiares encontraram na actual Hungria o “lugar

perfeito” para o seu estabelecimento”, deixando de procurar e quase esquecendo o

mundo exterior (o que se relaciona mais com o sentimento nacional do com os factos

reais, já que a Hungria sempre teve relações exteriores). Por outro lado, a Hungria, dada

a origem do seu povo e a sua situação espacial desde há séculos, sempre funcionou

como uma ponte (muitas vezes apenas orientada apenas para a própria nação) entre

Ocidente e Oriente, e como tal sempre mostrou abertura para o estrangeiro. Isto não

contrariava o sentir simultâneo de diferença, sendo visto com curiosidade pelo resto da

Europa, à qual a Hungria apresentava um certo anacronismo. Em contacto, a Hungria

era, paradoxalmente, um país isolado. Será conveniente dizer que a maioria destes

pontos de vista foram formulados no período entre as duas Guerras Mundiais. Muitos

pensadores desse tempo refutavam uma explicação biólogica ou étnica da identidade

nacional, definindo a “Hungarianness” como uma força espiritual que se expressa

através da cultura, características e língua, mais importante que estas, embora

dependente delas.

Quanto às tradições e costumes húngaros, refere-se normalmente a cultura cigana,

entre muitas outras tradições folclóricas, ou à agitação cultural, (o que se pode perceber

sem muito esforço pela frequência a teatros e concertos), o artesanato tradicional

(cerâmica, bordado, etc.) assim como a rica culinária (a carne de porco, o goulash e

bolos). Para além disso, Budapeste é uma importante capital europeia, rica em

património e eventos culturais.

Mas a identidade nacional, nomeadamente a húngara implica outras relações mais

complexas e em que a história da nação tem um papel fundamental (em qualquer nação

assim o é, mas veremos que a identidade da Hungria é enormemente influenciada pelos

factos históricos).

Como referiu o ex-primeiro-ministro húngaro Viktor Órban, durante a era

comunista, a Hungria “perdeu a sua personalidade” e foi confinada ao território

anónimo por detrás da Cortina de Ferro”. Também proferiu que, depois da 2ª Grande

Guerra, a Hungria “tornou-se apenas mais um país entre os infelizes estados socialistas

ocupados da Europa de Leste.

Òrban defendeu também que, a partir dos anos 90, a Hungria “começou a

procurar exactamente o que é ser húngaro” e quais as suas ambições e que durante o

tempo que mediou entre a entrada na economia de mercado e na União Europeia (UE),

5 A Identidade Nacional Húngara3

Page 7: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

os húngaros não conseguiram produzir uma imagem que capte a essência da nação

húngara e seja convincente.

Num discurso proferido em 2000 acrescentou que os húngaros têm crescido

acostumados à incerteza da sua própria imagem, justificando-a dizendo que as

mudanças que ocorreram na última década aconteceram muito rapidamente, como a

democracia constitucional, uma economia de mercado baseada na propriedade privada,

um novo sistema bancária ou a nova vida cultural. Menciona também que a Hungria,

para criar uma nova imagem sua, deve não só ultrapassar essas incertezas, como as

criadas pela globalização, incorporando o presente e o passado e que já ultrapassou a

fase de transição, enfrentando agora os mesmos problemas que outros estados

democráticos.

Segundo Gasztáv Kosztolányi, neste discurso há uma ênfase da história dentro do

contexto da construção da identidade húngara. Neste país, a reformulação da identidade

nacional com vista às exigências do mundo moderno é essencial para os cidadãos. O

papel do governo quanto ao estabelecimento de uma identidade é radicalmente diferente

do que o que aconteceu sob o comunismo, já que o estado funciona agora como um

mero apoiante. Por outro lado, a identidade durante a era comunista é centralizada e

imposta. As campanhas da identidade comunista serviam tanto como apelo à

conformidade como uma forma de aviso de penalizações em caso de transgressão.

