A força-tarefa não o negócio esconde mais: é alcançar Lula ... · tes das eleições...

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REPORTAGEM DE CAPA 16 CARTACAPITAL.COM.BR VAGNER ROSARIO/FUTURA PRESS, DOUGLAS MAGNO/AFP, EMBAIXADA DOS BONECOS GIGANTES DE OLINDA E MOVIMENTO LIMPA BRASIL/AFP é admirado por esse grupo, mídia e clas- se média. É a “esperança do Brasil”, con- forme um cartaz que aceitou empunhar no ano passado em Brasília. Apesar de comandarem a investiga- ção de um esquema extenso, comple- xo e arraigado que sugava os cofres da Petrobras, Moro, Janot e a força-tarefa já viveram dias melhores. Passados 24 meses do início das ações, o apoio irres- trito à Lava Jato sofre fissuras. Antes su- focadas ou isoladas, as críticas aos mé- todos da operação, do vazamento sele- tivo às prisões temporárias excessivas, têm ganhado corpo nos meios jurídicos. U ma página exclusiva na internet, criada pelo Ministério Público Federal, exibe com orgulho os números da Lava Jato. Em dois anos, a operação recuperou 2,8 bilhões de reais desviados pelo esquema. As 80 condenações de políticos, funcionários públicos, lobistas e em- preiteiros envolvidos somam uma pena superior a 700 anos de prisão. Não há registros na história do País de empresários graúdos manti- dos por tanto tempo atrás das grades. O juiz Sergio Moro virou um ícone da moralida- de, premiado pelos veículos de comunicação, aplaudido em restaurantes, aeroportos e eventos frequentados por uma parcela da opinião pública que, coincidentemente, tem como traço mais marcante não o horror à corrupção, mas um antipetismo arraigado. Embora menos popular, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também POR MARCELO AULER AS MARCAS DA LAVA JATO A OPERAÇÃO COMPLETA DOIS ANOS, SOFRE CRÍTICAS CRESCENTES E MIRA NO EX-PRESIDENTE LULA PARA MANTER ACESA A "INDIGNAÇÃO POPULAR" de 2014, quando o escândalo veio à tona, para 26% em novembro passado. O perfil desses 26%? Defensores do impeachment e antilulistas empedernidos. Sem grandes prisões, as últimas fa- ses da Lava Jato ocuparam menos espa- ço no noticiário. Por coincidência, quan- to menos espetaculares foram as ações, e quanto menos indícios reuniram pa- ra provar a ligação da presidenta Dilma Rousseff com o escândalo, menor foi o entusiasmo dos manifestantes pró-im- peachment. Talvez por isso a força-tare- fa não esconda mais o intuito de alcan- çar, seja como for, o ex-presidente Lula. Na terça-feira 9, em pleno Carnaval, veio à tona uma decisão de Moro de cinco dias antes, que autorizou a abertura de um in- quérito específico para investigar o en- volvimento da construtora OAS, cujos executivos assinaram um acordo de de- lação premiada, na reforma do sítio em Atibaia, interior de São Paulo, frequenta- do por Lula. Como no caso do triplex nu- ma praia do Guarujá que motivou a 22ª fase da operação, apelidada de “Triplo X”, o sítio não pertence ao ex-presiden- te, mas não importa. As suspeitas servem A carta dos advogados com uma lista do que os signatários consideram abusos ao Estado de Direito, divulgada no fim do ano passado, é um, mas não o único si- nal dessa mudança de percepção da atu- ação de procuradores e policiais federais. Uma pesquisa de opinião do Vox Populi, em novembro passado, mostra uma re- dução substancial do interesse da maio- ria dos entrevistados pelas notícias a res- peito da operação, o que é natural, dada a prolongada duração das investigações. O porcentual daqueles que se declaram muito interessados pela Lava Jato, apon- ta o instituto, despencou de 67% no início Moro no auge: boneco no Carnaval de Olinda ... o negócio é alcançar Lula, custe o que custar A força-tarefa não esconde mais:... Desde que não mexa com certos interesses...

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é admirado por esse grupo, mídia e clas-se média. É a “esperança do Brasil”, con-forme um cartaz que aceitou empunhar no ano passado em Brasília.

Apesar de comandarem a investiga-ção de um esquema extenso, comple-xo e arraigado que sugava os cofres da Petrobras, Moro, Janot e a força-tarefa já viveram dias melhores. Passados 24 meses do início das ações, o apoio irres-trito à Lava Jato sofre fissuras. Antes su-focadas ou isoladas, as críticas aos mé-todos da operação, do vazamento sele-tivo às prisões temporárias excessivas, têm ganhado corpo nos meios jurídicos.

Uma página exclusiva na internet, criada pelo Ministério Público Federal, exibe com orgulho os números da Lava Jato. Em dois anos, a operação recuperou 2,8 bilhões de reais desviados pelo esquema. As 80 condenações de políticos, funcionários públicos, lobistas e em-preiteiros envolvidos somam uma pena superior a 700 anos de prisão. Não há registros na história do País de empresários graúdos manti-

dos por tanto tempo atrás das grades. O juiz Sergio Moro virou um ícone da moralida-de, premiado pelos veículos de comunicação, aplaudido em restaurantes, aeroportos e eventos frequentados por uma parcela da opinião pública que, coincidentemente, tem como traço mais marcante não o horror à corrupção, mas um antipetismo arraigado. Embora menos popular, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também

P O R M A R C E L O A U L E R

AS MARCAS DA LAVA JATO

A OPERAÇÃO COMPLETA DOIS ANOS, SOFRE CRÍTICAS CRESCENTES E MIRA NO EX-PRESIDENTE LULA

PARA MANTER ACESA A "INDIGNAÇÃO POPULAR"

de 2014, quando o escândalo veio à tona, para 26% em novembro passado. O perfil desses 26%? Defensores do impeachment e antilulistas empedernidos.

Sem grandes prisões, as últimas fa-ses da Lava Jato ocuparam menos espa-ço no noticiário. Por coincidência, quan-to menos espetaculares foram as ações, e quanto menos indícios reuniram pa-ra provar a ligação da presidenta Dilma Rousseff com o escândalo, menor foi o entusiasmo dos manifestantes pró-im-peachment. Talvez por isso a força-tare-fa não esconda mais o intuito de alcan-çar, seja como for, o ex-presidente Lula. Na terça-feira 9, em pleno Carnaval, veio à tona uma decisão de Moro de cinco dias antes, que autorizou a abertura de um in-quérito específico para investigar o en-volvimento da construtora OAS, cujos executivos assinaram um acordo de de-lação premiada, na reforma do sítio em Atibaia, interior de São Paulo, frequenta-do por Lula. Como no caso do triplex nu-ma praia do Guarujá que motivou a 22ª fase da operação, apelidada de “Triplo X”, o sítio não pertence ao ex-presiden-te, mas não importa. As suspeitas servem

A carta dos advogados com uma lista do que os signatários consideram abusos ao Estado de Direito, divulgada no fim do ano passado, é um, mas não o único si-nal dessa mudança de percepção da atu-ação de procuradores e policiais federais. Uma pesquisa de opinião do Vox Populi, em novembro passado, mostra uma re-dução substancial do interesse da maio-ria dos entrevistados pelas notícias a res-peito da operação, o que é natural, dada a prolongada duração das investigações. O porcentual daqueles que se declaram muito interessados pela Lava Jato, apon-ta o instituto, despencou de 67% no início

Moro no auge: boneco no Carnaval de Olinda

... o negócio é alcançar Lula,

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Desde que não mexa com certos interesses...

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para alimentar uma campanha diuturna nos jornais, rádios e redes de tevê, na qual plantar uma horta ou andar de peda-linho tornaram-se provas de crimes imperdoáveis. A auto-rização para a abertura do in-quérito deveria ter sido man-tida em sigilo, mas vazou “por engano”, segundo o ma-gistrado. Logo, Moro deci-diu que todo e qualquer pro-cedimento a respeito pas-sa a ser público. Garantia da continuidade do fluxo de notícias sobre o assun-to. Esse tipo de comporta-mento levou Armando Coelho Neto, ex-presidente da Associação de Delegados da Polícia Federal, a decla-rar: “Não acho que exista um combate à corrupção. Existe uma guerra declara-da ao Partido dos Trabalhadores”.