Nessa época a identidade magiar foi abafada, impondo-se uma cultura artificialmente de

que as frequentes paradas e manifestações organizadas (com aparência de espontâneas)

eram exemplo.

Numa época de viragem para este país, Órban defendeu também que a imagem da

Hungria deve ser mais “vibrante”, não se confinando ao retrato de nação “bastante

industrializada e ambiciosa, mas sem nada de particularmente excitante”.

6 A Identidade Nacional Húngara3

Page 8: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Identidade nacional e identidade europeia

Tendo os húngaros chegado relativamente tarde à Europa (cerca do século IX),

poder-se-ia pensar que este povo pouco tem que ver com este continente. Mas logo na

Idade Média mostrava ter uma forte ligação com as tradições religiosas e culturais do

Ocidente. Assim, raramente a identidade húngara entrou em conflito com a europeia. A

Europa sempre foi um protector (contra os mongóis, os turcos e russos), excepto no

conflito com o domínio dos Habsburgos. Mesmo assim, os húngaros têm sido retratados

como “defensores do Cristianismo” e o seu país como “o extremo oriental da civilização

ocidental”. De facto, na Idade Média o facto de ser uma nação cristã (convertida por

S.Estevão) era quase igual a ser europeia. Esta relação/identidade foi realçada com as

cruzadas e o combate contra o Império Turco. Mesmo na associação com a Áustria, a

Hungria era caracterizada como europeia, pois era maioritariamente católica.

Só a partir do fim do século XIX é que se detectam alguns movimentos hostis à

identidade europeia, que lembram a origem oriental dos húngaros, embora se confinem

a pequenas organizações. Os principais partidos identificam-se com os valores e

interesses europeus, embora com argumentos diferentes. Alguns afirmam a natureza

europeísta da Hungria, enquanto outros preferem não referir esse tema como motivo de

entrada na UE, já que a “preservação da identidade nacional” constitui, para muitos um

tema desconfortável, focando-se basicamente nos temas económicos.

Nesses partidos, a consciência da identidade nacional tem sido associada à

protecção dos direitos da toda a população húngara da planície húngara (em se situa a

Hungria e parte de outros países). Deste modo, têm-se distinguido os conceitos de nação

e cidadania.

A relação entre as identidades húngara e europeia pode ser melhor interpretada

pela teoria das “prioridade tripla” da política externa húngara, baseada na “integração

euro-atlântica”, no desenvolvimento de boas relações com os países vizinhos e na

responsabilidade política pelos húngaros para lá das fronteiras.

7 A Identidade Nacional Húngara3

Page 9: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

A identidade nacional húngara está estreitamente ligada ao estatuto das minorias

magiares nos países vizinhos. A ligação destas comunidades com a integração europeia

é algo paradoxal: ao mesmo tempo que esta última serve como garante de protecção das

minorias étnicas (neste caso, não só fora como dentro da Hungria, já que é um país com

várias etnias dentro das suas fronteiras), diminui a penetrabilidade das suas fronteiras

externas europeias, que coincidem com algumas da Hungria, trazendo mais dificuldades

às comunidades húngaras de certos países (Eslováquia, Roménia..). Um decreto de 2001

do Conselho da Europa estabelece que os estados devem fazer por preservar a

identidade cultural, linguística e étnica das suas comunidades noutros estados, mas

recomenda que se adeqúe esse apoio e que seja aceite pelos países onde vivem essas

comunidades, ainda mais com o suposto sentimento contra as minorias húngaras nesses

países. O Parlamento Húngaro aprovou então uma lei que ambiciona dar apoio aos

cidadãos de identidade húngara que se considerem membros da comunidade nacional

húngara, nomeadamente nos campos linguísticos e culturais.