Apesar de a “caça a Lula” ter se intensificado, não é de hoje que a Lava Jato se esmera em tes-tar os limites legais de seu po-der. Desde o início da apuração,

mostram os fatos, a força-tarefa tem dri-blado formalidades judiciais para man-ter o processo sob a jurisdição de Moro e ativo na opinião pública. Se as manobras e o empenho dos investigadores envol-vidos permitiram a revelação de um as-sustador esquema de corrupção, igual-mente alimentaram uma máquina que atropela princípios elementares da de-mocracia e imbuiu-se do objetivo polí-tico de avançar somente contra um es-pectro da representação político-parti-dária, com ou sem fundamento, propó-sito incompatível com os deveres consti-tucionais de delegados, procuradores da República e do juiz Sergio Moro.

A Lava Jato, para quem não se recor-da, começou com a investigação de cri-mes de lavagem de dinheiro suposta-mente cometidos pelo doleiro Carlos

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José Orlando Cerqueira Bremer, hoje na 1ª Vara Criminal de Curitiba, ao saber da “malandragem”.

A iniciativa malsucedida pres-tou-se ao menos para escan-carar uma mudança no estilo de comando da Polícia Federal. Quando, em 2003, tomaram

forma as megaoperações da corporação, Paulo Lacerda, diretor-geral, Zulmar Pimentel, diretor-executivo, e o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, optaram por manter um contro-le rígido da legalidade do trabalho poli-cial. Com o tempo, à medida que as ope-rações deixaram de ser centralizadas em Brasília, decisão tomada após o vexami-noso afastamento de Lacerda da direção da PF, houve um afrouxamento das nor-mas. O descontrole é também uma con-sequência da falta de pulso do atual mi-nistro José Eduardo Cardozo, apelidado de “Rolando Lero” pelos agentes federais.

A ausência de autoridade de Cardozo ficou patente ainda no fim de 2014. Em novembro daquele ano, após a divulgação pela repórter Julia Duailibi, em O Estado de S. Paulo, de postagens no Facebook an-tes das eleições presidenciais feitas por delegados federais integrantes da força--tarefa em apoio à candidatura do tuca-no Aécio Neves (contra quem pairam sus-peitas de participação no mesmo esque-ma de corrupção) e com ofensas dirigidas à presidenta Dilma Rousseff, candidata à reeleição, Cardozo ordenou ao diretor--geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, a apuração dos fatos. Ordem nunca cum-prida. Mais adiante, em entrevista ao Estadão, Coimbra desafiaria o ministro mais uma vez. A Lava Jato, declarou, con-tinuaria em curso “doa a quem doer”.

A revelação das preferências eleito-rais dos delegados foi um vazamento, segundo depoimentos oficiais, operado

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Habib Chater, cuja agên-cia de câmbio funciona-va no Posto da Torre no Setor Hoteleiro Sul, em Brasília. Daí nasceu o no-me da operação. Àquela altura, os investigado-res possuíam, no entan-to, informações a respei-

to das relações de outros doleiros que participavam dos esquemas de Chater. Destacava-se o contato de Alberto Youssef, o “primo”, velho conhecido de Moro dos tempos do escândalo do Banestado, com políti-cos, entre eles o falecido José Janene, envolvido no “men-

salão” do PT, e dos deputados federais André Vargas, petista, e Luiz Argolo, fi-liado ao Solidariedade.

O envolvimento de parlamentares no exercício do mandato obrigaria a re-messa das investigações para o Supremo Tribunal Federal, por força do foro pri-vilegiado. Para evitar essa remessa, que esvaziaria a atuação de Moro, os poli-ciais federais recorreram a uma espé-cie de atalho: tentaram obter extratos telefônicos dos deputados por meio de um alvará concedido pela Vara Criminal de Pinhais, no Paraná, em uma inves-tigação de tráfico de drogas a cargo da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da superintendência estadual da PF. A recusa da operadora em fornecer os ex-tratos das ligações revelou o “contra-

bando” inserido no alvará da Justiça estadual e gerou um desentendi-

mento entre os delegados lota-dos na autarquia. “Se meu al-vará foi usado na Lava Jato, fui traído”, desabafou o magistrado

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Os lixões também são depósitos de larvas. Mas o governo insiste na espetacularização do combate e nos apelos à população MEGAOPERAÇÃO

Os números da Lava Jato

Fonte: Ministério Público Federal. Atualizado em dezembro de 2015. Número de fases atualizado em janeiro de 2016

22FASES

659MILHÕES DE REAIS

repatriados do exterior

783ANOS E DOIS

MESES de prisão em

80 condenações

396BUSCAS

e apreensões

199MANDADOS

de prisão

86PEDIDOS

de cooperação internacional

5ACORDOS de leniência

14,5BILHÕES DE REAIS

é o valor total dos ressarcimentos pedidos

2,8BILHÕES DE REAIS

recuperados por acordos de colaboração

40ACORDOS

de delação premiada

O INTERESSE DA POPULAÇÃO PELA LAVA JATO, INDICA PESQUISA DO VOX

POPULI, CAIU DE 67% PARA 26%

O grampo na cela de Youssef continua sem esclarecimentos

O ministro da Justiça, segundo os integrantes da Polícia Federal

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no bairro paulistano do Itaim, sede do escritório do ex-ministro Thomaz Bastos, que morreria no dia 20 de no-vembro daquele ano.