O ex-primeiro-ministro J.Antall declarou que queria ser “espiritualmente” o

primeiro-ministro de 15 milhões de húngaros, numa clara referência à homogénea nação

húngara dividida por fronteiras internacionais, tendo referido esse líder que “…o

Trianon (a divisão do estado húngaro após a 1ª guerra Mundial) é a tragédia de todo o

povo húngaro…”. A partir de então os húngaros sentem-se como pertencendo a uma

nação incompleta, sendo grande parte da identidade nacional problematizada a partir

desse ponto na história. O Trianon “mutilou” a identidade húngara e é, em grande parte,

por esse facto que muitas vezes os húngaros são tidos como pessoas angustiadas com a

história e de baixa auto-estima. Este tratado, tendo resultado da derrota das potências

centrais, gerou muitas que se alertavam para um “regresso” à identidade oriental

húngara, contra as “humilhações” perpretadas pelo Ocidente, situação que, obviamente

mudou com o passar das décadas.

O partido Socialista húngaro declarou que as boas relações com os países

fronteiriços eram essenciais e exigiu autonomia para as comunidades húngaras. Têm

sido discutidas várias medidas, como a permissão de dupla nacionalidade (o referendo

sobre esta questão foi realizado em Dezembro de 2004 e o “sim” ganhou com 65% dos

votos, cujos defensores argumentam ser uma compensação aos cidadãos húngaros

afectados pelo Trianon. Assim, o assumir de responsabilidade em relação a essas

comunidades é importante para a identidade nacional magiar – há um grande consenso

no que respeita aos direitos democráticos fundamentais dos húngaros e o seu contacto

8 A Identidade Nacional Húngara3

Page 10: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

inevitável com a pátria-mãe, os quais só podem ser garantidos se se aceitarem as

“normas europeias”, não fazendo muito sentido o retorno das antigas fronteiras

húngaras numa Europa unida. Para além disso a juventude das comunidades húngaras já

não exige a sua identidade baseada no território ou na raça, mas na cultura húngara.

Em 1977, um inquérito revelou que 90% dos habitantes da Hungria se identificava

como húngaro e 53% como europeu. De facto, os magiares sentem uma profunda

identificação com a sua nação e a Europa era ultrapassada por identificações com o

Bloco de Leste ou outras. Nesta altura, o nacionalismo estava relacionado com o papel

específico da Hungria na Europa – os húngaros estavam excluídos do Ocidente, mas não

se queriam identificar com o Leste. É por isso que ser europeu era quase uma utopia

para os húngaros, compensando essa falta com a ênfase na identidade nacional.

Contudo, nos últimos anos do regime comunista/primeiros de democracia, a UE

começou a ser vista como a alternativa inevitável. A crítica ao “imperialismo ocidental”

foi substituída pela dos defeitos do sistema socialista. Algumas teorias defendiam a

integração europeia, mas com um estatuto mais neutro, enquanto outras, rejeitando tanto

o Ocidente como o Leste, procuraram uma identidade centro-europeia. Mas o que

acabou acontecer, já em 2004, foi a adesão da Hungria à UE. Assim, podemos concluir

que mesmo com a sua esfericidade nacional e situação no continente, a Hungria situa-se

agora do lado no qual quase sempre esteve com que se identificou, mesmo

minimamente, por vezes: a Europa.

A entrada da Hungria na UE é geralmente interpretada como a oportunidade de

este país entrar numa importante unidade transnacional, conseguindo simultaneamente

preservar a sua identidade nacional

Como noutros países, também na Hungria se teme a erosão das tradições nacionais

e do sentimento de entidade única pela globalização. É neste contexto que a UE se

apresenta como a melhor salvaguarda da identidade de um país pequeno, incapaz de se

defender dos efeitos prejudiciais do capital global por si próprio. Assim, é defendido

que a Hungria num contexto global e da Europa comunitária terá progresso,

autodeterminação limitada, prosperidade e estabilidade, além de permanecer no centro

geopolítico e conservar a sua identidade, língua e cultura (como afirma Victor

Segesváry em Twilight of the Territorial State, o conceito de transnacionalismo não

significa a negação da importância da identidade nacional, rejeitando apenas a

instituição do Estado-nação territorialmente baseado).