As postagens chegaram às mãos do ex-ministro por intermédio do advoga-do Augusto de Arruda Botelho, seu ex--estagiário. Foi Botelho quem, a pedido de Thomaz Bastos, encontrou em ou-tubro de 2014 o delegado federal Paulo Renato Herrera, do Paraná, e o advoga-do Marden Maués. Os dois tentavam en-caminhar ao Ministério da Justiça um alerta sobre supostas irregularidades ocorridas na Lava Jato. Anteriormente, Herrera havia procurado diretores da Polícia Federal em Brasília com o mes-mo objetivo, sem êxito.

Se, no caso da tentativa de obter da-dos de telefones de personagens com fo-ro privilegiado, o abuso não chegou a ser consumado, graças à recusa da operado-ra de telefonia, o mesmo não se pode di-zer de outras ocorrências relatadas por Herrera. A principal delas, a escuta am-biental descoberta pelo doleiro Youssef em sua própria cela no fim de abril de 2014. Quando Herrera e Maués se reu-niram com Botelho, a primeira sindicân-cia sobre o grampo, a 04/2014, tinha si-do rapidamente encerrada pelo delegado Maurício Moscardi Grilo. Segundo ele, a instalação era antiga e a escuta estava de-sativada. Herrera contestava o resultado.

Alguns meses depois da apressada conclusão de Moscardi, o agente Dalmey Fernando Werlang confessou ao delega-do Mário Henrique Fanton ter sido o res-ponsável pela instalação do grampo no dia da chegada de Youssef à cela. O equi-pamento, afirmou, foi colocado lá a pe-dido do delegado Igor Romário de Paulo, chefe da Delegacia de Combate ao Crime Organizado. Ainda segundo Werlang, o superintendente Rosalvo Ferreira Franco e o delegado Márcio Anselmo, chefe da investigação da Lava Jato, esta-vam presentes quando a ordem lhe foi da-da. Anselmo também seria o destinatário J

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a ser mencionado pelo site da publicação. Nenhuma das 36 denúncias apresenta-das à 13ª Vara de Curitiba faz referên-cia a seu nome. Teria sido uma tentativa de constranger o ministro do Supremo?

Em setembro de 2014, antevés-pera do primeiro turno das elei-ções presidenciais, integrantes da força-tarefa vazaram para a mesma Veja parte da delação

premiada de Paulo Roberto Costa, ex--diretor da Petrobras, antes de o depoi-mento ser chancelado por Moro. O obje-tivo era claro: influir no resultado das ur-nas. Diante do efeito nulo, os vazadores foram mais longe. Forneceram à publi-cação afirmações imprecisas atribuídas a Youssef. O resultado foi a famosa capa “Eles sabiam de tudo”, estampada com os rostos de Dilma Rousseff e Lula, às vés-peras do segundo turno, edição antecipa-da para ser usada como material de cam-panha do tucano Aécio Neves. Há quem atribua à intensa propaganda da edição de Veja a perda de cerca de 8 milhões de votos de Dilma em São Paulo. A presiden-ta foi reeleita e, apesar do estardalhaço daquele vazamento, nunca foi formal-mente investigada pela força-tarefa.

Diante da ilegalidade, Cardozo, o mi-nistro “Rolando Lero”, poderia ter atu-ado. Mas não o fez. Em entrevista ao jor-nal Valor Econômico, esquivou-se da acu-sação de não apurar os vazamentos: “A investigação é difícil de ser realizada. O jornalista tem garantia constitucional da fonte, o que é correto, mas dificulta (a investigação)”.

Trata-se, no mínimo, de um equívo-co. Para investigar o grampo na cela de Youssef, ou mesmo o segundo grampo no fumódromo da superintendência no Paraná, a polícia não precisaria ouvir jornalistas. Mas, apesar de o corregedor--geral Roberto Mario da Cunha Cordeiro ter prometido ao juiz Moro encaminhar a sindicância da escuta da cela do dolei-ro até o fim de novembro passado, dois

das gravações, assim como a delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues, che-fe no Núcleo de Inteligência Policial.

Na nova sindicância instalada após as declarações de Werlang a Fanton, repetidas em uma sessão na CPI da Petrobras, e em depoimento ao juiz Moro, parte dos áudios foi recuperada, segundo o deputado Aluísio Guimarães Mendes. Ou seja, a sindicância presidida por Moscardi, como suspeitava Herrera, visava encobrir uma ilegalidade come-tida no início da Lava Jato.

A campanha eleitoral pró-Aé-cio nas redes sociais estimu-lada por delegados da força--tarefa é um raro vazamen-to contra os interesses dos in-

vestigadores. Em geral, dar publicidade a depoimentos sem comprovação, a su-posições e meros indícios tornou-se uma estratégia central da operação. O objeti-vo dos vazamentos seria impedir a inter-ferência política e do poder econômico que comumente no Brasil frustra o com-bate a crimes de corrupção. Vazar seria, portanto, uma vacina contra o poder de corruptos e corruptores.

A tática é abertamente admitida pe-la força-tarefa, mas alguns de seus in-tegrantes se empenham mais do que

outros em praticá-la. Quem aparen-temente a adota de corpo e alma é a delegada Érika Mialik Marena, che-fe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros. Marena foi procuradora do Banco Central, ingressou na PF em 2003 e tornou-se especialista no com-bate a crimes financeiros. Trabalhou no caso Banestado e chegou a substi-tuir Protógenes Queiroz na malfadada Operação Satiagraha. Segundo um cole-ga, ela costuma compartilhar com jorna-listas as “operações de vulto, que abran-jam pessoas relevantes política ou eco-nomicamente, inclusive, por meio de va-zamentos”.

Não é a única. Seria impossível tantos vazamentos sem um acordo entre todas as partes da investigação. Coincidência ou não, uma estranha sequência de in-formações publicadas no site da revista

Veja chamou a atenção dos policiais fe-derais críticos dos métodos da Lava Jato, tachados de “dissidentes”. Ao meio-dia e dezoito minutos de 19 de maio de 2014, o site noticiou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, relator da Lava Jato, de sus-pender os inquéritos e ações penais em andamento na 13ª Vara Federal do Paraná, do juiz Moro. Zavascki suspen-deu ainda os mandados de prisão assina-dos pelo magistrado e requereu os pro-cessos para analisá-los. À noite, a exem-plo de outros sites, Veja reproduziu um alerta do juiz ao ministro: entre os pre-sos prestes a ganhar liberdade por conta da decisão estaria um suspeito de envol-vimento com o tráfico de drogas.

Às 6 horas e 21 minutos da manhã do dia seguinte, o site de Veja divul-gou a seguinte informação sob o título

“Investigado pela PF apoiou Zavascki em eleição do Grêmio”. Narrava o texto: “Responsável pela decisão que concedeu liberdade ao doleiro Alberto Youssef, ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e a mais dez presos da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, o minis-tro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki disputou uma vaga no Conselho Deliberativo do Grêmio nu-ma chapa articulada e apoiada por um dos alvos da investigação.

Na eleição, no ano passado, Zavascki integrou a chapa Grêmio Maior, que ti-nha entre seus principais articuladores o dirigente gremista Eduardo Antonini, investigado na Lava Jato sob suspeita de ter recebido 500.000 reais de Youssef”.

Na tarde do mesmo dia, após receber novas informações de Moro, Zavascki reviu sua posição e cancelou a suspen-são dos mandados de prisão. Manteve apenas a ordem de libertação de Costa, que voltaria a ser preso meses depois.