9 A Identidade Nacional Húngara3

Page 11: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Fora da UE, e numa era global, é defendido que a Hungria entraria em declínio,

tornar-se-ia vulnerável entraria num processo de estagnação, além de se fazer

desaparecer a sua identidade e ser relegada para a periferia.

Apesar de pouco antes de a Hungria entrar na UE ter sido apontada como um dos

três países mais optimistas quanto à integração, a percentagem de apoio à entrada

decresceu à medida que a data de adesão se aproximava. Isto pode ser explicado pelo

forte sentimento de identidade nacional, que apesar de todo o contexto histórico, é o

mais alto entre os 10 países que aderiram em 2004, mas principalmente pela maior

noção das exigências da comunidade.

Em relação à especificidade da Hungria, Victor Segesváry afirma na mesma obra

acima mencionada que devemos caracterizar o panorama linguístico e cultural através

da expressão “Island Hungary”. Assim, nesses campos a Hungria tem permanecido

isolada, o que não significa que não haja várias relações com os estados vizinhos. Por

outro lado, essa componente da identidade húngara não irá desaparecer, já que a UE

promove as diferenças culturais. Deste modo “Island Hungary” não significa

isolamento, mas riqueza e especificidade cultural.

Mesmo a história húngara mostra que este país sempre esteve conectado à Europa

(no inicio da nação, a conversão ao Cristianismo marcou o lugar da Hungria na

civilização europeia). Por conseguinte, a Hungria não está agora integrar-se na Europa,

mas a consolidar esta tradição de pertença, que, de acordo com o antigo presidente da

assembleia parlamentar János Áder, apenas foi interrompida pelo comunismo. Enquanto

que a Hungria foi quase impelida para o bloco de Leste, a integração na Europa é vista

como um acto de afirmação próprio e o reconhecimento do seu verdadeiro destino.

Apesar disso a integração na UE pode implicar tanto esforço como a transição do

comunismo para a democracia. Além disso os húngaros identificam-se como habitantes

da Europa Central, argumentando que existe uma diferença significativa entre esta e a

Europa de Leste.

A abrupta transição para o capitalismo é uma das razões pelas quais a sociedade

húngara se está a polarizar entre aqueles tidos como os beneficiados (a minoria) e os

prejudicados (a maioria). Por esse motivo e pela importância do Estado no regime antes

da 3ª República (1989), como garante de pleno emprego, segurança, é que muitos

sentem nostalgia pelo antigo regime comunista.

Como nação integrada numa “aldeia global”, a Hungria necessita de se afirmar.

Segundo Frigyes Solymosi, um dos caminhos a seguir para tal passa por mostrar que os

10 A Identidade Nacional Húngara3

Page 12: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

húngaros sempre lutaram contra todo o tipo de opressões e que a Hungria é

turisticamente atractiva. Quanto a este último factor, existe o problema de criação de

uma identidade movida por forças comerciais que pouco ou nada têm que ver com a

“verdadeira” Hungria (como as serenatas ciganas, o cruzeiro no Danúbio…), sendo

muitas vezes esquecidos os grandes músicos, inventores e vencedores de Prémio Nobel.

História e identidade

A identidade nacional húngara é uma das mais fortes e antigas do continente

europeu (apesar de a partir do regime comunista passar a ser mais ocultada, como se

refere mais adiante). Crónicas do século XII dão destaque às diferenças históricas e

linguísticas dos magiares em relação ao resto das comunidades europeias (pensa-se que

a sua língua provenha não do ramo Indo-Europeu, mas do Fino-Úgrico, com origem nos

Urais), para além do carácter multi-étnico da Hungria antiga (que permanece na

actualidade). Olhando para trás no tempo, os húngaros (pelo menos as elites políticas),

vêem o seu país como um lugar onde a forma ocidental do Cristianismo se manteve (ao

contrário de estados vizinhos), tal como correntes ideológicas, políticas e artísticas

(Humanismo, Renascimento, Reforma…).

No século XII, a Hungria era o principal estado da Europa Central. Essa fase

terminou com várias invasões e divisões. A Hungria só voltou a ter algum renome

quando se juntou à Áustria no Império Austro-Húngaro, embora estivesse, de certo

modo, subjugada a esse país.

No século XX dois acontecimentos transformaram o destino do povo húngaro. O

primeiro foi o assinar do Tratado de Trianon (consequência da derrota na I Guerra

Mundial), em 1920, e o segundo a ocupação soviética no período a seguir à 2ª Guerra

Mundial. O Tratado de Trianon dividiu o milenário estado húngaro entre a Áustria, a

Checoslováquia, a Jugoslávia e a Roménia, para além da própria Hungria, que nisto

perdeu 2/3 do território e 60% da população. Só num pequeno período antes e durante a

2ª Grande Guerra é que a antiga Hungria se reuniu, para no final do conflito voltar ao

mesmo. Assim, os países vizinhos passaram a albergar vastas comunidades de húngaros,

cujos direitos humanos e de auto-determinação ainda hoje são desrespeitados. Autores

como Aladár Schöpflin argumentam que não se podia salvar a estrutura original do

milenário estado, a nação permaneceria intacta. Mesmo assim, a preocupação dos

11 A Identidade Nacional Húngara3

Page 13: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

húngaros era apenas “um jogo de crianças”, comparado com o dos seus “irmãos” para lá

das fronteiras.

O Tratado de Trianon foi bastante traumático para os húngaros porque inverteu

por completo a sua assumpção de que a sua nação sempre teve e tinha controlo sobre o

seu destino. De facto, uma das grandes ambições da Hungria entre as Grandes Guerras

era a restituição das suas antigas fronteiras, sendo a geografia ensinada nas escolas a de

uma Hungra pré-Trianon, já que afinidade entre as várias componentes (geográfica,

económica, política e histórica) era vista como indissociável.

Entre as duas Grandes Guerras, surgiram várias teorias que se baseavam na origem

do povo magiar e que apontavam para uma orientação a Leste ou uma “terceira via”

alternativa à estrutura política ocidental ou comunista. Assim, a Hungria entrou na 2ª

Guerra Mundial ao lado da Alemanha Nazi, já que esta lhe garantia alguns territórios

perdidos, num novo conflito com a Europa e, desta vez, também com os Soviéticos. A

penalização veio na forma do Tratado de Ialta.

Alguns anos depois de ter sido novamente derrotada, desta vez na 2ª Guerra

Mundial, veio o efectivo alargamento do bloco de Leste à Hungria, cujo principal

objectivo foi, segundo Lázlo Márácz, obliterar a identidade cultural e nacional húngara

(começando pela negação da sua identidade europeia e cristã). A cultura húngara era

vista como mero folclore, limitando-a às fronteiras políticas. Nos media da Hungria

comunista, o seu próprio povo era caracterizado como inferior e agressivo. Os líderes

comunistas tentavam criar uma má atmosfera social no país. Assim os húngaros eram

retratados como “eternos perdedores”, sempre do lado errado, pessimistas com

tendência para o suicídio e alcoolismo e sem ambições. Mesmo as estatísticas

denegriam o povo húngaro, que começou a pensar em si mesmo como sendo inferior,

num país introvertido e instável. Ainda hoje estes estigmas dominam a sociedade

húngara.

A Hungria desempenhou um importante papel na queda do comunismo na Europa,

quando em 1989 abriu as suas fronteiras com a Áustria, permitindo a fuga de muitos

alemães de Leste para o Ocidente. Já em 1968, em pleno regime comunista houve uma

descentralização da economia. Foi também o primeiro país em que houve uma grande

sublevação armada contra o Estalinismo (embora tenha sido esmagada).

Com a opressão a que estavam sujeitos, foram muitos os habitantes que

emigraram, dando origem a uma enorme diáspora.