O site da revista havia mencionado o advogado Antonini uma única vez antes da postagem do dia 20. Foi durante a pri-meira fase da Lava Jato, em 17 de mar-ço, em um texto intitulado “Presos em operação da PF contra lavagem são ve-lhos conhecidos da Justiça”. Lê-se que a casa do “engenheiro e mestre em gestão empresarial Eduardo Antonini” foi alvo de busca e apreensão. Na ocasião, o site registrou o fato de o advogado ser ex-pre-sidente da Grêmio Empreendimentos e conselheiro do time de futebol gaúcho. Nunca mais o nome do advogado voltaria

Fanton, afastado das apurações sobre

os grampos

Kodama: uma história mal contada

Maués, o advogado acusado de produzir dossiês contra a força-tarefa

A delegada Érika Marena, como todos os demais investigadores, acredita que o vazamento de informações é uma arma contra corruptos e corruptores

Werlang admitiu ter instalados grampos na carceragem da Polícia Federal no Paraná. O inquérito a respeito nunca chegou ao fim

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meses e meio depois nenhuma conclu-são foi apresentada. No caso do fumó-dromo, a demora é ainda maior. Em des-pacho de 7 de julho de 2015, o delegado Alfredo José de Souza Junqueira, da Coordenadoria de Assuntos Internos, confirmou à CPI da Petrobras que aque-la escuta não tinha autorização judicial. Passaram-se sete meses e não veio a pú-blico qualquer providência tomada com relação à delegada Daniele Rodrigues, apontada pelo agente Werlang como autora da ordem para a sua instalação.

O sigilo no resultado das sindicâncias, suspeita-se, estaria diretamente ligado à necessidade de punir os responsáveis, o que poderia provocar um esfacelamen-to da força-tarefa e soar como interven-ção arbitrária para livrar os corruptos da punição.

Há outros fatos pouco esclare-cidos. Um deles diz respeito à passagem pela carceragem da Polícia Federal no Paraná da doleira Nelma Kodama.

Oficialmente, como definiu o próprio Moro, a custódia da PF é um mero local de passagem. Os presos permanecem na superintendência enquanto interessa à força-tarefa ouvi-los. Sem essa utilida-de acabam transferidos para algum pre-sídio paranaense.

Kodama foi presa em 17 de março de 2014 no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, quando tentava embarcar para Milão. Na carceragem da PF, em Curitiba, segundo revelou em uma car-ta endereçada ao desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a doleira diz ter ouvido do de-legado Márcio Anselmo e do procura-dor Deltan Dallagnol um recado que ela definiu como “um balde de água fria”: “A senhora tem algum político ou negó-cio com tráfico de drogas? Algum fato

Fayed Trabulsi, o qual admito conhe-cê-lo. Orientada pelos meus advogados, eles sugeriram que eu permanecesse EM SILÊNCIO, ao contrário, eu disse à dele-gada que teria como ser ouvida, porém, que aguardaria a decisão do Ministro, que tão logo fosse definido, eu faria a oi-tiva necessária. Ela não gostou, e disse que tinha autoridade de poder me ouvir em termo de colaboração. Mas eu insis-ti em aguardar a decisão do ministro”.

A doleira prossegue: “No dia 11 de junho de 2014, descem à sala da car-ceragem dois agentes federais, a Dra. Andrea e ela disse rudemente que eu seria transferida para o 'COMPLEXO PENITENCIÁRIO, PARA O SISTEMA', que lá eu teria tempo de sobra para pen-sar na resposta do Ministro. Deram-me cinco minutos para pegar meus remé-dios, uma roupa e me algemaram nas mãos e nos pés e me transferiram para o Presídio Feminino de Piraquara”.

Continua: “Excelentíssimo desem-bargador, eu conheci o inferno, em meio a 450 detentas, fui ameaçada (abri in-quérito) e nas minhas condições de saú-de emagreci 15 quilos e fiquei emocio-nalmente abalada” (sic).

Condenada a 18 anos de prisão, em no-vembro de 2014, pena reduzida para 14 anos na segunda instância, em um julga-mento no qual o desembargador não deu crédito às suas denúncias, Kodama re-tornou à carceragem da PF em fevereiro de 2015. Desde então, conforme explica-ções oficiais, ela presta colaboração aos investigadores da Lava Jato.

Houve ainda uma tentativa de forjar provas contra Kodama. Na companhia do delegado Moscardi, o agente Ronaldo Massuia foi enviado a Vinhedo, interior de São Paulo, com uma missão especial determinada, segundo consta das ano-tações da corregedoria, pelo delegado Igor Romário de Paula: comprar um ce-lular “bombinha”, apelido dos aparelhos

pré-pagos, e dele ligar para a doleira. O policial deveria antes registrar o nú-mero do aparelho no CNPJ do labora-tório Labogen, empresa de propriedade de Youssef investigada pela Lava Jato por conta de contratos suspeitos com o Ministério da Saúde. O objetivo era produzir uma “prova” da ligação entre Kodama e a firma do doleiro. Consta que o celular chegou a ser comprado, mas Massuia não conseguiu registrá-lo em nome do Labogen.