12 A Identidade Nacional Húngara3

Page 14: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Mesmo depois do colapso do mundo comunista e a “viragem” para o Ocidente, as

estruturas políticas e micro-económicas não se tornaram totalmente democráticas (os

cidadãos têm pouca influência no exercício do poder, os sistema judicial é caro, ainda

há relativamente poucas propriedades privatizadas …), para além de já terem havido

políticas anti-húngaras nos estados vizinhos, nomeadamente visando as minorias.

Mesmo as estatísticas ainda ocultam parte dessa população.

Depois de sucessivas subjugações ao longo dos séculos, podemos dizer que os

húngaros alcançaram finalmente a liberdade com a democracia.

Os húngaros ainda não estão preparados para regenerarem completamente a sua

auto-imagem, já que ainda hoje é tabu executar pesquisas sobre a identidade e cultura

nacional, muito por causa do legado comunista. Outra razão relaciona-se com uma

possível revisão das fronteiras húngaras, na sequência do reforço da cultura nacional

(devido às minorias). Esta aparente proibição implica problemas de integração, já que só

um estado que assume a sua identidade nacional de maneira relativamente consistente,

pode enfrentar com sucesso os desafios da UE e do mundo global. Mesmo assim, a

Europa tem bastante interesse que essas pesquisas se desenvolvam, tendo para tal que

reconhecer a existência de ocultação de parte da identidade e cultura húngaras.

Na Hungria, identidade nacional nem sempre comporta um estado ou é sinónimo

de uma estrutura política. Não há congruência temporal e espacial entre o estado

húngaro e a mesma identidade nacional – o povo húngaro já existia antes de fundar o

seu estado, já que provavelmente é originário da Ásia – e os magiares que hoje habitam

a planície húngara não vivem apenas na Hungria, (devido ao Tratado de Trianon),

estando espalhados por sete países vizinhos. Isto levou o historiador húngaro-americano

Stephen Borsody a apelidá-la de “nação dividida”. E com tantos húngaros e seus

descendentes emigrados noutras partes do mundo, eles caracterizam-se a si mesmos

como habitantes de uma “aldeia global”.

13 A Identidade Nacional Húngara3

Page 15: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Conclusão

A componente essencial para a formação da identidade húngara é o seu percurso

histórico, mais do que as práticas culturais actuais. Isto relaciona-se principalmente com

a transformação fundamental para entender o sentimento do povo húngaro: o declínio da

Hungria com o Tratado de Trianon, em 1920, que fez com que uma importante parte

dos seus habitantes passasse a residir nos países que “tiraram terra” à Hungria.

Obviamente, isto gerou grandes efeitos sociais e culturais que ainda hoje se sentem,

fazendo com que os húngaros se passassem a auto-designar como um povo injustamente

dividido. Várias características e estereótipos se associaram assim como os húngaros: o

de serem um povo que, de algum modo, não quer enfrentar o passado (uma aparente

fragilidade cultural que contrasta com o forte sentimento patriótico), ou pessimista,

sentimento que a repressão comunista incrementou. Refira-se que desde cedo a Hungria

se manifestou contra a pertença ao Bloco de Leste, cujo fim abriu caminho para a

democracia e a integração europeia.

Desde a Idade Média, a Hungria adoptou vários padrões europeus, mostrando a

sua ligação indissolúvel à Europa. Apesar disso, a identidade húngara é paradoxal, já

que ao mesmo tempo se sente parte da Europa, a Hungria não nega as suas origens

orientais, sendo caracterizada também por vários aspectos culturais únicos. Assim, a

Hungria quase sempre fez parte do Ocidente, sem se desligar do Oriente e conservou a

parte da sua identidade que não proveio de nenhum dos dois lados.