Curiosamente, os depoimentos de Kodama foram usados pe-lo delegado Igor de Paula pa-ra respaldar duas informa-ções policiais por eles assina-

das em dezembro de 2014, com dados sobre o possível dossiê com conteúdo contra a Lava Jato supostamente mon-tado pelo delegado Herrera e os advoga-dos Botelho e Maués, além do ex-agen-te policial Rodrigo Gnazzo, àquela al-tura afastado há dois anos da PF. A do-leira era cliente de Maués e endossou a tese de que seu advogado negociava in-formações sigilosas, o que jamais viria a ser confirmado. Também esse inquérito nunca foi concluído.

A versão do dossiê surgiu logo depois de reveladas as postagens político-elei-torais no Facebook dos delegados da Lava Jato. Coube ao delegado Fanton in-vestigar o caso no inquérito de número 737. Fanton não teve tempo de concluir a apuração. Por ordens superiores, voltou ao seu posto em Bauru, no interior de São Paulo. O inquérito passou às mãos da cor-regedora Tânia Fogaça. Nenhum indício da existência de um dossiê montado pa-ra atrapalhar a Lava Jato foi encontrado.

O padrão de ignorar vazamentos con-tinua. O mais recente exemplo foi a des-coberta do rascunho daquela que seria a delação premiada de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. Para espanto de Zavascki e de Janot, o rascunho te-ria chegado às mãos do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, que passou al-guns dias preso em Brasília após ser acu-sado de se dispor a financiar a fuga de Cerveró do Brasil.

Em 25 de novembro, após a manifes-tação de Zavascki e Janot na sessão do Supremo Tribunal Federal que confir-mou as prisões de Esteves e do senador petista Delcídio do Amaral, a PF anun-ciou a abertura de novo inquérito para apurar o vazamento. O trabalho está a

cargo do delegado Severino Moreira da Silva, indicado pela superintendência do Paraná. O retorno de Silva das férias coincidiu com o vencimento do prazo pa-ra o inquérito ser remetido à Justiça. O delegado agora espera a prorrogação, em uma investigação na qual, vencidos qua-se três meses, nenhum depoimento foi tomado. Como de costume. CartaCapital encaminhou uma série de perguntas à direção da Polícia Federal sobre os mé-todos de investigação e os vazamentos, mas não obteve respostas.

Moro e a força-tarefa costumam di-zer em sua defesa que apenas uma ínfi-ma parte das decisões tomadas em pri-meira instância foi reformada por tribu-nais superiores (11 no total). É fato. Para os advogados de defesa, o massacre mi-diático, alimentado em grande medida pelos vazamentos descontrolados, coí-be os magistrados e restringe os direi-tos dos réus. Para se ter uma exata no-ção de quem está com a razão nesse de-bate será preciso esperar o andamento dos processos nas cortes maiores, quan-do, provavelmente, o clamor da “opinião pública” não passará de um eco no pas-sado. De qualquer forma, a Lava Jato parece viver um impasse: ou apresen-ta uma conclusão clara sobre a exten-são e os verdadeiros responsáveis pela corrupção na Petrobras ou torna-se de vez mais um instrumento da luta intes-tina pelo poder no Brasil. •

O vazamento enviesado produziu danos eleitorais, mas até hoje não

se comprovou esta afirmação

Também não se sabe de que maneira o banqueiro Esteves teria obtido uma cópia da delação premiada de Cerveró

novo? Porque, se a senhora só tiver ope-raçõezinhas com chinesinhos, não é do nosso interesse”.

Na carta, cujo conteúdo jamais me-receu uma investigação, Kodama nar-ra: “Durante os primeiros três meses que permaneci na SPF Curitiba, hou-ve um 'evento' pessoal, o qual a delega-da Andrea, de Brasília, durante o pro-cesso suspenso pelo ministro Teori, me chama para oitiva informal do Sr.

OS TRIBUNAIS SUPERIORES TERÃO

DE DIZER SE O COMBATE À CORRUPÇÃO

JUSTIFICA CERTOS MÉTODOS

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O ministro Zavascki, relator da Lava Jato no Supremo, foi alvo de maledicências. Seu pecado: conhecer o advogado Antonini