14 A Identidade Nacional Húngara3

Page 16: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Palavras-chave

Identidade nacional - tomando como referência a concepção desenvolvida por

Anthony D.Smith, podemos identificá-la como um conjunto que envolve um

passado histórico comum, mitos e memórias colectivas, uma cultura de massa

comum (como por exemplo, uma língua), e um sistema judicial e económico

comum, e juntando outros aspectos como classe social, religião e etnia, podemos

afirmar que identidade nacional é um conceito multidimensional;

Tratado de Trianon – tratado assinado em 1920, na sequência da derrota das

potências Centrais, nas quais o Império Austro-Húngaro se incluía, que obrigou a

Hungria a entregar extensos territórios à Roménia, Jugoslávia e Checoslováquia,

perdendo 70% de espaço e 60% de população, o que levou a que um terço dos

húngaros passasse a viver em solo estrangeiro;

Minorias húngaras – comunidades resultantes da divisão da antiga Hungria,

habitantes na Roménia, Eslováquia, República Checa, Sérvia, Croácia e Áustria;

Magiar – designação do antigo povo húngaro; sinónimo de húngaro (actual ou não).

15 A Identidade Nacional Húngara3

Page 17: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

Bibliografia

Grande Atlas do Conhecimento/ Países de A a Z, Vol. 4, 2001, Matosinhos, p.630-

643, Jornal de Notícias (edição)

Internet:

o http://assembly.coe.int/Documents/AdoptedText/TA03/ERES1335.htm o http://cnnstudentnews.cnn.com/WORLD/election.watch/europe/hungary4.html

o http://docserver.bis.uni-oldenburg.de/publikationen/bisverlag/meyper92/kap6.pdf

o http://en.wikipedia.org/wiki/Hungarian_language

o http://en.wikipedia.org/wiki/Magyars

o http://history.rutgers.edu/graduate/ab94corn.htm

o http://mek.oszk.hu/02200/02236/02236.htm

o http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/europe/country_profiles/1049641.stm

o http://nhs.needham.k12.ma.us/cur/kane98/kane_p3_immig/Hungary/hungary.html

o http://www.ce-review.org/00/6/essay6.html

o http://users.cwnet.com/millenia/immage.htm

o http://www.euintegration.net/data/doc_publications/92/Hungarian %20Identity_Balogh.pdf

o http://www.europarl.eu.int/meetdocs/committees/afet/20030317/471788pt.pdf

o http://www.fsz.bme.hu/hungary/facts.html

o http://www.fsz.bme.hu/hungary/geo.html

16 A Identidade Nacional Húngara3

Page 18: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

o http://www.fsz.bme.hu/hungary/history.html

o http://www.fsz.bme.hu/hungary/intro.html

o http://www.hungary.com/servlet/page? _pageid=6176,6177,6181,6179&_dad=portal30&_schema=PORTAL30

o http://www.hungary.com/servlet/page? _pageid=6188,6177&_dad=portal30&_schema=PORTAL30&p_menuitem=4808931064

o http://www.hungary.com/servlet/page? _pageid=6220,6177&_dad=portal30&_schema=PORTAL30

o http://www.hungary.com/servlet/page? _pageid=6221,6177&_dad=portal30&_schema=PORTAL30

o http://www.hungary.com/servlet/page? _pageid=7020,6177&_dad=portal30&_schema=PORTAL30

o http://www.hungary.com/servlet/page? _pageid=7022,6177&_dad=portal30&_schema=PORTAL30

o http://www.icicom.up.pt/blog/blogoscopio/arquivos/001084.html http:// europa.eu.int/comm/public_opinion/archives/eb/eb61/exec_hu.pdf http:// www.proeuropa.ro/ALTERA/2005/25/a25e.html

o http://www.iis.unsa.ba/institut/du_agnes.htm

o http://www.iskcon.com/icj/8_2/kamaras.html

o http://www.lonelyplanet.com/destinations/europe/hungary/culture.htm

o http://www.proeuropa.ro/ALTERA/2005/25/a25e.html

17 A Identidade Nacional Húngara3

Page 19: A Identidade Nacional Húngara (2005)

ESTG

18 A Identidade Nacional Húngara3